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CAUSAS DA DESISTENCIA DAS MENINAS

NAS ESCOLAS MOCAMBICANAS


Publicado em 27 de julho de 2018 por Pita Rui Dola
Tema: CAUSAS DO ABANDONO ESCOLAR DAS RAPARIGAS EM
MOÇAMBIQUE*

*Pita Rui Dola, Docente afecto no Departamento de Ciências de Linguagem,


Comunicação e Artes da Universidade Pedagógica, Delegação de Quelimane.
Mestrando em French Studies pela University of Kwa-Zulu Natal.

1. Introdução

Obviamente, fazer uma análise cuidadosa da desistência escolar feminina,


possibilitar-nos-á a descobrir os porquês da fraca participação escolar delas.
Acresce que as taxas de desistência escolar não são iguais entre as zonas rurais
e urbanas. Para provar essa importante declaração, Mikael Palme escreveu o
seguinte: “nas escolas rurais de Nampula, 43% de todos os alunos na primeira
classe eram raparigas em 1989. Na 5ª classe, as raparigas representam apenas
21% da população estudantil. Em Maputo (DU no 1), pelo contrário, as raparigas
aumentavam a sua parte de população estudantil de 48% a 54%” (Palme,
1992:90)[1]. Agora, porque encontramos poucas mulheres nas universidades?
Segundo o INE, a maioria da população moçambicana mais de 60% vive no
campo onde a educação da rapariga não é uma prioridade. Assim, Lange (1998)
diz que a fraca escolarização das raparigas é considerada natural nas sociedades
não ocidentalizadas. Ela acrescenta dizendo que “les scolarités féminines
différente des scolarités masculines, en particulier parce que les filles quittent
l’école plus tôt (souvent dès la puberté), pour aider leur mère ou pour se marier.
De plus, elle ont parfois tendance à entrer plus tard à l’école »[2] (op. cit. p.16).
Aqui, o autor apresenta-nos pelo menos três causas fortemente relacionadas da
desistência das raparigas : inserção precoce das meninas nas actividades
domésticas, o casamento e a falta de relação entre a idade e a classe que se
encontra a frequentar. A classificação das causas depende de autor para autor.
Por exemplo, o mesmo autor identifica três factores sociais que determinam a
escolarização das raparigas, tais como o nível de instrução dos pais, a religião e a
origem socioprofissional dos pais. As causas dividem em duas partes: causas de
natureza socioculturais e causas de natureza socioeconómicas, que pela sua
vez elas se subdividem, e, muitas vezes, essas causas se relacionam.

A cultura duma determinada região pode determinar a baixa ou alta escolarização


das raparigas. Nas zonas rurais, como já vimos, ir a escola “significa de certa
forma prolongar o estado de infância e adiar a entrada na fase adulta e respeitada,
incluindo coisas como contribuir mais completamente para a sobrevivência da
família através de trabalho ou casar-se” (Palme, 1999:41).

Nas cidades, por ter ambiente escolar fortemente dominante, a escolarização quer
masculina quer feminina tende a ser valorizada. Nisto, não significa que não tenha
desistência nas zonas urbanas embora de causas e escalas totalmente diferentes
das zonas rurais.

