A causalidade dos eventos adversos à saúde é uma das questões centrais da
epidemiologia, mas também uma das mais complexas. A epidemiologia em seus primórdios foi influenciada por conceitos unicausais da determinação das doenças, derivados principalmente do desenvolvimento da microbiologia no final do século passado. De acordo com essa concepção, a cada doença infecciosa deveria corresponder um agente etiológico específico. No entanto, já nas primeiras décadas do século XX, verificava-se que essa teoria não se adequava à compreensão da maioria das doenças infecciosas ou não-infecciosas. Progressivamente, firmava-se a percepção de que vários fatores, e não somente uma única causa estava relacionada com a ocorrência das doenças. Incorporava-se, então, à epidemiologia a concepção multicausal da determinação do processo saúde-doença. A presença de um patógeno pode ser necessária para a ocorrência de uma doença, mas sua presença pode não ser suficiente para que ela se desenvolva. Em situações como essa a causa suficiente pode ser a quantidade do inóculo ou a presença de outros fatores numa configuração favorável ao desenvolvimento da doença. Geralmente, a causa suficiente abrange um conjunto de componentes (fatores de risco), não sendo necessário identificá-los na totalidade para implementar medidas efetivas de prevenção, uma vez que a eliminação de um deles pode interferir na ação dos demais, naquilo que denominamos configuração favorável, e, portanto, evitar a doença. A partir desses pressupostos, em epidemiologia pode-se definir como causa uma multiplicidade de condições propícias que, reunidas em configurações adequadas, aumentam a probabilidade (ou risco) de ocorrência de determinada doença ou evento adverso à saúde. Com alguma freqüência podemos identificar diferentes fatores de risco para uma mesma doença, o que pressupõe a existência de uma rede de fatores ligados à causalidade. A força de cada fator como determinante do agravo, pode ser variável. Da mesma forma, existem fatores de risco associados a mais de uma doença. Como exemplos podemos citar: A doença coronariana, que apresenta diferentes fatores de risco, entre eles o estresse, o hábito do tabagismo, a hipertensão arterial, a vida sedentária, hábitos alimentares; O tabagismo pode constituir fator de risco para mais de uma doença, o câncer de pulmão e a doença coronariana.
História natural da doença e níveis de prevenção
História natural da doença é o modelo descritivo elaborado através das informações
capazes de explicar como e por que determinados eventos acontecem e participam do processo de doença passando pela resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte. Tríade epidemiológica
Agente: Todas as substâncias, elementos ou forças, animadas ou inanimadas, cuja
presença ou ausência pode, mediante contato efetivo com um hospedeiro suscetível, constituir estímulo para iniciar ou perpetuar um processo doença (biológico, físico, químico e nutricional). Hospedeiro: organismos passíveis de abrigar ou sofrer influências dos fatores causais capazes de provocar agravos à sua saúde (idade, sexo, estado civil, ocupação, escolaridade, características genéticas, histórico patológico, estado imunológico e estado emocional). Ambiente: Podem ser biológicos, nutricionais, físicos, químicos, mecânicos ou psico- sociais (determinantes físico-químicos como temperatura, umidade, poluição, acidentes; determinantes biológicos como acidentes, infecções e determinantes sociais como comportamentos, organização social). Incidência: A incidência expressa a freqüência de casos novos de uma enfermidade em um determinado espaço de tempo, dando a idéia dinâmica do desenvolvimento do fenômeno. Prevalência: Expressa a freqüência de casos (novos e antigos) de uma enfermidade em um momento determinado. Período de incubação: Período durante o qual ocorre a instalação, e eventual multiplicação dos agentes etiológicos no hospedeiro, sem que seja verificada sintomatologia da doença (doenças transmissíveis). Relacionamento Harmônico: evolução inaparente ou subclínica Relacionamento Desarmônico: incompatibilidade entre o hospedeiro e o parasita, forma aparente da doença. A evolução da doença pode ser: Convalescença: recuperação total ou parcial do hospedeiro. Cronicidade: quase sempre prejudicial ao hospedeiro.
