Você está na página 1de 23

DESENHO DE OBSERVAÇÃO

AULA 1

Prof Péricles Varella Gomes


CONVERSA INICIAL

Com certeza uma da maneiras mais importantes de comunicação humana


é o desenho de observação. Esta disciplina vai permitir ao estudante aprender a
desenhar, a partir da observação objetiva do mundo concreto à nossa volta.
Habilidade essencial para a carreira do designer (designar = desenhar),
saber se expressar visualmente é fator determinante no sucesso desta
fascinante carreira. Esta disciplina tem o propósito de dismistificar essa
importante habilidade, por meio de uma abordagem prática, objetiva e inovadora.
Nesta aula, vamos contextualizar o desenho de observação e demonstrar
que todos podem desenhar, com o devido investimento em tempo e disciplina,
bem como apresentar os materiais mínimos necessários para tal. Vamos iniciar
as atividades práticas… rabiscando! Nada mais divertido do que rabiscar sem
medo de errar, até porque um rabisco é apenas um rabisco, certo?
Além disso, vamos falar um pouco sobre a percepção visual (o olhar) e
também comparar nosso olho humano com uma máquina fotográfica e entender
como fotografar e desenhar são habilidades muito parecidas.
Seja muito bem-vindo à nossa disciplina de desenho de observação.

CONTEXTUALIZANDO

Desde as cavernas de Lascaux na pré-história, os seres humanos


demonstravam a necessidade de se expressar visualmente em imagens
bidimensionais. O desenvolvimento da humanidade está diretamente conectado
ao desenvolvimento da sua capacidade simbólica e, portanto, da capacidade de
desenharmos de maneira objetiva as nossas ideias e projetos. O ditado “uma
imagem vale mais do que mil palavras” indica a importância do desenho quando
se quer comunicar uma ideia criativa.
Figura 1 – Desenhos rupestres pré-históricos

Crédito: Thipjang/Shutterstock.

O desenho como forma de expressão de ideias concretas e abstratas está


presente em todas as civilizações humanas, mas é a partir do Renascimento que
essa habilidade fica mais sofisticada, com o aparecimento da perspectiva. Nossa
disciplina de desenho de observação vai focar no aspecto objetivo dessa
habilidade: o ato concreto de materializar numa folha de papel em duas
dimensões o mundo real que nos cerca!
Portanto, não vamos abordar o desenho ARTÍSTICO (este mais subjetivo e
complexo) nesta disciplina. Essa distinção é fundamental para entender que a
habilidade do desenho a ser desenvolvida é comparável ao ato de escrever.
Todos que ingressam num curso superior sabem ler e escrever (ainda que não
sejam poetas e romancistas). Vale o mesmo raciocínio para o desenho de
observação. TODOS nós somos capazes de desenhar, se soubermos observar
de VERDADE aquilo que desejamos desenhar. Simples assim!
Nesta aula vamos iniciar esta incrível aventura de olhar… e desenhar.

TEMA 1 – TODOS PODEMOS DESENHAR

Você provavelmente não se lembra mais. Mas aprender a caminhar aos


2 ou 3 anos de idade foi um grande desafio. Para todos nós foi, e, no entanto,
você hoje não só caminha muito bem, mas corre, anda de bicicleta, e faz isso
com a maior naturalidade, nem pensa mais. Várias habilidades que adquirimos
no nosso desenvolvimento motor e/ou cognitivo são assim. Parecem muito
difíceis, mas depois a gente nem se lembra mais do processo e do esforço que
foi para aprendê-los.
E desenhar é exatamente a mesma coisa. E o melhor de tudo é que você
não vai correr nenhum risco de se machucar! Mais seguro do que tirar selfies
com o seu telefone celular.
O importante nesse processo é estar motivado e disposto a arriscar, e
começar logo a rabiscar! Você precisa estar também confiante que pode
desenhar. Só um pequeno detalhe: desde que tenha o tempo e a disciplina para
tal.
Então, por favor, pense assim: “Eu não sei desenhar, mas estou com
muita vontade de aprender”. Vamos começar?

