Você está na página 1de 29

CAPÍTULO 7

FORÇA, PRESSÃO ESPECÍFICA E POTÊNCIA DE USINAGEM

7.1. FORÇA DE USINAGEM

O conhecimento da força de usinagem que age na cunha cortante e o estudo


do comportamento de suas componentes são de grande importância, não somente
porque a potência requerida para executar o corte pode ser estimada, mas também,
porque elas devem ser consideradas no projeto das máquinas ferramentas e de
seus elementos. Ela pode ser responsável direta pelo colapso da ferramenta de
corte por deformação plástica da aresta, além de influenciar no desenvolvimento de
outros mecanismos e processos de desgaste. A força de usinagem pode também
representar um índice de usinabilidade, além de poder ser usada como parâmetro
para controle adaptativo do processo.

7.1.1. Força de Usinagem no Corte Ortogonal

Para melhor entender como as forças de usinagem atuam na cunha cortante,


o corte ortogonal deve ser considerado, como mostrado na Figura 7.1.

Figura 7.1. Representação das forças que agem na cunha cortante [1].

Observando a movimentação da ferramenta em relação à peça, dois grandes


grupos de forças distintas são evidenciados:

· Forças provenientes da ação da ferramenta sobre a superfície inferior da cunha


do cavaco, cuja resultante é Fu.
· Forças provenientes da ação da peça sobre o plano de cisalhamento primário,
cuja resultante é Fu’.

79
Admitindo-se que a cunha do cavaco ODB da Figura 7.1 é indeformável, ou
para manter o equilíbrio mecânico:
r r
Fu + Fu' = 0 (7.1)

como mostra a Figura 7.1.

A resultante Fu pode ser decomposta em duas componentes ortogonais: F T, a


força de atrito, responsável pela energia consumida no plano de cisalhamento
secundário, e FN, a força normal, perpendicular a FT (Figura 7.1). Da mesma
maneira, a resultante Fu’ pode ser decomposta em FZ, a força de cisalhamento, no
plano de cisalhamento primário, responsável pela energia consumida para cisalhar o
material naquele plano, e em FNZ, a força que exerce esforço de compressão no
plano de cisalhamento primário, e é perpendicular a FZ.

A resultante Fu pode ainda ser decomposta em Fc, a força de corte, na


direção de corte, responsável pelo trabalho total realizado no corte, e em Ff, a força
de avanço, na direção de avanço e perpendicular a Fc no caso do torneamento.
Portanto:
r r r
Fu = Fc + Ff (7.2)

Este sistema é melhor representado, pelo conhecido “CÍRCULO DE


MERCHANT”, mostrado na Figura 7.2.

Figura 7.2. Círculo de Merchant [2].

Obtém-se o círculo de Merchant, transladando a força resultante Fu para a


ponta da ferramenta, fazendo o seu módulo igual ao diâmetro do círculo. Este

80
artifício permite que a relação entre as diversas componentes da força Fu, sejam
geometricamente evidentes.

As componentes Fc e Ff podem ser facilmente determinadas, pois elas agem


em direções conhecidas. Dinamômetros, principalmente, à base de cristais
piezoelétricos ou extensômetros elétricos, são utilizados para este fim. Conhecendo-
se Fc e Ff, todas as outras componentes podem ser determinadas, em função do
ângulo de saída da ferramenta g, e do ângulo de cisalhamento f, de acordo com a
Figura 7.3. e Equações 7.3.

Figura 7.3. Determinação geométrica das componentes da força de usinagem em


função de Fc e Ff [2].

FT = Fc. sen g + Ff. cos g


FN = Fc.cos g - Ff.sen g
FZ = Fc.cos f - Ff.sen f
FNZ = Fc. sen f + Ff. cos f (7.3)

7.1.2. Força de Usinagem no Corte Tridimensional

Neste caso, o tratamento é idêntico ao corte ortogonal, com a diferença que


agora uma terceira componente de Fu está presente, transportando a resultante da
força de usinagem do plano para o espaço. A terceira componente é a força passiva
Fp (projeção de Fu sobre a perpendicular ao plano de trabalho) e para o
torneamento a equação 7.2 fica modificada para:
r r r r
Fu = Fc + Ff + Fp (7.4)

A Figura 7.4 apresenta a representação destas componentes, segundo a


norma DIN 6584 [3]. Todas estas três componentes de Fu podem ser determinadas
prontamente, com o auxílio de um dinamômetro, pois suas direções são claramente
conhecidas.

81
Figura 7.4. Componentes da Força de Usinagem. a) no torneamento; b) no
fresamento [3].

Nesta Figura, além das componentes Fc e Ff, aparecem também as


componentes Ft (Força ativa = projeção de Fu sobre o plano de trabalho e Fap
(Força de apoio = projeção de Fu sobre a perpendicular à direção de avanço,
situada no plano de trabalho). No caso do torneamento o ângulo da direção de
avanço, j = 90o e a força Fap confunde-se com Fc. No fresamento a Equação 7.2
fica modificada para a Equação 7.5, como mostra a Figura 7.4b.
r r r r
Fu = Fap + Ff + Fp (7.5)

7.1.3. Fatores que Influenciam a Força de Usinagem

Nos capítulos 4 e 6 verificou-se o mecanismo de formação do cavaco e


analisou-se as condições de interface cavaco-ferramenta, respectivamente. Mostrou-
se, também, como a força de usinagem é alterada sob as diferentes condições da
interface cavaco-ferramenta. Naquela análise, ficou evidente a dependência da força
de usinagem com a maneira com que o cavaco se movimenta sobre a superfície de
saída da ferramenta. Além da dependência das dimensões e resistência do plano de
cisalhamento primário, portanto, a força de usinagem depende fortemente das
condições da interface cavaco-ferramenta. De uma maneira simples e clara, pode-se
afirmar que todos os fatores que contribuem para facilitar a movimentação do
cavaco por sobre a superfície de saída, atuam no sentido de diminuir a força de
usinagem Fu e vice-versa. Se as condições da interface se apresentarem como uma
restrição ao escoamento livre do cavaco, a ação da ferramenta sobre a superfície
inferior da cunha do cavaco tem que ser suficiente para vencer esta restrição. Se a
restrição é grande, a força também é grande, e vice-versa. Dentro deste raciocínio, a
força de usinagem pode ser considerada dependente de dois fatores principais [4]:

· Áreas dos planos de cisalhamento primário e secundário;


· Resistência ao cisalhamento do material da peça, nos planos de
cisalhamentos primário e secundário.

