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DISLEXIA: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO SOBRE A CONCEPÇÃO GENERALIZADA

DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DA LEITURA NO ENSINO PRIMÁRIO – UM


RETRATO DO MEIO ESCOLAR

Antónia Simão Paulo Charre1

RESUMO
Este Artigo Científico analisa a concepção generalizada sobre os factores, causas e possíveis soluções
das dificuldades de aprendizagem da leitura no Ensino Primário, com enfoque na dislexia, cuja
concepção é comum o professor generalizar e “catalogar” o aluno disléxico; como, simplesmente,
alguém com problemas de leitura, recorrendo deste modo a uma abordagem metodológica indistinta,
para solucionar de forma geral uma dificuldade específica: é aqui onde jaz o problema. Por
conseguinte, este estudo mostra que a dislexia é uma realidade pedagógica presente no Sistema
Educativo; todavia, permanece camuflada no vasto leque de dificuldades de Aprendizagem, facto que
dificulta uma efectiva abordagem interventiva por parte dos principais agentes educativos, com
destaque para o professor e a família. Assim, com base na pesquisa bibliográfica, de natureza
qualitativa, damos a conhecer o ponto de situação do tratamento da dislexia nas salas de aula, através
da assistência às aulas, no decurso da qual privilegiamos o método de observação directa do Processo
de Ensino-Aprendizagem, na Escola Primária Completa Eduardo Mondlane, turmas A e B da 6ª classe.
Portanto, fazem parte do corpus desta pesquisa 50 alunos e 2 professores de Língua Portuguesa que
leccionam as respectivas turmas. Ao longo do estudo, comungamos com vários autores (Alves, 2010;
Caraciki, 2021; Dominguês, 2021) ao concluir que existe uma concepção parcial e distorcida
(relevadora do desconhecimento do termo) que professores, alunos e o próprio Sistema Educacional
têm sobre a dislexia, retratadas nos estudos científicos e comprovada no meio escolar. Os professores
não estão pedagógica e didacticamente capacitados para solucionarem de forma eficaz e efectiva a
dislexia. Os alunos com essa condição são tratados genericamente como “crianças com problemas
graves de leitura” e, deste modo, poucas são as probabilidades de serem metodicamente auxiliadas pelo
professor e pelo sistema para ultrapassarem ou minimizarem essa dificuldade.

Palavras-chave: Aluno. Dificuldade. Dislexia. Leitura.

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Licenciada em Psicopedagogia de Desenvolvimento em 2007, Mestranda em Desenvolvimento Humano e Educação
(UniPiaget Moçambique)

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1. INTRODUÇÃO
A alfabetização é, em grande parte, avaliada pela capacidade de saber ler e escrever; objectivo que se
alcança através da habilidade de conhecer as letras e saber utilizá-las correctamente, transformando
sons em grafias e vice-versa (Silva, 2017). Assim, dificuldades de aprendizagem no âmbito da leitura
(e escrita) têm um grande impacto na vida do aluno, enquanto ser social e membro integrante da
sociedade. Por conseguinte, este estudo tem como objecto a dislexia, uma dificuldade específica de
aprendizagem que se expressa pela incapacidade do aluno ler correctamente o traçado das letras. Trata-
se, pois, de um distúrbio neurofisiológico que afecta a descodificação de grafemas ao seu equivalente
fonético e fonológico (Snowling, 2004).

Nesse contexto, o presente Artigo procura abordar a questão das dificuldades específicas de
aprendizagem – dislexia – sob um novo prisma, em que o foco não é tão-somente dar a conhecer a
dificuldade, mas sim, trazer ao debate um novo paradigma em que o aluno disléxico é visto como um
ser em desenvolvimento que precisa de apoio e acompanhamento devidos, para ultrapassar essa
dificuldade compreensível no seu processo de desenvolvimento.

Reconhecemos que vários estudos se têm debruçado sobre as dificuldades específicas de


aprendizagem, alcançando resultados interessantes, que ajudam a compreender melhor esses
fenómenos no Processo de Ensino-Aprendizagem. Nesses estudos, vários autores provaram que
professores, alunos e o próprio Sistema Educativo (do ensino primário, em especial) têm noção da
existência de dificuldades de aprendizagem (De Sousa, 2015; Borges et all, 2013; Coelho, 2015;
Torres et all 2016), embora persistam dificuldades técnicas de terminologia e intervenção adequada.
Outrossim, o que se ressalta, de forma indirecta, é a vaga ideia de que as dificuldades de aprendizagem
são problemas do aluno, exclusivamente intrínsecos à ele, cujos factores julga-se, na maioria das vezes,
extra-curriculares, explicados ora com base na condição/personalidade da criança, ora com base na
natureza do ambiente familiar, entre outras causas.

