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Açorda de Bacalhau e Camarão

The Prince and the Pauper


Apesar das “1001” maneiras de fazer e comer
bacalhau, bem poucas vezes ele se cruza, no prato,
com os vizinhos mariscais que com ele compartilham
as geladas águas setentrionais.
Durante séculos, bacalhau e marisco pertenceram a
universos diferentes e pouco interpenetráveis; o
bacalhau era o “fiel amigo” dos pobres, o mais
universal dos peixes da alimentação popular, acessível
à mais parca das bolsas, enquanto o marisco era
apanágio das mesas burguesas e nobres, as classes endinheiradas que podiam pagar o alto
preço que o caracterizava.
Ora, como os ricos nunca gostaram cá de misturas com os gostos da plebe indigente e esta,
havia de gostar mas não podia, o certo é que são muito raras as vizinhanças culinárias entre
camarão e bacalhau.
A exemplo do romance de Twain que dá título a este post, hoje, o Príncipe Camarão troca
vestes com o Mendigo Bacalhau e, um pouco por todo o lado, vão-se descobrindo e
experimentando as potencialidades sápidas da mistura destes dois magníficos ingredientes,
agora igualados em preço e acessibilidade. Neste prato que hoje vos trago, uma criação, os
camarões grandes de aquacultura (Pingo Doce, +/-8€) foram até mais baratos que o
bacalhau. Esta açorda mista feita com partes iguais de bacalhau e camarão é uma
verdadeira joia de delicadeza, textura e sabor. Para o seu êxito, é importante e mesmo
essencial, respeitar o processo indicado, quanto a sequência de passos, temperaturas e
tempos de cocção.

Ingredientes (2 pessoas):
3 Carcaças (papo-seco)
1 boa posta de Bacalhau demolhado (+/- 300g)
400g de Camarão cru
2-3 dentes de alho
50ml de Azeite Virgem
Sal e Pimenta
Coentros frescos

Preparação:
Ponha a posta de bacalhau num tacho e cubra-a de água temperada com sal. Leve ao lume
médio até atingir 90ºC, o que se vê quando a água começa a agitar-se nos bordos, mas sem
ferver. Retire a posta e reserve-a.
Introduza então os camarões previamente descongelados e, mal comece a borbulhar junto
à parede do tacho, apague o lume, tape e espere 3 a 5 minutos, conforme o tamanho
menor ou maior do camarão. Retire-os da água, descasque-os e reserve o miolo.
Parta em pedaços pequenos as cascas e cabeças, com o auxílio de uma faca e ponha os
pedaços de novo ao lume na água onde tinham cozido, agora em lume mínimo, com tampa
e durante uma hora.
Passe o caldo de cozedura por um passador de rede e, com ele, regue o pão que deve ficar
bem encharcado. Se o caldo for insuficiente, use água para acrescentar.
Leve o azeite ao lume baixo e coza nele os alhos, em fatias finas, sem deixar alourar.
Vaze então sobre este azeite o pão encharcado e mexa ocasionalmente com colher de pau,
primeiro com lume forte até levantar fervura,

depois com lume mínimo durante 40-60 minutos, durante os quais limpa o bacalhau de
pele e espinhas e parte em lascas, que reserva.

.
A açorda está cozida quando desaparecem todos os vestígios do pão que a originou e toma
um aspeto liso, brilhante e translúcido.
Prove e retifique o sal e pimenta.
Apague o lume e junte os coentros picados, mexa, depois o camarão. Envolva, tape e deixe
um minuto a trocar sabor e a baixar a temperatura do creme. Junte então, por fim, o
bacalhau, misture e sirva logo.
Esta sequência final é a chave para a sinfonia de texturas desta açorda. Na verdade, trata-se
de jogar com as temperaturas:
O aroma do coentro é extraído a 100ºC, por isso entra na açorda ainda a ferver. O miolo de
camarão baixa a temperatura do conjunto para 80-85ªC, conservando-se assim rijo e quase
estaladiço e preparando a temperatura para o bacalhau que conserva toda a gordura e
untuosidade das lascas.
Este é um prato de uma voluptuosidade invulgar, a pedir para ser saboreado com delongas,
com companhia e com um bom vinho, neste caso um Alvarinho de Monção, o Soalheiro
2008, um must!

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