82
Com isto, qualquer parâmetro pode ser analisado, com base nos seus efeitos
sobre estes dois fatores principais. Muitos deles vão atuar nos dois fatores e os
resultados vão depender da predominância de um sobre o outro. Apesar da análise
teórica ser de grande utilidade, as predominâncias dos fatores devem ser
comprovadas experimentalmente. Com base em alguns resultados experimentais
[5,6], podemos observar a influência das principais variáveis:

a) Velocidade de corte

A Figura 7.5 mostra a variação da força de corte com a velocidade de corte


para alguns materiais. Para aqueles que contêm segunda fase, caso dos aços, na
faixa de velocidades onde a APC se faz presente, observa-se um comportamento da
força de usinagem bem característico. Inicialmente, para velocidades bem
pequenas, a APC ainda está ausente e a tendência é a redução da força com o
aumento da velocidade de corte devido ao aumento da geração de calor. Com o
aparecimento da APC, a força de corte diminui imediatamente porque o ângulo de
saída efetivo é consideravelmente aumentado e a área do plano de cisalhamento
secundário é reduzida. Na medida em que a velocidade de corte aumenta, as
dimensões da APC também aumentam até um valor máximo. Neste ponto a força de
corte atinge um valor mínimo na Figura 7.5. O aumento da velocidade de corte além
deste ponto faz com que a APC seja reduzida nas suas dimensões e entre no
regime instável (ver Figura 6.15) e, por conseguinte a força de corte começa a
aumentar até o ponto de velocidade crítica, em que a APC não se apresenta mais. A
partir deste ponto, pela maior geração de calor e conseqüente redução da
resistência ao cisalhamento do material nas zonas de cisalhamento, e pela ligeira
redução na área de contato cavaco-ferramenta, a força de usinagem tende a sofrer
uma ligeira redução com o aumento da velocidade de corte, notando-se que para
valores bem altos de velocidades de corte, que são aqueles normalmente
encontrados na indústria, o comportamento da força se torna praticamente
constante.

Os outros materiais do gráfico não possuem segunda fase, pois tratam-se de


metais puros e de uma liga hipoeutética de Cu-Zn (ela tem 30% de Zn, enquanto o
eutético desta liga tem 36% de Zn) e, portanto não apresentam APC, fazendo com
que os pontos de mínimo e máximo característicos da curva de força não se
apresente.
Na Figura 7.5 é importante observar, também, a relação da força apresentada
pelo metal puro em comparação com a liga. Apesar de um aço com 0,19% C possuir
maior resistência mecânica (e maior resistência ao cisalhamento) que o ferro puro,
este último apresenta força de usinagem maior que o primeiro. Neste caso, a maior
ductilidade do metal puro está garantindo maiores áreas dos planos de
cisalhamento, e este fator está se sobrepondo sobre o fator resistência. O mesmo
acontece com relação ao cobre puro em comparação com latão 70-30.

b) Avanço e profundidade de corte


O aumento destes dois fatores, por aumentar diretamente as áreas dos
planos de cisalhamento primário e secundário, causam um aumento da força de
usinagem, numa proporção direta, quase que linear. Entretanto, é verificado
experimentalmente que o efeito do avanço é maior que da profundidade de corte. A
Figura 7.6 ilustra esta influência para três materiais diferentes.

83
Figura 7.5. Influência da velocidade de corte na força de corte [4].

Figura 7.6. Influência da seção de corte e da resistência do material da peça nas


componentes de força de usinagem [7].

84
c) Material da Peça
De uma maneira geral, quanto maior a resistência do material a usinar, maior
a resistência ao cisalhamento nos planos de cisalhamento e, portanto maior a força
de usinagem (ver Figura 7.6). Entretanto, baixa resistência pode vir acompanhada
de elevada ductilidade e isto pode aumentar a área da seção de corte, influenciando
também a força de usinagem.

d) Material da ferramenta.
A afinidade química do material da ferramenta com o material da peça pode
atuar principalmente, na área da seção de corte. Se a tendência for promover uma
zona de aderência estável e forte, a força de usinagem poderá ser aumentada. Se a
tendência for diminuir o atrito na interface (ferramentas revestidas, por exemplo),
evitando as fortes ligações de aderência, a área da seção de corte poderá ser
reduzida, diminuindo a força de usinagem.

e) Geometria da ferramenta
O ângulo mais influente é o de saída. Uma redução deste ângulo tende a
aumentar a área de contato cavaco-ferramenta e impor uma maior restrição ao
escorregamento do cavaco por sobre a superfície de saída, aumentando a força de
usinagem (Figura 7.7).

Figura 7.7. Influência da geometria da ferramenta nas componentes da força de


usinagem [8]

Outro ângulo que afeta a força de usinagem é o ângulo de posição, cr. Com o
aumento deste ângulo, desde que o ângulo de posição lateral c’r não se altere, a
força de usinagem diminui ligeiramente (Figura 7.7).

O ângulo de folga ou incidência, a0, só terá influência se utilizados valores


bem pequenos (<30). Neste caso o atrito naquela região irá aumentar e, portanto
afetar a força de usinagem proporcionalmente.

85
f) Estado de afiação da ferramenta
O desgaste da ferramenta de corte, pode alterar a geometria da ferramenta,
porém o efeito maior é devido ao aumento da área de contato com o cavaco e/ou
com a peça, com o crescimento do desgaste de cratera e de flanco,
respectivamente. Isto faz aumentar a força de Usinagem.

g) Uso de fluído de corte


O uso de fluído de corte, com a ação lubrificante, reduz a área de contato
cavaco-ferramenta e diminui a força de usinagem. Entretanto, quando prevalece
uma ação refrigerante, o fluído de corte pode aumentar a força de usinagem, por
promover um aumento da resistência ao cisalhamento do material nas zonas de
cisalhamento, pela redução da temperatura.

7.2. PRESSÃO ESPECÍFICA DE CORTE

A pressão específica de corte, Ks, é definida como a relação entre a força de


corte, Fc, e a área da seção de corte, A, assim:

Fc
Ks = (7.6)
A

como A = ap . fc = b.h, nos casos de ferramentas sem arredondamento das pontas,


temos:

Fc
Ks = (7.7)
ap .fc

A pressão específica de corte pode, também, ser entendida como sendo a


energia efetiva consumida para arrancar uma unidade de volume de material da
peça, assim:

Fc.v c Fc
Ks = e = = (7.8)
v c .fc .ap fc .ap

que é igual a Expressão 7.7.

A pressão específica de corte é considerada um bom índice de usinabilidade


dos materiais. Todos os fatores que alteram o valor de Fc, sem alterar o valor de A,
alteram proporcionalmente o valor de Ks. É verificado experimentalmente que o fator
mais influente é o avanço, e várias teorias foram propostas para se calcular Ks. A
seguir é mostrado o resultados de algumas delas:

a) Taylor

88
Ks = 0,25
para FoFo cinzento (7.9)
f . a p0,07

86
138
Ks = para FoFo branco (7.10)
f . a p0,07
0,25

200
Ks = para aços semi-doces (7.11)
f 0,07

b) ASME (American Society of Mechanical Engineers)

Cz
Ks = (7.12)
fn

onde,
Cz = constante do material
n = 0,2 para aços
n = 0,3 para FoFo

c) AWF (Associação de Produção Econômica - Alemanha)

Cw
Ks = (7.13)
f 0,477

onde,
Cw = constante do material.

d) Kronenberg.
gs
æ Gö
Cksç ÷
è 5ø
Ks = (7.14)
A fs

onde,
Cks, gs e fs são constantes que dependem do material da peça e da
ap
ferramenta. G = índice de esbeltez = .
f

e) Kienzle.