Assim, com base no acima exposto, é objectivo deste Artigo explorar algumas lacunas nessas
concepções, apontando, assim, para a necessidade de adopção de uma postura mais solidária e
interventiva da família, do professor, e do próprio Sistema Educativo, visando ultrapassar e/ou
compreender e intervir melhor em casos de alunos com dislexia. Cingimo-nos na dislexia, tema que se
justifica pelo facto de algumas crianças actualmente, diante do advento da Tecnologia, por um lado e,
por outro, do suposto “relaxamento” do próprio Sistema de ensino (devido em parte a algumas
políticas educacionais questionáveis, e as constantes interrupções em virtude da Pandemia da Covid-

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19), depararem-se com grandes dificuldades no campo da leitura. Reconhecendo que o ensino primário
é responsável pela alfabetização do aluno, o ensino da leitura (e escrita) afigura-se-nos, deste modo,
como o passaporte para a socialização do aluno, enquanto actor social e ser humano em constante
desenvolvimento.

Assim, para uma melhor compreensão da problemática, este Artigo começa por apresentar o estado da
arte sobre as dificuldades específicas de aprendizagem (dislexia), descrevendo as principais teorias e
linhas de força da sua concepção. Seguidamente, com base nos dados obtidos na observação directa e
por meio dos raciocínios dedutivo, indutivo e crítico-reflexivo, iremos desenvolver o nosso ponto de
vista (tese) sobre o tema, onde evidenciaremos a necessidade de uma intervenção metódica,
metodológica, e psicopedagógica à dislexia, na qual os agentes educativos (todos) intervenham e
solucionem, juntos, esse obstáculo que se impõe ao processo de ensino-aprendizagem do aluno,
colocando em risco a sua alfabetização e o desenvolvimento de toda uma sociedade.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Um olhar sobre as dificuldades de aprendizagem e seu impacto na alfabetização


As dificuldades de aprendizagem são um problema com o qual investigadores, professores e
educadores se têm preocupado, quando se debruçam sobre o processo de Ensino-Aprendizagem da
leitura (e escrita), nas classes iniciais do Ensino Primário, sendo que, esse ensino é, em quase todos os
Países e Sistemas de Ensino, uma fase fundamental em que a criança é inserida num contexto mais
amplo de aprendizagem, onde se espera um maior desenvolvimento das suas habilidades, capacidades
e competências (De Sousa, 2013).

Ao nível pedagógico, de acordo com o Programa de Ensino Primário em Moçambique (SNE), e a Lei
do Sistema Nacional de Educação (Lei n.º 18/2018), o Ensino Primário é responsável pela
alfabetização do aluno, cujos objectivos se prendem à aprendizagem da leitura, escrita e cálculo básico.
Portanto, ensinar a ler (e escrever) é tarefa principal do ensino primário e complementa, através dessa
aprendizagem, o desenvolvimento social do aluno, garantindo a sua inserção na sociedade.

É sabido que a alfabetização é, em grande parte, avaliada pela capacidade de saber ler (e escrever);
objectivo que se alcança através da habilidade de conhecer as letras e saber utilizá-las correctamente,
transformando sons em grafemas e vice-versa (Silva, 2017). Portanto, as dificuldades de
aprendizagem, em geral, e a dislexia, em particular constituem um risco para a alfabetização do aluno

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e, consequentemente, dificultam a sua inserção escolar e social, conduzindo muitas vezes a casos de
insucesso escolar.

Vários autores (De Sousa, 2013; Garcia, 1998; Torres & Fernández, 2001) concordam com o facto de
as dificuldades de aprendizagem acontecerem maioritariamente no Ensino Primário; porém, se não
forem psicopedagogicamente tratadas podem acompanhar a criança até à fase adulta. Dentre as
dificuldades de aprendizagem, destacam-se as específicas, nomeadamente, dislexia, disortografia,
discalculia e disgrafia, sendo aquela primeira o nosso objecto de estudo.

