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Revista  

de  Negócios  ʹ  ISSN  1980.4431  ʹ  vol.  17,  n.4,  p.  40-­‐54,  2012  -­‐  DOI:  10.7867/1980-­‐4431.2012v17n4p40-­‐
54  
 
 
Gestão da qualidade e cultura organizacional: Um estudo de caso desenvolvido em uma
fábrica de embalagens de papelão

Q uality management and organizational culture: A case study developed in a card-


boards packings factory

G abriel Sperandio M ilan


UCS Universidade de Caxias de Sul
e-mail: gabmilan@terra.com.br

M arcos Ricardo Pretto


CESF Centro de Ensino Superior Cenecista de Farroupilha

Paulo Rogério Pigozzi


CESF Centro de Ensino Superior Cenecista de Farroupilha

_________________________

Recebido em 18 de junho de 2012. Aprovado em 08 de outubro de 2012

Editor Responsável: Edson Roberto Scharf, Dr.

Processo de avaliação por double blind review

________________________
A bstract
Resumo This article tells the development of a case study on
Este artigo relata o desenvolvimento de um estudo the quality evolution in the context of a corrugated
de caso sobre a evolução da qualidade no contexto cardboards packings manufacturer and its relation
de uma empresa fabricante de embalagens de pape- with the organizational culture. Initially, the im-
lão e sua relação com a cultura organizacional. plantation systematic and the evolution of the quali-
Inicialmente, resgata-se a sistemática de implanta- ty process are rescued in the company. In the se-
ção e a evolução do processo da qualidade na em- quence, the people main perceptions on the process
presa. Na seqüência, as principais percepções das of quality are identified; being distinguished the
pessoas sobre o processo da qualidade são identifi- impact of the improvements proceeding from the
cadas, destacando-se o impacto das melhorias pro- quality on the management and the organizational
venientes da qualidade sobre a gestão e a cultura culture. Finally, some areas of action are proposals
organizacional. Finalmente, algumas áreas de ação in the direction to maximize the quality effect for
são propostas no sentido de maximizar os efeitos da the company.
qualidade para a empresa. K ey words: organizational culture, total quality
Palavras-chave: cultura organizacional, gerencia- management, quality management, quality pro-
mento da qualidade total, gestão da qualidade, pro- grams, quality.
gramas de qualidade, qualidade.
1. Introdução

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Com o modelo de produção em cionais como forma de estimular as empre-


massa se tornando ultrapassado, ao final da sas em relação a processos de aprendiza-
década de 70, surgem, com as organiza- gem (SVENSSON; WOOD, 2005; WIN-
ções japonesas, novas técnicas de gestão. KLHOFER; PRESSEY; TZOKAS, 2006),
Tais técnicas aliadas à crescente demanda que as leve a um nível de maior competiti-
por produtos e serviços de melhor qualida- vidade em seus mercados de atuação
de e à mudança comportamental dos clien- (BARNEY; HESTERLY, 2011) e de sus-
tes, cada vez mais exigentes, percebe-se tentabilidade do negócio (ZINK, 2007).
uma transformação na realidade da produ- Portanto, abordar a qualidade no
ção industrial. Diante disso, muitas empre- ambiente empresarial pressupõe esforços
sas têm buscado um aperfeiçoamento cons- para mudanças contínuas e permanentes.
tante em seus processos e atividades por Conseguir mudar as atitudes e o compor-
meio de programas de qualidade, o que tamento das pessoas é algo fundamental.
resulta em uma evolução em sua estrutura Enquanto tais atitudes e comportamentos
organizacional, tanto no aspecto técnico não estiverem incorporados ao conjunto de
quanto em relação à sua cultura empresari- crenças valores e princípios das pessoas,
al. não se conseguirá consolidar uma cultura
Neste contexto, emerge uma visão organizacional orientada para a qualidade.
mais abrangente a respeito da qualidade, a Por isso, a busca pela qualidade só será
qual direciona a empresa a adotar metodo- plena quando todos os colaboradores da
logias e práticas mais eficientes e eficazes empresa mudarem de mentalidade e com-
em seus processos e, principalmente, a preenderem os seus papéis individuais a
entender e atender às necessidades e aos serem desempenhados e sua responsabili-
desejos de seus clientes, suprindo as suas dade na consecução de ações e tarefas vol-
expectativas (PAVLETIC; SOKOVIC, tadas à melhoria contínua (AIDAR, 1995;
2009; MIGUEL; SANTIAGO, 2010; MO- FORD, 2011).
ON et al., 2011). Assim, para satisfazer o
cliente, deve-se controlar sistematicamente 2. Q ualidade: um breve resgate concei-
a qualidade, melhorá-la e inovar continua- tual
mente (KANO et al., 1984; OLIVER, Feigenbaum e Feigenbaum (1999)
2010; PULAKANAM, 2011; KOTLER; defendem que a qualidade é um dos mais
KELLER, 2012 ³6HDTXDOLGDGHpUHODFi- poderosos geradores de crescimento nas
onada a exceder continuamente as expecta- vendas e receitas das empresas, e um fator
tivas do cliente em um mercado competiti- de sustentação da expansão dos negócios.
vo, então, o pensamento criativo e a habili- Embora os programas, sistemas e modelos
dade de inovar são competências-chave da qualidade já estejam bastante difundidos
 ´ 3LESEK, 1998, p. 723). e, apesar de sua popularidade, há pouca
Consequentemente, a implemen- convergência a respeito de sua definição
tação de um novo modelo de gestão da (HUFF; FORNELL; ANDERSON, 1994;
qualidade exige mudanças estruturais e MIGUEL; SANTIAGO, 2010).
comportamentais, ou seja, não é possível Como exemplo disso, é possível
abordar a evolução da qualidade nas em- citar algumas definições de qualidade, as
presas sem que se faça uma relação direta quais abordam diferentes enfoques. Quali-
com a cultura corporativa e com as mudan- dade é conformação a especificações
ças organizacionais decorrentes (CROSBY, 1979), melhoria da conforma-
(CROSBY, 1994; ISHIKAWA, 1993; ção a especificações por meio da redução
STOCK; NAOR et al., 2008; McFA- da incerteza e da variabilidade (DEMING,
DDEN; GOWEN III, 2010), até mesmo se 1986), ausência de falhas ou deficiências
valendo de relacionamentos interorganiza- (JURAN; GODFREY, 1999), adequação

