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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA


DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELÉTRICA
LABORATÓRIO DE ALTA TENSÃO

Materiais Elétricos

Capítulo 4 – Mecanismos de Condução e


Ruptura em Dielétricos

Washington Neves
Capítulo 4

Mecanismos de Condução e Ruptura em Dielétricos


4.1 Introdução
Os dielétricos gasosos são bastante utilizados. O ar é o meio isolante mais
comum. Uma das vantagens do ar, além da abundância, é a sua capacidade de
recuperação depois que sua rigidez dielétrica é rompida. Gases como hexafluoreto de
enxofre (SF6), nitrogênio (N2) e dióxido de carbono também são bastante utilizados.
Isolantes líquidos e sólidos apresentam rigidez dielétrica superiores as do ar nas
condições normais de temperatura e pressão. No entanto, eles normalmente contêm
bolhas de ar ou de outros gases que são vulneráveis a descargas. O estudo dos
mecanismos de condução e ruptura de dielétricos gasosos é indispensável para o
entendimento dos mecanismos de condução e ruptura de dielétricos sólidos e líquidos.

4.2 Lei de Paschen – Resultados Experimentais


Em 1889, F. Paschen publicou um artigo contendo resultados experimentais
obtidos com dielétricos gasosos colocados em um campo uniforme. Paschen mediu a
característica tensão disruptiva Vs versus o produto da pressão do gás p pela distância
entre eletrodos d, esboçado na Figura 4.1.

Vs

Figura 4.1 – Curva de Paschen pd

A curva Vs =f(pd) é conhecida como curva de Paschen ou Lei de Paschen. Para levar
em conta o efeito da temperatura, a lei de Paschen geralmente é expressa por Vs
=f(Nd) em que N é o número de moléculas por unidade de volume, que depende da
temperatura e da pressão do gás (pV=NkT). Baseado em resultados experimentais, a
tensão disruptiva do ar é expressa como uma função de pd de acordo com:
1/ 2
 293pd   293 pd 
V s = 24,22   + 6,08  kV / cm.
 760T   760T 
em que T é a temperatura na escala Kelvin e p é a pressão em torricelli (1 atm=760
torr). Na temperatura de 293 K e pressão de 760 torr, a rigidez dielétrica do ar pode
ser expressa por:

E rig ar = V s / d = 24,22 + 6,08 / d kV / cm.

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Na Tabela 4.1 são mostrados os pontos de mínimo para diversos gases. Resultados
experimentais comprovam que a tensão disruptiva depende do material dos eletrodos.
Por exemplo, a tensão disruptiva de um gás quando colocado entre eletrodos de bário
e magnésio é um pouco mais elevada que quando o gás é colocado entre eletrodos de
alumínio.

Tabela 4.1 – Pontos de Mínimo na Curva de Paschen


Gás Vs min(V) pd (torr cm)
Ar 327 0,567
Argônio 137 0,900
H2 273 1,150
He 156 4,000
CO2 420 0,510
N2 251 0,670
N2O 418 0,500
O2 450 0,700
SO2 457 0,330
H2S 414 0,600

Muitos trabalhos foram conduzidos no intuito de se elaborar uma teoria que


explicasse a Lei de Paschen em bases sólidas e que facilitasse o entendimento dos
mecanismos de ruptura dos gases. Ao longo dos anos foram feitos estudos de
processos que levam a ionização, recombinação e agregação de moléculas com
elétrons livres no ambiente gasoso. Alguns desses processos serão descritos a seguir.

4.3 Colisões em um Gás


A geração de portadores de cargas em um gás é feita através de processos de colisão
de elétrons com átomos ou moléculas e, de uma forma geral, da interação entre as
partículas constituintes do meio gasoso. As colisões podem ser classificadas em dois
tipos distintos de acordo com a troca de energia entre as partículas que colidiram.

Colisões Elásticas
Neste tipo de colisão, só existe troca de energia cinética de translação entre as
partículas, permanecendo constante a soma das energias cinéticas antes e depois da
colisão. A energia interna dos átomos e moléculas que se chocam permanece
inalterada, isto é, a estrutura de seus níveis de energia não é afetada pelo choque.