2.2. Dislexia – um obstáculo (a ser ultrapassado) à aprendizagem da habilidade de leitura no


Ensino Primário
Etimologicamente na palavra dislexia é composta pelos morfemas “dis” que significa dificuldade,
perturbação, e “lexia”, significando “leitura”, em Latim, e linguagem, no Grego. O termo dislexia
refere-se, assim, a dificuldades na leitura, ou dificuldades na linguagem. Encontramos hoje uma
enorme variedade de hipóteses etiológicas que concordam com as correntes teóricas que lhe são
subjacentes (médicas, psicológicas, sociológicos e pedagógicas), para definir o termo dislexia, segundo
Ekwal e Shanker (1983) citado por Hennigh (2003). De acordo com Snowling, (2004, p. 24-25):

A dislexia é uma das diversas incapacidades distintas na aprendizagem. É um distúrbio


específico baseado na linguagem de origem constitucional, caracterizado por dificuldades na
descodificação de palavras isoladas que geralmente reflectem habilidades insuficientes de
processamento fonológico.

Segundo o mesmo autor, dislexia manifesta-se por uma dificuldade variável em diferentes formas de
linguagem, incluindo, além do problema na leitura, um problema conspícuo na aquisição de
proficiência na escrita e no soletrar. De origem neurobiológica, a dislexia afecta, portanto, a
aprendizagem e utilização instrumental da leitura, resultando de problemas ao nível da consciência
fonológica, independentemente do quociente de inteligência (QI) dos indivíduos. De facto,
contrariamente ao que alguns julgam, a dislexia não está associada a um baixo nível intelectual; pelo
contrário, um disléxico pode revelar padrões acima da média, para a sua faixa etária, noutras áreas que
não a leitura.

Não há acordo quanto à identificação de uma causa exclusiva para a dislexia. Alguns autores afirmam
mesmo que se trata de uma perturbação de causas múltiplas. Na área da genética, há quem defenda
tratar-se de um problema hereditário, fundamentando a asserção em estudos que revelam que os
disléxicos apresentam, pelo menos, um familiar próximo com dificuldades na aprendizagem da leitura
e escrita.
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Ainda nesta perspectiva, outros investigadores apontam as mutações de alguns cromossomas como
causa do problema, nomeadamente nos cromossomas 6 e 15 (Salles et al., 2004) e, mais recentemente,
no cromossoma 2 (Cruz, 2009). Há ainda autores que afirmam que a dislexia é mais comum em
indivíduos do género masculino; contudo, Shaywitz (2003, cit. por Cruz, 2009) sugere que estas
conclusões estão relacionadas com a forma como são identificados: geralmente as raparigas (pelo seu
comportamento mais calmo e sossegado) passam mais despercebidas e, consequentemente, não são tão
facilmente identificadas. Nos seus estudos, Shaywitz evidencia uma proporção semelhante na
distribuição desta problemática por género.

Na área da neurobiologia e neurolinguística também têm surgido algumas conclusões. Como se sabe,
as diferentes partes do cérebro desempenham funções específicas. Parafraseando o mesmo autor, a área
esquerda do cérebro, por exemplo, é responsável pela linguagem; nesta zona, foram identificadas três
subáreas distintas: uma delas processa fonemas – vocalização e articulação das palavras (região
inferior frontal), outra analisa palavras – correspondência grafema-fonema (região parietal-temporal) e
a última reconhece palavras e possibilita a leitura rápida e automática (região occipital-temporal).
Assim, os disléxicos parecem ter dificuldade em aceder às áreas localizadas na parte posterior do
cérebro, isto é, às regiões responsáveis pela análise de palavras e pela automatização da leitura,
recorrendo mais à área de Broca (área frontal inferior esquerda) e a outras zonas do lado direito do
cérebro que fornecem pistas visuais normais.

Pessoas com dislexia possuem problemas fundamentais ao relacionar a linguagem escrita com a
linguagem falada. Essa dificuldade ocorre em diferentes graus, sendo que, enquanto um aluno pode ter
uma dislexia leve, outro poderá apresentar um comprometimento mais severo. Além disso, a
capacidade de relacionar a linguagem escrita a falada depende do tipo de ortografia a qual o disléxico é
exposto (mais ou menos transparente ou opaca; ex.: português, inglês, respectivamente), ou do sistema
(alfabético ou logográfico; ex.: português, mandarim, respectivamente).