1.1 Você consegue desenhar! Use seu lado direito do cérebro!

Agora que já estamos motivamos para aprender a desenhar, vamos


entender um pouco de como o cérebro humano funciona, naquilo que diz
respeito à percepção visual. Betty Edwards, em seu livro Desenhando com o
lado direito do cérebro (leitura imprescindível para quem quer aproveitar esta
disciplina), assim descreve o processo de aprender a desenhar:

Você tem dois “cérebros”: um esquerdo e um direito. Os estudiosos do


cérebro atualmente sabem que o cérebro esquerdo é o verbal e
racional; ele pensa em série e reduz o raciocínio a números, letras e
palavras. O seu cérebro direito é não verbal e intuitivo; ele pensa em
padrões, ou imagens, compostas de “coisas inteiras”, e não
compreende reduções, sejam números, letras ou palavras.

Assim sendo, o grande desafio será desligar” o lado esquerdo do cérebro


e “ligar” o seu lado direto. Alguns conseguem fazer essa troca rapidamente e
começam a desenhar de maneira surpreendente.
Na verdade, precisamos que você “veja com outros olhos” aquilo que você
sempre viu. De agora em diante, precisamos que você comece a PERCEBER de
verdade. OBSERVAR atentamente. De preferência, pare de falar, para de teclar
ao telefone, pare, até mesmo, de escutar música por um momento. OLHE de
verdade e se concentre, por exemplo, numa cadeira à sua frente. Fique olhando
por cerca de 3 minutos! Pronto, talvez você já esteja usando o lado direito do
cérebro. O resto é fácil, basta agora aprender a rabiscar.
Veja os exemplos a seguir de desenhos de uma cadeira. A Figura 2
representa alguém desenhando com o lado esquerdo do cérebro. A Figura 3
seria de alguém desenhando como lado direito do cérebro. Qual a diferença
entre os dois?
Figura 2 – Cadeira geométrica

Crédito: Attaphong/Shutterstock.

Figura 3 – Cadeira artística

Crédito: Les Perysty/Shutterstock.

O primeiro desenho é um desenho milimetricamente racional, com régua,


um desenho técnico, demorado e com forte apelo matemático (cérebro
esquerdo).
O segundo desenho é um croqui, rabiscado, feito à mão livre, respeitando
aquilo que o olho humano de fato enxerga quando alguém está desenhando uma
cadeira ao vivo (cérebro direito).
O nosso objetivo nesta disciplina é que você consiga desenhar à mão
LIVRE, buscando em poucos minutos rabiscar uma cadeira como a do lado
DIREITO, demonstrado acima.

1.2 Você não precisa ser um artista! Mas dê férias para o seu cérebro
esquerdo!

Vamos fazer agora um importante esclarecimento: não queremos fazer


de você um artista nesta disciplina. Já falamos no início desta aula que todos
podemos ler e escrever, ainda que não sejamos poetas ou escritores.
Então, pretendemos ajudar você aprender a desenhar, da mesma
maneira que alguém ajudou você aprender a escrever na sua infância. Só que
faremos isso em poucas semanas. Basta você querer aprender. Por que é
importante essa distinção? Porque não vamos tratar de aspectos subjetivos do
desenho, apenas regras bem simples e objetivas. Até porque você está
matriculado num curso superior de Design. E uma definição de design seria
resolver problemas.
Voltemos ao exemplo da cadeira acima. Van Gogh (que não vendeu um
quadro sequer em vida) pintou uma cadeira, que ficou famosa. Veja o quadro a
seguir. Trata-se de uma pintura a óleo. Com certeza você já viu esta imagem.
Nela Van Gogh quis exprimir suas contradições artísticas e talvez seus
problemas mentais. Hoje este quadro vale uma fortuna, mas o artista morreu
pobre. Não queremos você pintando quadros. Queremos você apenas fazendo
croquis muito bons, e que sirvam para comunicar simplesmente uma ideia
projetual sua.
Figura 4 – Van Gogh: cadeira e cachimbo, óleo sobre tela

Crédito: GOGH, V. Cadeira de Van Gogh,1888.

