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Epidemiologia

Estudos Epidemiológicos

Profa. Dra. Ivana Maria Saes Busato


Olá!

O vídeo a seguir mostra os conteúdos que serão estudados nesta aula.


Venha conferir!

Introdução

A Epidemiologia aplicada é estudada por meio de diferentes planos.


Nesta aula, veremos sua importância na intervenção de situações de saúde, ou
seja, para a sua melhoria. Estudaremos o conhecimento sobre a causalidade
em saúde como estratégia metodológica para a identificação de uma
associação entre as supostas causas – os fatores de risco – e seus efeitos
sobre a saúde.

Dessa forma, conheceremos os modelos explicativos do processo


saúde/doença em populações fundamentais para a Epidemiologia aplicada,
dividida em dois planos: por níveis de determinação, considerando que a saúde
é um conjunto complexo de eventos que se organizam em diferentes níveis, do
molecular ao social; e a Epidemiologia aplicada por problemas de saúde,
analisando algumas condições de maior impacto em mortalidade e morbidade
no Brasil.

Causalidade em Saúde

Para a Epidemiologia, a associação é entendida como a existência de


uma dependência estatística entre dois ou mais eventos, características ou
outras variáveis e pode ser chamada, ainda, de relação e correlação. Uma
associação ocorre quando a probabilidade da ocorrência de um evento ou
característica varia em função da ocorrência ou não de um ou mais eventos, ou

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da presença ou não de uma ou mais características. A associação pode ser
positiva se os dois eventos têm o mesmo sentido, por exemplo: aumentam
concomitantemente; ou pode ser negativa, indicando sentidos opostos entre os
eventos.

Podemos afirmar, portanto, que associação é a relação estatística entre dois


eventos, usualmente entre uma variável explicativa, explanatória ou
independente (fator de exposição) e um desfecho em saúde, variável
dependente ou resposta – a variável a ser explicada.

A causa em Epidemiologia é o evento, condição ou característica que


precede a doença ou condição de saúde e sem a qual ela não teria ocorrido ou
teria ocorrido tardiamente. Já a exposição é a quantidade ou a intensidade de
um fator ao qual o indivíduo ou grupo está ou esteve sujeito.

Nem toda associação estatística é uma associação causal; para sabermos se uma
associação estatística é uma indicação de causalidade em Epidemiologia,
devemos verificar se determinadas condições ou critérios foram atendidos.

A discussão de causa nessa ciência é realizada por meio de modelos.


Modelos são maneiras de pensar a realidade e expressam nossa imaginação
sobre como o mundo deve funcionar. Foram diversos os modelos de
causalidade já descritos. Inicialmente vieram os “postulados de Henle”, em
1840, que foi expandido por Koch na década de 1980, então denominados
“postulados de Henke-Koch”. Estes visavam confirmar que um determinado
micro-organismo é agente causal de uma determinada doença, modelo que foi
fruto da revolução microbiana.

Com a importância crescente das doenças não infecciosas nas


pesquisas epidemiológicas no século XX, evidenciou-se que as associações
causais dessas doenças não eram explicadas por meio do modelo de

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postulados de Henke-Koch, havendo a necessidade de outros modelos para
preencher as explicações. Em 1965, Hill propôs um novo modelo, usado para
diferenciar as associações causais das não causais – os chamados “critérios
de causalidade de Hill”.

Já Rothman, em 1986, propôs outro modelo de causalidade, no qual


certo fenômeno (doença, por exemplo) não seria explicado por um único fator
(causa única), mas, sim, por uma constelação de fatores (causas
componentes), que agiriam em conjunto para a produção de determinado
efeito. Uma causa “suficiente” seria uma constelação mínima de causas
componentes que, inevitavelmente, produziria a doença.

Vamos conhecer um pouco mais sobre a causalidade em saúde no


vídeo a seguir. Confira!

Modelos explicativos da ocorrência de doenças em


populações humanas
No ensino ou no campo da prática profissional da saúde, é importante
conhecer os modelos teóricos que explicam e compreendem o fenômeno da
saúde e da doença entre as ciências da vida e as ciências humanas. Uma
diversidade de modelos explicativos tem sido estabelecida para explicar a
complexidade do processo saúde/doença ao longo da história da humanidade.