A manifestação da dislexia é maior nas ortografias em que a relação entre grafema e fonema (leitura) e
entre fonema e grafema (escrita) é muito irregular, as chamadas ortografias opacas (ex.: inglês e
francês), em comparação com as ortografias mais regulares, também chamadas de ortografias
transparentes (ex.: espanhol e italiano). Assim, podemos pensar a síndrome da dislexia como um
espectro com diferentes graus de comprometimento da leitura, que dependem de factores intrínsecos da
criança e também de factores culturais.

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Deste modo, sem a identificação precoce de seus professores, alunos com dislexia correm o risco de
passar por fracassos contínuos na escola. Os alunos com dislexia perdem a confiança e a motivação
para aprender rapidamente quando percebem que seus colegas avançam nos conteúdos e os deixam
para trás. Os impactos em longo prazo dessa perda de auto-estima não devem ser subestimados. Jovens
com dislexia se sentem derrotados pela escola e provavelmente não irão continuar os estudos, o que
diminui as probabilidades de encontrarem um bom emprego futuramente. Em alguns casos, os
disléxicos tornam-se marginalizados, não conseguem integrar-se socialmente e podem desenvolver
comportamento anti-social.

2.3. Dificuldades específicas do aluno (pessoa) com Dislexia


Muitos pesquisadores concordam que as maiorias dos aprendizes com dislexia apresentam um deficit
fonológico central, ou seja, possuem dificuldades significativas em desenvolver habilidades
metalinguísticas como a consciência fonológica e, em particular, a consciência fonémica. Em outras
palavras, as crianças com dislexia encontram dificuldades para aprender a analisar as unidades
fonológicas (sílabas, rimas e fonemas) que constituem as palavras faladas e então construir
representações precisas dessas unidades sonoras no cérebro. Consequentemente, terão dificuldades ao
identificar e mapear os grafemas das palavras escritas e de associa-los aos seus fonemas
correspondentes, a fim de estabelecer o sistema de decodificação para a conversão de palavras escritas
em palavras faladas. Por sua vez, isso impedirá que desenvolvam representações fonológicas e
ortográficas completas e organizadas das palavras, para que elas sejam identificadas automaticamente,
ou seja, rápida e precisamente, mostrando compreensão das sentenças e textos lidos (Ehri, 2010).
Como mencionamos anteriormente, o mapeamento dos grafemas em fonemas e a sintetização desses
em sílabas e delas no vocábulo fonológico vão muito além da simples percepção. A capacidade de
relacionar os grafemas aos seus fonemas correspondentes requer o estabelecimento e uso de
representações abstractas que nos permitem reconhecer os grafemas, apesar das variações das letras em
que podem ser grafados (fonte, em maiúscula ou minúscula, estilo etc.), e os fonemas, apesar das
variações em suas realizações em sons (em termos da qualidade de voz, sotaque, contexto fonológico
etc.).
A outra dificuldade reside no facto de que o grafema não representa o som (isto seria impossível num
sistema de escrita, que serve de meio de comunicação entre os membros de uma mesma comunidade
de língua, mas que praticam diferentes variedades sociolinguísticas), mas sim o fonema. Portanto, na
alfabetização, deve-se, simultaneamente, desenvolver a consciência fonémica. Pesquisas sugerem que
várias crianças com dislexia são muito sensíveis para a variabilidade da fala, o que as impediria de