Assim sendo, vamos concentrar nossas energias nestas semanas em


desenhar a lápis, em papel, aprender o A, B, C básico do desenho de
observação, simplificando nossa trajetória, e mais importante, dismistificando
que artistas nascem sabendo desenhar, e que apenas alguns poucos iluminados
têm talento para o desenho de observação. Se você consegue ler (e escrever)
você também consegue observar e desenhar.
Uma última observação ainda o respeito do desenho. Alguns croquis
acabam indo parar em museus, por serem de pessoas famosas que
desenhavam para projetar (prédios, cadeiras, quadros, cidades ou carros).
Querem alguns nomes? Leonardo da Vinci, Michelangelo, Oscar Niemeyer,
Elgson Gomes, Poty, Le Corbusier, Sergio Rodrigues, e muitos outros. Nos
croquis de Oscar Niemeyer para o projeto da catedral de Brasília ele rabiscou
várias versões, sem se preocupar em mostrar detalhes. Trata-se de um
pensamento visual, feito com o lado direito do cérebro!
Figura 5 – Croquis de Leonardo da Vinci

Crédito: Kwirry/Shutterstock.

TEMA 2 – OLHAR DE VERDADE

Olhar parece ser tão fácil que todos olhamos o tempo todo, para tudo,
desde o momento em que nascemos. À medida que crescemos, vamos
aprendendo a olhar e a entender o mundo. O olhar sem dúvida domina as nossas
percepções sensoriais, e por meio do olhar entendemos o mundo.
Antes de ir para a escola, crianças adoram desenhar livremente, e sem
medo de errar, tudo o que veem. Desenhos de crianças de 3 a 5 anos são, sem
dúvida, maravilhosos (principalmente aos olhos dos pais…). Quando entramos
na escola, na esmagadora maioria das vezes, iniciamos um processo de
DESAPRENDER a olhar. As nossas professoras nos incentivam a desenhar um
vocabulário visual “infantil”, que na verdade estraga a nossa percepção.
Raramente, enquanto crianças têm bons professores de arte-educação.
Figura 6 – Desenho infantil

Fonte: o autor.

À medida que avançamos no ensino médio, cada vez mais nossa


habilidade para desenhar vai sendo corroída e deixada de lado. Aprendemos a
ler, escrever, fazer contas, tabuada. Desenhar passa a ser um talento menor. E
então, entramos na universidade…
Pois é, agora estamos na universidade, e ainda desenhamos como
crianças de 7 anos de idade. O que aconteceu nesse período? Tiramos fotografia
o tempo todo, portanto, sabemos olhar. Mas não sabemos desenhar. O que
aconteceu, afinal?
Neste bloco vamos entender melhor como reverter esse importante
fenômeno educacional. Alguns gostam de acreditar que as pessoas que sabem
desenhar já nascem com esse talento. Pensam que não adianta tentar adquiri-
lo, pois se você não nasceu com ele, jamais poderá desenvolvê-lo. Tudo isso se
trata de um grande equivoco, acredite!

2.1 Você olha com as mãos?

Essa frase todos já ouvimos várias vezes, com conotação negativa. Na


verdade a gente olha, sim, com as mãos! Quando alguém que sabe desenhar
de verdade faz um desenho incrível, está olhando com as mãos. A mão com o
lápis deve SEMPRE estar conectada com o olho que observa. Uma técnica
bastante comum em aulas práticas consiste em fazer estudantes desenhar SEM
olhar para o papel, olhando tão somente para o objeto à sua frente.
Uma frase sintetiza este conceito: Você não desenha o desenho, você
desenha o objeto! Portanto, de agora em diante, quando for desenhar algo,
passe 80% do tempo olhando o objeto e apenas 20% do tempo olhando o papel.
Você vai se surpreender com a mudança na qualidade dos seus desenhos.