Período de pré-patogênese
O primeiro período da história natural é a própria evolução das inter-relações
dinâmicas, que envolvem, de um lado, os condicionantes sociais e ambientais e, do outro, os fatores próprios do suscetível, até que chegue a uma configuração favorável à instalação da doença. É também a descrição desta evolução. Envolve como já as inter-relações entre os agentes etiológicos da doença, o suscetível e outros fatores ambientais que estimulam o desenvolvimento da enfermidade e as condições sócio-econômico-culturais que permitem a existência desses fatores. As pré-condições que condicionam a produção de doença, seja em indivíduos, seja em coletividades humanas, estão de tal forma interligadas e, na sua tessitura, são tão interdependentes, que seu conjunto forma uma estrutura reconhecida pela denominação de estrutura epidemiológica. Por estrutura epidemiológica, que tem funcionamento sistêmico, entende-se o conjunto formado pelos fatores vinculados ao suscetível e ao ambiente, incluindo aí o agente etiológico conjunto este dotado de uma organização interna que define as suas interações e também é responsável pela produção da doença. É, na realidade, um sistema epidemiológico. Cada vez que um dos componentes sofrer alguma alteração, está repercutirá, e atingirá os demais, num processo em que o sistema busca novo equilíbrio. Um novo equilíbrio trará consigo uma maior ou menor incidência de doenças, modificações na variação cíclica e no seu caráter, epidêmico ou endêmico.
Período de patogênese
A história natural da doença tem seguimento com a sua implantação e evolução no
homem. É o período da patogênese. Este período se inicia com as primeiras ações que os agentes patogênicos exercem sobre o ser afetado. Seguem-se as perturbações bioquímicas em nível celular, continuam com as perturbações na forma e na função, evoluindo para defeitos permanentes, cronicidade, morte ou cura.
Níveis de prevenção
Classicamente, a história natural da doença vai desde as primeiras manifestações
até o êxito (cura, seqüelas, morte, cronificação), incluindo todos os sintomas. Clark & Leavell ampliaram esse conceito. A partir disso, a história natural da doença é dividida em período pré-patogênico e patogênico. É no pré-patogênico que surgem as principais idéias sobre a prevenção da doença. O período pré-patogênico é composto de fatores chamados de estrutura epidemiológica que se relacionam ao agente, aos hospedeiros e ao ambiente. Pelo ambiente se entende: o físico, o social e o biológico. O agente é classificado em: físico, químico, biológico e psicológico. Quanto ao hospedeiro existe a susceptibilidade ou resistência ao agente. Ainda incluímos imunodepressão, e as características individuais como sexo, idade, grupo étnico, ocupação, renda e outros. O período patogênico se caracteriza por: 1) início do reconhecimento clínico e 2) doença avançada (morte, recuperação, incapacidade). A tentativa de alterar o período pré-patogênico é realizar prevenção. Enquanto que no período patogênico é tentar curar, tentar recuperar o estado de saúde. Prevenção Primária: é a prevenção da ocorrência da doença. Por exemplo: as vacinas, combate aos vetores. A prevenção primária pode ser dividida em promoção da saúde e proteção específica. A promoção de saúde se refere a melhoria do padrão alimentar, as boas condições de trabalho, habitação e vestuário, saneamento básico e medida de melhoria das condições ambientais. Quanto a proteção específica são: imunizações, saneamento básico, profilaxia medicamentosa, controle de vetores, higiene pessoal, proteção contra agentes cancerígenos e proteção contra acidentes. Prevenção Secundária: é a prevenção da evolução da doença. Ela compreende: 1) diagnóstico precoce e tratamento imediato com exames médicos periódicos, tratamento precoce, busca e exame de comunicantes, métodos educativos sobre a importância do diagnostico precoce; 2) recuperação e limitação da incapacidade: tratamento adequado. Prevenção Terciária: é a reabilitação da doença: provisão de recursos hospitalares e comunitários para readestramento e educação visando ao máximo o aproveitamento da capacidade remanescente, educação do público e das indústrias para utilização de reabilitação. Leavell & Clark (1976) colocam cinco procedimentos da promoção de saúde: bom padrão procedimentos nutricional; atendimento das necessidades para desenvolvimento ótimo da personalidade; educação sexual e aconselhamento pré-nupcial; moradia adequada; recreação e condições agradáveis no lar e no trabalho, além de orientação sanitária em exames periódicos.