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construir representações suficientemente abstractas e precisas dos fonemas. Alguns pesquisadores
afirmam que essas crianças podem apenas desenvolver representações imprecisas das classes de sons
de sua língua. Em outras palavras, não parecem ser capazes de ignorar as variações para que possam
codificar e generalizar entidades para representar classes de sons nos disléxicos, parece haver uma
dificuldade em registar na memória fonológica a representação das invariâncias das propriedades
acústicas dos fonemas, de onde decorre que elas precisem ser ensinadas explicita e sistematicamente,
em especial para crianças com dislexia, que tem dificuldades em construir representações abstractas
precisas da fala.
Vale a pena referenciar que para atingir a fluência em leitura e, consequentemente, compreender o
texto, é necessário que a criança seja sistematicamente levada a automatizar o reconhecimento dos
traços invariantes (essenciais) que diferenciam as letras uma da outra, especialmente os traços da
direcção das letras. Essa aprendizagem exige que os neurónios da visão (na região occipitotemporal
ventral esquerda) reciclem-se, ou seja, passem a assimetrizar, uma vez que foram programados para
simetrizar a informação. Ainda considerando a segmentação do contínuo da fala, além do
desmembramento da sílaba, o aluno deve desenvolver também a habilidade de delimitar as palavras,
incluindo os clíticos, e atribuir-lhes a tonicidade. Se o desenvolvimento de todas essas habilidades
(assimetrização e segmentação do continuo da fala) é difícil para as crianças típicas, será ainda muito
mais difícil para as crianças disléxicas.
Crianças com dislexia podem demorar a aprender a assimetrizar, e aquelas com um deficit fonológico
central (a maioria) irão, certamente, apresentar dificuldade em construir representações de unidades de
fala – em particular a de fonemas. Essa última limitação impede a organização do sistema de
decodificação, que converte grafemas em fonemas para leitura, e do sistema de codificação, que
converte fonemas em grafemas para escrita. Ambos são essenciais para o desenvolvimento da
competência da leitura e para a escrita. Daí, alunos com dislexia desenvolvem mecanismos de
identificação e de produção de palavras que não são automatizados, isto é, menos precisos, e muito
mais lentos que alunos sem dislexia. Como resultado, encontram problemas mais ou menos severos
com a leitura e com a escrita, bem como com a compreensão e composição de textos.

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3. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

3.1. Metodologia
Sendo o objecto deste estudo o fenómeno educativo, a presente pesquisa foi conduzida por meio de
uma abordagem qualitativa que, na essência, passa pela reflexão e interpretação da realidade observada
e vivida. Dentre os caminhos da pesquisa qualitativa, buscou-se o estudo de caso como desenho
investigativo; pois, entende-se que o ensino-aprendizagem é um caso pertencente ao universo da
Educação. Assim, conforme Gil (2019), o estudo de caso pode ser definido como exaustivo, profundo
e extenso, de uma ou de poucas unidades empiricamente verificáveis, o que permite um conhecimento
amplo e detalhado. Segundo Leão (2017), o estudo de caso como estratégia de investigação é abordado
por vários autores, para os quais um caso pode ser algo bem definido ou concreto, como um indivíduo,
um grupo ou uma organização; mas também pode ser algo menos delineado ou definido num plano
mais abstracto, como decisões, programas, processos de implementação ou mudanças organizacionais.
Assim, o estudo de caso é pertinente quando se analisa os factos nas suas condições contextuais.

3.2. Participantes e Amostragem


Participaram no presente estudo um total de cinquenta (50) alunos, cuja faixa etária é de 10-11 anos de
idade. Igualmente, foram entrevistados dois (2) professores, das turmas A e B; nas quais assistimos às
respectivas aulas aos alunos acima referenciados. De referir que recorremos a amostra intencional, não
probabilística, com vista a alinharmos os objectivos da pesquisa à realidade específica por investigar.
No que concerne a característica da amostra, temos o seguinte gráfico elucidador do sexo e idade dos
alunos.

Característica da amostra
19
Masculino
Feminino
31

3.3. Instrumentos de recolha de Dados


Como forma de conferir maior autenticidade ao presente trabalho, a proponente preparou dois
inquéritos por questionário para recolha de dados, o primeiro direccionado aos professores e o segundo
direccionado alguns pais turma e/ou encarregados de educação. Os inquéritos em referência explicitam

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sobre a dislexia em crianças que se encontram no processo de ensino-aprendizagem e a inclusão dos
pais turma nestes inquéritos é mesmo para inteiração entre professores com crianças disléxicas e os
pais. Face a isso e segundo alguns autores como Rief e Heimburge (2000, p. 127) sublinham que “os
pais devem estar dispostos a partilhar informações com os professores, assim como devem tentar saber
como podem ajudar e apoiar o professor de todas as maneiras possíveis” (e vice-versa).

3.4. Resultados
Neste ponto, apresentamos e analisamos, à luz dos pressupostos teóricos, os resultados obtidos pela
inquirição aos alunos e pela assistência às aulas, onde foi-nos possível observar in loco o processo de
ensino-aprendizagem e o tratamento de algumas dificuldades de aprendizagem, pelo professor, com
destaque à dislexia (distúrbio ou incapacidade de leitura). Assim, de uma forma geral, os resultados
não nos foram muito encorajadores, pois em média, os alunos obtiveram uma avaliação aquém do
expectável; dos dados obtidos através do inquérito (Leitura de textos) denotam que existem
dificuldades relacionadas a quase todos os indicadores, como mostra o gráfico que se segue.