Colisões Inelásticas
Neste caso, além da troca de energia cinética de translação entre as partículas que se
chocam, ao mesmo tempo ocorre a troca de energia interna de uma ou mais partículas,
tendo como resultado a excitação de átomos ou moléculas do gás.

A Figura 4.2 ilustra alguns tipos de colisões, possíveis de ocorrer em gases.

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-e -e
-e +e +e
-e

-e -e
-e +e +e -e

-e -e -e
+e +e
+e +e
-e
-e -e
-e +e +e -e

-e -e -e +e
+e +e +e
-e
-e
Elétron livre
-e
+e Átomo ou molécula no estado fundamental

-e
+e Átomo ou molécula excitada

Figura 4.2 – Diagrama de Colisões

4.4 Interação entre Partículas do Gás e Radiação Eletromagnética


Um átomo ou molécula excitada, ao voltar ao estado fundamental emite um fóton de
energia eletromagnética que poderá excitar uma molécula do gás ou mesmo produzir
ionização no meio gasoso através de processos de fotoexcitação ou fotoionização.

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Fotoexcitação

Fótons, quando têm comprimento de onda apropriado, podem produzir a excitação de


átomos ou moléculas do gás.

Fotoionização

A absorção de fótons de energia elevada pode produzir ionização. A radiação


necessária para este processo normalmente está na faixa dos raios x. Este processo é a
base da iluminação fluorescente. A presença de um tubo contendo átomos ionizados
por raios cósmicos permite iniciar uma descarga luminosa quando da aplicação de
uma diferença de potencial entre eletrodos.

4.5 A Função dos Eletrodos nas Descargas em Gases

Para o estudo das propriedades elétricas de um gás é necessário colocá-lo em um


recipiente que permita a colocação de eletrodos conectados a uma fonte externa. Os
eletrodos podem ser imaginados como fontes e sumidouros de portadores de carga,
com a função de manter e controlar as condições elétricas desejadas. Os portadores de
carga que se originam dos eletrodos são quase que exclusivamente elétrons e podem
ser liberados por mecanismos de emissão eletrônica.

Emissão Termoiônica

Quando um filamento de um metal é aquecido, ele emite elétrons. Este fenômeno é


conhecido como emissão termoiônica e é bastante utilizado em tubos de raios
catódicos. Como exemplo de aplicações comuns, temos os osciloscópios e televisores.
A emissão termoiônica ocorre em eletrodos metálicos quando aquecidos a altas
temperaturas (acima de 10000C). Os elétrons emitidos entram no gás e modificam
suas propriedades elétricas.

Emissão Fotoelétrica

Elétrons podem ser emitidos por eletrodos quando estes são atingidos por fótons de
energia superior a função trabalho do seu material constituinte. A aplicação de um
campo elétrico entre eletrodos faz com que esses elétrons sejam acelerados dentro do
espaço gasoso e, dependendo de sua energia, arranquem elétrons de moléculas neutras
dando início a formação de avalanches eletrônicas. O início de descargas luminosas
em um tubo fluorescente pode ser atribuído em parte pela presença de alguns elétrons
produzidos por fotoemissão causados por raios cósmicos existentes na atmosfera.
Esses elétrons serão acelerados na presença de um campo elétrico, gerando ionizações
por colisões que levam a formação de avalanches eletrônicas para em seguida ocorrer
a ruptura da rigidez dielétrica do gás.

Emissão Secundária

Quando ocorre a formação de avalanches eletrônicas no interior de um gás, os


elétrons da avalanche se dirigem para o anodo (eletrodo positivo) e deixam em seu
caminho íons positivos que se dirigem ao catodo (eletrodo negativo). Se um íon

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positivo tiver energia superior a duas vezes a função trabalho do eletrodo, ele captura
um elétron e provoca a emissão de outro elétron que será lançado no espaço gasoso
em direção ao anodo podendo iniciar novas avalanches eletrônicas. Átomos ou
moléculas excitadas, ao atingirem os eletrodos retornam ao estado fundamental
emitindo um fóton de energia. Se essa energia for superior a função trabalho do
eletrodo, um elétron é liberado. Finalmente, átomos ou moléculas neutras incidindo
sobre qualquer dos eletrodos podem, dependendo de sua energia cinética, dar origem
a emissão de alguns elétrons secundários.

