Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Mas a idéia de que a experiência é relevante no agir nem sempre foi bem aceita; foi visto na
seção anterior que esta noção foi alvo de críticas contundentes, tais como as de Descartes.
Quando mencionada, a experiência desempenha seu papel de modo discreto até mesmo em
sua interação com a Natureza.
De acordo com Costa e Melo (1999, p. 345) a base de uma experiência reside na manipulação
das variáveis consideradas relevantes, no controlo das variáveis estranhas e na randomização
das restantes. No entanto, as experiências adquirem características bastante diferentes de
acordo com cada ciência. A tarefa de um especialista em química difere da experiência que
possa realizar um sociólogo, por exemplo.
O resultado de uma experiência fornece validade (ou não) a uma teoria. Cada vez que a
experiência é replicada (reproduzida) por outros cientistas e que se obtêm os mesmos
resultados, essa validade é reforçada.
Gerzilio Lourenço Mahumane/ Maputo-Moçambique – Junho 2022
Cabe destacar que, por mais que as experiências sejam atrativas para muitas pessoas que
tenham curiosidade e que desejem descobrir coisas novas, algumas delas só
podem ser realizadas por peritos e em lugares apropriados. Determinadas substâncias podem
ser perigosas se forem manipuladas por mãos inexperientes.
Certas escolas filosóficas ignoram a relação experiência/conhecimento desvalorizando o
papel da experiência nas acções cotidianas. Em contrapartida, extrapolam a fronteira do
mundo físico, recorrendo a respostas em um plano além do físico para explicar a dinâmica da
acção de um agente no plano físico. Defensores destas escolas filosóficas elaboram um
conjunto de leis universais ou relegam a explicação da interacção mente/corpo a uma
entidade supra-sensível que engendraria as acções.
Por este caminho, fica complicada a tarefa de examinar as acções do plano comum; acções
práticas do cotidiano ficariam desconexas das tentativas de explicações elaboradas por teorias
filosóficas transcendentes. Uma das dificuldades encontradas nesta proposta explicativa entre
leis ou entidades metafísicas reguladoras das acções resulta na dicotomia entre agente e
substância pensante criando uma segregação do agente no plano de suas acções.
Dentro de uma visão naturalista esta mesma visão é adoptada pelo filósofo John Dewey a
experiência toma um papel importante nas acções de um agente orientando, modificando e
interferindo nas acções humanas. Assim, a experiência não é uma fonte de sensações
enganosas que operam como barreiras a serem superadas através de uma razão ou actividade
puramente intelectual. Na proposta deweyana a experiência não tem começo nem fim
apresentando-se como um todo, um fluxo apreendido através de nossos sentidos em um
movimento de estabelecer e expandir certos padrões nas acções.
Um ponto comum e importante para começar nossa investigação é discorrer sobre a teoria
cartesiana acerca da experiência. O objectivo não é detalhar qual a função da mesma em
Descartes devido a dois motivos. O primeiro é que há diversos artigos escritos sobre este
tema no mesmo autor e não é o caso de aumentar a lista.
O segundo é que a própria experiência não opera fundamentalmente na cognição de um
sujeito dentro da filosofia cartesiana. Mas ao discutir o conceito de experiência na filosofia
deweyana, é útil adoptar Descartes como referência para melhor compreender as críticas
Gerzilio Lourenço Mahumane/ Maputo-Moçambique – Junho 2022
dirigidas à dicotomia corpo/mente. Assim, a proposta é examinar com poucas palavras o que
Descartes propôs a respeito da natureza da experiência e porque esta estaria subordinada a
alma. Apesar de fazer injustiça pressupor cobrir toda a extensão de seu pensamento em tão
poucas linhas, será necessário retomar alguns aspectos de sua tese acerca da cognição com
vistas a evidenciar as diferenças entre a proposta cartesiana e deweyana.
Esse dualismo entre o corpo e mente, tem como uma de suas principais implicações dividir os
processos cognitivos em dois: a experiência sensível que está suscetível a erros ou ilusões por
um lado, e o pensamento racional através do qual é possível conhecer com clareza e
distinção, de outro.
