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DIDÁTICA(S) ENTRE DIÁLOGOS, INSURGÊNCIAS E POLÍTICAS

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Site desenvolvido pelo
Ministério da Educação. Disponível em:<http://pacto.mec.gov.br/o-pacto>. Acesso em: 03 fev.2020.
CRUZ, Giseli B., MAGALHÃES, Priscila A. O ensino de didática e a atuação do professor formador na visão de
licenciandos de educação artística. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 2, p. 483 – 498, abr./jun., 2017.
MORTATTI, Maria do Rosário L. Um balanço crítico da “década da alfabetização” no Brasil. Cad. Cedes, Campinas,
v.33, n.89, p. 15-34, jan.-abr. 2013. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 20 jan. 2016.
TARDIF,Maurice. Saberes e Formação Profissional. Petrópolis;Vozes,2002
VIANA, Alexandre, B. O status da alfabetização em dois programas de mestrado e doutorado em Educação do
Estado do Rio de Janeiro. 2009. 115f. Mestrado (Educação, Cultura e Comunicação) – Faculdade de Educação da
Baixada Fluminense, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009.

Resumo
A literatura que se ocupa em estudar a efetividade do ensino e aprendizagem da leitura e escrita no
contexto brasileiro vem apontando para questões relacionadas à preocupação com a evasão, repetência
e fracasso escolar, às dificuldades de aprendizagem dos alunos, sobretudo, das camadas populares, à
necessidade de uma formação inicial e continuada de professores alfabetizadores mais efetiva. Nesse
contexto, vêm à tona concepções de ensinar e aprender a ler e escrever para práticas sociais de leitura e
escrita e recomendações para a formação e a prática do professor alfabetizador. Desta forma, o
presente texto apresenta dados de uma pesquisa de mestrado já concluída que analisou o material
didático, mais especificamente os cadernos de Língua Portuguesa, do Programa Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), programa criado com o objetivo garantir que o maior número
de crianças seja alfabetizadas até o final do 3º ano do ensino fundamental I. A análise revelou a
presença, nos cadernos de Língua Portuguesa, de um trabalho para o ensino da escrita e da leitura
voltado para práticas sociais da leitura e da escrita, tal como: a necessidade de registros, a função social
da escrita e a necessidade do ensino da escrita e sua democratização. Para que a aprendizagem seja
significativa, recomenda-se para a prática pedagógica do professor alfabetizador, o uso de textos
cotidianos, de listas de palavras, da cópia, da memorização e da repetição. Em síntese, as ações
propostas pelo PNAIC talvez possam minimizar os índices de fracasso na alfabetização, colaborando
para que o professor pense/repense sua prática pedagógica diariamente.
Palavras-chave: Palavra-chave 1; docência 2; alfabetização 3; formação de professores 4; leitura e
escrita.

O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA: ESPAÇO-TEMPO PRIVILEGIADO DA FORMAÇÃO


DOCENTE

Jonê Carla Baião – CAp UERJ


Margarida dos Santos- CAp UERJ

Até que ponto práticas pedagógicas atentas ao que as crianças sentem, fazem, pensam, falam
e escrevem tendem a fortalecer o processo de aquisição da linguagem escrita e da leitura durante o
processo de Alfabetização? Neste texto nos desafiamos a compartilhar nossa experiência e discutir
o processo de formação da professora e do professor alfabetizador no exercício da docência.
Formação que se tece, destece e acontece a partir dos desafios oriundos de uma concepção de
ensino aprendizagem pautada na relação dialógica com os estudantes (FREIRE, 2000). Uma

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formação que reconhece a professora/professor como sujeito capaz de construir conhecimentos.


(TARDIF, 2002).

Para tanto discutiremos alguns fragmentos da experiência (LAROSSA,2002) de aprender a


construir com os estudantes práticas pedagógicas que se afastem do processo de negação dos modos
de ser, conhecer e se apropriar da linguagem escrita. O presente texto é uma possibilidade de
compartilhar e discutir fragmentos de uma pesquisa gestada no exercício da docência das autoras
nos anos iniciais do Ensino Fundamental e no âmbito da formação inicial e continuada de
professores e professoras, onde ambas também atuam.