Emissão de Campo

Imperfeições dos eletrodos fazem com que o campo elétrico tenha valor elevado em
lugares da superfície que apresentem forma pontiaguda. O campo pode ser suficiente
para arrancar partes microscópicas dos eletrodos. Em condições apropriadas, pode-se
arrancar do catodo uma quantidade apreciável de material em forma de átomos
individuais, quando ele é bombardeado com íons positivos. Os átomos metálicos
liberados se misturam por difusão na atmosfera gasosa modificando as propriedades
do ambiente gasoso.

4.6 Mecanismos de descarga em gases


No estudo de gases, tem-se em geral dois processos de descargas:
• Descargas não auto-mantidas – pequenas descargas parciais que se
formam no volume do dielétrico, em regiões de campo elétrico intenso, mas
que não são suficientes para romper a rigidez dielétrica do meio gasoso;
• Descargas auto-mantidas – o gás passa a ser um meio condutor de
eletricidade.
A transição de descargas não auto-mantidas para descargas auto-mantidas implica
na ruptura da rigidez dielétrica do gás. No presente, dois mecanismos de ruptura são
conhecidos:
• Mecanismo de Townsend;
• Mecanismo de Canal.
Por várias décadas houve controvérsias a respeito de qual dos mecanismos
governava o processo de ruptura. Hoje em dia é largamente aceito que ambos os
mecanismos operam, cada um em suas condições mais favoráveis.

4.7 Mecanismo de Townsend – Campos Uniformes


Considere um meio gasoso entre dois eletrodos alimentados por uma fonte de
tensão como ilustrado na Figura 4.3a. Radiações incidentes no catodo e no gás,
mesmo as radiações naturais, podem liberar elétrons por fotoemissão e fotoionização.
A fotoemissão geralmente é dominante pois a função trabalho de eletrodos metálicos
é normalmente inferior a energia de ionização de um gás. A Tabela 4.2 mostra
resultados de medições da função trabalho de vários metais, do primeiro potencial de
excitação e do primeiro potencial de ionização de alguns gases. A função trabalho é
sensível a contaminação do metal como indicado pela faixa de valores medidos. A
faixa é particularmente larga para o alumínio e metais que se oxidam facilmente. Íons
positivos podem se anexar à crosta oxidada do catodo aumentando o campo nessa

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região e conseqüentemente aumentando a probabilidade de emissão de elétrons por
fótons de menor energia.

Tabela 4.2 – Fotoemissão, Fotoexcitação e Fotoionização


Função Trabalho Primeiro Primeiro
Metal Gás potencial de potencial de
(eV)
excitação (eV) ionização (eV)
Prata (Ag) 4,74 H2 10,80 15,90
Alumínio (Al) 2,98 – 4,43 N2 6,00 15,80
Cobre (Cu) 4,07 – 4,70 O2 7,90 12,50
Ferro (Fe) 3,91 –4,60 H2O (vapor) 7,60 12,70
Tungstênio (W) 4,35 – 4,60 CO2 10,00 14,40
He 19,80 24,50
SF6 6,80 19,30

Sempre existem no ar atmosférico alguns portadores de carga elétrica. Na ausência de


campo elétrico, há um equilíbrio no qual a taxa de produção de elétrons e íons
positivos é balanceada pela recombinação dessas partículas carregadas formando
moléculas neutras. Aplicando-se um campo elétrico entre os eletrodos, o equilíbrio
será desfeito, criando-se uma corrente elétrica.

A característica densidade de corrente J versus campo elétrico uniforme para o ar a