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lagens de papelão

ao uso (JURAN, 1989), um nível de de- BROZ, 2004; DENISON; HAALAND;


sempenho que supre as necessidades ou os GOELZER, 2004; IRANI; BESKESE;
desejos do consumidor provendo a sua LOVE, 2004; KUJALA; LILLRANK,
satisfação (JURAN; GODFREY, 1999) ou, 2004; NAOR et al., 2008; FREIESLEBEN,
simplesmente, o julgamento do consumi- 2009; MIGUEL; SANTIAGO, 2010;
dor sobre a excelência global ou a superio- STOCK; McFADDEN; GOWEN III,
ridade de um produto e/ou de um serviço 2010; BAIRD; HU; REEVE, 2011; MO-
(ZEITHAML, 1988; OLIVER, 2010) em ON et al., 2011, dentre outros).
comparação às ofertas de seus concorren- Inclusive, Salegna e Fazel (1995)
tes. defendem que o sucesso proveniente da
Neste sentido, com um direcio- implementação de ações atinentes à quali-
namento voltado ao mercado, Garvin dade depende da convergência entre o pla-
 S   GHIHQGH TXH ³DOJXPDV SUe- nejamento estratégico, e seus respectivos
ferências do consumidor deveriam ser tra- objetivos diretivos, e a cultura corporativa.
tadas como padrões absolutos de desempe- Em concordância a esses autores, Ambroz
QKR >RX GH TXDOLGDGH@´ &RQVRDQWH LVVR (2004) salienta que os resultados advindos
um dos grandes desafios para a implanta- dos sistemas da qualidade total são equiva-
ção e o desenvolvimento da gestão da qua- lentes ao fortalecimento da cultura organi-
lidade está em integrar essas diferentes zacional, a qual influencia, também, a per-
visões de qualidade nas estratégias e ações formance organizacional, que pode ser
das empresas. traduzida por indicadores de desempenho
Para tanto, definir uma linguagem como, por exemplo: o volume de negócios,
comum, que gere sinergia entre a alta ad- a participação de mercado (market share),
ministração e os colaboradores da empresa, a lucratividade e a rentabilidade da empre-
em torno de uma mentalidade orientada sa (IRANI; BESKESE; LOVE, 2004;
para a qualidade, é o primeiro passo. No TANNINEN; PUUMALAINEN;
entanto, é imprescindível que a qualidade, SANDSTRÖM, 2010; MOON et al.,
seus procedimentos, suas ferramentas, seus 2011). Naturalmente, isto inclui o papel
critérios e seus padrões não se transfor- fundamental dos gestores da qualidade no
mem em um fim em si mesmo, fazendo que diz respeito a transformar as empresas
com que o objetivo primordial seja suprir em negócios mais competitivos pela ado-
as expectativas dos clientes, com um en- ção de princípios, metodologias práticas e
tendimento orientado ao mercado. Aliás, procedimentos atinentes à qualidade como
Freiesleben (2009) ressalta que a qualidade um todo (PAVLETIC; SOKOVIC, 2009;
faz como que os profissionais das empre- ELG et al., 2011), fazendo com que todos
sas aumentem o seu desempenho individu- os profissionais da empresa trabalhem a
al e, portanto, coletivo (relativo às equipes partir de um significado de suas funções e
de trabalho), servindo como um guia evo- um senso de propósito empresarial mais
lutivo na perfor mance das empresas. claros e objetivos (FREIESLEBEN, 2009).
Por isso, é oportuno que se apro-
3. A relação entre cultura organizacio- funde o entendimento em torno da cultura
nal e qualidade organizacional. Ao longo da década de 80,
Diversos estudos têm abordado a o conceito de cultura organizacional per-
relação existente entre a cultura organiza- meou a imaginação de pesquisadores e
cional, ou cultura corporativa, e as práticas executivos (WILSON, 1997). Nesta época,
relacionadas à gestão da qualidade e seus era apregoado que a chave para o sucesso
processos subjacentes, bem como a exce- das organizações era a incidência de uma
lência e o desempenho organizacional (vi- cultura corporativa fortemente unificada
de van der WIELE; BROWN, 2000; AM- (PETERS; WATERMAN Jr., 1982), e que