Como professoras pesquisadoras (ZACCUR,2002) assumimos o desafio de encontrar as


questões e os assuntos que mobilizam os estudantes para aprender. Neste processo, aprendemos que
assumir a dimensão investigativa na prática alfabetizadora exige ações que combinem agilidade e
um permanente estado de vigília (GINZBURG,1991) a fim de não desperdiçar as oportunidades de
compreensão e de trabalho junto aos estudantes que reconheçam e valorizem os saberes que
possuem.

Nessa tarefa, a narrativa é nossa aliada porque concordamos com CHAVES (2019, p.116)
que narrar não é reproduzir depoimentos. Vai além. Tocar a alma: a alma do outro, a alma do
mundo, a própria alma de quem escreve. É necessário conhecer os mistérios das palavras e é preciso
amá-las, numa encantação que trafegue, vagarosamente, a colear entre quem escreve e o leitor.

Apesar das muitas dificuldades encontradas ao longo da caminhada, cada uma de nós vem se
desafiando a reconhecer o exercício da docência como uma experiência de formação, lugar de
potência (do)discente (FREIRE, 2000). Nessa perspectiva o espaço-tempo da sala de aula, entre
outros lugares da escola, tem se constituído como lócus privilegiado de investigação, estudo e
criação de práticas pedagógicas comprometidas com o êxito escolar de todos os estudantes. Nesta
caminhada, os estudos de SMOLKA (2012), sobre a aquisição inicial da escrita durante o processo
de alfabetização, se constituem lentes indispensáveis. Nos filiamos à concepção de alfabetização
defendida pela autora. Para ela,
A alfabetização não implica, obviamente, apenas a aprendizagem da escrita de letras,
palavras e orações. Nem tão pouco envolve apenas uma relação da criança com a
escrita. A alfabetização implica desde a sua gênese, a constituição do sentido. Desse
modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo
trabalho da escritura ─ para quem eu escrevo o que escrevo e por quê? A criança pode
escrever para si mesma, palavras soltas, tipo lista, para não esquecer; tipo repertório,

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para organizar o que já sabe. Pode escrever, ou tentar escrever um texto, mesmo
fragmentado, para registrar, narrar, dizer. Mas essa escrita precisa ser sempre
permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um
interlocutor. (SMOLKA, 2012, P.95).

Ao nos filiarmos a uma concepção discursiva de alfabetização que aposta no processo


discursivo (SMOLKA, 2012), definimos que a centralidade de nossos trabalhos está na
subjetividade desse processo. Cada criança ou adulto tem seu próprio percurso que precisa ser visto
de modo único.

A concepção de alfabetização defendida por SMOLKA (2012) nos encanta e nos fortalece,
especialmente porque pressupõe a existência do outro, do interlocutor. A riqueza e a beleza do
processo só podem ser vividas, percebidas e reconhecidas se nos desafiarmos a aprender a ver, a
olhar mais demoradamente, aguçar e afiar os sentidos para percebemos o que nos acontece no
cotidiano escolar. Nos desafiamos a encontrar nos fragmentos da experiência, aparentemente
insignificantes, fragmentos valiosos para o nosso processo de aprender a viver práticas
alfabetizadoras mais dialógicas e potentes no exercício da docência.

Definidos os “suportes” de trabalho, os lugares de onde falamos teoricamente, apresentamos


a seguir um dos eventos em sala de aula, que nos instiga ao diálogo práticateoriaprática
(GARCIA,2012) com estudiosos que defendem o investimento na escrita de texto para
interlocutores reais, o que nos leva a indagar sobre as condições objetivas de construção dos textos:
como nascem os atos de escrita? Quem elege os interlocutores? Como elegemos os interlocutores?
É possível defini-los com as crianças? Qual atenção e tempo costumamos dedicar a esse momento
da produção textual?