O raciocínio demonstra, no entender de Descartes, a real possibilidade de existir algo
indubitável e simultaneamente sugere existir uma substância (mente ou alma) responsável
pelo refino do conhecimento. E esta substância mais especificamente a rés cogitas pode tomar
o lugar de única fonte de conhecimento excluindo qualquer possibilidade de concordância ou
participação do corpo. E por que exclui o corpo? É ele quem, na visão cartesiana, nos
apresenta as sensações que nos enganam induzindo-nos ao equívoco.
Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro,
aprendi-o dos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos
eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos
enganou uma vez (DESCARTES, 1973, pp. 93-94).
A crítica deweyiana acerca das propostas metafísicas sobre a noção de experiência, questiona
os filósofos contestadores do papel da experiência; tais filósofos ignoram o fato de que
trabalham com palavras destituídas de contexto histórico e significativo. Desta forma,
arquitetam um trabalho penoso de compreensão dos princípios adotados para a análise da
Gerzilio Lourenço Mahumane/ Maputo-Moçambique – Junho 2022
De acordo com Dewey (1929, p. 22) a experiência é uma condição sine qua non tanto para
seus métodos quanto seus resultados. Analisemos o exemplo oferecido pelo autor acerca das
ciências naturais. Aqui o filósofo mostra que a interação experiência/natureza é fundamental
para as teorias científicas, suas práticas e seus resultados. Nestes tipos de ciências, a
experiência é muito bem-vinda e, sem ela, não se pode afirmar que uma teoria ou prática é, de
fato, científica. Assim, conforme
Nas ciências naturais há uma união entre experiência e natureza que não é acolhida como
monstruosidade; pelo contrário, o pesquisador deve usar o método empírico em suas
descobertas para que sejam tratadas como genuinamente científicas. O investigador assume
como procedimento padrão que a experiência, controlada de maneira específica, é a avenida
que direciona aos fatos e leis da natureza.
Ainda nesta linha argumentativa, o filósofo demonstra um outro exemplo ainda mais
detalhado. A geologia, ciência da terra, trabalha com períodos de tempo excessivamente
grandes que em princípio, parece impossível conceber a experiência como ferramenta de
estudo. No entanto, uma observação atenta de determinadas coisas podem ser experienciadas
hoje, tal como a interação da água, fogo, pressão na formação estrutural da terra; junto delas,
Gerzilio Lourenço Mahumane/ Maputo-Moçambique – Junho 2022
Assim, se um geólogo coleta uma pedra, analisa e diz que ela pertence a uma determinada
era, não se trata de uma tentativa ou uma suposição vaga. Há uma coleta e comparações de
dados observáveis as ações da água, fogo, temperatura, ambiente e etc. no mundo inteiro que,
organizados, indica ao cientista uma determinada era.
Ora, estes elementos que constituem a experiência como as pedras, plantas, objetos, calor,
seqüência de acontecimentos e etc. interagem umas com as outras e não somente fazem parte
da experiência como são a experiência: “coisas interagindo de certas formas são a
experiência; elas são aquilo que é experienciado” (DEWEY, 1929, p. 40). Por consequência,
nosso autor conclui que há uma propriedade que podemos extrair do conceito de experiência.
Ao realizar a exploração da natureza, atingindo em profundidade seus limites, a experiência
se amplia indefinidamente sendo assim, elástica; sua elasticidade constitui as inferências.
Portanto, Dewey (1929, p. 41) ressalta que a experiência aasim percorre o fundo para dentro
da natureza; ela tem profundidade. E também possui abrangência para uma indefinida
extensão elástica. Estende-se. Esta extensão constitui em inferência. Um exemplo bem
singelo que podemos apresentar é o da criança que começa a sentir o mundo ao redor. Cada
objeto, som, textura, etc., apresentam-se como um todo sem começo nem fim, mas um fluxo
que é apreendido através de nossos sentidos em um movimento de estabelecer e expandir
certos padrões em suas ações.
Ao tecer estas linhas gerais sobre o conceito de experiência em John Dewey, foi evidenciada
sua contribuição para o modo de operar conceitos na filosofia. Foi explorada a noção de
experiência e sua aplicabilidade no campo das ciências em geral, não havendo, pois, grandes
problemas estendê-la à filosofia. Se uma experiência é elástica, com fronteiras indefinidas,
não há erro inferir que as experiências estão vinculadas e dependentes de outras em uma 'teia'
de relações imersas em um contexto.