pressão atmosférica é ilustrada pela curva sólida da Figura 4.3b. O ar é composto por
cerca de 78% de N2, 21% de O2, 1% de Ar, Ne, He, CO2, SO2, H2O e outros gases.
Para campos pequenos, só uma pequena quantidade de elétrons produzidos no catodo
chega ao anodo. Os demais elétrons recombinam com as moléculas do gás. Na região
1, à medida que o campo aplicado vai aumentando até aproximadamente 10 V/cm, o
número de recombinações vai diminuindo e conseqüentemente a densidade de
corrente vai aumentando até atingir o plateau da curva. J0 é a densidade de corrente
devido a elétrons produzidos no catodo e é conhecida como densidade de corrente
fotoelétrica. Na região 2 o número de recombinações é muito pequeno e praticamente
“todos os elétrons produzidos no catodo chegam ao anodo”. A região 3 foi
extensivamente estudada por Townsend e seus alunos e é denominada de Descarga de
Townsend. Acima de 20 kV/cm começa a haver ionização por colisão dentro do
espaço gasoso. Nessa região, à medida que o campo aumenta, os elétrons que partem
do catodo são acelerados mais e mais entre colisões até adquirirem energia suficiente
para causar ionizações de átomos ou moléculas, contribuindo para o aumento
substancial da densidade de corrente no gás. Em torno de 27 kV/cm a rigidez dielétrica
do ar é rompida. Se o catodo for submetido a um nível de iluminamento maior, uma
nova característica JE é obtida (curva interrompida), porém nem a tensão disruptiva
nem a rigidez dielétrica do ar são afetadas.

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Uma análise quantitativa da região de Descarga Townsend pode ser feita para a
configuração de eletrodos paralelos da Figura 4.4. Considere um espaço imaginário de
espessura dx, colocado entre os eletrodos, a uma distância x do catodo.

Radiação Descarga de
J (A/cm2) Townsend
- +
Ar

I J0
1 2 3
nA
10-2 20 27
E (kV/cm)
V
(a) (b)
Figura 4.3 – Característica densidade de corrente versus campo elétrico
para o ar nas CNTP

- +

dx
x
d
Figura 4.4 – Configuração de eletrodos planos paralelos

Devido a influência do campo elétrico os elétrons se movem do catodo em direção ao


anodo produzindo ionizações por colisão. Seja N o número de elétrons que chegam ao

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plano perpendicular ao eixo x. O número de elétrons dN contido no espaço de
espessura dx é proporcional a N e a dx, podendo ser escrito na forma:
dN = αNdx (4.1)
A quantidade α, conhecida como primeiro coeficiente de ionização de Townsend, é
definida como o número de colisões ionizantes feitas por um elétron em uma unidade
de comprimento. A equação 4.1 pode ser integrada facilmente sobre a distância d do
catodo até o anodo, admitindo que α é independente de x
N d

∫ ∫α
dN
= dx (4.2)
N0 N 0

em que No é o número de elétrons gerados no catodo e partem em direção ao anodo,


conhecidos por elétrons primários. Realizando a integração, tem-se:
N = N 0 eαd . (4.3)
A corrente de elétrons no anodo tem o valor
I = I 0 eαd (4.4)
em que I0 é a corrente de elétrons que deixam o catodo. Teoricamente esta expressão
inclui tanto elétrons como íons negativos formados por agregação. Porém, o número
de íons negativos geralmente é insignificante e para todos os propósitos práticos
pode-se supor que a corrente se deve unicamente aos elétrons que se deslocam no gás.
Segundo a equação 4.4, a representação de ln I versus d seria uma linha reta de
inclinação α se, para uma dada pressão p, o campo elétrico E fosse mantido constante.
De fato este resultado só é válido para valores pequenos de d e Townsend, através de
resultados de medições ilustradas na Figura 4.5, observou que em tensões mais
elevadas, mesmo mantendo o campo elétrico constante, a corrente crescia mais
rapidamente do que a obtida pela equação 4.4, ou seja, havia mais elétrons no gás do
que o previsto.

ln(I ) E1
E2
E3

E1>E2 >E3

ln( I 0 )

d1 d2 d3
Figura 4.5 – Corrente de Descarga de Townsend como função da
separação entre eletrodos (para campos constantes)
É claro que os elétrons adicionais deveriam ser produzidos em alguma parte.
Townsend então postulou que um segundo mecanismo, denominado emissão
secundária, deve contribuir para o aumento de elétrons no gás. Ele admitiu que a fonte

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mais provável seria a emissão de elétrons pelo catodo devido ao impacto de íons e
sugeriu um coeficiente de ionização adicional, conhecido como γ o segundo
coeficiente de ionização de Townsend.

número de elétrons gerados no catodo devido a efeitos sec undários


γ = .
número de íons incidentes no catodo

Define-se as seguintes quantidades:

N+ = número de elétrons gerados no catodo devido à emissão secundária;


Na = número total de elétrons que chegam ao anodo.