Vamos destacar três modelos que influenciaram no delineamento das


pesquisas epidemiológicas:

1. Modelo biomédico;

2. Modelo da determinação social da doença;

3. História natural das doenças.

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Modelo biomédico

Aponta para a compreensão dos fenômenos de saúde e doença, com


base nas ciências da vida a partir da Biologia e na concepção mecanicista da
vida. Esse modelo dominou as atitudes dos médicos em relação à saúde e à
doença.

Ao longo do tempo, o modelo biomédico foi assimilado pelo


senso comum, tendo como foco principal a doença infecciosa
causada por um agente.

Nessa abordagem, a doença é definida como desajuste ou falta de


mecanismos de adaptação do organismo ao meio, ou ainda como uma
presença de perturbações da estrutura viva, causadora de desarranjos na
função de um órgão, sistema ou organismo, em uma lógica unicausal ou
linear, sempre buscando identificar uma causa que, por determinação
mecânica, explicaria o fenômeno do adoecimento, direcionando, assim, a
explicação a se tornar universal.

No contexto da criação política da Organização das Nações Unidas (ONU) e da


Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde ganha nova
configuração e deve ser considerada, na explicação do processo saúde/doença e
da organização do cuidado, como: “o estado de completo bem-estar físico, mental
e social e não mera ausência de moléstia ou enfermidade.”

Modelo sistêmico

Proposto na década de 1970, o conceito de sistema começou a ganhar


força, trazendo uma compreensão mais abrangente do processo
saúde/doença.

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O sistema, nesse caso, é entendido como “um conjunto de elementos,
de tal forma relacionados, que uma mudança no estado de qualquer elemento
provoca mudança no estado dos demais elementos” (ALMEIDA FILHO;
ROUQUAYROL, 2002). Ou seja, essa noção de sistema incorpora a ideia de
todo, de contribuição de diferentes elementos do ecossistema no processo
saúde/doença, fazendo, assim, um contraponto à visão unidimensional e
fragmentária do modelo biomédico.

Segundo essa concepção, a estrutura geral de um problema de saúde é


entendida como uma função sistêmica, na qual um sistema epidemiológico se
constitui em um equilíbrio dinâmico.

Ou seja, cada vez que um dos seus componentes sofre alguma


alteração, esta repercute e atinge as demais partes, em um processo em que o
sistema busca novo equilíbrio.

Modelo da história natural das doenças

Representa um grande avanço em relação ao modelo biomédico por


reconhecer que a saúde/doença implica em um processo de múltiplas e
complexas determinações. Nessa lógica causal, o restabelecimento da saúde
tem fundamentação na visão positiva da mesma, valorizando a prevenção de
doenças, bem como as ações promotoras de saúde.

O conceito de saúde ganha, então, uma estruturação


explicativa proporcionada pelo esquema da tríade ecológica –
agente, hospedeiro e meio ambiente.

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Modelo multicausal: a tríade ecológica

Fonte: <http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?s_livro_id=6&area_id=4&autor_id=&capitulo_id=13&sub_capitulo_
id=20&arquivo=ver_conteudo_2>

Enquanto no modelo biomédico (unicausal) o conceito de saúde


prevalece à lógica exclusivamente em razão da ausência da doença
(primordialmente sobre a doença infecciosa), no modelo multicausal,
sistematizado por Leavell e Clark (1976), privilegia-se do conhecimento da
historia natural da doença. Nesse modelo, os fatores externos atuam e
contribuem para o adoecimento e estão caracterizados pela natureza física,
biológica, sociopolítica e cultural, além de fatores hereditário-congênitos, o
aumento ou diminuição das defesas e as alterações orgânicas, próprias de
cada indivíduo.

Para saber mais, faça a leitura do texto de Paulo Sabroza, “Concepções de saúde
e doença”, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (2004), disponível
em:

<http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/13%20CNS/SABROZA%20P%20Conce
pcoesSaudeDoenca.pdf>

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Modelo da história natural da doença
Fonte: <http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?s_livro_id=6&area_id=4&autor_id=&capitulo_id=13&sub_capitulo_
id=20&arquivo=ver_conteudo_2>

Modelo da determinação social da doença

Essa proposta foi elaborada a partir da crítica ao raciocínio


epidemiológico tradicional do processo saúde/doença como um novo conceito
de Epidemiologia, que foca nas características individuais, sem preocupação
em avaliar o que pertence ao âmbito biológico e o que pertence ao social.

A medicina social, como campo de novos saberes e conhecimentos, vem em


contraposição ao modelo biomédico e a classe social passa a ser uma categoria
que representa uma condição a ser utilizada na exploração epidemiológica de
uma coletividade.