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a alta administração das organizações de- Portanto, a cultura corporativa se


veria construir e nutrir tal cultura por meio refere aos valores subjacentes àquilo que a
da articulação de um conjunto de valores, organização recompensa, apóia e espera; às
princípios e crenças, que deveriam ser re- normas que fundamentam suas políticas,
forçados com políticas tanto formais quan- práticas e procedimentos; e ao significado
to informais, e partilhados e respeitados que tem a incumbência de partilhar e dis-
por todos os colaboradores, levando-os a seminar os valores e as normas da organi-
um compromisso mais elevado (WILSON, zação (SCHNEIDER, 1988). De acordo
1997; FREIESLEBEN, 2009; FORD, com Plesek (2000), a cultura, os valores e
2011). princípios e a história da organização po-
Wilson (1997) comenta, ainda, dem ser vistos, metaforicamente, como seu
que de modo não surpreendente, a cultura material genético.
corporativa se tornou rapidamente uma Nesta direção, é possível estabele-
arma secreta para negócios bem-sucedidos. cer uma relação entre o comportamento
Dessa forma, com o intuito de ampliar a organizacional, a gestão dos recursos hu-
compreensão em torno do tema, é oportuno manos, as ações relativas à melhoria contí-
resgatar a definição do que seja cultura nua, os processos de trabalho e as relações
organizacional ou cultura corporativa. A industriais (van der WIELE; BROWN,
cultura corporativa é um padrão de pressu- 2000; SVENSSON; WOOD, 2005; WIN-
posições básicas de um determinado grupo, KLHOFER; PRESSEY; TZOKAS, 2006),
o qual está relacionado à forma de como e sua relação com aspectos tais como: am-
este grupo aprende a lidar com seus pro- biente interno e externo, estilo de gestão,
blemas de adaptação externa e de integra- estratégias e políticas empresariais, estrutu-
ção interna, e que tem funcionado suficien- ra organizacional e processo de mudança
temente bem a ponto de ser considerado adotado pela organização, sob uma ótica
válido e ensinado a novos membros que evolutiva do negócio (DALE et al. 1997a e
sejam incorporados ao grupo como a ma- 1997b; AMBROZ, 2004; SVENSSON;
neira correta de perceber, pensar e agir WOOD, 2005; RAVASI; SCHULTZ;
sobre os problemas que surgirem 2006; FREIESLEBEN, 2009; FORD,
(SCHEIN, 1991). 2011). Em um estudo realizado por Baird,
De acordo com Ravasi e Schultz Hu e Reeve (2011), há evidências empíri-
(2006), a cultura organizacional também cas de que o trabalho em equipe e o respei-
pode ser compreendida como um conjunto to às pessoas, que são aspectos atinentes à
de pressuposições mentais (crenças, valo- cultura de uma organização, são alguns
res e princípios) compartilhadas que guia fatores dos mais importantes no que tange
os gestores quanto à interpretação e à indi- a fortalecer as práticas relativas à qualida-
cação de ações a partir de um comporta- de. E isto porque um programa de qualida-
mento adequado às situações (internas e de resulta em profundas mudanças organi-
externas) mais variadas que possam vir a zacionais, inclusive na cultura da organiza-
surgir. Logicamente, embora uma organi- ção, o que requer habilidades de liderança
zação de JUDQGHSRUWHWHQKDD³VXDFXOWXUD e de um diálogo aberto por parte dos gesto-
RUJDQL]DFLRQDO´SRGHP FR-existir algumas res (BEER, 2003).
culturas conflitantes dentre as suas unida- A relação entre essas variáveis,
des de negócios ou áreas (setores ou depar- portanto, que são inter-relacionadas e que
tamentos) devido às diferentes característi- afetam direta e indiretamente a atuação e a
cas dos gestores e da forma com que lide- performance das empresas, pode ser me-
ram suas equipes de trabalho (RAVASI; lhor entendida conforme apresentado na
SCHULTZ, 2006). Figura 1.

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Gestão da qualidade e cultura organizacional: um estudo de caso desenvolvido em uma fábrica de emb a-
lagens de papelão

F igura 1: Cultura organizacional e a evolução do negócio

Fonte: Adaptado de van de Wiele e Brown (2000), Dale et al. (1997a; 1997b), Ambroz (2004) e Freiesleben
(2009).