É neste contexto que se propõe que voltemos a atenção; a relação causal das ações refletidas
em um meio pode ser um caminho para orientar as ações de maneira geral. Sendo assim, a
alma ficaria obsoleta e sem papel a desempenhar na constituição cognitiva de um agente
sendo desnecessária para o refinamento da experiência: elaprópria é responsável por se
desenvolver e aprimorar.
Gerzilio Lourenço Mahumane/ Maputo-Moçambique – Junho 2022
2.2 Razão
Razão, no sentido geral, é a faculdade de conhecimento intelectual próprio do ser humano, é
um entendimento, em oposição à emoção. É a capacidade do pensamento dedutivo, realizado
por meio de argumentos e de abstracções. É a faculdade de raciocinar, de ascender às ideias.
Pode ser visto igualmente como a consciência moral que orienta as vontades e oferece
finalidades éticas para a ação. Para muitos filósofos, a razão é a capacidade moral e
intelectual dos seres humanos e também a propriedade ou qualidade primordial das próprias
coisas.
A palavra razão tem origem na palavra latina, ratio e na palavra grega logos, que significam
reunir, juntar, medir, calcular, portanto, razão significa pensar, falar ordenadamente, com
medida, com clareza e de modo compreensível. A palavra razão é usada em muitos sentidos,
pode significar a habilidade para fazermos uma avaliação da maneira correta, em que
prevalece o bom senso, e a prudência, em que nos sentimos seguros de algo ou que sabemos
com certeza alguma coisa.
Diante de tal quadro pouco atrativo, Habermas explicitamente opta por outra solução. Afirma
que “por esta razão, eu resolvi encetar um caminho diferente, lançando mão da teoria do agir
comunicativo: substituo a razão prática pela comunicativa. E tal mudança vai muito além de
uma simples troca de etiqueta” (HABERMAS, 1989, p. 19). Para os efeitos da reflexão
proposta, pretendo fornecer alguns aportes necessários à,
A razão é uma construção histórico-social. Não é possível pensar, questionar e refletir além
dos limites do homem ou da sociedade em que se insere, podendo- -se, portanto, falar da
multiplicidade da razão, cada qual relacionada a seu contexto. Assim, pode-se falar em razão
grega, relacionada aos pensadores gregos antigos, como Sócrates, Aristóteles e Platão, e em
razão filosófico-cristã, com São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, entre outros. Cada
sociedade em sua determinidade histórica, sua vivência e suas condições materiais e
espirituais específicas cria sua forma de compreensão da ealidade, baseada em entendimentos
compartilhados e em pressupostos coletivamente aceitos.
tir da razão”. Dessa forma, “[...] o Iluminismo é uma tendência trans-epocal, que cruza
transversalmente a história e que se atualizou pela Ilustração, mas não começou com ela,
nem se extinguiu no século XVII” (ROUANET, 1987, p. 28).
Assim, as principais carac-
terísticas do Iluminismo são os de “livrar os homens do medo e de investi-los na posição
de senhores” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 19), superar a superstição, imperar
sobre a natureza, ter a técnica como essência do saber, destruir a intuição mítica e
compreender a realidade por meio da abstração.
As ciências são fontes de respostas, mas, ao mesmo tempo em que respondem a uma
indagação, criam outras tantas que necessitam ser respondidas. A proposição da Teoria da
Relatividade por Einstein trouxe respostas significativas para a física; entretanto, suas
descobertas questionaram princípios fundamentais da física quântica, aceitas quase que
inquestionavelmente antes dessa teoria. E mesmo a teoria de Einstein vem sendo questionada
a partir dos experimentos no laboratório de acelerador de partículas
processo histórico, é apropriado por poucos. O destino social, portanto, não é uma escolha
social ampla, mas uma condição imposta pelas elites que dominam a técnica e,
consequentemente, condiciona sua utilização
Como a sociedade encontra-se seduzida pelo fetiche do progresso, à medida que novos
produtos são apresentados aos consumidores, a esperança de que possam satisfazer seus
desejos é renovada. Todavia, não é o consumidor quem escolhe as mercadorias a serem
produzidas e tampouco a forma como o são, mas o inverso. Muitas das técnicas atuais de
marketing são desenvolvidas com o objetivo de colocar no mercado determinados produtos
para serem consumidos por públicos alvos específicos. Esse processo separa aqueles que não
possuem renda compatível para a compra de determinadas mercadorias, daqueles a quem
estas são destinadas, em um movimento de inclusão e exclusão das possibilidades de
consumo.