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Isso significa dizer que a condição social é um pressuposto primordial
para o conhecimento epidemiológico.

Pesquisas epidemiológicas devem sistematizar e estudar com maior


especificidade os variados processos que resultam em condições de vida e
saúde em uma dada coletividade. Esse conjunto de processos sociais e de
morbidade de uma classe foi denominado perfil epidemiológico.

Assista ao vídeo a seguir para fixar o conhecimento sobre os tipos de


modelos do processo saúde/doença, incluindo os modelos anteriores à época
bacteriológica.

Epidemiologia Aplicada por Níveis de Determinação

Epidemiologia molecular
Recentes avanços na Biologia molecular nos últimos anos permitiram
uma grande evolução nos delineamentos epidemiológicos. A identificação de
moléculas com capacidade de acumular informação sobre eventos de saúde
que ocorrem no organismo – genericamente chamados de biomarcadores –
impulsionaram o desenvolvimento da Epidemiologia molecular. O
monitoramento de biomarcadores permite uma compreensão mais detalhada
dos eventos biológicos envolvidos na etiopatogênese das doenças, reforçam a
importância na identificação precoce de eventos associados à história natural
da doença e na determinação mais precisa de indivíduos ou grupos de risco.

A caracterização de linhagens por tipagem molecular como instrumento


adicional para as investigações epidemiológicas é um meio para se entender
melhor os mecanismos que influenciam a dinâmica de transmissão e a
identificação dos fatores de risco em uma comunidade.

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Essa identificação permite elaborar modelos adequados de medidas de controle,
além de poder ser usada para investigar propriedades biológicas das linhagens,
como virulência e patogenia.

Essas técnicas estão a serviço da Epidemiologia para ajudar a


responder as seguintes questões:

Como a doença se distribui em relação a pessoa, espaço e tempo? Quais


são os determinantes de risco para a ocorrência de doenças? Quais
fatores determinam manifestações clínicas e evoluções diferentes para
uma mesma doença?

Nesse plano, são utilizados desenhos de estudo em geral


observacionais, descritivos e analíticos e, em alguns casos específicos, os
estudos de intervenção.

Epidemiologia genética
A Epidemiologia genética é o estudo da Etiologia – distribuição e
controle de uma doença em grupos de familiares e de determinantes genéticos
de uma doença nas populações. As principais finalidades da Epidemiologia
genética estão na identificação de fatores genéticos de risco envolvidos na
Patologia em estudo e a quantificação do seu impacto na ocorrência da
população em geral.

Os avanços tecnológicos permitiram examinar o genoma humano em


detalhes de forma econômica e de grande escala. A análise genética moderna
necessita de integração com o conhecimento sobre outros aspectos
relacionados aos riscos individuais e populacionais. Nesse sentido, o
mapeamento do genoma humano e os avanços das tecnologias moleculares
tornam ainda mais importantes as aplicações da Epidemiologia genética.

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Apesar da maior parte dos seus sucessos ocorrerem nas doenças
monogênicas, nas quais a hereditariedade segue as leis de Mendel, atualmente
a Epidemiologia genética está cada vez mais focada nas doenças complexas,
como diabetes, asma, doenças cardíacas ou cancro, as quais são causadas
por diversos fatores genéticos e ambientais interatuantes.

Epidemiologia clínica
Desde a década de 1960, percebeu-se a necessidade das inovações
tecnológicas no desenvolvimento de técnicas avaliativas, que ocorrem no
diagnóstico, na prevenção e no tratamento de doenças. Foi nesse contexto que
a pesquisa clínica, apropriando-se dos conhecimentos metodológico da
Epidemiologia, cunhou a Epidemiologia clínica.

Esta deve ser entendida como um ramo da Epidemiologia voltada para o estudo
dos determinantes e dos efeitos das decisões clínicas, pois estuda como o estado
de saúde e a ocorrência de processos patológicos se expressam em nível
individual.

As evidências clínicas geradas pelas pesquisas clínico-epidemiológicas


e o aumento das opções de diagnóstico, tratamento e prevenção geradas por
essas pesquisas têm gerado necessidade do clínico realizar criteriosa análise
das evidências, como também um maior envolvimento do paciente e de seus
familiares. Essa dificuldade em escolher as melhores evidências para a prática
clínica fez surgir um novo paradigma de práticas e de ensino em medicina – a
Medicina Baseada em Evidência (MBE), traduzido do inglês Evidence-Based
Medicine.