Neste horizonte, considerando es- empresa em análise, ao longo do tem-


pecificamente o contexto industrial, a con- po;
vergência entre os traços e as característi- b) verificar a percepção das pessoas sobre
cas da cultura organizacional e as práticas o processo da qualidade;
de gestão da qualidade são essenciais para c) analisar o impacto das ações relativas
um aumento tanto da perfor mance opera- às melhorias da qualidade sobre a ges-
cional quanto do desempenho do negócio tão da empresa e sobre a cultura orga-
como um todo (BAIRD; HU; REEVE, nizacional; e
2011; DENISON; HAALAND; GOEL- d) propor ações que maximizem os efeitos
ZER, 2004; TANNINEN; PUUMALAI- internos e externos da qualidade.
NEN; SANDSTRÖM, 2010). Como ilus-
tração disso, ao analisar o desempenho de Para que esses objetivos pudes-
plantas fabris em seis países diferentes, sem ser alcançados, foi utilizado o método
Naor et al. (2008) verificaram que a cultura do estudo caso (YIN, 2010), que se carac-
organizacional apresenta forte influência teriza como uma forma de pesquisa quali-
sobre as práticas de gestão da qualidade e tativa, utilizada para investigar um contex-
que, por sua vez, o resultado desta influên- to de pesquisa claramente definido (COO-
cia repercute positivamente no desempe- PER; SCHINDLER, 2011; HAIR Jr. et al.,
nho industrial. 2006).
Operacionalmente, foram utiliza-
4. Desenvolvimento da pesquisa das técnicas de levantamento de informa-
ções, dentre elas a análise documental
4.1 O bjetivos e método de pesquisa (VERGARA, 2009; HENNINK; HUT-
Os objetivos a que o trabalho se TER; BAILEY, 2011), implementada pela
propõe são, respectivamente: apreciação de relatórios, manuais e outros
documentos disponibilizados pela empresa.
a) resgatar a sistemática de implantação e Por fim, implementou-se a técnica de en-
evolução do processo de qualidade na trevistas individuais, com uma abordagem
semi-estruturada, e que vêm se caracteri-

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zando como um dos principais métodos de liem na explanação do conhecimento im-


coleta de dados em pesquisas qualitativas, plícito ao tema pesquisado (FLICK, 2004;
principalmente pelo fato do pesquisador ter RIBEIRO; MILAN, 2004; KING; HOR-
a oportunidade de aprofundar o entendi- ROCKS, 2010).
mento em torno do objeto de pesquisa. Vale destacar que a seleção dos
Embora o número de entrevistados seja entrevistados compreendeu os integrantes
pequeno, o envolvimento do pesquisador da Comissão da Qualidade, composta pelo
com as pessoas que detêm as informações Gerente da Unidade, pelos Gerentes de
é significativo (RIBEIRO; MILAN, 2004; Vendas, de Produção e Administrativo, e
KING; HORROCKS, 2010). pelas Assessorias de Recursos Humanos,
Outro aspecto que justifica a Técnica e da Qualidade, resultando em um
relevância da pesquisa qualitativa, mais grupo de sete pessoas que é o responsável
especificamente da adoção das entrevistas pela implantação e desenvolvimento do
individuais em profundidade é a crescente processo de gestão da qualidade na empre-
pluralização nos padrões de interpretação sa.
no que se refere ao contexto pesquisado. No processo de organização e de
Em decorrência disso, os pesquisadores se análise e interpretação dos dados, utilizou-
vêem obrigados a implementar estratégias se a técnica de análise de conteúdo (BAR-
indutivas, levantando e identificando in- DIN, 2004; SCHREIER, 2012), além dos
formações que possam se traduzir em pressupostos sugeridos por Wolcott (1994),
³FRQFHLWRV VHQVLELOL]DQWHV´ SDUD TXH VH Ribeiro (2000), Flick (2004), Ribeiro e
construa uma abordagem de pesquisa mais Milan (2004), King e Horrocks (2010) e
consistente (FLICK, 2004; HENNINK; Hennink, Hutter e Bailey, (2011).
HUTTER; BAILEY, 2011).
De acordo com Malhotra (2006) e 4.2 A mbiência da pesquisa
King e Horrocks (2010), a entrevista indi- Como campo de pesquisa, foi uti-
vidual em profundidade é um tipo de en- lizado o ambiente de uma empresa fabri-
trevista pessoal em que um único respon- cante de embalagens de papelão. A empre-
dente é argüido por um entrevistador, que sa iniciou suas atividades industriais em
busca descobrir crenças, atitudes e infor- 1962, na área de sacos e artefatos de papel,
mações subjacentes ao tema em estudo. na cidade de Curitiba ± PR. Atualmente, a
Normalmente, a entrevista de caráter pes- empresa atua nos estados do Paraná, Santa
soal é escolhida quando há a necessidade Catarina e Rio Grande do Sul, basicamen-
de coletar uma grande quantidade de in- te, em três segmentos: celulose e papel,
formações ou quando as informações são papelão ondulado e sacos e artefatos. Para
complexas e inter-relacionadas (AAKER; ilustrar sua participação no mercado (%) e
KUMAR; DAY, 2004; HAIR Jr. et al., seu desempenho frente à concorrência (co-
2010). locação), segue a Tabela 1.
Sendo assim, as entrevistas indi-
viduais em profundidade, semi-
estruturadas, um método de coleta de da-
dos verbais, permite que o pesquisador
entenda a subjetividade intrínseca à visão
dos entrevistados por meio de questões
abertas, direcionadas aos objetivos de
pesquisa. Neste sentido, a coleta de dados
resultante das entrevistas contribui para a
estruturação dos conteúdos em análise e
para a identificação de elementos que auxi-