Sabemos que ao definir uma proposta de trabalho para escrita, muitas vezes temos em mente
uma definição, enquanto docente, de qual proposta estamos prevendo para aquela atividade. O que
aqui trazemos é uma atividade que aconteceu no final do ano civil de 2019 (o ano letivo só acaba
em fevereiro de 2020, por conta de reposição de calendário escolar). A proposta estava clara para a
professora proponente: escrever um cartão de Natal para a família. Uma criança escreve um texto
que chama a tenção da professora:

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(Feliz Natal, mãe. Eu te amo muito porque você me deu a vida, me cuidou, cuida do meu avô até a morte, por ter me
dado um celular, um helicóptero, uma piscina e o totó, por você ter me criado, você compra lanche. Acabou, fim”.
//Agora vou falar do meu pai, meu pai está passando por uma doença, que faz ele se estressar, então tenho receio do
meu pai cansar da vida e se suicidar ou matar uma pessoa, roubar ou se internar num hospício eu nunca ver ele, o meu
pior medo é que eu não veja mais ele, então foi só).

O texto dessa criança, na verdade, parece se dividir em dois: um para mãe, de


agradecimento e reconhecimento de sua luta, outro de preocupação e apelo de ajuda e medos que
tem, como criança, ao ver a doença de seu pai. O impacto dos dois textos em um mesmo cartão,
dividido por uma pequena linha, chama a atenção.

Esse texto abre para nós, leitores, por extensão, muitas possibilidades de interpretação.
Poderíamos escrever aqui sobre o papel da mulher provedora, do homem, aqui resguardado ao lugar
da doença (a criança nos conta que o pai é dependente químico de bebidas e drogas). Poderíamos
interpretar esses papéis. Essa análise ficará para outro texto.

Escolhemos, no entanto, para o limite deste texto a estrutura textual que a criança elabora.

Lembrando que o comando da tarefa escolar era o texto de Natal, um cartão para alguém da
família, a criança usa o mesmo cartão para fazer o que parece ser um cartão para sua mãe, de
agradecimento, momento de reconhecimento pelos esforços que sua mãe teve ao longo do ano. Ela
mora com a mãe. Mas a criança também desejou escrever um cartão para o seu pai (poderia ter feito
dois cartões, posição escolhida por outras crianças). Escolhe, no entanto, continuar a escrita no

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mesmo cartão, separado apenas por uma tênue linha. Ao escrever para seu pai, o texto não é mais
dirigido a um interlocutor, como o fez para mãe, agora parece um texto para si mesmo.

No primeiro texto, dirigido à mãe, ela diz: “Eu te amo porque...”. Um texto de declaração de
amor explícito e com justificativas (uso da conjunção “porque”). Para o pai o texto tem um caráter
de preocupação. Ela não se dirige ao pai. Ele se dirige a um terceiro interlocutor (não parece ser a
mãe, nem o pai) e diz “meu pai está passando...”

Aqui o texto rompe a interlocução para um destinatário a quem entregará o cartão e parece
dizer para se explicar, um diálogo consigo mesmo (como afirmará mais adiante).

Agora, voltamos às aulas em janeiro (a escola ainda teve aula em janeiro de 2020 para
terminar o calendário de 2019). Na volta às aulas a professora pergunta a essa criança sobre o
cartão. Solicita a autorização para escrever um texto para dialogar com outros professores sobre o
seu texto de Cartão de Natal.

A seguir transcrevemos o diálogo:


- Você entregou o cartão a seus pais? Como foi?

A criança responde:

- Não entreguei

- Por que não?

- Porque esqueci. Cheguei da escola e deixei lá em cima onde guardo os materiais da


escola.

- E agora, por que não entrega? (faz gestos com as mãos paralelas ao ombro, como se
dissesse “não sei”).

- Se você não entregou, por que escreveu? Para quê?

- Eu escrevi pro meu sentimento; porque eu queria saber o que estava acontecendo,
ajudar minha mãe, meu pai. Acho que para toda vez que eu fizer bagunça eu lembrar.