Portanto, se tem:

N0 + N+ = número total de elétrons que deixam o catodo;


N+ / γ = número de íons incidente no catodo.

No regime permanente, o número de íons que chega ao catodo deve ser igual ao
número de elétrons que chegam ao anodo menos os elétrons que partem do catodo.
Portanto

N+ / γ = Na – (N0 + N+).

Da equação acima, tem-se

γ (N a − N 0 )
N+ = . (4.5)
1+ γ

A multiplicação de elétrons devida a ionização do gás segue a lei exponencial da


equação 4.3 que agora tem a forma:

N a = ( N 0 + N + ) eαd . (4.6)

Substituindo a equação 4.5 em 4.6, obtém-se a relação

eαd
Na = N0 . (4.7)
1 − γ (eαd − 1)

A equação correspondente para a corrente é


eαd
Ia = I0 (4.8)
1 − γ (eαd − 1)
em que Ia é a corrente de elétrons no anodo. Comparando a equação 4.8 com a
equação 4.4 nota-se que a contribuição dos elétrons secundários para a corrente no
anodo está no termo γ (eαd − 1) . Embora γ seja pequeno, da ordem de 10-2 ou menor, o
termo exponencial é grande o suficiente para produzir as curvaturas mostradas na
Figura 4.5 quando cresce a separação entre eletrodos. O critério de ruptura é obtido
fazendo denominador da equação 4.8 tender a zero. Assim,

74
1 − γ (eαd − 1) = 0
γeαd = 1 + γ

Como indicado anteriormente γ<<1. Assim,

γeαd ≅ 1 . (4.9)

que se pode dar uma interpretação física interessante. O fator exponencial


eαd representa o número de íons positivos produzidos por cada elétron primário que
deixa o catodo. Os íons positivos se dirigem ao catodo e produzem elétrons
secundários em número igual γeαd . Assim, o critério indica que a condição de ruptura
é alcançada quando se emite um elétron secundário por cada elétron primário.

4.8 Os Coeficientes de Ionização e a Lei de Paschen – Campos Uniformes

O número de colisões ionizantes por unidade de comprimento é proporcional à


probabilidade de colisão que por sua vez é proporcional a pressão p do gás. Logo
α~p.

Em segundo lugar, o número de colisões ionizantes depende da energia Wλ ganha


pelos elétrons entre colisões sucessivas:
Wλ = eEλ ~ eE / p

em que E é o campo elétrico aplicado e λ~1/p é o caminho médio livre entre colisões.
Combinando as observações precedentes, o coeficiente α pode ser expresso na forma

α = pf (eEλ ) = pf1 ( E / p )
ou ainda
α
= f1 ( E / p) . (4.10)
p

Realmente tem sido verificado experimentalmente que α/p está relacionado com a
energia ganha pelos elétrons entre colisões ionizantes.
O segundo coeficiente de ionização γ tem a ver com o impacto de íons sobre o catodo.
Portanto, dependerá da energia ganha pelos íons no último caminho médio livre antes
do impacto sendo uma função de Eλ e conseqüentemente
γ = f 2 ( E / p) . (4.11)
Hoje, γ é definido como o número de elétrons produzidos no catodo pelo impacto de
íons incidentes no catodo, fótons, partículas excitadas ou metaestáveis. Gases
eletronegativos (SF6, Freon, oxigênio, CO2) capturam elétrons facilmente, logo para
esses gases γ têm valores pequenos. Para o nitrogênio, γ está na faixa entre 10-3 e 10-2
para E/p entre 100 e 700 V cm-1 torr-1. Gases isolantes como o SF6 ou Freon têm γ de
10-4 ou menores.
Substituindo as equações 4.10 e 4.11 no critério de ruptura (4.9), tem-se:

75
f 2 ( E / p )e f1 ( E / p ) pd = 1
Admitindo que o campo entre eletrodos é uniforme, pode-se utilizar a expressão
E=Vs/d em que Vs é a tensão disruptiva do gás. Assim, a equação acima pode ser
posta na forma:
f 2 (Vs / pd )e f1 (Vs / pd ) pd = 1 .
Tratando pd como uma única variável, a expressão acima define de forma implícita
uma relação funcional entre Vs e pd. Explicitamente a função pode ser escrita na
forma:
Vs = f ( pd ) (4.12)
Esta é a lei de Paschen mostrada anteriormente na Figura 4.1 e repetida conveniente
na Figura 4.6.
Vs