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T abela 1: Participação de mercado da empresa e desempenho de mercado

Segmentos de A tuação A no 1 (%) A no 1 A no 2 (%) A no 2 A no 3 (%) A no 3


Celulose e papel 2,60 8º 2,60 8º 2,60 8º
Papelão ondulado 7,62 4º 8,20 4º 6,80 4º
Sacos e artefatos 13,45 3º 15,39 3º 14,78 3º

O bs.: Para cada ano, a primeira coluna resgata a participação de mercado da empresa, enquanto que a segunda
coluna, sua colocação em relação ao mercado (concorrentes).

Com o intuito de aprofundar a a) O bjetivos: (i) estabelecer um pro-


análise no que diz respeito aos objetivos da cesso de educação e treinamento em rela-
pesquisa, optou-se por desenvolver o estu- ção à qualidade, buscando a formação de
do especificamente em uma unidade da uma base conceitual sólida para o desen-
empresa, a qual está localizada no interior volvimento e implementação do processo
do estado do Rio Grande do Sul (RS), dire- da qualidade da empresa; (ii) subsidi-
cionada à fabricação de papelão ondulado. ar os participantes para que pudessem atuar
Tal unidade opera 24 horas por dia, em 3 como agentes de mudanças por meio de
turnos de trabalho, e conta com cerca de atitudes concretas, voltando-se para um
670 colaboradores. Seus principais clientes sistema de gestão da qualidade total; e (iii)
estão concentrados nos seguintes segmen- subsidiar os participantes para que pudes-
tos: produtos alimentícios, plásticos, ma- sem atuar como disseminadores da cultura
deiras, mobiliário, fruticultura e floricultu- da qualidade aos demais colaboradores;
ra, bebidas, material elétrico, papéis e pa- b) A tividades: formalização da estru-
pelões, vestuário, produtos químicos e de- tura da qualidade, definindo: o Conselho, o
rivados, metalurgia, vidros e cerâmicas e Comitê, a Comissão e os Coordenadores da
borracha. Qualidade, além da política da qualidade e
dos objetivos da qualidade para a organi-
5. Resultados da pesquisa zação;
c) F ases de implementação: 1ª Fase
5.1 Sistemática de implantação e evolu- (1994): sensibilização, conhecimento e
ção do processo de qualidade na em- conscientização da Comissão; 2ª Fase:
presa (1995): dos Departamentos; 3ª Fase (1996-
A implantação do processo de 1997): dos Supervisores; e 4ª Fase (1997-
qualidade na empresa em estudo se deu, 1998): do pessoal de nível operacional; e
basicamente, em três grandes dimensões de d) T emas abordados: mudança com-
análise: portamental, motivação, relação cliente-
fornecedor interno, política da qualidade,
5.1.1 Sensibilização, conhecimento e liderança, normalização e padronização,
conscientização para a qualidade melhoria contínua, conceito de sistema,
Na dimensão inerente à sensibili- variabilidade, auditoria da qualidade e téc-
zação, conhecimento e conscientização nica de solução de problemas.
para a qualidade, foram verificados os se-
guintes elementos: 5.1.2 Sistematização das atividades

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Na dimensão inerente à sistemati- a uma pesquisa de opinião, do tipo survey


