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2018
Resumo: Situado na tradição do funcionalismo, Abstract: From a functionalist point of view this
este artigo pretende examinar o desempenho paper attempt to consider the performance of
do ordenamento jurídico segundo o viés da the law according to the contributions of legal
semiótica legal. Assume-se a premissa segundo semiotics. The article assumes the premise that
a qual o Direito Positivo é um fenômeno de positive law is a communication phenomenon
comunicação e adota-se o modelo and adopts the communicative model
comunicativo proposto pelo linguista Roman proposed by the linguist Roman Jakobson to
Jakobson para investigar e concluir pela função investigate and conclude that the conative
conativa de linguagem como função function of language is the dominant feature of
dominante da linguagem prescritiva que revela the prescriptive language that reveals the law.
o Direito Positivo. Keywords: legal semiotics, dominance,
Palavras chave: semiótica legal, função functions of language, Positive Law.
dominante, linguagem, Direito Positivo.
SUMÁRIO: Introdução 1. A natureza técnica da linguagem do direito positivo 2. Direito positivo, código,
repertório, metalinguagem e função metalinguística 3. Funções imperativa e conativa da linguagem legal 4.
Função emotiva e valoração na linguagem do direito 5. A função referencial e denotação na linguagem do direito
6. A função fática: o sinal e o canal do ordenamento jurídica.
Recebido em 10/09/2018.
Aprovado em 17/12/2018.
Graduada e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP); Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados
em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Conta com experiência na área de Filosofia do Direito
com ênfase em Metodologia, Semiótica do Direito e Pragmatismo Jurídico, atuando principalmente nos
seguintes temas: normas, signos, semiótica legal, pragmatismo jurídico.
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INTRODUÇÃO
O estudo da interpretação pelo viés da semiótica situa o tema da interpretação no
estudo da semiose, na geração de interpretantes, na produção de efeitos e consequências dos
signos, de um ponto de vista mais empírico do que mental, por assim dizer. A interpretação é
frequentemente associada com as operações de atribuição de sentido a um texto realizadas
por certos tipos de operadores desta linguagem. No caso da interpretação isoladamente
considerada, ela seria uma atividade mais característica dos cientistas do direito, da
dogmática jurídica, a doutrina. Em se tratando da aplicação do direito, realizada pelos juízes
na medida em que proferem as decisões, a interpretação também estaria envolvida como
uma fase anterior e complementar à aplicação. Em função das competências legais atribuídas
ao agente da interpretação, o positivismo jurídico de viés kelseneano afirma ser esta a
interpretação autêntica. A filosofia tradicionalmente situa a atividade de interpretação como
a referência dos signos verbais aos conceitos (afeições da mente) e dos conceitos aos objetos.
A interpretação é um evento mental que acontece na alma. O processo de atribuição de
sentido é concebido como um evento subjetivo para uma mente, trata-se de uma acepção
mais restrita de mente, de sujeito. Para Peirce (1999, p. 200) a filosofia moderna incide no
engano de conceber a Ciência Normativa de forma estreita, na medida em que a considera
como unicamente relativa ao espírito humano. O problema, segundo o filósofo americano, é
que a concepção que a filosofia atribui para espírito é por demais singular, é uma concepção
cartesiana, segundo a qual o espírito é algo que ‘reside’ na glândula pineal. O espírito é
concebido como um elemento interno, dentro desta ou daquela pessoa. Quando toma a
semiótica como a disciplina da natureza essencial e das variedades fundamentais de toda
possível semiose, Peirce não toma em consideração nenhum intérprete ou sujeito consciente
(ECO, 2008, p. 182). A semiose, como efeito de signos, pode acontecer também como teia e
dinâmica de relações em mentes ou em ambientes não exclusivamente humanos, como
comunicação celular e inteligência artificial.