Figura 7 – Exemplo de desenho feito apenas olhando para o objeto

Fonte: o autor.

No desenho acima, você percebe a diferença na qualidade de um


desenho usando a técnica descrita. É fundamental você iniciar imediatamente
esse processo de ver com as mãos. Talvez você queira colocar um pano
cobrindo a sua mão e o papel, para não cair na tentação de “colar”.
Alunos de artes plásticas que aprendem escultura compreendem bem
esta ideia. Mas designers também gostam de fazer maquetes e protótipos.
Então, de agora em diante, não se sinta mais constrangido em olhar com as
mãos.

TEMA 3 – MATERIAIS PARA DESENHO

Por um lado, a boa notícia é que vamos gastar muito pouco dinheiro em
material de desenho. Além do bloco de papel, você vai precisar apenas comprar
dois lápis e uma borracha. O mais interessante nessa habilidade é o quão
simples será manusear essas ferramentas e materiais.
Não vamos usar lápis de cor, aquarela, computador, tinta acrílica. Vamos
usar papel, lápis, uma borracha e uma caneta (qualquer caneta).
Por outro lado, a má notícia é que seu esforço e sua dedicação, bem como
o tempo dedicado, serão os fatores determinantes na sua aprendizagem.
Desenhar não é complicado nem caro. Então, vamos aos materiais de desenho
que você precisa providenciar.

3.1 O papel

Como já definimos anteriormente, desenhar seria o ato de representar o


mundo 3D em uma superfície 2D, no caso, uma folha de papel. Vamos então
falar sobre o suporte do desenho por excelência, ou seja, o papel. Claro que
podemos desenhar nas paredes (coisa que toda criança adora fazer), podemos
desenhar em tecido, em lixa, mas 99% das vezes faremos isso em papel.

Figura 8 – Exemplo de papel com desenho a lápis mole

Fonte: o autor.

Essencialmente, são dois aspectos que importam nesse quesito. O


tamanho a folha e a textura do papel. A textura você sente ao tatear uma folha.
O papel pode ser liso ou áspero, e, claro, existem variações entre esses dois
extremos. Para o desenho de observação que vamos desenvolver aqui, quase
sempre a lápis de desenho artístico, vamos optar por papel de textura
intermediária.
Quando o papel é muito liso, o atrito entre o grafite e a superfície fica
insuficiente para um traço de qualidade, natural. Quando o papel é muito áspero,
você vai gastar a ponta do lápis muito rapidamente e terá de apontá-lo o tempo
todo. Portanto, um papel de textura intermediária seria o ideal. As papelarias
vendem papel Canson para desenho artístico. Compre um bloco de gramatura
média (120 g a 160 g), tamanho A3, de papel Canson. Não é um papel caro. Mas
seria importante que a folha fosse espessa o suficiente para não ter nenhuma
transparência, o que vai permitir você desenhar em ambos os lados dela.
O outro aspecto seria o tamanho do papel. Resumidamente, papel é
vendido em tamanhos que variam de A0 até A6. Veja a figura a seguir. Vamos
trabalhar com papel A3. Para ter uma referência, o A4 seria o papel de carta.
Portanto, o formato A3 tem o dobro do tamanho do A4.

Figura 9 – Tamanhos de papel

3.2 Lápis – E talvez uma borracha

Agora que já sabemos onde vamos desenhar, resta saber com o que se
desenha. O lápis será a nossa ferramenta de trabalho. Vamos usar basicamente
um tipo apenas de lápis. Lápis preto 4B, ou mais alto 5B, 6B, etc.

Figura 10 – Tipos de lápis

Crédito: Ekaterina_Minaeva/Shutterstock.

