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ETIOLOGIA E HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS

1. INTRODUÇÃO

A história natural da doença é o nome dado ao conjunto de processos interativos compreendendo “as
inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que afetam o processo global e seu
desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente, ou qualquer
outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito,
invalidez, recuperação ou morte”.
A evolução de uma doença na ausência de intervenções médicas ou de saúde pública é geralmente
chamada de história natural da doença. Os profissionais de saúde utilizam dos conhecimentos disponíveis
sobre as etapas, os mecanismos e as causas da doença para determinar como e em que momento intervir. O
objetivo da intervenção, seja ela preventiva ou terapêutica, é produzir uma alteração favorável na história
natural da doença.

2. ETAPAS DE UMA DOENÇA


O desenvolvimento e as manifestações de uma doença que ocorrem ao longo do tempo
podem ser divididos em tres etapas:
 Período de pré-doença;
 Período de latência e
 Período sintomático.
Durante o período de pré-doença ( antes do início do processo patológico), intervenções precoces
poderão evitar a exposição ao agente da doença (por ex. o chumbo ou um microrganismo), evitando, dessa
forma, que o processo doença se inicie. Isso é denominado prevenção primária. Durante o período de
latência (quando a doença já teve inicio, mas ainda é assintomática), os processos de rastreamento e a
instituição de tratamento adequado poderão evitar a progressão sintomática da doença, sendo este período
relacionado à prevenção secundária da doença. Já o período sintomático (quando as manifestações da
doença são evidentes), as intervenções poderão controlar, retardar ou reverter a progressão da doença e tem
estreita relação com a prevenção terciária.
3. MECANISMOS E CAUSAS DE UMA DOENÇA
Quando discutem a etiologia de uma doença, os epidemiologistas fazem uma distinção entre os
mecanismos biológicos e as causas sociais e ambientais dessa doença. Em um estudo sobre osteomalácia,
por exemplo, os pesquisadores podem explorar tanto os mecanismos dessa moléstia dos ossos como suas
causas e conseqüências num contexto social específico, tal como ocorre entre as mulheres que observam o
costume de purdah. Segundo esse costume, que é geralmente observado entre as muçulmanas de entre
mulheres de outras culturas, em países como a Índia, ao atingirem a puberdade, elas evitam se expor em
público, mantendo-se a maior parte do tempo reclusas e usando roupas que cobre praticamente todo o corpo
quando saem à rua. Impedindo a ação da radiação sobre a pele, essas práticas bloqueiam a irradiação do
ergosterol, que é uma das vitaminas necessárias para o crescimento. Se, como freqüentemente ocorre, a dieta
dessas mulheres for deficiente em vit. D durante o período de crescimento rápido da puberdade, elas podem
desenvolver osteomalácia como uma conseqüência da absorção insuficiente de cálcio. A osteomalácia
poderá vir a afetar futuras gerações, por deformar a pélvis ( que toma uma forma de pêra mais acentuada),
tornando, assim, a abertura pélvica pequena demais para ser atravessada pelo feto durante o trabalho e parto.
Se esse tipo de problema surgir, uma cirurgiã ou obstetra do sexo feminino deverá estar disponível, pois
seria impossível, sob o regime da purdah, que um médico do sexo masculino atendesse ao parto. Nesse
exemplo, as causas sociais e nutricionais colocam em ação mecanismos bioquímicos e biológicos da
osteomalácia, os quais poderão levar à mortalidade materna ou infantil.
Da mesma forma, a ingestão excessiva de gorduras, o fumo e a falta de exercício físico são fatores
sociais que contribuem para mecanismos biológicos da aterogênese, como níveis sanguineos elevados de
colesterol lipoprotéico de baixa densidade (LDL) e de colesterol lipoprotéico de muito baixa densidade
(VLDL), bem como um nível sanguineo reduzido de colesterol de alta densidade (HDL).
Os epidemiologistas se esforçam para ir tão longe quanto possível na descoberta das causas sociais
mais remotas das doenças, as quais podem oferecer indicativos para os métodos de prevenção. As hipóteses
apresentadas pelos epidemiologistas frequentemente servem como guia para os cientistas que trabalham em
laboratório, uma vez que estes buscam descobrir os mecanismos biológicos das doenças, os quais, por sua
vez, podem fornecer sugestões para métodos de tratamento.
4. HOSPEDEIRO, AGENTE E MEIO AMBIENTE
As causas de uma doença são geralmente estudadas em termos de uma tríade de fatores: o
hospedeiro, o agente e o meio ambiente. Para muitas doenças, é útil que se adicione um quarto fato: o vetor
(fig. 1). No caso do sarampo, o hospedeiro é um ser humano suscetível à infecção pelo agene, sendo esse
agente um vírus, altamente infectante, que pode causar uma doença grave em seres humanos; e o meio