zação das atividades, foram verificados os (MALHOTRA, 2006; REMLER; VAN
seguintes elementos: RYZIN, 2011). O instrumento de coleta de
dados (questionário) foi estruturado em
a) O bjetivo: estruturar os processos quatro blocos de questões. No primeiro, os
de modo a garantir a qualidade dos produ- entrevistados foram questionados a respei-
tos e serviços prestados; to de seu compromisso e da sua percepção
b) A tividades: elaboração do Manual acerca do compromisso de colegas com as
da Qualidade (conforme NBR ISO práticas de gestão da qualidade adotadas
9001:1994), elaboração e implementação pela empresa. No segundo, sobre aspectos
do sistema da qualidade e certificação; relativos ao entendimento sobre o conceito
c) F ases de implementação: 1ª Fase de qualidade e de suas implicações internas
(1995): elaboração do Manual da Qualida- (na fábrica e em seus processos) e externas
de; 2ª Fase (1995-1999): sistematização da (para os clientes, para o mercado). No ter-
qualidade e treinamento básico (capacita- ceiro, sobre a avaliação dos processos,
ção) em relação à sistematização da quali- URWLQDV H ³IHUUDPHQWDV´ GD TXDOLGDGH 3RU
dade para os Departamentos e Superviso- fim, no quarto bloco, questões sobre o per-
res; e 3ª Fase: (1999-2000): implantação da fil do respondente.
certificação (ISO 9001). Cabe ressaltar que o questionário
foi entregue aos participantes em seu local
5.1.3 Melhorias provenientes da quali- de trabalho e que foi utilizado o método do
dade auto-preenchimento. Para as questões dos
Na dimensão inerente às melhori- três primeiros blocos, as mesmas foram
as provenientes da qualidade, foram verifi- SURSRVWDV HP IRUPDWR GH ³DILUPDWLYDV´
cados os seguintes elementos: TXH GHYHULDP VHU DQDOLVDGDV H ³UHVSRQGi-
GDV´ SRU PHLR Ge uma escala de concor-
a) O bjetivos: (i) criar mecanismos dância do tipo Likert de cinco pontos, ten-
que possibilitem a melhoria contínua dos do como alternativas 1. discordo totalmen-
processos e, conseqüentemente, seu acom- te a 5. concordo totalmente.
panhamento; e (ii) implementar programa A amostra contou com 82 respon-
de qualificação das pessoas (sistematiza- dentes, sendo 7 componentes do grupo
ção, técnicas estatísticas, auditoria da qua- diretivo, 17 Supervisores, de diversas
lidade e estímulo aos instrutores e multi- áreas, e 58 colaboradores do nível operaci-
plicadores internos dos conceitos inerentes onal; o que representa 15,47% sobre o total
à qualidade); de colaboradores da unidade.
b) F ases de implementação: 1ª Fase
(1995-1999): definição e implementação Dessa forma, foram identificadas
dos instrumentos de controle e ferramentas as principais percepções das pessoas:
a serem adotadas; 2ª Fase (1999-2000):
treinamento para chefias e colaboradores a) há um forte compromisso das equi-
em nível operacional; e 3ª Fase (2000-até o pes de trabalho em relação à qualidade,
momento): melhorias contínuas. evidenciando-se o engajamento e o suporte
efetivo das chefias e um bom ambiente de
5.2 Percepção das pessoas sobre o pro- trabalho (clima organizacional), havendo
cesso da qualidade os recursos necessários, disponibilizados
Com o objetivo de compreender a pela empresa, para a implementação das
percepção das pessoas em relação ao pro- práticas de qualidade;
cesso de implantação da qualidade na em- b) os colaboradores demonstram ser
presa e sua evolução, procedeu-se também muito participativos e interessados em se

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capacitar e se aperfeiçoar em relação às dar o enfoque na qualidade, direcionar a


mais diversas atividades intrínsecas ao empresa para o cliente e investir sistemati-
programa de qualidade; camente em educação, ou seja, na capaci-
c) há um bom entendimento sobre os tação e aperfeiçoamento dos colaborado-
conceitos de qualidade e suas implicações; res. As pessoas têm potencial e querem
d) os colaboradores entendem que há crescer. A qualidade é de responsabilidade
uma significativa relação entre a qualidade de todos e a condução do processo da qua-
de vida no trabalho, as melhorias nos lidade é responsabilidade indelegável da
processos e na qualidade dos produtos e o alta administração.
aumento da satisfação dos clientes, o que A exigência de melhorias da qua-
configura um círculo virtuoso para o lidade de produtos e/ou de serviços é algo
negócio e para os seus stakeholders esperado pela sociedade como um todo.
(grupos de interesse); e Com um mercado cada vez mais competi-
e) existe a necessidade do processo de tivo, a busca da eficiência e da eficácia se
melhorias contínuas da qualidade ser me- faz presente em qualquer organização.
lhor planejado, envolvendo além da orga- Nesta direção, uma forma de buscar a
nização, como um todo, os fornecedores e competitividade é a adoção de um processo
os clientes. de qualidade total. É importante salientar
que a empresa nunca teve como preocupa-
5.3 Impacto das melhorias da qualidade ção central, a certificação.
sobre a gestão e a cultura organiza- O conceito de qualidade sempre
cional foi mais amplo. Porém, existem fatores que
Um dos impactos da melhoria do dificultam a implantação da qualidade total
processo da qualidade foi o desenvolvi- em organizações familiares, tais como
mento das chefias por meio de programas conciliar os objetivos e as estratégias entre
ou ações específicas de capacitação e aper- as diferentes gerações e/ou partes envolvi-
feiçoamento e de mudanças comportamen- das na sucessão da gestão organizacional.
tais, com base nos princípios de gestão da É importante comentar que a empresa está
qualidade, focalizando conceitos filosófi- na terceira geração na gestão do negócio.
cos apregoados, principalmente, por auto- Apesar das dificuldades para a
res como Deming e Ishikawa. implementação do processo da qualidade, a
Tal orientação tem levado a em- empresa tem dado passos significativos na
presa a questionar os métodos de trabalho melhoria de suas atividades, sendo o pro-
atuais e a buscar uma sistemática mais cesso da qualidade o maior impulsionador
eficaz de gestão do negócio. No entanto, das mudanças. Neste sentido, a estrutura
oposições a mudanças também puderam organizacional na unidade foi revista com
ser sentidas. O processo de sensibilização o intuito de agilizar o processo de tomada
para a qualidade trouxe benefícios a todos de decisões.
os envolvidos, porém, sabe-se que se trata Existe uma sistemática de promo-
de um processo lento e nem sempre eficaz. ção interna para o aproveitamento do po-
O processo de melhoria da quali- tencial dos colaboradores e os investimen-
dade evidencia uma tendência de maturi- tos na qualificação dos mesmos foram in-
dade do sistema de gestão, tendo provoca- tensificados. O trabalho de parceria interna
do mudanças nos seus padrões culturais, tem melhorado, já que determinadas fábri-
motivados pelas influências do mercado e cas são fornecedoras de outras e está ha-
exigindo uma nova postura em relação aos vendo a proximidade entre os gestores des-
clientes. Percebe-se, também, que para tas unidades, buscando uma solução con-
atender às expectativas dos clientes, o gru- junta para os problemas existentes.
po de gestores entende que devem consoli-