A MBE é definida como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática


clínica. Em outras palavras, utiliza provas científicas existentes e disponíveis no

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momento, com boa validade interna e externa, para a aplicação de seus
resultados na prática clínica.

Quando abordamos o tratamento e falamos em evidências, temos que


nos lembrar de efetividade, eficiência, eficácia e segurança. A efetividade
diz respeito ao tratamento que funciona em condições do mundo real, a
eficiência, ao tratamento barato e acessível para que os pacientes possam dele
usufruir e a eficácia, buscar o tratamento quando funciona em condições de
mundo ideal.

El Dib (2007) aponta que existem diversas classificações dos níveis e


graus de recomendação das evidências. A maioria dos revisores e
colaboradores do Centro Cochrane do Brasil utiliza os níveis e graus de
evidências aqui apresentados, a fim de nortear suas pesquisas ou tomadas de
decisão em relação aos cuidados da saúde do paciente, por serem simples e
praticáveis.

Tipo de desenho de estudo Nível de


evidência
Revisões sistemáticas com ou sem meta-análises nível I
Grandes ensaios clínicos, com mais de 1000 pacientes nível II
Ensaios clínicos com menos de 1000 pacientes nível III
Estudos de coorte (não possuem o processo de nível IV
randomização)
Estudos caso-controle nível V
Séries de casos e estudos transversais nível VI
Relatos de caso nível VII
Opiniões de especialistas, pesquisas com animais e nível VIII
pesquisas in vitro

Tipo de desenhos de estudo e os níveis de evidências

Fonte: El Dib (2007)

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A colaboração do Centro Cochrane contribuiu muito para a tomada de
decisão no campo dos cuidados com a saúde e seus objetivos são:

 Fornecer informação precisa sobre os efeitos do cuidado com a saúde


prontamente disponível por todo o mundo;

 Produzir e disseminar revisões sistemáticas de intervenções aos cuidados


com a saúde;

 Promover a busca por evidências na forma de ensaios clínicos e outros


estudos de intervenção.

Epidemiologia ambiental
São inúmeras as disciplinas envolvidas nas discussões sobre o
monitoramento das situações de risco e dos efeitos à saúde relacionados com
o ambiente. A contribuição da Epidemiologia vem da exploração do processo
de articulação da produção-ambiente-saúde, bem como do estudo da
distribuição e dos determinantes do estado de saúde. Dessa forma, a
Epidemiologia ambiental tem uma especificidade para os estudos sobre a
relação entre o ambiente e a saúde e oferece instrumentos metodológicos à
orientação do processo da vigilância ambiental em saúde. Ou seja, oferece não
só a possibilidade de calcular riscos pela exposição a determinados poluentes
ambientais, como também de implantar programas de intervenção e redução
de riscos por meio de sistemas de vigilância e monitoramento ambiental.

Os conceitos e as teorias da Epidemiologia às questões de saúde ambiental


levam desafios, como a especificidade do objeto, a complexidade das
situações de risco e a interdisciplinaridade (PALACIUS et al, 2004).

Epidemiologia social
A epidemiologia social se distingue pela insistência em investigar
explicitamente os determinantes sociais do processo saúde/doença. Diferencia-
-se das outras abordagens epidemiológicas não pela importância aos aspectos

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sociais, pois todas reconhecem o valor desses aspectos, mas por sua
explicação intrínseca no processo saúde/doença (BARATA, 2005).

Os principais desafios metodológicos para a Epidemiologia social estão


na realização de estudos populacionais com desenhos apropriados de
investigação, seja na dimensão coletiva ou na individual. Na Epidemiologia
social, há diversas abordagens que podem ser estudadas na referência de
Barata (2005). Fizemos a opção por aprofundar a ótica do conceito de capital
social.

A utilização do conceito de capital social em estudos epidemiológicos


objetivou, inicialmente, a compreensão de mecanismos pelos quais as
desigualdades de renda agem sobre a saúde dos indivíduos. A relação entre
privação material e nível de saúde é demonstrada e facilmente aceita, mas o
mesmo não ocorre com a desigualdade relativa. A partir da indagação sobre os
possíveis mecanismos mediadores entre as desigualdades de renda e o estado
de saúde das populações residentes nos países desenvolvidos, vários autores
identificaram, na falta de investimentos em capital humano e nos efeitos
danosos do estresse, componentes importantes da cadeia de causalidade.