ambiente possibilita que indivíduos suscetíveis tenham contato com pessoas infectadas. Com relação à
Malária, o hospedeiro, o agente e o meio ambiente são importantes, mas o vetor, o mosquito do gênero
Anopheles, também é fundamental.
Os fatores do próprio hospedeiro são responsáveis pelo grau com que o indivíduo é capaz de se
defender das agressões do agente A resistência do hospedeiro é influenciada pelo genótipo da pessoa, pelo
estado nutricional, pelo sistema imunitário e pelos hábitos sociais. A resistência geral das pessoas sem
imunodeficiência depende, em parte, de uma boa nutrição. Isso é bem evidenciado pelo fato de que o
sarampo é raramente fatal em crianças bem nutridas, mesmo na ausência de imunização e de recursos
modenos de assistência médica. Em contraste, até 25% das crianças com marasmo (inanição) ou
kwashiorkor (má nutrição protéico-calórica, geralmente relacionada ao desmame) morrem por complicações
do sarampo. Um exemplo de que os hábitos sociais têm efeito sobre a disseminação de ma doença é o caso
da disenteria causada por bactérias do gênero Shigella. Esse tipo de disenteria raramente se transmite por
contato pessoa a pessoa quando se mantém uma higiene adequada, mas ela pode se disseminar rapidamente
em lares para indivíduos com retardo mental. Alguns comportamentos como o hábito de fumar, podem
também ser considerados como fatores próprios do hospedeiro.
Os agentes de doenças ou agravos podem ser divididos em várias categorias: os agentes biológicos:
incluem alérgenos, agentes infecciosos (por ex. bactérias, vírus) e, em algumas situações, até mesmo
vacinas, antibióticos e alimentos (por ex, uma dieta altamente gordurosa); os agentes químicos, substâncias
químicas tóxicas (por ex. chumbo) e poeiras, que podem causar tanto doenças agudas como crônica; e os
agentes físicos, energia cinética (por ex., casos que envolvem ferimentos provocados por arma de fogo,
traumatismos por objetos contundentes e ferimentos provocados por veículos) radiação, calor e ruído.
Atualmente, admite-se ainda que as tensões sociais e psicológicas podem ser consideradas agentes
produtores de problemas de saúde.
O meio ambiente influencia a probabilidade e as circunstâncias do contato entre o hospedeiro e o
agente. Por ex., más condições de higiene em um restaurante aumentam a probabilidade de que os
funcionários se exponham a infecções por Salmonella. Estradas precárias e más condições meteorológicas
aumentam o número de colisões automobilísticas e de desastres aéreos. Contudo, o meio ambiente também
abrange fatores sociais, políticos e econômicos. Casas e escolas lotadas tornam mais provável a exposição às
doenças infecciosas, e a estrutura política e a saúde econômica de uma sociedade determinam, em parte, o
estado nutricional dos membros dessa sociedade.
Os vetores de doenças comumente incluem insetos ( por ex. mosquitos associados à disseminação da
malária, dengue, leishmaniose, etc), outros artropodes ( por ex. carrapatos associados à doença de Lyme) e
mamíferos ( por ex. racuns associados com a raiva no leste dos Estados Unidos da América).
O conceito de vetor, entretanto, pode ser aplicado mais amplamente para incluir grupos de seres
humanos ( por ex. vendedores de heroína e cocaína) e até mesmo objetos ( por ex. agulhas contaminadas
associadas à hepatite e à infecção pelo HIV. Um vetor pode ser considerado parte do meio ambiente, ou ser
tratado separadamente, tal como apresentado na fig. 1. Para ser um transmissor efetivo de uma doença,o
vetor precisa ter uma relação específica com o agente, o meio ambiente e o hospedeiro.
No caso da Malária humana, mencionada anteriormente, o vetor é um mosquito do gênero Anopheles
; o agente é um microrganismo (protozoário) parasita do gênero Plasmodium; o hospedeiro é um ser humano
e o meio ambiente permite que o mosquito se multiplique e entre em contato com o hospedeiro.
Especificamente, o protozoário deve passar parte do seu ciclo de vida no mosquito; o clima deve ser
relativamente quente e ter águas paradas onde o mosquito possa se reproduzir; os mosquito deve ser
propenso a picar seres humanos e deve ser capaz de disseminar a doença; o hospedeiro deve ser picado por
um mosquito infectado (no caso da malaria, a picada geralmente ocorre à noite, nas residências) e o
hospedeiro deve ser suscetível à doença.
No caso da doença de Lyme, os seres humanos são hospedeiros acidentais. O agente é a espiroqueta
Borrelia burgdorferi, normalmente encontrada em camundongos do gênero Peromyscus. A espiroqueta é
disseminada pelo vetor, um carrapato do gênero Ixodes, de camundongo para camundongo, durante a
primavera e o inicio do verão e transmitida para os cervos pelos carrapatos adultos. O meio ambiente é, em
geral, uma área silvestre que permite a coexistência desses animais com os seres humanos, que acabam
sendo picados por carrapatos infectados.