Ks = Ks1. h- z (7.15)

onde Ks1 e z são constantes do material da peça.

As constantes de cada fórmula, podem ser encontradas em tabelas, e os


valores de Ks podem assim ser determinados. As fórmulas mais utilizadas são as de
Kronenberg e Kienzle, por se apresentarem mais próximas a valores reais. Com
estes valores de Ks, a força de corte pode, então, ser estimada. Este exercício de
cálculo, pode evitar muitos contratempos, como o de se ter situações em que a
potência da máquina ferramenta ser inferior à potência efetiva de corte, não
permitindo, assim a utilização de parâmetros de usinagem pré selecionados.

87
7.3. POTÊNCIA DE USINAGEM

As potências necessárias para a usinagem resultam como produtos das


componentes da força de usinagem pelas respectivas componentes de velocidade.

Potência de Corte - Nc

Fc × vc
Nc = [CV] (7.16)
60 × 75

Fc em Kgf e vc em m/min.

Potência de Avanço - Nf

Ff × vf
Nf = [CV] (7.17)
1000 × 60 × 75

Ff em Kgf e vf em mm/min.

Potência Efetiva de Corte - Ne

Ne = Nc + Nf (7.18)

Para verificar a relação entre a potência de corte e a potência de avanço,


vamos considerar um exercício prático. Suponhamos que na usinagem de um aço
qualquer com ferramentas de metal duro usou-se uma velocidade de corte de 180
m/min, uma rotação de 600 rpm e um avanço de 0,25 mm/rev. Encontrou-se uma
força de corte de 50 Kgf e uma força de avanço de 35 Kgf.

Considerando as Equações 7.16 e 7.17, temos:

50 x180 35 x0,25 x600


Nc = = 2CV Nf = = 0,0012CV
60 x75 1000 x60 x75

Nc 2
e a relação = = 1667 .
Nf 0,0012

Este número comprova que a maior parcela de potência efetiva de corte, Ne,
é dada pela potência de corte, Nc, sendo a potência de avanço, Nf, desprezível.

Assim pode-se escrever com uma boa aproximação que:

Ne » Nc (7.19)

Por esta razão a força de corte Fc, constituinte da maior parcela de potência
de usinagem, é chamada “força principal de corte” [2].

A energia efetiva será consumida de várias maneiras, mas muitas delas


desprezíveis, e as que realmente são de peso, são as parcelas consumidas para
cisalhar o material nos planos de cisalhamento primário e secundário.

88
Assim, com uma boa aproximação pode-se escrever:

me = ms + mf (7.21)

onde:
me = energia efetiva por unidade de volume de material removido (igual a pressão
específica de corte, Expressão 7.8).

Fc. vc Fc
me = = (7.22)
vc . f. ap f. ap

ms = energia de cisalhamento por unidade de volume de material removido, no plano


de cisalhamento primário, dado por:

Fz. vz
ms = (7.23)
vc . f. ap

onde vz = velocidade de cisalhamento, ver Figura 4.5.

mf = energia principal (ou de cisalhamento) por unidade de volume de material


removido, consumida no plano de cisalhamento secundário, dado por:

FT. vcav
mf = (7.24)
vc . f. ap

onde vcav = velocidade de saída do cavaco, ver Figura 4.5.

Potência Fornecida pelo Motor, Nm.

Nas máquinas ferramentas que apresentam um único motor para acionar o


movimento de corte e o movimento de avanço, a potência fornecida pelo motor vale:

Nc
Nm = (7.20)
h

onde h é o rendimento da máquina ferramenta, que vale geralmente de 60 a 80%.

No caso de haver um motor para acionar cada movimento, o cálculo de Nm é


separado, e o rendimento é geralmente maior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. MERCHANT, M.E. “Mechanisms of the Metal Cutting Process. I: Orthogonal


Cutting and Type 2 Chip”, J. Applied Physics, vol. 16, n o 5, may, 1954, pp. 267-
275.
2. FERRARESI, D. “Fundamentos da Usinagem dos Metais”, Editora Edgard
Blücher Ltda, São Paulo, 1977, 751 pags.

89
3. DIN “Krafte und Leistungen”, DIN 6584 (ENT WRF), Berlim, Buethvertrieb Gmbh,
oct, 1963.
4. TRENT, E.M. “Metal Cutting”, 2nd Edition, Buttherworths, London, 1984, 245
pags, ISBN - 0.408.10856-8.
5. MACHADO, A.R.; GIANINI, W.L.; BÖHES, L. “Verificação Experimental do
Comportamento das Forças de Corte e de Avanço no Torneamento do Ferro
Fundido ABNT FC-250 Utilizando-se Pastilhas de Metal Duro, Cerâmica Óxida e
Cerâmica Não Óxida”, VII CBCIMAT, UFSC, Florianópolis SC, dez, 1996, pp.
155-59.
6. MACHADO, A.R.; GONÇALVES, R.A.; GIANINI, W.L. “Verificação Experimental
do Comportamento das Forças de Corte e de Avanço no Torneamento dos Aços
ABNT 1020, ABNT 1045 e Alumínio Comercial”, IX COBEM, UFSC, Florianópolis
SC, dez., 1987, pp. 1029-1033.
7. SCHLESINGER, G. “Die Werkzeng Maschinen”, Berlin, Verlag von Julios
Springer, 1936.
8. VIEREGE, G. “Zerspanung der Eisenwerstogge”, Düsseldorf, Verlag Stahleisen,
M.B.H., 1959.

90
CAPÍTULO 8
TENSÕES E DEFORMAÇÕES EM USINAGEM

8.1. TENSÕES

8.1.1. Tensões no Plano de Cisalhamento Primário

As tensões no plano de cisalhamento primário podem ser calculadas usando


as seguintes expressões:

Tensão Normal:

FNZ
s S =
AS
(8.1)

Tensão Cisalhante:

FZ
tS =
AS
(8.2)

onde,
FNZ e FZ são as forças normal e tangencial, respectivamente, que atuam no plano de
cisalhamento primário (ver Figura 7.1). AS é a área do plano de cisalhamento
primário.

A h.b
No corte ortogonal AS = = .
sen f sen f

Portanto, a força necessária para formar o cavaco depende da resistência ao


cisalhamento do material nas condições de corte e da área do plano de
cisalhamento.