100%
80% 44.40% 55.20%
60% 88.70% 88.70% 89.20%
40% 55.60% 44.80%
20% 11.30% 11.30% 10.80%
0%
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Como vemos o gráfico acima mostra claramente que existem dificuldades no acto de Leitura por parte
dos alunos em amostra. A maior parte dos alunos possui dificuldades na Leitura de acordo com os
nossos critérios de avaliação. Em termos numéricos um pouco mais que a metade dos alunos possui o
indicador base para a leitura: “Correcção na Leitura”, o que quer dizer que 55.6%, correspondente a 26
alunos da amostra possuem correcção na leitura, ou seja, conseguem transformar as letras em
respectivos sons da língua. Contudo; pecam noutros indicadores de desenvolvimento deste processo de
ler, como por exemplo a fluência, o ritmo e a articulação, por exemplo, tendo classificações negativas
cerca de 88.7%, 88.7% e 89.2%, respectivamente.

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Refira-se que a dificuldade de leitura, observada nos alunos em amostra, não pode ser leviana e
imediatamente tomada como dislexia; sendo que se trata apenas de um indicador que pode ser
confirmado ou refutado. De facto a dificuldade de leitura pode indicar um sintoma de dislexia, mas não
é definitivo; pois a dislexia é um distúrbio e não simplesmente uma dificuldade passageira, de acordo
com estudos e autores citados ao longo do trabalho (De Sousa, 2013; Garcia, 1998; Torres &
Fernández, 2001). Entretanto, dados da pesquisa revelaram que embora de uma forma geral os alunos
possuem alguma capacidade na leitura, constatámos casos preocupantes de crianças cujas dificuldades
vão além da incapacidade ou dificuldade temporária de transformar grafias em sons correspondentes.
Esses casos, mereceram atenção especial da nossa parte; tanto que, para além, do inquérito, recorremos
a conversas informais (mini-entrevistas), actividades de leitura “separada”, entre outros métodos subtis
de forma a avaliarmos até que ponto tais dificuldades apontavam para uma condição neurofisiológica.

Das duas (2) turmas, constatamos que três alunos (sendo uma aluna) na turma A e quatro alunos,
(sendo uma aluna) na turma B apresentaram um diagnóstico que nos levou a levantar fortemente a
hipótese de se tratar de crianças com dislexia; pois, para além de dificuldades subtis de leitura;
constatamos comportamentos descritos pelos estudos como apanágio de crianças com esse transtorno,
como por exemplo, nervosismo, gaguez, ou “leitura telegráfica”; timidez acentuada; baixa auto-estima
e níveis muito baixos de motivação, bem como tendências a apartarem-se do grupo, isolando-se;
atitudes resultantes do constante insucesso na leitura e, possivelmente, condenação pública por parte do
professor; sendo por isso catalogados como “alunos/crianças problemáticas.

As aulas assistidas e a actuação dos professores diante das dificuldades aqui referidas revelou que, de
forma geral, os professores usam métodos tradicionais para a superação de dificuldades; ou seja,
através do método de insistência, ou mesmo, de leitura silábica. Esse facto reforçou a hipótese de que
os professores generalizam a dislexia, como uma dificuldade de leitura; sem procurar avaliar a
intensidade e regularidade desse fenómeno. Quando questionamos aos professores (ambos do sexo
masculino) sobre a dislexia; tivemos a percepção de existência do desconhecimento do termo. Esse
facto fá-los ignorar a vertente neuro e psicológica (senão comportamental) do fenómeno linguagem,
em geral e, concretamente, a leitura.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

4.1. Conclusão
Chegado a esta fase da pesquisa, realçamos que nunca é tarde demais para ensinar disléxicos a ler e a
processar informações com mais eficiência. Reconhecemos que não existe um tratamento padrão
adequado à todas as crianças com dislexia, pelo que o recurso a uma intervenção individualizada
deverá ser a preocupação principal de quem quer ajudar.