5. FATORES DE RISCO: O MODELO BEINGS


O acrônimo BEINGS, do original em inglês, é de grande utilidade na memorização dos maiores
grupos de fatores de risco para uma doença. Alguns desses fatores listados na Tab. 1 são de mais fácil
alteração ou eliminação do que outros. Atualmente os fatores genéticos estão entre os mais difíceis de serem
alterados, embora esse campo esta se desenvolvendo rapidamente e se tornando cada vez mais importante,
tanto para epidemiologia como para a prevenção. Os fatores imunológicos são, de um modo geral, os menos
difíceis de alterar devido aos programas efetivos de imunização.
TABELA 1 BEINGS: um acrônimo para lembrar as categorias de causas
Preveníveis de Doenças
B – Fatores Biológicos e Fatores Comportamentais
E – Fatores do Entorno (Ambientais)
I – Fatores Imunológicos
N – Fatores Nutricionais
G – Fatores Genéticos
S – Fatores Sociais, Fatores Espirituais e Serviços de Saúde
Fonte: JEKEL et al. Epidemiologia, bioestatística e medicina preventiva, pg. 16
5.1 Fatores Biológicos e Fatores Comportamentais
O risco para doenças específicas pode ser infuenciado pelo sexo, pela idade, pelo peso, pela
densidade óssea e por outros fatores biológicos. Além disso, o comportamento humano é fator central no
processo saúde-doença. Um dos melhores exemplos de fator comportamental é o hábito do fumo, que
contribui para uma variedade de problemas de saúde, incluindo o infarto do miocárdio, câncer do pulmão,
do esôfago, da nasofaringe e doença pulmonar obstrutiva crônica.
Os fatores comportamentais múltiplos também se associam à disseminação de algumas doenças. No
caso da AIDS, por ex. , a disseminação do vírus da imunodeficiência do tipo 1 (HIV-1) “pode resultar da
atividade de homossexualismo masculino e do abuso de drogas intravenosas, as duas vias predominantes de
transmissão nos Estados Unidos”. Também pode ser resultado da atividade heterossexual, que é a via
predominante de transmissão na África e em muitos países de outros continentes, como Brasil, e que está
tornando-se cada vez mais importante nos Estados Unidos.
Entre os vários outros exemplos de comportamento que podem levar à doença, à lesão ou à morte
prematura, isto é, morte antes da idade de 65 anos, estão o consumo excessivo de álcool, o abuso de drogas
ilícitas, o ato de dirigir dopado, os homicídios e as tentativas de suicídios. Em cada um desses casos, como
no hábito de fumar cigarros e na exposição à infecção pelo HIV, mudanças no comportamento poderiam
prevenir eventos indesejados. O sucesso de muitas iniciativas na área de promoção da saúde depende muito
da modificação do comportamento humano.
5.2 Fatores do Entorno (Ambientais)
Os primeiros estudos epidemiológicos sugeriram que o surto de pneumonia , às vezes fatal, entre os
membros de uma Conferencia realizada nos EUA na década de 70, era causado por um agente infeccioso
disseminado através do sistema de ar condicionado e ventilação dos principais hotéis que sediavam a
conferencia. Somente mais tarde que a Legionella pneumophila foi identificada, se descobriu que essa
bactéria cresce de fato dentro das torres de refrigeração do ar condicionado e no sistema de água quente.
Também foi demonstrado que equipamentos hospitalares para a respiração assistida, quando enxaguados
apenas com água, podem se tornar reservatórios para a L. pneumophila, causando a doença dos legionários
adquirida no hospital.