Para entender qual a diferença entre essas categorias, pense assim:


quanto mais alto o B, mais grafite e mais mole o lápis fica. Para nosso curso, não
queremos lápis HB, H, ou outros. Precisamos de lápis que sejam bons em deixar
um traço sem ter que apertar a mão, e também fácil de fazer sombras. Não
usaremos lapiseira de desenho técnico. Eventualmente, vamos usar caneta, mas
qualquer caneta serve, até dessas que você ganha de brinde.
Além do lápis, você vai precisar de uma borracha mole para desenho
artístico – uma borracha vai ser suficiente, porque vamos tentar evitar apagar o
desenho ao máximo. No final do curso, você poderá jogar até fora a sua
borracha. Essencialmente, seria como fotografar. Quando você fotografa, você
não fica apagando a sua foto. Se você não gosta, faz outra foto. Use o mesmo
raciocínio para os seus desenhos. Não gostou? Então faz outro, e outro e outro,
até ficar bom.

TEMA 4 – RABISCANDO SEM MEDO

Chegou a hora de começar a desenhar. Vamos, primeiramente, apenas


entender melhor a relação entre o lápis e o papel. Apenas rabiscar, sem
nenhuma pretensão de representar nada. A sua mão deve estar totalmente livre
e descontraída.
A ideia aqui seria basicamente se permitir “gastar” papel para entender
melhor como acontece o traço, elemento básico de qualquer desenho.
Queremos que você rabisque uma folha em branco, pode até telefonar para
alguém e ficar rabiscando enquanto fala! Assim, não vai se preocupar tanto em
errar ou acertar. Até porque não há nada a perder. Apenas uma folha de papel.
Aposto que você já fez isso muitas vezes – falar ao telefone longamente e
rabiscar sem pretensão.
Então vamos lá. Vamos sentir o lápis atritando o papel. Não pense muito
no que vai desenhar. Aliás, não pense nada. Apenas rabisque, de todas as
formas possíveis e imagináveis. Não tente fazer uma linha reta. Nem tente fazer
um círculo perfeito. Mas preencha esta folha de papel plenamente. Se quiser,
use outra folha de papel. Ou o outro lado da mesma folha, tanto faz. Gaste cerca
de 15 minutos nesta atividade. Veja a figura abaixo, mas não a copie. Apenas se
inspire nela. Mas por favor, não apague nada.
Figura 11 – Rabiscos aleatórios

Fonte: o autor.

4.1 Traçando… o traço, sem medo de errar

Agora que você já iniciou a aventura de rabiscar livremente a lápis,


gostaríamos de fazer uma comparação lúdica, mas que vai ajudar você entender
como o desenho JÁ faz parte da sua vida, sem você perceber.

Figura 12 – Desenho em areia na praia de Péricles Gomes, 2019

Fonte: o autor.

Esse desenho foi feito em menos de 1 minuto na areia da praia, com um


pedaço de bambu. Perceba que você reconhece uma bandeira! A areia da praia
seria o papel e o bambu seria o lápis. Nada foi apagado, e, no entanto, ficou
muito bem desenhado, não acha? Claro que logo que eu tirei a foto o mar veio e
apagou o desenho. Mas eu fui mais rápido que a “borracha do Oceano Atlântico”.
Confesso que não estava trabalhando neste momento, estava vindo de
uma festa no domingo, às 6 horas da manhã, e resolvi desenhar na areia. Veja
que eu “errei” o retângulo, e então eu rabisquei por cima para melhorar. Tudo
não passou de um croqui efêmero que o meu celular imortalizou para vocês
poderem aprender a não ter medo de rabiscar.

4.2 Os tipos de traço e à mão livre!

Podemos classificar os traços em algumas categorias principais. Mas


antes vale alertar que o maior perigo para o principiante seria a tentação de usar
regra para desenhar, já que não confia na sua habilidade. Por favor, não caia
nesta tentação. Ninguém nasce sabendo desenhar. A régua e esquadros não
são seus amigos neste curso. Eles são seus piores inimigos. Seriam como
muletas ou mesmo aquelas rodas auxiliares que as crianças usam para aprender
a andar de bicicleta.