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5.4 Proposição de áreas de ação que ma- as unidades da empresa, fazendo com que
ximizem os efeitos da qualidade este não fique restrito a uma única unidade
Recomenda-se que a empresa de negócios. Sob este aspecto, a aceitação
busque, de alguma forma, uma filosofia e o entendimento por parte da Diretoria são
mais abrangente que a adotada pela escola de fundamental importância. São os supe-
japonesa, de maneira a deixar a empresa riores hierárquicos que devem dar o exem-
mais competitiva. Neste sentido, Beer e plo, agindo e motivando os demais à ade-
Nohria (2001) salientam que a maioria dos são ao processo de qualidade total. Deve
casos de insucesso está na pressa de mudar haver um compromisso inabalável com a
a empresa. Os gestores acabam se perden- qualidade, o qual deve começar no topo da
do em iniciativas, perdem o foco com a organização, compartilhando os valores e
quantidade de alternativas disponíveis na princípios corporativos com todos os pro-
literatura e/ou propostas por consultores. fissionais da empresa, permeando toda e
Ainda segundo esses autores, a qualquer iniciativa intrínseca à qualidade
empresa deve apoiar-se em duas teorias (KULL; NARASIMHAN; SCHROEDER,
essenciais ao desempenho organizacional: 2012; BEER, 2003).
a teoria com base no valor econômico e a O conceito de qualidade total está
teoria focada na capacidade organizacio- direcionado ao cliente e envolve a todos na
nal. A teoria de valor econômico diz que o organização. Nos dias de hoje, dizer que
valor para o acionista é a única medida uma empresa está realmente comprometida
legítima de sucesso. Geralmente, sugere o com a qualidade é a mesma coisa que dizer
uso de incentivos econômicos, redução do que seus colaboradores estão orientados
quadro funcional e reestruturação. A teoria para os clientes. Sendo assim, o grande
focada na capacidade organizacional tem desafio para a melhoria da qualidade é
como foco o desenvolvimento de uma cul- fazer com que o cliente seja inserido no
tura corporativa e a capacitação humana processo de melhorias contínuas da quali-
pelo aprendizado individual e organizacio- dade, principalmente no que diz respeito à
nal, assumindo um relacionamento psico- qualidade dos produtos, dos serviços ao
logicamente forte, duradouro e baseado no cliente (serviços agregados aos produtos) e
comprometimento entre as partes. As em- do lançamento de novos produtos. Além de
presas que efetivamente unem as aborda- estreitar o relacionamento com os clientes,
gens, conjuntamente, podem obter melho- é oportuno que a empresa desenvolva e
res resultados em produtividade, lucrativi- solidifique o relacionamento com seus
dade e rentabilidade. São àquelas que têm fornecedores, o que pode resultar, signifi-
a maior probabilidade de estabelecer e cativamente, no nível de competitividade
consolidar uma vantagem competitiva sus- do negócio perante os concorrentes.
tentável (PORTER, 1985).
Vale destacar, então, que é im- 6. Considerações finais
prescindível que a empresa continue inves-
tindo em programas de capacitação e aper- As modificações que estão aconte-
feiçoamento dos colaboradores, sem es- cendo no mundo dos negócios têm influen-
quecer de qualificar o processo de recru- ciado fortemente a gestão das empresas. As
tamento e seleção dos mesmos e pensar, de empresas enfrentam ameaças cada vez
forma estratégica, em adotar um programa maiores nos mercados em que atuam e o
de remuneração complementar, com base desenvolvimento acelerado força a busca
no desempenho e no alcance de metas. por novas tecnologias, além de influenciar
Uma outra proposta é a de buscar mudanças na cultura organizacional. As
uma maior homogeneidade na adoção do empresas inseridas no contexto mercado-
programa de qualidade por parte de todas lógico, onde a qualidade era imaginada