O conceito de capital social deriva da sociologia funcionalista que concebe a


organização social como um sistema composto por partes articuladas e em
cooperação para a obtenção de um objetivo.

Essas partes correspondem aos estratos sociais que, em sociedades


sadias, têm na solidariedade sua forma predominante de relação e, nas
sociedades doentes, têm suas relações marcadas pela anomia, ou seja, por um
funcionamento no qual predominam os conflitos e do qual emergem as
desigualdades.

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Patussi et al (2006) afirmam que capital social é um conceito útil para a
pesquisa e o debate acadêmico, pois fornece pistas sobre como tornar os
“menos poderosos” “mais poderosos”, os “desorganizados” “mais organizados”,
os “menos favorecidos” “mais capazes” e confiantes em suas capacidades para
exercer controle sobre as próprias vidas e, consequentemente, sobre a própria
saúde. Nesse sentido, o capital social oferece uma maneira nova e excitante de
revitalizar as pesquisas em Epidemiologia, pois fornece espaço para uma
abordagem não individualizada, que rompe barreiras disciplinares. Oferece,
ainda, oportunidades para melhor entender por que as desigualdades em
saúde se manifestam e como elas podem ser mais bem-enfrentadas, com
justiça social e solidariedade.

O compromisso histórico da Epidemiologia com a melhoria da saúde das


populações e com a redução das desigualdades sociais obriga todos os
epidemiologistas a avançarem no desenvolvimento de novas teorias, novas
estratégias de investigação e novas ferramentas de análise, que possam, cada
vez mais, fornecer elementos corretos para orientar as intervenções sociais no
campo de saúde e a formulação de políticas públicas baseadas no
reconhecimento dos direitos de cidadania, na garantia das liberdades
democráticas e na busca da felicidade humana (BARATA 2005).

Etnoepidemiologia

A Etnoepidemiologia é uma disciplina que se dedica a explorar


alternativas metodológicas para a pesquisa sobre processos e práticas sociais
ligadas à saúde, aptas a combinar de modo competente as abordagens
qualitativas e quantitativas de pesquisa em uma única estratégia
etnoepidemiológica (ALMEIDA FILHO E BARRETO, 2012). Aplica os métodos
epidemiológicos à pesquisa transcultural em saúde, introjeção de etnomodelos
dentro de estruturas de explicação baseadas na abordagem de risco. O
desenvolvimento de abordagens que integram a investigação da morbidade e
seus determinantes a partir da metodologia epidemiológica e a identificação,
em maior profundidade, dos elementos necessários ao entendimento dessas
formas de adoecer ou se sentir doente podem resultar em uma maior

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contribuição para o conhecimento acerca das possibilidades de promoção da
saúde.

A discussão da Etnoepidemiologia pode oferecer sustentação teórico-


-metodológica, reservadas as especificidades de cada objeto estudado para a
construção de novas abordagens para o estudo da relação saúde/doença.

Epidemiologia Aplicada a Problemas de Saúde

Essa abordagem epidemiológica é fundamental para identificar as


tendências, os grupos mais afetados, os mecanismos de transmissão
envolvidos e a introdução de novas doenças, além de caracterizar o
comportamento das doenças evidenciando suas alterações ao longo do tempo
e indicando novas estratégias de controle.

A epidemiologia aplicada a problemas de saúde é a ferramenta


fundamental para a vigilância epidemiológica.

Vigilância epidemiológica é o conjunto de ações que proporcionam o


conhecimento, a detecção ou a prevenção de qualquer mudança nos fatores
determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade
de recomendar e adotar as medidas de prevenção e o controle das doenças ou
agravos.

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Vamos conhecer, no vídeo a seguir, alguns problemas de saúde
específicos que são importantes na morbimortalidade brasileira. Não deixe de
assistir!

Não vamos esgotar o conhecimento de todas as doenças que abrangem


os problemas de saúde do Brasil, daremos destaque a algumas com impacto
na morbidade e na mortalidade e a outras que prejudicam o desenvolvimento
humano nas comunidades pobres e desprivilegiadas. Vamos organizar, assim,
os assuntos dividindo-os em tópicos que agrupam as doenças por
especificidades comuns.

