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Sobre a liberdade de expressão

em John Stuart Mill


Sobre a liberdade de expressão em John Stuart Mill

Introdução

A liberdade de expressão é um direito fundamental que deve ser assegurado em


todas as sociedades que se pretendam livres. No entanto, muito se discute sobre suas
consequências e limites. Para o filósofo John Stuart Mill, preservar a liberdade de
expressão sem restrições garante a diversidade de opiniões e costumes numa sociedade,
o que pode gerar consequências benéficas. No presente texto busca-se analisar
sucintamente a questão da liberdade de expressão sob a perspectiva de Mill.

A importância da liberdade de expressão

Numa sociedade democrática, a liberdade de expressão é um direito cujo valor é


inestimável, pois possibilita que diferentes pontos de vista sejam expressos e discutidos
abertamente, o que contribui para o processo democrático.

Mill entende que discutir sem restrições acerca de qualquer assunto é importante
para se obter crenças verdadeiras aceitas por razões, pois permitir que nossas crenças
sejam discutidas abertamente e confrontadas com outras crenças é o que nos fornece
uma segurança racional de que nossas crenças são melhores que as outras, desde que
tenhamos argumentos que consigam refutar os argumentos contrários.

Para sustentar que a liberdade de expressão não deve ter restrições, Mill
apresenta o argumento da infalibilidade, que pode ser entendido como sendo uma
posição epistêmica de humildade, e o princípio do dano, segundo o qual só é legítimo
interferir na ação de um indivíduo caso esta tenha em mira causar dano a outrem. São
estes os dois pontos que serão discutidos neste texto.

O argumento da infalibilidade

Mill defende que, sendo o homem um ser falível e de faculdades limitadas, nem
sempre sabemos distinguir quais das nossas crenças são verdadeiras e quais são falsas.
A melhor maneira de verificar a verdade de nossas crenças é confrontá-las com outras
crenças numa discussão pública sem restrições. Na falta de um interlocutor, podemos
tentar nos imaginar na posição do outro e sermos os críticos de nossas próprias crenças,
antes de apresentá-las publicamente.

No entanto, Mill sabe que o confronto de ideias não fornece uma garantia
suficientemente segura de que alcançamos a verdade, pois podem ocorrer diversos
desvios nesse percurso. Mas esse percurso, a discussão pública, é o melhor caminho
para se chegar à verdade, ou o mais próximo que conseguirmos. E proibir que certas
opiniões sejam expressas e discutidas só tornará mais difícil essa caminhada rumo à
verdade.

Quando alguém defende que uma opinião deve ser censurada, este está no fundo
presumindo que o seu juízo é infalível, e com isso não apenas está agindo de modo
incompatível com a sua natureza de um ser falível, como está principalmente
prejudicando esse processo pela busca da verdade, pois é possível que a opinião
censurada seja verdadeira, ou ao menos seja parcialmente verdadeira.

E mesmo que a opinião fosse obviamente falsa, censurá-la seria menos benéfico
do que trazê-la à discussão pública, pois a discussão é um modo de tornar mais viva a
verdade aceita, de modo que ela se aprofundaria ainda mais naqueles que a sustentam.
Além disso, outra consequência benéfica seria mostrar publicamente, através de fatos e
argumentos, que a opinião contrária é falsa.

Sendo assim, devemos defender a liberdade de expressão sem restrições, pois a


única maneira que temos de nos sentirmos seguros da verdade de nossas crenças é
permitindo que elas sejam discutidas publicamente. E como esse processo de busca pela
verdade não é infalível, devemos sempre presumir que é epistemicamente possível
estarmos equivocados, e darmos voz àqueles que discordam de nossas opiniões.

Consequências do argumento da infalibilidade

Uma consequência que se torna evidente é que seríamos obrigados a permitir


que opiniões que parecem estar obviamente equivocadas sejam expressas publicamente.
Portanto, teríamos de tolerar mesmo aquelas opiniões que em geral rejeitamos e
consideramos erradas. Teríamos de permitir, por exemplo, que uma pessoa escrevesse
um artigo defendendo a inferioridade de uma determinada raça ou a perversidade de
certa religião. Nesse caso, Mill defende que no confronto público as opiniões
equivocadas tendem a ser refutadas, pois as razões mais fortes estariam do lado da
verdade.

Por outro lado, algumas pessoas argumentam que certas opiniões devem ser
censuradas, como aquelas que nos parecem obviamente erradas ou demasiadamente
ofensivas, pois não há garantias seguras de que a discussão elimine ou dissipe o erro.
Mas que talvez a própria discussão ajude a proliferar tal opinião, caso esta seja
defendida através de artifícios retóricos que consigam persuadir os ouvintes.

Desse modo, estas pessoas defendem que deve haver um critério que censure
previamente certas opiniões, ou que penalize aqueles que as sustentarem. Mas sustentar
tal critério, como foi dito, seria o mesmo que presumir infalibilidade, pois estaria sendo
presumido que o juízo daquele que formular o critério é infalível. Além disso, cairíamos
na questão prática de decidir o que é uma opinião obviamente errada ou
demasiadamente ofensiva, pois o que pode ser muito errado para alguns pode não o ser
para outros, e do mesmo modo o que pode ser muito ofensivo para alguns pode não o
ser para outros.

Portanto, considerando o argumento da infalibilidade, teríamos de defender a


liberdade de expressão de quem publique, por exemplo, um discurso de ódio, isto é, um
discurso que se caracterize por ser demasiadamente ofensivo e feito de forma
deliberada. A melhor forma de combater tal discurso seria através de contra-argumentos
num debate público, tentando apresentar as razões que temos para acreditar que tal
discurso é equivocado.

No entanto, Mill considera que existe um limite para a liberdade de expressão, e


tal limite se justifica no princípio do dano, que será discutido adiante.

O princípio do dano

Mill formula o princípio do dano, segundo o qual só é legítimo limitar a


liberdade de alguém caso a ação deste tenha a probabilidade de causar dano a outra
pessoa. Se concordamos com este princípio, então temos de admitir que qualquer pessoa
tem o direito de dizer ou fazer o que bem quiser, por mais estranho que pareça, desde
que não ofereça perigo a outrem.
Quer dizer que não temos o direito de impor as nossas opiniões aos outros, nem
proibir que eles expressem as suas opiniões. Nessa perspectiva, a liberdade de expressão
defendida por Mill é quase total, pois há uma exceção, o caso em que expressar uma
opinião pode ser o que chamamos de incitar à violência.

Suponhamos que uma pessoa escreva um artigo defendendo uma opinião


polêmica e o publique num determinado jornal, provocando logo em seguida uma
calorosa discussão sobre o assunto mencionado no artigo. Nesse caso, expressar tal
opinião não teve como consequência um dano a outro, somente uma discussão
possivelmente desagradável para alguns.

Suponhamos, agora, que a mesma opinião seja expressa num outro contexto,
onde haja uma multidão com os ânimos exaltados. A mesma opinião pode ser entendida
como palavras de ordem e incitar as pessoas ali presentes a cometer um ato de
vandalismo, provocando danos ao patrimônio, público ou privado, ou mesmo danos a
uma ou mais pessoas. Nesse caso, expressar tal opinião teve como consequência um
dano e, por conseguinte, considerando o princípio do dano, aquele que a expressou deve
ser penalizado.

Em outras palavras, o único caso em que se deve penalizar alguém por expressar
certa opinião é quando esta gera como consequência algum dano a outro, o que significa
que o problema não reside na opinião em si, mas somente em suas consequências, que
podem variar de acordo com o contexto em que estas são expressas.

Conclusão

Mill defende que não podemos proibir a expressão de qualquer opinião porque
não temos condições de saber de que lado realmente está a verdade, e que somente a
confrontação pública e sem restrições de diferentes opiniões é o que nos fornece uma
segurança racional de que estamos no caminho certo em direção à verdade. E como não
temos um processo infalível para determinar quais das nossas crenças são verdadeiras e
quais são falsas, temos sempre que estar abertos à discussão crítica de nossas crenças,
desde que tais crenças, ao serem expressas, não causem nenhum dano a outrem.

Referências
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. (tradução de Alberto da Rocha Barros). 2.ed.
Petrópolis: Vozes, 1991.

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