Figura 13 – Tipos de traço

Fonte: o autor.
Os traços podem ser divididos nas seguintes categorias, de maneira bem
simplificada:

• Traços contínuos retos (vertical horizontal ou oblíquo).


• Traços circulares (círculos, elipses e afins).
• Traços irregulars.
• Traços intermitentes.
• Traços sobrepostos (texturas ou hachuras).

Cada estudante vai desenvolver durante a sua carreira de designer o seu


próprio traço. Isso leva certo tempo. Mas, no decorrer dos estudos universitários,
você vai cada vez mais ter a sua própria identidade nos seus traços, nos seus
desenhos, nos seus croquis. Seria como a sua caligrafia, sua assinatura. Veja
que algumas pessoas assinam “rabiscando”. Por que assinamos documentos?
Porque sua assinatura é um traço único, só seu, e, portanto, bastante difícil de
falsificar.
Pense nisso de maneira criativa e abrangente. Analise a sua assinatura.
Talvez você queira fazer um redesign dela. Rabisque a sua assinatura várias
vezes numa folha de papel e crie novas versões. Você estará praticando
desenho e estará também já criando um novo design. O design de sua
assinatura: um rabisco com muito estilo e classe.

Figura 14 – Assinatura de Pericles Gomes

Fonte: o autor.

TEMA 5 – O DESENHAR E O FOTOGRAFAR

Vamos tratar agora de duas atividades muito parecidas e muito diferentes.


Uma delas tornou-se tão corriqueira, que a cada dia que passa você cria várias
imagens, sem nenhum esforço: Fotografar! Grafar com fótons! A outra seria
desenhar com lápis. Seria então, digamos, grafitar com átomos? Quando você
fotografa com o seu celular, você na maioria das vezes nem pensa no que está
fazendo. Nem olha. Apenas aperta o botão e PRONTO!
“Então, para que aprender a desenhar, se eu já sei fotografar?”, pensou
vocêê neste momento. Cuidado com esse pragmatismo enganoso. Primeiro,
porque talvez você não saiba fotografar. Você apenas sabe fazer selfies…
Segundo, porque saber desenhar é como saber escrever. Tão importante
quanto. E, por último, você também precisa aprender a FOTOGRAFAR.
Desenhar vai ensinar você de fato observar, não apenas olhar. O ato de
observar cuidadosamente uma cena ou objeto e transmitir para uma folha de
papel vai exigir de você um esforço concentrado e criterioso de entender o que
está na sua frente. Quando você desenha, você precisa criticamente estabelecer
relações de tamanho, de quantidade de luz e sombra e de espaços entre as
partes que compõem a cena. Você tem de escolher quais detalhes são
importantes e quais são supérfluos no seu croqui. Lembre-se de que um croqui
não deve levar mais do que 10 a 15 minutos para ser feito. Você não está
fotografando, está apenas desenhando… Assim como quando o “clic” da
máquina fotográfica acontece, seu croqui deve ser um instantâneo no tempo.
Uma importantíssima diferença entre desenho e fotografia, no entanto, é
que no desenho você tem que decidir o que entra e o que fica fora dele. Na
fotografia o seu celular faz essa redução dos detalhes por você. Portanto, você
tem mais poder de decisão ao desenhar.
Um último conselho: não desenhe a partir de fotos, pois, se assim o fizer,
nunca vai aprender a observar o mundo que você precisa desenhar. Simples
mas complicado, não acha?