A razão que justifica e legitima esse sistema econômico insere-se mais propriamente em uma
racionalidade superficial, em que o pressuposto básico é antes a separação da sociedade em
classes de produtores e consumidores do que para um sistema capaz de prover a igualdade
entre os indivíduos através do consumo social de mercadorias
A evolução material por sua vez, limita-se ao uso da técnica nos meios de produção, todos os
fatores dele decorrentes são excluídos da análise mais crítica das possíveis consequências
trazidas pela racionalidade técnica, ou seja, a técnica incrementa a melhora da produtividade,
da eficiência, do gerenciamento, da redução de desperdício; todavia, todos os problemas
causados por essas melhoras, tais como a precarização do trabalho e sua intensificação e o
incremento aumento de doenças psicossomáticas no trabalho, não são colocados nos debates
cotidianos senão pela crítica. Por esse motivo,
O progresso [no sentido ideal da palavra] não é doação espontânea da técnica, mas uma
construção intencional, pela qual os homens decidem o que deve ser produzido, como e para
quem, “evitando ao máximo os custos sociais e ecológicos de uma industrialização selvagem.
Esse progresso não pode depender nem de decisões empresariais isoladas nem das diretrizes
burocráticas de um Estado centralizador, e sim, de impulsos emanados da própria sociedade”
(ROUANET, 1987, p. 31-32).
O sistema capitalista faz da ciência mais uma das várias mercadorias comercializáveis. Os
trabalhadores encontram-se alienados dos resultados de sua produção, inclusive dos
conhecimentos que conseguiram gerar nos processos de trabalho, como já se sabe desde o
advento da Organização Científica do Trabalho
as batalhas são apenas alguns dos exemplos do uso da razão técnica para a
barbárie. hoje as sociedades humanas estão falindo, mas sob condições em
que os padrões de conduta pública permanecem no nível a que foram
reduzidos nos períodos anteriores de barbarização. Até agora não deram
nenhum indício significativo de estarem novamente se elevando
(HOBSBAWM, 1998, p. 271).
É com essas reflexões, acerca da Teoria Tradicional, que Horkheimer chega à afirmação de
que a sociedade capitalista tende a ser totalitária. Esse sistema reduz as possibilidades
daqueles que não querem se submeter à sua lógica, levando-os, quase que inevitavelmente, à
escassez material e econômica. A ideologia, fundamentada nos meios de produção impostos
por condições materiais de existência, submete os indivíduos a pensarem que só há uma
possibilidade para obter o progresso, que é a adoção dos princípios capitalistas de produção e
consumo.
Essa ideia pode ser facilmente verificada pela observação de que muitas sociedades
reduziram seu sentido de felicidade ao simples ato de produzir e consumir. As implicações
dessa forma de ver o mundo excluem os indivíduos de relações mais solidárias. O
individualismo valoriza-se frente à individualidade e ganha novo status de valor moral. As
relações impessoais intensificam e engendram a tolerância das diferenças sociais. Para serem
mantidos como sistema dominante, alguns discursos devem ser fundamentalmente ilusórios.
Entre os discursos possíveis, o que mais se destaca, na atualidade, é a relação que se faz entre
tecnologia e progresso.
Gerzilio Lourenço Mahumane/ Maputo-Moçambique – Junho 2022
BIBLIOGRAFIA
DESCARTES, R. (1973). Meditações. Discurso do método. Meditações. Objeções e
respostas. As paixões da alma. Cartas. Tradução de J. Guinsberg e Bento Prado Jr. São
Paulo: Abril Cultural.
DEWEY, J. (1959). Como Pensamos. 1 edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional.