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Democracia Soberania Unidade Nacional Patriotismo

"Podemos perdoar facilmente uma


criança que tem medo do escuro;
a real tragédia da vida é quando
os homens têm medo da luz."
Platão
Expediente

Presidente
Gen Ex Renato Cesar Tibau da Costa Democracia Soberania Unidade Nacional Patriotismo
1º Vice-Presidente
Gen Div Sérgio Costa de Castro

2º Vice-Presidente A História é.
A História não se cria.
Gen Div Marcio Rosendo de Melo A História não se oculta.
A História não se mistifica.
3º Vice-Presidente A História não se deturpa.
02 - Palavra do Presidente A História é a Verdade.
Cel Dalmo Roriz de Cerqueira Lima Mas só existe, verdadeira,
Introdução para quem quer vê-la.
Diretor do Departamento Cultural
03 - Mensagem aos Novos Camaradas - Gen Div Clovis Purper Bandeira
Gen Bda José de Oliveira Sousa
06 - À Guisa de Introdução - Gen Ex Pedro Luiz de Araujo Braga
Revista do Clube Militar
10 - A História que não se Apaga nem se Reescreve - Ordem do dia do Ministro do Exército de 31 Mar de 1999
Diretor 11 - Opinião / Editorial - “Ressurge a Democracia”
Cel Hiram de Freitas Câmara
12 - A Guerra Fria dos anos 40 aos anos 60 - Coronel Cesar Augusto Araripe Lacerda
Secretaria
O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964: os fatos
Regina Velasco dos Santos
22 - O Tentame Comunista de 1961-1964 - Gen Bda Sergio Augusto de Avellar Coutinho
Tel (21) 3125-8260
29 - O Panorama Nacional em 1963 e Início de 1964 - Gen Div Ulisses Lisboa P. Lannes
e-mail:
32 - Dias de Insegurança e Intranquilidade
revista@clubemilitar.com.br
40 - Citações
Conselho Editorial
41 - O Plano Revolucionário - do livro ORVIL
Presidente
42 - O Comício de 13 de março de 1964 - do livro ORVIL
Gen Div Ulisses Lisboa Perazzo Lannes
44 - A Evolução da Posição dos Militares - do livro ORVIL
Secretário
48 - Circular Reservada do Chefe do Estado-Maior do Exército
Cel Hiram de Freitas Câmara
50 - Citações
Membros
51 - O Motim dos Marinheiros - do livro ORVIL
Gen Div Clovis Purper Bandeira
54 - A Reunião no Automóvel Clube - do livro ORVIL
Gen Bda José de Oliveira Sousa
55 - Manifestos, Relatório e Proclamações
Cel Cesar Augusto Araripe de Almeida Lacerda
Cel Av Manuel Cambeses Júnior 66 - A Participação da Academia Militar das Agulhas Negras - Gen Ex Antonio Jorge Correa

Diagramação
74 - 31 de Março de 1964: o Brasil reage
Emerson Guimarães O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964: as análises

Impressão e Acabamento:
79 - Por que Jango caiu - Adirson de Barros
Sol Gráfica Ltda. 83 - Transcrições da Imprensa sobre o 31 de Março de 1964
Rua João Torquato, 289 - Bonsucesso - 21032-150 88 - O Dever dos Militares
Rio de Janeiro – RJ - Tel.: (21) 2560-4082 90 - A Contrarrevolução de 64 e a Mitologia - Gen Div Agnaldo Del Nero Augusto
Fax: (21) 2290-8599 92 - A Desinformação Soviética no Brasil e o “Golpe” de 1964 - Ladislav Bittman
Publicidade e Distribuição:
96 - A Eleição de Castello Branco - do livro ORVIL
Departamento de Comunicação Social
104 - Opinião 2 - Editorial “Fidelidade às Origens”
e-mail: comsocial2@clubemilitar.com.br
105 - Desfazendo alguns Mitos sobre 64 - Heitor de Paola
Denise Tavares e Ana Maria Burnier
107 - Deformações da História do Brasil - Paulo Roberto de Almeida
Tel: 3125-8304 e 3125-8314
Distribuição gratuita 123 - Os governos do regime instaurado pelo Movimento Democrático de 31 de Março de 1964
ISSN 0101-6547 125 - Trabalho, muito trabalho - Antonio Delfim Neto
Tiragem: 15000 exemplares 132 - Realizações do Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964
Correspondência Conclusão
Av. Rio Branco, 251 - 9º andar –Sala 910- 20040-009 136 - Para a sua Estante
Rio de Janeiro - RJ 138 - Opinião 3 - Editorial “Julgamento da Revolução”
Telefax: (21) 2220-9376
139 - História Esquecida - O 31 de Março de 1964 - Gen Bda Luiz Eduardo Rocha Paiva
e-mail: ouvidoria@clubemilitar.com.br
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Palavra do Presidente
do Clube Militar

C
om a presente Edição Especial de sua sários, donas de casa e brasileiros comuns, os
Revista, o Clube Militar relembra os quais anteviam a Nação cada vez mais próxima
acontecimentos que culminaram com de amesquinhar-se em satélite do mundo comu-
o Movimento Democrático de 31 de março de nista, o qual abrangia quase metade do globo,
1964, ocasião em que a maioria de brasileiros naqueles tempos de Guerra Fria.
patriotas, extremamente preocupados com os A esquerda, todavia, orquestra versão deturpa-
rumos que a subversão dos princípios éticos, da dos fatos históricos, procurando impor a pre-
morais, disciplinares, hierárquicos, de ordem valência de suas “verdades”. Apregoam ter sido
e progresso, da lei e do direito implantada no uma “quartelada”, um “golpe articulado na caser-
País, reforçada por omissão e interesses eleito- na”. Isso não resiste a uma pesquisa isenta e séria.
reiros, inclusive das mais altas autoridades do Meio século já se passou. Já há um distancia-
governo - já comemorando a próxima tomada mento temporal para que verdadeiros historia-
definitiva do poder - resolveu reagir. E soube dores comecem a estudar o período, embasados
fazê-lo de maneira rápida e decisiva, desmon- em fontes primárias e não em discursos detur-
tando as pretensões que a fanfarrice comuno- pados de propaganda esquerdista, os quais in-
sindicalista acreditava ser uma sólida fortaleza. festam, inclusive, livros escolares e publicações
O Clube Militar, participante ativo de tan- de órgãos oficiais. Persistem, ainda, admirado-
tos acontecimentos históricos de nosso País, res desse anacronismo que estagnou e arruinou
também naquela oportunidade estava presente, todas as nações que foram subjugadas e tiveram
cerrando fileiras com aqueles que souberam im- esse regime implantado.
pedir mais essa tentativa de tomada do poder O Clube Militar, nesta Revista, com seus arti-
que iria de encontro aos ideais democráticos da gos e fotos de publicações da imprensa da época,
nossa população. procura colaborar na difusão de uma visão realista
O Movimento de 31 de Março foi a resposta dos acontecimentos de 1964 - isenta das distorções
altiva e digna dos militares à convocação das provocadas pela releitura da História - lembrando
forças vivas da Nação, representadas pela im- o cenário reinante no País e a reação popular, po-
prensa, partidos políticos, religiosos, empre- lítica e militar ao assalto do poder pelas esquerdas.

General-de-Exército Renato Cesar Tibau da Costa


Presidente do Clube Militar

2 - Revista do Clube Militar


Mensagem aos Novos Camaradas
Momentos Decisivos
Clovis Purper Bandeira *

N
este mês, comemoramos o aniversá- infelizmente, não corresponde à verdade his-
rio do Movimento Democrático de tórica e constitui uma releitura distorcida dos
31 de Março de 1964. Você, Novo fatos, com a finalidade de confirmar, sob um
Camarada, não era nascido nessa época e por falso manto de pretensa veracidade, as posições
certo já ouviu muitas histórias a respeito da- e convicções políticas dos derrotados em 1964.
queles acontecimentos, a maioria das quais, Não pretendo, neste curto espaço, lembrar

* O Projeto “Novos Camaradas”, iniciado em 2004, visa motivar jovens oficiais egressos das escolas militares a associar-se ao Clube Militar
Edição Especial - 3
todos os acontecimentos da época, os quais a resposta ao clamor do povo e da maioria das
você pode reler nos principais jornais de forças democráticas políticas, econômicas, so-
1963/64, na biblioteca de sua cidade ou na ciais, militares e religiosas aos desmandos go-
Internet. Quero, apenas, rememorar três mo- vernamentais.
mentos decisivos que levaram à intervenção Os sindicatos, os partidos políticos da base
das Forças Armadas, num contexto de sério governamental, parte da imprensa (sempre
risco para a sobrevivência do regime demo- dependente da benevolência do governo para
crático brasileiro, respondendo ao clamor pú- importar papel e receber publicidade dos ór-
blico que cobrava um basta à situação alar- gãos públicos), os grêmios estudantis, os mo-
mante em que o país mergulhava. Foram eles vimentos sociais, todos estavam infiltrados e
o Comício da Central do Brasil, o motim dos “aparelhados” pelos esquerdistas que, em suas
marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos e próprias palavras, “já haviam tomado o gover-
a reunião do Presidente da República com os no, só faltava tomar o poder”.
sargentos no Automóvel Clube. Nos três eventos que citamos, as Forças Ar-
Tais eventos, ocorridos em março de 1964, madas foram atingidas em seus valores mais
culminavam uma série crescente de greves par- fundamentais, a hierarquia e a disciplina.
ciais, gerais e de “solidariedade”; aumento do No Comício da Central do Brasil, os carta-
papel político dos sindicatos, alçados à condi- zes alardeavam: “Reformas, na lei ou na mar-
ção de verdadeiros partidos políticos, quando ra!” - “Paredón para os gorilas!” – “Partido
não passavam de centrais de agitação e pro- Comunista com o povo e com o Presidente”
paganda esquerdista; cerco e tentativa de inti- – “Desta vez o povo será governado através de
midação de todos os contrários às mudanças seus sindicatos” – “República sindicalista para
pró-comunismo em andamento; aliciamento o Brasil!”.
de civis e militares por meio de palavras de Ministros de estado, inclusive os militares,
ordem, ameaças veladas aos não aderentes e congressistas esquerdistas, militares fardados
premiação ostensiva aos simpatizantes da ba- carregando nos ombros o Almirante Aragão,
derna; paralisação quase total da vida política o Deputado Brizola instigando a assistência,
e econômica do país; surgimento de sindicato fomentando a revolta popular, apresentando
de praças na Marinha e dos generais e almi- o Presidente da República, que chegava ao pa-
rantes “do povo”, em oposição aos “gorilas”, lanque, como salvador da Pátria e Presidente
nome pejorativo que procurava identificar e da República Sindicalista do Brasil, esse era o
isolar os militares que não concordavam com cenário. No final de seu discurso inflamado, o
o descalabro que só fazia aumentar; dúvidas Presidente João Goulart afirmou: “... advirto
nas mentes, exigindo decisão entre a lealdade o Congresso, os Governadores reacionários,
ao governo, à cadeia de comando legal cada a minoria retrógrada e capitalista, de que o
vez mais dominada pelas ideias esquerdistas e verdadeiro Chefe de Estado, quando circuns-

4 - Revista do Clube Militar


tâncias excepcionais lhe impõem medidas ex- “Prometo, para cumprir dentro em breve, que
cepcionais, adota-as. E este que vos fala não as reformas sairão, quer queiram ou não os
recuará. O povo está a mostrar-me o caminho. reacionários do Congresso. Quer queiram ou
Eu os conduzirei por este caminho!”. não os generais fossilizados e ultrapassados.
Pouco depois, no Sindicato dos Metalúr- Quer queiram ou não os políticos traidores,
gicos, um verdadeiro motim acontecia, pro- que há muito já deveriam estar banidos da
movido pela espúria Associação de Cabos, política nacional”.
Marinheiros e Fuzileiros Navais e liderado, Não havia mais dúvida possível: um golpe
entre outros, pelo tristemente famoso Cabo sindicalista e comunizante estava em marcha,
Anselmo. As tropas de Fuzileiros Navais en- para ser desencadeado em breve. O Presidente
viadas para conter o movimento aderiram da República, por convicção ou por oportu-
parcialmente ao mesmo. O Ministro da Ma- nismo, embarcara nessa aventura. Os funda-
rinha foi substituído. Finalmente, os amoti- mentos das Forças Armadas estavam seria-
nados, chefiados pelo Almirante Aragão, pelo mente abalados pela ação ou pela inação dos
novo Ministro e pelo Cabo Anselmo, os três que deveriam defendê-los.
carregados sobre os ombros, embarcaram em A contrarrevolução precipitou-se e, na ma-
viaturas do Exército e foram conduzidos até o nhã de 31 de março, iniciou-se o deslocamen-
quartel do Batalhão de Guardas, onde foram to das tropas de Minas Gerais, em direção ao
liberados, com a promessa do governo de que Rio de Janeiro.
ninguém seria punido. A hierarquia e a disci- A sorte estava lançada e o aparentemente
plina, enxovalhadas nesse episódio, exigiam a sólido castelo da subversão, inflado pela de-
reação dos militares conscientes. magogia e pela propaganda, acreditando numa
Finalmente, no dia 30 de março, o Presi- força que era apenas retórica, desmoronou ao
dente da República, acompanhado de seus primeiro embate. A Nação estava salva.
ministros, compareceu ao Automóvel Clube, Após tanto tempo, Novo Camarada, reme-
onde lhe seria prestada uma homenagem pe- moremos os graves acontecimentos daqueles
los sargentos das Forças Armadas e da Polícia idos de 1964. E homenageemos a memória
Militar, coroando a tática subversiva de sepa- dos bravos patrícios que venceram suas dúvi-
rar oficiais e praças, a fim de dividir e enfra- das e tiveram a coragem de ficar ao lado do
quecer as forças militares, último bastião que verdadeiro interesse nacional, evitando que
se opunha à comunização do país. a nação mergulhasse na treva comunista que
As palavras, os chavões, as bravatas, tudo ainda infelicitaria tantos povos.
lembrava os discursos do Comício da Central
do Brasil, que ocorrera apenas dezessete dias Sobretudo, permaneçamos atentos.
antes. Na mesma linha de discurso, o Presi-
dente da República prometia (ameaçava?): * O autor é General de Divisão e Assessor Especial do Presidente do Clube Militar.

Edição Especial - 5
"À Guisa de Introdução"

Pedro Luis de Araujo Braga*

"Na verdade, se o próprio Cristo estivesse em meu caminho, eu, como


Nietzsche, não hesitaria em esmagá-lo como um verme".
Ernesto Che Guevara

O
baixo nível cultural do povo bra- e que teve a ousadia de fazer tão vil declara-
sileiro, somado a uma mídia que, ção como a mencionada acima, que a todos
com poucas e honrosas exceções, nós choca.
não respeita ética e nem tem compromisso Assim aconteceu, por exemplo, com o
com a verdade, sobremodo lamentáveis – e, epíteto "ditadura militar", antes escrito en-
a propósito, recente pesquisa divulgada in- tre aspas, as quais foram depois dispensadas
dica que a credibilidade da imprensa escrita porque o seu efeito já havia sido alcançado.
é de 46% e das emissoras de TV é de 35% Esta expressão passou a indicar o período de
- fazem deste País o Éden dos "marquetei- vinte anos em que, após o Movimento Cívi-
ros". Com extrema facilidade, aqui circulam co-Militar de 31 Mar 64, generais eleitos pelo
"slogans", chavões, mitos, ideias-força, de Congresso dirigiram os destinos da Nação.
criação deles ou importados, como é o caso Todavia, a maioria esmagadora dos que repe-
da figura do aventureiro e mercenário argen- tem tal chavão não sabem - ou nem se preo-
tino Che Guevara, cujo pensamento abjeto cupam com isso - quais são as características
encima este prólogo e que foi, até sua morte, de uma ditadura e o que a diferencia de uma
conselheiro dos irmãos Castro em Cuba. De verdadeira democracia. Nem se lembram, por
tanto serem repetidos, acabam tomando fo- certo, do longo período de exceção do Esta-
ros de verdades. E é incrível ver-se que, em do Novo, que durou até a volta de nossos
países com predomínio absoluto de religiões ex-combatentes dos campos da Itália, onde
cristãs, ainda haja pessoas capazes de vestir lutaram pela liberdade.
camisetas com a estampa daquele audacioso O citado Movimento, na realidade uma
materialista, cuja vida não serve de exemplo contrarrevolução que salvou o Brasil do

6 - Revista do Clube Militar


caos, do comunismo galopante que avançava ganizações subversivas e
celeremente para a total tomada do Poder, terroristas que atuaram no
está completando o seu Jubileu de Ouro. A Brasil nas décadas de 60 e
paz e a estabilidade que permitiram a ala- 70 e as ações que pratica-
vancagem do desenvolvimento, não foram ram, já não há necessidade
alcançadas imediata e facilmente. Foi neces- de falar nelas, o assunto
sário, com o sacrifício de muitos, vencer as está esgotado. Todavia, le-
ameaças, as tentativas de grupos que queriam mos, perplexos, que uma universidade fede-
implantar - ou restabelecer, como diziam - a ral em nosso País criou um "Centro de Di-
"democracia" (e agora as aspas são nossas), fusão do Comunismo". Para quê? Propagar
quando, de fato, como hoje reconhecem al- uma idéia natimorta? Sim, porque historia-
guns de seus mais importantes artistas, dese-
javam, pela força, adotar um regime comu- "Amamos nosso Deus e nos-
nista, uma ditadura do proletariado. Foram
sos soldados nos momentos de
derrotados! Mas, em nome da paz e da con-
ciliação, os governos militares os anistiaram. perigo, não antes. Passada a re-
Depois, receberam vultosas indenizações e frega, eles são recompensados:
ainda pagamentos mensais, sem trabalhar.
nosso Deus é esquecido, nossos
Alguns até vieram hoje a ocupar cargos ele-
tivos ou a serem nomeados para funções na soldados são desprezados ... ".
administração da União, Estados e Municí-
pios. Todavia, os que defenderam a Lei e a dores isentos e respeitáveis afirmam que o
Ordem, são hoje execrados, indistintamente marxismo, fundamento teórico do comunis-
rotulados de "torturadores". mo, carrega em si as sementes de sua própria
Vale lembrar, por oportuno, o pensa- destruição. Há ainda uns poucos que acredi-
mento do velho combatente Marlborough, tam que o comunismo foi uma boa ideia que
cansado de tanta falta de reconhecimento: deu errado. Não! São os próprios historiado-
"Amamos nosso Deus e nossos soldados res, depois de exaustivas pesquisas e estudos,
nos momentos de perigo, não antes. Passa- que concluem, ao contrário disso, que o co-
da a refrega, eles são recompensados: nosso munismo foi uma má ideia. Repudiado em
Deus é esquecido, nossos soldados são des- seu próprio nascedouro, a Rússia, subsiste
prezados.. " . em um número assaz insignificante de países
Depois que veio a público o alentado que, à exceção da China, que vai, pouco a
e precioso trabalho cujo título é ORVIL, no pouco, capitalizando-se, não têm expressão
qual são apresentadas, em minúcias, as or- no concerto das nações. Mas as consequên-

Edição Especial - 7
cias e as sequelas das experiências de sua ado- as manifestações pacíficas e convincentes do
ção, estarrecedoras sem dúvida, são por aque- povo, Brasil afora, pedindo um fim ao desca-
les mesmos estudiosos elencadas: de 85 a 100 labro. Quem não ouviu falar da "Marcha com
milhões de mortos, número este cinquenta Deus e a Família pela Liberdade"? E do apelo,
por cento maior do que todas as vítimas das repetido e veemente, dos meios de comunica-
duas Guerras Mundiais somadas; milhares ção da época, em seus editoriais e expressivos
de encarcerados, asilados, banidos e assas- artigos? Um deles, passado meio século, agora
sinados, por não se conformarem com esse publicamente arrepende-se de seu proceder,
regime, em geral os mais capazes e empreen- de seu apoio... Só que este suporte estendeu-
dedores; roubo da autoconfiança da popula- se às décadas de 70 e 80, segundo registros
ção; perda da capacidade de tomar decisões, existentes. A quem querem enganar? É válido,
não só em questões macro como nas menores portanto, que seus leitores, aqueles que não
também; incapacidade e falta de vontade da têm memória curta, chocados com tal desfaça-
nação de se firmar em seus próprios pés e tez e imprudência, especulem sobre qual teria
de gerir seu próprio destino, exatamente pela sido a benesse advinda da postura atual...
inexistência de elementos mais capazes que As Forças Armadas Brasileiras nunca fo-
o Partido havia eliminado da vida pública; ram intrusas na História. Seus ocupantes não
aniquilamento da ética do trabalho e do sen- constituem uma casta distante do povo. Ao
so de responsabilidade pública. É isto que contrário: são povo fardado! Legalistas por
querem para o nosso Brasil, que nasceu sob a natureza, sempre que tiveram que intervir na
sombra da cruz e que, "bonito por natureza, vida nacional foi a chamado da Nação. Pois
é abençoado por Deus"? só esta é eterna! Governos passam. Muitos, a
É fato que não se pode transplantar um poeira do tempo encarrega-se de encobri-los,
sistema, um regime ou mesmo certa estrutura como inglórios e menos dignos. Às vezes, são
que pode até funcionar bem em outro país, falados apenas pela herança maldita que lega-
com cultura, tradições e conjuntura diferentes ram. Daí por que o Movimento de 31 Mar 64
das nossas, sem que se admita venha a ocor- foi o desfecho de uma situação insustentável,
rer o fenômeno da rejeição. Mas este nem é,
sem dúvida, o caso do comunismo, intrinseca- As Forças Armadas Brasileiras
mente mau. E a história mostra que as revolu- nunca foram intrusas na História.
ções foram sempre forjadas e irromperam por
ações de minorias. Mas a nossa, cinquentená-
Legalistas por natureza, sempre
ria, até nisto foi diferente! A sociedade pediu que tiveram que intervir na vida na-
a intervenção das Forças Armadas, pois sentiu
cional foi a chamado da Nação.
iminente o naufrágio do País. Basta lembrar

8 - Revista do Clube Militar


uma revolução cívico­-militar. Sem sangue! Os e "Gorilas"... Mas este propósito persiste ainda
militares, pelo bem da Nação, atenderam ao hoje. Alguns procuram fazer crer que o Exérci-
apelo angustiante da sociedade civil. E, como to de hoje é diferente, tem mentalidade diversa
escreveu o legendário Marquês do Herval, o da dos integrantes do Exército do passado. Puro
heróico Gen Manuel Luiz Osório, "A farda engodo! Não nos conhecem! Apesar de citarem
não abafa o cidadão no peito do soldado". especificamente a Força Terrestre como outra
É verdade também que, como parte estra- forma de divisão, o que se fala é relativo às três
tégia de dominação, era insuportável, à época, a Forças. Nelas sucedem-se gerações, formadas nos
agressão diária e chocante aos princípios basila- mesmos tradicionais estabelecimentos de ensino:
res e constitucionais das Forças Armadas: a disci- as hodiernas, instruídas e orientadas pelas mais
plina e a hierarquia. Eles eram ignorados e as vio- antigas, todas, todas sem exceção - repetimos -
lações até mesmo incentivadas por quem, como imbuídas ­ dos mesmos princípios que norteiam
seu Comandante Supremo, devia exemplarmen- nossa existência. E esta é uma das razões pelas
te velar por elas. De triste memória, registram- quais, no topo das instituições com maior credi-
se, dentre muitas outras: a revolta dos sargentos bilidade, ocupando o primeiro lugar no pódio, o
em Brasília; os comícios no Automóvel Clube povo coloca as Forças Armadas.
do Brasil; marinheiros fardados carregando nos Nesta revista, como uma singela home-
ombros um Almirante, também uniformizado, nagem aos que nos deram como herança patri-
mônio tão expressivo, apresentaremos, também,
Daí por que o Movimento algumas das realizações do período revolucioná-
de 31 Mar 64 foi o desfecho de uma rio, muitas maldosamente apelidadas de "obras
faraônicas", mas propositadamente obliteradas.
situação insustentável, uma revo-
Platão, que há milênios sonhou com
lução cívico-militar. Sem sangue! uma "Idade de Ouro", com uma sociedade
Os militares, pelo bem da Nação, onde não haveria cobiça e sim abundância de
recursos, tudo compartilhado - uma utopia
atenderam ao apelo angustiante da
que o comunismo, enganosamente, alardeou
sociedade civil. querer implantar e se tornou a maior fanta-
sia do Século XX, escreveu também:
como se herói fosse; o episódio da "espada de "Podemos perdoar facilmente
ouro", com o qual se apequenou um Chefe Mi- uma criança que tem medo do escu-
litar que perdeu todo o respeito de sua Força. A ro; a real tragédia da vida é quando
tentativa de nos dividir para nos bater por partes, os homens têm medo da luz."
como ensinou Napoleão, era evidente: classe dos
*O autor é General de Exército e Presidente do
sargentos e classe dos oficiais, Generais do Povo Conselho Deliberativo do Clube Militar

Edição Especial - 9
31 de Março de 1964
A História que não se Apaga nem se Reescreve*
*Ordem do Dia do Ministro do Exército de 31 de março de 1999

O movimento cívico-militar de 31 de março de 1964 interrompeu a marcha da desagregação insti-


tucional, do desmantelamento econômico e da ruptura do tecido social que ameaçava lançar o País no
abismo da guerra civil.
É o que se percebe pelo exame isento e desapaixonado da conjuntura vigente no início da década de 60.
Naquela época, o auge da Guerra Fria produzia nítidos reflexos no Brasil. A crise econômica acirrava con-
flitos sociais e exacerbava radicalismos políticos, criando um clima de permanente instabilidade e inquietante
tensão. A Nação, assustada e indignada com tudo aquilo, foi às ruas. Exigiu um fim às ameaças que colocavam
em risco a sobrevivência das instituições e os valores básicos de nossa nacionalidade.
Diante da gravidade do momento, o Exército Brasileiro não se omitiu.
Cumprindo sua histórica vocação de sintonia com o povo que lhe deu origem - ao qual sempre serviu e
nunca faltou - ajudou a deflagrar a Revolução de 31 de março, que criou as condições para relançar o processo
de desenvolvimento nacional noutras bases, em ambiente de paz e segurança.
Crescimento econômico a altas taxas, e por vários anos seguidos, universalização do ensino público, ex-
pansão quantitativa e qualitativa do sistema de telecomunicações, ampliação do parque industrial e equacio-
namento das necessidades em energia são algumas das realizações do movimento que, ao encerrar seu ciclo,
havia alçado o Brasil ao restrito grupo das dez maiores economias do mundo.
Hoje a democracia está consolidada entre nós.
A Nação desenvolveu mecanismos para impedir que volte a ser refém de impasses semelhantes àqueles do
começo dos anos 60. Pode, agora, mobilizar energias com vistas à remoção de entraves ao fortalecimento sus-
tentável do espaço econômico brasileiro, de modo a que tenhamos um País mais próspero e mais justo para
seus filhos, notadamente os de menor renda, observando, assim, os ideais que nortearam a Revolução de 1964.
Nessa empreitada, sabe que terá a companhia do braço forte e da mão amiga de seu Exército.
A evidência dos fatos demonstra, portanto, que não se aplica a pecha de “quartelada”, “golpe de estado”
ou “usurpação do poder” ao Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964.
Deixar de reconhecer que ele surgiu, e se fortaleceu, no seio do povo, em cujo nome foi deflagrado, para
impedir que a Nação fosse levada ao caos, é negar a História - que não se apaga nem se reescreve.
General de Exército Gleuber Vieira
Ministro do Exército

* Mantem a ortografia da época

10 - Revista do Clube Militar


Editorial de “O GLOBO”,
02 de abril de 1964

... a legalidade
não poderia
ser a garantia
da subversão,
a escora dos
agitadores, o
anteparo da
desordem.
Em nome da
legalidade não
seria legítimo
admitir o
assassínio das
... os
instituições,
brasileiros
como se vinha
devem
fazendo,
agradecer
diante
aos bravos
da Nação
militares,
horrorizada.
que os
protegeram
de seus
inimigos...

Edição Especial - 11
A Guerra Fria, dos Anos 40 aos Anos 60
Cesar Augusto Araripe Lacerda *

Churchill, Roosevelt e Stalin

E
les eram três homens idosos. Um dominava Ao meio dia de 11 de fevereiro, no palácio
a União Soviética e já fora aliado de Hitler, Livadia, em Yalta, na Crimeia, os líderes Stalin,
outro estava em seu terceiro mandato à frente Roosevelt e Churchill, todos preocupados em guar-
dos Estados Unidos e o último era, desde maio de dar a aparência de portadores de soluções vitoriosas
1940, primeiro ministro do Império Britânico. Já ti- em relação aos demais, assinaram a Declaração So-
nham se encontrado em Teerã em fins de 1943, onde bre a Europa Libertada. Este documento prometia
ficaram evidentes acordos e desacordos sobre a con- resolver por meios democráticos os problemas en-
dução da guerra. Formações políticas e origens sociais frentados pelos países liberados da opressão nazis-
à parte, naquele momento de 1945 os três homens ta, apoiando assim o direito de todos os povos em
idosos detinham o poder de transformar o mundo. escolher a forma de governo sob a qual viveriam.

12 - Revista do Clube Militar


Sobre aquele momento, os historiadores Berthon e via sido definitivamente derrotada, Hitler se suici-
Potts em "Os Senhores da Guerra", pag. 341, per- dara, Roosevelt falecera após se eleger para o quarto
guntaram "o que palavras como democracia e mandato, Churchill perdera as eleições durante a
liberdade significavam para um ditador totali- conferência e fora substituído por Clement Attlee e
tário em uma ponta da mesa e dois democratas os americanos testaram a primeira bomba atômica
legitimados na outra?" A dúvida já passara pela no deserto de Alamogordo, Novo México. Nada
cabeça de Adolf Hitler, que a interpretara de ma- ocorrera, física ou politicamente, com Stalin. As
neira muito própria, dizendo a Goebbels, seu Mi- interrogações sobre como seriam os entendimentos
nistro da Propaganda: "Stalin quer bolchevizar a entre Moscou, Londres e Washington após a subs-
Europa a qualquer custo, esta é a nossa grande tituição de Roosevelt por Truman e Churchill por
chance, porque se a Inglaterra e os Estados Uni- Attlee logo se dissiparam. Enquanto os ingleses per-
dos quiserem evitar isto, terão que pedir ajuda à maneciam em alerta sobre os perigos dos avanços
Alemanha" (op. cit. pag. 330). O Führer acertou de Stalin, o falecido Roosevelt, que aparentava não
na primeira parte, mas errou ao supervalorizar a entender bem o significado do comunismo soviéti-
contribuição de uma Alemanha que, mesmo abati- co, parecia ter encontrado um perfeito sucessor em
da, ainda respirava, porém com enormes dificulda- Truman. Puro engano, o tempo mostraria que não
des. O certo é que a Conferência de Yalta, que pre- seria exatamente assim. A conferência tratou de te-
tendia ditar as normas sobre como ficaria o mundo mas diversos: da Espanha de Franco à recuperação
após a vitória final, apesar da pompa e dos sorrisos, da Itália, das reparações de guerra às fronteiras en-
mostrou enormes divergências entre os senhores da tre Polônia e Alemanha, da participação soviética
guerra, principalmente no que se referia à Polônia, – que não aconteceu -- na guerra do Pacífico que
ocupada pelo Exército Vermelho, e à Grécia, onde ainda não terminara e, até mesmo, da criação da
os britânicos dissolveram com violência as tentati- ONU. Houve consenso sobre poucos assuntos, al-
vas de tomada do poder por organizações de extre- guns já tratados em Yalta e até colocados em práti-
ma esquerda. Dois dias após o retorno dos chefes ca, entre eles a desnazificação e a desmilitarização
de estado a seus países, mais de 750 bombardeiros da Alemanha. É importante não se imaginar que,
americanos e britânicos praticamente destruíram em qualquer instante, tenha havido entre os líderes
a histórica cidade de Dresden, às margens do rio uma discussão de benesses em relação aos temas
Elba, até então considerada de limitado interesse tratados. Nações não têm sentimentos, mas interes-
militar. A trágica alegria por esta ação vitoriosa, ses políticos, ideológicos, econômicos e militares e
ainda hoje com aspectos pouco esclarecidos, talvez os defendem através do poder que exibem. Assim,
não tenha permitido que os líderes ocidentais en- ficou absolutamente claro que o mundo estava ago-
tendessem que Stalin já estava dando as costas para ra dividido, parte sob a influência soviética, parte
Yalta, assumindo a Romênia e abandonando os en- ao abrigo da Inglaterra e dos Estados Unidos, com
tendimentos sobre a Polônia. predominância deste último.
Apenas cinco meses depois, quando aconte- Apenas os métodos utilizados diferenciavam
ceu nova conferência em Potsdam, cidade próxima as duas potências. Enquanto Moscou entendia que
a Berlim, o mundo estava mudado: a Alemanha ha- para manter a liderança precisava cerrar as fron-

Edição Especial - 13
teiras e colocar as botas sobre os seus domínios, centenas de milhares para os campos de extermí-
Washington optava por uma política de ajuda e nio. Não encontrou dificuldades, os membros do
recuperação, que, evidentemente, criava laços de partido nazista local, o Cruz das Flechas, faziam o
dependência. De qualquer lado, nenhuma amabilida- serviço sujo com imenso prazer. Ao ser libertado
de. Sobre a Europa, como disse Churchill em 1946, pelos soviéticos, depois de intensos combates, o
"de Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, povo húngaro viu rapidamente seu desejo de liber-
uma cortina de ferro desceu sobre o continente”. O dade se volatilizar ao perceber que mudara somen-
mundo viveria, a partir de então e por mais de 40 te o opressor e, em lugar da suástica, estava agora
anos, as tensões extremas daquilo que ficou conhe- sob o domínio da foice e do martelo. Adversários
cido como Guerra Fria, ou seja, uma hostilidade do regime foram encarcerados ou executados, a
declarada e permanente, caracterizada pelo aumen- igreja sofreu cruel perseguição, as escolas foram
to do poderio bélico, ameaças incisivas de parte a fechadas, a propriedade privada foi extinta, os
parte, dominação de países satélites ou simpatizan- camponeses estavam agora obrigados a se filiarem
tes, sem que, felizmente, os supremos comandantes a cooperativas. O regime era tão tirano que até os
dos dois lados se enfrentassem diretamente no que monumentos da linda Budapest permaneciam sem
poderia ter sido a última guerra da humanidade. iluminação à noite para que sobressaísse a enorme
Livres da imposição de serem aliados, já e, evidentemente iluminada, estrela vermelha co-
que o nazismo, inimigo comum, estava vencido, locada sobre o Parlamento. Em outubro de 1956,
Moscou comunista e Washington capitalista cui- explodiu uma revolução, esmagada pelo Exército
daram de ampliar sua influência sobre o maior Vermelho em dez dias, tendo sido executadas as
número possível de países. Os soviéticos estende- principais lideranças, entre elas Imre Nagy, pri-
ram seu círculo de autoridade sobre o leste euro- meiro ministro do governo provisório. A partir de
peu, apoiando a subida ao poder de dirigentes outubro de 1989, quando da proclamação da re-
comunistas na Polônia, Romênia, Iugoslávia, pública, os dirigentes húngaros, considerando as
Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária e Albânia. atrocidades comunistas muito semelhantes às bar-
No oriente, os comunistas assumiram a Coreia baridades nazistas, entenderam que deveriam reu-
do Norte e, depois de longa guerra e sob a lide- nir as tristes lembranças de ambas em um só mu-
rança de Mao Tse Tung, a China continental. seu, muito propriamente chamado Casa do Terror.
Aqueles países, empobrecidos pelo conflito,
continuaram tão ou ainda mais pobres depois do
domínio comunista. Perderam, principalmen-
te, a liberdade que tinham ou julgavam ter. A
Hungria é um exemplo, entre tantos que poderiam
ser citados. Alinhada ao nazismo desde 1941, em
1944,tentou se aproximar dos aliados, não tendo
sido acolhida como pretendia. Hitler, como casti-
go, mandou invadi-la e tratou com extrema cruel-
dade seu povo, em particular os judeus, enviando
1956: Levante do povo húngaro contra o domínio soviético.

14 - Revista do Clube Militar


Em resposta à bolchevização que avançava
velozmente, os Estados Unidos adotaram a chama-
da Doutrina Truman, que consistia em grande co-
laboração financeira para reconstruir os países que
desejava manter dependentes em sua esfera de influ-
ência. Em decorrência, o Plano Marshall, lançado
em 1947, derramou sobre 15 países europeus mais
de 13 bilhões de dólares em valores da época. Com
o tempo, a recuperação econômica destes países ca-
pitalistas aprofundou o fosso que os separava dos
países comunistas ou comunizados. As diferenças
de padrão de vida entre os dois lados eram tão evi-
dentes, que Moscou logo tomou medidas, apelando
para a violência, para evitar as numerosas fugas que ponte aérea que transportou dois milhões de tone-
se sucediam a partir do leste europeu. ladas de suprimentos durante quinze meses, tendo
O caso da Alemanha merece especial atenção: realizado mais de 278.000 voos. A ponte aumentou
o País e Berlim, sua principal cidade, foram divi- ainda mais o desequilíbrio com a Berlim Oriental,
didos em quatro zonas (norte-americana, soviética, faminta e despreparada para os rigores do inver-
britânica e francesa), porém Berlim ficou situada no. As diferenças só fizeram precipitar os desejos
integralmente na zona soviética, o que, por si só, de fuga, de qualquer maneira e a qualquer preço,
implicava em dificuldades geográficas de acesso. o que, traduzido em números, significou 1/6 da
A cidade transformou-se em modelo para exibir, população da Alemanha sob o domínio soviético.
por comparação, o total desequilíbrio entre o pro-
gresso das zonas ocidentais e a miséria reinante na
zona oriental, fruto da intenção de Stalin de drenar
toda riqueza da parte alemã sob seu domínio para
compensar as perdas na guerra. Em 1948, as zo-
nas ocidentais foram integradas no que se chamou
República Federal da Alemanha, com a capital em
Bonn. Buscava-se, assim, unidade política, militar e Muro de Berlim: a ideologia separando famílias.
econômica, esta bem caracterizada pela adoção do A solução extrema encontrada pela Repú-
Deutsche Mark, a nova moeda alemã ocidental. Em blica Democrática Alemã para separar todos os
resposta, os soviéticos, na agora chamada Repúbli- seus habitantes do enclave formado pela popula-
ca Democrática Alemã, temerosos do aumento do ção berlinense de oeste, foi iniciar a construção,
poderio de seus adversários, fecharam todas as li- sem acordos nem avisos, em agosto de 1961, de
gações ferroviárias, rodoviárias e por canais nave- um muro com mais de 100 km de extensão que
gáveis a Berlim. Para abastecer o lado ocidental da contornava toda Berlim Ocidental, com centenas
cidade, os aliados foram obrigados a criar uma de torres de observação, redes metálicas eletrifica-

Edição Especial - 15
das, vigiado por soldados armados e ferozes cães de Como fruto daquela beligerância latente e, às
guarda. A crise gerada por esta inesperada atitude vezes, aguda, a corrida armamentista foi se acele-
foi tão intensa que, no dia 27 de outubro, no cha- rando e cada passo dado por um lado correspondia
mado Checkpoint Charlie, blindados soviéticos e a outro ainda maior dado pelo oponente. Quando
norte-americanos chegaram a ficar frente a frente os russos anunciaram a fabricação de sua primeira
e a curtíssima distância. Felizmente ninguém aper- bomba atômica, os norte-americanos responderam,
tou o gatilho. As fugas foram reduzidas, mas, mes- em 1952, com a bomba de hidrogênio, mas, no ano
mo assim, muitos perderam a vida ou a liberdade seguinte, os russos já a possuíam. Em 1957, os so-
na tentativa de atravessar para o lado ocidental. O viéticos mostraram ao mundo um míssil balístico
muro de Berlim só foi derrubado em 1989, após o intercontinental que, lançado de seu território, po-
esfacelamento da União Soviética. deria atingir os Estados Unidos. Em pouco tempo
Durante todo este tempo as tensões aumen- os americanos construíram arma semelhante. Os
taram muito, já que os dois lados viam-se frágeis russos colocaram em órbita o satélite Sputnik, me-
perante o inimigo. Essa percepção levou os ociden- ses depois os norte-americanos responderam com o
tais a criarem, em 1949, a OTAN - Organização do Explorer I. Um novo fenômeno somava-se agora à
Tratado do Atlântico Norte, aliança militar volun- corrida armamentista, a chamada corrida espacial.
tária de doze países que considerava o ataque a um A possibilidade de seu uso para fins militares tor-
deles, como um ataque ao grupo. A União Soviética nava a humanidade ainda mais tensa.
e seus satélites comunistas do leste europeu respon-
deram em 1955, imediatamente após a admissão da
Alemanha Ocidental na OTAN, criando o Pacto de
Varsóvia, também um acordo militar de defesa mú-
tua que, no entanto, não dependia do fato de seus
integrantes concordarem ou não com os princípios
estabelecidos por Moscou. É importante observar
que, enquanto os membros da OTAN conseguiam
se entender dentro de limites aceitáveis, os partici-
pantes do Pacto de Varsóvia alimentavam discor-
dâncias radicais contra o dominador soviético. As-
sim, explodiram sucessivas revoltas, sendo a primeira
na Iugoslávia que, apesar de comunista, recusava-se
a ser um satélite de Moscou. Seguiram-se levantes
na Polônia, na Hungria, na Tchecoslováquia e, em
ponto menor, na Bulgária e na Albânia. Todas fo- Enquanto estes fatos ocorriam no ocidente,
ram reprimidas com extrema violência e, ironica- o oriente era sacudido por guerras locais que aca-
mente, em alguns casos, foram utilizadas tropas do baram envolvendo, em alguns casos, países muito
Pacto de Varsóvia que só deveriam ser empregadas distantes das zonas em conflito. Entre 1950 e 1953,
contra inimigo externo. um desentendimento ideológico colocou frente

16 - Revista do Clube Militar


a frente a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. A atuais Camboja, Vietnã e Laos, ocorrida entre 1946
península fora ocupada desde o início do século e 1954, opondo o Vietminh, movimento de liber-
pelo Japão, que a considerava como uma simples tação do Vietnã, e a França, potência colonizadora
colônia. Em Yalta e Potsdam, ficara acordado que, que terminou derrotada. Os americanos entendiam
terminado o conflito do Pacífico, o país seria li-
vre. No entanto, concluída a luta, americanos e
soviéticos decidiram repartir o território em dois,
utilizando-se como fronteira o paralelo 38oN para
facilitar a rendição e retirada dos japoneses. Para
a recém-fundada ONU, a divisão deveria ser tem-
porária e, no mais breve tempo possível, eleições
livres permitiriam a reunificação. Isto jamais acon-
teceu, o norte entrou para a órbita da China e da
União Soviética e o sul permaneceu sob influência
norte-americana. Em outras palavras, o que poderia
ter sido simples solução local transformou-se em
mais um multiplicador da Guerra Fria. Em junho
de 1950, sem qualquer aviso, tropas da Coreia do
Norte invadiram a Coreia do Sul, dando início a
um conflito que duraria três anos, com forte envol-
vimento dos Estados Unidos e 14 países aliados,
da Rússia e da China. Ao final, as Coreias estavam
destruídas, milhões haviam morrido ou estavam
desabrigados. O território e a nação permaneceram
divididos. É importante ressaltar a rápida recupe-
ração do sul, sob regime capitalista e democrático,
em contraste com o atraso do norte, submetido ao os dois conflitos como sendo um só fenômeno, por
regime comunista, no qual os dirigentes se sucedem não terem percebido que o embate inicial era uma
seguindo unicamente o princípio da hereditarieda- guerra de libertação. Cegava-os o apoio da União
de. Até esta segunda década do Século XXI, a Guer- Soviética ao Vietminh. Segundo Demetrio Magnoli,
ra da Coreia não terminou oficialmente. em "História das Guerras", pag. 391, "na guerra da
De 1960 a 1975, eclodiu uma nova guerra Indochina, o que estava em jogo era o direito do
na qual se enfrentaram, de um lado o Vietnã do povo à soberania nacional [...] Na guerra do Viet-
Norte, comunista, aliado ao Vietcong, facção de nã estavam em jogo a unidade do estado vietnami-
comunistas sul-vietnamitas, e, do outro, o Vietnã ta e a natureza do seu regime político e econômico.
do Sul, aliado dos Estados Unidos. É importante Do ponto de vista dos Estados Unidos, jogava-se
lembrar que a região já sofrera os malefícios da cha- nada menos que o futuro geopolítico da Ásia e a
mada guerra da Indochina, que compreendia os configuração geral da esfera de influência sovi-

Edição Especial - 17
ética no continente”. A batalha entre forças norte- se incluía na constituição do novo estado a Emen-
americanas, numerosas e tecnologicamente bem da Platt, que autorizava os Estados Unidos a in-
equipadas, contra um inimigo dotado de meios tervirem no País sempre que interesses recíprocos
limitados, mas profundo conhecedor do terreno, fossem ameaçados. Não será exagero afirmar que a
tornou-se exemplo clássico de guerra assimétrica. expressão interesses recíprocos era um sinônimo,
Os Estados Unidos perderam a guerra, prin- tão somente, de interesses americanos. Em termos
cipalmente para sua própria opinião pública, que práticos, Cuba transformara-se em um protetorado.
se opunha ferozmente à morte de seus filhos nas A substituição de espanhóis por norte-americanos,
selvas de um país periférico e, até então, desconhe- apesar das limitações à soberania cubana, trouxe
cido. A televisão destacou-se como a arma mais benefícios para a população, como melhoria nos
poderosa da guerra. Pela primeira vez na história, sistemas de saúde e educação, abertura de fábricas
eram exibidos ao vivo para os lares norte-america- e incentivo ao turismo. Não se pode esquecer que,
nos os combates nas aldeias, nas cidades, nas flo- por outro lado, o aumento de turistas sem as neces-
restas úmidas e até o massacre de civis muitas vezes sárias limitações legais, contribuiu para disseminar
inocentes. Tudo prenunciava a chegada dos tris- inúmeras mazelas, sendo a mais evidente o aumen-
temente famosos sacos pretos guardando os restos to da prostituição.
mortais da juventude, que perdia a vida a milhares Em 1933, ascendeu à presidência Fulgêncio
de quilômetros de suas casas. No Cemitério Nacio- Batista que, direta ou indiretamente, comandou o
nal de Arlington, uma tropa prestava honras fúne- destino dos cubanos por quase 26 anos. Sob Fulgên-
bres todos os dias, sem descanso. A guerra extrapo- cio, mais de 100.000 estrangeiros migraram para a
lara o limite de resistência e tolerância das famílias ilha. Cuba era então próspera, mas não estava livre
norte-americanas. A conquista de Saigon, capital da onipresença norte-americana, dos desmandos de
do sul, pelas forças de Hanói, capital do norte, Batista e de flagrantes diferenças sociais.
não trouxe a almejada paz à região. Os comunistas
haviam tomado o poder no Laos e no Camboja,
onde o regime assassino de Pol Pot já matara mais
de 2 milhões de pessoas. Os combates passaram a
ocorrer entre o Vietnã unificado, desejoso de tra-
zer o Camboja para sua órbita, e os chineses que
lutavam para manter Pol Pot no poder. A China e
a União Soviética sustentavam essa guerra e, mais
uma vez, o Vietnã venceu. Fidel Castro e Nikita Kruschev

Os ventos da Guerra Fria também sopraram Em 1959, também no primeiro dia do ano,
sobre o Caribe. Para entender o fenômeno é pre- após longo período de combates fratricidas, Cuba
ciso voltar a 1899. No primeiro dia daquele ano, foi tomada por guerrilheiros rebeldes sob o co-
enquanto os espanhóis eram expulsos e deixavam mando de Fidel Castro. De início considerado um
Cuba, fuzileiros navais norte-americanos faziam o líder social democrata, logo declarou-se comunis-
caminho contrário e lá permaneceram enquanto ta alinhado com a União Soviética. Os aplausos

18 - Revista do Clube Militar


Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/files/2010/04/cuba-41.png

Fuzilamento, a “justiça”sumária da revolução cubana."

que haviam saudado a queda da ditadura corrupta Êxodo de Mariel. O economista Armando Lago,
de Fulgêncio Batista foram diminuindo à medida consultor do Stanford Research Institute, calcula
que Castro e seu braço direito, o argentino Ernes- que, entre 1959 e 2004, as vítimas da ditadura cas-
to “Che” Guevara, usaram de extrema ferocidade trista excederam a 100.000, aí incluídos cerca de
contra seus opositores ou simples suspeitos de se- 78.000 mortos ou desaparecidos em tentativas de
rem opositores. As expressões "paredon" - lugar fuga do país.
onde os contrários ao regime eram fuzilados - e A revolução de Fidel implementou mudanças
"balseros" - aqueles que fugiam para a Flórida em radicais, pela súbita troca do capitalismo pelo co-
qualquer coisa que flutuasse - passaram a ser co- munismo e consequente substituição dos interesses
nhecidas em uma infinidade de idiomas. Cerca de dos Estados Unidos pela proteção da União Sovi-
125.000 cubanos usaram o porto de Mariel, por ética em pleno coração da América, esquecendo os
sua proximidade com o litoral norte americano. acordos de Potsdam que haviam definido zonas de
O governo, incapaz de impedir a fuga dos chama- influência para as duas potências. Castro, que exer-
dos "marielitos", considerou-os "indeseables" e ceria o poder absoluto por quase 50 anos, eliminou
"un peligro para la sociedad". Foi pouco, Cas- os partidos políticos mantendo apenas o Partido
tro não conseguiu nem mesmo evitar que o local Comunista Cubano e restringiu as liberdades da
passasse à história como símbolo do chamado imprensa e da igreja, seguindo a receita aplicada

Edição Especial - 19
no leste europeu. Cuba tornou-se um país caren- beira de uma guerra nuclear. A atenção de todos os
te, dependente de auxílio externo para a própria países estava centrada na aproximação de uma frota
subsistência, com a população submetida a racio- soviética e o consequente ultimatum dado pelo go-
namento contínuo desde gêneros alimentícios até verno americano. Felizmente, na penúltima hora,
produtos básicos de higiene. A vitrine do comunis- as embarcações manobraram para retornar e os
mo na América revelou, então, seu lado mais cruel, quase beligerantes chegaram a um acordo, que con-
o equilíbrio da pobreza. templava a desistência americana de invadir a ilha
Tentativas de tomada do poder por cubanos e a remoção dos mísseis que mantinha na Turquia,
exilados, apoiados pelos Estados Unidos, resulta- em troca da retirada dos armamentos soviéticos de
ram em vergonhosos fracassos e, obviamente, can- Cuba. O mundo respirou aliviado.
celaram quaisquer possibilidades de entendimento. Ignorado ao longo de toda a crise, Castro,
Por seu turno, cercados por bases americanas na muito mais radical que seus protetores, sentindo-se
Europa e na Ásia, os soviéticos viram em Cuba uma desprestigiado, decidiu voltar seus esforços para in-
oportunidade de ameaçar diretamente o território ternacionalizar a revolução, rumo que visualizava
dos Estados Unidos, distante apenas 150 km da há muito tempo. Com dinheiro cubano e soviéti-
ilha. Em 1962, o primeiro ministro Nikita Krus- co, passou a financiar guerrilhas, assessoramento
chev acordou com Castro a instalação em Cuba político-ideológico e, principalmente, treinamento
de equipamentos militares defensivos e ofensivos, militar para movimentos revolucionários na Ásia,
alguns com ogivas nucleares. Segundo o historia- África e América Latina. Para tal, era bastante que
dor Tony Judt, em "Reflexões Sobre um Século Es- seus integrantes demonstrassem a intenção de der-
quecido", pag. 349, "em sua versão final incluiria rubar governos simpáticos aos Estados Unidos. Por
cerca de 50 mil militares soviéticos, organizados mais de 30 anos, milhares de cubanos e recursos
em cinco regimentos de mísseis nucleares, qua- financeiros tão necessários à população da ilha, fo-
tro regimentos motorizados, dois batalhões de ram dedicados a intervenções em países como Gui-
tanques, uma esquadrilha de caças Mig-21, 42 né Bissau, Cabo Verde, Congo, Argélia, Namíbia,
bombardeios leve IL-28, dois regimentos de mís- Angola, Moçambique, Honduras, Panamá, Bolívia,
seis cruises, 12 unidades antiaéreas SA-2 com 144 Nicarágua, El Salvador e outros. Che Guevara, um
lançadores e uma esquadra com 11 submarinos, dos líderes daquelas intervenções, mais voltado
sete deles equipados com mísseis nucleares." Em para a América Latina que tanto conhecia, foi mor-
resumo, à época um poderio defensivo e, principal- to na Bolívia pelo exército daquele país.
mente, ofensivo superior à soma de todas as forças A interpretação dos fatos que envolveram o
armadas latino-americanas. As obras das instalações mundo, desde os anos 40 até os 60, depende fun-
foram descobertas e fotografadas por aviões norte damentalmente do conhecimento das relações in-
americanos, o que levou o Presidente John Kennedy ternacionais características daquela época e não da
a fazer um cerco naval e aéreo à ilha, exigindo a reti- forma como são vistas nos dias atuais. Dizia o his-
rada dos artefatos. Intensas e nervosas negociações, toriador francês Lucien Febvre que "a História é
entremeadas por ameaças radicais de parte a parte, filha do seu tempo", ou seja, o fato histórico deve
colocaram o mundo, durante 13 dias de outubro, à ser interpretado à luz da época em que ocorreu e,

20 - Revista do Clube Militar


pode-se acrescentar, sem interferência da colora- bom senso, poderia acreditar que naquele mundo
ção ideológica de quem o faz. É difícil acreditar vivendo sob permanente e elevadíssima tensão, as
que radicais consigam tal isenção, mas, indepen- divergências ideológicas extremadas e os milhares
dentemente do lado em que estiverem, é certo que de mortos nos campos de batalha chegassem às
os estudiosos chegaram ao consenso de que aquele nossas fronteiras apenas como fatos esmaecidos
período foi um dos mais conturbados da história pela distância e pelo espaço temporal. Nos anos
do mundo e que nenhum, antes ou depois, esteve 60 e, em especial, em 1964, o Brasil temia por
tão perto do total desmoronamento da civilização. convulsões internas, influências externas e, conse-
Einstein disse certa vez que "se a terceira guerra quentemente, seu envolvimento em acontecimen-
mundial utilizar artefatos nucleares, a quarta tos que já se anunciavam como trágicos. O perigo
será uma luta com paus e pedras". Mesmo sim- estava muito perto.
bolicamente não exagerava, considerando-se que Por coincidência, foi nesse mesmo ano de
sobreviveria gente suficiente para atirar os paus e 1964 que Ernesto Che Guevara, em discurso na
as pedras. Para a América Latina como um todo e ONU, declarou: “Fuzilamentos? Sim, temos
para o Brasil em particular, a crise dos mísseis de fuzilado. Fuzilamos e seguiremos fazendo isto
1962 e a internacionalização da revolução cubana enquanto for necessário. Nossa luta é uma luta
foram acontecimentos muito próximos e muito até a morte”. * O autor é Coronel de Artilharia e integrante do
Conselho Editorial da Revista do Clube Militar
importantes. Ninguém dotado de um mínimo de
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/files/2010/04/cuba-cinco.png

"Nossa luta é uma luta até a morte”.

Edição Especial - 21
O Tentame Comunista de 1961 – 1964
Antecedentes da Revolução Democrática de 1964

Sergio A. de A. Coutinho *

A História não se repete. Conhecê-la, porém, permite entender o que


aconteceu no passado e perceber o que acontece no presente.

P
ara bem se compreender a Revolução De- para a tomada do poder pleno e implantar a dita-
mocrática de 1964 é necessário que antes se dura do proletariado. O Partido Comunista Brasi-
saiba que ela foi, no seu primeiro momento leiro, assim, abandonara a estratégia do assalto ao
(1964-1967), uma contrarrevolução restauradora. poder que empregara na Intentona de 1935.
A causa fundamental do movimento, cujo
imediato efeito foi a deposição do Presidente João Antecedentes
Goulart, não estava apenas na desordem política,
econômica e social que a inépcia e os projetos Em outubro de 1960, Jânio Quadros, can-
golpistas do primeiro mandatário produziram, didato pela União Democrática Nacional – UDN
levando a Nação à intranquilidade e ao temor. – se elegeu Presidente da República com expressi-
Havia também algo mais perturbador e ameaça- va votação. João Goulart, do Partido Trabalhista
dor - a revolução comunista - ressurgente, velada, Brasileiro – PTB – foi também eleito como Vice-
mas pressentida no tumulto dos acontecimentos. Presidente, em candidatura desvinculada e em
A segunda tentativa concreta de tomada do poder oposição à chapa de Jânio, paradoxo permitido
que os comunistas faziam no Brasil. pela Constituição de 1946. Para garantir esta vitó-
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) – o ria, aceitou acordo político eleitoral com o Parti-
partidão de Luiz Carlos Prestes – aceitou a estraté- do Comunista Brasileiro que, na ilegalidade, não
gia da via pacífica para a tomada do poder, reco- podia ter candidato próprio.
mendada por Moscou depois do famoso XX Con- Jânio Quadros tomou posse em 31 de janei-
gresso convocado por Kruschev em 1956. A via ro de 1961, porém, durou pouco o seu governo.
pacífica consistia, e ainda consiste, em conduzir a Inesperadamente, sem explicações razoáveis à épo-
revolução em duas etapas. A primeira, conquistar ca (25 de agosto de 1961), Jânio Quadros renun-
o governo pela via eleitoral legítima: a revolução ciou, criando uma grave crise político-institucio-
nacional-democrática, como é denominada pelos nal. O sucessor legal do Presidente renunciante era
teóricos comunistas. Estabelecido o governo po- o Vice-Presidente Goulart, naquele momento fora
pular, o segundo passo – a Revolução Socialista – é do País, em visita oficial à China Popular.
acumular forças, isto é, preparar o golpe-de-estado Conhecedores dos projetos revolucionários

22 - Revista do Clube Militar


do Partido Comunista Brasileiro, das posturas aceito pelos Ministros militares, na iminência de
populistas de esquerda do Vice-Presidente, das li- uma guerra civil.
gações político-eleitorais e de simpatia deste para
com os comunistas, os Ministros da Marinha, da As Manobras Golpistas da
Guerra e da Aeronáutica manifestaram a inconve- Esquerda Populista
niência da posse do Sr. João Goulart.
Em manifesto conjunto à Nação, assim de- Na onda esquerdista, animada com a cam-
clararam os ministros: panha pela legalidade e pela posse de João Gou-
“No cumprimento do seu dever constitucio- lart, despontaram três lideranças de esquerda que
nal de responsáveis pela manutenção da ordem, da não estavam vinculadas às organizações comunis-
lei e das próprias instituições democráticas, as For- tas, embora com elas mantivessem as mais conve-
ças Armadas do Brasil, através da palavra autoriza- nientes ligações.
da dos seus ministros manifestaram (...) a absoluta O primeiro movimento, de natureza nacio-
inconveniência, na atual situação, do regresso ao nalista-populista, foi criado por Leonel Brizola,
país do Vice-Presidente, o Sr. João Goulart”. quando ainda governador do Rio Grande do Sul.
A grave advertência dos Ministros gerou Continha vagos conceitos socialistas e sua bandei-
imediata reação dos comunistas e das esquerdas ra nacionalista era de caráter meramente anti-im-
nacionalistas e populistas, sob a liderança de Le- perialista e de oposição ao processo de espoliação
do capital estrangeiro e das multinacionais
no Brasil. O Presidente Goulart tinha se-
melhante posição, rivalizando-se com o
seu cunhado.
O segundo movimento de esquerda
onel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e foi de Miguel Arraes, então Governador de Per-
cunhado do Vice-Presidente, com o apoio e a par- nambuco. Era uma liderança local que se preo-
ticipação do Comando e parte da tropa do então cupava em se manter em evidência para garantir
III Exército, levando a Nação a uma perigosa crise condições de uma candidatura à Presidência da
política e à quebra da unidade do Exército e das República nas eleições de 1965, pelo mesmo parti-
Forças Armadas. do do Presidente (que Presidente? – parece referir-
A aludida defesa da legalidade, na realidade, se ao Presidente de então, Goulart ) e de Brizola.
era a defesa de um projeto revolucionário que ti- O terceiro movimento foi o das Ligas
nha exatamente o propósito de destruir a ordem Camponesas. Fundadas em Pernambuco, nos
constitucional. Naquele perigoso momento, os go- anos 50, visava à mobilização dos trabalhadores
vernadores estaduais se reuniram no Rio de Janei- rurais em defesa da reforma agrária e da exten-
ro e propuseram uma solução de compromisso – a são dos direitos trabalhistas ao campo. Seu líder
instituição do parlamentarismo (Ato Adicional de era Francisco Julião.
03 setembro de 1961). João Goulart pôde assim Os cubanos viram nas Ligas Camponesas a
chegar à Presidência da República, em um acordo possibilidade de implantar a guerrilha no Brasil.

Edição Especial - 23
O esquema guerrilheiro das Ligas durou cerca de Por sua vez, Leonel Brizola exigiu o Mi-
um ano. Em 1962, na área em que estava sendo nistério da Fazenda para si, posição que lhe
implantado em Dianópolis/Go, foi desbaratado garantia condições para realizar o seu projeto
pessoal de conquistar o poder. Também neste
episódio, a oposição foi tão grande que o Pre-
sidente não teve condições de nomeá-lo. Este
fracasso levou Brizola a nova postura, agora
nitidamente insurrecional. Para ele, a concre-
tização das reformas só seria “possível, com a
tomada do poder pelas armas, e com apoio do
por tropas federais, por determinação do próprio povo” O aliciamento de militares (oficiais na-
Governo Goulart, que tinha posição coincidente cionalistas, sargentos e marinheiros) seria na
com a do PCB, que se opunha à via campesina do direção da articulação de um golpe nacionalis-
movimento. ta; e muitos se deixaram seduzir pelo discurso
Em resumo, desde a renúncia de Jânio Qua- do ex-governador.
dros, em 25 de agosto de 1961, até a eclosão do Em 1963, foram criados os chamados
movimento cívico-militar de 31 de março de 1964, Grupos dos Onze, que seriam as bases de massa
estavam em andamento dois projetos contra a de- e o braço armado de um futuro partido revolu-
mocracia brasileira: um golpe nacionalista-popu- cionário, cujo objetivo seria a implantação de
lista e uma revolução comunista. O primeiro, lide- um governo nacionalista popular, conhecido
rado pelo próprio Presidente e pelo seu cunhado, como República Sindicalista.
ex-governador do Rio Grande do Sul. O segundo, Elementos de estrita confiança do coman-
conduzido pelo Partido Comunista e seu secretá- do nacionalista “ajudariam os sargentos a to-
rio Luiz Carlos Prestes. Em torno destes projetos, marem os quartéis e a preservarem a legalidade.
toda a esquerda restante agitava, apostando na ten- Cada sargento comandaria três grupos dos onze”
dência que melhor coincidisse com os seus pontos (Denis de Moraes, A Esquerda e o Golpe de 64).
de vista e objetivos. As reformas de base eram a grande bandei-
No movimento nacionalista-populista, tan- ra do movimento nacionalista-populista tanto
to o Presidente da República quanto o ex-gover- como instrumento de mudanças institucionais,
nador do Rio Grande do Sul “queriam o poder como de conquista do poder. As reformas eram
para si; cada qual a seu modo procurou utilizar o mal explicadas, nunca se revelando exatamen-
movimento (...)”. O Presidente tentou o seu proje- te o que seriam. Eram citadas: a reforma agrá-
to antes de se comprometer mais a fundo com os ria, a reforma urbana, a reforma educacional,
comunistas. Propôs o estado de sítio, a pretexto a reforma tributária, a reforma administrativa,
de uma suposta radicalização da direita, porém a reforma eleitoral, a reforma universitária, a
sofreu oposição de todos os setores, inclusive da reforma bancária, a reforma nas relações com
própria esquerda que também se sentiu ameaçada. as empresas estrangeiras. Serviam para tudo, até
A medida não foi aprovada. para justificar um golpe popular.

24 - Revista do Clube Militar


A Manobra Revolucionária Comunista e democrática em socialista” (Apontamentos do
O Partido Comunista Brasileiro, por sua vez, líder comunista, citados por Luiz Mir, op cit).
tinha uma concepção consistente para a tomada do Para alcançar este objetivo, os comunistas se
poder. Seu primeiro objetivo seria a conquista do infiltraram no Governo e nas Forças Armadas, a
governo pela via pacífica para implantar transitoria- partir de onde tomariam, por dentro, o poder.
mente um governo popular-democrático. As circuns- As reformas de base também eram bandeira
tâncias favoreciam a tentativa de realizar esta meta do PCB, porém vistas por uma ótica revolucionária
pelo domínio do governo, antecipando a alternati- e não meramente populista. Concepção do Secre-
tário-Geral do Partido em seus aponta-
mentos e entrevistas:
“A luta pelas Reformas de Base
constitui um meio para acelerar a acu-
mulação de forças e aproximar os obje-
tivos revolucionários”.
“Não lutamos (ainda) por uma
va da via eleitoral já que estava na ilegalidade. Para revolução socialista. Lutamos por um governo revo-
tanto, teria que aprofundar os compromissos com lucionário anti-imperialista que, dentro do regime
o Presidente Goulart e fazê-lo parte do empreendi- democrático, dê início às reformas indispensáveis ao
mento. Por esta razão, apoiou decisivamente a sua país. Essas reformas sendo cada vez mais profundas,
posse quando contestada pelos ministros militares e provocando elas próprias a abertura do caminho
a campanha do NÃO no plebiscito que repudiaria para a socialização” (citado por Luiz Mir, op cit).
o parlamentarismo, apenas seis meses depois de im- As reformas de base, como ideologia inter-
plantado, restabelecendo o presidencialismo e resti- mediária, simulavam o jogo democrático e assim
tuindo os plenos poderes ao Presidente. mascaravam as verdadeiras intenções do Partido.
Na própria narrativa do Secretário-Geral do O Presidente da República tentou fortalecer
PCB, Luiz Carlos Prestes, a manobra do partido sua posição com alguns expedientes políticos. Ini-
seria a seguinte: cialmente, em conluio com o seu cunhado. Todas
“Um poderoso movimento de massas sus- as iniciativas, porém, fracassaram, rejeitadas até
tentado pelo poder central e tendo em seu nú- pelas esquerdas.
cleo um dos partidos – (PCB) – mais sólidos
do continente, instalado no seio do aparato
estatal (...) Um exército penetrado dos pés à
cabeça por um forte movimento democrático
e nacionalista (...) A tomada do estado burguês
do seu interior para fora”. “Finalmente, uma
vez a cavaleiro do aparelho do estado, conver-
ter rapidamente, a exemplo da Cuba de Fidel
ou do Egito de Nasser, a revolução nacional

Edição Especial - 25
O Presidente não teve outra alternati-
va: negociou com o PCB. Ele “apresentaria
a plataforma de um governo nacional e de-
mocrático, anti-imperialista e reformista”; o
Partido “lançaria oficialmente a candidatura
(do Presidente) à eleição de 1965”. O líder
comunista “pregava publicamente a conti-
nuidade do Presidente, com golpe” (Luiz
Mir, op cit). O continuísmo permitiria o
prosseguimento do trabalho de domínio do
governo em curso e a consolidação das posi-
O clímax da agitação e propaganda se deu
ções já alcançadas pelo Partido.
no Comício pelas Reformas, realizado em frente
da estação da Central do Brasil, em 13 de março
Agitação e Propaganda
de 1964, no Rio de Janeiro. Com artifícios esper-
tos para reunir os trabalhadores, os organizado-
No período de 1961 a 1964, todas as organi-
res concentraram uma multidão de cerca de 100
zações de esquerda desenvolveram intenso trabalho
mil pessoas. Com a presença do Presidente da
de agitação, com início nos episódios da campanha
República e sua esposa, de ministros de estado e
pela posse do vice-Presidente (1961) e na campa-
dos principais líderes nacionalistas, populistas e
nha para restabelecer o sistema presidencialista, por
comunistas, os sucessivos oradores radicalizaram
meio do plebiscito previsto no Ato Adicional que
(suas posições), com suas propostas para forma-
implantou o parlamentarismo (1962).
ção imediata de um governo verdadeiramente
popular e de mudanças na Constituição que via-
bilizassem as reformas de base.

A Ruptura da Disciplina nas Forças Armadas

As grandes bandeiras levantadas foram o na-


O Governo, por influência e sugestão dos po-
cionalismo, o anti-imperialismo, as reformas de
pulistas e comunistas, montou o que se denominou
base e um alegado golpismo da direita.
Esquema Militar para sua sustentação e para ga-
No Movimento Sindical, sobressaiu-se o
rantia contra os militares golpistas e reacionários.
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), enca-
Este esquema se fazia, basicamente, pela colocação
brestado ao governo e ao seu partido, mas sob
de oficiais-generais nacionalistas e progressistas em
controle efetivo do PCB. O movimento desenca-
certos pontos-chave e pela mobilização e politiza-
deou uma intensa onda de greves políticas, a pre-
ção de sargentos e marinheiros em torno da legali-
texto de reivindicações trabalhistas, O grevismo
dade, do nacionalismo e das reformas.
descontrolado com a conivência oficial assustou e
Também o Partido Comunista Brasileiro ti-
intimidou a sociedade nacional.

26 - Revista do Clube Militar


cia dos amotinados.
Em março de 1964, se deu
uma demonstração de indiscipli-
na mais grave: em assembleia no
Sindicato dos Metalúrgicos no
Rio de Janeiro, cerca de mil mari-
nheiros exigiram a suspensão das
punições aplicadas aos dirigentes
da Associação de Marinheiros e
nha o seu setor militar, o mais secreto da organi- Fuzileiros Navais do Brasil. Presentes lá,
zação. Segundo um ex-oficial comunista, era inex- também estavam, solidários e insufladores, diri-
pressivo em número, mas muito ligado a Prestes. gentes do CGT e militantes de várias organizações
Estima ele que, em 1964, havia cerca de mil milita- de esquerda. Além do mais, contaram com o apoio
res (oficiais, sargentos e outras praças) reformistas de dois almirantes, um dos quais, Comandante do
(nacionalistas de esquerda) e cerca de 150 comunis- Corpo de Fuzileiros Navais. O Ministro da Mari-
tas ativistas em todo o Exército. nha solicitou tropas do Exército que cercaram e
O movimento nacionalista-populista do ex- evacuaram o Sindicato. O Presidente, para con-
Governador Leonel Brizola foi a principal linha de tornar a crise e cedendo às pressões das esquerdas,
aliciamento de militares, exercendo grande influên- exonerou o Ministro da Marinha e nomeou um
cia sobre sargentos e praças desde a sua Campanha novo titular, almirante da reserva, nacionalista,
da Legalidade em 1961. concordando ainda em anistiar os insubordina-
O ativismo no meio dos sargentos e pra- dos. O último acontecimento, demonstrando a
ças acabou por provocar sérias manifestações quebra da hierarquia e disciplina, se deu na noite
de indisciplina e rebeldia. Em se-
tembro de 1963, os sargentos de
Brasília, a maioria da Marinha
e da Aeronáutica, se rebelaram
contra decisão do Tribunal Su-
perior Eleitoral que considerou
inelegíveis os sargentos que con-
correram às eleições parlamenta-
res de 1962. Os amotinados ocu-
param vários pontos da Capital
Federal. Esperavam a adesão em
outros locais do país, o que não
aconteceu. A rebeldia foi domi-
nada por tropas do Exército em
menos de 24 horas, sem resistên-

Edição Especial - 27
A crescente agitação política e social, o desgo-
verno e a evidência de um movimento comunista
em marcha acabaram por gerar uma sensação de
insegurança geral. Embora o centro de inquietação
e de crescente oposição estivesse principalmente na
classe média, também os trabalhadores em geral se
sentiam insatisfeitos e inseguros. A desorganização
geral, a inflação, o desabastecimento, a corrupção
e a ameaça latente da ruptura da ordem política e
social atingiam toda a sociedade.

de 30 de março de 64, na sede do Automóvel Clu-


be do Brasil, no Rio de Janeiro: comemoração do
aniversário da Associação de Sub-Oficiais e Sar-
gentos da Guanabara. Se reuniram cerca de 2000
pessoas, tendo como convidado especial o pró-
prio Presidente
da República.
Na assistência,
dois ministros
militares, o Co-
mandante do
Corpo de Fu-
zileiros Navais,
O anseio de reversão do quadro era generali-
o líder da rebe-
zado e a esperança se voltou naturalmente para as
lião dos marinheiros e representantes de toda a
únicas instituições que ainda guardavam os princí-
esquerda, populistas e comunistas. Os discursos
pios de autoridade, a coesão interna e a capacidade
foram inflamados e revolucionários, inclusive a
de agir com firmeza e serenidade: a Igreja Católica
fala do Presidente da República. Mas, naquele
e as Forças Armadas.
momento, já estava em movimento a Revolução
de 31 de março de 1964. * O autor, falecido, era General de Brigada, escritor e historiador.

28 - Revista do Clube Militar


O Panorama Nacional
em 1963 e Início de 1964

Ulisses Lisboa Perazzo Lannes*

O caos programado.

Investido, a partir de janeiro de 1963, seus próprios objetivos, identificava-se ainda


dos plenos poderes presidenciais, João Gou- um projeto revolucionário marxista-leninista,
lart rapidamente passou a conduzir ações no conduzido pelo Partido Comunista Brasileiro
sentido de implementar projeto golpista que e seu líder, Luiz Carlos Prestes. No quadro da
desaguaria em um governo totalitário de es- Guerra Fria dos anos 60, o Brasil afigurava-se
querda, cujo regime nunca ficou claramen- como alvo capaz de transformar por comple-
te definido. Insuflado e orientado por seu to o equilíbrio entre as duas superpotências e
cunhado, Leonel Brizola, pregava a necessi- era visto pelos comunistas como palco da ter-
dade de “reformas de base” e a implantação ceira grande revolução do século XX, após a
de uma “república sindicalista”. Controlan- soviética e a chinesa. A manobra revolucioná-
do o aparelho sindical, o governo promovia e ria tentaria repetir a formação de uma “frente
patrocinava o grevismo, a anarquia e o caos, única” e a concretização de uma “Revolução
e o País passou a viver dias de insegurança, Democrática Burguesa”, numa aliança tática
intranquilidade, estagnação econômica e in- dos comunistas com a insurreição “burgue-
flação descontrolada. Enfrentar e debelar tão sa” de Goulart e Brizola. Revela-se, na adoção
graves problemas, afirmavam Jango e seus desse processo, a fiel e rígida observância do
aliados, impunha a necessidade urgente de PCB às diretrizes emanadas de Moscou, que
“reformas de base”, “com ou sem o Congres- recomendavam o “assalto ao poder pela via
so, na lei ou na marra!” A mensagem não pacífica ou etapista”, em contraposição a li-
poderia ser mais clara! nhas de ação mais açodadas e radicais (foquis-
tas, trotskistas e maoístas), defensoras da luta
Os comunistas. armada. Não tardaria muito para que estas
últimas provocassem o derramamento de san-
Aliado ao esquema janguista, porém com gue brasileiro.

Edição Especial - 29
As Forças Armadas. greves em setores essenciais, comandadas por
sindicalistas estreitamente ligados ao gover-
Curiosamente, ambas as correntes - a no, e o clima de desordem acentuava-se com
janguista-brizolista e a comunista - viam na arruaças e ameaças de intervenção de grupos
adesão e participação das Forças Armadas e, armados sob a liderança de Leonel Brizola. A
em especial do Exército, condição imprescin- população sofria com o desabastecimento de
dível para a conquista de seus objetivos. gêneros básicos, os frequentes e inopinados
Para isso, fazia-se mister neutralizar, en- cortes de energia elétrica e a quase diária pa-
fraquecer e solapar as lideranças contrárias ralisação do transporte público.
aos seus desígnios e montar um “dispositivo Arregimentada pela grande imprensa,
militar” confiável, capaz de permitir e apoiar pela Igreja católica e por líderes políticos,
a ensandecida marcha no rumo do totalita- a opinião pública começara a protestar e a
rismo. Os chefes militares foram classificados participar, maciçamente, de manifestações
em dois grandes grupos: havia os “generais do contra aquele estado de coisas. Em tão con-
povo” e os “entreguistas”; as divisões inter- turbado ambiente, três eram os cenários
nas foram fomentadas; e criou-se artificial e mais prováveis para a evolução do quadro
perigosa cisão entre oficiais e graduados. Os nacional: a implantação de um regime di-
sagrados princípios da hierarquia e da disci- tatorial de esquerda; o agravamento do
plina passaram a sofrer permanente ataque. anarquismo sindical, com hiperinflação; e a
Em janeiro de 1964, Prestes viajou a eclosão de uma guerra civil com conotações
Moscou e, na síntese sobre a situação brasi- ideológicas. Claramente, a sucessão demo-
leira apresentada aos chefes soviéticos, dei- crática normal, prevista para ocorrer no ano
xou claro o papel e a importância dos mili- seguinte (1965) tornava-se a cada dia mais
tares brasileiros no processo revolucionário distante e implausível.
vermelho: Confiantes no controle das “forças popula-
... Oficiais nacionalistas e comunistas assegu- res” e no apoio do “dispositivo militar” Jango,
rarão, pela força, um governo nacionalista e anti- Brizola e Prestes buscaram escalar a crise, na
imperialista... As reformas de base acelerarão a certeza de alcançar, em curto prazo, desfecho
conquista dos objetivos revolucionários ... O grande favorável a seus propósitos. Três episódios ca-
trunfo será o dispositivo militar. racterizariam essa decisão: o comício realiza-
do em frente ao prédio da Central do Brasil,
A Escalada e os Cenários Prováveis. em 13 de março, marcado pela agressividade e
radicalização das posições; o motim de mari-
Ao iniciar-se o mês de março de 1964, nheiros e fuzileiros navais, em de 25 de março;
o ambiente de desordem e intranquilidade e o discurso pronunciado por João Goulart no
atingira novos patamares. Sucediam-se as Automóvel Clube, em 30 de março.

30 - Revista do Clube Militar


cional, respaldada e legitimada pelo Con-
A destemida e intrépida decisão dos gresso e pelo imenso apoio popular, salvou
Generais Mourão e Guedes de iniciar, em a democracia, naquele momento ameaçada
absoluta inferioridade de meios, o deslo- pela intimidação do parlamento, pela pres-
camento em direção ao Rio de Janeiro e a são das massas sindicalizadas e pela dissolu-
Brasília, aglutinou e catalisou a resposta ção das Forças Armadas.
da sociedade brasileira aos desmandos e à
subversão promovidos pelo governo.
“Desse modo, o 31 de Março de 1964
é, primordialmente, um fato político e
O desfecho: um golpe? não uma quartelada, como insinuam
seus adversários e detratores... mo-
Dos três acontecimentos, os dois últimos vidos por interesses ideológicos com
influenciariam decisivamente a evolução o propósito de transferir unicamente
dos acontecimentos, ainda que de manei- para a instituição militar o ônus da
ra diametralmente oposta à imaginada por ruptura política e seus desdobramen-
Goulart e seus companheiros de viagem. A tos.” (Citação retirada do artigo “Revolu-
incitação ao motim; o estímulo à quebra da ção de 1964”, de autoria do Gen Bda José
hierarquia e da disciplina; a virulência de Saldanha Fábrega Loureiro e do Cel Pedro
Jango; e a clara intenção de aprofundar a Schirmer)
anarquia e a desordem despertaram nas for- Não pode, pois, ser rotulado como
ças vivas da nação a necessidade de pronta e golpe militar, como, aliás, atestou o jor-
enérgica reação, ainda que à custa da quebra nalista Roberto Marinho, em editorial do
da ordem constitucional. A destemida e in- jornal O Globo, de 7 de outubro de 1984:
trépida decisão dos Generais Mourão e Gue-
des de iniciar, em absoluta inferioridade de “Participamos da Revolução de 1964,
meios, o deslocamento em direção ao Rio identificados com os anseios nacionais
de Janeiro e a Brasília, aglutinou e catalisou de preservação das instituições demo-
a resposta da sociedade brasileira aos des- cráticas, ameaçadas pela radicaliza-
mandos e à subversão promovidos pelo go- ção ideológica, greves, desordem so-
verno. A rapidez com que o movimento se cial e corrupção generalizada... Sem o
fez vitorioso, sem encontrar a menor resis- povo, não haveria revolução, mas ape-
tência de nenhum setor da sociedade, cons- nas um pronunciamento” ou “golpe”
titui a melhor prova do repúdio popular ao com o qual não estaríamos solidários.”
esquema golpista engendrado por Goulart e
seus aliados. * O autor é General de Divisão e Presidente do Conselho
Editorial da Revista do Clube Militar.
A momentânea quebra da ordem institu-

Edição Especial - 31
Dias de Insegurança e Intranquilidade
A partir dos últimos meses de 1963 e do início de 1964, a Nação passa
a viver dias de crescente insegurança e intranquilidade. Em meio à
estagnação econômica e inflação descontrolada, o governo promovia a
anarquia e o caos.

Na madrugada de 12 de setembro de 1963, Brasília foi isola-


da do resto do País. Telefones cortados, aeroporto ocupado,
prédios públicos tomados e os acessos a rodovias federais
bloqueados. A capital estava sitiada pela ação de 630 sargen-
tos, cabos e soldados da Marinha e da Aeronáutica. Num ato
ousado, o grupo ainda prendeu dezenas de oficiais e autori-
dades civis, como um ministro do Supremo Tribunal Federal
e até o Presidente interino da Câmara, deputado Clovis Mota
(PSD-RN). O episódio ficou conhecido como “Levante de
Brasília”, nos meses conturbados que antecederam o golpe
militar. O Exército debelou os revoltosos, após nove horas de
enfrentamento pelas avenidas da capital federal.

32 - Revista do Clube Militar


Edição Especial - 33
34 - Revista do Clube Militar
07 de setembro de 1963

Há 50 anos - O Globo - 17 de janeiro de1964

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36 - Revista do Clube Militar
Edição Especial - 37
38 - Revista do Clube Militar
O Globo - 07 de setembro de 1963

Edição Especial - 39
Citações
“A democracia não é mais do que uma tá-
tica, descartável como todas as outras.” (Vladimir
Illitch Ulianov, mais conhecido como Lênin).
“Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se
“ ... Muito antes do golpe de 1964, já par- uma situação pré-revolucionária e o golpe direi-
ticipava ativamente da luta revolucionária no tista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter con-
Brasil na medida das minhas forças. Creio que trarrevolucionário preventivo. A classe domi-
desde 1957, ou melhor, desde 1955 (...) Naquela nante e o imperialismo tinham sobradas razões
altura o povo começava a contar com a orienta- para agir antes que o caldo entornasse”. (Jacob
ção do Partido Comunista Brasileiro ...” Gorender - do PCBR, no livro “Combate nas Trevas”)
“Até 1964, não havia problema de clan-
destinidade nem nada disso. Dentro dos quar- “No Brasil, estamos discutindo se vamos
téis trabalhávamos com relativa liberdade e fa- chegar ao socialismo pelas armas ou pelo ca-
zíamos recrutamento político abertamente. Eu, minho pacífico. Lá chegaremos, por uma for-
por exemplo, algumas vezes chegava a reunir ma ou por outra. Esperamos o apoio do povo
50 ou 60 soldados numa sala do quartel e dis- cubano.” (Vicente Goulart, sobrinho de João
cutia com eles o problema da revolução (...)” (ex- Goulart, em visita a Cuba – Jornal “O Globo”,
sargento Pedro Lobo de Oliveira, em depoimento para 29 de março de 1963)
o livro "A Esquerda Armada no Brasil", de Antonio
Caso - Moraes Editores). “Por ordem do Partido Comunista da União
Soviética, a KGB dava dinheiro a cada Partido
“Fadado a um grande destino, o Brasil se- Comunista de outros Países, inclusive o Brasil.
ria a terceira grande revolução neste século. A Desde o fim da Segunda Guerra, foram milhões
primeira, a União Soviética, segunda, a Repú- de dólares”, revelou ao repórter da rede Globo, Gene-
blica Popular da China e a terceira, a Repúbli- ton Moraes Neto, para o Fantástico, em 27/11/2005, o
ca Democrática Popular do Brasil. ... Moscou e general Oleg Kalugin, que foi diretor do Departamento
Pequim, as capitais que encabeçaram ou preten- de Contra-Informação Externa na KGB, em Moscou
deram conduzir a revolução socialista mundial, (transcrito do site: Usina de Letras).
voltaram-se para este país sempre com um olhar
de admiração e urgência. Consenso universal à “... Não há país onde, depois de instaurado
alteração estratégica que uma revolução no Bra- um regime comunista, não tenha sido imposto
sil provocaria no cenário internacional e na rela- um sistema de terror. Podem variar os meca-
ção de forças das superpotências. Para os brasi- nismos do exercício do terror, a quantidade e
leiros e estrangeiros que a tentaram neste século a qualidade das vítimas, mas está em todo o
foi a revolução impossível.” (Luis Mir, "A Revolução lugar, temos que repetir com força, em todo o
Impossível” - Editora Best Seller - 1994 - pag. 10 e 11). lugar, a idêntica ferocidade, a arbitrarieda-
de e a enormidade no uso da violência para a
“O que sucede no País não é mais do que manutenção do poder.” Norberto Bobbio, filóso-
o começo do mesmo processo revolucionário gi- fo italiano, inspirador da “nova esquerda”, em entre-
gantesco que se pode ver no mundo todo. São ri- vista ao jornal italiano 'L’Unitá'. (Transcrito do site:
dículas as pretensões dos burgueses de quererem www.ricardobergamini.com.br)
conter ou controlar a revolução, falando da vo-
cação cristã e ocidental do Brasil.” (Jornal “Frente
Operária”, órgão do Partido Comunista Brasileiro, edi-
ção de 5 a 11 de abril de 1963).

40 - Revista do Clube Militar


O Plano Revolucionário

Do livro ORVIL

Entrava-se no ano decisivo de 1964. A con- para reformas na Consti-


turbada situação nacional pedia medidas drásticas tuição, apoiado por inten-
que pudessem solucionar a crise. O pêndulo do po- sa campanha nacional;
der oscilava entre um lado e outro. Faltava fixá-lo - em face da prová-
em um dos lados. E Jango pretendia ser o líder que vel negativa do Congresso,
iria fixá-lo no lado esquerdo. este seria dissolvido e im-
Os entendimentos entre o Presidente e o PCB plantadas, imediatamente,
eram constantes. Seus trunfos eram a legalização e as reformas de base, num
a promessa de maior participação no poder. Jango processo conduzido pela
distanciava-se, cada vez mais, de Brizola, que colo- frente única;
cava seus pedidos sempre além dos já conseguidos. - caso esse esquema falhasse, o Presidente
Para o Presidente, o que realmente seu cunhado de- ameaçaria renunciar, justificado pela impossibili-
sejava era ocupar o seu lugar. dade de atender aos anseios populares;
Em fevereiro de 1964, Jango afirmou que os - no comício previsto para 13 de março
comandos militares estavam inteiramente afinados de 1964, no Rio de Janeiro, Jango anunciaria, à
com ele e que “se os Generais estão comigo, não Nação, a assinatura de decretos de conteúdo po-
há razão para que os sargentos não estejam”. Não pular, tais como a desapropriação das terras ao
pensava em realizar eleições presidenciais. Para ele, longo das rodovias e ferrovias, a encampação das
as hipóteses mais prováveis eram que a direita “bo- refinarias particulares e outros contra a inflação
tasse a cabeça de fora”, através de Lacerda, ou que e o custo de vida;
Brizola “demarrasse” para sua loucura. - ao comício do dia 13, seguir-se-iam outros 4
A solução era desfechar um golpe, ampara- ou 5, a serem realizados em importantes cidades do
do nas forças populares e no “esquema militar”, Pais, onde Jango anunciaria novos decretos, como
sob o pretexto de realizar as reformas de base. os do sapato popular, da roupa popular e do depó-
Faltava a Jango, entretanto, um motivo que justi- sito bancário para os sindicalizados;
ficasse esse golpe. - com o apoio e o clamor do povo, Jango
Segundo o jornalista Samuel Wainer, o plano estaria, ao final do processo, com força suficiente
era o seguinte: para fazer o que bem entendesse.
- o Presidente enviaria uma mensagem ao Esse plano de Jango começaria a ser executa-
Congresso, pedindo a decretação de um plebiscito do no mês de março de 1964.

Edição Especial - 41
O Comício de 13 de Março de 1964

Fonte: http://www.pdt-rj.org.br/primeirapagina/asp?id=182

Fonte: http://politica3unifesp.wordpress.com/as-explicacoes-para-o-golpe-de-1964

42 - Revista do Clube Militar


Edição Especial - 43
A Evolução da Posição dos Militares

Do livro ORVIL

A
pesar da con- garam a cumprir a ordem de prisão do Governador
juntura interna, foram punidos. Sob o estímulo emocional dessas
eem 1963, mais prisões, criou-se um grupo conspiratório. Lidera-
de oitenta por cento dos do pelo então Coronel João Baptista de Figueire-
militares continuavam do, esse grupo congregava a maioria dos oficiais da
com sua postura legalis- Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
ta. Dos restantes, aproxi- e recebera a adesão dos Oficiais da Escola Supe-
madamente a metade fa- rior de Guerra. Graças à confiança que esse grupo
zia parte do dispositivo depositava no General Castello Branco, decidiram
janguista ou concordava seus membros confiar suas apreensões ao Chefe
com suas posições e os demais eram ativistas da do Estado-Maior do Exército. Aceito o contato
Revolução. Destes últimos, alguns, em especial os reservado, o General Castello Branco integrou-se
da reserva, haviam começado a atuar desde a pos- de forma efetiva ao esquema revolucionário. Com
se de Jango, ligando-se, orientando e participando ele viriam os oficiais generais a ele ligados, como
das organizações civis mencionadas neste capitulo. Mamede, Malan, Ernesto Geisel e Golbery. Este
Outros, deixados sem função, começaram a cons- último, havia algum tempo, era ligado ao IPES.
pirar nesse ano, como era o caso do então General- Esse grupo, que passaria a ter um importan-
de-Exército Cordeiro de Faria. Como o movimen- te papel no movimento revolucionário, elaborou
to não engrenava no setor militar, onde o episódio um plano defensivo que visava a proteger as ins-
da posse em 1961 ainda era um obstáculo decisivo, tituições e as próprias Forças Armadas contra a
passaram a trabalhar suas ideias entre os civis. Seus tentativa de tomada do poder pelas esquerdas. O
contatos mais importantes seriam os governadores. plano baseava-se nas seguintes premissas: resistir e
Em setembro, com o levante dos sargentos estimular a resistência civil; dar ânimo aos políti-
em Brasília, começou a haver uma mudança de cos a se oporem às proposições esquerdizantes; e
posicionamento nas Forças Armadas. Pelo menos preparar a própria resistência militar. Essa conspi-
parte dos quadros começou a questionar-se sobre ração de cúpula não afetaria, ainda, a disposição
os acontecimentos. da grande maioria dos militares, que se mantinha
No dia 4 de outubro, houve a tentativa frus- fiel à Constituição.
trada da prisão do Governador da Guanabara e da Quando se tomou conhecimento da estru-
decretação do estado de sítio. Os oficiais que se ne- tura e da dinâmica do comício programado para

44 - Revista do Clube Militar Janeiro de 2014


o dia 13 de março, no Rio de Janeiro, que segun- frente do processo subversivo de oposição à lei, ao
do o plano conhecido desencadearia o processo regime e à Constituição. Se a autoridade suprema
de tomada do poder, a conspiração tomou caráter do Executivo se opõe à Constituição, condena o
ofensivo. Os contatos com os Grandes Comandos regime e se recusa a obedecer às leis, ele automatica-
foram retomados com vistas a essa nova postura. mente perde o direito de ser obedecido (...)”.
O Chefe do Estado-Maior do Exército e o O Ministro da Justiça de Jango escreveria
Comandante do II Exército já haviam apelado mais tarde, referindo-se ao episódio: “O comício
várias vezes ao Ministro para que não empenhas- criou a expectativa de uma crise, de um golpe, re-
se o prestigio da Força no esquema janguista. No beliões, tumultos, motins, ou subversão da ordem
dia 13, porém, protegidos por tropas do Exér- geral no País...”.
cito, estavam no palanque todas as facções do Apesar dessa situação, apesar dos insistentes
movimento revolucionário esquerdista. Do Sr. apelos de Brizola para o aprestamento dos grupos
Leonel Brizola ao representante do CGT, do Go- dos onze, apesar das facções contrárias a Goulart
vernador Arraes ao Presidente da UNE, presti- dentro das Forças Armadas começarem a ser ouvi-
giados pela presença dos Ministros Militares. A das, quando expressavam a necessidade de preparar-
partir desse momento, os conspiradores sabiam se para um contragolpe, a maioria militar não es-
que o desfecho estava próximo. tava ainda convencida da necessidade dela mesma
Nesse comício, o Presidente atacou a Cons- participar da revolução.
tituição, tachando-a de arcaica e obsoleta, enfra-
quecendo a posição daqueles que a defendiam A Marcha da Família com Deus pela Liberdade
como intocável. Enquanto o Presidente anuncia-
va ter reduzido a termos a solicitação das refor- No dia 19 de março, dia de São José, Padroei-
mas, o Sr. Leonel Brizola preconizava o fecha- ro da Família, as mulheres de São Paulo realizaram
mento do Congresso. um protesto contra o comício da Central do Brasil.
O comício do dia 13 resultou numa mudan- Realizaram-se três reuniões preparatórias, à quais
ça no posicionamento da imprensa. Os editoriais aderiram muitas entidades femininas e civis. Os
passaram a exigir diretamente que os militares assu- cálculos mais otimistas previam o comparecimento
missem a responsabilidade de resolver a crise. de 130 mil pessoas, para suplantar, uma semana
Começaram a surgir apelos ao papel consti- depois, a mobilização esquerdista da sexta-feira, 13.
tucional dos militares para garantir os três poderes No dia 19, atendendo a um apelo dos pro-
e não apenas o Executivo. Os editoriais pediam que motores desse evento, os cinemas não funciona-
os militares não apoiassem as ameaças às ordens ram e o comércio e a indústria suspenderam suas
partidas do Governo. O “Diário de Notícias”, por atividades às 15 horas. Às 16 horas começava a
exemplo, publicou em editorial: “É inegável que primeira “Marcha da Família com Deus pela Li-
existem forças subversivas visando claramente uma berdade”. Bandeiras brasileiras e paulistas apa-
tentativa de derrubar o regime e as instituições vi- receram em profusão. Papéis picados eram ati-
gentes (...) Estas forças parecem ter cooptado o pró- rados dos edifícios. Havia muita gente! Durante
prio Presidente e colocaram-se pela primeira vez à uma hora, os manifestantes passaram marchando

Edição Especial - 45
ombro a ombro, numa massa compacta que to- que se constituiu numa resposta ao comício do dia
mava toda a rua. 13 e viria exercer forte impacto sobre os militares
Veteranos jornalistas informam que nunca legalistas. Mas a ameaça do uso da força, implícita
viram tão formidável concentração humana. Com no apelo de Goulart, para instaurar a crise fora do
certa timidez, a massa é estimada em 500 mil pesso- sistema político, geraria outras reações. Muitos gru-
as, outros estimam em 600 mil, mas, incluindo as pos civis começaram a armar-se. A arena passara da
ruas de acesso, é legitimo estimar-se em 800 mil. área política para a da violência.
O desenvolvimento da crise atingia tal ampli- A “Marcha da Família com Deus pela Liber-
tude e era tanta a inquietação nas Forças Armadas dade” foi outro impacto para os militares legalis-
que o General Castello Branco decidiu orientar os tas, e outras marchas começaram a ser realizadas
quadros, em instrução reservada de 20 de março, com igual êxito em diversas capitais brasileiras.

O Globo - 20 de março de 1964

O Globo - 20 de março de 1964

46 - Revista do Clube Militar


O Globo - 24 de março de 1964

O Globo - 18 de março de 1964


Etapa Decisiva
A etapa decisiva para esses militares, tão do controle da disciplina era uma questão que
importante ou mais que os fatos citados, seria estava acima dos grupos. A sanção por Goulart,
o motim dos marinheiros e seu desfecho. Suas da indisciplina e da desordem, reverteu as po-
sições. A revolução já poderia ser desencadeada
repercussões foram profundas, a tal ponto que
sem que houvesse o risco da divisão interna nas
abalaram as convicções, não apenas dos militares
Forças Armadas.
legalistas, mas até mesmo daqueles que até a vés-
(68) Jurema, A: “sexta-feira 13”, pag. 144 e 145
pera lutariam ao lado do Presidente e suas refor- (69) Duarte, E.: “32 mais 32 igual a 64” - “Os idos de março
mas. A autopreservação institucional, por meio e a queda de abril”, José Álvaro, Editor, RJ, 1964, pág. 132 e 133.

Edição Especial - 47
Circular Reservada do
Chefe de Estado-Maior do Exército
(20 de março de 1964)

Ministério da Guerra
Estado-Maior do Exército

Rio, 20 de março de 1964 As Forças Armadas são invocadas em


Do Gen. Ex Humberto de Alencar apoio a tais propósitos.
Castello Branco, Chefe do Estado-Maior Para o entendimento do assunto, há
do Exército necessidade de algumas considerações pre-
Aos Exmos Generais e demais milita- liminares.
res do Estado-Maior do Exército e das or- Os meios militares nacionais e perma-
ganizações subordinadas. nentes não são propriamente para defender
Compreendendo a intranqüilidade e programas de Governo, muito menos a sua
as indagações de meus subordinados nos propaganda, mas para garantir os poderes
dias subseqüentes ao comício de 13 do constitucionais, o seu funcionamento e a
corrente mês, sei que não se expressam so- aplicação da lei.
mente no Estado-Maior do Exército e nos Não estão instituídos para declara-
setores que lhe são dependentes, mas tam- rem solidariedade a este ou àquele poder.
bém na tropa, nas demais organizações e Se lhes fosse permitida a faculdade de so-
nas duas outras corporações militares. De- lidarizarem-se com programas, movimen-
las participo e elas já foram motivo de uma tos políticos ou detentores de altos cargos,
conferência minha com o Excelentíssimo haveria, necessariamente, o direito de tam-
Senhor Ministro da Guerra. bém se oporem a uns e a outros.
São evidentes duas ameaças: o ad- Relativamente à doutrina que admite
vento de uma constituinte como caminho o seu emprego como força de pressão con-
para a consecução das reformas de base e o tra um dos poderes, é lógico que também
desencadeamento em maior escala de agita- seria admissível voltá-la contra qualquer
ções generalizadas do ilegal poder do CGT. um deles.

48 - Revista do Clube Militar


Não sendo milícia, as Forças Arma- permite, por ilegal, movimento de tama-
das não são armas para empreendimentos nha gravidade para a vida da nação.
anti-democráticos. Destinam-se a garantir Tratei da situação política somente
os poderes constitucionais e a sua coexis- para caracterizar a nossa conduta militar.
tência. Os quadros das Forças Armadas têm tido
A ambicionada constituinte é um ob- um comportamento, além de legal, de ele-
jetivo revolucionário pela violência com o vada compreensão em face das dificulda-
fechamento do atual Congresso e a insti- des e desvios próprios do estágio atual da
tuição de uma ditadura. evolução do Brasil. E mantidos, como é de
A insurreição é um recurso legítimo seu dever, fieis à vida profissional, à sua
de um povo. Pode-se perguntar: o povo destinação e com continuado respeito a
brasileiro está pedindo ditadura militar ou seus chefes e à autoridade do Presidente da
civil e constituinte? Parece que ainda não. República.
Entrarem as Forças Armadas numa É preciso aí perseverar, sempre “den-
revolução para entregar o Brasil a um tro dos limites da lei”. Estar prontos para
grupo que quer dominá-lo para mandar e a defesa da legalidade, a saber, pelo funcio-
desmandar e mesmo para gozar o poder? namento integral dos três Poderes consti-
Para garantir a plenitude do grupamento tucionais e pela aplicação das leis, inclu-
pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agi- sive as que asseguram o processo eleitoral,
tação subversiva cada vez mais onerosa e contra a revolução para a ditadura e a
aos cofres públicos? Para talvez submeter Constituinte, contra a calamidade pública,
à Nação ao comunismo de Moscou? Isto, a ser promovida pelo CGT, e contra o des-
sim, é que seria anti-pátria, anti-nação e virtuamento do papel histórico das Forças
anti-povo. Armadas. O Excelentíssimo Senhor Minis-
Não. As Forças Armadas não podem tro da Guerra tem declarado que assegu-
atraiçoar o Brasil. Defender privilégios de rará o respeito ao Congresso, às eleições
classes ricas está na mesma linha anti-de- e à posse do candidato eleito. E já decla-
mocrática de servir a ditaduras fascistas ou rou também que não haverá documentos
síndico-comunistas. dos ministros militares de pressão sobre o
O CGT anuncia que vai promover a Congresso Nacional.
paralisação do País no quadro do esquema É o que eu tenho a dizer em conside-
revolucionário. Estará configurada prova- ração à intranqüilidade e indagações oriun-
velmente uma calamidade pública. E há das da atual situação política e a respeito
quem deseje que as Forças Armadas fiquem da decorrente conduta militar.
omissas ou caudatárias do comando da
subversão. General-de-Exército Humberto de Alencar Castello Branco
Chefe do Estado-Maior do Exército.
Parece que nem uma coisa nem outra.
E, sim, garantir a aplicação da lei, que não

Edição Especial - 49
Citações

“Os sinais de conspiração janguista po- “... O Brasil teve, nos últimos seis me-
diam ser vistos por toda a parte, segundo Jú- ses de Jango, trezentas e sessenta greves. Ha-
lio Mesquita Filho. O próprio governo orien- via um caos no país. Uma inflação terrível;
tava as greves que se sucediam e incentivava o déficit da balança de pagamentos era uma
a quebra da hierarquia militar, apoiando os vergonha. Faltavam alimentos. ... E a situa-
sargentos e marinheiros em rebelião contra ção foi agravada pela subversão. Vieram as
seus superiores. No meio da sucessão de crises, greves cada vez mais revolucionárias. Houve
Luís Carlos Prestes chegou a dizer publica- o movimento dos marinheiros, dos sargentos,
mente que os comunistas já estão no governo que foi o clímax. Os marinheiros se levanta-
embora ainda não no poder.” (O Estado de S. ram contra os oficiais e o governo.
Paulo - caderno 2 - “Trajetória de um liberal
movido pelo amor ao País” - 12/07/1999). ... Veio o Movimento de 64. O que foi o Mo-
vimento de 64? Uma união do Brasil inteiro. A
“Como qualificar o posicionamento das Rede da Democracia, que foi uma rede nacional
Forças Armadas em 1964? Revolta? Golpe de de rádio para combater o comunismo, é emble-
Estado? Revolução? Para responder a essas mática nesse sentido. Quem comandava a Rede
indagações, cabe antes fazer mais uma per- da Democracia? A Rádio Globo, do Roberto Ma-
gunta: o que desejava a sociedade naquela rinho; a Rádio Tupi, do Chateaubriand; e a Rá-
ocasião? Certamente ela estava muito pre- dio Jornal do Brasil, do Nascimento Brito. Os
ocupada e inquieta com os níveis de desor- três se detestavam e, no entanto, se uniram...”
dem, insegurança e a possibilidade iminente Aristóteles Drummond em "Um Caldeirão Chama-
de um golpe comunista. Que fazer quando já do 1964" – Editora Resistência Cultural
não há mais um governo que mereça respeito
e confiança ou quando ele mesmo é o prin- “É necessário considerar, desde já, o
cipal agente da desordem e da ilegalidade? maquiavelismo cruel e implacável dos chefes
Naquele longínquo 31 de março de 1964, o que comunistas a fim de favorecer essa nova ope-
poderiam e deveriam fazer as Forças Arma- ração de adormecimento da consciência e da
das da nação? A ação das Forças Armadas, responsabilidade nacional dos vigorosos pa-
naquelas circunstâncias, foi um ato lícito e triotas brasileiros. ... O Brasil é hoje um dos
indispensável, conduzido dentro de sua des- países onde a infiltração e o domínio comu-
tinação, com oportunidade e energia neces- nistas alcançaram um ponto tão alto e impor-
sárias para deter a marcha acelerada do país tante, que as próprias fôrças vivas da nação
para a desordem e a violência com o objetivo perderam quase seu espírito de resistência.”
de transformá-lo em um “república sindica- Coronel Ferdinando de Carvalho em “IPM 709 -
lista-marxista.” Gen Helio Ibiapina Lima - “Ex- O comunismo no Brasil” , editado em 1966.
presidente do Clube Militar

50 - Revista do Clube Militar


O Motim dos Marinheiros

Do livro ORVIL

N
o início de maio de 1962, o Ministro da exigências para o fim do
Marinha, Almirante Silvio Mota, foi sur- movimento:
preendido pela fundação da Associação de - substituição do Mi-
Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), nistro da Marinha por um
entidade criada à revelia dos regulamentos militares. dos três almirantes por eles
Sob o pretexto de realizar atividades sociais, indicados (Paulo Mário,
recreativas, assistenciais e culturais, a AMFNB, aqui- Suzano ou Goiano);
nhoada com verbas vultosas, passou a pregar a sub- - anulação das puni-
versão na Marinha. Em setembro de 1963, durante a ções impostas aos membros
cerimônia de posse da nova diretoria da AMFNB, o da diretoria da AMFNB;
Presidente eleito, o marinheiro José Anselmo dos San- - garantia de que nenhum dos amotinados so-
tos, teceu severas críticas às autoridades navais, sendo freria qualquer sanção; e
punido, pelo Ministro da Marinha, com 10 dias de - reconhecimento da existência legal da AMFNB.
prisão. Em protesto pela punição, a ANFMB, em As- Para pôr fim à insubordinação, o Ministro da
sembléia, exigiu do ministro a relevação da prisão. Marinha determinou, na manhã do dia 26, o desloca-
Em face da indisciplina, foi instaurado um Inquérito mento de um contingente de Fuzileiros Navais para
Policial Militar, resultando novas prisões e o enqua- desalojar e prender os amotinados.
dramento de alguns integrantes da AMFND no Códi- Surpreendentemente, alguns integrantes desse
go Penal Militar. contingente depuseram as armas e integraram-se aos
Apesar disso, a agitação prosseguiu, até que, em refugiados no Sindicato, enquanto o restante retor-
25 de março de 1964, 1.400 sócios da AMFNB amoti- nou ao quartel sem cumprir a missão.
naram-se no Rio de Janeiro, abrigando-se na sede do A indisciplina generalizou-se. Na manhã do dia
Sindicato dos Metalúrgicos. Desafiando abertamente seguinte, 27 de março, a Marinha tomava conheci-
as ordens para regressarem aos quarteis, os amotina- mento de que havia, também, movimentos de rebeldia
dos gritavam “Viva Goulart” nas janelas do sindicato em alguns navios da Esquadra. Às 08.30 horas, cerca
e apregoavam subordinar-se somente ao Comandante de 200 marinheiros dirigiram-se ao prédio do Minis-
dos Fuzileiros Navais, o Almirante Cândido da Costa tério da Marinha, em solidariedade aos amotinados.
Aragão, amigo de Goulart e conhecido como “Almiran- Apesar das advertências, eles continuaram avançando,
te do Povo”. somente se dipersando após dois disparos para o ar
Nesse dia 25 e no seguinte, 26 de março de feitos pela tropa que defendia o Ministério.
1964, após sucessivas assembleias, os marinheiros e O Ministro da Marinha resolveu então exonerar
fuzileiros navais amotinados difundiram as seguintes o Almirante Aragão e solicitou apoio de tropa do Exér-

Edição Especial - 51
cito, que cercou o Sindicato dos Metalúrgicos e isolou jada, sem qualquer reação, pelos sargentos e praças que
os amotinados. Algumas horas depois, entretanto, o Pre- vinham sendo submetidos a doutrinação comunizante.
sidente da Repúlica mandou levantar o cerco e “pediu” Dois dias depois daquele insólito episódio, em
aos marinheiros que voltassem para seus quarteis, com 29 de março de 1964, centenas de oficiais da Marinha
a garantia de que não seriam punidos. reuniram-se no Clube Naval, indignados com a quebra
O Ministro da Marinha demitiu-se. Jango recon- da disciplina e da hierarquia. Um manifesto ao povo
duziu o Almirante Aragão ao seu posto e nomeou o Al- brasileiro, assinado por mais de 1.500 oficiais, declara-
mirante da Reserva Paulo Mário como novo Ministro. A va que chegara a hora de o Brasil defender-se. O Exér-
vitória da indisciplina, com o apoio do Governo Federal, cito proclamou solidariedade à Marinha. A imprensa
foi completa. Nessa mesma tarde, os amotinados a come- aderiu. No Congresso Nacional, dezenas de parlamen-
moraram ruidosamente, conduzindo nos ombros o “Al- tares pronunciaram-se contra a indisciplina. Os que
mirante do Povo”. O Presidente incorrera em grave erro, antes não aceitavam os desmandos do Governo passa-
ao julgar que as Forças Armadas assistiriam passivamente ram a agir. Os que ainda aguardavam, desiludiram-se
a essa escalada da subversão e que a oficialidade seria ali- e engrossaram as fileiras dos verdadeiros democratas.

52 - Revista do Clube Militar


Edição Especial - 53
A reunião no Automóvel Clube
Do livro ORVIL
Foto: brasileconomico.com.br

30 de março de 1964 – João Goulart pronuncia inflamado discurso no Automóvel Clube

A
cesas estavam, ainda, as Dezenas de comunistas confraternizaram-se com
paixões desencadeadas os militares. O ambiente atingiu o auge da exaltação
pela vitoriosa rebelião quando se abraçaram, sob aplausos gerais, o Almirante
dos marinheiros. De um lado, Aragão e o Cabo Anselmo. Os oradores, inflamados, dis-
as forças democráticas já se ar- cursavam repisando a tônica das reformas.
ticulavam contra o governo da Discursos atentatórios à hierarquia e a disciplina
indisciplina. Do outro, Jango foram pronunciados. O Sargento Ciro Vogt, um dos ora-
apoiava-se no PCB, nas organizações de massa e num dores, foi estrepitosamente vaiado, porque, atendendo
pretenso “esquema militar”. Pretendia, entretanto, dar aos regulamentos disciplinares, limitou-se a apresentar as
uma demonstração de força aos que o criticavam pela reivindicações de sua classe, sem abordar temas políticos.
posição assumida no episódio da rebelião dos marinhei- Mas o ponto alto da reunião foi o discurso do
ros, mostrando que tinha prestígio junto aos escalões Presidente da República. Inebriado pela calorosa re-
menores das Forças Armadas. cepção dos sargentos e incentivado pelos constantes
Alguns meses antes, a Associação dos Subtenentes aplausos, Jango fez um dos discursos mais inflamados
e Sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro convi- de sua vida pública. Defendeu os sargentos amotina-
dara o Presidente para comparecer às comemorações do dos. Propugnou pelas reformas de base. Acusou seus
aniversário da entidade. Naquela oportunidade, Jango adversários, políticos e militares, de estarem sendo
aceitou o convite, mas adiou o seu comparecimento subsidiados pelo estrangeiro. Ameaçou-os com as de-
sem marcar data. Entretanto, chegara a hora ... Na noite vidas “represálias do povo”.
de 30 de março de 1964, a Associação realizou a reunião A televisão mostrou “ao vivo” essas cenas. Muitas
na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, com das pessoas que as assistiam sentiram que, após aquela
a presença de centenas de sargentos, além de diversos reunião, a queda de Jango era iminente.
oficiais e ministros, dentre os quais o novo Ministro da Na verdade, fora seu ú1timo discurso como Presi-
Marinha, Almirante Paulo Mário. dente da República.

54 - Revista do Clube Militar


Manifestos, Relatório e Proclamações
Manifesto do Governador de Minas Gerais,
Magalhães Pinto, de 20 de março de 1964

“Este é um pronunciamento do povo de Minas Gerais.


De Minas parte esta conclamação ao País.
O Governador do Estado cumpre o dever de interpretar as aspirações, as angústias e a atitude da
gente mineira.
Faz, com todo o povo, uma só frente na preservação do regime democrático, no aprimoramento
e dinamização das instituições livres para que a mudança social, que não se deve deter, seja um avanço,
não um recuo, uma consolidação de conquistas, não um retrocesso a técnicas políticas de opressão.
A razão de nossa atitude é clara. Claros são os objetivos de nossa união. Clara, tranqüila e deter-
minada há de ser a ação que empreenderemos.
Reconhecemos ter-se acelerado o processo de transformação econômica, social e política, em todos
os setores da vida nacional. Por isso mesmo, somos a favor das reformas de base.
Assinalamos a tomada de consciência do povo brasileiro, que se quer independente, dono de si
mesmo e seguro de seu destino.
Cremos na ascensão de camadas, cada vez mais extensas, do povo ao plano das grandes decisões
deste momento.
O povo já sabe que a Constituição lhe dá direito à “justa distribuição de terra com igual oportuni-
dade para todos”, à participação efetiva no processo eleitoral, sem submissão às cúpulas, aos benefícios
da renda nacional, da cultura, de saúde e do trabalho.
Sabe, também, hoje mais do que nunca, que ele, povo, é o único proprietário das reformas.
Não reconhece, assim, autenticidade nos que, apresentando-se como donos das reformas, delas se
utilizam como pretexto para agitação, visando a perpetuar grupos ou pessoas no poder.
Paciente, amante da paz e da liberdade, o povo repele o golpe e o continuísmo, como repele tam-
bém a exploração interessada dos radicalismos políticos.
Sustentamos que as reformas, para corresponderem à aspiração do povo, devem resultar do con-
senso de todas as forças empenhadas no processo de mudança. Não nos conformamos em que elas se
reduzam a bandeira agitada por uns poucos ou a troféu de vitória a ser colhido por lideranças pessoais.
Os últimos acontecimentos demonstraram uma duplicidade de processo, que é nosso dever de-
nunciar à nação. Ao mesmo tempo em que, de forma regular, se apela para o Congresso, a fim de votar
emendas constitucionais consideradas imprescindíveis às reformas, efetuam-se manobras publicitárias e
promocionais. O que, então, se revela não é só desesperança na capacidade da representação política. É
também descrença no regime democrático ou incapacidade de adaptar-se a ele.

* Mantem a ortografia da época

Edição Especial - 55
Ao apelo ao Congresso, dizemos sim.
O sistema democrático não impede, também, os estímulos do povo à fixação de problemas e à
sugestão de fórmulas que os solucionem.
Consideramos, todavia, insuportável o desprezo pelas instituições representativas.
Esperamos uma atitude franca e clara do Presidente da República. Sem desconhecermos a existên-
cia de transformações revolucionárias em curso, resultantes da tomada de consciência do nosso povo
e exacerbadas pelo processo inflacionário, afirmamos que a revolução comandada de cima não é outra
coisa senão o golpe de Estado.
Estamos dispostos a lutar contra o golpe.
Já não há lugar para sistemas ditatoriais arquivados em nossa História.
A aventura de suprimir qualquer dos mandatos nos levará, fatalmente, à guerra fratricida, cuja
conseqüência não será a renovação que desejamos, mas a ruína da pátria e o retardamento da libertação
econômica, social e política, a que aspira todo o povo brasileiro.
Esperamos uma atitude clara e coerente do Congresso Nacional. Nas mãos de deputados e senado-
res está o poder de equacionar as reformas e de efetuá-las, sem o sacrifício das instituições democráticas.
O povo condenará seus legisladores, se ficarem insensíveis e inertes.
Esperamos uma atitude clara e conseqüente das Forças Armadas. A Lei Maior fez delas, não defen-
soras de parcialidades do País, mas de toda a Pátria; não garantidoras de um, mas dos poderes constitu-
cionais; servidoras, não de situações e eventualidades, mas da lei e da ordem.
Este pronunciamento é também uma convocação. A todos os mineiros. Ao trabalhador, ao ho-
mem de empresa, ao jovem, à mulher, ao soldado, ao intelectual, ao funcionário público, à imprensa,
às escolas, às oficinas.
Juntos, digamos ao Brasil que Minas está determinada a preservar a democracia e a tradição cristã;
a lutar pela justiça social, contra o desespero; contra o ódio entre irmãos; contra fanatismos, contra a
irresponsabilidade.
Minas quer impedir o caos a que estamos sendo arrastados.
Brasileiros! Juntos, lutemos pela paz”.

56 - Revista do Clube Militar


Manifesto de advertência do Governador de
Minas Gerais, Magalhães Pinto, de 30 de março de 1964

“O apelo dirigido à Nação pela Marinha de Guerra do Brasil não pode deixar de repercutir no espí-
rito dos responsáveis pela sobrevivência da ordem democrática em nosso País.
Não se trata, agora, de simples episódio interno de disciplina que precisa ser mantida naquele setor
das nossas Forças Armadas. Muito mais que isso, estão em causa os próprios fundamentos do regime de-
mocrático, que têm nelas os elementos específicos de sua segurança.
Traduzindo princípios geralmente consagrados e enraizados nas tradições da nossa organização po-
lítica, a Constituição brasileira caracterizou as Forças Armadas como instituições nacionais, na base da
disciplina e da hierarquia, para a finalidade de defenderem a Pátria e garantirem os Poderes constituídos,
a ordem e a lei. Se, por influência de inspirações estranhas e propósitos subversivos, são comprometidas a
hierarquia e a disciplina sem as quais elas não sobrevivem, têm as Forças Armadas não só o direito como
também o dever de pugnar pela sua própria integridade, pois de outra maneira não cumprirão o pesado e
glorioso destino que a Constituição lhes assinala.
Por isso, atendemos ao apelo da Marinha brasileira e lhe damos, neste momento delicado, a nossa
solidariedade que sobretudo exprime, estamos certos, a solidariedade do povo mineiro nos seus anseios de
ordem, de progresso e de paz.
Não apoiaríamos nunca qualquer movimento que viesse apenas agravar a intranqüilidade dos brasi-
leiros, já tão angustiados de aflições; que embaraçasse a marcha acelerada em que deve caminhar o nosso
desenvolvimento social, econômico e político; que perturbasse o clima de paz de que o povo necessita
para realizar os trabalhos de cada um e as tarefas do bem comum. A nossa posição continua a ser pelas
reformas, sem as quais o povo não conhecerá o bem-estar e não conseguirá superar a estagnação e o atraso.
Não podemos permitir, entretanto, que as reformas sejam usadas como pretexto para ameaças à paz pú-
blica, e, através da inquietação e da desordem, um processo de erosão do regime democrático. Reformas,
sim, e urgentes, mas dentro da democracia, porque fora da democracia perecerão as inspirações cristãs e
populares que as devem orientar. As radicalizações ideológicas, sobretudo quando a ideologia inspiradora
é incompatível com o que há de mais entranhado na formação do povo brasileiro, só podem contribuir
para embaraçar ou retardar as reformas democráticas. Porque as desejamos sinceramente, não as queremos
ver substituídas, afinal, pela simples e sinistra implantação de sistemas despóticos.
Contra isso brada a formação do povo mineiro, que tem como seu ponto mais alto o amor à liberda-
de. Nossa atitude, neste momento histórico, não representa senão o dever de nos inclinar aos imperativos
dessa vocação. E Minas se empenhará com todas as suas forças e todas as energias de seu povo para a res-
tauração da ordem constitucional comprometida nesta hora.

* Mantem a ortografia da época

Edição Especial - 57
Relatório do Chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas ao Presidente da República
É ilustrativo o Relatório do Chefe do EMFA, General Pery Bevilacqua, dirigido ao Presidente
João Goulart, a quem era leal. Este documento foi encaminhado à imprensa, para esclarecimento
da opinião pública, precedido pelas seguintes considerações:

“Na oportunidade da ocorrência dos fatos gra-


ves que vêm abalando o país, no sentido da restaura-
ção do primado dos poderes constitucionais, da lei e
da ordem e da hierarquia e disciplina militar, esta che-
fia sente-se na obrigação de expor a atitude de com-
portamento desenvolvido pelo Estado-Maior das For-
ças Armadas, não só à Presidência da República, no
seu papel de assessor militar, como em ligação com as
Forças, através de entendimentos com as respectivas
chefias do Estado-Maior, e os órgãos subordinados.
No dia 31 de março último fui recebido no Palácio
das Laranjeiras pelo então Presidente João Goulart em
audiência especial que solicitara para levar-lhe infor-
mações sobre o estado moral e disciplinar das Forças
Armadas, as repercussões sobre elas das ocorrências
político-militares e uma impressão sobre a situação
no tocante à segurança interna, que hoje sobreleva como parte principal da segurança nacional. Nessa
oportunidade mostrou esta chefia, verbalmente, a necessidade de o Presidente fazer uma opção imediata,
entre as Forças Armadas e os sindicatos dominados pelos comunistas, quanto ao apoio do seu governo, por
não parecer compatível a coexistência do poder militar com o poder sindical, ideologicamente antagônicos,
considerando que ainda seria possível restabelecer a unidade moral entre o Comando Supremo das Forças
Armadas e estas, mediante atitudes afirmativas que sensibilizassem a opinião pública e especialmente a
militar; deveria o Presidente governar com os partidos políticos, em vez dos sindicatos representados por
ajuntamentos espúrios, e apoiado pelas Forças Armadas, às quais abriria um crédito amplo de confiança.
Entreguei, então, em mãos daquela autoridade documento por mim assinado sobre tal assunto elaborado
com prévia consulta e concordância dos Chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Aeronáutica, bem
como dos oficiais generais das três Forças Armadas a mim diretamente subordinados. Para o conhecimen-
to da totalidade dos integrantes do Estado-Maior das Forças Armadas transcrevo, a seguir, o documento
acima referido e, nesta oportunidade, faço baixar sua classificação sigilosa de confidencial para ostensivo”.

58 - Revista do Clube Militar


Eis o relatório:

“Excelentíssimo Senhor Presidente da República,


O Estado-Maior das Forças Armadas, órgão da Presidência da República diretamente subordinado ao
Chefe da Nação, é encarregado de preparar-lhe as decisões relativas à organização e emprego em conjunto
das Forças Armadas, da elaboração dos planos correspondentes e de colaborar no preparo da mobilização
total da nação para a guerra. Sendo ele o Estado-Maior do Comando Supremo, o seu chefe exerce, funcio-
nalmente, atribuições de assessor do Presidente da República em tudo o que concerne à segurança nacional.
Explicitamente, o regulamento para o Estado-Maior das Forças Armadas especifica ser da sua com-
petência:
- Sugerir medidas ou emitir parecer sobre todos os problemas atinentes à segurança nacional rela-
cionados direta ou indiretamente com o equipamento, o preparo e de modo geral, a eficiência das Forças
Armadas;
- Exercer a alta direção do Serviço de Informações e Contra-Informações Militares.
Assim, senhor Presidente, julgando cumprir um dever funcional, e com a lealdade que ponho em
todos os meus atos, venho trazer a Vossa Excelência informações sobre o estado moral e disciplinar das
Forças Armadas, as repercussões sobre elas das ocorrências político-militares havidas e uma impressão sobre
a situação, no que concerne à segurança interna, que hoje sobreleva como parte inseparável da segurança
nacional:

A - Moral e disciplina
O estado moral e disciplinar do Exército e da Aeronáutica, a despeito das apreensões que pesam so-
bre o espírito dos chefes militares, em constante estado de alerta para impedir as infiltrações de elementos
subversivos que chegam a iludir a boa fé de certas autoridades, apesar de ainda poder-se considerar bom,
apresenta-se suscetível de bruscas variações, devido à tensão a que têm estado submetidos pelo processo
comuno-desagregador em desenvolvimento no país, culminando com a indisciplina militar ocorrida na
Semana Santa.
A Marinha se acha ainda em recuperação da grave crise disciplinar por que acaba de passar. A res-
tauração da disciplina será abreviada mediante algumas medidas adequadas baseadas principalmente na
aplicação rigorosa e impessoal de prescrições regulamentares e na instrução e no trabalho profissional
intensos. O restabelecimento da unidade moral, com base no respeito à lei e na confiança recíproca entre
comandantes e comandados, irá depender, principalmente, da ação do governo e da capacidade de coman-
do dos oficiais.
Em essência, o desenvolvimento desse processo subversivo, sem que medidas governamentais objeti-
vas sejam adotadas, em particular as preservadoras da hierarquia e restauradoras da disciplina fundamentos
básicos da organização militar, bem acentuados na Constituição, não permitirá, dentro de muito pouco
tempo, que os chefes militares mantenham seus comandos coesos, por lhes falecerem aqueles elementos
essenciais de aglutinação de qualquer Força Armada.

* Mantem a ortografia da época

Edição Especial - 59
B - Ocorrências político-militares recentes e repercussões nas Forças Armadas.
Há no país, incontestavelmente, um clima de apreensão e intranqüilidade em face da ação de-
senvolvida por alguns políticos que, com grave desprestígio para os partidos democráticos existentes,
procuram substituí-los por ajuntamentos dominados por comunistas e que, ao arrepio da lei, buscam
petulantemente pressionar os poderes da República mediante coação sindical através de greves políticas
ou ameaças de greves. E o aspecto de uma ditadura comuno-sindical se alteia sobre a comunidade na-
cional, contribuindo para agravar a inflação que tanto sofrimento tem acarretado ao povo brasileiro.
O comício de 13 de março, na Central do Brasil, convocado pelo CGT e órgãos congêneres e, ao
que consta, resultante de sugestão feita ao Prof. San Thiago Dantas pelo líder comunista Luís Carlos
Prestes, conforme entrevista deste na ABI, publicada no Jornal do Brasil, de 18 de março corrente,
alarmou a opinião pública e teve funda repercussão nos meios militares. Redundou ele, pela palavra
de vários oradores, em agravos ao Poder Legislativo, virtual declaração de guerra às instituições demo-
cráticas e verdadeiro desafio às Forças Armadas, fiéis ao juramento de defender os poderes da União,
harmônicos e independentes, a lei e a ordem. Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os
graus da hierarquia, vêem com crescente apreensão o desenvolvimento da grave crise de autoridade que,
nos dias que correm, forma, com a crise inflacionária, um círculo vicioso, a um tempo causa e efeito
dos males que assoberbam a vida do nosso povo.
A ignomínia de uma ditadura comuno-sindical paira sobre a nação brasileira; os seus audaciosos
arquitetos, escancaradamente, deram prazo ao Congresso Nacional para que, dentro de trinta dias, a
contar da data do seu ultimato, atenda ao pedido de reforma da Constituição contido na mensagem
presidencial, sob ameaça de tomarem medidas concretas, segundo a expressão dos dirigentes do fami-
gerado CGT, não excluindo a hipótese de uma paralisação geral das atividades em todo o país. É o
mesmo que os malfeitores, indiferentes às leis do país e em atitude de desafio às autoridades públicas,
se reunirem e proclamarem a decisão de assaltar determinadas propriedades se não for atendida, dentro
de certo prazo, a intimação feita - “a bolsa ou a vida”!...
O sistema comuno-sindical-grevista, na medida em que se fortalece e amplia, torna-se cada vez
mais perigoso para a segurança do país.
Reafirmo a Vossa Excelência o que já, de algum tempo, venho assegurando e estou certo de ex-
pressar a opinião dominante entre os chefes militares, de que as Forças Armadas não podem dividir
com nenhuma organização as suas atribuições constitucionais; a segurança do governo e das institui-
ções democráticas só pode repousar nas Forças Armadas, na sua lealdade e em sua honra militar. Não
é possível, nesse terreno, a coexistência pacífica do poder militar com o “poder sindical” subversivo e
fora da lei.
Inimigos das reformas são os empreiteiros da desordem, aqueles que a exigem em tom de ameaça
de fechamento do Poder Legislativo, autores intelectuais da intentona de Brasília e da recente rebelião
de marinheiros e fuzileiros navais. A facção sindicalista revolucionária que nos ameaça, através de
hierarquias paralelas, visa ao enfraquecimento do princípio da autoridade e, mediante greves parciais
e sucessivas, tais como engajamentos preliminares, pretende chegar à greve geral, equivalente à batalha

60 - Revista do Clube Militar


de aniquilamento, com que conta tomar o poder político.
Nessa ocasião, o governante democrata, iludido em sua boa fé, será eliminado do poder que não
pode ser dividido; seria um corpo estranho no organismo da ditadura férrea e impiedosa.
Com a autoridade na matéria, que ninguém lhe pode negar, Lenine proclamou ser a inflação
monetária, nos países capitalistas, precioso aliado do comunismo, pois que trabalha, silenciosa e sis-
tematicamente, em seu favor. E os dirigentes desse sindicalismo revolucionário que controlam vários
sindicatos de atividades essenciais e dominam órgãos espúrios e marcadamente comunistas CGT, PUA,
CPOS, PAC, Fórum Sindical de Debates (Santos) etc., os quais, em Nota de Instrução nº 7, de 15 de
setembro de 1963, no II Exército, denominei de serpentários, de peçonhentos inimigos da democracia,
traidores da consciência democrática nacional desvirtuando as altas finalidades do sadio sindicalismo,
conforme concebido pelo Presidente Getúlio Vargas, parece adotarem, consciente e cavilosamente, duas
linhas de ação convergentes: aprofundar o mais possível a inflação monetária (que tantas desgraças
tem trazido ao povo brasileiro, inclusive o suicídio do chefe de Estado, em 1954) e o solapamento da
hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas, mediante uma ação insidiosa que vêm exercendo siste-
maticamente junto a sargentos, cabos, soldados, marinheiros e fuzileiros navais.
Os resultados dessa impatriótica ação desenvolvida por inimigos do Brasil e das suas Forças Ar-
madas, a que se têm juntado alguns deputados que se dizem nacionalistas, aí estão aos olhos de toda a
nação, que não se deixa ludibriar por falsas reformas e pseudomonitores de opinião pública. Os tristes
acontecimentos da Semana Santa, envolvendo marinheiros e fuzileiros iludidos na sua boa fé, são prova
irretorquível desse acerto.
Uma república sindicalista, nos moldes da apregoada pelos integrantes dos órgãos espúrios a que
acima me referi, só poderia ser implantada sobre o cadáver moral das Forças Armadas e os escombros
da democracia brasileira republicana, federativa e representativa. A recente rebeldia de marinheiros
e fuzileiros, valendo-se de motivos perfeitamente suscetíveis de serem tratados no âmbito da própria
Força e que, por si só, não justificariam a atitude radical assumida, foi por eles fomentada, dirigida e
alimentada: ainda emociona a nação, justamente apreensiva com o espectro do comunismo, que busca,
na destruição da hierarquia e da disciplina das Forças Armadas, criar as condições básicas para os seus
criminosos desígnios.
Ainda está em tempo de resguardar a hierarquia e a disciplina militares, alicerces das Forças Ar-
madas, da ação maléfica dos seus inimigos e que são inimigos mortais das instituições democráticas.
O manifesto de 26 do corrente do CGT e os manifestos de vários sindicatos que nele se inspiraram, de
solidariedade aos marinheiros e fuzileiros rebelados, impregnados de caluniosas acusações às autori-
dades navais, intrigas e ameaças costumeiras, não deixou a menor sombra de dúvida quanto à autoria
intelectual dos gravíssimos acontecimentos que acabam de abalar a nação inteira, tal como em 1º de
setembro do ano passado com a intentona de Brasília, apoiada, senão promovida, pelas mesmas figuras
cuja impunidade tem servido para aumentar-lhes a desenvoltura na prática dos mesmos crimes contra
o Brasil, suas Forças Armadas e suas instituições democráticas.
As Forças Armadas estão prontas a levantar a luva atirada à face da nação por esses criminosos;

Edição Especial - 61
estão prontas a cumprir o seu dever e assegurar em toda a plenitude o livre exercício dos poderes da
União, dentro dos limites da lei, como assegurar, também, o funcionamento dos serviços essenciais à
vida da população. Ameaçam esses brasileiros inimigos de sua pátria desencadear uma greve geral e total
para impor a sua vontade ao Congresso, à custa do sofrimento de todo o povo brasileiro, convertido,
assim, em indefeso refém. Isso, porém, que seria a implantação de uma indisfarçada e hedionda ditadu-
ra comuno-sindical que arrasaria o princípio da autoridade e o próprio regime constitucional, somente
poderia ocorrer com a capitulação do Governo legalmente constituído, o qual contará sempre, para
cumprir o seu dever e para a sua defesa, com a lealdade das Forças Armadas, fiéis ao seu compromisso
de honra perante a bandeira. Os comunistas sabem perfeitamente disso e, não podendo derrotá-las de
frente pela força, buscam solapar-lhes a hierarquia e a disciplina, que são os seus fundamentos vitais.
As Forças Armadas do Brasil - afirmo a Vossa Excelência, senhor Presidente, com legítimo or-
gulho e absoluta certeza por estar com elas identificado e servi-las há 47 anos - são profundamente
democráticas e, portanto, favoráveis às reformas de base, cristãs e democráticas, em benefício do povo
brasileiro e não contra o povo brasileiro, servindo de mero pretexto para manobras políticas de ambi-
ciosos e desalmados inimigos da “ordem e progresso”, que supõem poder reduzir a nossa gente a um
povo sem ideal cívico, de eunucos morais destituídos de amor à liberdade e incapazes de reagir. A nossa
história desmente essa falsa perspectiva. A consciência cristã e democrática do nosso povo reagirá aos
liberticidas e com ele, coerente com as suas tradições, as Forças Armadas, que nada mais são do que o
povo fardado. Assim foi em todas as épocas, como recentemente, na crise da renúncia do Presidente
Jânio Quadros.

C - Impressão sobre a situação no que concerne à segurança interna.


Apesar da ação impatriótica de alguns políticos que pretendem, como é patente, arrastar as For-
ças Armadas para o terreno movediço das incursões no campo de ação privativo dos partidos, dando
cobertura aos seus despropósitos, elas se mantêm prontas a fazer cumprir a Constituição e as leis do
País, que a todos obrigam; têm elas sempre presentes os impostergáveis princípios constitucionais, de-
finidores de sua finalidade.
'As Forças Armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são ins-
tituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei (Constituição, art.176)'.
'Destinam-se as Forças Armadas a defender a pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei
e a ordem (idem, art.177)'.
Sente-se, senhor Presidente, que as Forças Armadas continuam integradas no seu dever e que V.
Ex , nelas apoiado, poderá exercer, em toda plenitude, dentro dos limites da lei, as suas atribuições
a

constitucionais, consoante o compromisso solene que V. Exa assumiu com a nação brasileira, ao cingir
a faixa presidencial, desde que prontamente sejam restabelecidos o princípio da autoridade e o clima
de disciplina militar, profundamente abalado pelas últimas ocorrências verificadas na Marinha. Dessa
forma poderá V. Exa, tranqüilamente, agir com energia contra aqueles inimigos que buscam solapar a

62 - Revista do Clube Militar


disciplina das Forças Armadas.
Julgo ainda do meu dever referir-me à má repercussão nas Forças Armadas do fato de haver o
Presidente da República comparecido ontem à noite ao Automóvel Clube para receber homenagem dos
sargentos da Marinha, do Exército, da Aeronáutica e das Polícias Militares, a qual degenerou, através
de alguns discursos, em verdadeira apologia da indisciplina e da rebeldia, dolorosa impressão que as
palavras de V. Exa em prol do respeito à hierarquia não conseguirão desfazer.
Entendo que ainda será possível restabelecer a necessária confiança entre o Comando Supremo
das Forças Armadas e estas, mediante ações e atitudes afirmativas de V. Exa que o seu agudo senso po-
lítico ditará. Dentre estas, permita-me V. Exa lembrar a principal: uma formal declaração de V. Exa de
que se oporá à deflagração de greves políticas, anunciadas pelo CGT, que ordenará a intervenção nos
sindicatos que, porventura, infringirem as claras disposições legais a respeito e determinará a aplicação
de sanções penais adequadas de conformidade com a legislação em vigor Código Penal; Lei de Seguran-
ça; Lei de Greve (Decreto-Lei nª 9070 de 15 de março de 1946) e Consolidação das Leis do Trabalho.
Reafirmo a V. Exa: nós militares, senhor Presidente, somos favoráveis às sentidas reformas de base,
democráticas e cristãs, desde que dentro de um clima de ordem, confiança e respeito aos poderes da
União, harmônicos e independentes. A ditadura comuno-sindical que nos ameaça, como ficou expresso
anteriormente, só poderá implantar-se sobre o cadáver moral das Forças Armadas e os destroços da
democracia.
Esta, senhor Presidente, é, data vênia, a apreciação que, no desempenho da atribuição funcional
de Estado-Maior das Forças Armadas e, portanto, de assessoria à presidência da República, julgo do
meu dever encaminhar à elevada consideração de V. Exa, dado o clima de intranqüilidade e apreensão
que, no momento, atravessa o país.
Finalmente, senhor Presidente, cumpre-me realçar que a apreciação aqui apresentada não traduz,
apenas, o pensamento do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; reflete o sentimento dominante
da maioria dos escalões de comando militares e dos integrantes dos diferentes graus de hierarquia mi-
litar.
Aproveito a oportunidade, senhor Presidente, para renovar a V. Exa os protestos de meu mais
profundo respeito.
(a) General-de-Exército Pery Constant Bevilacqua, Chefe do EMFA”.

No mesmo dia em que este Relatório foi entregue ao Presidente João Goulart, 31 de março de
64, tropas do Exército, sediadas no estado de Minas Gerais, deflagraram o movimento armado, tendo
recebido o apoio das demais forças de terra, mar e ar, bem como a inestimável aliança dos Governos
de Minas Gerais, de São Paulo, da Guanabara, do Rio Grande do Sul e de Alagoas. Houvera uma ante-
cipação do início da Revolução.

Edição Especial - 63
Proclamação do Governador Magalhães Pinto,
em 31 de março de 1964

“Brasileiros:
Foram inúteis todas as advertências que temos feito ao País contra a
radicalização de posições e de atitudes, contra a diluição do princípio federa-
tivo, pelas reformas estruturais, dentro dos quadros de regime democrático.
Finalmente, quando a crise nacional ia assumindo características cada vez
mais dramáticas, inútil foi, também, nosso apelo ao Governo da União para
que se mantivesse fiel à legalidade constitucional.
Tivemos, sem dúvida, o apoio de forças representativas, todas empe-
nhadas em manifestar o sentimento do povo brasileiro, ansioso de paz e de
ordem para o trabalho, único ambiente propício à realização das reformas profundas que se impõem, que a
Nação deseja, mas que não se justificam, de forma alguma, com o sacrifício da liberdade e do regime.
O Presidente da República, como notoriamente o demonstram os acontecimentos recentes e sua pró-
pria palavra, preferiu outro caminho: o de submeter-se à indisciplina nas Forças Armadas e o de postular
e – quem sabe? – tentar realizar seus propósitos reformistas com o sacrifício da normalidade institucional, e
acolhendo planos subversivos que só interessam à minoria desejosa de sujeitar o povo a um sistema de tirania
que ele repele. Ante o malogro dos que, ao nosso lado, vinham proclamando a necessidade de reformas fun-
damentais, dentro da estrutura do regime democrático, as forças sediadas em Minas, responsáveis pela segu-
rança das instituições, feridas no que mais lhes importa e importa ao País – isto é, a fidelidade aos princípios
de hierarquia garantidores da normalidade institucional e da paz pública –, consideraram de seu dever entrar
em ação, a fim de assegurar a legalidade ameaçada pelo próprio Presidente da República. Move-as a consci-
ência de seus sagrados compromissos para com a Pátria e para com a sobrevivência do regime democrático.
Seu objetivo supremo é o de garantir às gerações futuras a herança do patrimônio de liberdade política e de
fidelidade cristã, que recebemos de nossos maiores e que não podemos ver perdida em nossas mãos.
A coerência impõe-nos solidariedade a essa ação patriótica. Ao nosso lado estão todos os mineiros, sem
distinção de classes e de condições, pois não pode haver divergência quando em causa está o interesse vital
da Nação brasileira. É ela que reclama, nesta hora, a união do povo, cujo apoio, quanto mais decidido e sem
discrepâncias, mais depressa permitirá o êxito dos nossos propósitos de manutenção da lei e da ordem. Que
o povo mineiro, com as forças vivas da Nação, tome a seu cargo transpor esse momento histórico. Só assim
poderemos atender aos anseios nacionais de reforma cristã e democrática. Esse é o fruto que nos há de trazer
a legalidade, por cuja plena restauração estamos em luta e que somente ela poderá conseguir”.

* Mantem a ortografia da época

64 - Revista do Clube Militar


Proclamação do Gen Div Olympio Mourão Filho
Comandante da 4ª Região Militar e 4ª Divisão de Infantaria
Juiz de Fora, MG, 31 de março de 1964

À Nação e às Forças Armadas

Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da Democracia, escudados na


impunidade que lhes assegura o Sr Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as ins-
tituições, enxovalhando as Fôrças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito
que lhes é devido em qualquer nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em áspero e
terrível clima de mêdo e desespêro.
Organizações espúrias de sindicalismo político, manobradas por inimigos do Bra-
sil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto estimulados pelo Senhor
Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que falam
em nome do operariado brasileiro, quando é certo que falam em nome de um Estado estrangeiro, a cujos
interêsses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a Pátria Brasileira, tão
generosa e cavalheiresca.
E o atual Govêrno, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm servindo essas organizações,
dá-lhes apôio oficial ou oficiosamente, concedendo-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros,
generais e altos funcionários, objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democrá-
ticas e instituir, aberrantemente, o totalitarismo, que nega a Federação, a República, a Ordem Jurídica e até
mesmo o progresso social.
Tentaram revoltar o disciplinado e patriótico “Círculo de Sargentos”, e recentemente, essas organizações
e êsse Govêrno tudo fizeram para desmoralizar e humilhar a Marinha de Guerra do Brasil, na mais debochada
e despudorada ofensa à sua disciplina e hierarquia, que nela devem predominar.
O Povo, Governos Estaduais e Fôrças Armadas, animados de fervoroso sentimento patriótico, repelem êsse
processo de aviltamento das fôrças vivas da Nação, tão bem concebido e caprichosamente executado pelo Sr Presiden-
te da República, o qual, divorciado dos preceitos constitucionais, negando solene juramento, pretende transformar
o Brasil, de Nação soberana que é, em um ajuntamento de sub-homens, que se submetam a seus planos ditatoriais.
Na certeza de que o Chefe do Govêrno está a executar uma das etapas do processo de aniquilamento
das liberdades cívicas, as Fôrças Armadas, e, em nome delas, o seu mais humilde soldado, o que subscreve este
manifesto, não podem silenciar diante de tal crime, sob pena de com êle se tornarem coniventes.
Eis o motivo pelo qual conclamamos a todos os brasileiros e militares esclarecidos para que, unidos
conosco, venham ajudar-nos a restaurar, no Brasil, o domínio da Constituição e o predomínio da boa-fé no
seu cumprimento.
O Sr Presidente da República, que ostensivamente se nega a cumprir seus deveres constitucionais, tor-
nando-se, êle mesmo, chefe de governo comunista, não merece ser havido como guardião da Lei Magna, e,
portanto, há de ser afastado do Poder de que abusa, para de acôrdo com a Lei, operar-se a sua sucessão, mantida
a Ordem Jurídica.

* Mantem a ortografia da época

Edição Especial - 65
A Participação da
Academia Militar das Agulhas Negras
Extrato do depoimento do Gen Ex Antonio Jorge Correa* ao
General Luiz Nery da Silva (Projeto História Oral do Exército)

No início de 1963, o Gen Bda Pedro Geraldo de Almeida foi substituído no Comando da Academia
Militar pelo Gen Bda Emílio Garrastazu Médici que, tão bem, a conhecia, pois participara, como seu Sub-
comandante, nos anos de 60 e 61. De imediato, o novo Comandante organizou sua equipe, levando-me
como seu Subcomandante e o Cel Moacyr Barcellos Potyguara como Comandante do Corpo de Cadetes.
Considerando que, na verdade, de 1960 a 1963, houve profunda mudança no panorama geral do
nosso País, onde o comunismo avançava firmemente na conquista de postos de governo e na tentativa de
subverter a ordem nas Forças Armadas pela inversão da hierarquia e pela indisciplina, abalando sua coe-
são, um dos primeiros atos do Gen Médici foi nomear um Grupo Especial de Trabalho (GET), sob minha
chefia, para intensificação do estudo da Guerra Revolucionária, sendo constituídos quatro grupamentos: 1)
Oficiais do Corpo de Cadetes e do Batalhão de Comando e Serviços; 2) Cadetes; 3) Subtenentes e Sargentos
do BCS; e 4) Oficiais do Magistério e da Administração.
O GET, por determinação do Comandante da AMAN, estruturou-se como um Estado-Maior Ope-
racional, para acompanhar a evolução dos acontecimentos no país; planejar o emprego da tropa; prever
o controle das atividades na área de Resende e tudo que pudesse advir em caso de anormalidade nas áreas
política e militar. Durante aquele ano, o Comandante da AMAN manteve contato constante com os Co-
mandantes do II Exército, 4ª RM/DI e alguns Chefes Militares da Guanabara. Por outro lado, o Gen Mé-
dici acompanhava, de perto, o desenrolar das atividades do GET, na instrução de Guerra Revolucionária e
como Estado-Maior Operacional.
....
Para o ensino da Guerra Revolucionária, o efetivo da Academia foi dividido em grupamentos, como
já foi mencionado. Os oficiais do Corpo de Cadetes e do Batalhão de Comando e Serviços receberam
instrução do GET a ser repassada a seus comandados. O objetivo era não mexer no Corpo de Cadetes e
* À época, era Coronel Subcomandante da AMAN

66 - Revista do Clube Militar


não prejudicar a estrutura orgânica. Deixou-se ao Coronel Potyguara, aos Instrutores-Chefes, que eram Co-
mandantes de Curso, e aos Comandantes de Companhia a responsabilidade de transmitir tudo aos cadetes.
No Batalhão de Comando e Serviços, os oficiais recebiam as instruções, transmitindo-as aos sargentos. O gru-
po de professores teria a instrução de Guerra Revolucionária do próprio Comandante ou do Subcomandante
da AMAN sob a forma de Boletins Informativos, frequentes reuniões, troca de ideias etc. Assim, transcorreu
o ano de 1963.
A preparação psicológica se fez através do estudo da Guerra Revolucionária, como pensou muito bem
o General Castello Branco, e ao mesmo tempo o Estado-Maior Operacional trabalhava sobre a eventualidade
de conflito, perturbação da ordem ou modificação na vida do País.
Em 1963, o General Médici, como vimos, manteve um contato estreito, muito estreito e permanente,
com o General Amaury Kruel, Comandante do II Exército, com o General Mourão Filho, Comandante da
4ª Região Militar e 4ª Divisão de Infantaria (4ª RM/DI), e com oficiais generais da Guanabara, não os co-
mandantes que estavam à frente da tropa, mas chefes já identificados com a ideia de que o comunismo estava
tomando conta de tudo. O General Médici mantinha rigorosamente informados os oficiais mais próximos
a ele. Nosso Comandante sempre esteve muito atento quanto ao fato de procurar sentir a penetração dos
ensinamentos em todos os grupamentos. Ele sabia do andamento da instrução de Guerra Revolucionária e
dos trabalhos do Estado-Maior Operacional.
. . . Através do estudo da Guerra Revolucionária, nós nos preparávamos, fortalecendo os fundamentos
democráticos, mas também passando a conhecer como atuavam os comunistas.
Assim, chegamos às vésperas do Movimento de março de 1964. Para se ter uma ideia de como está-
vamos atentos ao problema, vou ler a Nota Especial de Serviço do General Médici datada de 30 de março.

NOTA ESPECIAL Nº 1 / 64

“1) É inegável que o País está vivendo dias intranqüilos. O que está acontecendo é do conheci-
mento de todos os meus comandados, pois este Comando não tem outras informações que não sejam
as que, ostensivamente, divulga a imprensa falada, escrita e televisiva.
2) A esta Academia Militar, como parte integrante da Instituição Militar vigente no País, cabe,
fundamentalmente, prosseguir no cumprimento de sua nobre missão e garantir, até a última instân-
cia, a manutenção dos princípios basilares da subordinação hierárquica e da disciplina, de compor-
tamento correto e digno em todas as circunstâncias, mesmo as mais adversas.
3) Informo aos meus comandados que este Comando estará rigorosamente atento aos aconte-
cimentos e que divulgará, em tempo oportuno, as decisões que provenham dos Escalões Superiores,
bem como aquelas que julgar mais adequadas às situações que se apresentarem. (Vejam como o Ge-
neral Médici penetrou no problema!)
4) Sei, pela vivência que tenho com todos os meus comandados, de suas preocupações, que não
são maiores que as minhas. Por isso, concito a todos, e a cada um em particular, que mantenham a
tranqüilidade, a calma e a serenidade necessárias à exação do cumprimento dos deveres profissio-

* Mantem a ortografia da época

Edição Especial - 67
nais e à confiança na ação do Comando, que será clara e justa na hora aprazada.
5) Torno claro, neste momento, que as características peculiares dessa Instituição ímpar do
Exército impõe a todos os meus comandados, para qualquer atitude ou ação, um sentido único de
união, coesão e vontade de convergir esforços para cumprir as decisões do Comando”.

Na tarde de 31 de março, às 17h30min, o General Comandante recebeu do I Exército a determinação


de colocar e manter em prontidão o Batalhão de Comando e Serviços da AMAN, em face do “levante do
povo de Minas Gerais, com apoio das Forças Federais e Estaduais sediadas naquele Estado, contra o Go-
verno Federal”.
Nessa mesma hora, a imprensa falada começava a noticiar os acontecimentos de Minas. A decisão do
Comandante da AMAN foi de:
• Cumprir a determinação do Comando do I Exército, quanto ao Batalhão de Comando e Serviços;
• Ativar o Estado-Maior Operacional, já constituído, para a atualização do estudo da situação, plane-
jamento de possíveis ações e acionamento dos elementos de informações.
Foram realizadas as seguintes ações:
• Início dos trabalhos do Estado-Maior Operacional;
• Acionamento do Sistema de Informações; e
• Execução do Plano de Emprego do Corpo de Cadetes em ações de Segurança Interna.
Passo a relatar os acontecimentos de 18h de 31 de março às 6h de 1º de abril.
Já na primeira parte desta noite, os pronunciamentos e as adesões de vários chefes militares, governa-
dores e outras autoridades definiram o sentido nítido do movimento revolucionário, iniciado em Minas
Gerais: a destruição do processo de comunização instalado no País.
Às 2h da manhã, o QG revolucionário da Guanabara, através de contato direto do General Costa e
Silva com o comandante da AMAN, confirmou a deflagração geral da Revolução e solicitou o apoio da
Academia Militar, particularmente em face da situação ainda indefinida da Guarnição Federal no Estado
do Rio. O General Comandante garantiu-lhe o apoio, na medida das possibilidades máximas da Academia.
Às 2h30min da manhã, o Comandante do II Exército informou, em contato direto com o General
Comandante, ter aderido ao movimento revolucionário e que havia determinado a marcha de Forças do II
Exército sobre a Guanabara, pelo eixo da BR2.
Ao pedido de apoio feito pelo General Kruel, o General Comandante da AMAN hipotecou-lhe a
garantia de passagem livre, das Forças sob o seu comando, na região de Resende.
Às 3h da manhã, o Comando do I Exército informou ao General Comandante da AMAN haver de-
terminado o deslocamento do GUEs para São Paulo, pelo eixo da BR2, prevendo a passagem em Resende
às 12h de 1º de abril. As informações recebidas indicavam, até às 6h da manhã, o seguinte:
• I Exército: situação indefinida, na cidade do Rio de Janeiro; 4ª DI deslocando-se sobre a Guanabara;
GUEs iniciando deslocamento de alguns elementos na direção de São Paulo; e a 1ª DI deslocando-se na
direção de Juiz de Fora;
• II Exército: deslocando o grosso de suas Unidades na direção da Guanabara.

68 - Revista do Clube Militar


Decisão do Comandante da Academia, às 2h30min do dia 1ª de abril:
• Integrar a AMAN no movimento revolucionário;
• Garantir a passagem do II Exército na região de Resende e concretizar imediatamente a vigilância
sobre os pontos críticos do eixo da BR2 entre Itatiaia e Barra Mansa, em ligação com o 1º BIB e o 5º RI.
As seguintes ações foram realizadas:
• Estudo de situação continuado, pelo Estado-Maior Operacional;
• Intensificação do acionamento dos meios de busca de informações, em particular sobre os aspectos
referentes à segurança de todos os bens e serviços de utilidade pública, na área da guarnição;
• Envio de Oficial de Ligação para as Forças do II Exército;
• Emprego de tropa do BCS para a vigilância da BR2, no trecho Itatiaia e Barra Mansa;
• Ordem Preparatória ao Corpo de Cadetes sobre seu possível emprego;
• Plano de emprego de agentes, no controle de órgãos locais de difusão e de fornecimento de energia;
• Plano de requisição de suprimentos críticos;
• Plano de requisição de meios de transporte;
• Plano de segurança de órgãos de utilidade pública, situados na região de Resende;
• Plano de contenção de reações em Resende, na CHEVAP e em Itatiaia.
...
Alguns fatos ocorridos nesse período merecem registro.
...
Durante os trabalhos do Estado-Maior Operacional, havia sido deliberado que, se a Academia se
sublevasse, ela deveria alardear isso, tornar público essa posição. Então, já tínhamos elaborado um texto
que teria que ser adaptado à situação existente. Essa proclamação, “Irmãos em Armas” era exatamente isso.
Com relação ao governo da cidade, o prefeito, que tinha sido meu colega no Colégio Militar, . . . .
As informações disponíveis indicavam que o choque inicial poderia ocorrer dentro da área da guar-
nição de Resende, diante dos dados reais de progressão dos elementos oponentes.
Decisão do Comandante da AMAN:
• Por em execução os planos referentes ao controle da localidade de Resende;
• Empregar o Corpo de Cadetes para impedir o acesso das Forças do I Exército à região de Resende,
até a chegada do II Exército (5ª RI).
As ações realizadas, no âmbito da AMAN, foram:
• Desde cedo: ocupação de pontos de interesse na localidade de Resende;
• Às 8h30min, foi lançada a Vanguarda do Corpo de Cadetes, pelo eixo da BR2, para a região de
Barra Mansa, com a missão de estabelecer ligação com o 1º BIB e contato com os elementos do I Exército
que progrediam para oeste;
• Nessa mesma hora, para caracterizar o verdadeiro sentido histórico do emprego do Corpo de Ca-
detes em operações efetivas, foi divulgada por todos os meios disponíveis, para todo o País e, em especial,
para as Forças oponentes, a Proclamação “Irmãos em Armas”, lida a seguir:

Edição Especial - 69
Irmãos em Armas

Por que a AMAN Empunhou Armas em Defesa da Democracia.

(Proclamação lançada na manhã de 1ª de abril de 1964, ao se deslocarem os cadetes para a Guanaba-


ra, na vanguarda do II Exército).
“Aqui estão os Cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, mãe comum dos dignos oficiais
do Exército Brasileiro e forjadora dos caracteres ilibados dos militares que hoje, por motivos conhecidos,
estão por se defrontar.
A AMAN, ao adotar a atitude que tomou – que nossa presença aqui materializa – pensou principal-
mente na validade eterna dos princípios de disciplina e hierarquia que tem sido o apanágio glorioso de
nossas Forças Armadas. Aqui está a Mocidade Militar do Brasil, representada por jovens possuídos dos
mais alcantilados sentimentos de patriotismo e apego ao dever, não para agredir a seus irmãos de armas,
nem para deixar-se sacrificar, mas sim para salvaguardar os princípios que regem a profissão que escolhe-
ram por vocação irresistível e, se necessário for, dignificar a farda que vestem através de atos de que falará
no futuro, com respeito e admiração, a História de nossa estremecida Pátria.
No momento em que persiste o extremo perigo de, neste vale de tão alto significado para a vida
nacional, enfrentarem-se e matarem-se irmãos que, no fundo, cultuam os mesmos ideais e perseguem os
mesmos objetivos, nossa atitude significa, também, a tentativa patriótica de evitar o desperdício de ener-
gias que, talvez, venham a ser necessárias à defesa de nossos lares e das tradições que têm marcado nossa
existência.
Irmãos de nascimento, de fé patriótica e de ideal: refleti bem antes de, pela violência, tentar abater o
ânimo sacrossanto que para aqui nos conduziu. A Academia, por seus orientadores diretos, aqui está dis-
posta a cumprir, na íntegra, tudo quanto nos tem sido ensinado como sagrado e proveitoso para a Pátria.
Não tenteis cortar sem maior ponderação, no seu nascedouro, tantas vocações capazes de gerar, para a con-
dução do destino do Brasil, os chefes de que carece a grande nação a que todos, com orgulho, pertencemos.
Militares do Exército Brasileiro: que não seja esta a via dolorosa para vossas consciências e para a
herança de vossos descendentes.
Unidos, teremos todos a gratidão da Pátria; se nos desaviermos, por certo o Brasil um dia nos con-
denará como autênticos dilapidadores do poder energético que tantos sacrifícios custaram a nossos ante-
passados.
Irmãos: que a Bandeira Brasileira, que tremula altaneira nos nossos mastros e reflete os sentimentos
cristãos de nossos corações, nos cubra a todos e inspire nossas ações, nesses momentos graves de nossas
vidas, tão úteis e necessárias à grandeza do nosso querido Brasil.”

* Mantem a ortografia da época

70 - Revista do Clube Militar


Às 11h30min, o 1º Escalão do II Exército, ferência, ficando decidido: suspensão das opera-
representado pelo 5º RI, aproximou-se de Resen- ções no Vale do Paraíba e o regresso das tropas aos
de. Ainda naquela manhã foi emitida, por todos respectivos quartéis.
os meios de divulgação possíveis, a Proclamação
“Irmãos das Forças Armadas”, com a qual os cade- ...
tes tornaram público mais um apelo, agora a seus
colegas da Escola Naval e da Escola de Aeronáu- Das 20h do dia 1º às 12h do dia 2, ocorre-
tica, buscando o seu apoio em benefício da causa ram os seguintes acontecimentos:
comum. • Foi mantido o contato na região de Barra
Mansa;
... • Ao amanhecer, foi realizada a substituição
do Corpo de Cadetes por elementos do 5º RI.
No período de 12h às 20h, ocorreram os se-
guintes fatos principais: ...
• Estabeleceu-se e manteve-se o contato das
Forças oponentes na região de Barra Mansa, sem Às 10h30min do dia 2, os Oficiais, Cadetes
qualquer ato de hostilidade; e Praças que tomaram parte nas operações regres-
• Foi estabelecida, pelo Corpo de Cadetes, saram à AMAN, depois da substituição tática do
uma posição defensiva, na região de Ribeirão da 5º RI, e foram recebidos com festa pela Família
Divisa; Militar na Esplanada Ministro Dutra. As outras
Unidades, que se concentraram na AMAN, já esta-
... vam reunidas no Campo de Parada.
Foi uma solenidade guerreira, realmente no-
• Ultrapassaram a linha de contato, sendo tável, e, nessa oportunidade, o General Médici, no
acolhidas pelo Corpo de Cadetes e encaminhadas meio do Portão Monumental, recebeu a continên-
para a AMAN, duas Baterias de Obuses do Grupo cia de toda a tropa, uma justa homenagem a um
Escola de Artilharia; chefe de valor, um homem firme, que prestigiava
Às 13h, o General Comandante recebeu a muito os seus auxiliares, e aquele foi um momen-
comunicação de que o Comandante do I Exérci- to de grande felicidade para nós.
to (nas funções de Ministro da Guerra – General Às 11h, realizou-se a formatura geral em
Armando de Moraes Âncora) e o Comandante do homenagem a todos os integrantes da Academia
II Exército reunir-se-iam, para uma conferência, Militar que atuaram em benefício do já vitorioso
nesta Academia Militar. movimento revolucionário. Foi lida nessa forma-
Às 18h, após a recepção dessas autoridades tura a Ordem do Dia do General Comandante.
com as honras militares devidas, realizou-se a con-

Edição Especial - 71
Ordem do Dia do Comandante da AMAN
Em 02 de abril de 1964
Gen Bda Emílio Garrastazú Médici

Como é imperativo nas situações de emergência que, por dever de ofício, vez por outra têm de en-
frentar as Forças Armadas, a atitude histórica tomada pela Academia Militar das Agulhas Negras foi fruto
de acendrado espírito patriótico, de profunda reflexão e do reconhecimento de suas grandes responsabi-
lidades no panorama nacional.
O senso de patriotismo, que temos cultivado diuturnamente, nos vem da apreciação das páginas glo-
riosas de nossa História e da devoção, sincera e continuada, que nos empenhamos em manter e fortalecer
para com os elementos fundamentais da nacionalidade brasileira.
A meditação, dedicada à evolução da situação nacional e, muito particularmente, à sua fase aguda,
nos foi propiciada pelo interesse em bem servir às legítimas aspirações de nosso povo, pela formação que
nos foi proporcionada no ambiente militar brasileiro e pelo equilíbrio que, de regra, soe advir da convic-
ção nos ideais formulados e perseguidos pelos que amam o seu bêrço natal, a sua família e a sua Pátria.
As responsabilidades da Academia no panorama nacional sempre se nos afiguraram patentes, em
face dos anseios que nos norteiam, do trabalho que habitualmente executamos e do muito que, num Exér-
cito eminentemente democráticos, produzimos dia-a-dia em prol da segurança nacional e do progresso
geral do país.
Este 3 pontos básicos, meus camaradas, materializam a orientação que, conscientemente e inunda-
dos de fervor cívico, seguimos nos últimos dias. Tenho a certeza absoluta de que, ao seguí-la, adotei a única
direção de atuação que despontava, clara e insofismável, do nosso passado, de nossa presente preocupação
com o restabelecimento da Hierarquia e da Disciplina, e de nossos anseios relativos ao futuro. Diante das
notícias desencontradas que inundavam o país, na noite de 31 Mar p. passado, constituí um E M opera-
cional. Coloquei em estado de alerta o CC e dei ordem de prontidão ao BCS.
Com o evoluir dos acontecimentos, ligados a fatos concretos ocorridos em vários Estados da Fede-
ração, os planos e as medidas de controle foram sendo aprofundadas e, na madrugada de 1° Abr, por seu
Cmt, a Academia declarou-se a favor daqueles que pugnavam pelo restabelecimento, no país, do clima
coerente com suas tradições cristãs e com os sentimentos patrióticos da maioria esmagadora do povo bra-
sileiro. Quando o panorama pareceu claro, a mim e a meus colaboradores diretos, não hesitei um instante
em declarar a grave decisão que tomara, pois a sabia inteiramente legítima, dada a consciência cívica e o
fervor patriótico de meus comandados.
Em decorrência da decisão formulada, empregamos a Cia Gda do BCS na vigilância dos pontos
críticos em torno de RESENDE, estabelecemos as premissas do controle da localidade e a efetivação das

* Mantem a ortografia da época

72 - Revista do Clube Militar


primeiras medidas correlatas, e passamos a planejar o emprego do CC.
Na manhã do dia 1°, foram desencadeadas as operações de controle da cidade e as medidas de segu-
rança convenientes. Enquanto isso ocorria, a situação militar se complicava no Vale do Paraíba e, diante
da possibilidade efetivamente existente, de tropas do I Exército virem a dominá-lo em todo o território
fluminense, só me restou uma atitude a tomar, dentro do quadro geral já traçado: ordenar o emprego
imediato do CC na região a E de Resende, em conexão com o 1° BIB (Barra Mansa) e em ligação com o
5° RI, que avançava de Lorena.
A sorte estava lançada: duas proclamações foram preparadas e divulgadas, ao tempo em que sentia, a
cada minuto, crescer o ardor combativo de meus comandados, em todos os postos da hierarquia.
O empenho desassombrado da Academia, na ocupação efetiva do terreno e nos preliminares da luta
armada que se desenhava, alcançou repercussão magnífica para a causa que abraçáramos, seja na população
civil, seja no seio das próprias tropas com que, provavelmente, nos defrontaríamos. Posso, mesmo, asseve-
rar que nossa atitude se constituiu em fator dos mais decisivos para o rumo que, afinal, vieram a tomar os
acontecimentos, no Vale do Paraíba e quiçá no BRASIL, cujo ponto, culminante foi a reunião na Acade-
mia, às 1800 horas de ontem, dos dois eminentes chefes militares que detinham os comandos das forças
federais em SÃO PAULO e na GUANABARA.
Oficiais, Cadetes Sargentos, Cabos, Soldados e Funcionários Civis da Academia: nosso dever formal
e de consciência foi cumprido com elevação e dignidade. O Exército Brasileiro, democrático e cristão,
mais um vez interveio nas lutas nacionais para restabelecer o rumo adequado a nossos sentimentos e dos
postulados de nossa crença cívica.
Todos podem estar tranqüilos: o que a Pátria de nós poderia esperar lhe foi dado no momento opor-
tuno e com a abnegação que nos caracteriza, no quadro geral de uma colaboração irrestrita e corajosa, que
tocou vivamente minha consciência de homem, de cidadão e do soldado. A todos, pois, o agradecimento
enternecido da Pátria Brasileira.
Cadetes!
Ao decidir empregar a Academia e, em especial, o Corpo de Cadetes, eu e meus assessores diretos fo-
mos tomados de viva emoção. Lançávamos, assim, o sangue jovem do Exército na liça e corríamos o perigo
de vê-lo umedecer as velhas terras do Vale do Paraíba. Mais forte que ela, porém, foram o sentimento de
nossas responsabilidades e o conteúdo energético de nosso ideal de, no mais curto espaço de tempo, restau-
rar os princípios basilares de nossa instituição. Vosso entusiasmo, vosso idealismo imaculado, vossa fé nos
destinos do país e vossa dedicação aos misteres militares foram os elementos fiadores da decisão então to-
mada, que acabou por contribuir de modo ponderável para a solução da crise, em nossa área de operações.
Após 29 anos de alheamento, a Academia Militar voltou a empenhar-se ostensivamente na luta pelo
aprimoramento de nossas instituições e pela tranqüilidade de nosso país. Vós o fizestes, com pleno sucesso
e com admirável galhardia. Que, por isso, a História Pátria lhes reserve uma página consagradora, fazendo-
os ingressar no rol daqueles que, despidos de qualquer ambição ou interesse subalterno, um dia se dispuse-
ram a lutar pelo país que nossos descendentes hão de receber engrandecido e respeitado.
Cadetes: pela História, atingis os umbrais da glória!

Edição Especial - 73
74 - Revista do Clube Militar
O Globo - 07 de abril de 1964

Edição Especial - 75
76 - Revista do Clube Militar
Site: homemculto.com

http://www.giovanipasini.com/2012_03_01_archive.html

Edição Especial - 77
78 - Revista do Clube Militar
Por que Jango caiu
Adirson de Barros - Revista “O Cruzeiro” - 10 de abril de 1964

O
SENHOR João Goulart perdeu o Êsse dispositivo teve que ser revisto mais
jôgo no momento em que, abando- de uma vez. As contingências do regime par-
nando a tática da conciliação polí- lamentarista obrigaram o Presidente Goulart
tica, que prevaleceu nos dois primeiros anos a manter no Ministério da Guerra o General
de seu govêrno, preferiu comandar ostensiva- Nelson de Melo, notòriamente anticomunista.
mente o esquema da esquerda radical que tinha Derrubado o sistema parlamentar de govêrno,
numa entidade juridicamente ilegal, o Coman- através de uma intensa pressão política, sindi-
do Geral dos Trabalhadores, o centro de suas cal e militar, pôde, então, o Sr. João Goulart
atividades revolucionárias. preparar o caminho para sua futura aliança to-
Chegando ao Poder pela sua extraordiná- tal com as esquerdas.
ria habilidade política, usada principalmente A Marinha e a Aeronáutica passaram a ter, a
no amaciamento dos impulsos revolucionários partir do primeiro ano de govêrno presidencialista,
do seu cunhado Leonel Brizola e de uma pa- comandos fiéis ao Presidente. O Ministério da Guerra
ciente e longa viagem da Ásia a Pôrto Alegre foi entregue, então, ao General Amaury Kruel, amigo
quando ganhou tempo para assumir de modo pessoal do Presidente mas oficial tão anticomunista
pacífico a Presidência vaga com a renúncia de quanto o seu antecessor na Pasta. O Sr. Leonel Brizola
Jânio, o Sr. João Goulart passou a estruturar iniciou, então, e vitoriosamente, uma intensa campa-
um dispositivo de segurança baseado em al- nha, pelo rádio e televisão, contra a permanência de
guns oficiais de sua confiança pessoal. Kruel no comando-geral do Exército.
* Mantem a ortografia da época

Edição Especial - 79
O General legalista Jair Dantas Ribeiro aconselhado tanto política quanto militarmen-
foi convocado para assumir o Ministério da te, o Sr. João Goulart contava, apenas, com
Guerra. Construiu, então, um esquema militar apoios populares, suportes sindicais e sua in-
inteiramente legalista e anticomunista, subs- tuição e habilidade política para sobreviver.
tituindo mais de cem comandos em todo o A inflação se agravava, desmoronavam-se os
território nacional. Para manter, porém, um planos administrativos do Govêrno. Necessá-
dispositivo militar esquerdista, fiel às reformas rio que o Presidente apressasse sua aliança com
econômicas que propunha e à sua futura alian- as esquerdas, passasse a comandá-las ostensiva-
ça com a esquerda, o Sr. João Goulart levou mente a fim de ocupar o espaço de tempo, os
para a chefia de seu gabinete militar o Gene- dois meses que separavam a primeira quinze-
ral Assis Brasil. Aí começou a estruturação de na de março da oficialização da candidatura
uma ampla frente esquerdista, política, sindi- Lacerda, já marcada para princípios de abril.
cal e militar, sob a orientação política da Casa Com a candidatura Kubitschek já lançada pelo
Militar da Presidência. PSD, restava ao Sr. João Goulart fazer a sua
A um ano e meio das eleições presiden- opção: ou marcharia com ela, ou concentraria
ciais o Senhor João Goulart recusava-se a con- seus esforços para a esquematização de uma
versar sôbre a sua sucessão. O Sr. Juscelino candidatura esquerdista com tintas democráti-
Kubitschek, que seria o candidato natural do cas. Êle desprezou a solução eleitoral e decidiu
esquema governista, teve seu nome sumària- romper a barreira da conciliação política, indo
mente vetado pelas fôrças esquerdistas mais ao encontro das lideranças identificadas com o
radicais, que obedeciam ao comando do De- pensamento marxista.
putado Leonel Brizola. Deu-se o esvaziamento Estaria absolutamente convencido o Pre-
da candidatura Kubitschek e o crescimento da sidente Goulart de contar com apoios militares
candidatura Lacerda, na área oposta. para essa jogada? Estaria certo que as fôrças
As lideranças políticas, inclusive as mais militares dariam cobertura, ao menos parcial,
próximas do Presidente Goulart, passaram a às teses defendidas pela esquerda radical e co-
desconfiar das intenções continuístas do chefe munistas no palanque armado em frente ao
trabalhista. O PSD não lhe dava cobertura par- Ministério da Guerra no dia 13 de março? O
lamentar para as reformas. A UDN liderava, simples fato da presença do General Jair Dan-
no Congresso, a anti-reforma. Estruturava-se, tas Ribeiro naquele palanque não autorizava
assim, um dispositivo de defesa do regime de- a ninguém a acreditar que Exército, Marinha
mocrático, que os principais partidos e vários e Aeronáutica estavam solidárias com a nova
governadores comandados por Adhemar e La- posição do Presidente da República.
cerda puseram a funcionar inicialmente na área A partir do comício do dia 13 radicali-
puramente política para, mais tarde, ganhar a zaram-se as posições políticas e as Fôrças Ar-
consciência e o apoio das Fôrças Armadas. madas começaram a sensibilizar-se. O Decreto
O Govêrno fêz várias tentativas de con- de desapropriações de terras, o do tabelamento
tenção dêsse dispositivo oposicionista. Mal dos aluguéis, o de encampação de refinarias de

80 - Revista do Clube Militar


petróleo foram os dados menos importantes na ciplina que se generalizou na Marinha sob a
crise que se armava. Para exercer a sua autori- orientação do Almirante Aragão. A insubordi-
dade de Presidente da República e para tomar nação de marinheiros e fuzileiros navais, e a
medidas administrativas até mesmo reformistas, solução dada pelo Presidente à crise na Arma-
o Sr. João Goulart contava, ao menos aparen- da, fazendo o Almirante Aragão retornar ao
temente, com a cobertura militar do esquema comando dos fuzileiros, pondo no Ministério
montado pelo Ministro Jair Dantas Ribeiro. um almirante identificado com o marxismo e
Mas o próprio Ministro confessava, em conver- designando o Almirante Suzano para o Estado-
sas confidenciais, que não teria condições para Maior - já encontravam, do outro lado, uma
mobilizar seus comandos no sentido de presti- poderosa aliança de governadores do Centro-
giar uma solução golpista para o problema su- Sul, com cobertura militar do II Exército do
cessório, nem de esquerda, nem de direita. General Kruel.
Na realidade - verificou-se mais tarde - O Há mais de dois meses que essa aliança
Presidente Goulart não tinha estruturado um estava sendo esquematizada. Ney Braga aderiu
dispositivo militar de esquerda, capaz de pres- a ela quando da visita do Governador Lacer-
tigiar sua aliança com os revolucionários. Se da a Curitiba. Adhemar, Lacerda e Meneghet-
estava mal-informado pela sua assessoria mi- ti já estavam entendidos. Faltava a adesão de
litar chefiada pelo General Assis Brasil, não Magalhães Pinto. O próprio Lacerda a obteve,
se sabe. Se agiu conscientemente, certo de que entregando ao Governador mineiro o coman-
contaria com a cobertura popular para a sua do-geral das fôrças democráticas. Mato Grosso
ação, só êle poderá responder. e Goiás foram adesões que se fizeram natural-
A verdade é que, a partir do momento em mente, devido à situação geográfica dos dois
que consolidou sua liderança esquerdista, o Se- Estados centrais e da posição ideológica de
nhor João Goulart foi radicalizando sua posi- seus governadores.
ção política e arrastou suas teses para os quar- Quando o Governador Adhemar de Bar-
téis. Do outro lado, as fôrças oposicionistas ros afirmava que tinha condições de reagir à
passaram da tática política para a estratégia mi- investida esquerdista, não estava blefando.
litar. Construiu-se, ràpidamente um poderoso Quando os dirigentes da esquerda radical afir-
dispositivo militar inicialmente defensivo, para mavam que a revolução estava ganha e êles já
evitar que o CGT, a UNE, a Frente Parlamentar se aproximavam do Poder, estavam mentindo.
Nacionalista, os Comandos do Deputado Brizo- Não contavam as esquerdas com a opinião
la, o Governador Miguel Arraes - o esquema da pública, e o esquema adversário era tremenda-
esquerda radical - pudessem dar solução prática mente mais poderoso.
às teses revolucionárias que defendiam. O choque pareceu inevitável no momen-
De um lado, o Sr. João Goulart estimu- to em que o Presidente João Goulart resolveu
lou a reação de sargentos e praças, soldados tornar irreversível sua posição de comandante
e marinheiros à política tradicional das Fôr- de um esquema mal estruturado, e baseado tão-
ças Armadas, provocando um clima de indis- sòmente na sua liderança popular e nas falsas

Edição Especial - 81
lideranças sindicais comunistas. Quando falou situação na Marinha e êle, Goulart, contaria
a sargentos e marinheiros, no dia 30 de março, com o apoio das Fôrças Armadas. Mas o Presi-
atacando seus adversários e mantendo sua de- dente disse não. Não sacrificaria seus aliados,
terminação de ir mais adiante nos seus propó- frase que repetiria, mais tarde ao Ministro Jair
sitos, o Sr. João Goulart fêz, definitivamente, Dantas Ribeiro, quando êste lhe fêz idêntico
sua opção. Preferiu contar com as fôrças popu- apêlo. Estava o Presidente diante de uma op-
lares que esperava se rebelassem em todo o País ção que lhe era colocada pela quase totalidade
para enfrentar a reação política e militar ao seu das Fôrças Armadas: ou desarticularia o dis-
nôvo govêrno, à quebra da hierarquia nas Fôr- positivo de esquerda que passara a comandar,
ças Armadas e ao poder sindical representado ou os generais teriam que tomar posição para
no CGT. defender a integridade do regime democrático
Essas fôrças, porém, não foram suficien- que juraram defender.
tes para manter o Sr. João Goulart no Poder e Conscientemente, o Sr. João Goulart
garantir a sobrevivência de seu esquema políti- marchou para o sacrifício. Não recuou um pas-
co. Muito mais poderosas do que elas, melhor so, quando poderia ter declarado a ilegalidade
articuladas, e com apoio da opinião pública do CGT, reformado o comando da Marinha e
dos principais Estados do País, eram as fôrças mantido a prisão do Almirante Aragão, decre-
contrárias. tada pelo Ministro Silvio Mota. E quando já
O Sr. João Goulart marchou, então, para se esperava o choque das fôrças do II Exército
a luta, consciente de que contava ao menos com as tropas da Vila Militar, que se manti-
com os trabalhadores mobilizados pelos sin- nham fiéis ao Presidente, o General Jair - recu-
dicatos e com a lealdade dos chefes militares sado o apêlo que fêz ao Sr. João Goulart - re-
à autoridade do Presidente da República. Mas nunciou ao pôsto, deixando ao Estado Maior
os sindicatos falharam totalmente na mobiliza- do Exército a decisão suprema. O Presidente
ção das massas operárias, e os chefes militares pensou em resistir, mas nunca na Guanabara,
viram-se na contingência - cruel para êles - de onde os comandos militares agiam com extra-
sacrificar o mandato do Chefe da Nação para ordinária rapidez na mobilização de tropas e
evitar a desagregação das Fôrças Armadas, a to- no encaminhamento de uma solução política
mada do Poder pelo esquema esquerdista radi- para a crise.
cal e, quem sabe, a guerra civil no País. Não tendo renunciado ao pôsto nos mo-
O General Kruel não desejava a deposi- mentos decisivos da crise, o Presidente quis
ção do Presidente. O General Jair nunca a de- que se caracterizasse a sua deposição. Escolheu
sejou. Nem o General Âncora, nem o General o seu caminho, quando teve todas as condi-
Castelo Branco . O Comandante do II Exército ções para contornar a crise no seu primeiro
chegou a sugerir ao Presidente, no momento instante. Trocou o seu mandato pela liderança
em que suas fôrças se preparavam para mar- popular que espera exercer na faixa revolucio-
char sôbre o Rio, que desarticulasse o sistema nária que o Sr. Brizola ocupou sòzinho nos
esquerdista, fechasse o CGT, normalizasse a dois últimos anos.

82 - Revista do Clube Militar


Transcrições da imprensa sobre o
31 de Março de 1964

Durante o governo Jango, a imprensa foi humanas já vistas na cidade.” (O Estado


uma das principais motivadoras da deposição de Minas - Belo Horizonte - 2 de abril de 1964)
do Presidente. Propalou, constantemente, a - Carnaval nas ruas
existência do caos administrativo, da corrupção “A população de Copacabana saiu às
e do desgoverno. Participou, ativamente, da di- ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as
vulgação de que era imperiosa a necessidade do tropas do Exército. Chuvas de papéis pica-
restabelecimento da ordem. dos caíam das janelas dos edifícios enquanto
A sociedade e a imprensa escrita e falada o povo dava vazão, nas ruas, ao seu conten-
da época, alinhadas e irmanadas, clamavam, tamento.” (O Dia - Rio de Janeiro - 2 de abril de
com manifestos e editoriais, por medidas que 1964)
evitassem a derrocada do País, levando-o à - Escorraçado
anarquia. “Escorraçado, amordaçado e acovar-
Abaixo transcrevemos alguns desses trechos. dado, deixou o poder como imperativo de
- “Desde ontem se instalou no País a ver- legítima vontade popular o senhor João
dadeira legalidade [...] Legalidade que o cau- Belchior Marques Goulart, infame líder dos
dilho não quis preservar, violando-a no que comuno-carreiristas-negocistas-sindicalis-
de mais fundamental ela tem: a disciplina e a tas. Um dos maiores gatunos que a história
hierarquia militares. A legalidade está conosco brasileira já registrou, o senhor João Gou-
e não com o caudilho aliado dos comunistas.” lart passa outra vez à história, agora tam-
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - bém como um dos grandes covardes que ela
1º de abril de 1964) já conheceu.” (Tribuna da Imprensa - Rio
- “Multidões em júbilo na Praça da de Janeiro - 2 de abril de 1964)
Liberdade. Ovacionados o governador do - A paz alcançada
estado e chefes militares. O ponto culmi- “A vitória da causa democrática abre o
nante das comemorações que ontem fize- País a perspectiva de trabalhar em paz e de
ram em Belo Horizonte, pela vitória do vencer as graves dificuldades atuais. Não se
movimento pela paz e pela democracia foi, pode, evidentemente, aceitar que essa pers-
sem dúvida, a concentração popular de- pectiva seja toldada, que os ânimos sejam
fronte ao Palácio da Liberdade. Toda área postos a fogo. Assim o querem as Forças
localizada em frente à sede do governo mi- Armadas, assim o quer o povo brasileiro
neiro foi totalmente tomada por enorme e assim deverá ser, pelo bem do Brasil.”
multidão, que ali acorreu para festejar o (Editorial de O Povo - Fortaleza - 3 de abril
êxito da campanha deflagrada em Minas de 1964)
[...], formando uma das maiores massas - Ressurge a Democracia!