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Gestão da qualidade e cultura organizacional: um estudo de caso desenvolvido em uma fábrica de emb a-
lagens de papelão

como uma compensação pelo preço, come- cooperação e envolvimento de todos os


çam a entender que a qualidade significa colaboradores e, dentro do possível, inclu-
preços mais competitivos com a maximi- sive, dos clientes e dos fornecedores, ele-
zação da perfor mance de produtos e/ou vando o nível de competitividade do negó-
serviços e da satisfação de clientes. cio e do desempenho organizacional (vo-
As mudanças no comportamento lume de negócios, participação de merca-
dos clientes e as relações que as empresas do, lucratividade e rentabilidade), melho-
estabelecem entre si, justificam a necessi- rando o posicionamento mercadológico da
dade de modelos mais avançados de gestão empresa frente aos principais competidores
dos sistemas da qualidade. Dessa forma, (PORTER, 1985; TANNINEN; PUUMA-
emerge o Total Quality Management LAINEN; SANDSTRÖM, 2010; BAR-
(TQM), o qual deve ser implantado com o NEY; HESTERLY, 2011; HOOLEY; PI-
objetivo de incentivar melhorias contínuas, ERCY; NICOLAUD, 2011).
tornando as empresas mais flexíveis, pro- Em relação ao caso estudado (em-
dutivas e competitivas (TANNINEN; presa), como contribuições à área e a ou-
PUUMALAINEN; SANDSTRÖM, 2010). tras empresas que estejam passando por
O mais importante é que se passe a um processo evolutivo no que diz respeito
ter uma atitude baseada na competência do à implantação e/ou consolidação de seus
próprio trabalho e do trabalho de grupo, programas de qualidade, é possível desta-
que requer total comprometimento e en- car alguns aspectos. Todas as fases de im-
volvimento da alta administração e que plantação de um programa de qualidade
deve ser estendido a todos os colaborado- são relevantes, no entanto, a primeira delas
res, com foco no cliente, reforçando o nível deve ser bem planejada e gradativa, não
de qualidade a ser entregue ao mercado. abreviando o processo de sensibilização,
A TQM surge como uma resposta conhecimento e conscientização das pesso-
ao atendimento às exigências de mudança as, o qual deve estar adequado à cultura da
que o mercado impõe. Deming (1997) organização, o que é defendido por Freies-
afirma que para as empresas sobreviverem leben (2009).
no mercado é necessário percorrer um ca- Outro aspecto evidenciado é o do
minho sistemático de práticas que condu- engajamento, interesse, participação e
zam mudanças em toda a organização, nas compromisso dos profissionais, sejam em
crenças e valores comportamentais, nas cargos de comando ou chefia sejam em
estratégias e nos processos de trabalho. O cargos operacionais, em relação ao pro-
sucesso da gestão da qualidade depende e grama de qualidade da empresa, o que é
gera impacto na cultura organizacional, fomentado por um clima organizacional
pois a mesma é um conjunto de maneiras saudável, pautado fortemente por melhores
tradicionais e habituais da empresa se resultados (operacionais e do negócio) e
comportar frente às situações adversas e/ou pelo respeito aos profissionais envolvidos.
restritivas com que se defronta (MOLLER, E isto também encontra suporte na literatu-
1999; BEER, 2003; DENISON; HAA- ra (vide, por exemplo, (van der WIELE;
LAND; GOELZER, 2004; RAVASI; BROWN, 2000; SVENSSON; WOOD,
SCHULTZ, 2006; KULL; NARA- 2005; WINKLHOFER; PRESSEY;
SIMHAN; SCHROEDER, 2012). TZOKAS, 2006; BAIRD; HU; REEVE,
Portanto, para implantar e desen- 2011; ELG; GREMYR; HELLSTRÖM,
volver um sistema de gestão da qualidade é 2011).
necessário compreender a cultura organi- Além disso, até pela natureza do
zacional, estabelecendo claramente os ob- conceito de qualidade e por se tratar de um
jetivos diretivos e metas a que os gestores processo evolutivo (FREIESLEBEN,
se propõem, contando com a colaboração, 2009), observou-se, na empresa, que tal

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Paulo Rogério Pigozzi

processo pode ser compreendido em três BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. S. A d-


grandes fases, iniciando em 1994 e culmi- ministração estratégica e vantagem
nando com a certificação pela ISO 9001 no competitiva. 3. ed. São Paulo: Pearson,
ano de 2000. Logicamente, a adoção de 2011.
práticas de gestão da qualidade e a busca BEER, M. Why total quality management
por um melhor desempenho nas atividades programs do not persist: the role of man-
e para a empresa não cessaram com tal agement quality and implications for lead-
certificação, ressaltando-se que, de 2000 ing a TQM transformation. Decision Sci-
até o momento, a empresa vem consoli- ences, v. 34, n. 4, p. 632-642, 2003.
dando o programa de qualidade implantado
e nutrindo sua cultura organizacional para BEER, M.; NOHRIA, N. Desenvolvendo o
princípios como o da melhoria contínua. E código da mudança. HSM M anagement,
este processo sistemático, unindo e respei- n. 25, p.126-132, 2001.
tando os aspectos atinentes à cultura orga- COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Mé-
nizacional e à gestão da qualidade em prol todos de pesquisa em administração.
de melhores resultados é algo que outras 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2011.
empresas também devem perseguir (IRA-
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