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Presidente
Gen Ex Renato Cesar Tibau da Costa Democracia Soberania Unidade Nacional Patriotismo
1º Vice-Presidente
Gen Div Sérgio Costa de Castro
2º Vice-Presidente A História é.
A História não se cria.
Gen Div Marcio Rosendo de Melo A História não se oculta.
A História não se mistifica.
3º Vice-Presidente A História não se deturpa.
02 - Palavra do Presidente A História é a Verdade.
Cel Dalmo Roriz de Cerqueira Lima Mas só existe, verdadeira,
Introdução para quem quer vê-la.
Diretor do Departamento Cultural
03 - Mensagem aos Novos Camaradas - Gen Div Clovis Purper Bandeira
Gen Bda José de Oliveira Sousa
06 - À Guisa de Introdução - Gen Ex Pedro Luiz de Araujo Braga
Revista do Clube Militar
10 - A História que não se Apaga nem se Reescreve - Ordem do dia do Ministro do Exército de 31 Mar de 1999
Diretor 11 - Opinião / Editorial - “Ressurge a Democracia”
Cel Hiram de Freitas Câmara
12 - A Guerra Fria dos anos 40 aos anos 60 - Coronel Cesar Augusto Araripe Lacerda
Secretaria
O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964: os fatos
Regina Velasco dos Santos
22 - O Tentame Comunista de 1961-1964 - Gen Bda Sergio Augusto de Avellar Coutinho
Tel (21) 3125-8260
29 - O Panorama Nacional em 1963 e Início de 1964 - Gen Div Ulisses Lisboa P. Lannes
e-mail:
32 - Dias de Insegurança e Intranquilidade
revista@clubemilitar.com.br
40 - Citações
Conselho Editorial
41 - O Plano Revolucionário - do livro ORVIL
Presidente
42 - O Comício de 13 de março de 1964 - do livro ORVIL
Gen Div Ulisses Lisboa Perazzo Lannes
44 - A Evolução da Posição dos Militares - do livro ORVIL
Secretário
48 - Circular Reservada do Chefe do Estado-Maior do Exército
Cel Hiram de Freitas Câmara
50 - Citações
Membros
51 - O Motim dos Marinheiros - do livro ORVIL
Gen Div Clovis Purper Bandeira
54 - A Reunião no Automóvel Clube - do livro ORVIL
Gen Bda José de Oliveira Sousa
55 - Manifestos, Relatório e Proclamações
Cel Cesar Augusto Araripe de Almeida Lacerda
Cel Av Manuel Cambeses Júnior 66 - A Participação da Academia Militar das Agulhas Negras - Gen Ex Antonio Jorge Correa
Diagramação
74 - 31 de Março de 1964: o Brasil reage
Emerson Guimarães O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964: as análises
Impressão e Acabamento:
79 - Por que Jango caiu - Adirson de Barros
Sol Gráfica Ltda. 83 - Transcrições da Imprensa sobre o 31 de Março de 1964
Rua João Torquato, 289 - Bonsucesso - 21032-150 88 - O Dever dos Militares
Rio de Janeiro – RJ - Tel.: (21) 2560-4082 90 - A Contrarrevolução de 64 e a Mitologia - Gen Div Agnaldo Del Nero Augusto
Fax: (21) 2290-8599 92 - A Desinformação Soviética no Brasil e o “Golpe” de 1964 - Ladislav Bittman
Publicidade e Distribuição:
96 - A Eleição de Castello Branco - do livro ORVIL
Departamento de Comunicação Social
104 - Opinião 2 - Editorial “Fidelidade às Origens”
e-mail: comsocial2@clubemilitar.com.br
105 - Desfazendo alguns Mitos sobre 64 - Heitor de Paola
Denise Tavares e Ana Maria Burnier
107 - Deformações da História do Brasil - Paulo Roberto de Almeida
Tel: 3125-8304 e 3125-8314
Distribuição gratuita 123 - Os governos do regime instaurado pelo Movimento Democrático de 31 de Março de 1964
ISSN 0101-6547 125 - Trabalho, muito trabalho - Antonio Delfim Neto
Tiragem: 15000 exemplares 132 - Realizações do Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964
Correspondência Conclusão
Av. Rio Branco, 251 - 9º andar –Sala 910- 20040-009 136 - Para a sua Estante
Rio de Janeiro - RJ 138 - Opinião 3 - Editorial “Julgamento da Revolução”
Telefax: (21) 2220-9376
139 - História Esquecida - O 31 de Março de 1964 - Gen Bda Luiz Eduardo Rocha Paiva
e-mail: ouvidoria@clubemilitar.com.br
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Palavra do Presidente
do Clube Militar
C
om a presente Edição Especial de sua sários, donas de casa e brasileiros comuns, os
Revista, o Clube Militar relembra os quais anteviam a Nação cada vez mais próxima
acontecimentos que culminaram com de amesquinhar-se em satélite do mundo comu-
o Movimento Democrático de 31 de março de nista, o qual abrangia quase metade do globo,
1964, ocasião em que a maioria de brasileiros naqueles tempos de Guerra Fria.
patriotas, extremamente preocupados com os A esquerda, todavia, orquestra versão deturpa-
rumos que a subversão dos princípios éticos, da dos fatos históricos, procurando impor a pre-
morais, disciplinares, hierárquicos, de ordem valência de suas “verdades”. Apregoam ter sido
e progresso, da lei e do direito implantada no uma “quartelada”, um “golpe articulado na caser-
País, reforçada por omissão e interesses eleito- na”. Isso não resiste a uma pesquisa isenta e séria.
reiros, inclusive das mais altas autoridades do Meio século já se passou. Já há um distancia-
governo - já comemorando a próxima tomada mento temporal para que verdadeiros historia-
definitiva do poder - resolveu reagir. E soube dores comecem a estudar o período, embasados
fazê-lo de maneira rápida e decisiva, desmon- em fontes primárias e não em discursos detur-
tando as pretensões que a fanfarrice comuno- pados de propaganda esquerdista, os quais in-
sindicalista acreditava ser uma sólida fortaleza. festam, inclusive, livros escolares e publicações
O Clube Militar, participante ativo de tan- de órgãos oficiais. Persistem, ainda, admirado-
tos acontecimentos históricos de nosso País, res desse anacronismo que estagnou e arruinou
também naquela oportunidade estava presente, todas as nações que foram subjugadas e tiveram
cerrando fileiras com aqueles que souberam im- esse regime implantado.
pedir mais essa tentativa de tomada do poder O Clube Militar, nesta Revista, com seus arti-
que iria de encontro aos ideais democráticos da gos e fotos de publicações da imprensa da época,
nossa população. procura colaborar na difusão de uma visão realista
O Movimento de 31 de Março foi a resposta dos acontecimentos de 1964 - isenta das distorções
altiva e digna dos militares à convocação das provocadas pela releitura da História - lembrando
forças vivas da Nação, representadas pela im- o cenário reinante no País e a reação popular, po-
prensa, partidos políticos, religiosos, empre- lítica e militar ao assalto do poder pelas esquerdas.
N
este mês, comemoramos o aniversá- infelizmente, não corresponde à verdade his-
rio do Movimento Democrático de tórica e constitui uma releitura distorcida dos
31 de Março de 1964. Você, Novo fatos, com a finalidade de confirmar, sob um
Camarada, não era nascido nessa época e por falso manto de pretensa veracidade, as posições
certo já ouviu muitas histórias a respeito da- e convicções políticas dos derrotados em 1964.
queles acontecimentos, a maioria das quais, Não pretendo, neste curto espaço, lembrar
* O Projeto “Novos Camaradas”, iniciado em 2004, visa motivar jovens oficiais egressos das escolas militares a associar-se ao Clube Militar
Edição Especial - 3
todos os acontecimentos da época, os quais a resposta ao clamor do povo e da maioria das
você pode reler nos principais jornais de forças democráticas políticas, econômicas, so-
1963/64, na biblioteca de sua cidade ou na ciais, militares e religiosas aos desmandos go-
Internet. Quero, apenas, rememorar três mo- vernamentais.
mentos decisivos que levaram à intervenção Os sindicatos, os partidos políticos da base
das Forças Armadas, num contexto de sério governamental, parte da imprensa (sempre
risco para a sobrevivência do regime demo- dependente da benevolência do governo para
crático brasileiro, respondendo ao clamor pú- importar papel e receber publicidade dos ór-
blico que cobrava um basta à situação alar- gãos públicos), os grêmios estudantis, os mo-
mante em que o país mergulhava. Foram eles vimentos sociais, todos estavam infiltrados e
o Comício da Central do Brasil, o motim dos “aparelhados” pelos esquerdistas que, em suas
marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos e próprias palavras, “já haviam tomado o gover-
a reunião do Presidente da República com os no, só faltava tomar o poder”.
sargentos no Automóvel Clube. Nos três eventos que citamos, as Forças Ar-
Tais eventos, ocorridos em março de 1964, madas foram atingidas em seus valores mais
culminavam uma série crescente de greves par- fundamentais, a hierarquia e a disciplina.
ciais, gerais e de “solidariedade”; aumento do No Comício da Central do Brasil, os carta-
papel político dos sindicatos, alçados à condi- zes alardeavam: “Reformas, na lei ou na mar-
ção de verdadeiros partidos políticos, quando ra!” - “Paredón para os gorilas!” – “Partido
não passavam de centrais de agitação e pro- Comunista com o povo e com o Presidente”
paganda esquerdista; cerco e tentativa de inti- – “Desta vez o povo será governado através de
midação de todos os contrários às mudanças seus sindicatos” – “República sindicalista para
pró-comunismo em andamento; aliciamento o Brasil!”.
de civis e militares por meio de palavras de Ministros de estado, inclusive os militares,
ordem, ameaças veladas aos não aderentes e congressistas esquerdistas, militares fardados
premiação ostensiva aos simpatizantes da ba- carregando nos ombros o Almirante Aragão,
derna; paralisação quase total da vida política o Deputado Brizola instigando a assistência,
e econômica do país; surgimento de sindicato fomentando a revolta popular, apresentando
de praças na Marinha e dos generais e almi- o Presidente da República, que chegava ao pa-
rantes “do povo”, em oposição aos “gorilas”, lanque, como salvador da Pátria e Presidente
nome pejorativo que procurava identificar e da República Sindicalista do Brasil, esse era o
isolar os militares que não concordavam com cenário. No final de seu discurso inflamado, o
o descalabro que só fazia aumentar; dúvidas Presidente João Goulart afirmou: “... advirto
nas mentes, exigindo decisão entre a lealdade o Congresso, os Governadores reacionários,
ao governo, à cadeia de comando legal cada a minoria retrógrada e capitalista, de que o
vez mais dominada pelas ideias esquerdistas e verdadeiro Chefe de Estado, quando circuns-
Edição Especial - 5
"À Guisa de Introdução"
O
baixo nível cultural do povo bra- e que teve a ousadia de fazer tão vil declara-
sileiro, somado a uma mídia que, ção como a mencionada acima, que a todos
com poucas e honrosas exceções, nós choca.
não respeita ética e nem tem compromisso Assim aconteceu, por exemplo, com o
com a verdade, sobremodo lamentáveis – e, epíteto "ditadura militar", antes escrito en-
a propósito, recente pesquisa divulgada in- tre aspas, as quais foram depois dispensadas
dica que a credibilidade da imprensa escrita porque o seu efeito já havia sido alcançado.
é de 46% e das emissoras de TV é de 35% Esta expressão passou a indicar o período de
- fazem deste País o Éden dos "marquetei- vinte anos em que, após o Movimento Cívi-
ros". Com extrema facilidade, aqui circulam co-Militar de 31 Mar 64, generais eleitos pelo
"slogans", chavões, mitos, ideias-força, de Congresso dirigiram os destinos da Nação.
criação deles ou importados, como é o caso Todavia, a maioria esmagadora dos que repe-
da figura do aventureiro e mercenário argen- tem tal chavão não sabem - ou nem se preo-
tino Che Guevara, cujo pensamento abjeto cupam com isso - quais são as características
encima este prólogo e que foi, até sua morte, de uma ditadura e o que a diferencia de uma
conselheiro dos irmãos Castro em Cuba. De verdadeira democracia. Nem se lembram, por
tanto serem repetidos, acabam tomando fo- certo, do longo período de exceção do Esta-
ros de verdades. E é incrível ver-se que, em do Novo, que durou até a volta de nossos
países com predomínio absoluto de religiões ex-combatentes dos campos da Itália, onde
cristãs, ainda haja pessoas capazes de vestir lutaram pela liberdade.
camisetas com a estampa daquele audacioso O citado Movimento, na realidade uma
materialista, cuja vida não serve de exemplo contrarrevolução que salvou o Brasil do
Edição Especial - 7
cias e as sequelas das experiências de sua ado- as manifestações pacíficas e convincentes do
ção, estarrecedoras sem dúvida, são por aque- povo, Brasil afora, pedindo um fim ao desca-
les mesmos estudiosos elencadas: de 85 a 100 labro. Quem não ouviu falar da "Marcha com
milhões de mortos, número este cinquenta Deus e a Família pela Liberdade"? E do apelo,
por cento maior do que todas as vítimas das repetido e veemente, dos meios de comunica-
duas Guerras Mundiais somadas; milhares ção da época, em seus editoriais e expressivos
de encarcerados, asilados, banidos e assas- artigos? Um deles, passado meio século, agora
sinados, por não se conformarem com esse publicamente arrepende-se de seu proceder,
regime, em geral os mais capazes e empreen- de seu apoio... Só que este suporte estendeu-
dedores; roubo da autoconfiança da popula- se às décadas de 70 e 80, segundo registros
ção; perda da capacidade de tomar decisões, existentes. A quem querem enganar? É válido,
não só em questões macro como nas menores portanto, que seus leitores, aqueles que não
também; incapacidade e falta de vontade da têm memória curta, chocados com tal desfaça-
nação de se firmar em seus próprios pés e tez e imprudência, especulem sobre qual teria
de gerir seu próprio destino, exatamente pela sido a benesse advinda da postura atual...
inexistência de elementos mais capazes que As Forças Armadas Brasileiras nunca fo-
o Partido havia eliminado da vida pública; ram intrusas na História. Seus ocupantes não
aniquilamento da ética do trabalho e do sen- constituem uma casta distante do povo. Ao
so de responsabilidade pública. É isto que contrário: são povo fardado! Legalistas por
querem para o nosso Brasil, que nasceu sob a natureza, sempre que tiveram que intervir na
sombra da cruz e que, "bonito por natureza, vida nacional foi a chamado da Nação. Pois
é abençoado por Deus"? só esta é eterna! Governos passam. Muitos, a
É fato que não se pode transplantar um poeira do tempo encarrega-se de encobri-los,
sistema, um regime ou mesmo certa estrutura como inglórios e menos dignos. Às vezes, são
que pode até funcionar bem em outro país, falados apenas pela herança maldita que lega-
com cultura, tradições e conjuntura diferentes ram. Daí por que o Movimento de 31 Mar 64
das nossas, sem que se admita venha a ocor- foi o desfecho de uma situação insustentável,
rer o fenômeno da rejeição. Mas este nem é,
sem dúvida, o caso do comunismo, intrinseca- As Forças Armadas Brasileiras
mente mau. E a história mostra que as revolu- nunca foram intrusas na História.
ções foram sempre forjadas e irromperam por
ações de minorias. Mas a nossa, cinquentená-
Legalistas por natureza, sempre
ria, até nisto foi diferente! A sociedade pediu que tiveram que intervir na vida na-
a intervenção das Forças Armadas, pois sentiu
cional foi a chamado da Nação.
iminente o naufrágio do País. Basta lembrar
Edição Especial - 9
31 de Março de 1964
A História que não se Apaga nem se Reescreve*
*Ordem do Dia do Ministro do Exército de 31 de março de 1999
... a legalidade
não poderia
ser a garantia
da subversão,
a escora dos
agitadores, o
anteparo da
desordem.
Em nome da
legalidade não
seria legítimo
admitir o
assassínio das
... os
instituições,
brasileiros
como se vinha
devem
fazendo,
agradecer
diante
aos bravos
da Nação
militares,
horrorizada.
que os
protegeram
de seus
inimigos...
Edição Especial - 11
A Guerra Fria, dos Anos 40 aos Anos 60
Cesar Augusto Araripe Lacerda *
E
les eram três homens idosos. Um dominava Ao meio dia de 11 de fevereiro, no palácio
a União Soviética e já fora aliado de Hitler, Livadia, em Yalta, na Crimeia, os líderes Stalin,
outro estava em seu terceiro mandato à frente Roosevelt e Churchill, todos preocupados em guar-
dos Estados Unidos e o último era, desde maio de dar a aparência de portadores de soluções vitoriosas
1940, primeiro ministro do Império Britânico. Já ti- em relação aos demais, assinaram a Declaração So-
nham se encontrado em Teerã em fins de 1943, onde bre a Europa Libertada. Este documento prometia
ficaram evidentes acordos e desacordos sobre a con- resolver por meios democráticos os problemas en-
dução da guerra. Formações políticas e origens sociais frentados pelos países liberados da opressão nazis-
à parte, naquele momento de 1945 os três homens ta, apoiando assim o direito de todos os povos em
idosos detinham o poder de transformar o mundo. escolher a forma de governo sob a qual viveriam.
Edição Especial - 13
teiras e colocar as botas sobre os seus domínios, centenas de milhares para os campos de extermí-
Washington optava por uma política de ajuda e nio. Não encontrou dificuldades, os membros do
recuperação, que, evidentemente, criava laços de partido nazista local, o Cruz das Flechas, faziam o
dependência. De qualquer lado, nenhuma amabilida- serviço sujo com imenso prazer. Ao ser libertado
de. Sobre a Europa, como disse Churchill em 1946, pelos soviéticos, depois de intensos combates, o
"de Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, povo húngaro viu rapidamente seu desejo de liber-
uma cortina de ferro desceu sobre o continente”. O dade se volatilizar ao perceber que mudara somen-
mundo viveria, a partir de então e por mais de 40 te o opressor e, em lugar da suástica, estava agora
anos, as tensões extremas daquilo que ficou conhe- sob o domínio da foice e do martelo. Adversários
cido como Guerra Fria, ou seja, uma hostilidade do regime foram encarcerados ou executados, a
declarada e permanente, caracterizada pelo aumen- igreja sofreu cruel perseguição, as escolas foram
to do poderio bélico, ameaças incisivas de parte a fechadas, a propriedade privada foi extinta, os
parte, dominação de países satélites ou simpatizan- camponeses estavam agora obrigados a se filiarem
tes, sem que, felizmente, os supremos comandantes a cooperativas. O regime era tão tirano que até os
dos dois lados se enfrentassem diretamente no que monumentos da linda Budapest permaneciam sem
poderia ter sido a última guerra da humanidade. iluminação à noite para que sobressaísse a enorme
Livres da imposição de serem aliados, já e, evidentemente iluminada, estrela vermelha co-
que o nazismo, inimigo comum, estava vencido, locada sobre o Parlamento. Em outubro de 1956,
Moscou comunista e Washington capitalista cui- explodiu uma revolução, esmagada pelo Exército
daram de ampliar sua influência sobre o maior Vermelho em dez dias, tendo sido executadas as
número possível de países. Os soviéticos estende- principais lideranças, entre elas Imre Nagy, pri-
ram seu círculo de autoridade sobre o leste euro- meiro ministro do governo provisório. A partir de
peu, apoiando a subida ao poder de dirigentes outubro de 1989, quando da proclamação da re-
comunistas na Polônia, Romênia, Iugoslávia, pública, os dirigentes húngaros, considerando as
Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária e Albânia. atrocidades comunistas muito semelhantes às bar-
No oriente, os comunistas assumiram a Coreia baridades nazistas, entenderam que deveriam reu-
do Norte e, depois de longa guerra e sob a lide- nir as tristes lembranças de ambas em um só mu-
rança de Mao Tse Tung, a China continental. seu, muito propriamente chamado Casa do Terror.
Aqueles países, empobrecidos pelo conflito,
continuaram tão ou ainda mais pobres depois do
domínio comunista. Perderam, principalmen-
te, a liberdade que tinham ou julgavam ter. A
Hungria é um exemplo, entre tantos que poderiam
ser citados. Alinhada ao nazismo desde 1941, em
1944,tentou se aproximar dos aliados, não tendo
sido acolhida como pretendia. Hitler, como casti-
go, mandou invadi-la e tratou com extrema cruel-
dade seu povo, em particular os judeus, enviando
1956: Levante do povo húngaro contra o domínio soviético.
Edição Especial - 15
das, vigiado por soldados armados e ferozes cães de Como fruto daquela beligerância latente e, às
guarda. A crise gerada por esta inesperada atitude vezes, aguda, a corrida armamentista foi se acele-
foi tão intensa que, no dia 27 de outubro, no cha- rando e cada passo dado por um lado correspondia
mado Checkpoint Charlie, blindados soviéticos e a outro ainda maior dado pelo oponente. Quando
norte-americanos chegaram a ficar frente a frente os russos anunciaram a fabricação de sua primeira
e a curtíssima distância. Felizmente ninguém aper- bomba atômica, os norte-americanos responderam,
tou o gatilho. As fugas foram reduzidas, mas, mes- em 1952, com a bomba de hidrogênio, mas, no ano
mo assim, muitos perderam a vida ou a liberdade seguinte, os russos já a possuíam. Em 1957, os so-
na tentativa de atravessar para o lado ocidental. O viéticos mostraram ao mundo um míssil balístico
muro de Berlim só foi derrubado em 1989, após o intercontinental que, lançado de seu território, po-
esfacelamento da União Soviética. deria atingir os Estados Unidos. Em pouco tempo
Durante todo este tempo as tensões aumen- os americanos construíram arma semelhante. Os
taram muito, já que os dois lados viam-se frágeis russos colocaram em órbita o satélite Sputnik, me-
perante o inimigo. Essa percepção levou os ociden- ses depois os norte-americanos responderam com o
tais a criarem, em 1949, a OTAN - Organização do Explorer I. Um novo fenômeno somava-se agora à
Tratado do Atlântico Norte, aliança militar volun- corrida armamentista, a chamada corrida espacial.
tária de doze países que considerava o ataque a um A possibilidade de seu uso para fins militares tor-
deles, como um ataque ao grupo. A União Soviética nava a humanidade ainda mais tensa.
e seus satélites comunistas do leste europeu respon-
deram em 1955, imediatamente após a admissão da
Alemanha Ocidental na OTAN, criando o Pacto de
Varsóvia, também um acordo militar de defesa mú-
tua que, no entanto, não dependia do fato de seus
integrantes concordarem ou não com os princípios
estabelecidos por Moscou. É importante observar
que, enquanto os membros da OTAN conseguiam
se entender dentro de limites aceitáveis, os partici-
pantes do Pacto de Varsóvia alimentavam discor-
dâncias radicais contra o dominador soviético. As-
sim, explodiram sucessivas revoltas, sendo a primeira
na Iugoslávia que, apesar de comunista, recusava-se
a ser um satélite de Moscou. Seguiram-se levantes
na Polônia, na Hungria, na Tchecoslováquia e, em
ponto menor, na Bulgária e na Albânia. Todas fo- Enquanto estes fatos ocorriam no ocidente,
ram reprimidas com extrema violência e, ironica- o oriente era sacudido por guerras locais que aca-
mente, em alguns casos, foram utilizadas tropas do baram envolvendo, em alguns casos, países muito
Pacto de Varsóvia que só deveriam ser empregadas distantes das zonas em conflito. Entre 1950 e 1953,
contra inimigo externo. um desentendimento ideológico colocou frente
Edição Especial - 17
ética no continente”. A batalha entre forças norte- se incluía na constituição do novo estado a Emen-
americanas, numerosas e tecnologicamente bem da Platt, que autorizava os Estados Unidos a in-
equipadas, contra um inimigo dotado de meios tervirem no País sempre que interesses recíprocos
limitados, mas profundo conhecedor do terreno, fossem ameaçados. Não será exagero afirmar que a
tornou-se exemplo clássico de guerra assimétrica. expressão interesses recíprocos era um sinônimo,
Os Estados Unidos perderam a guerra, prin- tão somente, de interesses americanos. Em termos
cipalmente para sua própria opinião pública, que práticos, Cuba transformara-se em um protetorado.
se opunha ferozmente à morte de seus filhos nas A substituição de espanhóis por norte-americanos,
selvas de um país periférico e, até então, desconhe- apesar das limitações à soberania cubana, trouxe
cido. A televisão destacou-se como a arma mais benefícios para a população, como melhoria nos
poderosa da guerra. Pela primeira vez na história, sistemas de saúde e educação, abertura de fábricas
eram exibidos ao vivo para os lares norte-america- e incentivo ao turismo. Não se pode esquecer que,
nos os combates nas aldeias, nas cidades, nas flo- por outro lado, o aumento de turistas sem as neces-
restas úmidas e até o massacre de civis muitas vezes sárias limitações legais, contribuiu para disseminar
inocentes. Tudo prenunciava a chegada dos tris- inúmeras mazelas, sendo a mais evidente o aumen-
temente famosos sacos pretos guardando os restos to da prostituição.
mortais da juventude, que perdia a vida a milhares Em 1933, ascendeu à presidência Fulgêncio
de quilômetros de suas casas. No Cemitério Nacio- Batista que, direta ou indiretamente, comandou o
nal de Arlington, uma tropa prestava honras fúne- destino dos cubanos por quase 26 anos. Sob Fulgên-
bres todos os dias, sem descanso. A guerra extrapo- cio, mais de 100.000 estrangeiros migraram para a
lara o limite de resistência e tolerância das famílias ilha. Cuba era então próspera, mas não estava livre
norte-americanas. A conquista de Saigon, capital da onipresença norte-americana, dos desmandos de
do sul, pelas forças de Hanói, capital do norte, Batista e de flagrantes diferenças sociais.
não trouxe a almejada paz à região. Os comunistas
haviam tomado o poder no Laos e no Camboja,
onde o regime assassino de Pol Pot já matara mais
de 2 milhões de pessoas. Os combates passaram a
ocorrer entre o Vietnã unificado, desejoso de tra-
zer o Camboja para sua órbita, e os chineses que
lutavam para manter Pol Pot no poder. A China e
a União Soviética sustentavam essa guerra e, mais
uma vez, o Vietnã venceu. Fidel Castro e Nikita Kruschev
Os ventos da Guerra Fria também sopraram Em 1959, também no primeiro dia do ano,
sobre o Caribe. Para entender o fenômeno é pre- após longo período de combates fratricidas, Cuba
ciso voltar a 1899. No primeiro dia daquele ano, foi tomada por guerrilheiros rebeldes sob o co-
enquanto os espanhóis eram expulsos e deixavam mando de Fidel Castro. De início considerado um
Cuba, fuzileiros navais norte-americanos faziam o líder social democrata, logo declarou-se comunis-
caminho contrário e lá permaneceram enquanto ta alinhado com a União Soviética. Os aplausos
que haviam saudado a queda da ditadura corrupta Êxodo de Mariel. O economista Armando Lago,
de Fulgêncio Batista foram diminuindo à medida consultor do Stanford Research Institute, calcula
que Castro e seu braço direito, o argentino Ernes- que, entre 1959 e 2004, as vítimas da ditadura cas-
to “Che” Guevara, usaram de extrema ferocidade trista excederam a 100.000, aí incluídos cerca de
contra seus opositores ou simples suspeitos de se- 78.000 mortos ou desaparecidos em tentativas de
rem opositores. As expressões "paredon" - lugar fuga do país.
onde os contrários ao regime eram fuzilados - e A revolução de Fidel implementou mudanças
"balseros" - aqueles que fugiam para a Flórida em radicais, pela súbita troca do capitalismo pelo co-
qualquer coisa que flutuasse - passaram a ser co- munismo e consequente substituição dos interesses
nhecidas em uma infinidade de idiomas. Cerca de dos Estados Unidos pela proteção da União Sovi-
125.000 cubanos usaram o porto de Mariel, por ética em pleno coração da América, esquecendo os
sua proximidade com o litoral norte americano. acordos de Potsdam que haviam definido zonas de
O governo, incapaz de impedir a fuga dos chama- influência para as duas potências. Castro, que exer-
dos "marielitos", considerou-os "indeseables" e ceria o poder absoluto por quase 50 anos, eliminou
"un peligro para la sociedad". Foi pouco, Cas- os partidos políticos mantendo apenas o Partido
tro não conseguiu nem mesmo evitar que o local Comunista Cubano e restringiu as liberdades da
passasse à história como símbolo do chamado imprensa e da igreja, seguindo a receita aplicada
Edição Especial - 19
no leste europeu. Cuba tornou-se um país caren- beira de uma guerra nuclear. A atenção de todos os
te, dependente de auxílio externo para a própria países estava centrada na aproximação de uma frota
subsistência, com a população submetida a racio- soviética e o consequente ultimatum dado pelo go-
namento contínuo desde gêneros alimentícios até verno americano. Felizmente, na penúltima hora,
produtos básicos de higiene. A vitrine do comunis- as embarcações manobraram para retornar e os
mo na América revelou, então, seu lado mais cruel, quase beligerantes chegaram a um acordo, que con-
o equilíbrio da pobreza. templava a desistência americana de invadir a ilha
Tentativas de tomada do poder por cubanos e a remoção dos mísseis que mantinha na Turquia,
exilados, apoiados pelos Estados Unidos, resulta- em troca da retirada dos armamentos soviéticos de
ram em vergonhosos fracassos e, obviamente, can- Cuba. O mundo respirou aliviado.
celaram quaisquer possibilidades de entendimento. Ignorado ao longo de toda a crise, Castro,
Por seu turno, cercados por bases americanas na muito mais radical que seus protetores, sentindo-se
Europa e na Ásia, os soviéticos viram em Cuba uma desprestigiado, decidiu voltar seus esforços para in-
oportunidade de ameaçar diretamente o território ternacionalizar a revolução, rumo que visualizava
dos Estados Unidos, distante apenas 150 km da há muito tempo. Com dinheiro cubano e soviéti-
ilha. Em 1962, o primeiro ministro Nikita Krus- co, passou a financiar guerrilhas, assessoramento
chev acordou com Castro a instalação em Cuba político-ideológico e, principalmente, treinamento
de equipamentos militares defensivos e ofensivos, militar para movimentos revolucionários na Ásia,
alguns com ogivas nucleares. Segundo o historia- África e América Latina. Para tal, era bastante que
dor Tony Judt, em "Reflexões Sobre um Século Es- seus integrantes demonstrassem a intenção de der-
quecido", pag. 349, "em sua versão final incluiria rubar governos simpáticos aos Estados Unidos. Por
cerca de 50 mil militares soviéticos, organizados mais de 30 anos, milhares de cubanos e recursos
em cinco regimentos de mísseis nucleares, qua- financeiros tão necessários à população da ilha, fo-
tro regimentos motorizados, dois batalhões de ram dedicados a intervenções em países como Gui-
tanques, uma esquadrilha de caças Mig-21, 42 né Bissau, Cabo Verde, Congo, Argélia, Namíbia,
bombardeios leve IL-28, dois regimentos de mís- Angola, Moçambique, Honduras, Panamá, Bolívia,
seis cruises, 12 unidades antiaéreas SA-2 com 144 Nicarágua, El Salvador e outros. Che Guevara, um
lançadores e uma esquadra com 11 submarinos, dos líderes daquelas intervenções, mais voltado
sete deles equipados com mísseis nucleares." Em para a América Latina que tanto conhecia, foi mor-
resumo, à época um poderio defensivo e, principal- to na Bolívia pelo exército daquele país.
mente, ofensivo superior à soma de todas as forças A interpretação dos fatos que envolveram o
armadas latino-americanas. As obras das instalações mundo, desde os anos 40 até os 60, depende fun-
foram descobertas e fotografadas por aviões norte damentalmente do conhecimento das relações in-
americanos, o que levou o Presidente John Kennedy ternacionais características daquela época e não da
a fazer um cerco naval e aéreo à ilha, exigindo a reti- forma como são vistas nos dias atuais. Dizia o his-
rada dos artefatos. Intensas e nervosas negociações, toriador francês Lucien Febvre que "a História é
entremeadas por ameaças radicais de parte a parte, filha do seu tempo", ou seja, o fato histórico deve
colocaram o mundo, durante 13 dias de outubro, à ser interpretado à luz da época em que ocorreu e,
Edição Especial - 21
O Tentame Comunista de 1961 – 1964
Antecedentes da Revolução Democrática de 1964
Sergio A. de A. Coutinho *
P
ara bem se compreender a Revolução De- para a tomada do poder pleno e implantar a dita-
mocrática de 1964 é necessário que antes se dura do proletariado. O Partido Comunista Brasi-
saiba que ela foi, no seu primeiro momento leiro, assim, abandonara a estratégia do assalto ao
(1964-1967), uma contrarrevolução restauradora. poder que empregara na Intentona de 1935.
A causa fundamental do movimento, cujo
imediato efeito foi a deposição do Presidente João Antecedentes
Goulart, não estava apenas na desordem política,
econômica e social que a inépcia e os projetos Em outubro de 1960, Jânio Quadros, can-
golpistas do primeiro mandatário produziram, didato pela União Democrática Nacional – UDN
levando a Nação à intranquilidade e ao temor. – se elegeu Presidente da República com expressi-
Havia também algo mais perturbador e ameaça- va votação. João Goulart, do Partido Trabalhista
dor - a revolução comunista - ressurgente, velada, Brasileiro – PTB – foi também eleito como Vice-
mas pressentida no tumulto dos acontecimentos. Presidente, em candidatura desvinculada e em
A segunda tentativa concreta de tomada do poder oposição à chapa de Jânio, paradoxo permitido
que os comunistas faziam no Brasil. pela Constituição de 1946. Para garantir esta vitó-
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) – o ria, aceitou acordo político eleitoral com o Parti-
partidão de Luiz Carlos Prestes – aceitou a estraté- do Comunista Brasileiro que, na ilegalidade, não
gia da via pacífica para a tomada do poder, reco- podia ter candidato próprio.
mendada por Moscou depois do famoso XX Con- Jânio Quadros tomou posse em 31 de janei-
gresso convocado por Kruschev em 1956. A via ro de 1961, porém, durou pouco o seu governo.
pacífica consistia, e ainda consiste, em conduzir a Inesperadamente, sem explicações razoáveis à épo-
revolução em duas etapas. A primeira, conquistar ca (25 de agosto de 1961), Jânio Quadros renun-
o governo pela via eleitoral legítima: a revolução ciou, criando uma grave crise político-institucio-
nacional-democrática, como é denominada pelos nal. O sucessor legal do Presidente renunciante era
teóricos comunistas. Estabelecido o governo po- o Vice-Presidente Goulart, naquele momento fora
pular, o segundo passo – a Revolução Socialista – é do País, em visita oficial à China Popular.
acumular forças, isto é, preparar o golpe-de-estado Conhecedores dos projetos revolucionários
Edição Especial - 23
O esquema guerrilheiro das Ligas durou cerca de Por sua vez, Leonel Brizola exigiu o Mi-
um ano. Em 1962, na área em que estava sendo nistério da Fazenda para si, posição que lhe
implantado em Dianópolis/Go, foi desbaratado garantia condições para realizar o seu projeto
pessoal de conquistar o poder. Também neste
episódio, a oposição foi tão grande que o Pre-
sidente não teve condições de nomeá-lo. Este
fracasso levou Brizola a nova postura, agora
nitidamente insurrecional. Para ele, a concre-
tização das reformas só seria “possível, com a
tomada do poder pelas armas, e com apoio do
por tropas federais, por determinação do próprio povo” O aliciamento de militares (oficiais na-
Governo Goulart, que tinha posição coincidente cionalistas, sargentos e marinheiros) seria na
com a do PCB, que se opunha à via campesina do direção da articulação de um golpe nacionalis-
movimento. ta; e muitos se deixaram seduzir pelo discurso
Em resumo, desde a renúncia de Jânio Qua- do ex-governador.
dros, em 25 de agosto de 1961, até a eclosão do Em 1963, foram criados os chamados
movimento cívico-militar de 31 de março de 1964, Grupos dos Onze, que seriam as bases de massa
estavam em andamento dois projetos contra a de- e o braço armado de um futuro partido revolu-
mocracia brasileira: um golpe nacionalista-popu- cionário, cujo objetivo seria a implantação de
lista e uma revolução comunista. O primeiro, lide- um governo nacionalista popular, conhecido
rado pelo próprio Presidente e pelo seu cunhado, como República Sindicalista.
ex-governador do Rio Grande do Sul. O segundo, Elementos de estrita confiança do coman-
conduzido pelo Partido Comunista e seu secretá- do nacionalista “ajudariam os sargentos a to-
rio Luiz Carlos Prestes. Em torno destes projetos, marem os quartéis e a preservarem a legalidade.
toda a esquerda restante agitava, apostando na ten- Cada sargento comandaria três grupos dos onze”
dência que melhor coincidisse com os seus pontos (Denis de Moraes, A Esquerda e o Golpe de 64).
de vista e objetivos. As reformas de base eram a grande bandei-
No movimento nacionalista-populista, tan- ra do movimento nacionalista-populista tanto
to o Presidente da República quanto o ex-gover- como instrumento de mudanças institucionais,
nador do Rio Grande do Sul “queriam o poder como de conquista do poder. As reformas eram
para si; cada qual a seu modo procurou utilizar o mal explicadas, nunca se revelando exatamen-
movimento (...)”. O Presidente tentou o seu proje- te o que seriam. Eram citadas: a reforma agrá-
to antes de se comprometer mais a fundo com os ria, a reforma urbana, a reforma educacional,
comunistas. Propôs o estado de sítio, a pretexto a reforma tributária, a reforma administrativa,
de uma suposta radicalização da direita, porém a reforma eleitoral, a reforma universitária, a
sofreu oposição de todos os setores, inclusive da reforma bancária, a reforma nas relações com
própria esquerda que também se sentiu ameaçada. as empresas estrangeiras. Serviam para tudo, até
A medida não foi aprovada. para justificar um golpe popular.
Edição Especial - 25
O Presidente não teve outra alternati-
va: negociou com o PCB. Ele “apresentaria
a plataforma de um governo nacional e de-
mocrático, anti-imperialista e reformista”; o
Partido “lançaria oficialmente a candidatura
(do Presidente) à eleição de 1965”. O líder
comunista “pregava publicamente a conti-
nuidade do Presidente, com golpe” (Luiz
Mir, op cit). O continuísmo permitiria o
prosseguimento do trabalho de domínio do
governo em curso e a consolidação das posi-
O clímax da agitação e propaganda se deu
ções já alcançadas pelo Partido.
no Comício pelas Reformas, realizado em frente
da estação da Central do Brasil, em 13 de março
Agitação e Propaganda
de 1964, no Rio de Janeiro. Com artifícios esper-
tos para reunir os trabalhadores, os organizado-
No período de 1961 a 1964, todas as organi-
res concentraram uma multidão de cerca de 100
zações de esquerda desenvolveram intenso trabalho
mil pessoas. Com a presença do Presidente da
de agitação, com início nos episódios da campanha
República e sua esposa, de ministros de estado e
pela posse do vice-Presidente (1961) e na campa-
dos principais líderes nacionalistas, populistas e
nha para restabelecer o sistema presidencialista, por
comunistas, os sucessivos oradores radicalizaram
meio do plebiscito previsto no Ato Adicional que
(suas posições), com suas propostas para forma-
implantou o parlamentarismo (1962).
ção imediata de um governo verdadeiramente
popular e de mudanças na Constituição que via-
bilizassem as reformas de base.
Edição Especial - 27
A crescente agitação política e social, o desgo-
verno e a evidência de um movimento comunista
em marcha acabaram por gerar uma sensação de
insegurança geral. Embora o centro de inquietação
e de crescente oposição estivesse principalmente na
classe média, também os trabalhadores em geral se
sentiam insatisfeitos e inseguros. A desorganização
geral, a inflação, o desabastecimento, a corrupção
e a ameaça latente da ruptura da ordem política e
social atingiam toda a sociedade.
O caos programado.
Edição Especial - 29
As Forças Armadas. greves em setores essenciais, comandadas por
sindicalistas estreitamente ligados ao gover-
Curiosamente, ambas as correntes - a no, e o clima de desordem acentuava-se com
janguista-brizolista e a comunista - viam na arruaças e ameaças de intervenção de grupos
adesão e participação das Forças Armadas e, armados sob a liderança de Leonel Brizola. A
em especial do Exército, condição imprescin- população sofria com o desabastecimento de
dível para a conquista de seus objetivos. gêneros básicos, os frequentes e inopinados
Para isso, fazia-se mister neutralizar, en- cortes de energia elétrica e a quase diária pa-
fraquecer e solapar as lideranças contrárias ralisação do transporte público.
aos seus desígnios e montar um “dispositivo Arregimentada pela grande imprensa,
militar” confiável, capaz de permitir e apoiar pela Igreja católica e por líderes políticos,
a ensandecida marcha no rumo do totalita- a opinião pública começara a protestar e a
rismo. Os chefes militares foram classificados participar, maciçamente, de manifestações
em dois grandes grupos: havia os “generais do contra aquele estado de coisas. Em tão con-
povo” e os “entreguistas”; as divisões inter- turbado ambiente, três eram os cenários
nas foram fomentadas; e criou-se artificial e mais prováveis para a evolução do quadro
perigosa cisão entre oficiais e graduados. Os nacional: a implantação de um regime di-
sagrados princípios da hierarquia e da disci- tatorial de esquerda; o agravamento do
plina passaram a sofrer permanente ataque. anarquismo sindical, com hiperinflação; e a
Em janeiro de 1964, Prestes viajou a eclosão de uma guerra civil com conotações
Moscou e, na síntese sobre a situação brasi- ideológicas. Claramente, a sucessão demo-
leira apresentada aos chefes soviéticos, dei- crática normal, prevista para ocorrer no ano
xou claro o papel e a importância dos mili- seguinte (1965) tornava-se a cada dia mais
tares brasileiros no processo revolucionário distante e implausível.
vermelho: Confiantes no controle das “forças popula-
... Oficiais nacionalistas e comunistas assegu- res” e no apoio do “dispositivo militar” Jango,
rarão, pela força, um governo nacionalista e anti- Brizola e Prestes buscaram escalar a crise, na
imperialista... As reformas de base acelerarão a certeza de alcançar, em curto prazo, desfecho
conquista dos objetivos revolucionários ... O grande favorável a seus propósitos. Três episódios ca-
trunfo será o dispositivo militar. racterizariam essa decisão: o comício realiza-
do em frente ao prédio da Central do Brasil,
A Escalada e os Cenários Prováveis. em 13 de março, marcado pela agressividade e
radicalização das posições; o motim de mari-
Ao iniciar-se o mês de março de 1964, nheiros e fuzileiros navais, em de 25 de março;
o ambiente de desordem e intranquilidade e o discurso pronunciado por João Goulart no
atingira novos patamares. Sucediam-se as Automóvel Clube, em 30 de março.
Edição Especial - 31
Dias de Insegurança e Intranquilidade
A partir dos últimos meses de 1963 e do início de 1964, a Nação passa
a viver dias de crescente insegurança e intranquilidade. Em meio à
estagnação econômica e inflação descontrolada, o governo promovia a
anarquia e o caos.
Edição Especial - 35
36 - Revista do Clube Militar
Edição Especial - 37
38 - Revista do Clube Militar
O Globo - 07 de setembro de 1963
Edição Especial - 39
Citações
“A democracia não é mais do que uma tá-
tica, descartável como todas as outras.” (Vladimir
Illitch Ulianov, mais conhecido como Lênin).
“Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se
“ ... Muito antes do golpe de 1964, já par- uma situação pré-revolucionária e o golpe direi-
ticipava ativamente da luta revolucionária no tista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter con-
Brasil na medida das minhas forças. Creio que trarrevolucionário preventivo. A classe domi-
desde 1957, ou melhor, desde 1955 (...) Naquela nante e o imperialismo tinham sobradas razões
altura o povo começava a contar com a orienta- para agir antes que o caldo entornasse”. (Jacob
ção do Partido Comunista Brasileiro ...” Gorender - do PCBR, no livro “Combate nas Trevas”)
“Até 1964, não havia problema de clan-
destinidade nem nada disso. Dentro dos quar- “No Brasil, estamos discutindo se vamos
téis trabalhávamos com relativa liberdade e fa- chegar ao socialismo pelas armas ou pelo ca-
zíamos recrutamento político abertamente. Eu, minho pacífico. Lá chegaremos, por uma for-
por exemplo, algumas vezes chegava a reunir ma ou por outra. Esperamos o apoio do povo
50 ou 60 soldados numa sala do quartel e dis- cubano.” (Vicente Goulart, sobrinho de João
cutia com eles o problema da revolução (...)” (ex- Goulart, em visita a Cuba – Jornal “O Globo”,
sargento Pedro Lobo de Oliveira, em depoimento para 29 de março de 1963)
o livro "A Esquerda Armada no Brasil", de Antonio
Caso - Moraes Editores). “Por ordem do Partido Comunista da União
Soviética, a KGB dava dinheiro a cada Partido
“Fadado a um grande destino, o Brasil se- Comunista de outros Países, inclusive o Brasil.
ria a terceira grande revolução neste século. A Desde o fim da Segunda Guerra, foram milhões
primeira, a União Soviética, segunda, a Repú- de dólares”, revelou ao repórter da rede Globo, Gene-
blica Popular da China e a terceira, a Repúbli- ton Moraes Neto, para o Fantástico, em 27/11/2005, o
ca Democrática Popular do Brasil. ... Moscou e general Oleg Kalugin, que foi diretor do Departamento
Pequim, as capitais que encabeçaram ou preten- de Contra-Informação Externa na KGB, em Moscou
deram conduzir a revolução socialista mundial, (transcrito do site: Usina de Letras).
voltaram-se para este país sempre com um olhar
de admiração e urgência. Consenso universal à “... Não há país onde, depois de instaurado
alteração estratégica que uma revolução no Bra- um regime comunista, não tenha sido imposto
sil provocaria no cenário internacional e na rela- um sistema de terror. Podem variar os meca-
ção de forças das superpotências. Para os brasi- nismos do exercício do terror, a quantidade e
leiros e estrangeiros que a tentaram neste século a qualidade das vítimas, mas está em todo o
foi a revolução impossível.” (Luis Mir, "A Revolução lugar, temos que repetir com força, em todo o
Impossível” - Editora Best Seller - 1994 - pag. 10 e 11). lugar, a idêntica ferocidade, a arbitrarieda-
de e a enormidade no uso da violência para a
“O que sucede no País não é mais do que manutenção do poder.” Norberto Bobbio, filóso-
o começo do mesmo processo revolucionário gi- fo italiano, inspirador da “nova esquerda”, em entre-
gantesco que se pode ver no mundo todo. São ri- vista ao jornal italiano 'L’Unitá'. (Transcrito do site:
dículas as pretensões dos burgueses de quererem www.ricardobergamini.com.br)
conter ou controlar a revolução, falando da vo-
cação cristã e ocidental do Brasil.” (Jornal “Frente
Operária”, órgão do Partido Comunista Brasileiro, edi-
ção de 5 a 11 de abril de 1963).
Do livro ORVIL
Edição Especial - 41
O Comício de 13 de Março de 1964
Fonte: http://www.pdt-rj.org.br/primeirapagina/asp?id=182
Fonte: http://politica3unifesp.wordpress.com/as-explicacoes-para-o-golpe-de-1964
Do livro ORVIL
A
pesar da con- garam a cumprir a ordem de prisão do Governador
juntura interna, foram punidos. Sob o estímulo emocional dessas
eem 1963, mais prisões, criou-se um grupo conspiratório. Lidera-
de oitenta por cento dos do pelo então Coronel João Baptista de Figueire-
militares continuavam do, esse grupo congregava a maioria dos oficiais da
com sua postura legalis- Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
ta. Dos restantes, aproxi- e recebera a adesão dos Oficiais da Escola Supe-
madamente a metade fa- rior de Guerra. Graças à confiança que esse grupo
zia parte do dispositivo depositava no General Castello Branco, decidiram
janguista ou concordava seus membros confiar suas apreensões ao Chefe
com suas posições e os demais eram ativistas da do Estado-Maior do Exército. Aceito o contato
Revolução. Destes últimos, alguns, em especial os reservado, o General Castello Branco integrou-se
da reserva, haviam começado a atuar desde a pos- de forma efetiva ao esquema revolucionário. Com
se de Jango, ligando-se, orientando e participando ele viriam os oficiais generais a ele ligados, como
das organizações civis mencionadas neste capitulo. Mamede, Malan, Ernesto Geisel e Golbery. Este
Outros, deixados sem função, começaram a cons- último, havia algum tempo, era ligado ao IPES.
pirar nesse ano, como era o caso do então General- Esse grupo, que passaria a ter um importan-
de-Exército Cordeiro de Faria. Como o movimen- te papel no movimento revolucionário, elaborou
to não engrenava no setor militar, onde o episódio um plano defensivo que visava a proteger as ins-
da posse em 1961 ainda era um obstáculo decisivo, tituições e as próprias Forças Armadas contra a
passaram a trabalhar suas ideias entre os civis. Seus tentativa de tomada do poder pelas esquerdas. O
contatos mais importantes seriam os governadores. plano baseava-se nas seguintes premissas: resistir e
Em setembro, com o levante dos sargentos estimular a resistência civil; dar ânimo aos políti-
em Brasília, começou a haver uma mudança de cos a se oporem às proposições esquerdizantes; e
posicionamento nas Forças Armadas. Pelo menos preparar a própria resistência militar. Essa conspi-
parte dos quadros começou a questionar-se sobre ração de cúpula não afetaria, ainda, a disposição
os acontecimentos. da grande maioria dos militares, que se mantinha
No dia 4 de outubro, houve a tentativa frus- fiel à Constituição.
trada da prisão do Governador da Guanabara e da Quando se tomou conhecimento da estru-
decretação do estado de sítio. Os oficiais que se ne- tura e da dinâmica do comício programado para
Edição Especial - 45
ombro a ombro, numa massa compacta que to- que se constituiu numa resposta ao comício do dia
mava toda a rua. 13 e viria exercer forte impacto sobre os militares
Veteranos jornalistas informam que nunca legalistas. Mas a ameaça do uso da força, implícita
viram tão formidável concentração humana. Com no apelo de Goulart, para instaurar a crise fora do
certa timidez, a massa é estimada em 500 mil pesso- sistema político, geraria outras reações. Muitos gru-
as, outros estimam em 600 mil, mas, incluindo as pos civis começaram a armar-se. A arena passara da
ruas de acesso, é legitimo estimar-se em 800 mil. área política para a da violência.
O desenvolvimento da crise atingia tal ampli- A “Marcha da Família com Deus pela Liber-
tude e era tanta a inquietação nas Forças Armadas dade” foi outro impacto para os militares legalis-
que o General Castello Branco decidiu orientar os tas, e outras marchas começaram a ser realizadas
quadros, em instrução reservada de 20 de março, com igual êxito em diversas capitais brasileiras.
Edição Especial - 47
Circular Reservada do
Chefe de Estado-Maior do Exército
(20 de março de 1964)
Ministério da Guerra
Estado-Maior do Exército
Edição Especial - 49
Citações
“Os sinais de conspiração janguista po- “... O Brasil teve, nos últimos seis me-
diam ser vistos por toda a parte, segundo Jú- ses de Jango, trezentas e sessenta greves. Ha-
lio Mesquita Filho. O próprio governo orien- via um caos no país. Uma inflação terrível;
tava as greves que se sucediam e incentivava o déficit da balança de pagamentos era uma
a quebra da hierarquia militar, apoiando os vergonha. Faltavam alimentos. ... E a situa-
sargentos e marinheiros em rebelião contra ção foi agravada pela subversão. Vieram as
seus superiores. No meio da sucessão de crises, greves cada vez mais revolucionárias. Houve
Luís Carlos Prestes chegou a dizer publica- o movimento dos marinheiros, dos sargentos,
mente que os comunistas já estão no governo que foi o clímax. Os marinheiros se levanta-
embora ainda não no poder.” (O Estado de S. ram contra os oficiais e o governo.
Paulo - caderno 2 - “Trajetória de um liberal
movido pelo amor ao País” - 12/07/1999). ... Veio o Movimento de 64. O que foi o Mo-
vimento de 64? Uma união do Brasil inteiro. A
“Como qualificar o posicionamento das Rede da Democracia, que foi uma rede nacional
Forças Armadas em 1964? Revolta? Golpe de de rádio para combater o comunismo, é emble-
Estado? Revolução? Para responder a essas mática nesse sentido. Quem comandava a Rede
indagações, cabe antes fazer mais uma per- da Democracia? A Rádio Globo, do Roberto Ma-
gunta: o que desejava a sociedade naquela rinho; a Rádio Tupi, do Chateaubriand; e a Rá-
ocasião? Certamente ela estava muito pre- dio Jornal do Brasil, do Nascimento Brito. Os
ocupada e inquieta com os níveis de desor- três se detestavam e, no entanto, se uniram...”
dem, insegurança e a possibilidade iminente Aristóteles Drummond em "Um Caldeirão Chama-
de um golpe comunista. Que fazer quando já do 1964" – Editora Resistência Cultural
não há mais um governo que mereça respeito
e confiança ou quando ele mesmo é o prin- “É necessário considerar, desde já, o
cipal agente da desordem e da ilegalidade? maquiavelismo cruel e implacável dos chefes
Naquele longínquo 31 de março de 1964, o que comunistas a fim de favorecer essa nova ope-
poderiam e deveriam fazer as Forças Arma- ração de adormecimento da consciência e da
das da nação? A ação das Forças Armadas, responsabilidade nacional dos vigorosos pa-
naquelas circunstâncias, foi um ato lícito e triotas brasileiros. ... O Brasil é hoje um dos
indispensável, conduzido dentro de sua des- países onde a infiltração e o domínio comu-
tinação, com oportunidade e energia neces- nistas alcançaram um ponto tão alto e impor-
sárias para deter a marcha acelerada do país tante, que as próprias fôrças vivas da nação
para a desordem e a violência com o objetivo perderam quase seu espírito de resistência.”
de transformá-lo em um “república sindica- Coronel Ferdinando de Carvalho em “IPM 709 -
lista-marxista.” Gen Helio Ibiapina Lima - “Ex- O comunismo no Brasil” , editado em 1966.
presidente do Clube Militar
Do livro ORVIL
N
o início de maio de 1962, o Ministro da exigências para o fim do
Marinha, Almirante Silvio Mota, foi sur- movimento:
preendido pela fundação da Associação de - substituição do Mi-
Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), nistro da Marinha por um
entidade criada à revelia dos regulamentos militares. dos três almirantes por eles
Sob o pretexto de realizar atividades sociais, indicados (Paulo Mário,
recreativas, assistenciais e culturais, a AMFNB, aqui- Suzano ou Goiano);
nhoada com verbas vultosas, passou a pregar a sub- - anulação das puni-
versão na Marinha. Em setembro de 1963, durante a ções impostas aos membros
cerimônia de posse da nova diretoria da AMFNB, o da diretoria da AMFNB;
Presidente eleito, o marinheiro José Anselmo dos San- - garantia de que nenhum dos amotinados so-
tos, teceu severas críticas às autoridades navais, sendo freria qualquer sanção; e
punido, pelo Ministro da Marinha, com 10 dias de - reconhecimento da existência legal da AMFNB.
prisão. Em protesto pela punição, a ANFMB, em As- Para pôr fim à insubordinação, o Ministro da
sembléia, exigiu do ministro a relevação da prisão. Marinha determinou, na manhã do dia 26, o desloca-
Em face da indisciplina, foi instaurado um Inquérito mento de um contingente de Fuzileiros Navais para
Policial Militar, resultando novas prisões e o enqua- desalojar e prender os amotinados.
dramento de alguns integrantes da AMFND no Códi- Surpreendentemente, alguns integrantes desse
go Penal Militar. contingente depuseram as armas e integraram-se aos
Apesar disso, a agitação prosseguiu, até que, em refugiados no Sindicato, enquanto o restante retor-
25 de março de 1964, 1.400 sócios da AMFNB amoti- nou ao quartel sem cumprir a missão.
naram-se no Rio de Janeiro, abrigando-se na sede do A indisciplina generalizou-se. Na manhã do dia
Sindicato dos Metalúrgicos. Desafiando abertamente seguinte, 27 de março, a Marinha tomava conheci-
as ordens para regressarem aos quarteis, os amotina- mento de que havia, também, movimentos de rebeldia
dos gritavam “Viva Goulart” nas janelas do sindicato em alguns navios da Esquadra. Às 08.30 horas, cerca
e apregoavam subordinar-se somente ao Comandante de 200 marinheiros dirigiram-se ao prédio do Minis-
dos Fuzileiros Navais, o Almirante Cândido da Costa tério da Marinha, em solidariedade aos amotinados.
Aragão, amigo de Goulart e conhecido como “Almiran- Apesar das advertências, eles continuaram avançando,
te do Povo”. somente se dipersando após dois disparos para o ar
Nesse dia 25 e no seguinte, 26 de março de feitos pela tropa que defendia o Ministério.
1964, após sucessivas assembleias, os marinheiros e O Ministro da Marinha resolveu então exonerar
fuzileiros navais amotinados difundiram as seguintes o Almirante Aragão e solicitou apoio de tropa do Exér-
Edição Especial - 51
cito, que cercou o Sindicato dos Metalúrgicos e isolou jada, sem qualquer reação, pelos sargentos e praças que
os amotinados. Algumas horas depois, entretanto, o Pre- vinham sendo submetidos a doutrinação comunizante.
sidente da Repúlica mandou levantar o cerco e “pediu” Dois dias depois daquele insólito episódio, em
aos marinheiros que voltassem para seus quarteis, com 29 de março de 1964, centenas de oficiais da Marinha
a garantia de que não seriam punidos. reuniram-se no Clube Naval, indignados com a quebra
O Ministro da Marinha demitiu-se. Jango recon- da disciplina e da hierarquia. Um manifesto ao povo
duziu o Almirante Aragão ao seu posto e nomeou o Al- brasileiro, assinado por mais de 1.500 oficiais, declara-
mirante da Reserva Paulo Mário como novo Ministro. A va que chegara a hora de o Brasil defender-se. O Exér-
vitória da indisciplina, com o apoio do Governo Federal, cito proclamou solidariedade à Marinha. A imprensa
foi completa. Nessa mesma tarde, os amotinados a come- aderiu. No Congresso Nacional, dezenas de parlamen-
moraram ruidosamente, conduzindo nos ombros o “Al- tares pronunciaram-se contra a indisciplina. Os que
mirante do Povo”. O Presidente incorrera em grave erro, antes não aceitavam os desmandos do Governo passa-
ao julgar que as Forças Armadas assistiriam passivamente ram a agir. Os que ainda aguardavam, desiludiram-se
a essa escalada da subversão e que a oficialidade seria ali- e engrossaram as fileiras dos verdadeiros democratas.
A
cesas estavam, ainda, as Dezenas de comunistas confraternizaram-se com
paixões desencadeadas os militares. O ambiente atingiu o auge da exaltação
pela vitoriosa rebelião quando se abraçaram, sob aplausos gerais, o Almirante
dos marinheiros. De um lado, Aragão e o Cabo Anselmo. Os oradores, inflamados, dis-
as forças democráticas já se ar- cursavam repisando a tônica das reformas.
ticulavam contra o governo da Discursos atentatórios à hierarquia e a disciplina
indisciplina. Do outro, Jango foram pronunciados. O Sargento Ciro Vogt, um dos ora-
apoiava-se no PCB, nas organizações de massa e num dores, foi estrepitosamente vaiado, porque, atendendo
pretenso “esquema militar”. Pretendia, entretanto, dar aos regulamentos disciplinares, limitou-se a apresentar as
uma demonstração de força aos que o criticavam pela reivindicações de sua classe, sem abordar temas políticos.
posição assumida no episódio da rebelião dos marinhei- Mas o ponto alto da reunião foi o discurso do
ros, mostrando que tinha prestígio junto aos escalões Presidente da República. Inebriado pela calorosa re-
menores das Forças Armadas. cepção dos sargentos e incentivado pelos constantes
Alguns meses antes, a Associação dos Subtenentes aplausos, Jango fez um dos discursos mais inflamados
e Sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro convi- de sua vida pública. Defendeu os sargentos amotina-
dara o Presidente para comparecer às comemorações do dos. Propugnou pelas reformas de base. Acusou seus
aniversário da entidade. Naquela oportunidade, Jango adversários, políticos e militares, de estarem sendo
aceitou o convite, mas adiou o seu comparecimento subsidiados pelo estrangeiro. Ameaçou-os com as de-
sem marcar data. Entretanto, chegara a hora ... Na noite vidas “represálias do povo”.
de 30 de março de 1964, a Associação realizou a reunião A televisão mostrou “ao vivo” essas cenas. Muitas
na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, com das pessoas que as assistiam sentiram que, após aquela
a presença de centenas de sargentos, além de diversos reunião, a queda de Jango era iminente.
oficiais e ministros, dentre os quais o novo Ministro da Na verdade, fora seu ú1timo discurso como Presi-
Marinha, Almirante Paulo Mário. dente da República.
Edição Especial - 55
Ao apelo ao Congresso, dizemos sim.
O sistema democrático não impede, também, os estímulos do povo à fixação de problemas e à
sugestão de fórmulas que os solucionem.
Consideramos, todavia, insuportável o desprezo pelas instituições representativas.
Esperamos uma atitude franca e clara do Presidente da República. Sem desconhecermos a existên-
cia de transformações revolucionárias em curso, resultantes da tomada de consciência do nosso povo
e exacerbadas pelo processo inflacionário, afirmamos que a revolução comandada de cima não é outra
coisa senão o golpe de Estado.
Estamos dispostos a lutar contra o golpe.
Já não há lugar para sistemas ditatoriais arquivados em nossa História.
A aventura de suprimir qualquer dos mandatos nos levará, fatalmente, à guerra fratricida, cuja
conseqüência não será a renovação que desejamos, mas a ruína da pátria e o retardamento da libertação
econômica, social e política, a que aspira todo o povo brasileiro.
Esperamos uma atitude clara e coerente do Congresso Nacional. Nas mãos de deputados e senado-
res está o poder de equacionar as reformas e de efetuá-las, sem o sacrifício das instituições democráticas.
O povo condenará seus legisladores, se ficarem insensíveis e inertes.
Esperamos uma atitude clara e conseqüente das Forças Armadas. A Lei Maior fez delas, não defen-
soras de parcialidades do País, mas de toda a Pátria; não garantidoras de um, mas dos poderes constitu-
cionais; servidoras, não de situações e eventualidades, mas da lei e da ordem.
Este pronunciamento é também uma convocação. A todos os mineiros. Ao trabalhador, ao ho-
mem de empresa, ao jovem, à mulher, ao soldado, ao intelectual, ao funcionário público, à imprensa,
às escolas, às oficinas.
Juntos, digamos ao Brasil que Minas está determinada a preservar a democracia e a tradição cristã;
a lutar pela justiça social, contra o desespero; contra o ódio entre irmãos; contra fanatismos, contra a
irresponsabilidade.
Minas quer impedir o caos a que estamos sendo arrastados.
Brasileiros! Juntos, lutemos pela paz”.
“O apelo dirigido à Nação pela Marinha de Guerra do Brasil não pode deixar de repercutir no espí-
rito dos responsáveis pela sobrevivência da ordem democrática em nosso País.
Não se trata, agora, de simples episódio interno de disciplina que precisa ser mantida naquele setor
das nossas Forças Armadas. Muito mais que isso, estão em causa os próprios fundamentos do regime de-
mocrático, que têm nelas os elementos específicos de sua segurança.
Traduzindo princípios geralmente consagrados e enraizados nas tradições da nossa organização po-
lítica, a Constituição brasileira caracterizou as Forças Armadas como instituições nacionais, na base da
disciplina e da hierarquia, para a finalidade de defenderem a Pátria e garantirem os Poderes constituídos,
a ordem e a lei. Se, por influência de inspirações estranhas e propósitos subversivos, são comprometidas a
hierarquia e a disciplina sem as quais elas não sobrevivem, têm as Forças Armadas não só o direito como
também o dever de pugnar pela sua própria integridade, pois de outra maneira não cumprirão o pesado e
glorioso destino que a Constituição lhes assinala.
Por isso, atendemos ao apelo da Marinha brasileira e lhe damos, neste momento delicado, a nossa
solidariedade que sobretudo exprime, estamos certos, a solidariedade do povo mineiro nos seus anseios de
ordem, de progresso e de paz.
Não apoiaríamos nunca qualquer movimento que viesse apenas agravar a intranqüilidade dos brasi-
leiros, já tão angustiados de aflições; que embaraçasse a marcha acelerada em que deve caminhar o nosso
desenvolvimento social, econômico e político; que perturbasse o clima de paz de que o povo necessita
para realizar os trabalhos de cada um e as tarefas do bem comum. A nossa posição continua a ser pelas
reformas, sem as quais o povo não conhecerá o bem-estar e não conseguirá superar a estagnação e o atraso.
Não podemos permitir, entretanto, que as reformas sejam usadas como pretexto para ameaças à paz pú-
blica, e, através da inquietação e da desordem, um processo de erosão do regime democrático. Reformas,
sim, e urgentes, mas dentro da democracia, porque fora da democracia perecerão as inspirações cristãs e
populares que as devem orientar. As radicalizações ideológicas, sobretudo quando a ideologia inspiradora
é incompatível com o que há de mais entranhado na formação do povo brasileiro, só podem contribuir
para embaraçar ou retardar as reformas democráticas. Porque as desejamos sinceramente, não as queremos
ver substituídas, afinal, pela simples e sinistra implantação de sistemas despóticos.
Contra isso brada a formação do povo mineiro, que tem como seu ponto mais alto o amor à liberda-
de. Nossa atitude, neste momento histórico, não representa senão o dever de nos inclinar aos imperativos
dessa vocação. E Minas se empenhará com todas as suas forças e todas as energias de seu povo para a res-
tauração da ordem constitucional comprometida nesta hora.
Edição Especial - 57
Relatório do Chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas ao Presidente da República
É ilustrativo o Relatório do Chefe do EMFA, General Pery Bevilacqua, dirigido ao Presidente
João Goulart, a quem era leal. Este documento foi encaminhado à imprensa, para esclarecimento
da opinião pública, precedido pelas seguintes considerações:
A - Moral e disciplina
O estado moral e disciplinar do Exército e da Aeronáutica, a despeito das apreensões que pesam so-
bre o espírito dos chefes militares, em constante estado de alerta para impedir as infiltrações de elementos
subversivos que chegam a iludir a boa fé de certas autoridades, apesar de ainda poder-se considerar bom,
apresenta-se suscetível de bruscas variações, devido à tensão a que têm estado submetidos pelo processo
comuno-desagregador em desenvolvimento no país, culminando com a indisciplina militar ocorrida na
Semana Santa.
A Marinha se acha ainda em recuperação da grave crise disciplinar por que acaba de passar. A res-
tauração da disciplina será abreviada mediante algumas medidas adequadas baseadas principalmente na
aplicação rigorosa e impessoal de prescrições regulamentares e na instrução e no trabalho profissional
intensos. O restabelecimento da unidade moral, com base no respeito à lei e na confiança recíproca entre
comandantes e comandados, irá depender, principalmente, da ação do governo e da capacidade de coman-
do dos oficiais.
Em essência, o desenvolvimento desse processo subversivo, sem que medidas governamentais objeti-
vas sejam adotadas, em particular as preservadoras da hierarquia e restauradoras da disciplina fundamentos
básicos da organização militar, bem acentuados na Constituição, não permitirá, dentro de muito pouco
tempo, que os chefes militares mantenham seus comandos coesos, por lhes falecerem aqueles elementos
essenciais de aglutinação de qualquer Força Armada.
Edição Especial - 59
B - Ocorrências político-militares recentes e repercussões nas Forças Armadas.
Há no país, incontestavelmente, um clima de apreensão e intranqüilidade em face da ação de-
senvolvida por alguns políticos que, com grave desprestígio para os partidos democráticos existentes,
procuram substituí-los por ajuntamentos dominados por comunistas e que, ao arrepio da lei, buscam
petulantemente pressionar os poderes da República mediante coação sindical através de greves políticas
ou ameaças de greves. E o aspecto de uma ditadura comuno-sindical se alteia sobre a comunidade na-
cional, contribuindo para agravar a inflação que tanto sofrimento tem acarretado ao povo brasileiro.
O comício de 13 de março, na Central do Brasil, convocado pelo CGT e órgãos congêneres e, ao
que consta, resultante de sugestão feita ao Prof. San Thiago Dantas pelo líder comunista Luís Carlos
Prestes, conforme entrevista deste na ABI, publicada no Jornal do Brasil, de 18 de março corrente,
alarmou a opinião pública e teve funda repercussão nos meios militares. Redundou ele, pela palavra
de vários oradores, em agravos ao Poder Legislativo, virtual declaração de guerra às instituições demo-
cráticas e verdadeiro desafio às Forças Armadas, fiéis ao juramento de defender os poderes da União,
harmônicos e independentes, a lei e a ordem. Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os
graus da hierarquia, vêem com crescente apreensão o desenvolvimento da grave crise de autoridade que,
nos dias que correm, forma, com a crise inflacionária, um círculo vicioso, a um tempo causa e efeito
dos males que assoberbam a vida do nosso povo.
A ignomínia de uma ditadura comuno-sindical paira sobre a nação brasileira; os seus audaciosos
arquitetos, escancaradamente, deram prazo ao Congresso Nacional para que, dentro de trinta dias, a
contar da data do seu ultimato, atenda ao pedido de reforma da Constituição contido na mensagem
presidencial, sob ameaça de tomarem medidas concretas, segundo a expressão dos dirigentes do fami-
gerado CGT, não excluindo a hipótese de uma paralisação geral das atividades em todo o país. É o
mesmo que os malfeitores, indiferentes às leis do país e em atitude de desafio às autoridades públicas,
se reunirem e proclamarem a decisão de assaltar determinadas propriedades se não for atendida, dentro
de certo prazo, a intimação feita - “a bolsa ou a vida”!...
O sistema comuno-sindical-grevista, na medida em que se fortalece e amplia, torna-se cada vez
mais perigoso para a segurança do país.
Reafirmo a Vossa Excelência o que já, de algum tempo, venho assegurando e estou certo de ex-
pressar a opinião dominante entre os chefes militares, de que as Forças Armadas não podem dividir
com nenhuma organização as suas atribuições constitucionais; a segurança do governo e das institui-
ções democráticas só pode repousar nas Forças Armadas, na sua lealdade e em sua honra militar. Não
é possível, nesse terreno, a coexistência pacífica do poder militar com o “poder sindical” subversivo e
fora da lei.
Inimigos das reformas são os empreiteiros da desordem, aqueles que a exigem em tom de ameaça
de fechamento do Poder Legislativo, autores intelectuais da intentona de Brasília e da recente rebelião
de marinheiros e fuzileiros navais. A facção sindicalista revolucionária que nos ameaça, através de
hierarquias paralelas, visa ao enfraquecimento do princípio da autoridade e, mediante greves parciais
e sucessivas, tais como engajamentos preliminares, pretende chegar à greve geral, equivalente à batalha
Edição Especial - 61
estão prontas a cumprir o seu dever e assegurar em toda a plenitude o livre exercício dos poderes da
União, dentro dos limites da lei, como assegurar, também, o funcionamento dos serviços essenciais à
vida da população. Ameaçam esses brasileiros inimigos de sua pátria desencadear uma greve geral e total
para impor a sua vontade ao Congresso, à custa do sofrimento de todo o povo brasileiro, convertido,
assim, em indefeso refém. Isso, porém, que seria a implantação de uma indisfarçada e hedionda ditadu-
ra comuno-sindical que arrasaria o princípio da autoridade e o próprio regime constitucional, somente
poderia ocorrer com a capitulação do Governo legalmente constituído, o qual contará sempre, para
cumprir o seu dever e para a sua defesa, com a lealdade das Forças Armadas, fiéis ao seu compromisso
de honra perante a bandeira. Os comunistas sabem perfeitamente disso e, não podendo derrotá-las de
frente pela força, buscam solapar-lhes a hierarquia e a disciplina, que são os seus fundamentos vitais.
As Forças Armadas do Brasil - afirmo a Vossa Excelência, senhor Presidente, com legítimo or-
gulho e absoluta certeza por estar com elas identificado e servi-las há 47 anos - são profundamente
democráticas e, portanto, favoráveis às reformas de base, cristãs e democráticas, em benefício do povo
brasileiro e não contra o povo brasileiro, servindo de mero pretexto para manobras políticas de ambi-
ciosos e desalmados inimigos da “ordem e progresso”, que supõem poder reduzir a nossa gente a um
povo sem ideal cívico, de eunucos morais destituídos de amor à liberdade e incapazes de reagir. A nossa
história desmente essa falsa perspectiva. A consciência cristã e democrática do nosso povo reagirá aos
liberticidas e com ele, coerente com as suas tradições, as Forças Armadas, que nada mais são do que o
povo fardado. Assim foi em todas as épocas, como recentemente, na crise da renúncia do Presidente
Jânio Quadros.
constitucionais, consoante o compromisso solene que V. Exa assumiu com a nação brasileira, ao cingir
a faixa presidencial, desde que prontamente sejam restabelecidos o princípio da autoridade e o clima
de disciplina militar, profundamente abalado pelas últimas ocorrências verificadas na Marinha. Dessa
forma poderá V. Exa, tranqüilamente, agir com energia contra aqueles inimigos que buscam solapar a
No mesmo dia em que este Relatório foi entregue ao Presidente João Goulart, 31 de março de
64, tropas do Exército, sediadas no estado de Minas Gerais, deflagraram o movimento armado, tendo
recebido o apoio das demais forças de terra, mar e ar, bem como a inestimável aliança dos Governos
de Minas Gerais, de São Paulo, da Guanabara, do Rio Grande do Sul e de Alagoas. Houvera uma ante-
cipação do início da Revolução.
Edição Especial - 63
Proclamação do Governador Magalhães Pinto,
em 31 de março de 1964
“Brasileiros:
Foram inúteis todas as advertências que temos feito ao País contra a
radicalização de posições e de atitudes, contra a diluição do princípio federa-
tivo, pelas reformas estruturais, dentro dos quadros de regime democrático.
Finalmente, quando a crise nacional ia assumindo características cada vez
mais dramáticas, inútil foi, também, nosso apelo ao Governo da União para
que se mantivesse fiel à legalidade constitucional.
Tivemos, sem dúvida, o apoio de forças representativas, todas empe-
nhadas em manifestar o sentimento do povo brasileiro, ansioso de paz e de
ordem para o trabalho, único ambiente propício à realização das reformas profundas que se impõem, que a
Nação deseja, mas que não se justificam, de forma alguma, com o sacrifício da liberdade e do regime.
O Presidente da República, como notoriamente o demonstram os acontecimentos recentes e sua pró-
pria palavra, preferiu outro caminho: o de submeter-se à indisciplina nas Forças Armadas e o de postular
e – quem sabe? – tentar realizar seus propósitos reformistas com o sacrifício da normalidade institucional, e
acolhendo planos subversivos que só interessam à minoria desejosa de sujeitar o povo a um sistema de tirania
que ele repele. Ante o malogro dos que, ao nosso lado, vinham proclamando a necessidade de reformas fun-
damentais, dentro da estrutura do regime democrático, as forças sediadas em Minas, responsáveis pela segu-
rança das instituições, feridas no que mais lhes importa e importa ao País – isto é, a fidelidade aos princípios
de hierarquia garantidores da normalidade institucional e da paz pública –, consideraram de seu dever entrar
em ação, a fim de assegurar a legalidade ameaçada pelo próprio Presidente da República. Move-as a consci-
ência de seus sagrados compromissos para com a Pátria e para com a sobrevivência do regime democrático.
Seu objetivo supremo é o de garantir às gerações futuras a herança do patrimônio de liberdade política e de
fidelidade cristã, que recebemos de nossos maiores e que não podemos ver perdida em nossas mãos.
A coerência impõe-nos solidariedade a essa ação patriótica. Ao nosso lado estão todos os mineiros, sem
distinção de classes e de condições, pois não pode haver divergência quando em causa está o interesse vital
da Nação brasileira. É ela que reclama, nesta hora, a união do povo, cujo apoio, quanto mais decidido e sem
discrepâncias, mais depressa permitirá o êxito dos nossos propósitos de manutenção da lei e da ordem. Que
o povo mineiro, com as forças vivas da Nação, tome a seu cargo transpor esse momento histórico. Só assim
poderemos atender aos anseios nacionais de reforma cristã e democrática. Esse é o fruto que nos há de trazer
a legalidade, por cuja plena restauração estamos em luta e que somente ela poderá conseguir”.
Edição Especial - 65
A Participação da
Academia Militar das Agulhas Negras
Extrato do depoimento do Gen Ex Antonio Jorge Correa* ao
General Luiz Nery da Silva (Projeto História Oral do Exército)
No início de 1963, o Gen Bda Pedro Geraldo de Almeida foi substituído no Comando da Academia
Militar pelo Gen Bda Emílio Garrastazu Médici que, tão bem, a conhecia, pois participara, como seu Sub-
comandante, nos anos de 60 e 61. De imediato, o novo Comandante organizou sua equipe, levando-me
como seu Subcomandante e o Cel Moacyr Barcellos Potyguara como Comandante do Corpo de Cadetes.
Considerando que, na verdade, de 1960 a 1963, houve profunda mudança no panorama geral do
nosso País, onde o comunismo avançava firmemente na conquista de postos de governo e na tentativa de
subverter a ordem nas Forças Armadas pela inversão da hierarquia e pela indisciplina, abalando sua coe-
são, um dos primeiros atos do Gen Médici foi nomear um Grupo Especial de Trabalho (GET), sob minha
chefia, para intensificação do estudo da Guerra Revolucionária, sendo constituídos quatro grupamentos: 1)
Oficiais do Corpo de Cadetes e do Batalhão de Comando e Serviços; 2) Cadetes; 3) Subtenentes e Sargentos
do BCS; e 4) Oficiais do Magistério e da Administração.
O GET, por determinação do Comandante da AMAN, estruturou-se como um Estado-Maior Ope-
racional, para acompanhar a evolução dos acontecimentos no país; planejar o emprego da tropa; prever
o controle das atividades na área de Resende e tudo que pudesse advir em caso de anormalidade nas áreas
política e militar. Durante aquele ano, o Comandante da AMAN manteve contato constante com os Co-
mandantes do II Exército, 4ª RM/DI e alguns Chefes Militares da Guanabara. Por outro lado, o Gen Mé-
dici acompanhava, de perto, o desenrolar das atividades do GET, na instrução de Guerra Revolucionária e
como Estado-Maior Operacional.
....
Para o ensino da Guerra Revolucionária, o efetivo da Academia foi dividido em grupamentos, como
já foi mencionado. Os oficiais do Corpo de Cadetes e do Batalhão de Comando e Serviços receberam
instrução do GET a ser repassada a seus comandados. O objetivo era não mexer no Corpo de Cadetes e
* À época, era Coronel Subcomandante da AMAN
NOTA ESPECIAL Nº 1 / 64
“1) É inegável que o País está vivendo dias intranqüilos. O que está acontecendo é do conheci-
mento de todos os meus comandados, pois este Comando não tem outras informações que não sejam
as que, ostensivamente, divulga a imprensa falada, escrita e televisiva.
2) A esta Academia Militar, como parte integrante da Instituição Militar vigente no País, cabe,
fundamentalmente, prosseguir no cumprimento de sua nobre missão e garantir, até a última instân-
cia, a manutenção dos princípios basilares da subordinação hierárquica e da disciplina, de compor-
tamento correto e digno em todas as circunstâncias, mesmo as mais adversas.
3) Informo aos meus comandados que este Comando estará rigorosamente atento aos aconte-
cimentos e que divulgará, em tempo oportuno, as decisões que provenham dos Escalões Superiores,
bem como aquelas que julgar mais adequadas às situações que se apresentarem. (Vejam como o Ge-
neral Médici penetrou no problema!)
4) Sei, pela vivência que tenho com todos os meus comandados, de suas preocupações, que não
são maiores que as minhas. Por isso, concito a todos, e a cada um em particular, que mantenham a
tranqüilidade, a calma e a serenidade necessárias à exação do cumprimento dos deveres profissio-
Edição Especial - 67
nais e à confiança na ação do Comando, que será clara e justa na hora aprazada.
5) Torno claro, neste momento, que as características peculiares dessa Instituição ímpar do
Exército impõe a todos os meus comandados, para qualquer atitude ou ação, um sentido único de
união, coesão e vontade de convergir esforços para cumprir as decisões do Comando”.
Edição Especial - 69
Irmãos em Armas
Edição Especial - 71
Ordem do Dia do Comandante da AMAN
Em 02 de abril de 1964
Gen Bda Emílio Garrastazú Médici
Como é imperativo nas situações de emergência que, por dever de ofício, vez por outra têm de en-
frentar as Forças Armadas, a atitude histórica tomada pela Academia Militar das Agulhas Negras foi fruto
de acendrado espírito patriótico, de profunda reflexão e do reconhecimento de suas grandes responsabi-
lidades no panorama nacional.
O senso de patriotismo, que temos cultivado diuturnamente, nos vem da apreciação das páginas glo-
riosas de nossa História e da devoção, sincera e continuada, que nos empenhamos em manter e fortalecer
para com os elementos fundamentais da nacionalidade brasileira.
A meditação, dedicada à evolução da situação nacional e, muito particularmente, à sua fase aguda,
nos foi propiciada pelo interesse em bem servir às legítimas aspirações de nosso povo, pela formação que
nos foi proporcionada no ambiente militar brasileiro e pelo equilíbrio que, de regra, soe advir da convic-
ção nos ideais formulados e perseguidos pelos que amam o seu bêrço natal, a sua família e a sua Pátria.
As responsabilidades da Academia no panorama nacional sempre se nos afiguraram patentes, em
face dos anseios que nos norteiam, do trabalho que habitualmente executamos e do muito que, num Exér-
cito eminentemente democráticos, produzimos dia-a-dia em prol da segurança nacional e do progresso
geral do país.
Este 3 pontos básicos, meus camaradas, materializam a orientação que, conscientemente e inunda-
dos de fervor cívico, seguimos nos últimos dias. Tenho a certeza absoluta de que, ao seguí-la, adotei a única
direção de atuação que despontava, clara e insofismável, do nosso passado, de nossa presente preocupação
com o restabelecimento da Hierarquia e da Disciplina, e de nossos anseios relativos ao futuro. Diante das
notícias desencontradas que inundavam o país, na noite de 31 Mar p. passado, constituí um E M opera-
cional. Coloquei em estado de alerta o CC e dei ordem de prontidão ao BCS.
Com o evoluir dos acontecimentos, ligados a fatos concretos ocorridos em vários Estados da Fede-
ração, os planos e as medidas de controle foram sendo aprofundadas e, na madrugada de 1° Abr, por seu
Cmt, a Academia declarou-se a favor daqueles que pugnavam pelo restabelecimento, no país, do clima
coerente com suas tradições cristãs e com os sentimentos patrióticos da maioria esmagadora do povo bra-
sileiro. Quando o panorama pareceu claro, a mim e a meus colaboradores diretos, não hesitei um instante
em declarar a grave decisão que tomara, pois a sabia inteiramente legítima, dada a consciência cívica e o
fervor patriótico de meus comandados.
Em decorrência da decisão formulada, empregamos a Cia Gda do BCS na vigilância dos pontos
críticos em torno de RESENDE, estabelecemos as premissas do controle da localidade e a efetivação das
Edição Especial - 73
74 - Revista do Clube Militar
O Globo - 07 de abril de 1964
Edição Especial - 75
76 - Revista do Clube Militar
Site: homemculto.com
http://www.giovanipasini.com/2012_03_01_archive.html
Edição Especial - 77
78 - Revista do Clube Militar
Por que Jango caiu
Adirson de Barros - Revista “O Cruzeiro” - 10 de abril de 1964
O
SENHOR João Goulart perdeu o Êsse dispositivo teve que ser revisto mais
jôgo no momento em que, abando- de uma vez. As contingências do regime par-
nando a tática da conciliação polí- lamentarista obrigaram o Presidente Goulart
tica, que prevaleceu nos dois primeiros anos a manter no Ministério da Guerra o General
de seu govêrno, preferiu comandar ostensiva- Nelson de Melo, notòriamente anticomunista.
mente o esquema da esquerda radical que tinha Derrubado o sistema parlamentar de govêrno,
numa entidade juridicamente ilegal, o Coman- através de uma intensa pressão política, sindi-
do Geral dos Trabalhadores, o centro de suas cal e militar, pôde, então, o Sr. João Goulart
atividades revolucionárias. preparar o caminho para sua futura aliança to-
Chegando ao Poder pela sua extraordiná- tal com as esquerdas.
ria habilidade política, usada principalmente A Marinha e a Aeronáutica passaram a ter, a
no amaciamento dos impulsos revolucionários partir do primeiro ano de govêrno presidencialista,
do seu cunhado Leonel Brizola e de uma pa- comandos fiéis ao Presidente. O Ministério da Guerra
ciente e longa viagem da Ásia a Pôrto Alegre foi entregue, então, ao General Amaury Kruel, amigo
quando ganhou tempo para assumir de modo pessoal do Presidente mas oficial tão anticomunista
pacífico a Presidência vaga com a renúncia de quanto o seu antecessor na Pasta. O Sr. Leonel Brizola
Jânio, o Sr. João Goulart passou a estruturar iniciou, então, e vitoriosamente, uma intensa campa-
um dispositivo de segurança baseado em al- nha, pelo rádio e televisão, contra a permanência de
guns oficiais de sua confiança pessoal. Kruel no comando-geral do Exército.
* Mantem a ortografia da época
Edição Especial - 79
O General legalista Jair Dantas Ribeiro aconselhado tanto política quanto militarmen-
foi convocado para assumir o Ministério da te, o Sr. João Goulart contava, apenas, com
Guerra. Construiu, então, um esquema militar apoios populares, suportes sindicais e sua in-
inteiramente legalista e anticomunista, subs- tuição e habilidade política para sobreviver.
tituindo mais de cem comandos em todo o A inflação se agravava, desmoronavam-se os
território nacional. Para manter, porém, um planos administrativos do Govêrno. Necessá-
dispositivo militar esquerdista, fiel às reformas rio que o Presidente apressasse sua aliança com
econômicas que propunha e à sua futura alian- as esquerdas, passasse a comandá-las ostensiva-
ça com a esquerda, o Sr. João Goulart levou mente a fim de ocupar o espaço de tempo, os
para a chefia de seu gabinete militar o Gene- dois meses que separavam a primeira quinze-
ral Assis Brasil. Aí começou a estruturação de na de março da oficialização da candidatura
uma ampla frente esquerdista, política, sindi- Lacerda, já marcada para princípios de abril.
cal e militar, sob a orientação política da Casa Com a candidatura Kubitschek já lançada pelo
Militar da Presidência. PSD, restava ao Sr. João Goulart fazer a sua
A um ano e meio das eleições presiden- opção: ou marcharia com ela, ou concentraria
ciais o Senhor João Goulart recusava-se a con- seus esforços para a esquematização de uma
versar sôbre a sua sucessão. O Sr. Juscelino candidatura esquerdista com tintas democráti-
Kubitschek, que seria o candidato natural do cas. Êle desprezou a solução eleitoral e decidiu
esquema governista, teve seu nome sumària- romper a barreira da conciliação política, indo
mente vetado pelas fôrças esquerdistas mais ao encontro das lideranças identificadas com o
radicais, que obedeciam ao comando do De- pensamento marxista.
putado Leonel Brizola. Deu-se o esvaziamento Estaria absolutamente convencido o Pre-
da candidatura Kubitschek e o crescimento da sidente Goulart de contar com apoios militares
candidatura Lacerda, na área oposta. para essa jogada? Estaria certo que as fôrças
As lideranças políticas, inclusive as mais militares dariam cobertura, ao menos parcial,
próximas do Presidente Goulart, passaram a às teses defendidas pela esquerda radical e co-
desconfiar das intenções continuístas do chefe munistas no palanque armado em frente ao
trabalhista. O PSD não lhe dava cobertura par- Ministério da Guerra no dia 13 de março? O
lamentar para as reformas. A UDN liderava, simples fato da presença do General Jair Dan-
no Congresso, a anti-reforma. Estruturava-se, tas Ribeiro naquele palanque não autorizava
assim, um dispositivo de defesa do regime de- a ninguém a acreditar que Exército, Marinha
mocrático, que os principais partidos e vários e Aeronáutica estavam solidárias com a nova
governadores comandados por Adhemar e La- posição do Presidente da República.
cerda puseram a funcionar inicialmente na área A partir do comício do dia 13 radicali-
puramente política para, mais tarde, ganhar a zaram-se as posições políticas e as Fôrças Ar-
consciência e o apoio das Fôrças Armadas. madas começaram a sensibilizar-se. O Decreto
O Govêrno fêz várias tentativas de con- de desapropriações de terras, o do tabelamento
tenção dêsse dispositivo oposicionista. Mal dos aluguéis, o de encampação de refinarias de
Edição Especial - 81
lideranças sindicais comunistas. Quando falou situação na Marinha e êle, Goulart, contaria
a sargentos e marinheiros, no dia 30 de março, com o apoio das Fôrças Armadas. Mas o Presi-
atacando seus adversários e mantendo sua de- dente disse não. Não sacrificaria seus aliados,
terminação de ir mais adiante nos seus propó- frase que repetiria, mais tarde ao Ministro Jair
sitos, o Sr. João Goulart fêz, definitivamente, Dantas Ribeiro, quando êste lhe fêz idêntico
sua opção. Preferiu contar com as fôrças popu- apêlo. Estava o Presidente diante de uma op-
lares que esperava se rebelassem em todo o País ção que lhe era colocada pela quase totalidade
para enfrentar a reação política e militar ao seu das Fôrças Armadas: ou desarticularia o dis-
nôvo govêrno, à quebra da hierarquia nas Fôr- positivo de esquerda que passara a comandar,
ças Armadas e ao poder sindical representado ou os generais teriam que tomar posição para
no CGT. defender a integridade do regime democrático
Essas fôrças, porém, não foram suficien- que juraram defender.
tes para manter o Sr. João Goulart no Poder e Conscientemente, o Sr. João Goulart
garantir a sobrevivência de seu esquema políti- marchou para o sacrifício. Não recuou um pas-
co. Muito mais poderosas do que elas, melhor so, quando poderia ter declarado a ilegalidade
articuladas, e com apoio da opinião pública do CGT, reformado o comando da Marinha e
dos principais Estados do País, eram as fôrças mantido a prisão do Almirante Aragão, decre-
contrárias. tada pelo Ministro Silvio Mota. E quando já
O Sr. João Goulart marchou, então, para se esperava o choque das fôrças do II Exército
a luta, consciente de que contava ao menos com as tropas da Vila Militar, que se manti-
com os trabalhadores mobilizados pelos sin- nham fiéis ao Presidente, o General Jair - recu-
dicatos e com a lealdade dos chefes militares sado o apêlo que fêz ao Sr. João Goulart - re-
à autoridade do Presidente da República. Mas nunciou ao pôsto, deixando ao Estado Maior
os sindicatos falharam totalmente na mobiliza- do Exército a decisão suprema. O Presidente
ção das massas operárias, e os chefes militares pensou em resistir, mas nunca na Guanabara,
viram-se na contingência - cruel para êles - de onde os comandos militares agiam com extra-
sacrificar o mandato do Chefe da Nação para ordinária rapidez na mobilização de tropas e
evitar a desagregação das Fôrças Armadas, a to- no encaminhamento de uma solução política
mada do Poder pelo esquema esquerdista radi- para a crise.
cal e, quem sabe, a guerra civil no País. Não tendo renunciado ao pôsto nos mo-
O General Kruel não desejava a deposi- mentos decisivos da crise, o Presidente quis
ção do Presidente. O General Jair nunca a de- que se caracterizasse a sua deposição. Escolheu
sejou. Nem o General Âncora, nem o General o seu caminho, quando teve todas as condi-
Castelo Branco . O Comandante do II Exército ções para contornar a crise no seu primeiro
chegou a sugerir ao Presidente, no momento instante. Trocou o seu mandato pela liderança
em que suas fôrças se preparavam para mar- popular que espera exercer na faixa revolucio-
char sôbre o Rio, que desarticulasse o sistema nária que o Sr. Brizola ocupou sòzinho nos
esquerdista, fechasse o CGT, normalizasse a dois últimos anos.
Edição Especial - 83
“Vive a Nação dias gloriosos. Por- vencidos. Uma razzia de sangue vermelha
que souberam unir-se todos os patriotas, como eles, atravessaria o Brasil de ponta
independentemente das vinculações po- a ponta, liquidando os últimos soldados
líticas simpáticas ou opinião sobre pro- da democracia, os últimos paisanos da li-
blemas isolados, para salvar o que é de berdade” (O Cruzeiro Extra – 10 de abril
essencial: a democracia, a lei e a ordem. de 1964 – Edição Histórica da Revolução – “Sa-
Graças à decisão e ao heroísmo das For- ber ganhar” – David Nasser)
ças Armadas que, obedientes a seus che- - “Golpe? É crime só punível pela
fes, demonstraram a falta de visão dos deposição pura e simples do Presidente.
que tentavam destruir a hierarquia e a Atentar contra a Federação é crime de
disciplina, o Brasil livrou-se do governo lesa-pátria. Aqui acusamos o senhor João
irresponsável, que insistia em arrastá-lo Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-
para rumos contrários à sua vocação e nos na luta fratricida, desordem social
tradições [...]. Como dizíamos, no edito- e corrupção generalizada”. (Jornal do
rial de anteontem, a legalidade não pode- Brasil – Rio de Janeiro – 1º de abril de 1964)
ria ter a garantia da subversão, a âncora - “[...] cuja subversão além de bloque-
dos agitadores, o anteparo da desordem. ar os dispositivos de segurança de todo o
Em nome da legalidade não seria legíti- hemisfério, lançaria nas garras do totali-
mo admitir o assassínio das instituições, tarismo vermelho, a maior população la-
como se vinha fazendo, diante da Nação tina do mundo [...]” (Folha da Tarde –
horrorizada.” (O Globo – Rio de Janeiro – São Paulo – 31 de março de 1964 – Do editorial:
4 de abril de 1964) A grande ameaça)
- “Milhares de pessoas comparece- - “o Brasil já sofreu demasiado com o
ram, ontem, às solenidades que marca- governo atual. Agora, basta” (Correio da
ram a posse do marechal Humberto Cas- Manhã – São Paulo – 31 de março de 1964 –
telo Branco na Presidência da República Do editorial: Basta!)
[...]. O ato de posse do Presidente Caste- - “Quem quisesse preparar um Brasil
lo Branco revestiu-se do mais alto senti- nitidamente comunista não agiria de ma-
do democrático, tal o apoio que obteve.” neira tão fulminante quanto a do senhor
(Correio Braziliense – Brasília – 16 de João Goulart a partir do comício de 13 de
abril de 1964) março [...]” (Jornal do Brasil – Rio de Ja-
- “Vibrante manifestação sem prece- neiro – 31 de março de 1964)
dentes na história de Santa Maria para - “Só há uma coisa a dizer ao senhor
homenagear as Forças Armadas. Cerca João Goulart: Saia!” (Correio da Ma-
de 50 pessoas na Marcha Cívica do Agra- nhã – Rio de Janeiro – 1º de abril de 1964 – Do
decimento.” (A Razão – Santa Maria – Rio editorial: Fora!)
Grande do Sul – 17 de abril de 1964) - “Minas desta vez está conosco [...]
- “Sabíamos todos que estávamos dentro de poucas horas, essas forças não
na lista negra dos apátridas – que se eles serão mais do que uma parcela mínima da
consumassem os seus planos, seriamos incontável legião de brasileiros que an-
mortos. Sobre os democratas brasileiros seiam por demonstrar definitivamente ao
não pairava a mais leve esperança, se caudilho que a nação jamais se vergará às
Edição Especial - 85
a desrespeitar.” (O Globo, 31/03/1964). de vida, a classe média e a classe operá-
“... Além de que os lamentáveis acon- ria? Até que ponto quer desagregar as
tecimentos foram o resultado de um pla- Forças Armadas por meio da indiscipli-
no executado com perfeição e dirigido na que se torna cada vez mais incontro-
por um grupo já identificado pela Nação lável?
Brasileira como interessado na subversão “Não é possível continuar neste caos
geral do país com características nitida- em todos os sentidos e em todos os seto-
mente comunistas.” (Correio do Povo, res. Tanto no lado administrativo como
31/03/1964). no lado econômico e financeiro.
“O Presidente da República sente-se “Basta de farsa. Basta da guerra psi-
bem na ilegalidade. Está nela e ontem nos cológica que o próprio governo desenca-
disse que vai continuar nela, em atitude deou com o objetivo de convulsionar o País
de desafio à ordem constitucional, aos re- e levar avante sua política continuísta. Bas-
gulamentos militares e ao Código Penal ta de demagogia, para que, realmente,se
Militar. Ele se considera acima da lei. Mas possam fazer as reformas de base”.
não está. Quanto mais se afunda na ilega- “... queremos o respeito à Constitui-
lidade, menos forte fica a sua autoridade. ção. Queremos as reformas de base vo-
Não há autoridade fora da lei. E, os apelos tadas pelo Congresso. Queremos a into-
feitos ontem à coesão e à unidade dos sar- cabilidade das liberdades democráticas.
gentos e subordinados em favor daquele Queremos a realização das eleições em
que, no dizer do próprio, sempre esteve 1965. Se o senhor João Goulart não tem a
ao lado dos sargentos, demonstra que a capacidade para exercer a Presidência da
autoridade presidencial busca o amparo República e resolver os problemas da Na-
físico para suprir a carência de amparo ção dentro da legalidade constitucional,
legal. Pois não pode mais ter amparo le- não lhe resta outra saída senão entregar
gal quem no exercício da Presidência da o governo ao seu legítimo sucessor.
República, violando o Código Penal Mili- “É admissível que o senhor João
tar, comparece a uma reunião de sargen- Goulart termine o seu mandato de acordo
tos para pronunciar discurso altamente com a Constituição. Este grande sacrifí-
demagógico e de incitamento à divisão cio de tolerá-lo até 1966 seria compensa-
das Forças Armadas”. (Jornal do Brasil, dor para a democracia. Mas, para isto o
31/03/1964). senhor João Goulart terá de desistir de
“Até que ponto o Presidente da Re- sua política atual, que está perturbando
pública abusará da paciência da Nação? uma Nação em desenvolvimento e amea-
Até que ponto pretende tomar para si, çando de levá-la à guerra civil.
por meio de decretos-lei, a função do “A Nação não admite nem golpe
Poder Legislativo? Até que ponto contri- nem contragolpe. Quer consolidar o pro-
buirá para preservar o clima de intran- cesso democrático para a concretização
qüilidade e insegurança que se verifica das reformas essenciais de sua estrutura
presentemente, na classe produtora? Até econômica. Mas não admite que seja o
quando deseja levar ao desespero, por próprio Executivo, por interesses incon-
meio da inflação e do aumento de custo fessáveis, quem desencadeie a luta con-
Edição Especial - 87
O Dever dos Militares
Editorial de O Estado de Minas – 05 de abril de 1964
Edição Especial - 89
A Contrarrevolução de
64 e a Mitologia
Agnaldo Del Nero Augusto *
E
ste provérbio russo foi citado na aber- com a mentira e valendo-se de técnicas psicoló-
tura do livro “Arquipélago Gulag” de gicas de indução, que as esquerdas criaram uma
autoria de Alexandre Soljenitsin. O au- verdadeira Mitologia Histórica para nosso País.
tor relata nesse livro os episódios vividos entre Escreveu o celebrado historiador marxista
1918 e 1956, na imensa rede de campos de tra- e militante comunista Eric J Hobsbawm: “Mais
balho soviéticos por onde passaram cerca de 66 do que nunca a história é atualmente revista
milhões de pessoas e de onde poucos milhares, ou inventada por gente que não deseja o pas-
como ele saíram com vida. Na sua tese central sado real, mas somente um passado que sirva
sustenta que as prisões em massa, os julgamen- a seus objetivos. Estamos hoje na grande época
tos iníquos e as execuções secretas fizeram parte da mitologia da história”. Uma história revis-
do Estado soviético desde a sua consolidação ta ou inventada para atender às conveniências
em 1918, não sendo apenas uma criação poste- de pessoas, grupos ou ideologias, e os termos
rior e arbitrária de Stálin. Acrescentamos, esta empregados nesse conceito dizem tudo - é, na
última é apenas sua fase mais tenebrosa. verdade, uma Grande Mentira.
Apesar desses 38 anos de quase indescri- Pois pasmem, se quiserem e puderem,
tível sofrimento nos longínquos campos da Si- este grande historiador, como bom comunista
béria, Soljenitsin disse, também, que o “pior do que é, em passagem de seu livro “Tempos Inte-
comunismo não é a opressão, mas a mentira”. ressantes” (P 234), não só admite a mentira em
Entendemos, porque embora não submetidos a benefício da “causa”, como expressa admiração
trabalho escravo, sofrimentos físicos ou psíqui- eterna pelo mentiroso.
cos, a mentira, para nós, dói, machuca. Dói a Estamos trabalhando esse tema da Mito-
história revista ou inventada que se fabricou, em logia inteira, hoje, porém, queremos remexer
relação a um período crucial da vida de nosso um ponto específico do passado. Parece que,
país, sendo transmitida a nossos jovens Pois foi fruto dessa Mitologia, há gente que ainda acre-
Edição Especial - 91
A Desinformação Soviética no
Brasil e o “golpe” de 1964
Ladislav Bittman *
* Extraído de: Ladislav Bittman, The KGB And Soviet Disinformation. An Insider's View,
Washington, Pergamon-Brassey's, 1985.
Edição Especial - 93
em que comentava a nova política atribuída ter Mann: Plano de Guerrilha para toda
a Thomas Mann e concluía que os Estados América Latina”. Mesmo bastante tempo
Unidos haviam obviamente retornado à linha depois, em 16 de junho de 1965, o jornal es-
dura de John Foster Dulles após a morte do querdista mexicano El Dia publicou um quar-
Presidente Kennedy. (Ele posteriormente reco- to de página com o anúncio do “Comitê de
nheceu seu erro e explicou que a declaração Coordenação Nacional para o apoio à
atribuída a Mann estava baseada em um do- Revolução Cubana”. O artigo declarava que,
cumento forjado.) Em uma declaração pública em 1964, Mann havia liderado a Operação Iso-
de 3 de março, o embaixador americano no lamento, criada para enfraquecer a posição de
Rio de Janeiro respondeu a funcionários bra- Cuba como líder da luta anti-imperialista na
sileiros que Mann jamais havia proposto tais América Latina.
políticas e que aquela embaixada jamais havia Como já foi mencionado anteriormente,
emitido aquele press release. uma segunda técnica usada nessa campanha
Nos meses que se seguiram, a imprensa de desinformação consistiu em circulares e
esquerdista latino-americana usou o nome de proclamações disseminadas em nome de uma
Thomas A. Mann como um símbolo vivo do organização fictícia, o “Comitê para a Luta
imperialismo americano. Em 29 de abril de contra o Imperialismo Ianque”. A maior
1964, o semanário mexicano pró-comunista parte destes documentos identificava repre-
"Siempre" publicou um artigo fazendo refe- sentantes americanos na América Latina como
rência ao chamado Plano Thomas Mann con- espiões, inclusive diplomatas, homens de ne-
tra a América Latina, e acrescentou que o pla- gócio e jornalistas. A seleção de candidatos era
no pedia a queda dos governos do Chile, do relativamente simples. Publicações americanas
Brasil, do Uruguai e de Cuba, e o isolamento continham valiosos dados bibliográficos a res-
do México durante o ano de 1964; o jornal peito de diplomatas americanos e empregados
uruguaio "Epoca" repetiu a acusação em 20 de de diversas organizações oficiais e privadas
maio. Duas semanas depois, o primeiro secre- americanas que operavam no exterior. Era fá-
tário do Partido Comunista Uruguaio falou cil selecionar aqueles cuja biografia estivesse
no parlamento, no contexto de uma discus- de acordo com o objetivo da falsificação. Es-
são sobre exportações americanas, e acusou tas acusações fictícias eram aceitas na maioria
Thomas Mann de “cinicamente favorecer das vezes como informação confiável.
golpes de Estado”. Quando a embaixada Em julho de 1964, o público latino-ame-
americana em Montevidéu - no dia seguinte ricano recebeu “prova” adicional de ativida-
- publicou um lembrete de que o assim chama- des subversivas americanas na forma de duas
do Plano Thomas Mann era uma falsificação, cartas forjadas assinadas por J. Edgar Hoover.
o órgão de imprensa comunista "El Popular" Ambas estavam endereçadas a Thomas Brady,
respondeu, em 5 de junho de 1964,5z com um funcionário do FBI. A primeira, datada de
um artigo eloqüentemente entitulado “Mis- 2 de janeiro de 1961, era uma mensagem de
Edição Especial - 95
A Eleição de Castello Branco
O
general Humberto
de Alencar Castello
Branco foi eleito
com a quase unanimidade dos
sufrágios, obtendo 361 dos 388
votos que compunham o Colé-
gio Eleitoral, e empossado em
15 de abril de 1964.
Na noite de 1º de abril,
os principais Governadores que haviam apoiado a
Revolução reuniram-se no Rio de Janeiro, represen-
tando todos os Partidos, com exceção do PTB, e
acordaram que o Chefe do Governo Revolucioná-
rio deveria ser um militar. Como escreveria mais
tarde o Governador Carlos Lacerda, “a fim de ga-
rantir a unidade das Forças Armadas, impedir uma dia a escolha de um Presidente militar, para varrer
eventual usurpação e evitar uma competição entre os comunistas, e dizia que o País precisava de um
os políticos numa hora delicada para o País (1)”. homem sem ligações políticas. (4) Castello assumia
A Federação e o Centro das Indústrias do Es- o poder com o apoio civil, demonstrando o estado
tado de São Paulo enviaram telegrama ao Senado, de apreensão e a perda de confiança de muitos re-
solicitando a eleição de um chefe militar (2). presentantes das classes assalariadas e dos grupos
A Sociedade Rural Brasileira publicou um empresariais, bem como de políticos de direita, e
manifesto, exigindo um militar para Presidente e de centro, num Presidente civil, embora mais tarde
pedindo expurgos políticos. A união Cívica Femi- a maioria retirasse seu apoio ao governo (5).
nina também fez publicar seu manifesto, no qual Castello Branco era um líder militar que,
exortava a consolidação da Revolução pela elimina- como chefe de Estado-Maior do Exército e pela
ção da corrupção e do comunismo e endossava a autoridade reconhecida, se tornara o líder do mo-
escolha de Castello Branco porque era um general vimento de 1964. Todavia, era desconhecido para
sem ligações políticas (3). No mesmo tom, “O Esta- o País. Poucos haviam ouvido, antes, o seu nome,
do de S. Paulo” publicou um editorial onde defen-
Edição Especial - 97
98 - Revista do Clube Militar
A Eleição de Castello Branco
Diário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 106.