Doenças transmissíveis
As doenças infecciosas e parasitárias representam uma carga
importante no padrão epidemiológico brasileiro, embora se observe uma
redução da morbidade e da mortalidade para o conjunto dessas doenças, as
quais permeiam as doenças emergentes e reemergentes e, também, estão nas
doenças negligenciadas que veremos a seguir.

As doenças transmissíveis, que eram a principal causa de mortalidade


no Brasil nas décadas de 1930 a 1950, tiveram seu declínio com algumas
medidas. Destacam-se as melhorias sanitárias, o acesso aos serviços de
saneamento básico, o desenvolvimento de novas tecnologias (como as vacinas
e os antibióticos) e a ampliação do acesso aos serviços de saúde e as medidas
de controle.

O uso dos sistemas de informação e o monitoramento da situação


epidemiológica permitem o planejamento das medidas de controle ajustadas às
necessidades de cada localidade.

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Doenças emergentes e reemergentes
As doenças emergentes são moléstias transmissíveis causadas por
bactérias ou vírus nunca antes descritos, ou por novas formas infectantes
geradas a partir de mutações em um micro-organismo já conhecido. É possível,
ainda, que sejam causadas por um agente que já parasitava animais e, depois,
começou a infectar também o homem. Exemplo disto é o HIV, vírus causador
da Aids, uma das principais doenças emergentes contemporâneas.

Além disso, uma enfermidade pode ser considerada emergente quando


passa a ter novas distribuições, como uma moléstia que só atingia as crianças
e começa a acometer idosos, ou uma doença antes restrita a um único país e
que se espalha por todo o mundo. Contudo, existem moléstias que aparecem,
são controladas e, passado um tempo, voltam a ameaçar a população –
chamadas de “doenças reemergentes”. São conhecidas de longa data e, de
repente, ticeram sua incidência aumentada por causa de uma série de fatores,
como: urbanização desordenada, degradação do meio ambiente e
desigualdade social, entre outros.

A Epidemiologia torna-se estratégia primordial no acompanhamento das


doenças emergentes e reermergentes, e a vigilância epidemiológica, por meio
de sua permeabilidade, organização e metodologia, com detecção precoce,
prevenção, análise das principais características epidemiológicas e resposta
coordenada a esses eventos, são etapas fundamentais para prevenir a
propagação nacional e internacional de doenças emergentes e reemergentes,
de modo a evitar, reduzir ou eliminar a disseminação na população.

Doenças negligenciadas
As doenças negligenciadas são denominações propostas pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a organização Médicos Sem
Fronteiras, dando destaque a enfermidades geralmente transmissíveis, que
apresentam maior ocorrência nos países em desenvolvimento e são também
as mais negligenciadas.

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As doenças negligenciadas contemplam as dimensões de
desenvolvimento social, político e econômico.

Elas têm como características comuns a endemicidade elevada nas


áreas rurais e urbanas menos favorecidas de países em desenvolvimento –
não ocorrendo mais frequentemente apenas em regiões empobrecidas –, como
também são condições promotoras de pobreza. Outra característica
apresentada é a falta de desenvolvimento de novos fármacos ou vacinas.

Essas doenças podem prejudicar o crescimento infantil e o


desenvolvimento intelectual, bem como a produtividade do trabalho, e podem
afetar o desenvolvimento econômico, causar incapacidades crônicas de longa
duração e prejudicar o desenvolvimento humano nas comunidades pobres e
desprivilegiadas, nas quais são mais prevalentes.

O estigma social, o preconceito, a marginalização, a pobreza extrema das


populações atingidas e a baixa mortalidade são fatores que contribuem para a
negligência com doenças.

Na era da ciência e da tecnologia, enquanto muito se discute sobre os


direitos humanos e as causas e consequências das iniquidades em saúde, as
populações pobres não têm acesso ao tratamento adequado contra as doenças
negligenciadas. Vamos conhecer os dados epidemiológicos brasileiros para
refletir a importância da análise de problemas de saúde referentes a doenças
transmissíveis, emergentes, reemergentes e negligenciadas na Epidemiologia.

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Para isso, assista ao vídeo a seguir.

Doenças crônicas não transmissíveis


A carga das doenças crônicas não transmissíveis – sigla DCNT – está
aumentando globalmente, e sua gravidade foi reconhecida pela Organização
Mundial da Saúde e pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada nos anos


1998, 2003 e 2008, mostrou que, do total da população residente, 31,3%
afirmou ter pelo menos uma doença crônica, correspondendo a 59,5 milhões
de pessoas. A doença crônica mais frequentemente relatada foi a
hipertensão arterial (14,1%), seguida de doenças da coluna (13,5%)
(BRASIL, 2011 a).