5.3 Fatores Imunológicos


A varíola foi a primeira doença infecciosa conhecida a ter sido erradicada do globo. Sua erradicação
foi possível porque a vacinação contra a doença conteria imunidade individual e também produzia
imunidade coletiva. A imunidade coletiva resulta quando a vacina não somente evita que a pessoa vacinada
contraia a doença, mas também impede que essa pessoa dissemine a moléstia. A redução do numero de
pessoas capazes de disseminar a doença consequentemente reduz a transmissão da mesma em uma
população.
A maioria das pessoas pensa em AIDS quando ouve falar em deficiência do sistema imunológico,
mas a imunodeficiência também pode ser causada por anomalias genéticas ou por outros fatores. Por ex,
deficiência imunológica transitória é notada após algumas infecções e também após a administração de
certas vacinas. Um exemplo importante diz respeito ao sarampo e à vacina do sarampo vivo atenuado;
ambos produzem uma deficiência imunológica temporária que é potencialmente grave, especialmente em
crianças mal nutridas. Outros fatores que podem desencadear a imunodeficiência são uso de medicamentos
imunosupressoras (que causam depleção ou de diminuição da produção de células pela medula óssea)
como corticóides e quimioterápicos, além de doenças crônicas degenerativas como o diabetes.

5.4 Fatores Nutricionais


Na década de 1950 foi demonstrado que os “japoneses americanos” que moravam no Havai
apresentavam maior taxa de infarto do miocárdio que as pessoas de idade e sexo semelhante no Japão, e que
japoneses americanos que viviam na Califórnia tinham uma taxa dessa doença ainda maior, quando
comparadas com populações que moravam no Japão. Os pesquisadores acreditavam que a diferença na dieta
era o principal fator para a existência dessas disparidades na ocorrência da doença e suas crenças foram, de
um modo geral, confirmadas pelas pesquisas subseqüentes.
Burkitt (médico de deu nome ao linfoma de Burkitt) pesquisou por muitos anos sobre o papel que a
dieta com fibras tem na boa saúde. Propôs mecanismos pelos quais a alta ingestão de fibras na dieta poderia
prevenir doenças (dislipidemias, diabetes, infarto agudo do miocárdio, etc) ou reduzir consideravelmente sua
incidência. Associado à esta prática alimentar, a prática de exercícios físicos assim como a redução do
consumo de cigarros, por ex poderiam levar à uma prevenção eficaz do infarto do miocárdio.
5.5 Fatores Genéticos
A herança genética dos indivíduos interage com a dieta e o ambiente de maneira complexa para a
promoção ou proteção contra várias doenças, inclusive as do coração e o câncer. A epidemiologia genética
é um campo crescente de pesquisa. A genética das populações e a epidemiologia genética se referem, entre
outras coisas, à distribuição de genes normais e anormais na população e se eles se estão ou não em
equilíbrio. Um considerável número de pesquisas envolve o estudo da possível interação de vários
genótipos com fatores ambientais, nutricionais e comportamentais, além de investigações sobre em que
extensão a adaptação ambiental pode reduzir o peso das doenças que apresentam forte comportamento
genético.
O rastreamento genético é importante na identificação de alguns problemas em recém-nascidos
(como a fenilcetonúria e o hipotireoidismo congênito) em que a terapia pode ser extremamente benéfica
quando instituída com a precocidade necessária. O rastreamento também é importante para identificar
outros distúrbios genéticos para os quais o aconselhamento genético pode ser benéfico. Entretanto, a maior
possibilidade futura para a melhoria da saúde na área genética pode vir de um melhor entendimento de
como a identificação de genótipos individuais pode levar à proteção especial de pessoas que são
particularmente suscetíveis a problemas ambientais no lar e no trabalho, ou daquelas que não tolerem
certos alimentos, medicamentos ou comportamentos. Maiores esforços para rastrear “suscetibilidade
genética” irão, indubitavelmente, aumentar no futuro, mas existem preocupações éticas com relação aos
problemas potenciais como companhias de seguro de saúde que hesitam em segurar indivíduos com riscos
genéticos conhecidos.
5.6 Fatores Socias, Fatores Espirituais e Serviços de Saúde
Os serviços de atenção médica não só podem ser benéficos à saúde como também perigosos. Uma