 
2. CAUSAS DE NATUREZA SOCIOCULTURAIS
2.1. CONFLITO ENTRE DOIS AGENTES DE SOCIALIZAÇÃO (FAMILIAR/ESCOLAR)

A criança, ao crescer numa sociedade, nota pela sua experiência que a posição
social esta relaciona com o poder; as pessoas vão subindo de estatuto com idade;
os mais jovens pedem sempre conselho aos mais velhos, porque se supõe que
eles saibam mais. A educação escolar faz com que alguns com estatuto atribuído
mais baixo adquirem mais conhecimentos que os familiares mais velhos. Segundo
Edsmose, citado por Vandelbo (1999), o estudo feito na zona rural do Quénia,
encontrou-se que há valores contraditórios no processo de socialização na esfera
doméstica e na esfera escolar. Os jovens começam a desrespeitar quer os valores
culturais e até mesmo familiares constituindo assim uma ameaça às relações do
poder social estabelecido[3]. Na realidade, nas sociedades rurais, as crianças não
só podem sobreviver sem a competência escolar (por ser a agricultura uma base
fundamental de sobrevivência) mas também, pouco ou nenhum uso faz dela já
que pouco há para se ler e para se escrever[4]. Segundo Bourdeau citado por
Pinto (1995), a escola transmite cultura das classes dominantes (…) a escola ao
mistificar a imposição que faz da cultura dominante como sendo cultura universal,
está a exercer a violência simbólica. Como assim? Duma maneira geral, todas as
pessoas que aparecem nos livros estão bem vestidas, usam sapatos, vivem em
casas de cimento, tem carros e assim por diante, e se mostra a vida no campo,
encontra-se as machambas bem tratadas, trabalham a terra com ajuda de animais
de tracção e tractores. Será que é esta a vida de campo? Não! Então, perante
esta realidade, qual será a reacção dos pais? Para nos mostrar a reacção dos pais
perante esta situação, a obra, “eu mulher em Moçambique” reza: “devido a falta de
confiança na qualidade de ensino, os pais sustentam que as raparigas estão a
perder tempo na escola, tempo este que é preciso, pois pode ser dedicado a
actividades agrícolas e domésticas para a preparação de casamento (situação do
meio rural). (…) as raparigas que vão a escola pensam em satisfazer as novas
necessidades tais como cinema, discotecas e outras diversões. Alguns pais fazem
associações do tipo escola – discoteca – prostituição (situação do meio urbano)
”. (op. Cit. P. 189).

 
2.2.CASAMENTO

Aqui falaremos do casamento prematuro porque este é o factor mais preocupante.


Muitas raparigas casam antes de concluir o nível primário. Porquê? Segundo
explica Vendelbo (1999), muitos alunos começaram a estudar ou mais jovens ou
demasiado velhos (a maior parte) porque a família não toma em conta a idade
cronológica (que raras vezes sabem) mas uma avaliação de maturidade social.
Não é de admirar que as crianças entrem na escola com oito a doze anos na
primeira classe. Se este for o caso das raparigas, devido as tradições, os pais
fazem tudo o que lhes é possível para casar as suas filhas logo após a primeira
menstruação mesmo se isto se realize com apenas 11 ou 12 anos.[5] Para obter
dinheiro ou bens através dela, os pais precisam de casar as suas filhas ainda
virgens. No que tange ao rito de iniciação, o ritual feminino enaltece o início da
vida sexual e, desta maneira, os rituais podem levar as meninas a experimentar o
sexo. Se porventura o praticarem e se engravidarem, na escola são interditas de
frequentar o curso diurno podendo estudar somente no curso nocturno. Se o lugar
onde ela mora é distante da escola ou mesmo, não existe o curso nocturno, a
solução é de abandonar a escola.
2.3.A MANEIRA COMO A SOCIEDADE OLHA PARA O GÉNERO (MULHERES)

 
Culturalmente, o preconceito de que as mulheres são feitas só para o casamento
pode influir na educação. Diz-se que educar a rapariga há menor retorno de
investimento. Segundo Afonso et al (1994), os pais pensam que as raparigas, uma
vez casadas, tornam-se da responsabilidade da família do marido. Assim, o
investimento feito pelos seus pais não resulta em nenhum lucro para a sua própria
família. É pensamento comum que os rapazes devem ser bem preparados porque
serão eles a providenciar o bem-estar da família. Uma senhora entrevistada diz
“frequentei-me a escola, mas o meu pai tirou-me da escola dizendo que eu não
podia estudar como se fosse rapaz. Quem vai a escola são os rapazes, dizia ele “
(id.ibid). Como já fiz referência no princípio de trabalho, as pessoas tem um
conceito negativo do género feminino desde muito tempo. As mulheres foram
inculcadas por este pensamento[6].

 
3. CAUSAS SOCIO-ECONOMIAS.
3.1. INSUCESSO ESCOLAR (REPETÊNCIA)

Um aluno pode abandonar a escola com reprovações repetidas, isto mostra que,
segundo os pais, ele não tinha capacidade para a escola. Reprovações
sucessivas significam também que a criança vai crescendo e talvez chegue na
fase à idade adulta já na 3ª classe. Segundo Palme (1992), manter as crianças na
escola apesar de repetidas repetências também significa um custo considerável
para a família. E, normalmente, são as raparigas que têm que têm alto número de
repetências. Porque as raparigas têm altas taxas de reprovação?[7]  Nas cidades,
com o avanço das tecnologias modernas, há aqueles que crêem que o fraco
aproveitamento pedagógico, as vezes é associado a diversões. Nas zonas rurais,
o ambiente é outro. A rapariga deve ajudar a mãe nos trabalhos domésticos,
ajudar a família no trabalho agrícola, que por vezes tem pouco tempo para estudar
as lições. Como espelho disso, há muitas repetências e consequentemente,
abandono escolar em escala maior para as raparigas do que os rapazes.