8.1.2. Tensões no Plano de Cisalhamento Secundário

A tensão normal média que atua no plano de cisalhamento secundário de


uma ferramenta de corte é de natureza compressiva e pode ser determinada
dividindo-se a força normal FN pela área de contato cavaco-ferramenta. De maneira
similar, a tensão cisalhante média pode também ser determinada dividindo-se a
força tangencial FT pela mesma área de contato. Apesar dessas tensões médias
serem algumas vezes utilizadas para análise de usinabilidade, elas não despertaram
muitos interesses para estudos específicos de distribuição de tensões. As razões
disto são, primeiro porque os seus valores não são precisos o suficiente, devido às
dificuldades de se medir a área real de contato com precisão, e segundo porque as
tensões críticas, que devem ser suportadas pela ferramenta, são as tensões
máximas, e não as tensões médias.

91
Portanto, é importante conhecer a distribuição de tensão normal e a
distribuição de tensão cisalhante na superfície de saída da ferramenta, mas é
essencial conhecer os valores de tensões máximas.

Cálculos desenvolvidos por Zorev [1] mostraram que a tensão normal de


compressão tem uma distribuição parabólica, sendo zero no ponto onde o cavaco
perde contato com a ferramenta, e assumindo o valor máximo na aresta de corte
(ver Figura 6.4). Ela pode ser representada pela seguinte expressão:

s C = q.x y (8.3)

onde:
x = distância da zona de contato, a partir do ponto onde o cavaco perde contato com
a ferramenta.

y e q = constantes.

Foi também concluído que a tensão cisalhante na zona de aderência é igual a


resistência ao cisalhamento do material naquela região. Esta tensão cai a zero na
zona de escorregamento, onde o cavaco perde contato com a ferramenta.

Análise experimental de distribuição de tensões, utilizando técnicas


fotoelásticas [2,3] ou um dinamômetro especial com uma ferramenta bi-partida [4-6],
mostraram resultados que confirmam que as tensões máximas se localizam
realmente na aresta de corte, muito embora, algumas vezes a distribuição das
tensões não são exatamente iguais àquelas calculadas por Zorev.

Foi verificado [5,6] que a distribuição de tensão varia com o material da peça,
porque elas dependem não somente do coeficiente de atrito entre o cavaco e a
ferramenta, mas também das características de deformação do material. Foi também
mostrado [4] que os valores de tensões normais máximas aumentam com o
aumento da velocidade de corte e avanço, mas os valores de tensões cisalhantes
máximos, diminuem.

Brown e Hinds [7], também, usando técnicas fotoelásticas para analisar a


distribuição de tensão em ferramentas de corte, durante a formação de cavacos
segmentados, encontraram variações das tensões durante o ciclo de formação
desse tipo de cavaco. Eles usaram uma resina de Epoxi como ferramenta de corte, e
polietileno como material da peça. Este último material pode ser induzido a produzir
cavacos contínuos ou segmentados. Eles encontraram que o aumento do pico de
tensão, quando na formação do cavaco segmentado, chegava a 40% em relação à
formação do cavaco contínuo.

8.2. DEFORMAÇÕES

Quando se menciona deformação em usinagem, geralmente, ela é


relacionada com a deformação no plano de cisalhamento primário (ver Figura 8.1),
dada por:

92
DS cos( g )
d= = (8.4)
DY sen( f). cos( f - g )

Figura 8.1. Deformação no plano de cisalhamento primário [8].

A quantidade de deformação que o material sofre no plano de cisalhamento


primário é muito grande. Quando o cavaco é fino (h’ pequeno), isto é, o grau de
recalque é próximo da unidade, a deformação cisalhante é próxima do valor 2. Este
valor pode subir para 5 ou mesmo maior, quando o grau de recalque é grande [9].
No caso particular do cavaco segmentado, o cisalhamento é ainda maior. Por
exemplo, quando usinando titânio, foram encontradas deformações de 8 dentro das
bandas de cisalhamento termoplástico adiabático e 1,3 dentro dos segmentos,
determinados com base em observações metalográficas [10]. Além disso, a taxa de
deformação no plano de cisalhamento primário é da ordem de 1000s -1 ou maior [8],
que é um valor extremamente alto. Apesar de tudo isto, a abertura e a propagação
de uma trinca ou mesmo a fratura, pode ser inibida pela ação da tensão de
compressão.

Na zona de cisalhamento secundário, entretanto, dentro da zona de fluxo, as


deformações são bem maiores que aqueles valores registrados dentro da zona de
cisalhamento primário. Trent [11] sugeriu o modelo apresentado no item 6.3.1
através da Figura 6.5. Segundo este modelo as deformações aumentam à medida
que o material se aproxima da interface cavaco-ferramenta, que teoricamente seria
infinito na interface. Entretanto, devido a presença das irregularidades superficiais
envolvidas existe uma interrupção no aumento exponencial da deformação. Desta
maneira, o mesmo Trent sugere valores da ordem de 80 a 100 mm/mm de
deformação dentro da zona de fluxo. Novamente, a capacidade de metais e ligas
metálicas suportarem tal quantidade de deformação sem se fraturarem é atribuído
aos altos valores de tensões de compressão e a elevadas temperaturas naquela
região. Esse assunto já foi tratado no capítulo 6.

93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ZOREV. N.N. “Interelationship Between Shear Processes Occuring Along Tool


Face and on Shear Plane in Metal Cutting”, Proc Int. Prod. Eng. Res. Conf.,
Pittsburgh, Pnsylvania, USA, sept, 1963, pp. 42-49.
2. AMINI, E. “Photoelastic Analysis of Stress and Forces in Steady Cutting”, Journal
of Strain Analysis, vol. 3 (3), 1968, pp. 206-213.
3. USUI, E.; TAKEYAMA, H. “A Photoelastic Analysis of Machining Stresses”, Trans
ASME, J.Eng. Industry, nov, 1960, pp. 303-308.
4. BARROW, G.; GRAHAM, W.; KURIMOTO, T.; LEONG, Y.F. “Determination of
Rake Face Stress Distribution in Orthogonal Machining”, Int. J. Mach. Tool Des.
Res., vol. 22(1), 1982, pp. 75-85.
5. CHILDS, T.H.C.; MAHDI, M.I. “On the Stress Distribution Between the Chip and
Tool During Metal Turning”, Annals of the CIRP, vol. 38(1), 1989, pp.55-58.
6. KATO, S.; YAMAGUSHI, K.; YAMADA, M. “Stress Distribution at the Interface
Between Tool and Chip in Machining”, Trans ASME, J.Eng. Industry, vol. 94,
may, 1972, pp. 683-89.
7. BROWN, C.J.; HINDS, B.K. “A Photoelastic Study of Tool Stress Caused by
Unsteady Shear Localized Chip Formation During Machining”, Journal of Strain
Analysis, vol. 23(4), 1988, pp. 159-68.
8. SHAW, M.C. “Metal Cutting Principles”, Oxford University Press, 1984, ISBN 0-
19-859002-4.
9. TRENT, E.M. “Metal Cutting and the Tribology of Seizure: II - Movement of Work
Material over the Tool in Metal Cutting”, Wear, vol. 128, 1988, pp 47-64.
10. TURLEY, D.M.; DOYLE, E.D.; RAMALINGAM, S. “Calculations of Shear Strain in
Chip Formation in Titanium”, Materials Science and Engineering, vol. 55, 1982,
pp 45-48.
11. TRENT, E.M., “Metal Cutting”, 3rd Editon, Butterworths, London, 1991.

94
CAPÍTULO 9
TEMPERATURA DE CORTE

9.1. INTRODUÇÃO

Em usinagem praticamente todas energias consumidas, representadas pela


Expressão 7.21, são convertidas em calor. Somente uma pequena porcentagem (1 a
3%) não é convertida em energia térmica. Parte desta pequena porção fica retida no
sistema como energia elástica, e outra parte está associada à geração de novas
superfícies (peça e cavaco).

A Figura 9.1 mostra as três zonas distintas, onde o calor pode ser gerado em
usinagem.

Figura 9.1. Zonas de geração de calor em usinagem.

São elas:

I. zona de cisalhamento primário, zona A da Figura 9.1.


II. zona de cisalhamento secundário, zona B e C da Figura 9.1.
III. zona de interface entre a peça e a superfície de folga da ferramenta, zona D da
Figura 9.1.

Grande parte deste “calor gerado” é dissipada pelo cavaco, uma pequena
porcentagem é dissipada pela peça e uma outra para o meio ambiente. O restante
vai para ferramenta de corte. Apesar desse restante representar apenas pequenos
percentuais (8 a 10%), o aumento da temperatura associado com este calor é
significativo, podendo chegar, em certos casos, a 1100 ºC, o que compromete,
fortemente, a resistência da ferramenta.

A equação de balanço energético fica:

Qz + Qa1 + Qa 2 = Qc + Qp + Qma + Qf (9.1)

onde,

95
Qz = calor gerado na zona de cisalhamento primário.
Qa1 = calor gerado na zona de cisalhamento secundário.
Qa2 = calor gerado na zona de interface peça-superfície de folga da ferramenta.
Qc = calor dissipado pelo cavaco.
Qp = calor dissipado pela peça.
Qma = calor dissipado pelo meio ambiente.
Qf = calor dissipado pela ferramenta de corte.

A seguir é feita uma análise em separado, dos diversos componentes de calor


gerado.

9.2. CALOR GERADO NA ZONA DE CISALHAMENTO PRIMÁRIO, QZ

A maior parte deste calor é dissipado pelo cavaco, mas uma pequena fração
M, é conduzida na peça, e aumenta a sua temperatura, podendo às vezes causar
problemas de precisão dimensional. Segundo Nakayama [2], no torneamento este
aumento de temperatura, Dqp, depende da rotação (aumentando com o aumento da
mesma), e do número de revoluções após o corte ter iniciado (a peça é aquecida
pelos cortes precedentes e isto afeta o aumento da temperatura no corte
subsequente).

Quanto ao aumento da temperatura do cavaco devido ao calor Qz, existe um


método que permite um cálculo aproximado [3]:

(1 - M)[Fc - Ff tan( f) ] (1- M)[FZxVZ ]


Dqc = = (9.2)
J. r. c. h. b J..c.h.b.v c

onde:
J = equivalente mecânico de calor.
r = densidade do material da peça.
c = calor específico do material da peça.

O aumento de temperatura no cavaco, Dqc, não é muito influenciado pela


velocidade de corte, embora M diminui com o aumento de Vc. A altas velocidades,
entretanto, Dqc tende a ficar constante com Vc [1]. A temperatura no cavaco pode
chegar a 650o C quando usinando aços endurecidos e algumas ligas de níquel, sob
certas condições de corte, mas a faixa normal de temperatura do cavaco, quando
usinando aços e outros materiais comuns é de 200 o C a 350o C [1]. Um forte
indicativo das temperaturas nos cavacos de aços é a coloração apresentada por
eles, quando são usinados sem fluido de corte. Essa coloração, normalmente
marron ou azul é promovida, poucos segundos após serem produzidos, pela
formação de uma fina camada de óxido que acontece a temperaturas da ordem de
250 a 350°C [1].

A temperatura do cavaco, entretanto, terá praticamente, nenhuma influência


na temperatura da ferramenta, porque o tempo com que uma pequena porção do
cavaco (lamela) passa sobre a superfície de saída da ferramenta, é muito pequeno
(poucos milissegundos) para conduzir calor [1]. Além disso, na presença da zona de
fluxo na zona de cisalhamento secundário, haverá ali o desenvolvimento de

96
temperaturas bem maiores que as temperaturas do cavaco. Assim, o calor fluirá da zona
de fluxo em direção ao cavaco, e não o contrário.

9.3. CALOR GERADO NA ZONA DE CISALHAMENTO SECUNDÁRIO, Qa1

Esta é a fonte de calor mais responsável pelas temperaturas da ferramenta de


corte. A temperatura da ferramenta pode não ser considerado o maior problema quando
na usinagem de materiais macios e de baixo ponto de fusão, como o alumínio e o
magnésio, mas se torna o fator controlador da taxa de remoção de material, quando na
usinagem de materiais duros e de alto ponto de fusão, como ferros fundidos, aços, ligas
de níquel e ligas de titânio.

A temperatura da interface cavaco-ferramenta aumenta com a velocidade de


corte. Haverá, portanto, um limite prático na velocidade de corte, para cada par
ferramenta-peça. As altas temperaturas nas ferramentas de corte não só aceleram os
mecanismos de desgaste termicamente ativados, mas também reduzem o limite de
escoamento dessas ferramentas. Na presença da zona de fluxo, a quantidade e a taxa
de deformação são tão altas e complexas, que Trent [4] afirmou ser irrealista tentar
calcular o aumento de temperatura naquela região, com o presente estado de
conhecimento dos fenômenos envolvidos. Tais exuberantes quantidades de
deformações sem promover encruamento do material na mesma proporção, só podem
ocorrer com o amolecimento adiabático causado pelo aumento da temperatura. O
processo é idêntico ao da formação do cavaco segmentado, descrito no capítulo 4, item
4.4, letra d. A temperatura na zona de fluxo, e portanto, a temperatura da ferramenta
depende da quantidade de trabalho realizado para cisalhar o material e da quantidade
de material que passa pela zona de fluxo, e isto varia com o material da peça [1].
Temperaturas da ordem de 1100o C na interface cavaco-ferramenta podem ser
encontrados e as ferramentas de corte têm que estar preparadas para suportarem estas
temperaturas durante o corte.

A Figura 9.2 mostra a temperatura máxima da interface cavaco-ferramenta (e


portanto a temperatura máxima na superfície de saída da ferramenta) na usinagem de
vários materiais com ferramentas de aço rápido, em função da velocidade de corte.

Figura 9.2. Temperaturas máximas da interface cavaco-ferramenta em função da


velocidade de corte [1].

97
Podem-se observar temperaturas bastante elevadas em velocidades de corte
bem baixas, para certos materiais.

Como visto no Capítulo 6, item 6.6, as condições da interface cavaco-


ferramenta (aderência, escorregamento ou aresta postiça de corte) devem ser
assumidas como os fatores mais importantes a serem considerados na influência
sobre a temperatura da ferramenta de corte. A zona de fluxo, portanto, constitui uma
fonte efetiva de calor, e apesar de se conhecer muito pouco sobre a influência dos
elementos de liga e mudanças microestruturais nas bandas de cisalhamento
termoplásticos (zona de fluxo), Trent [4] enumerou pelo menos três parâmetros
metalúrgicos que influenciam a temperatura da ferramenta:

I. O ponto de fusão do principal elemento químico do material da peça. Quanto


maior o ponto de fusão deste elemento, maior a temperatura da interface cavaco-
ferramenta, para qualquer velocidade de corte.
II. Elementos de liga que aumentam a resistência do material da peça. Eles
aumentam a temperatura da interface para qualquer taxa de remoção de material.
III. Presença de fases de baixa resistência ao cisalhamento na interface (tais como
MnS e grafita). Elas podem reduzir a temperatura.

9.4. CALOR GERADO NA ZONA DE INTERFACE ENTRE A PEÇA E A


SUPERFÍCIE DE FOLGA DA FERRAMENTA, Qa2

Se a usinagem ocorrer com ângulos de folga pequenos (<2º) ou se o


desgaste de flanco atingir proporções consideráveis, a interface peça-superfície de
folga da ferramenta se torna a terceira fonte importante de geração de calor. Neste
caso, a análise é similar à zona de cisalhamento secundário, com a presença da
zona de fluxo, o que promove altas temperaturas na superfície de folga, que pode
levar a ferramenta de corte ao colapso [1].

9.5. MEDIÇÃO DA TEMPERATURA DE USINAGEM

Vários métodos, práticos e analíticos, vêm sendo desenvolvidos ao longo do


tempo com o objetivo de determinar a temperatura gerada durante o processo de
usinagem. Porém, nenhum deles é universalmente aceito como absoluto. Dentre as
técnicas analíticas modernas de determinação da temperatura de usinagem, pode-
se destacar o uso de elementos finitos [5] para a obtenção da distribuição de
temperatura na ferramenta de corte, na peça e até mesmo no cavaco e o uso de
problemas inversos em condução de calor para estimar a temperatura na interface
cavaco-ferramenta. De Melo [6], desenvolveu um método que consiste da utilização
de técnicas de problemas inversos, da medição, em tempo real, da temperatura na
aresta inferior oposta à aresta de corte e do uso do modelo de mapeamento
elipsoidal desenvolvido por Lin et alli [7] para a estimação da temperatura na
interface cavaco-ferramenta. As equações pertinentes ao método foram resolvidas
por diferenças finitas. A técnica apresentou-se bastante sensível à variações de
parâmetros geométricos importantes, tais como o comprimento de contato cavaco-
ferramenta e o posicionamento dos sensores de temperatura. Na Figura 9.3 são
mostradas curvas de temperatura estimadas pelo método utilizando ferramentas de

98
metal duro classe K10 e de cerâmica à base de Si 3N4, durante o torneamento de
ferro fundido cinzento.

600

500

Temperatura (°C) 400

300

200

100 Ferramenta de metal duro


Ferramenta de cerâmica
0
0 25 50 75 100 125 150
Tempo (s)

Figura 9.3. Temperaturas estimadas na interface cavaco-ferramenta em insertos


de cerâmica e de metal duro (vc=98 m/min; f=0.176 mm/rot; ap=1.5
mm) [6].

Pode-se observar que, para um mesmo período de usinagem, a temperatura


obtida com a cerâmica é inferior àquela obtida com o metal duro. Em princípio, este
resultado é coerente, pois teoricamente as cerâmicas têm menores afinidades
químicas pelos materiais ferrosos. Isto promove menor restrição ao movimento de
saída do cavaco (menor atrito), gerando menor quantidade de calor e
consequentemente, menor temperatura de corte quando se usa a ferramenta
cerâmica. Entretanto, ao se medir área de contato cavaco-ferramenta e a força de
corte nestes experimentos, as cerâmicas, contrariando as expectativas,
apresentaram maiores áreas e maiores forças que as ferramentas de metal duro.
Isto significa maior geração de calor proporcionado pelas cerâmicas. A explicação
pelos resultados apresentados nas curvas da Figura 9.3, portanto, podem ser
creditadas à menor difusividades das cerâmicas, mas confirmação disto necessitaria
maiores investigações. Além disto, o método de medição da área de contato cavaco-
ferramenta (marcas deixadas na superfície de saída, após a usinagem) não é
preciso, o que pode induzir a erros. Pode-se considerar também que maior
quantidade de calor foi gerado em uma área também maior. Isto pode garantir uma
maior distribuição desse calor, garantindo menores temperaturas.

Os métodos práticos mais utilizados atualmente para a medição da


temperatura de usinagem são:

a) Medição da força termoelétrica entre a ferramenta e a peça (método do termopar


ferramenta-peça).
b) Medição direta por inserção de termopares na ferramenta de corte.
c) Medição do calor de radiação com sensores infra-vermelhos.
d) Medição utilizando vernizes termosensíveis.
e) Medição por técnicas metalográficas.
f) Medição usando pós-químicos.
g) Medição usando o método do filme PVD

99
A seguir é apresentada uma descrição suscinta e algumas aplicações desses
métodos. Maiores detalhes podem ser encontrados em [6-16].

a) Medição da força termoelétrica entre a ferramenta e a peça (método do


termopar ferramenta-peça)

A técnica do termopar ferramenta-peça pode ser melhor explicada através da


observação da Figura 9.4 à seguir.

Figura 9.4. Esquema para medição da temperatura de corte pelo método do


termopar ferramenta-peça [6].

O ponto Q de contato da peça com a ferramenta representa a junção quente.


Os pontos F1, F2, F3 e F4 representam as junções frias. A cuba é preenchida com
mercúrio até que seja estabelecido o contato elétrico do disco com o elemento E,
garantindo desta forma o fechamento do circuito. Originalmente este contato era
feito com o uso de escovas e anéis de escorregamento, o que introduzia voltagens
estranhas no sistema ocasionando erros de medição [8]. Os fios A1 e A2 fazem a
conexão do sistema com o milivoltímetro V que indica o valor da f.e.m. gerada. O
sistema pode ser calibrado para fornecer valores de temperatura em 0C.