5.1 Fotografar você já sabe… ou não sabe?

Tudo começa no olho. No seu olho, melhor dizendo. Você tem dois olhos
para melhor ver. Sua visão, mesmo que com óculos, é extraordinária. Agora, só
falta você olhar de verdade, antes de apertar o gatilho da sua máquina fotográfica
(ou celular). Mais importante do que ter uma Nikon profissional ou o iPhone mais
recente é sua capacidade de olhar e pensar antes de disparar.
Antes da fotografia digital, fotografar com filme era relativamente caro, e
não dava para ver a foto antes de mandar o filme para revelar. Então, era preciso
caprichar ainda mais e observar com critério, para não gastar filme. Isso mudou
completamente na era do telefone celular, não é mesmo?
Antes de dar algumas dicas sobre como fazer melhores croquis, vamos
falar brevemente sobre a história da fotografia. Ela nasceu no século XV, no
Renascimento italiano (a parte física), foi aperfeiçoada no século XIX na França
(a parte química), e no século XXI (a partir dos EUA) ela invadiu tudo e todos (a
parte digital). Quem fotografa bem já tem meio caminho andado na direção de
desenhar bem. Cartier-Bresson, um dos maiores fotógrafos que já existiu, no
final da sua vida, parou de fotografar para apenas desenhar.

Figura 15 – Exposição de fotos de Cartier-Bresson em Milão, 2007

Crédito: ©CC-20/Maurizio Zanetti.

A fotografia reinventou a pintura e depois da Segunda Guerra Mundial


virou arte (ainda mais na versão em preto e branco). Aliás, seria ótimo pensar
fotografia no nosso contexto, somente em tons de cinza, já que só vamos
desenhar com lápis preto. A essência do desenho é cinza. A cor para o iniciante
só atrapalha. Ao experimentar fotografar para a nossa disciplina, aconselhamos
você pensar em preto e branco ou transformar suas fotos em preto e branco,
quando elas forem coloridas.
Tudo começa e termina na luz. Sem luz (e sombra) não existe fotografia.
Qualquer tipo de luz serve. Mas você precisa começar a prestar atenção nas
fontes de luz quando for fotografar. Além da luz, temos outros pontos que são
fundamentais na arte de fotografar:
• Luz e Sombra: cuide da luz para sua foto ter mais qualidade e
profundidade. Lembre que o flash não é o seu melhor recurso, e deve ser
poupado.
• Enquadramento: observe e decida o que você deixa de fora e o que você
considera importante incluir no campo visual.
• Equilíbrio: tente equilibrar a composição, sem exagerar na simetria
visual. Uma fotografia equilibrada leva em conta o peso visual dos
elementos que a compõem.
• Proporção e regra dos terços: imagine um grid de 3X3 e enquadre os
pontos mais importantes da sua imagem usando esse grid. Você vai se
surpreender.
• Forma e Fundo: cuidado com fundos muito congestionados. Sempre que
possível, busque um fundo neutro ou desfocado para melhorar o objeto
principal.
• Perspectiva: boas fotos levam em consideração a profundidade do
espaço e a perspectiva da cena em questão. Tente achar a linha do
horizonte como referência.
• Simplicidade: em arte, design e arquitetura, menos é mais. Simplifique
ao máximo a sua composição fotográfica.

Em essência, comece agora a praticar a fazer fotos mais elaboradas, pois


isto fará você começar a olhar o mundo com o seu lado direito do cérebro, o
que vai ajudar você na aprendizagem do desenho.

5.2 Desenhar você não sabe… mas vai aprender!

Agora que você compreendeu que fazer selfies e fotografar são


habilidades bem distintas, vamos discutir um pouco sobre a sua capacidade de
aprender a desenhar. Seria importante você reconhecer que ainda NÃO SABE

desenhar, mas QUER APRENDER.