A criança nos revela que o texto ganhou outra função, não foi para o destinatário primeiro: a
mãe. Não foi para o destinatário segundo, o pai. Ficou guardado na memória dela e junto a seus
materiais escolares.

Para quem essa criança escreve quando termina seu “Cartão de Natal”? O que deseja ao
afirmar que: “então foi só, acabou” ou “acabou fim...”. Acabou a tarefa? Acabou a confecção do
cartão? Acabou o sofrimento que guardava só para si? O que acabou?

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Precisamos ainda esclarecer que as práticas pedagógicas nessa turma pressupõem rodas de
conversa sobre temas diversos que as crianças põem em roda. Falam de seus medos, angústias e
situações familiares. Durante as rodas as crianças aprendem a felicitar, agradecer, mas também se
arriscam a falar umas para outras, as crianças opinam; dizem umas às outras como fariam em “seu
lugar”; algumas vezes são “duras” com seus pares, outras acolhedoras. Esse espaço de “conversa”
muitas vezes é solicitado por elas, outras vezes algumas crianças dizem não querer falar.
Falar/silenciar/escolher para quem falar...são formas de estabelecer relações também pela escola, na
escola.

Apostar num trabalho que acredita na complexidade que envolve o espaço tempo da
alfabetização, que acredita que precisa ser vivido organicamente e dialogicamente (MORIN,1998),
é investir nas subjetividades e nos sujeitos que estão pensando, elaborando sobre a escrita e vida.

Acreditamos que as práticas alfabetizadoras não podem ser reduzidas ao uso do método A
ou B, mas de pressupostos que nos orientem a fazer escolhas intencionais sobre o modo como
encaminharemos o nosso trabalho com as crianças. Para tanto o diálogo teórico com alguns autores,
dentre eles Humberto Maturana (1999), muito tem contribuído
Não desvalorizemos nossas crianças em função daquilo que não sabem; valorizemos
seu saber. Guiemos nossas crianças na direção de um fazer (saber) que tenha relação
com seu mundo cotidiano. Convi demos nossas crianças a olhar o que fazem
(MATURANA, 1999, p.35).

O pensamento de MATURANA (1999) é revelador quando nos apresenta quatro conselhos


que podem auxiliar nossa intenção de ajudar meninos e meninas a dizerem, oralmente e por escrito,
a sua própria palavra e a conquistarem processualmente o direito de usar a palavra escrita cada vez
melhor para plantar ideias e realizar sonhos. Os quatro conselhos têm sido estruturantes da prática
alfabetizadora. HUMBERTO MATURANA (1999) nos aconselha para que “convidemos nossas
crianças a olhar o que fazem”. Nos apropriamos desse conselho, usando-o para construir com as
crianças a prática de se voltarem para as suas obras (produções escritas), numa intenção clara de
criar com elas uma cultura de valorização e apreciação da produção dos outros e das suas.

Antes de prosseguirmos é preciso indagar: O que temos feito com os textos dos estudantes
em nossas escolas? Os estudantes sabem por que escrevem? Eles têm sido consultados sobre a
intencionalidade do texto? Sabem quais são os possíveis interlocutores dos seus textos? Têm o
direito de escreverem o que desejam? Infelizmente precisamos concordar com SMOLKA quando
afirma que

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A escola não trabalha o ser, o constituir-se leitor e escritor. Espera que as crianças se
tornem leitoras como resultadas do seu ensino. No entanto, a própria prática escolar é
a negação da leitura e da escritura como prática dialógica, discursiva e significativa
(SMOLKA, 1998).

Considerando o que nos diz a autora, precisamos encorajar nossas crianças, escritores (as)
iniciantes, a viverem experiências reais e significativas com a linguagem escrita. Esta precisa ser a
nossa principal preocupação como professoras nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para tanto
é necessário compreender que a “leitura e a escrita deve ser algo de que a criança necessite”
(VYGOTSKY, 1994). Pensar e viver a prática alfabetizadora pautada nessa compreensão pode
fazer toda a diferença para ajudar crianças que reconhecerem, desde o início da alfabetização, o
poder da escrita, encorajando-as a se aproximarem e se apropriarem de conhecimentos que as
tornem usuárias competentes-autônomas de sua língua.