As doenças crônicas como hipertensão arterial e diabetes mellitus


assumiram o ônus crescente e preocupante em decorrência das transições
demográfica, nutricional e epidemiológica ocorridas nas últimas décadas. Em
relação às doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, a diabetes e a
hipertensão arterial constituem a primeira causa de hospitalizações no SUS. As
doenças crônicas não transmissíveis representaram cerca de 67% dos óbitos
notificados em 2007, e a proporção de óbitos é maior nas faixas etárias mais
elevadas, nos indivíduos com maior escolaridade, nos municípios maiores e
com melhores indicadores socioeconômicos.

Destacam-se os estudos epidemiológicos brasileiros realizados a partir


da medição da pressão arterial, da qual registram prevalências de hipertensão
de 40% a 50% entre adultos com mais de 40 anos de idade; são dados
preocupantes. Em 2007, a doença hipertensiva foi uma causa importante de
óbito, representando 3,7% da mortalidade geral. Já a diabetes foi responsável

20 Epidemiologia | Estudos Epidemiológicos


por 47.718 óbitos no Brasil em 2007 (4,6% de todos os óbitos). A taxa de
mortalidade passou de 30 óbitos por 100 mil habitantes, em 1996, para 33 em
2007 (aumento de 10%).

As doenças do aparelho circulatório foram responsáveis por 305 mil


óbitos em 2007, o que representa 29% do total de óbitos no país. Nesse
mesmo ano, a doença cerebrovascular foi a primeira causa definida de óbito na
população brasileira – 9% da mortalidade geral –, seguida das doenças
isquêmicas do coração, que atingira, 8,8%.

Em relação às neoplasias, foram registrados 161 mil óbitos em 2007,


15% de todos os óbitos. Os tipos de câncer que causaram mais mortes entre
as mulheres foram os de mama, seguido pelo câncer da traqueia, brônquios,
pulmões e colo de útero. Entre os homens, a primeira causa foi o câncer de
traqueia, brônquios e pulmões, seguido pelo câncer de próstata e de estômago.

As doenças não transmissíveis impactam na qualidade de vida das pessoas


e carregam os serviços de saúde; contudo, podem ser trabalhadas com
medidas de promoção da saúde coletivas e individuais que têm menor
impacto financeiro.

Síntese

Assista ao vídeo a seguir, em que apresentaremos uma síntese dos


assuntos que estudados nesta aula.

Epidemiologia | Estudos Epidemiológicos 21


1. Para a Epidemiologia aplicada a problemas de saúde, é importante
conhecer os conceitos de algumas doenças. Correlacione as colunas e, em
seguida, assinale a alternativa com a sequência correta:

A - Doenças emergentes
( ) principal causa de mortalidade no Brasil
nas décadas de 1930 a 1950

B – Doenças transmissíveis ( ) causadas por bactérias ou vírus nunca


antes descritos

C – Doenças crônicas não ( ) prejudicam o desenvolvimento humano


transmissíveis nas comunidades pobres

D – Doenças negligenciadas ( ) ônus crescente e preocupante para a


saúde

a. A B C D

b. B A C D

c. B A D C

d. C A B D

2. Podemos afirmar sobre os modelos do processo saúde/doença:

a. No modelo biomédico, o conceito de saúde ganha uma estruturação


explicativa proporcionada pelo esquema da tríade ecológica (agente,
hospedeiro e meio ambiente).

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b. Classe social é uma categoria que representa uma condição a ser
utilizada na exploração epidemiológica no modelo da história natural
das doenças.

c. O modelo da determinação social da doença é unicausal (classe


social).

d. A história natural das doenças considera fatores externos que atuam e


contribuem para o adoecimento e que estão caracterizados pela
natureza física, biológica, sociopolítica e cultural.

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Referências

ALMEIDA FILHO N; ROUQUAYROL M. Z. Introdução à Epidemiologia. 4.


ed., rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

ALMEIDA FILHO, N.; BARRETO, M. L. Epidemiologia & saúde: fundamentos,


métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.

BARATA, R. B. Epidemiologia social. Revista Brasileira de Epidemiologia.


2005; 8(1): 7-17.

BARROS, S. G. de & CHAVES, S. C. L. A utilização do Sistema de


Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) como instrumento para
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