Este estudo pretende se ocupar de uma concepção semiótica e funcional de
interpretação jurídica e concebe o Direito Positivo como um sistema de linguagem técnica que
não deve ser investigado de um ponto de vista estático, somente na condição de um conjunto
de mensagens prescritivas. Não se procura estudar as normas na condição estática de
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mensagens legais. A interpretação funcional busca o sentido dos enunciados a fim de que
estes cumpram as funções que lhe foram atribuídas pelo autor de um texto ou para que se
verifique se os efeitos pretendidos foram produzidos no seio na sociedade. O método aqui
proposto funda-se na teoria das funções comunicativas de Roman Jakobson, situada na
tradição do funcionalismo semiótico. Trata-se da tese segundo a qual a comunicação – e neste
caso, a comunicação legal – é um instrumento que serve a várias finalidades. A cada uma das
finalidades corresponde uma função de linguagem. Toda comunicação verbal se determina de
acordo com a predominância de uma orientação comunicativa entre o remetente e o
destinatário. Uma ideologia dinâmica de interpretação dos textos legais, ao determinar o
sentido das regras jurídicas, propõe a satisfação de necessidades atuais da vida, privilegiando
acepções que respondam a fatores do contexto (WROBLEWSKI, 1999, p. 427). O estudo
também deseja evidenciar a aplicação de cada função de linguagem com exemplos retirados
do Direito Positivo brasileiro.
Qualquer instância de uso de uma linguagem implica a sua interpretação. O conjunto
de possibilidades, a soma de todas as funções de linguagem corresponde ao aspecto
estrutural da análise linguística funcional. A explicitação das funções de linguagem permite a
identificação dos efeitos produzidos pelos enunciados legais em situações comunicativas
imperativas, aqui concebidas como ‘situações sociais com a finalidade de orientação do
comportamento futuro’ (MÜLLER, 2013, p. 192). Uma concepção semântica de interpretação
pode ser avaliada como centrada em um nível descritivo na tarefa de determinação do sentido
da norma jurídica. Como se o indivíduo descrevesse e propusesse sentido para as normas
como um observador externo, distante. Um cientista descrevendo um objeto. Esta é uma
atividade tradicionalmente estudada pela Hermenêutica. É uma categoria de estudo muito
bem estabelecida na filosofia da linguagem. A interpretação funcional abraça uma finalidade
prática, o que exige uma investigação dos efeitos que as mensagens estão aptas a produzir,
seja nos aplicadores ou nos destinatários da aplicação. Quando se procede a um estudo da
função dominante da linguagem do Direito Positivo, o que se busca é justamente adotar a
comparação dos estudos de linguística funcional com as situações comunicativas que
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Vide, por exemplo, ROCHA, Leonel Severo. A problemática jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto
Alegre, Fabris, 1985.
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Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito.
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Relevante considerar para esta questão ontológica a simetria entre sujeito e objeto com a qual se compromete
a semiótica de Peirce. Verificar IBRI, Ivo Assad. Pragmatismo e realismo: A semiótica como transgressão da
linguagem. In Cognitio: Revista de Filosofia. Vol. 7. nº 2 jul/dez 2006, pps. 247 a 259.
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chamados usos diretivos da linguagem. Afirma Hayakawa (1972) que todos os enunciados
diretivos dizem alguma coisa acerca do futuro. Para o semanticista, os enunciados do Direito
Positivo estariam entre os enunciados diretivos com sanções coletivas. Direitos subjetivos
seriam acordos sociais que abrangem nosso comportamento no modo pelo qual pretendemos
agir. Peirce também alertava para o fato de que “dizer que o futuro não influencia o presente
é doutrina insustentável. Equivale a dizer que não existem causas finais ou fins (CP 2.86; 1999,
p. 25).
Wróblewski (1985) reconhece a natureza problemática da linguagem legal e afirma
que a existência mesma desta linguagem é discutida, salientando o seu caráter controverso,
vago, sensível e permeável ao contexto. Entretanto, a discussão sobre o status ontológico dos
ordenamentos jurídicos, adotando-se uma perspectiva semiótica, encontra-se resolvida, quer
se adote uma preferência greimasiana ou peirceana de análise. Para Greimas (2008, p. 194),
ao se dedicar ao estudo da forma, não cabe à semiótica formular juízos ontológicos acerca
dos objetos que investiga. Na medida em que tais objetos estejam ‘presentes’ para o
pesquisador, estão eles pressupostos em seu modo particular de existência, que é a existência
semiótica, seja como existência virtual, atual ou realizada. A perspectiva peirceana de análise
(PEIRCE, 1974) admite a realidade da terceiridade como categoria fenomenológica autônoma
e nela se encontra o Direito Positivo. Para Peirce, os fenômenos gerais são reais e não
redutíveis a meros conjuntos de instâncias individuais, fatos singulares da experiência. A
realidade não poderia se reduzir à existência ou atualidade, mas compreenderia
possibilidades reais objetivas. Acerca das realidades semióticas Peirce se posiciona
claramente pela sua possibilidade:
“O mundo real não pode ser distinguido do mundo fictício por
nenhuma descrição. Muitas vezes se discutiu se Hamlet era louco ou não.