A Verdade ocultada por interesse ideológi- 361 votos a favor do então General de Exér-
co: o que se vai consagrando como “golpe militar” cito Castello Branco, 5 votos a favor de outros can-
foi o resultado de uma eleição indireta, para preen- didatos e apenas 72 abstenções confirmaram a von-
cher cargo vago pelo voluntário abandono do País, tade popular, a favor do movimento de 1964, pelos
do Presidente Goulart, sem autorização do Con- representantes do povo no Congresso. Nas páginas
gresso. seguintes, a comprovação.
NOTA DO EDITOR: O Presidente Castello Branco foi eleito com maciça presença
do Colégio Eleitoral. Não houve deposição do Presidente Goulart. Ele abandonou o País
sem nenhuma satisfação ao Congresso. Com o cargo declarado vago, realizou-se a eleição
indireta para eleger um Presidente por prazo limitado. Como candidatos concorreram:
o General de Exército Castello Branco, o General de Exército Juarez Távora e o General
de Exército e Ex-Presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra. A vitória do Presidente Castello
Branco obteve o apoio indubitável da maioria dos congressistas (361), havendo apenas 72
abstenções e cinco votos nos dois outros candidatos. O documento cuja cópia transcreve-
mos é um texto histórico de muito valor, por demonstrar o quanto a eleição do Presidente
Castello Branco foi referendada pela maioria do Colégio Eleitoral.
Edição Especial - 99
100 - Revista do Clube Militar
Diário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 94.
Heitor De Paola *
B
asta olhar quem hoje está no poder político ponte” aumentou sobremaneira a influência da
da Nação para perceber que são os derrotados URSS na América Latina. Os jornais noticiavam
militarmente em 64 que venceram uma das diariamente as tentativas de derrubada do governo
batalhas mais importantes: a cultural. Refugiando-se legitimamente eleito da Venezuela, País chave pela
nesta área negligenciada pelos governos militares, e produção petrolífera. O próximo objetivo estraté-
baseando-se na desinformação e nas teses de Gramsci, gico era o Brasil, País imenso, já em fase inicial de
passaram a escrever grande parte da história, princi- industrialização e cujas Forças Armadas representa-
palmente aquela de alcance público, acadêmico e nas vam um poderoso obstáculo à penetração comunis-
escolas de todos os níveis, novelas e minisséries de ta no Continente.
TV. Tornaram-se “donos” dos significados das pala- Outro fator só mais recentemente veio à luz,
vras. Temos hoje muito mais mitologia induzida do devido à defecção de Anatoliy Golitsyn, oficial gra-
que história ocorrida. É trabalho para décadas – se duado da KGB. Em 1959, durante o período de de-
houver liberdade para tanto – desfazer todos os mi- sestalinização da URSS, Alieksandr Shelepin apre-
tos dos chamados “anos de chumbo”. Darei minha sentou um relatório ao Comitê Central do PCUS
modesta contribuição, falando daquilo que vivenciei. mostrando a necessidade de que os órgãos de segu-
As opções políticas na década de 60 rança voltassem a suas funções originais de desin-
Um dos mais caros mitos é o de que militares formação, exercidas pela OGPU (1922-34). A partir
maldosos, aliados à “burguesia” nacional “ameaça- de então, toda notícia do mundo comunista era ba-
da em seus privilégios” – e subordinados às deman- seada em informações emanadas e/ou alteradas pelo
das maquiavélicas dos EEUU – resolveram abortar Departamento D (Desinformatziya) da KGB.
pelas armas a política conduzida por um governo 25 de agosto de 1961, renúncia que marca
legítimo e que atendia aos “anseios populares”. um momento importante. O Vice, João Goulart,
Em primeiro lugar, nega-se o fato de que em encontrava-se na China e declarou que iria coman-
1959 a geopolítica da América Latina havia vira- dar o processo de “reformas sociais” tão logo assu-
do do avesso pela tomada do poder em Cuba por misse. Os ministros militares e amplos setores civis
Castro, que logo assumiu sua condição de comu- se opuseram à posse de Jango por suas notórias
nista e se aliou à URSS. Seguiu-se um banho de ligações com a esquerda. Seu cunhado Brizola, Go-
sangue de proporções inimagináveis – do qual é vernador do Rio Grande do Sul reagiu, o Coman-
proibido falar! – e a lenta e progressiva instalação dante do III Exército, Gen Machado Lopes, ficou
na ilha de numerosos instrutores soviéticos que do lado dele e o Brasil esteve à beira da guerra civil.
adestraram tropas cubanas e formaram e exporta- A Força Aérea chegou a dar uns tiros no Palácio
ram guerrilheiros e terroristas, e re-estruturaram o Piratini. Brizola tomou todas as rádios de Porto
sistema de Inteligência. Através desta “cabeça de Alegre e obrigou as demais a entrarem em cadeia,
O maniqueísmo em torno do golpe ram derrotados nos embates e nas crises políticas
de 1964: uma historiografia enviesada que dividiram o Brasil no início dos anos 1960.
Ocorre no Brasil, provavelmente, um dos poucos
A mesma “fatalidade histórica” que atingiu exemplos na História onde a escrita dessa história
a historiografia francesa em relação à revolução de foi e vem sendo feita, não pelos vencedores dos
1789 – considerada até os anos 1960, na visão mar- embates, mas por aqueles que foram vencidos, não
xista consagrada, um movimento da classe burgue- tanto pela força das armas, mas pela realidade dos
sa contra o “feudalismo” do Antigo regime – pa- fatos e pela vontade da sociedade nacional.
rece ter ocorrido igualmente no Brasil, em relação A abordagem que privilegia a visão dos ven-
ao movimento político-militar de março-abril de cidos está claramente presente na maior parte dos
1964 que derrocou o governo de João Goulart e livros didáticos e paradidáticos que são utilizados
inaugurou o regime dos generais-presidentes. Com nos cursos do ensino médio e universitário, além
uma diferença essencial, porém: sem ter conhecido de impregnar praticamente a maior parte do ma-
as correções revisionistas que, desde Alfred Cob- terial de cunho jornalístico que é disseminado em
ban (1964) até François Furet (1978), permitiram círculos mais amplos da sociedade nacional. Em-
retificar as distorções simplistas de historiadores bora algumas obras especializadas – como a bio-
marxistas como Albert Soboul (1962) sobre o mo- grafia de Marco Antonio Villa sobre João Goulart
vimento francês, a historiografia brasileira sobre o (2004), por exemplo – possam exibir uma visão
golpe de 1964 continua a ser predominantemente mais matizada a respeito das crises que marcaram
“jacobina”. processo político, entre 1961 e 1964, levando em
Aliás, se a historiografia em torno dos even- conta as divisões existentes na classe política e na
tos de 1964 – não estritamente, dos eventos que sociedade, naquela conjuntura, a grande maioria da
precederam o golpe, mas também do seu imediato literatura atual e dos artigos de opinião continua
seguimento – fosse apenas “jacobina” talvez isso a entreter aquele tipo de interpretação simplista
pudesse representar algum progresso epistemoló- que, invariavelmente, apresenta a “burguesia” (sic),
gico no tratamento desses processos e eventos de ou os capitalistas, aliados ao latifúndio e à direita
nossa história. Na verdade, as interpretações exis- militar, todos eles incitados, ou até guiados, pelo
tentes no Brasil em torno do movimento militar imperialismo americano, como os ferros de lança
são claramente deformadas e enviesadas segundo da “reação” (re-sic) contra o governo “progressista”
uma única interpretação, a da esquerda, ou seja, (tri-sic) de Goulart.
aquela escrita pelos grupos e movimentos que fo- São estes os livros, justamente, que moldam
9) Reforma do Capital Estrangeiro, Sem pretender criticar mais uma vez a visão
para mudar as relações e contratos com em- pouco complacente da maior parte da literatura a
presas multinacionais, regulados pela Lei respeito do governo Goulart, e deixando de lado
de Remessa de Lucros. a postura acrítica de muitos autores em relação
às chamadas reformas de base e às posições alega-
Não se tem ideia de qual reforma se estava damente “progressistas” desse governo, cabe vol-
falando, mas a intenção seria limitar a remessa de tar, pela sua importância intrínseca em relação ao
lucros e controlar ainda mais os contratos e as bem-estar e oportunidades de emprego e de renda
atividades das empresas estrangeiras. Uma lei es- para a maior parte da população, à administração
pecífica que regulava a atração e o tratamento do da economia nacional nos anos Goulart. Cabe re-
capital estrangeiro no Brasil, cuja tramitação tinha gistrar, em primeiro lugar, que o Brasil vinha de
sido iniciada em 1961, tinha sido aprovada em um período de excepcional crescimento econômi-
1962, mas jamais foi promulgada pelo presidente co – não exatamente o dos “cinquenta anos em
Goulart, tendo isso sido feito pelo Congresso dois cinco”, como pretendia a publicidade forçada em
anos depois, para ser depois modificada no início torno do Plano de Metas de JK – mas de uma
do governo militar. Essa lei de 1964 não mudou expansão real do produto na segunda metade da
em sua essência, a não ser a partir dos anos 1990, década anterior, em quase todas as áreas e setores
para ampliar o acesso dos brasileiros a divisas e da economia Entre 1955 e 1961 – com a única ex-
a operações cambiais. Na verdade, essa “reforma” ceção de 1956, que sucedeu justamente, à crise da
era outra medida demagógica de Goulart, que nis- eleição de JK – o PIB cresceu a uma média de 8%
so seguia o estilo de seu antigo mentor, Getúlio ao ano, com picos para a indústria de 16,8% em
Vargas, que regularmente arengava as massas com 1958 e três anos seguidos, de 1957 a 1959, acima
o seu nacionalismo primário, colocando a culpa de 10% para os serviços.
dos problemas econômicos do Brasil na “cobiça A “herança maldita” de JK foi a aceleração
do capital estrangeiro” e nos “lucros exorbitantes” da inflação – estimulada sobretudo pela constru-
das empresas estrangeiras. Esse tipo de acusação ção de Brasília, feita à margem do orçamento e
totalmente irracional no plano econômico – e sem contra o orçamento – e o desequilíbrio nas contas
qualquer justificativa no terreno da modernização externas, basicamente em função do gesto dema-
tecnológica e dos ganhos com exportações, sempre gógico de JK de “romper” com o FMI – que se-
associados aos investimentos estrangeiros – conti- gundo ele queria “impedir o desenvolvimento do
Desencadeada para impedir a implanta- Figueiredo, governou durante seis anos sem
ção de um totalitarismo de esquerda, o Mo- nenhum dos poderes discricionários outorga-
vimento demoraria muito mais do que o ini- dos por atos revolucionários.
cialmente previsto e desejado por seus líderes Não parece justo, portanto, acoimar de
para devolver o poder a um civil eleito demo- ditatorial um regime que exigiu o rodízio
craticamente. de lideranças, não praticou o culto da per-
A causa principal do alongamento do sonalidade, não adotou o modelo do partido
regime reside, sem dúvida, na necessidade de único, manteve os instrumentos de legalidade
enfrentar a subversão e a luta armada, inten- formais e, por fim, auto-limitou-se. Mais uma
sificadas a partir de 1968 por organizações vez, a palavra do jornalista Roberto Marinho
comuno-terroristas. Pela mesma razão, viu-se ilustra e esclarece:
obrigado a lançar mão, em momentos extre- “Não há memória de que haja ocor-
mos, de recursos amargos para impedir o país rido aqui, ou em qualquer outro país, um
de mergulhar em prolongada guerrilha urba- regime de força, consolidado há mais de
na e rural, deflagrada com o claro objetivo vinte anos, que tenha utilizado seu pró-
de implantar no país a “ditadura do proleta- prio arbítrio para se auto-limitar, extin-
riado”. E foi somente pela ação determinada guindo os poderes de exceção, anistiando
dos governos revolucionários que esse intento adversários, ensejando novos quadros
fracassou, e o Brasil não foi oprimido pelo partidários, em plena liberdade de im-
desumano, totalitário, atrasado e inviável re- prensa. É esse, indubitavelmente, o maior
gime comunista. feito da revolução de 1964.” (Julgamento da
Não obstante o necessário e eventual Revolução - O Globo - 7 de outubro de 1984)
uso de medidas de força, o Movimento de 31 Os êxitos ... e os equívocos. Ao
de Março sempre teve como meta o restabe- restabelecer o clima de ordem e paz e o prin-
lecimento pleno da democracia. Aliás, é bom cípio da autoridade, o período revolucionário
lembrar que seu último Presidente, o General propiciou profundas, benéficas e duradou-
Três obras que não podem faltar na estante do leitor interessado em compreender os
acontecimentos que redundaram no Movimento Político-Cívico-Militar de 31 de Março de 1964
A Grande Mentira
O
regime militar teria sido um dos fatores determinantes do fortalecimento da democracia no
Brasil? Sim. De 1922 até 31 de março de 1964, o Brasil viveu sucessivas revoltas internas, devido
à debilidade das instituições para garantir a normalidade democrática em momentos de crises
políticas que, via de regra, tinham a participação das Forças Armadas.
Eram conflitos onde sempre havia chefes militares envolvidos na política partidária, que arrastavam
consigo parte da tropa numa demonstração de que o País não amadurecera para a democracia. Vários che-
fes, ainda no serviço ativo, participavam da política partidária não só como candidatos a cargos eletivos.
Havendo ou não honestidade de propósitos, ficavam prejudicados: o compromisso, que deveria ser exclu-
sivamente com a Nação; a dedicação, que deveria estar integralmente voltada para a missão constitucional;
e os princípios de hierarquia e disciplina, comprometendo a coesão militar e a própria unidade nacional.
Pode-se fazer uma longa lista para comprovar essa instabilidade institucional.
“... A chamada Revolução de 1964 foi um movimento popular. Quer dizer, a Nação ocupava as ruas
exigindo uma intervenção. Queria que o Governo mudasse, que não se embrenhasse naquele caminho de
demagogia. Havia uma desorganização completa. Não existia liberdade coisa alguma. O que acontecia era
uma grande desorganização e o País estava sendo conduzido, realmente, por um caminho muito perigoso.
A idéia de que o Movimento de 1964 levou a uma ocupação do Governo é falsa. O Jango fugiu. O
Jango abandonou o Brasil. Esses canalhas estão por aí dizendo que iam salvar o Brasil e nós, hoje, temos
uma prova concreta do que eles produziriam: uma nova Cuba, grande, e com muito mais esculhambação
do que Cuba, porque, em matéria de esculhambação, somos muito melhores do que eles. Na minha opi-
nião, essa é uma visão que se instalou, porque continuaram falando. Quem assistiu a tudo aquilo, quem
viu o povo na rua e quem viu as conseqüências finais do Jango tomar o avião e ir embora e deixar o país
abandonado, sabe que foi um movimento popular. Depois, perdeu-se em alguns aspectos, mas na sua
origem ocorreu uma reação nacional. Uma reação de quem não conseguia mais viver com a desorgani-
zação que o Governo estava introduzindo, chamando de reformas de base. As proposições não tinham
nenhuma consistência e eram incapazes de produzir um Brasil crescente.” (Antônio Delfim Neto - em
depoimento ao Projeto História Oral do Exército)