Vs min

(pd)min pd
Figura 4.6 – Curva de Paschen

A existência de um mínimo na curva de Paschen pode ser explicada da seguinte


forma:
a) Para valores do produto (pd) superiores a (pd)min a tensão disruptiva aumenta
pelas seguintes razões:
• mantendo a pressão constante e aumentando a distância entre eletrodos se deve
aplicar uma tensão maior para manter um mesmo campo entre eletrodos;
• mantendo a distância constante e aumentando a pressão, diminui-se o caminho
médio livre e a energia ganha entre colisões. Assim, é necessário um campo
mais elevado para compensar este efeito.
b) Para valores do produto (pd) inferiores a (pd)min a probabilidade de se produzir
ionização no interior do gás é pequena e precisa-se que os íons positivos,
fótons e moléculas excitadas produzidos durante a avalanche eletrônica
tenham energia suficiente para arrancar elétrons do catodo. Essa probabilidade
cresce com o aumento do campo aplicado.

É interessante salientar que métodos para a redução da tensão disruptiva têm muita
importância em aplicações práticas de descargas em gases a exemplo de lâmpadas
fluorescentes a baixa pressão utilizadas em residências e instalações comerciais.
Tipicamente o mecanismo de Townsend e por extensão a lei de Paschen se aplicam
para produtos pd inferiores a 1000 torr cm para pressões entre 0,01 a 300 torr.
Algumas modificações são necessárias para gases altamente eletronegativos porque

76
eles se agregam a elétrons secundários facilmente. A equação 4.8 precisaria ser
corrigida para levar em conta esses efeitos.

4.9 Mecanismo de Canal – Campos Uniformes

O mecanismo de Townsend não é suficiente para explicar fenômenos de descargas em


gases em algumas situações. A forma de descarga prevista pelo mecanismo de
Townsend é difusa ao longo do espaço entre eletrodos, e na prática, tem-se observado
canais de descargas filamentares e irregulares. Além do mais, existe um tempo de
atraso entre a aplicação de uma tensão suficiente para causar a ruptura do gás e a
própria ocorrência de ruptura. Esse tempo de atraso medido experimentalmente em
algumas situações é bastante inferior ao previsto pelo mecanismo de Townsend. Para
explicar esses fenômenos, Raether, Meek e Loeb independentemente propuseram a
Teoria do Canal ou Mecanismo de Canal. Essa teoria prevê que a ruptura do gás pode
ser desenvolvida a partir de uma simples avalanche eletrônica. Avalanches
simultâneas podem ocorrer na frente da primeira avalanche ou em outras regiões
dentro do gás devido a fotoionização. Considere a Figura 4.7 em que um elétron parte
do catodo criando uma avalanche atravessando a região gasosa. Os elétrons da
avalanche se movem muito rápido comparado aos íons positivos, representados pelas
cargas +. Quando os elétrons atingem o anodo, os íons positivos ainda estão
praticamente em suas posições originais. O campo próximo ao anodo, devido aos íons
positivos, cresce rapidamente e suga violentamente os elétrons que foram produzidos
por fotoionização dentro do canal. Esses elétrons geram uma avalanche secundária
aumentando o número de íons positivos dentro do canal, promovendo o crescimento
do campo na região do anodo. Os íons positivos são empurrados rapidamente em
direção ao catodo sugando elétrons que encontram ao longo do caminho e ao
chegarem próximos ao catodo o campo é suficiente para arrancar elétrons da
superfície e produzir novas avalanches dentro do canal. Como resultado, tem-se a
ruptura da rigidez dielétrica do meio.

- +

Figura 4.7 – Mecanismo de canal

77
4.10 Campos Não Uniformes

Em campos não uniformes pequenas descargas no interior de um dielétrico gasoso


(devido a formação de avalanches eletrônicas – descargas corona) são observadas
antes da ruptura completa. Existe uma infinidade de configurações de eletrodos que
produzem campos não uniformes. A configuração mais utilizada é a do tipo ponta-
plano mostrada na Figura 4.8. Tem-se verificado experimentalmente que a tensão
disruptiva, para a configuração em que a ponta é negativa e o plano positivo, é bem
superior à tensão disruptiva para a configuração em que a ponta é positiva e o plano
negativo. Interessante notar que a tensão para o início de formação de avalanches
eletrônicas é menor na situação ponta positiva – plano negativo (Figura 4.8a).