Isto exemplifica a necessidade de indicar que o mundo real está sendo
significado, se estiver sendo significado. Ora, a realidade é inteiramente
dinâmica, não qualitativa. Consiste em forças. Nada senão um signo
dinâmico pode distingui-la da ficção. É verdade que língua alguma (tanto
quanto eu saiba) tem uma forma particular de discurso para indicar que é do
mundo real que se está falando” (1999, p. 91).
Assim, do ponto de vista da semiótica legal, leis são signos que prescrevem tipos de
conduta, exigem dos cidadãos prestações consistentes em ações de dar, fazer ou não fazer
certos atos. A solicitação da tutela jurisdicional busca assegurar o exercício dos direitos
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Sobre a análise semiótica do direito vide ARAUJO, Clarice von Oertzen. Semiótica do Direito. São Paulo, Quartier
Latin, 2005.
5
Artigo º, Parágrafo único da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
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interpretante energético 6 genuinamente jurídico, que não encontramos nem nos signos
morais e nem nos éticos. A manifestação da força bruta contra os cidadãos, salvo expressas
exceções, somente pode ser exercida após autorização proveniente do Poder Judiciário,
decorridos os trâmites legais que asseguram aos destinatários da ordem legal todos os meios
de defesa previstos pelo ordenamento vigente7. Há ainda uma terceira convenção deflagrada
pelos signos jurídicos em sua condição simbólica e coercitiva: é a proibição da ignorância
consagrada no artigo 3º da lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A ninguém é
permitido desobedecer as leis alegando que não as conhece. Estas são as convenções
pragmáticas que revelam os efeitos da prescritividade da linguagem legal e asseguram o
exercício da coercibilidade como sua função dominante. A interpretação dos signos jurídicos,
seja potencial (interpretante imediato) ou efetiva (interpretante dinâmico), passa
necessariamente por tais associações.
Os progressos realizados pela semiótica e pela teoria da comunicação decorrem de
uma aproximação ao modelo informacional desenvolvido por Shannon e Weaver (1949). As
afinidades experimentadas entre a linguística estruturalista e a teoria da informação
permitiram a composição de um conjunto de fatores constitutivos de todo ato de
comunicação. Estes elementos reunidos compõem o modelo comunicativo. Assim como os
filamentos de um cabo ou de uma corda, os fatores de comunicação estão todos
interconectados, simultânea e constantemente presentes qualquer que seja o tipo de
comunicação. Seriam eles: o emissor (também chamado de locutor ou remetente), o receptor
(ou destinatário), a mensagem (conteúdo da comunicação, aquilo que comunicamos), o canal
(todo suporte material que veicula uma mensagem de um emissor a um receptor através do
espaço e do tempo), o sinal (estímulo físico que se utiliza para efetuar a comunicação), o
código (sistema ao qual a mensagem se refere e que lhe proporciona um significado) e o
contexto (conjunto de circunstâncias físicas, sociais e psicológicas que envolvem e
determinam o ato de comunicação).
6
esforços físicos e mentais envolvidos na manifestação dos efeitos de um signo.
7
Com efeito, o uso não institucionalizado da força bruta configura infração criminal, prevista pelo artigo 345 do
Código Penal, o qual dispõe:
Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o
permite: Pena: detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
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Conforme demonstra o quadro acima, são os fatores que determinam o modo como
as mensagens são codificadas e, portanto, como a linguagem funciona. São seis os fatores.
Consequentemente, serão seis as respectivas funções de linguagem. Entretanto, numa dada
mensagem é impossível observar cada função em seu estado puro. No exame dos diversos
tipos de mensagem encontraremos as funções articuladas em um jogo, em hierarquia. Uma
delas prevalece enquanto as outras dialogam com a dominante na cena de linguagem,
cedendo lugar para esta função principal. É ao modo de organização da mensagem que
devemos devotar nossa atenção. Na mensagem está a possibilidade de definição do seu perfil.
A tarefa do receptor é decodificar os sinais e desvelar a sua forma de construção. O modo de
organização da mensagem é que deve ser o objeto de investigação.
No estudo das funções o diálogo situa-se entre as noções estabelecidas nos campos
da linguística, da semiótica, da matemática, das ciências sociais. Entre a semiótica e a
linguística há uma distinção nítida entre aspectos estruturais e funções de uso ou usos
pragmáticos. Todas as definições de ‘função’ estabelecidas pelas ciências levam em conta
critérios tais como relações, propósitos, instrumentalidade. Em geral as funções são vistas
como uma contribuição específica de uma parte em relação ao todo. A expressão, usada
sempre em sentido de instrumentalidade, utilidade ou finalidade, pressupõe, todavia, a
totalidade de um código ou sistema. A oposição estabelecida entre estruturalismo e
formalismo é uma distinção cujo caráter excludente não faz nenhum sentido para os estudos
pragmáticos, uma vez que a rejeição das dualidades é uma característica do pragmatismo
filosófico que se reflete igualmente no pragmatismo jurídico. Não há função onde não houver
estrutura; a primeira depende e pressupõe a segunda. NOTH (1995, p. 184) classifica as
funções de linguagem estabelecidas por Roman Jakobson entre as funções pragmáticas.
As funções de linguagem são definidas pela tradição funcionalista como esferas de
ação que concorrem para uma mesma finalidade comunicativa e cujo conjunto define
exaustivamente a comunicação. Para a filosofia analítica tais funções não se constituem a
partir de uma análise da natureza intrínseca ou essencial da linguagem, mas partem de uma
8
Quadro colhido em HÉBERT. Louis. The functions of language. In Louis Hébert (dir.), Signo [online], Rimouski
(Quebec), http://www.signosemio.com/jakobson/functions-of-language.asp . Acesso em 10/01/2016.
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Para o Direito, a função poética compreende a busca pela justiça e pela dignidade da pessoa humana,
investigação esta que tem uma complexidade tal capaz de assegurar a si um artigo inteiro, motivo pelo qual não
examinaremos a função poética neste ensaio.
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Ao longo de sua vida e obra Wittgenstein alterou as suas crenças sobre a linguagem.
Em Investigações Filosóficas o filósofo evoluiu de uma visão essencialista e metafísica da
linguagem para uma visão mais prática, na qual a sua concepção dos ‘jogos de linguagem’ em
muito se aproxima do estruturalismo de Saussure10.
10
A título de ilustração teríamos os parágrafos 23 e 43 da obra Investigações Filosóficas:
“ . Mas quantas espécies de prpoposições há? Talvez asserção, pergunta e ordem? Há um número
incontável de espécies: incontáveis espécies diferentes de aplicação daquilo a que chamamos ‘símbolos’,
‘palavras’, ‘proposição’. E esta multiplicidade não é nada de fixo, dado de uma vez por todas; mas antes novos
tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, surgem e outros envelhecem e são
esquecidos. (...) A expressão jogo de linguagem deve aqui realçar o facto de que falar uma língua é uma parte de
uma actividade ou uma forma de vida” (Investigações Filosóficas, cit., p. 189).
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“ . Para uma grande classe de casos – embora não para todos – do emprego da palavra ‘sentido’ pode dar-
se a seguinte explicação: o sentido de uma palavra é o seu uso na linguagem. (...) E a denotação de um nome
explica-se, por vezes, ao apontar-se para o seu por ador (Investigações Filosóficas, cit., p. 207).
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pragmatismo americano pela filosofia inglesa e europeia do século XX. No início daquele
século o pragmatismo foi inicialmente divulgado – e duramente criticado – em razão da
discussão da obra de William James, Princípios da Psicologia. A única exceção à ignorância
acerca dos escritos de Peirce se deu na pessoa do jovem matemático F. P. Ramsey.
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O significado dos signos, portanto se refere também à informação que eles veiculam.
Normas transmitem comandos que poderiam ser classificados em obrigações, permissões e
proibições. No entanto, com referência ao seu conteúdo, as normas podem se referir
diretamente à conduta ou podem disciplinar competências ou procedimentos jurídicos.
Trabalhando com esta divisão de conteúdos Norberto Bobbio (1996, p. 46) classificou as
normas que regulamentam imediatamente os comportamentos intersubjetivos como normas
de conduta e aquelas outras que regulam competências e procedimentos internos ao próprio
sistema, referindo-se à sua estrutura complexa, foram denominadas normas de estrutura.
Com relação aos seus respectivos significados, as normas de comportamento deflagram
significados externos ao código (ordenamento jurídico), cujo cumprimento ou
descumprimento será revelado a partir da observação do contexto social, em dimensão
eminentemente pragmática. As normas de estrutura tratam de significados internos ao
código e sua observância ou infração verifica-se em uma dimensão eminentemente
sintática/semântica, na observação do processo de positivação normativa. Sendo assim as
normas de estrutura tendem à produção de significados mais estáveis, não tão dependentes
da avaliação do contexto como as normas de comportamento.
O repertório é uma memória, assemelha-se a um acúmulo de experiências – as quais,
no universo jurídico, ficam registradas pela jurisprudência. A jurisprudência sistematiza a
experiência tanto no âmbito das condutas, ao proferir decisões que devem ser cumpridas,
como na interpretação do código, ao deixar o registro das aplicações concretas, contribuindo
para a formação do repertório jurídico de forma interna ao código (sistema) e externa
(conduta, contexto). A doutrina também constitui um repertório, que, entretanto, é de
natureza diversa. O discurso dogmático não representa uma experiência concreta do
desempenho do ordenamento jurídico, trata-se de um discurso opinativo, rigoroso, dotado
de cientificidade e claramente desenvolvido segundo um método científico e filosófico que
lhe serve de paradigma.
É claro que a Ciência do Direito também contribui para a sistematização da experiência
e para a formação de um repertório no universo jurídico. Mas a sistematização, neste caso, é
científica. A jurisprudência opera uma sistematização técnica e prática da experiência. A
doutrina, em seu amplo espectro de produção científica, é uma metalinguagem descritiva, e
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Decreto-Lei nº 4.657/42, alterado pela Lei Federal 12.376/10.
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ação, mas antes a quantidade de informação capaz de penetrar o suficiente num dispositivo
de armazenamento e comunicação, de modo a servir como gatilho para a ação”. Em sentido
complementar, Miguel Reale (1992, p. XXIV) reconhece que “a exigibilidade de sujeição à lei
daqueles que a ignoram somente se legitima à luz de um postulado da razão prática jurídica
(...)”. Desta forma, a presunção de conhecimento da lei encontra correspondência em um
postulado da teoria da informação, segundo o qual o significado é uma relação entre o
interpretante do emissor e o do receptor; é uma função dos respectivos repertórios,
confrontados na prática efetiva dos signos.
Ao uniformizar os repertórios de emissor e receptor mediante a adoção de uma
presunção jurídica absoluta, o que verificamos é a tendência do direito a trabalhar com a
redundância, em nome da preservação de valores como a estabilidade, a previsibilidade e a
segurança jurídica.
Isaac Epstein (1973, P. 26) classificou as sanções jurídicas como instrumentos de
retroação para a manutenção da ordem social:
“Podemos considerar um grande número de mecanismos reguladores no
sistema sociocultural. O sistema jurídico, com suas sanções, pretende
manter, dentro de limites toleráveis, certos comportamentos ‘desviados’.
Quando os comportamentos ‘delituosos’ aumentam de freqüência, o
sistema reage, seja aumentando o controle, isto é endurecendo na aplicação
dos regulamentos que administram as sanções, seja relaxando a linha
demarcatória entre o ‘delito’ e o ‘não-delito’”.
significará. Por certo que o juiz pode fazer surgir um delegado, se necessário;
contudo, deve dispor de um (CP 8.330 PEIRCE, 1975, p. 138).
a uma interpretação? O que a ordem jurídica privilegia? O que ela condena? O terrorismo, por
exemplo, que é um ato execrável de qualquer ângulo pelo qual se possa examinar. Trata-se
de um ilícito jurídico em esfera internacional, de um ato anti-ético e imoral na esfera social.
MORRIS (1964, p. 33) adverte que autores conhecidos por suas empreitadas na
construção de teorias semióticas, como PEIRCE e CARNAP não trataram dos aspectos
estimativos, valorativos (appraisive) da linguagem ou dos signos. Os aspectos valorativos e
prescritivos da linguagem não se referem a propriedades naturais dos objetos que esta
linguagem representa, mas denotam juízos preferenciais, escolhas. Neste aspecto a
linguagem não denota a valoração; não se trata de designação, mas de significação.
Entretanto, PEIRCE (1999, p. 200) tratou desta dimensão das ciências normativas ao se referir
às suas apreciações particulares:
Mas, em segundo lugar, o procedimento das ciências normativas (lógica,
ética e estética), não é puramente dedutivo, como é o da matemática, nem
mesmo o é de um modo principal. Sua análise dos fenômenos familiares,
análises que deveriam se pautar pelos fatos da fenomenologia de um modo
pelo qual a ciência matemática não se pauta de maneira alguma, separam a
Ciência Normativa da matemática de uma forma bastante radical. Em
terceiro lugar, há um elemento íntimo e essencial da Ciência Normativa que
é ainda mais próprio dela, e são suas apreciações peculiares, às quais nada
existe, nos próprios fenômenos, que lhes corresponda. Tais apreciações se
relacionam à conformidade dos fenômenos com fins que não são imanentes
nesses fenômenos.
Na esfera pública, a função emotiva da linguagem legal vem assegurada pelos valores
prestigiados na Constituição Federal, bem como pelo princípio da moralidade, previsto no art.
37 da Constituição, estabelecendo que os agentes políticos e demais funcionários têm de agir
de modo legal, escorreito, honesto, sem aproveitar-se das vantagens de seu cargo ou função.
Os regulamentos internos e as leis orgânicas complementam o preceito constitucional. A
moralidade administrativa não é a moral comum, mas o conjunto de regras de condutas
retiradas do interior da administração pública que revela os valores a que todo sujeito
investido da capacidade de emitir enunciados prescritivos de natureza normativa têm o dever
se observar. Esta posição de emissor normativo está marcada pela supremacia do interesse
público sobre o particular, bem como pela igualdade, pela tolerância à liberdade de expressão,
pelo respeito e promoção dos direitos e garantias individuais.
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A busca da verdade no Direito aparece quando houver uma dúvida incômoda. Esta
dúvida, em seu aspecto legal, torna-se um conflito, revelado na forma de uma lide que o
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Direito deve decidir. Onde houver consenso não há dúvida e a busca pela verdade não será
necessária. O Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 77, inciso I que são deveres das
partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo expor os fatos em
juízo conforme a verdade.
A verdade, também no Direito, comparece como uma ultimate opinion ou
interpretante final sobre o qual todos aqueles que participaram da aplicação da lei,
observadas as garantias do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, devem
concordar. Entretanto, em se tratando da aplicação das leis em busca da solução de um
conflito que se estabelece acerca da “verdade”, o processo, revelando o aspecto monológico,
caminha apenas numa direção: para frente.
Na medida em que as decisões percorrem todo o itinerário processual que deve
assegurar aos litigantes os seus direitos e garantias fundamentais, somente a última decisão
irrecorrível perde seu caráter abdutivo. A última decisão, como interpretante final, deve
degenerar e ser cumprida ou refletida na conduta, revelando a máxima aproximação entre
pensamento e ação. Esta se caracteriza como a diferença específica da semiose legal: ela é
finita, pois a busca de paz social, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana é finalidade
precípua do Direito e determina o interpretante final da semiose legal como um ideal a ser
perseguido pela ordem jurídica. Os interpretantes finais são normas concretas que transitam
em jugado e não mais permitem a interposição de recursos. São ultimate opinion (CP 8.184)
de natureza prescritiva12.
A verdade que procura se produzir na aplicação de leis jurídicas não possui a mesma
natureza de uma verdade científica. A verdade jurídica, quando comparada à verdade da
ciência, é da natureza de uma verossimilhança que permita a produção de uma decisão
fundamentada em fatos validamente comprovados de forma a sustentar a justificação de uma
decisão final.
Em seara jurídica, a função referencial designa momentos de interpretação que giram
em torno da identificação dos fatos. A imputação de consequências jurídicas para os
destinatários da ordem legal implica no estabelecimento da ocorrência ou não ocorrência dos
fatos juridicamente relevantes para o estabelecimento daqueles efeitos, relações jurídicas,
12
Neste sentido veja-se LARENZ, 1997, p. 170 e ss.
