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Aluna Ingrid Soares Prof.

Helder Muniz Disciplina: Trabalho, subjetividade e saúde mental

Comentário sobre o texto: Subjetividade, trabalho e ação

Diante do olhar clínico, trabalho é um engajamento do corpo, das capacidades e da inteligência; um poder
sentir, pensar, inventar; um saber-fazer. Assim, para que se entenda melhor o conceito, é necessário a análise
acerca da discrepância entre o trabalho prescrito e o real, uma vez que é impossível atingir a máxima qualidade
de trabalho seguindo prescrições inflexíveis. Ademais, ainda que a organização seja rigorosa, é necessário
reconhecer que as situações de trabalho são permeadas por imprevistos, incidentes e incoerências tanto das
máquinas, como dos trabalhadores e sistemas. Portanto, trabalhar bem é transgredir prescrições. Assim, há uma
parte essencial do trabalho que é invisível, como uma sombra, algo da clandestinidade, que não se vê nem se
reconhece. Dessa forma, trabalhar é um preencher da lacuna entre o prescrito e o real, algo que é impossível de
ser antecipado em sua totalidade, um caminho que deve ser descoberto a cada momento pelo sujeito que
trabalha. O trabalho é exatamente o acréscimo às prescrições para que o trabalhador atinja os objetivos aos quais
foi designado. Sendo, portanto indescritível e inquantificável, impossível de ser avaliado por métodos
científicos.
Desse modo, o trabalhador, quando fracassa em seu objetivo de trabalho, mesmo seguindo todas técnicas
prescritas, se depara com o real resistindo aos seus procedimentos. Assim, o real se apresenta a ele de modo
afetivo, ainda que em um sentimento desagradável. Nessa relação primordial de sofrimento no trabalho que o
corpo faz a experiência do mundo e de si mesmo. Daí a origem da união entre trabalho e subjetividade, ainda
que essa relação não seja o fim do processo. Continuando, o sujeito busca meios para agir sobre o mundo
visando transformar o seu sofrimento em uma via que permita superar a resistência do real. Desse modo, a
resistência se torna em inteligência e poder para transformar o mundo. Ainda, é importante frisar que não existe
sofrimento sem um corpo para experimentá-lo, logo, a inteligência no trabalho não é inata e sim formada após
uma longa e perseverante relação de um corpo, particular e único, com a tarefa. O corpo convocado a trabalhar
não é o da “biologia” e sim um segundo corpo que se experimenta afetivamente engajado na relação com o
outro se apropriando do mundo. Assim, o trabalhar mobiliza a personalidade do sujeito por completo.
É interessante notar que na psicodinâmica do trabalho o desenvolvimento da subjetividade passa pela relação
entre o sofrimento e o real; enquanto que, na psicanálise, passa antes de tudo pelas pulsões e seus destinos.
Ainda que não seja demonstrado, as relações entre sofrimento e pulsões podem ser bem mais estreitas do que se
acredita. Assim, se o trabalho é central no funcionamento psíquico, ele seria uma condição transcendental de
manifestação absoluta da vida. Entretanto, ele envolve ainda uma relação social em sua atividade, se
desdobrando em um mundo humano marcado por desigualdades, relações de poder e dominação. Desse modo, a
coordenação das inteligências ocorre para que o processo de trabalho funcione em grupo, reajustando as
prescrições do trabalho, a partir de acordos estabelecidos entre os trabalhadores acerca das maneiras que irão
trabalhar para que haja eficácia e qualidade na produção do trabalho e o compromisso com o social e com o
viver junto.
Assim, a cooperação supõe certa limitação à inteligência e ao desdobramento da vida singular na atividade.
Logo, é uma tarefa desafiadora, entretanto, caso não realizada, leva ao individualismo e a reiterados conflitos
que mortificam a própria subjetividade e a saúde mental da equipe. Ainda, a cooperação também é uma tarefa
que torna visíveis tarefas que antes eram invisíveis, o que pode despertar o desejo pelo reconhecimento dos
outros, sendo primordial para que o trabalhador sinta-se pertencente e integrado ao grupo. Assim, compromissos
racionais entre subjetividade singular e ações coletivas são possíveis. Logo, o intuito da ação do trabalho deve
sempre ser a celebração da vida e não o culto ao poder. O trabalho revela a vida ao sujeito quando a parte do
trabalho que vem da subjetividade é reconhecida e respeitada. Desse modo, a subjetividade não pode ser
sacrificada em prol da rentabilidade e da competitividade.
Assim, é necessário compreender que não é possível uma avaliação objetiva e quantitativa do trabalho, uma
vez que deve-se reconhecer que o que é avaliado hoje não corresponde ao trabalho, levando a injustiças e
absurdos intoleráveis. Ainda, é preciso combater a individualização e competitividade generalizada que resulta
ao isolamento e a desagregação do viver junto. As consequências dessas mazelas no trabalho é a alta
produtividade e riqueza entretanto o desmantelamento da subjetividade e da vida em coletivo, levando às
patologias e violências no trabalho.
Portanto, o trabalho pode gerar o pior ou o melhor do ser humano. Desse modo, a questão que levanto é:
como enxergar com maior clareza as linhas tênues entre a mortificação da subjetividade com a imposição de
técnicas e procedimentos e a elaboração de regras de ofício que possibilitem o viver junto de trabalhadores tão
diferentes em seu modo de trabalhar?

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