Segundo Ferraresi [9], o método mais simples de calibração do termopar


cavaco-ferramenta e provavelmente o mais preciso, é o mostrado na Figura 9.5.
Consiste na imersão simultânea dos componentes F, C e P em um banho de sal B,
aquecido pela resistência R. F é uma haste do mesmo material da ferramenta de
corte, que deve ter um diâmetro de pelo menos 1/8” para garantir uma temperatura
uniforme e limitar a quantidade de calor transferido à extremidade fria que, por sua
vez, deve estar a uma boa distância da ponta aquecida, mantendo-se à temperatura
ambiente durante a calibração. C representa o material da peça, podendo ser o
próprio cavaco desta. Se o material em usinagem não produz cavaco longo, deve-se
preparar uma peça longa semelhante à haste da ferramenta. A temperatura do
banho é medida por um termopar cromel-alumel padrão P.

100
Figura 9.5. Calibração do método do termopar ferramenta-peça [9].

b) Medição direta por inserção de termopares na ferramenta de corte.

Consiste da inserção de termopares de pequeno diâmetro em diversas


posições da ferramenta de corte. Para tanto são feitos microfuros, geralmente por
eletroerosão. Uma aplicação bastante útil do método é na determinação da
distribuição de temperatura em insertos de metal duro. Para tanto, as ferramentas
devem ser furadas em diversas posições e profundidades. É importante que se
tenha um único furo por inserto para minimizar a perturbação do fluxo de calor. Caso
contrário, a determinação da distribuição de temperatura se torna uma tarefa
extremamente difícil. A Figura 9.6 ilustra o método.

Figura 9.6. Método do termopar implantado [6].

c) Medição do calor de radiação.

A radiação térmica emitida durante o processo de usinagem foi medida pela


primeira vez pelo famoso experimento de Schwerd [10], citado por Bickel [8], durante
a usinagem de um disco através de corte ortogonal. As superfícies da ferramenta, da
peça e do cavaco ficaram acessíveis, permitindo que a radiação infravermelha
destas fossem focalizadas por um sistema de lentes.

A Figura 9.7 ilustra o método onde é utilizado um termopar como sensor de


temperatura.

101
Figura 9.7. Medição da temperatura de corte através da radiação térmica [9].

Pode-se observar que o calor irradiado pela ponta da ferramenta está sendo
projetado, por meio de um sistema de lentes, no termoelemento (termopar), o qual
produz uma d.d.p. proporcional à temperatura naquela região. A f.e.m. gerada é
medida através de um milivoltímetro. O sistema pode ser calibrado de modo a
fornecer valores da temperatura na região da ferramenta, em qualquer unidade.

d) Medição utilizando vernizes termosensíveis.

Consiste da utilização de vernizes com capacidade de mudança de cor a


determinadas temperaturas. Esta técnica é aplicada somente em superfícies
acessíveis sob condições de regime permanete.
Ferraresi [9], cita o uso de lápis indicador de temperatura para controlar a vida
das ferramentas pluricortantes. Tal controle baseia-se no seguinte princípio: cargas
iguais na aresta das ferramentas pluricortantes originam iguais temperaturas; a
aresta mais carregada aquece-se mais e a menos carregada aquece-se menos.

A utilização do lápis indicador de temperatura permite determinar as


ferramentas mais sobrecarregadas.

e) Medição por técnicas metalográficas.

A distribuição da temperatura de corte pode ser obtida através da inspeção


metalográfica da própria ferramenta. A dureza à temperatura ambiente do aço carbono
endurecido e do aço-rápido decresce após seu reaquecimento, e a redução na dureza
depende da temperatura e do tempo de aquecimento. Segundo Wright e Trent [11], as
ferramentas de aço carbono endurecidas começam a perder dureza a partir de 250 0C, e
esta propriedade é rapidamente reduzida após um aquecimento à 600 0C. Já as
ferramentas de aço rápido não sofrem amolecimento apreciável até 600 0C. Entre 600 e
850 0C a dureza cai rapidamente, mas pode voltar a subir para temperaturas de
reaquecimento maiores, se forem rapidamente resfriadas. Calibrando-se a dureza
versus temperatura e o tempo de aquecimento, uma família de curvas podem ser
obtidas. Dearnley [12] desenvolveu uma técnica que permite avaliar a distribuição de
temperatura em insertos de metal duro. Consiste na substituição do elemento ligante
normalmente utilizado nesses insertos, o Co, por ferro e ferro-silício, com diferentes
teores. Cada ligante utilizado possui uma temperatura específica de transformação de
fase, o que permite determinar as isotérmicas nas ferramentas. Através deste método, a

102
distribuição de temperatura foi determinada numa seção transversal à aresta principal
de corte da ferramenta, após usinar um aço de baixo carbono sob diversas velocidade
de corte [13]. Os resultados são apresentados na Figura 9.8. Observa-se que nesta
aplicação a máxima temperatura acontece à determinada distância da aresta principal
de corte, e que elas crescem com o aumento da velocidade de corte.

Figura 9.8. Distribuição de temperatura na ferramenta de corte, após usinar aço de


baixo carbono por 30s, com avanço de 0,25 mm/rev e várias velocidades
de corte [13].

A Figura 9.9 apresenta a distribuição de temperatura para avanços


crescentes obtidas pela técnica metalográfica. Verifica-se o constante
aumento da temperatura e da zona afetada pelo calor com o aumento
deste parâmetro.

(a) (b)

(c)

Figura 9.9. Influencia do avanço nas temperaturas das ferramentas usadas para
cortar aço com avanços de a)- 0.125 mm/volta; b)- 0.250 mm/volta; c)-
0,500 mm/volta [1].

103
A influência da utilização de um fluido de corte e da direção de sua aplicação
são ilustrados na Figura 9.10. Em a tem-se a usinagem sem fluido de corte, em b
utilizou-se um fluido de corte aplicado sobre-cabeça e finalmente em c utilizou-se o
mesmo fluido de corte, aplicado entre a superfície em usinagem principal da peça e
a superfície de folga da ferramenta. Observa-se que o fluido não consegue baixar a
temperatura máxima da ferramenta de 900 oC.(que é a temperatura máxima
detectável pelo método utilizado), mas sua aplicação aumenta nitidamente o
gradiente de temperatura e reduz a zona afetada pelo calor. Isto é mais acentuado
quando o fluido é aplicado entre a superfície em usinagem principal da peça e a
superfície de folga da ferramenta de corte.

Figura 9.10. Contornos de temperaturas na superfície de saída das ferramentas de


corte, após usinagem a) sem fluido de corte; b)- com fluido de corte
aplicado sobre-cabeça; c)- com fluido de corte aplicado entre a
superfície em usinagem principal da peça e a superfície de folga da
ferramenta de corte [1].

f) Medição usando pós-químicos.