Colocando-nos diante do nosso estado de inacabamento (FREIRE, 2000) e insuficiência dos


nossos conhecimentos para a criação de práticas mais favoráveis ao processo de apropriação da
linguagem escrita. Deste modo, nos desafiamos aprender ensinar (ALVES, 2001) com estudantes
que cotidianamente descobrem o poder das palavras e aprendem a usá-las para tecer novas histórias
de suas/nossas vidas escolares, enquanto se alfabetizam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS...

Na maioria das vezes estamos, como crianças, a sentir um desconforto diante de meninas e
meninos que não conseguimos alfabetizar, porque sabemos que há mais coisas por trás das letras.
Sentimos, mas não compreendemos o que gera tal impotência. Desse modo sequer desconfiamos da
complexidade que envolve o processo ensino aprendizagem. Como se articulam os aspectos de
ordem micro e macro, dificultando a compreensão dos sujeitos que sofrem as mazelas do campo de
lutas, que é o cotidiano escolar. A compreensão da realidade é uma aprendizagem necessária para
que possamos fazer escolhas pedagógicas claras e intencionais. Como por exemplo: Por onde pode
começar uma prática alfabetizadora considerando os saberes e experiência das crianças? Como
pode ser uma ação docente interessada em aprender/ensinar (ALVES,2001) à criança a
compreender o que sente, o que vê, o que lê, o que faz, o que lhe acontece desde pequenina? Quais
linguagens, para além da linguagem escrita, podem contribuir para o processo de compreensão e
expressão dos saberes das crianças em torno dos diversos temas relacionados à vida?

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TENSÕES E PERSPECTIVAS NA RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO DOCENTE

Nos últimos tempos estamos ouvindo vários rumores sobre uma nova política de governo
para alfabetização no país. Surge desqualificando e negando os saberes dos alfabetizadores, o
conjunto de pesquisas e aporte teórico construído ao longo de 30 anos, numa clara tentativa
assorear e interromper o curso dos rios que emanam das nossas classes de alfabetização, que
sonham/sonhavam se tornar mar.

O propósito deste texto tem sido o de tocar o coração, a alma e os sonhos de alfabetizadoras
e alfabetizadores para o investimento num trabalho com linguagem escrita com crianças pautado
numa perspectiva discursiva e autoral. Embora ainda não tenhamos uma pesquisa estruturada que
defina quantitativos, resultados e análises, o trabalho de formação docente que realizamos dentro e
fora do estado do Rio de Janeiro nos leva a estimar que há muitas mulheres e homens
comprometidos em contribuir para cada vez mais, meninos e meninas consigam se apropriar do
uso autoral da linguagem escrita e reflexivo da leitura de si e dos outros. Docentes que insistem em
destecer a teia do “fracasso escolar”. Docentes, quase nunca ouvidos. Muitas vezes, desrespeitados
por uma sucessão de políticas públicas que insistem em assorear o “rio” que deseja correr vivo,
livre em cada sala classe de alfabetização desse Brasil. Rio gerado na riqueza da palavra falada e
escrita, encharcada de vida das crianças e professoras / professores no chão das nossas escolas.
Desejamos e precisamos que estes rios ganhem força a ponto de encontrar e se tornarem mar, quiçá,
oceano.