Sua motivação será o fator mais importante de agora em diante. Você
escolheu estudar DESIGN, portanto, precisa estar motivado a aprender a
desenhar. Caso contrário, não conseguira se estabelecer como um profissional
neste ramo.
Mas o ato de desenhar deve ser de agora em diante algo divertido e
empolgante, uma verdadeira aventura visual, na qual você vai se sair muito bem.
Pense em rabiscar sempre que possível. Se tiver qualquer tempinho sobrando,
use seu bloco de desenho para captar as coisas que você observa. Pense que
você está montando seu portfólio visual de aprendizagem.
Gostaríamos que você fizesse um diário, no qual todo dia você fará ao
menos três desenhos, qualquer desenho, de cenas do seu cotidiano. Pode ser
objetos, pessoas, plantas, roupas, casas, carros, mas tudo SEMPRE olhando,
nada de desenhar de memória ou de imaginação.
Não critique seus desenhos. Permita-se rabiscar à vontade, não apague
nada, mas desenhe tudo. Tente desenhar da mesma maneira que você se
alimenta. Assim, o desenho vai entrar na sua vida e nunca mais vai sair dela.
Se você conseguir isso, em poucos meses você estará desenhando bem
o suficiente para se tornar um bom designer, nosso principal objetivo nesta
disciplina. Desenhar é fácil, e você vai aprender.

TROCANDO IDEIAS

O desafio é rabiscar alguns objetos fáceis de desenhar que você tenha


em sua casa ou utiliza em seu dia a dia. Compartilhe esses rabiscos no fórum
com seus colegas.

NA PRÁTICA

Acompanhe as orientações a seguir para realizar a atividade.

1. Leia o texto da aula.


2. Leia a explicação a seguir.
3. Realize a atividade solicitada. Bons rabiscos e bom trabalho!

A atividade consiste em você imprimir o dado abaixo, montar o objeto


(pode usar uma tesoura para recortar e cola ou fita adesiva para colar). Tempo
médio de execução do protótipo: 15 minutos. Uma vez pronto o dado, você vai
realizar três croquis desse dado, observando-o (não tente desenhar de
memória).
Você deverá desenhar três versões do objeto, a saber:

1. Desenho de 10 minutos olhando livremente o objeto e o papel.


2. Desenho de 6 minutos olhando 80% do tempo o objeto.
3. Desenho de 2 minutos sem olhar o papel (com um pano encima da sua
mão)
Finalmente, compare a qualidade dos três desenhos. Verifique as
diferenças e perceba como você pode mudar a maneira de ver o mundo.

Figura 16 – Cubo planificado para montar e desenhar

Fonte: o autor.

FINALIZANDO

Nesta aula foram apresentados os princípios, os conceitos e as


ferramentas do desenho de observação. Estas, se corretamente aplicadas,
podem trazer benefícios aos estudantes de design, no sentido de poder
representar visualmente ideias projetuais e criativas e, portanto, formar uma
sólida base da profissão em questão.
Foram apresentados os conceitos de desenho e fotografia, de maneira
bem simples, para propiciar um entendimento cognitivo das técnicas básicas de
representação bidimensional. Os princípios do rabiscar, base de qualquer
desenho à mao livre, foi devidamente explicado.
Foi apresentada também a diferença entre o desenhar e o fotografar,
sendo que uma faz parte da outra. Ambas começam no seu olho e acabam numa
folha de papel ou numa imagem digital.
Conclui-se que as técnicas e as habilidades apresentadas impactam
positivamente para a carreira do designer, contribuindo, assim, para o
desenvolvimento da sua habilidade em observar e representar o mundo em seu
entorno.
REFERÊNCIAS

BIRCH, H. Desenhar, truques, técnicas e recursos para a inspiração visual.


Londres: Gustavo Gili, 2015

CERVER, F. Desenho para principiantes. Londres: Konneman, 2010.

CLARKE, L. 40 Tips to take better Photos. PetaPixel. Disponível em:


<https://petapixel.com/2014/01/24/40-tips-take-better-photos/>. Acesso em: 14
fev. 2019.

EDWARDS, B. Desenhando com o lado direito do cérebro. 4. ed. New York:


Tarcher/Penguin, 2012.

Você também pode gostar