Esta técnica consiste da utilização de sais com ponto de fusão bem definido
tais como NaCl, KCl, CdCl, PbCl2, AgCl, KNO3, para determinação da distribuição da
temperatura no corpo da ferramenta de corte.

104
Kato et alli [14], determinaram a distribuição de temperatura numa superfície
perpendicular ao plano de referência de ferramentas de metal duro (classe P20),
cermets e cerâmicas, durante o corte ortogonal de tubos do material STKM 13A
utilizando pós de sais com ponto de fusão constante, Figura 9.11.

Figura 9.11. Experimento utilizado por Kato et alli para a determinação da


distribuição de temperatura no plano ortogonal de insertos (Kato et alli,
1976).

A técnica consiste, em primeiro lugar, da divisão do inserto em duas partes de


iguais dimensões. Geralmente esta etapa é realizada por processo de abrasão
(retificação) dos insertos, até que se alcance a dimensão desejada, ou seja, a
metade do tamanho original. Para obter uma ferramenta bi-partida, pelo processo
anteriormente descrito, é necessária a disponibilidade de, pelo menos, dois insertos
do mesmo material. Com a ferramenta bipartida em mãos, a próxima etapa consiste
em umedecer as superfícies retificadas com uma solução de silicato de sódio para
melhorar a adesão do sal que será posteriormente espalhado por sobre estas
superfícies. Terminadas estas etapas, as partes são unidas e processa-se a
usinagem durante um tempo suficiente, até que o sistema entre em regime. Após o
corte, a ferramenta é novamente separada e a isotérmica gerada pela fusão do sal é
observada. Esta pode ser identificada pela linha gerada entre o sal que sofreu fusão
e o que permaneceu sem transformação. Se este processo for repetido com vários
tipos de sais (com pontos de fusão diferentes), e com ferramentas de um mesmo
material, pode-se determinar a distribuição de temperatura no plano ortogonal à
aresta da ferramenta de corte.

Casto et alli [15], utilizaram uma técnica semelhante. Com o uso de nitreto de
potássio (ponto de fusão = 390 0C) posto num plano paralelo à superfície de saída
de insertos cerâmicos determinaram a isotérmica gerada durante a usinagem do aço
ISO C40.

h) Medição usando o método do filme PVD.

Este método foi publicado por Kato e Fujii em 1996. Consiste da deposição de
finas camadas de diversos materiais com pontos de fusão específicos numa
superfície perpendicular à superfície de saída de insertos de metal duro. Após a
deposição do filme de um determinado material, as partes da ferramenta são unidas
e posta para usinar um disco num processo de corte ortogonal como mostra a Figura
9.12.

105
Figura 9.12. Montagem experimental para medir a distribuição de temperatura pelo
método PVD (Kato e Fujii, 1996).

A Figura 9.13 mostra uma fotomicrografia de uma superfície de material


depositado fundido em um inserto de metal duro após o corte ortogonal de um aço
carbono com 0.55% C a uma velocidade de corte de 200 m/min, avanço de 0.2
mm/rev, largura de corte de 2 mm por um tempo de 5 segundos. O contorno entre a
zona de filme fundido e a zona de filme não fundido é claramente identificada na
figura. O material depositado neste caso foi o telúrio com um ponto de fusão de 450
0
C.

Zona de filme fundido

Zona de filme não fundido

Figura 9.13. Fotomicrografia mostrando as zonas fundida e não fundida (Kato e


Fujii, 1996).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. TRENT, E.M. “Metal Cutting”, 2nd Edition, Butterworths, 1984, 245 pags, ISBN 0-
408-108568.

106
2. NAKAYAMA, K. “Temperature Rise of Workpiece During Metal Cutting”, Bull
Faculty Engineering, Yokohama National University, march, 1956, pp 1-10.
3. BOOTHROOYD, G. “Fundamentals of Metal Machining and Machine Tools”,
International Student Edition, Mc Graw-Hill, 5 th Printing, 1981, ISBN 0-07-
085057-7.
4. TRENT, E.M. “Metal Cutting and the Tribology of Seizure: III. Temperature in
Metal Cutting”, Wear, vol. 128, 1988, pp 65-81.
5. TAY, A.O.; STEVENSON, M.G.; DAVIS, G.V. “Using the Finite Element Method
to Determine Temperature Distribution in Orthogonal Machining”, Proc. Instm.
Mech. Engrs., vol. 188 (55), 1974, pp 627-638.
6. DE MELO, A. C. A. “Estimação da Temperatura de Corte Utilizando Problemas
Inversos em Condução de Calor”, Dissertação de mestrado, Universidade
Federal de Uberlândia, 1998, 116 pgs.
7. LIN, J.; LEE, S.; WENG, C. “Estimation of Cutting Temperature in High Speed
Machining”, Journal of Engineering Materials and Technology, vol. 114, 1992, pp
289-290.
8. BICKEL, E. “The Temperature on a Turning Tool”, International Prod. Eng. Res.
Conference - ASME, 1963, pp 89-94.
9. FERRARESI, D. “Fundamentos da Usinagem dos Metais”, Editora Edgard
Blücher Ltda., vol. 1, SP, 1977, 751 pgs.
10. SCHWERD, F. “Ueber die Bestimmung des Temperaturfeldes beim Spanablauf”,
1933.
11. WRIGHT, P.K.; TRENT, E.M. “Metallographic Method of Determining
Temperature Gradients in Cutting Tools”, Journal of the Iron and Steel Institute,
may, 1973, pp 364-368.
12. DEARNLEY, P. A. “New Technique for Determining Temperature Distribution in
Cemented Carbide Cutting Tools”, Metals Technology, vol. 10, 1983, pp. 205-
214.
13. SMART, E.F.; TRENT, E.M. “Temperature Distribution in Tools Used to Cutting
Iron, Titanium and Neckel”, Int. J. Prod. Res., vol. 13(3), 1975, pp. 265-290.
14. KATO, S.; YAMAGUCHI, K.; WATANABLE, Y.; HIRAIWA, Y. “Measurement of
Temperature Distribution Within Tool Using Powders of Constant Melting Point”,
ASME Journal of Engineering for Industry, 1976, pp 607-613.
15. CASTO, S. L.; VALVO, E. L.; PIACENTINI, M.; RUISI, V. F.; LUCCHINI, E.;
MASCHIO, S. “Cutting Temperatures Evaluation in Ceramic Tools: Experimental
Tests, Numerical Analysis and SEM Observations”, Annals of the CIRP, vol. 43,
1994, pp. 73-76.
16. SHAW, M.C. “Metal Cutting Principles”, Oxford University Press, 1984, ISBN 0-
19-859002-4.

107

Você também pode gostar