 
3.2.  O FACTOR PROFESSOR

A falta e a exiguidade de professoras no ensino primário sobretudo nas zonas


rurais faz com que as raparigas não vejam o que possam ganhar com a escola.
Por outro lado, os pais não vêm a escola como um lugar seguro do qual as suas
filhas possam passar a maior parte do dia. A presença das professoras seria uma
forma de os pais depositarem confiança na escola e, também, perceberem que
estudando, as suas filhas poderão ser professoras no futuro. Um outro factor que
influi na forma particular no abandono escolar das raparigas é o assédio ou abuso
sexuais protagonizados não só pelos professores mas também pelos colegas.
Vejamos uma entrevista citada por Lange na sua obra “l’ecole et les filles en
Afrique: scolarisation sous condition” a uma aluna de Costa de Marfim: “ c’est qui
est sûr, en Côte d’ivoire, tous les professeurs cherchent les élevés. Mais si un
professeur dit qu’il t’aime et toi, élève, tu refuses, il te sanctionne. Il te donne des
zéros (…) et il peut te faire doubler ou même te renvoyer »[8]. Dizer que são os
professores que apenas procuram as alunas, as vezes não tem sido verdade
porque se as raparigas não têm notas para passar de classe, elas mesmas
procuram professores. No entanto, durante a entrevista, o professor responde
desta maneira: “ce sont très souvent des rumeurs qui sont fondées. Il y a certaines
filles qui sans vergogne écrivent les lettres d’amour et   il y a certaines professeurs
qui font des déclarations d’amour à des filles »[9]. (op. cit. p. 41).

 
3.3. POBREZA

As famílias moçambicanas maioritariamente pobres e, em especial as


camponesas não possuem dinheiro, vivendo da agricultura de subsistência o que
deixa com poucas ou nenhumas alternativas de mandar ou manter as suas filhas
na escola, pois, se a família consegue dinheiro, a prioridade é de mandar a escola
o rapaz. Existe raparigas que para se sustentar e sustentar os seus estudos
praticam a prostituição o que pode acabar em gravidez. A família põe a agricultura
em primeiro plano porque sabe-se que é através dela em que pode-se prover
alimento para a sobrevivência da família. A questão da pobreza afecta “em
particular as raparigas, já que as famílias camponesas iriam optar por enviar, em
primeiro lugar, os seus filhos a escolas.” (Palme 1992:42). Vejamos como é que
uma senhora, por causa da pobreza, casou-se muito cedo: “ eu casei-me muito
pequena. Meu irmão queria uma mulher para casar e não tinha dinheiro. Assim,
arranjou para mim um homem que pagou lobolo e com este dinheiro fez o que
queria” (uma entrevista citada em Afonso el al 1994:42).

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 
FDC (2000), Relatório – seminário de debate sobre a educação da rapariga,
Maputo.

FDC (2001), Avaliação do programa da educação da rapariga 1996-2000 –


Niassa, C. Delgado, Zambézia, Manica e Maputo Cidade, Maputo.

FDC (2003), Programa da educação da rapariga 2004-2005 para as províncias


de C. Delgado, Manica, Maputo, Maputo Cidade, Nampula, Niassa e
Zambézia.

LANGE, Marie-France (1998) ; Ecoles et les filles en Afrique: scolarisation


sous condition, edition Kartala, Paris

NOGUEIRA, Maria Alice et al (2003); A família e a escola: trajectórias de


escolarização em camadas médias e populares, editora vozes, 2ª ed. Brasil.

PALME, Mikael (1992); O significado da escola: repetência e desistência na


escola primária moçambicana; Maputo

SILVESTRE, Maria Joao Duarte (2002), Do feminino da educação em


Moçambique, universidade nova de Lisboa, Dissertação de Mestrado.

VENDELBO, Kirsten (1999), Abandono escolar e incerteza – o estudo do


significado que a população de uma zona rural de Moçambique atribui a
escolarização da criança, Universidade de Copenhaga, Tese de mestrado.
 

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