É importante recordar, também, que estas crianças revelam um ritmo de trabalho mais lento quando
comparado com os restantes colegas e, muitas vezes, incongruente, por isso não é de espantar que num
dia consiga ler três frases mas no dia seguinte apresente graves dificuldades na leitura de uma palavra.
Há que dar tempo ao tempo e, acima de tudo, motivá-la e reforçá-la sempre (por escassos que sejam os
resultados positivos) – lembre-se que a leitura lhe exige um esforço enorme e se ela não faz melhor é
porque não consegue e não porque não quer ou porque é preguiçosa. Quando errar, deve ser corrigida
imediatamente e deve ser explicada o motivo do erro e como evitar repeti-lo. Deve evitar-se, ainda,
obrigá-la a ler em voz alta em frente dos familiares/colegas – a não ser que ela mostre vontade de o
fazer; esta poderá ser uma tarefa bastante dura e com repercussões drásticas para o seu futuro
desempenho.

Na sala de aula, deve estar sentada numa mesa/secretária próxima do professor (e não no fundo da
sala), para que este possa auxiliá-la sempre que haja necessidade e para que ela se sinta mais
confortável quando pretende esclarecer alguma dúvida. Devem, ainda, reduzir-se possíveis focos de
distracção, como algum colega mais conversador ou algum outro barulho que a possa distrair; estas
crianças já estão pouco motivadas para se concentrar, se puderem evitar-se distracções ambientais
tanto melhor, para ela e também para o professor.

A este respeito, Hennigh (2003, p.69) propõe o recurso aos pares ou a tutoria entre alunos de diferentes
idades. Deste modo, a criança disléxica recebe “a assistência de que pode necessitar quando o
professor não está disponível para um ensino individualizado” e “as crianças apreciam o processo de
aprendizagem quando interagem com outros alunos da sala de aula ou de outras salas de aula”. Esta
poderá ser uma forma de promover um bom relacionamento da criança com os colegas, por exemplo,
e/ou de auxiliar o professor, quando tem uma turma com um grande número de alunos e, obviamente,
lhe é difícil “chegar a todos”.

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Um outro aspecto a ter em conta na intervenção com estas crianças é o recurso a uma terapia
multissensorial, isto é, aprender pelo uso de todos os sentidos (Torres & Fernández, 2001). Os métodos
multissensoriais são métodos que combinam a visão, a audição e o tato para ajudar a criança a ler e a
soletrar correctamente as palavras. Assim, a criança começa por observar o grafema escrito, depois
“escreve-o” no ar com o dedo, escutando e articulando a sua pronúncia; posteriormente, deve cortá-lo,
moldá-lo em plasticina/fino/barro e, de olhos fechados reconhecê-lo pelo tato. “A realização destas
actividades favorece por isso a criação de imagens visuais, auditivas, cinestésicas, tácteis e
articulatórias que, de modo conjunto, incidem na globalização ou unidade do processo de leitura a
escrita” (p. 56). Os mesmos autores sugerem, ainda, o treino psicomotor (esquema corporal,
lateralidade, orientação espácio-temporal), perceptivo-motor (capacidades visomotoras e coordenação
manual) e também psicolinguístico (descodificação auditiva, visual, expressão verbal, entre outros).

Por último, é importante referir a necessidade de articulação entre todas as pessoas que intervêm junto
da criança. Rief e Heimburge (2000, p. 127) sublinham que “os pais devem estar dispostos a partilhar
informações com os professores, assim como devem tentar saber como podem ajudar e apoiar o
professor de todas as maneiras possíveis” (e vice-versa). É extremamente importante que pais,
professores, educadores estejam em constante comunicação; só assim se garantirá o rigor e qualidade
do trabalho efectuado e se evita, por exemplo, que as crianças estejam constantemente a realizar os
mesmos exercícios e a trabalhar as mesmas letras; pois, para estas crianças “Há uma grande
necessidade de actividades diversificadas que envolvam tanto a expressão corporal como o sabor, o
cheiro, a cor e a expressão plástica. Aprender não é falar sobre, é fazer!” e “para aprender bem, é
necessário estar envolvido” (Silva 2004, p. 44 e p. 56).

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5. BIBLIOGRAFIA
ALVES, Licilange Gomes. Conhecendo a dislexia. Disponível em :http://www.webartigos.
CARACIKI, A. Letra feia é desleixo? Curso de oratória: voz e fala, 2006. Disponível em:
http://www.opoderenergeticodavoz.fnd.br/disgrafia.htm. pesquisa realizada em 01 de Março de 2021.
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2009

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