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direitos, deveres ou sanções. Entretanto, a imputação dos efeitos jurídicos da aplicação das
normas não corresponde à simples constatação de um fato empírico, como ocorre nas
investigações e interpretações realizadas no seio das ciências naturais. A própria formação ou
constituição dos fatos, em sua dimensão jurídica, implica uma correspondência ou
similaridade com os preceitos articulados em normas gerais.
A definição da ocorrência ou não de um fato jurídico depende de operações de
qualificação dos fatos, depende de interpretações que definam se determinados suportes
fáticos possuem as qualidades selecionadas pelo legislador para que a operação de subsunção
seja estabelecida. A interpretação, nestes casos, trata da qualificação das circunstâncias de
fato. Assim, a interpretação dos suportes fáticos que correspondam às descrições normativas,
ou à tipificação jurídica dos fatos não prescinde de uma medida valorativa que tem o caráter
de escolha e de decisão e que corresponde à função expressiva ou emotiva da linguagem. Esta
é uma insofismável evidência de que as funções de linguagem na interpretação jurídica não
podem ser isoladamente consideradas, sob pena de se proceder a uma interpretação pobre e
incompleta. No caso da função referencial, o seu desempenho na dinâmica jurídica implica
uma dimensão denotativa, que é aquela necessária à determinação de fatos que autorizarão
a imputação das consequências, mas implica também os aspectos expressivos dos atos de
valoração, e ainda o caráter contrafático, imperativo ou conativo destas valorações, quando
realizadas por intérpretes dotados de uma competência que lhes atribua a condição de
intérpretes autênticos, numa alusão à interpretação autêntica como ato de poder ou de
autoridade, na formulação kelseniana.
A diferença entre a verdade no direito e na Ciência é que na aplicação dais leis jurídicas as
convenções e procedimentos que definem a qualificação dos fatos jurídicos pra determinar a
regra aplicável não são repetíveis e nem sem fim da mesma forma como se concebe no
método científico. No processo, como método de obtenção de uma verdade que se
caracterize como interpretante final ocorre o que se denomina preclusão13.
13
Sobre a preclusão o art. 223 do Código de Processo Civil dispõe:
Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente
de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.
§1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por
mandatário.
§2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá a prática do ato no prazo que lhe assinar.
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sociedade e do Estado). O sigilo do processo também não pode ser oposto ao investigado, a
fim de que este último possa exercer o seu direito de ampla defesa em processos
administrativos e judiciais. A publicidade se estabelece como requisito de validade dos atos
administrativos e o art. 93, inc. IX da Constituição Federal estabelece ainda que todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos. As exceções serão permitidas
somente quando a lei, no interesse público, determinar de forma diversa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito é uma linguagem técnica, construída como uma transformação, uma
linguagem instrumental, a partir da língua natural, com o fim específico de regulação da
conduta, institucionalização dos procedimentos e dos conflitos, para manutenção da paz
social. Pelo viés da semiótica legal e da linguística funcionalista, a predisposição essencial da
linguagem natural para a imprecisão e a vagueza não devem ser tidas como aspectos
impeditivos para a realização de pesquisas comparativas, interdisciplinares.
O Direito Positivo é uma linguagem técnica concebida para funcionar em contextos
específicos de relações interpessoais. Um dos instrumentos mais caros à pesquisa estrutural
é a análise da estrutura como feixes de relações entre os objetos. A análise estrutural permite
a substituição da busca de causalidade pela análise dos meios e dos fins.
O Direito Positivo em sua condição estática pode corresponder a um sistema de signos
que seja predominantemente composto de legissignos. Mas os fluxos de positivação e
aplicação, ao tratarem de situações concretas, localizadas no tempo e espaço, adquirem
intenso caráter indicial, passando a produzir camadas de sinsignos que refletem a
degeneração dos legissignos decorrente do crescimento de concretude e indicialidade que se
verifica na persecução e consecução dos propósitos.
Uma estrutura define-se como um mecanismo de relações determinadas pelas
funções. Entretanto, muito embora a organização codificada da linguagem tenha o valor de
lei, tanto pelo aspecto do código verbal, a língua, ou do código legal, o Direito Positivo, não se
anula o potencial criativo revelado pelo uso. Seja nos atos de fala dos integrantes de uma
comunidade linguística, seja nos atos de obediência ou aplicação das leis, preservam-se os
diferentes graus de liberdade assegurados aos falantes ou aos sujeitos de direito em um
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