das funções importantes do epidemiologista é determinar o valor da atenção médica em diferentes cenários.
Aproximadamente 5% dos pacientes hospitalizados adquirem infecção hospitalar e 3,7% sofrem de outros
“eventos adversos” (erros médicos), além da infecção. Outras causas de doenças relacionadas à atenção
médica incluem diagnósticos ou procedimentos desnecessários ou impróprios.
Os efeitos que os fatores sociais e espirituais tem sobre a doença e a saúde não são muito estudados
tal como os efeitos de outros fatores causais. Contudo, se acumulam evidências de que crenças pessoais
referentes ao significado e ao propósito da vida, acesso ao perdão e ao apoio recebido de membros de uma
rede social tem poderosa influência na saúde. Estudos demonstram que tanto animais de experimentos como
seres humanos são mais capazes de resistir a pressões nocivas quando na presença de outros membros da
mesma espécie. O apoio social pode ser obtido por meio da família, do círculo de amizades e pela
associação e grupos diversos, tais como igrejas e clubes.
6. SINERGISMO DE FATORES QUE PREDISPOEM À DOENÇA
Pode haver sinergismo entre doenças ou entre fatores que predispõem à doença, de maneira que cada
um torna o outro mais intenso ou mais fácil de ser adquirido.
As doenças sexualmente transmissíveis, especialmente aquelas que produzem feridas abertas,
predispõem à transmissão do HIV. Acredita-se que esse seja o maior fator predisponente nos países onde o
HIV geralmente é transmitido através da atividade heterossexual. Por sua vez, a AIDS predispõe à
reativação de infecções latentes prévias, como a tuberculose, e isso é parcialmente responsável pelo atual
ressurgimento da tuberculose.
A relação entre desnutrição e infecção também é complexa. Não somente a desnutrição piora a
infecção, mas também a infecção piora a desnutrição. A criança desnutrida tem maior dificuldade de
produzir anticorpos e reparar os tecidos lesados, resistindo menos às doenças infecciosas e às suas
complicações. Isso é visto, por exemplo, no caso do sarampo. Em condições isoladas, sem atenção ao
paciente ou vacina contra o sarampo, menos de 1% das crianças bem nutridas morrem devido à doença,
enquanto que até 25% das crianças desnutridas podem morrer de infecção pelo sarampo ou de suas
complicações.
Existem várias razoes pelas quais a infecção pode piorar a desnutrição. Primeiro, ela exige muito do
organismo; dessa forma, as deficiências relativas de nutrientes se tornam maiores. Segundo, tende a reduzir
o apetite e isso, por sua vez, reduz a ingestão. Terceiro, na presença de infecção, a dieta frequentemente
muda com ênfase nas comidas brandas, muitas vezes deficientes em proteínas e vitaminas. Por fim, nos
casos de infecção gastrintestinal, o alimento passa pelo intestino irritado em um ritmo mais rápido (causando
diarréia), fazendo com que menos nutrientes sejam absorvidos.
Um exemplo final de sinergismo diz respeito a como os fatores ecológicos e genéticos podem
interagir para produzir novas cepas do vírus influenza. Na china rural, os porcos têm um contato próximo
com patos e humanos. Ambas as cepas de influenza, dos homens e dos patos, infectam os porcos, e nestes o
material genético das duas cepas de influenza pode se misturar, produzindo uma nova variante. As novas
cepas produzidas nos porcos podem, então, infectar seres humanos. Se a mudança genética no vírus da
influenza for grande, isso é chamado de troca antigênica e o novo vírus pode produzir uma epidemia
mundial (pandemia) de influenza, como tem ocorrido recentemente. Caso as mudanças genéticas no vírus
sejam menores, o fenômeno é chamado de desvio antigênico, embora isso ainda possa produzir grandes
epidemias regionais de influenza.

REFERENCIAS

FLETCHER, R. H. Epidemiologia Clínica: elementos essenciais. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2006
FRANCO, L. J. Fundamentos de Epidemiologia. São Paulo: Manole, 2005
JEKEL, J. F. Epidemiologia, bioestatística e medicina preventiva. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
MEDRONHO, R. A. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2006
ROUQUAYROL, M. Z. Epidemiologia & Saúde. 6 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2003.

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