(a) (b)

Figura 4.8 – Configuração ponta-plano:


a) ponta positiva – plano negativo;
b) ponta negativa – plano positivo.

A explicação física desse fenômeno é feita a seguir. Nas duas situações, o processo de
ionização começa na região próxima a ponta, ocorrendo formação de íons positivos,
distorcendo o campo entre eletrodos. Os íons positivos dividem a região entre a ponta
e o plano nas regiões 1 e 2 ilustradas na Figura 4.9.

1 2 1 2

(a) (b)

Figura 4.9 – Configuração ponta-plano:


c) ponta positiva – plano negativo;
d) ponta negativa – plano positivo.

78
Vale salientar que a figura não está em escala. A região 1 é muito menor que a região
2, pois os íons são formados muito próximos à ponta. Para uma mesma tensão
aplicada entre eletrodos ponta-plano, verifica-se que a presença dos íons positivos faz
com que o campo elétrico em pontos da região 1 da Figura 4.9a seja menor que o
campo elétrico em pontos correspondentes na região 1 da Figura 4.9b. A região 2
apresenta comportamento contrário. Para a Figura 4.9a o campo elétrico em pontos
da região 2 é maior que o campo elétrico em pontos correspondentes na região 2 da
Figura 4.9b.

Em resumo, para a Figura 4.9a as cargas + diminuem o campo próximo a ponta, mas
aumentam o campo no gás. Para a Figura 4.9b as cargas + aumentam o campo
próximo à ponta, mas diminuem o campo no gás. Assim, para a configuração ponta-
plano, a tensão de início de avalanche é maior na situação ilustrada na Figura 4.9a e a
tensão disruptiva é maior na situação mostrada na Figura 4.9b.

4.11 Dielétricos Líquidos

A rigidez dielétrica dos líquidos é muito maior que a dos gases em condições normais.
Dielétricos líquidos como óleo mineral são usados em cabos, capacitores
transformadores e vários equipamentos elétricos. A característica densidade de
corrente J versus campo elétrico uniforme para um líquido tem forma similar à curva
de Townsend para gases e uma curva típica é mostrada na Figura 4.10.

J (A/cm2)

ajuda de processos secundários

1 2 3

0,2 0,4 0,6


E(MV/cm)
Figura 4.10 – Característica Densidade de Corrente versus campo elétrico
para um dielétrico líquido típico

Para campos pequenos, só uma pequena quantidade de elétrons e íons negativos,


gerados por radiação natural, chega ao anodo. Os demais elétrons e íons negativos se
recombinam com as moléculas do líquido. Na região 1, à medida que o campo
aplicado vai aumentando o número de recombinações vai diminuindo e
conseqüentemente a densidade de corrente vai aumentando até atingir o plateau -
região 2 em que o número de recombinações é muito pequeno e praticamente “todos

79
os elétrons e íons produzidos por radiação natural chegam ao anodo”. Na região 3
existe um crescimento acentuado da corrente devido a avalanches eletrônica e efeitos
secundários. A perfuração de dielétricos líquidos normalmente ocorre com a ajuda de
emissão de campo, emissão termoiônica, bolhas, umidade ou partículas suspensas.

4.12 Dielétricos Sólidos

A rigidez dielétrica dos sólidos é maior que a dos líquidos em condições normais. A
pequena distância interatômica faz com sejam necessários campos elevados para que
elétrons “livres” ganhem energia suficiente para produzir ionização por colisão no
interior do dielétrico. A ruptura da rigidez dielétrica de um sólido ocorre devido a
combinação dos seguintes processos:

Ruptura elétrica – quando o processo dominante é a ionização por colisão, quebra das
ligações do dielétrico;
Ruptura térmica- quando o calor produzido pelo dielétrico não é totalmente
absorvido pelo ambiente;
Ruptura por ionização induzida - produzida por descargas parciais no dielétrico.

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