REFERÊNCIAS

ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho- o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas In: OLIVEIRA, Inês
Barbosa e ALVES, Nilda (org.) Pesquisa no/do cotidiano das escolas sobre redes e saberes. Rio de Janeiro: DP&A,
2001.
CHAVES,Iduina Mont’Alverne & MORI, Marcio. A pesquisa narrativa- Uma abordagem teórico-metodológica sobre o
silencio do existir e o mistério da vida In. GUEDES, Adriane Ogêda& RIBEIRO,Tiago(orgs.)pesquisa, alteridade e
experiência- metodologias minúsculas.Rio de Janeiro:ayvu,2019
ESTEBAN, Maria Teresa & ZACCUR, Edwiges. A pesquisa como eixo de formação docenteIn. ESTEBAN, Maria
Teresa & ZACCUR, Edwiges (org.) Professora-pesquisadora: uma práxis em construção. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2000, 29ª ed.
GARCIA, Regina Leite& ALVES, Nilda. Sobre formação de professores e professoras: questões curriculares In:
LIBANEO, José Carlos &ALVES, Nilda (orgs) TEMAS DE PEDAGOGIA – diálogos entre didática e currículo. São
Paulo: CORTEZ EDITORA, 2012.
GINZBURG. Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
LAROSSA, Jorge. Nota sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação. Editora
Autores Associados, nº 19 Jan/ Fev/Mar/Abr-2002.
MATURANA, Humberto; VARELA. Emoçõese Linguagem na Educaçãoe na Política. Belo Horizonte: UFMG,
1999.

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MORIN, Edgar (trad. de Maria D. Alexandre e Maria Alice S. Dória). Ciência com Consciência Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2ª Ed., 1998.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A Criança na Fase Inicial da Escrita: A Alfabetização Como Processo Discursivo.
Campinas: editora UNICAMP, 1996.
TARDIF, Maurice. Saberes e Formação Profissional. Petrópolis; Vozes,2002
VYGOTSK Y, LevSmyonovitch. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes,1984.

Resumo
Quem pode na escola decidir “para quem” escrevem as crianças, a funcionalidade da escrita mostra que
os espaços da escrita vão além dos limites que a escola/docentes podem delimitar. Ao invés de
insistirmos em práticas de reprodução da palavra alheia, ainda tão valorizadas pela escola, nos
desafiamos a explorar a força de criação presente nos diferentes modos de dizer a própria palavra em
textos autorais produzidos por crianças em processo de alfabetização. Tarefa nada fácil, mas que nos
instiga a investigar os saberes que as crianças possuem ao chegarem às classes de alfabetização e o
modo como constroem conhecimentos ao longo do processo de aquisição da leitura e da escrita, para
melhor compreender e aprender sobre as suas diferentes formas de elaborar e expressar
conhecimentos. Partindo desses pressupostos, analisamos aqui a produção escrita em uma atividade em
sala de aula, num processo de alfabetização, em que centramos o debate na palavra que organiza e
redimensiona a ação humana (Vigotsky), numa perspectiva discursiva de alfabetização (Smolka) que
coloca a escrita e a leitura dos textos produzidos pelas crianças no centro do trabalho também
formativo da docência. Apostamos que o exercício da docência se constitui nessa formação em pares,
com docentes e discentes. Concluímos que a contribuição para o exercício da docência se faz quando
nos desafiamos a aprender a ensinar com as crianças e nos diálogos com seus textos e dos teóricos que
vêm contribuindo no campo da palavra e da subjetividade de modo que nos faça pensar e repensar os
nossos inacabamentos.
Palavras-chave: Palavra-chave 1; Exercício da docência; 2; aprender/ensinar 3; alfabetização
discursiva.

NARRATIVAS DE PROFESSORAS: ESCOLHA E RESPONSABILIDADE COMO ESCUTA


DOS RELATOS DE SI

Kellen Dias de Barros – UERJ/Febf


Luciana Pires Alves– UERJ/Febf

Ao pesquisar o que fazemos nós? Investigamos os porquês? Comparamos elementos?


Dialogamos com saberes? Concluímos realidades ou versões dela? Pesquisar é escarafunchar a
alma alheia? Os sentidos do discurso? É uma atribuição de sentido para além da própria existência
do objeto ou sujeito? A pesquisa poderia ser especialmente baseada na escuta e não no que se
discorre acerca do que se escutou?

O presente artigo é uma tentativa de dobrarmo-nos sobre a escuta como via para o trabalho
de pesquisa. A escuta como uma abertura ao Outro, com uma busca de não-totalização, de não

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