Edição Especial - 83
“Vive a Nação dias gloriosos. Por- vencidos. Uma razzia de sangue vermelha
que souberam unir-se todos os patriotas, como eles, atravessaria o Brasil de ponta
independentemente das vinculações po- a ponta, liquidando os últimos soldados
líticas simpáticas ou opinião sobre pro- da democracia, os últimos paisanos da li-
blemas isolados, para salvar o que é de berdade” (O Cruzeiro Extra – 10 de abril
essencial: a democracia, a lei e a ordem. de 1964 – Edição Histórica da Revolução – “Sa-
Graças à decisão e ao heroísmo das For- ber ganhar” – David Nasser)
ças Armadas que, obedientes a seus che- - “Golpe? É crime só punível pela
fes, demonstraram a falta de visão dos deposição pura e simples do Presidente.
que tentavam destruir a hierarquia e a Atentar contra a Federação é crime de
disciplina, o Brasil livrou-se do governo lesa-pátria. Aqui acusamos o senhor João
irresponsável, que insistia em arrastá-lo Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-
para rumos contrários à sua vocação e nos na luta fratricida, desordem social
tradições [...]. Como dizíamos, no edito- e corrupção generalizada”. (Jornal do
rial de anteontem, a legalidade não pode- Brasil – Rio de Janeiro – 1º de abril de 1964)
ria ter a garantia da subversão, a âncora - “[...] cuja subversão além de bloque-
dos agitadores, o anteparo da desordem. ar os dispositivos de segurança de todo o
Em nome da legalidade não seria legíti- hemisfério, lançaria nas garras do totali-
mo admitir o assassínio das instituições, tarismo vermelho, a maior população la-
como se vinha fazendo, diante da Nação tina do mundo [...]” (Folha da Tarde –
horrorizada.” (O Globo – Rio de Janeiro – São Paulo – 31 de março de 1964 – Do editorial:
4 de abril de 1964) A grande ameaça)
- “Milhares de pessoas comparece- - “o Brasil já sofreu demasiado com o
ram, ontem, às solenidades que marca- governo atual. Agora, basta” (Correio da
ram a posse do marechal Humberto Cas- Manhã – São Paulo – 31 de março de 1964 –
telo Branco na Presidência da República Do editorial: Basta!)
[...]. O ato de posse do Presidente Caste- - “Quem quisesse preparar um Brasil
lo Branco revestiu-se do mais alto senti- nitidamente comunista não agiria de ma-
do democrático, tal o apoio que obteve.” neira tão fulminante quanto a do senhor
(Correio Braziliense – Brasília – 16 de João Goulart a partir do comício de 13 de
abril de 1964) março [...]” (Jornal do Brasil – Rio de Ja-
- “Vibrante manifestação sem prece- neiro – 31 de março de 1964)
dentes na história de Santa Maria para - “Só há uma coisa a dizer ao senhor
homenagear as Forças Armadas. Cerca João Goulart: Saia!” (Correio da Ma-
de 50 pessoas na Marcha Cívica do Agra- nhã – Rio de Janeiro – 1º de abril de 1964 – Do
decimento.” (A Razão – Santa Maria – Rio editorial: Fora!)
Grande do Sul – 17 de abril de 1964) - “Minas desta vez está conosco [...]
- “Sabíamos todos que estávamos dentro de poucas horas, essas forças não
na lista negra dos apátridas – que se eles serão mais do que uma parcela mínima da
consumassem os seus planos, seriamos incontável legião de brasileiros que an-
mortos. Sobre os democratas brasileiros seiam por demonstrar definitivamente ao
não pairava a mais leve esperança, se caudilho que a nação jamais se vergará às

84 - Revista do Clube Militar


suas imposições.” (O Estado de S.Paulo militares com 50% menos do que tabela
– São Paulo – 1º de abril de 1964, sob o título anterior”. (Jornal do Brasil – Rio de Ja-
“São Paulo repete 32”) neiro – 21 de abril de 1964)
- “[...] atendendo aos anseios nacio- “Quando o chefe do Executivo se per-
nais de paz, tranquilidade e progresso… mite, nas praças públicas, fazer a apo-
As Forças Armadas chamaram a si a tare- logia da subversão e incitar as massas
fa de restaurar a Nação na integridade de contra os poderes da República que lhe
seus direitos, livrando-a do amargo fim estorvam a marcha para o cesarismo,
que lhe estava reservado pelos vermelhos pode-se afirmar que a ditadura, embora
que haviam envolvido o Executivo Fede- não institucionalizada, é uma situação de
ral.” (O Globo – Rio de Janeiro – 2 de abril fato.” (Editorial de O Estado de S. Paulo,
de 1964, sob o título “Fugiu Goulart e a demo- 14/03/1964).
cracia está sendo restaurada”) “Agora se decidirá se nós consegui-
- “A Revolução democrática antece- remos superar a terrível crise provoca-
deu em um mês a revolução comunista.” da pela inflação, pelos desajustes sociais,
(O Globo – Rio de Janeiro – 5 de abril de pelo descalabro econômico-financeiro,
1964) sem perda de nossas instituições livres ou
- “Feliz a nação que pode contar com se, ao contrário, uma ditadura esquerdis-
corporações militares de tão altos índices ta se apossará do País, graças, principal-
cívicos. Os militares não deverão ensari- mente, ao enfraquecimento e progressivo
lhar suas armas antes que emudeçam as desaparecimento das Forças Armadas ...”
vozes da corrupção e da traição à pátria.” (O Globo - 31/03/1964).
(O Estado de Minas – Minas Gerais – 5 de “Aquilo que os inimigos externos nun-
abril de 1964) ca conseguiram, começa a ser alcançado
- “Pontes de Miranda diz que Forças por elementos que atuam internamente,
Armadas violaram a Constituição para ou seja, dentro do próprio País.” (Folha
poder salvá-la!” (Jornal do Brasil – Rio da Tarde, 31/03/1964).
de Janeiro – 6 de abril de 1964) “Chegaria o dia em que o Brasil, sem
- “Congresso concorda em aprovar reação e sem luta, se transformaria em
Ato Institucional”. (Jornal do Brasil – mais um Estado Socialista. Aí, todos di-
Rio de Janeiro – 9 de abril de 1964) riam que desaparecera a legalidade de-
- “Partidos asseguram a eleição do mocrática, mas ninguém mais teria como
general Castelo Branco”. (Jornal do recuperar as perdidas liberdades e fran-
Brasil – Rio de Janeiro – 10 de abril de 1964) quias, pois já estaria instalado o terror
- “Rio festeja a posse de Castelo”. policial e quem sabe? em funcionamento
(Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 16 de os pelotões de fuzilamento, segundo o mo-
abril de 1964) delo cubano.”
- “Castelo garante o funcionamento “Como dissemos muitas vezes, a demo-
da Justiça.” (Jornal do Brasil – Rio de cracia não deve ser um regime suicida que
Janeiro – 18 de abril de 1964 dê a seus adversários o direito de trucidá-lo,
- “Castelo diminui nível de aumento para não incorrer no risco de ferir uma lega-
aos militares”. Corte propõe aumento aos lidade que esses adversários são os primeiros

Edição Especial - 85
a desrespeitar.” (O Globo, 31/03/1964). de vida, a classe média e a classe operá-
“... Além de que os lamentáveis acon- ria? Até que ponto quer desagregar as
tecimentos foram o resultado de um pla- Forças Armadas por meio da indiscipli-
no executado com perfeição e dirigido na que se torna cada vez mais incontro-
por um grupo já identificado pela Nação lável?
Brasileira como interessado na subversão “Não é possível continuar neste caos
geral do país com características nitida- em todos os sentidos e em todos os seto-
mente comunistas.” (Correio do Povo, res. Tanto no lado administrativo como
31/03/1964). no lado econômico e financeiro.
“O Presidente da República sente-se “Basta de farsa. Basta da guerra psi-
bem na ilegalidade. Está nela e ontem nos cológica que o próprio governo desenca-
disse que vai continuar nela, em atitude deou com o objetivo de convulsionar o País
de desafio à ordem constitucional, aos re- e levar avante sua política continuísta. Bas-
gulamentos militares e ao Código Penal ta de demagogia, para que, realmente,se
Militar. Ele se considera acima da lei. Mas possam fazer as reformas de base”.
não está. Quanto mais se afunda na ilega- “... queremos o respeito à Constitui-
lidade, menos forte fica a sua autoridade. ção. Queremos as reformas de base vo-
Não há autoridade fora da lei. E, os apelos tadas pelo Congresso. Queremos a into-
feitos ontem à coesão e à unidade dos sar- cabilidade das liberdades democráticas.
gentos e subordinados em favor daquele Queremos a realização das eleições em
que, no dizer do próprio, sempre esteve 1965. Se o senhor João Goulart não tem a
ao lado dos sargentos, demonstra que a capacidade para exercer a Presidência da
autoridade presidencial busca o amparo República e resolver os problemas da Na-
físico para suprir a carência de amparo ção dentro da legalidade constitucional,
legal. Pois não pode mais ter amparo le- não lhe resta outra saída senão entregar
gal quem no exercício da Presidência da o governo ao seu legítimo sucessor.
República, violando o Código Penal Mili- “É admissível que o senhor João
tar, comparece a uma reunião de sargen- Goulart termine o seu mandato de acordo
tos para pronunciar discurso altamente com a Constituição. Este grande sacrifí-
demagógico e de incitamento à divisão cio de tolerá-lo até 1966 seria compensa-
das Forças Armadas”. (Jornal do Brasil, dor para a democracia. Mas, para isto o
31/03/1964). senhor João Goulart terá de desistir de
“Até que ponto o Presidente da Re- sua política atual, que está perturbando
pública abusará da paciência da Nação? uma Nação em desenvolvimento e amea-
Até que ponto pretende tomar para si, çando de levá-la à guerra civil.
por meio de decretos-lei, a função do “A Nação não admite nem golpe
Poder Legislativo? Até que ponto contri- nem contragolpe. Quer consolidar o pro-
buirá para preservar o clima de intran- cesso democrático para a concretização
qüilidade e insegurança que se verifica das reformas essenciais de sua estrutura
presentemente, na classe produtora? Até econômica. Mas não admite que seja o
quando deseja levar ao desespero, por próprio Executivo, por interesses incon-
meio da inflação e do aumento de custo fessáveis, quem desencadeie a luta con-

86 - Revista do Clube Militar


tra o Congresso, censure o rádio, ame- “ ... A Nação, a democracia e a liber-
ace a imprensa e, com ela, todos os de dade estão em perigo. O povo saberá de-
manifestações do pensamento, abrindo o fendê-las. Nós continuaremos a defendê-
caminho à ditadura. Os poderes Legisla- la.” (Correio da Manhã, 01/04/1964).
tivo e Judiciário, as classes armadas, as “Atualmente, no presente governo,
forças democráticas devem estar alertas que ainda se diz democrata, a ideologia
e vigilantes e prontos para combater to- marxista e mesmo a militância comunis-
dos aqueles que atentarem contra o re- ta indisfarçada constituem recomendação
gime. especial aos olhos do governo. Como se já
O Brasil já sofreu demasiado com o estivéssemos em pleno regime marxista-
governo atual. Agora, basta!” (Correio leninista, com que sonham os que desejam
da Manhã, 31/03/1964). incluir sua pátria no grande império so-
“Fora viético, às ordens do Kremlin” (Diário de
“A Nação não mais suporta a perma- Notícias, 01/04/1964).
nência do Sr. João Goulart à frente do go- “Quem estimula a indisciplina de ma-
verno. Chegou ao limite a capacidade de rujos e fuzileiros e depois os transforma
tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra em bandidos e em seguida em pobres dia-
saída ao Sr. João Goulart senão a de en- bos pilhados em flagrante?
tregar o governo ao seu legítimo sucessor. A partir de 13 de março o Sr. João
“Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart tem injuriado muitos, em muito
Goulart: saia. pouco tempo. Agora, ao que tudo indica,
“Durante dois anos, o Brasil agüen- já lhe resta muito pouco tempo para in-
tou um governo que paralisou o seu de- juriar quem quer que seja.” (Jornal do
senvolvimento econômico, primando pela Brasil, 01/04/1964).
completa omissão o que determinou a “No dia 19 de março de 1964, uma
completa desordem e a completa anarquia das maiores demonstrações populares,
no campo administrativo e financeiro. a Marcha da Família com Deus pela Li-
“Quando o Sr. Goulart saiu de seu berdade, percorreu as ruas de São Paulo.
neutro período de omissão foi para co- Maria Paula Caetano da Silva, uma das
mandar a guerra psicológica e criar o cli- fundadoras da União Cívica Feminina, foi
ma de intranqüilidade e insegurança que a principal organizadora da passeata. A
teve o seu auge na total indisciplina que se Marcha partiu em direção à Catedral da
verificou nas Forças Armadas. Sé, com cerca de um milhão de pessoas. A
“Isso significou e significa um crime manifestação foi uma resposta da popula-
de alta traição contra o regime, contra a ção civil ao restabelecimento da ordem e
República que ele jurou defender ...” dos valores cívicos ameaçados.
“ ... O Sr. João Goulart não pode per- “A marcha foi uma reação à baderna
manecer na Presidência da República, não que estava tomando conta do País. Não po-
só porque se mostrou incapaz de exercê-la díamos deixar as coisas continuarem do jeito
como também porque conspirou contra ela que estavam, sob o risco de os comunistas to-
como se verificou pelos seus últimos pronun- marem o poder”, dizia Maria Paula, uma das
ciamentos e seus últimos atos.” organizadoras do movimento.

Edição Especial - 87
O Dever dos Militares
Editorial de O Estado de Minas – 05 de abril de 1964

Se há um setor que não está corrompido


no Brasil, graças a Deus, é o das Forças Arma- Os nossos militares, quanto mais
das, incluídos o Exército, a Marinha e a Aero- fundo e mais grosso é o mar de lama,
náutica. Em Minas, devemos juntar a esse bloco
de homens dignos e patriotas a Polícia Militar, estão recolhidos às suas casernas
outra corporação que tem dado os mais admirá- austeras... No entanto, os militares
veis exemplos de amor à nossa terra.
Feliz a nação que pode contar com corpo-
tudo suportam estoicamente,
rações militares de tão altos índices cívicos. A assistindo diante deles ao espetáculo
todo momento, essas corporações, comandadas
da mais deslavada corrupção,
por oficiais formados na melhor escola, a escola
do patriotismo, da decência, da pureza de inten- provocada pelo poder civil, pela
ções e propósitos, nos oferecem o testemunho
baixa politicalha, pelo eleitoralismo
de sua identificação com os melhores ideais de
nossa gente. O que elas têm no coração é um grosseiro.
Brasil grande, progressista, respeitado, unido de
norte a sul, de leste a oeste, trabalhando livre- eleitoralismo grosseiro. Bastaria dizer que hoje
mente num clima de ordem e de paz. um procurador de um dos institutos de previ-
Os nossos militares, quanto mais fundo e dência logo no primeiro mês de sua nomeação,
mais grosso é o mar de lama, estão recolhidos às sem ter serviço, indo à repartição meia-hora por
suas casernas austeras, submetidos a um regime dia, quando vai, recebe mais do que um general
de vencimentos incompatíveis com as exigências que se submeteu a uma longa carreira, sujeito a
da vida moderna. Hoje em dia, não há quem mudanças amiudadas de residência, sendo obri-
queira ser mais oficial do Exército, da Marinha gado a matricular seus filhos cada ano em um
e da Aeronáutica, porque não se recebem, nessas colégio diferente, e com um regime de trabalho
três armas, soldos que permitam uma existência de dez horas por dia.
tranqüila. No entanto, os militares tudo supor- É impossível, porém, enumerar aqui todas
tam estoicamente, assistindo diante deles ao es- as injustiças de que são vítimas os militares. E
petáculo da mais deslavada corrupção, provoca- não se queixam, não se desesperam, por amor ao
da pelo poder civil, pela baixa politicalha, pelo Brasil. Pois bem: esses patriotas, que não contri-

* Mantem a ortografia da época

88 - Revista do Clube Militar


buem para o abastardamento dos costumes pú- ende que a agitação vai continuar, a corrupção
blicos em nosso País, de quando em vez, são for- idem, o assalto aos cofres públicos, a compra de
çados a corrigir os erros da politicalha, tomando fazendas e apartamentos com dinheiro roubado
o Poder dos corruptos, dos caudilhos, dos extre- da Nação. O comando revolucionário não acei-
mistas de baixa extração, restituindo-o, limpo e tará agora isto. Quer o expurgo, a higienização
puro, aos civis. Nunca advogaram em sua causa do meio político, a imobilização da gangue que
própria, ou melhor, nunca tomaram o Poder em infelicitava o Brasil. Os corruptos, onde esti-
benefício próprio. Agem quando é preciso, a fim verem, terão que pagar por seus crimes. Se es-

de restituir a tranqüilidade e a paz ao seio da tiverem no Parlamento alguns deles, terão que
família brasileira. Mas essa tolerância com os ci- ver cassados os seus mandatos, os mandatos que
vis, que não estão sabendo ser dignos do Poder, não souberam honrar, traindo ali a democracia.
tem um limite. As imposições do patriotismo, Se estiverem os totalitários vermelhos no mais
que é tão aceso no meio militar, poderão levá-lo alto tribunal de justiça do País, há que se impor-
a dissolver as assembléias que insistem em per- lhes as sanções da própria lei que eles impõem
manecer dando cobertura a políticos corruptos e a outros. Sem esse expurgo, feito sem violência,
aventureiros, a comunistas interessados em abrir mas dentro da legislação de defesa do povo e do
aqui uma porta ao fidelismo cubano. regime, não estará completa a revolução.
O povo também está perdendo a fé nas Se tolerarem qualquer transigência com
soluções civis. Vê a volta das raposas de baixa os objetivos da revolução, os militares serão
politicalha com espanto e nojo, porque compre- novamente traídos pela parcela dos civis cor-
ruptos e indignos.
Homens com alta dignidade, a compostu-
Esses patriotas, que não contri- ra cívica, a bravura pessoal, a vida limpa e exem-
buem para o abastardamento dos plar de um general Carlos Luís Guedes – que é
um militar admirável – não podem permitir que
costumes públicos em nosso País, de se faça a reconstrução do Brasil em bases falsas.
quando em vez, são forçados a corri- Essa reconstrução tem que ser, antes de tudo,
moral. Foi por isto que todos nós, que estive-
gir os erros da politicalha, tomando o mos na luta arrostando a empáfia dos badernei-
Poder dos corruptos, dos caudilhos, ros, sujeitos diariamente a assaltos e golpes dos
extremistas, fizemos uma revolução.
dos extremistas de baixa extração,
Os militares não deverão ensarilhar suas ar-
restituindo-o, limpo e puro, aos ci- mas antes que emudeçam as vozes da corrupção e
vis. Nunca advogaram em sua causa da traição à Pátria. Cometerão um erro, embora
erro de boa-fé, se aceitarem o poder civil, que
própria, ou melhor, nunca tomaram está aí organizado para assumir as responsabili-
o Poder em benefício próprio. dades da direção do País. Terão que impor um
saneamento, antes de voltar aos quartéis.

Edição Especial - 89
A Contrarrevolução de
64 e a Mitologia
Agnaldo Del Nero Augusto *

“Não se deve... não se deve remexer no passado!


Aquele que recorda o passado perde um olho.
Aquele que o esquece perde os dois!”
Alexandre Soljenitsin

E
ste provérbio russo foi citado na aber- com a mentira e valendo-se de técnicas psicoló-
tura do livro “Arquipélago Gulag” de gicas de indução, que as esquerdas criaram uma
autoria de Alexandre Soljenitsin. O au- verdadeira Mitologia Histórica para nosso País.
tor relata nesse livro os episódios vividos entre Escreveu o celebrado historiador marxista
1918 e 1956, na imensa rede de campos de tra- e militante comunista Eric J Hobsbawm: “Mais
balho soviéticos por onde passaram cerca de 66 do que nunca a história é atualmente revista
milhões de pessoas e de onde poucos milhares, ou inventada por gente que não deseja o pas-
como ele saíram com vida. Na sua tese central sado real, mas somente um passado que sirva
sustenta que as prisões em massa, os julgamen- a seus objetivos. Estamos hoje na grande época
tos iníquos e as execuções secretas fizeram parte da mitologia da história”. Uma história revis-
do Estado soviético desde a sua consolidação ta ou inventada para atender às conveniências
em 1918, não sendo apenas uma criação poste- de pessoas, grupos ou ideologias, e os termos
rior e arbitrária de Stálin. Acrescentamos, esta empregados nesse conceito dizem tudo - é, na
última é apenas sua fase mais tenebrosa. verdade, uma Grande Mentira.
Apesar desses 38 anos de quase indescri- Pois pasmem, se quiserem e puderem,
tível sofrimento nos longínquos campos da Si- este grande historiador, como bom comunista
béria, Soljenitsin disse, também, que o “pior do que é, em passagem de seu livro “Tempos Inte-
comunismo não é a opressão, mas a mentira”. ressantes” (P 234), não só admite a mentira em
Entendemos, porque embora não submetidos a benefício da “causa”, como expressa admiração
trabalho escravo, sofrimentos físicos ou psíqui- eterna pelo mentiroso.
cos, a mentira, para nós, dói, machuca. Dói a Estamos trabalhando esse tema da Mito-
história revista ou inventada que se fabricou, em logia inteira, hoje, porém, queremos remexer
relação a um período crucial da vida de nosso um ponto específico do passado. Parece que,
país, sendo transmitida a nossos jovens Pois foi fruto dessa Mitologia, há gente que ainda acre-

90 - Revista do Clube Militar


dita que as esquerdas pretendiam defender a crevemos apenas o final de seu relatório onde
Democracia. Vamos recordar ou remexer ape- afirma: “uma vez a cavaleiro do aparelho do
nas duas das várias idas de Prestes a Moscou. Estado, converter rapidamente, a exemplo da
Em novembro de 1961, Prestes vai a Mos- Cuba de Fidel, ou do Egito de Nasser, a revo-
cou. Encontra-se com Kruschev, nome mais lução nacional-democrática em socialista”.
importante do partido e da própria URSS. Retorna, coloca em execução o plano
Discutem a nova estratégia do PCB para a to- acertado, cuja primeira ação é o comício do
mada do poder. Mikhail Suslov, ideólogo do dia 13 de março na Praça da República/RJ, se-
PCUS, participa da reunião. Doutrina, sobre guido do motim dos fuzileiros navais, em clara
as táticas. Em síntese, fala sobre as ações de quebra da hierarquia e da disciplina e da reu-
massa e da necessidade de saber preparar-se nião no Automóvel Clube/RJ.
para a luta armada (...) Estava tudo acertado, mas a essa situação
Kruschev interfere para dizer que concor- contrapõe-se mais uma das Marchas da Famí-
da, todavia aduz recomendações quanto ao im- lia com Deus pela Liberdade em São Paulo,
perialismo e o latifúndio e conclui “falais em re- no dia 19, com um multidão nunca vista de
forma agrária. (...) Numa situação revolucionária pessoas apelando e impelindo as Forças Arma-
devemos saber lutar pela revolução agrária (...)”. das à ação. O povo dissera não e aconteceu a
Certamente conhecedor do fracasso de 1935. (...) Contrarrevolução de 31 de março de 1964.
adverte: “quando falamos em luta armada, fala- Como escreveu Clarence W Hall em Se-
mos de luta de grandes massas e não de ações leções do Reader’s Digest no artigo “A Nação
sectárias de alguns comunistas. Porque isso será que se Salvou a Si Mesma”: A história inspira-
uma aventura. Realizar o trabalho de massa é a dora de como um povo se rebelou e impediu
melhor forma de preparar a insurreição.” os comunistas de tomarem conta de seu país.
Após a aula de recuperação sobre ação Raramente uma grande nação esteve mais per-
revolucionária, Prestes retorna e coloca o PCB to do desastre e se recuperou do que o Brasil
em intenso trabalho de massa. Diga-se de pas- em seu triunfo sobre a subversão vermelha. Os
sagem, bem sucedido. elementos da campanha comunista para a do-
Convencido de que a estratégia que traça- minação – propaganda, infiltração, terror – es-
ra leva-lo-ia, brevemente, ao poder, parte para tavam em plena ação.
Moscou em janeiro de 1964, onde vai prestar A rendição total parecia iminente... e en-
contas dos resultados obtidos nos dois últimos tão o povo disse: NÃO!
anos de trabalho e obter o aval da Rússia para Só não se orgulha de suas Forças Arma-
desencadear seu plano de tomada do poder. das quem não conhece a HISTÓRIA.
A história fabulosa que conta em Mos- À mentira só há um antídoto: a VERDA-
cou para receber o sinal verde dos soviéticos é DE. Vamos remexer o passado com ela, ainda
muito interessante, mas temos que respeitar o que fiquemos com apenas um olho.
espaço (Consta à P 121/ 2 de “A Grande Men-
tira”, Bibliex- 2001). Para fazer sentido trans- * O autor, falecido, era General de Divisão.

Edição Especial - 91
A Desinformação Soviética no
Brasil e o “golpe” de 1964
Ladislav Bittman *
* Extraído de: Ladislav Bittman, The KGB And Soviet Disinformation. An Insider's View,
Washington, Pergamon-Brassey's, 1985.

Sob direta super-


visão soviética,
o departamento de
políticos. A América Latina, com seus fortes
sentimentos anti-americanos, foi campo par-
ticularmente fértil e respondeu bem às pro-
desinformação tche- vocações do Leste Europeu. Usando o México
co, durante os anos e o Uruguai como bases operacionais para o
que se seguiram, restante do continente, a inteligência tchecos-
criou centenas de lovaca concentrou sua atenção primeiramente
jogos contra os Es- no Brasil, na Argentina e no Chile, bem como
tados Unidos, me- no México e no Uruguai.Em fevereiro de 1965,
lhorou velhas técni- o serviço me enviou a diversos países latino-
cas de falsificação e americanos, inclusive Brasil e Argentina, para
desenvolveu novas. fazer a apreciação pessoal do clima político
Quando Ivan I. Agayants, o oficial comandan- naqueles lugares e buscar novas idéias opera-
te do departamento de desinformação sovié- cionais. Naquele tempo, a inteligência tcheca
tico, visitou Praga em 1965, ele parabenizou tinha numerosos jornalistas à sua disposição
seus subordinados tchecos pelos seus sucessos, na América Latina. Ela influenciou ideológica
e enfatizou a necessidade de fortalecer a coor- e financeiramente diversos jornais no México
denação entre os serviços de inteligência do e no Uruguai e até mesmo possuiu um jor-
Pacto de Varsóvia. nal político brasileiro até abril de 1964. Mas a
A maioria destas vitórias foi conquistada desinformação estava tradicionalmente ligada,
em países em desenvolvimento, perturbados em grande parte, a técnicas de falsificação.
por alto índice de desemprego, complicados A Operação Thomas Mann estava che-
problemas sociais, lingüísticos, tribais e eco- gando à sua conclusão quando cheguei no
nômicos, nacionalismo agressivo, influência Brasil. Seu objetivo era provar que a política
de oficiais militares em assuntos políticos e externa americana na América Latina havia
uma considerável ingenuidade entre os líderes passado por fundamental reavaliação e trans-

92 - Revista do Clube Militar


formação desde a de uma organização mítica chamada “Comitê
morte do Presiden- para a Luta contra o Imperialismo Ianque”. O
te John F. Kennedy. objetivo declarado desta organização não-exis-
Queríamos enfatizar tente era alertar o público latino-americano a
a política america- respeito da existência de centenas de agentes
na de exploração e da CIA, do DOD e do FBI, fantasiados de di-
de interferência nas plomatas. Uma terceira falsificação foi uma
condições internas carta supostamente escrita por J. Edgar Hoo-
dos países latino- ver, diretor do FBI, para Thomas A. Brady,
americanos. De acordo com a teoria fabricada, um agente do FBI. A carta dava crédito ao FBI
o Secretário-assistente de Estado Thomas A. e à CIA pela execução bem sucedida do golpe
Mann era o autor e diretor da nova política. brasileiro de 1964.
Queríamos criar a impressão que os Estados O falso "press release" da USIA no Rio
Unidos estavam impondo pressão econômica de Janeiro foi mimeografado e distribuído em
injusta àqueles sul-americanos com políticas meados de fevereiro de 1964, numa simulação
que eram desfavoráveis aos investimentos do de envelope da USIA, para a imprensa brasi-
capital privado americano. Também quería- leira e políticos brasileiros selecionados. Uma
mos criar a impressão que os Estados Unidos carta de apresentação, anexada ao release e su-
estavam forçando a Organização dos Estados postamente escrita por um funcionário local
Americanos (OEA) a tomar uma posição mais da USIA, declarava que o chefe americano da
anticomunista, enquanto a CIA planejava gol- missão havia suprimido a carta por ser franca
pes contra os regimes do Chile, Uruguai, Bra- demais. O funcionário revelava que havia con-
sil, México e Cuba. A operação foi projetada seguido reter diversas cópias e que as enviara
para criar no público latino americano uma à imprensa brasileira porque estava convenci-
prevenção contra a nova política linha-dura do de que o público devia saber a verdade.
americana, incitar demonstrações mais inten- Como conclusão, o remetente anônimo dizia
sas de sentimentos anti-americanos e rotular que não podia revelar seu nome porque estaria
a CIA como notória perpetradora de intrigas arriscando a perda de seu emprego.
antidemocráticas. Em 27 de fevereiro de 1964, a falsificação apa-
A operação dependia apenas de canais receu no jornal brasileiro "O Semanário" sob a man-
anônimos para disseminar uma série de fal- chete “MANN DETERMINA LINHA DURA
sificações. A primeira falsificação - um press PARA OS EUA: NÓS NÃO SOMOS MASCA-
release falso da Agência de Informação dos TES PARA NEGOCIAREM CONOSCO”, e um
Estados Unidos no Rio de Janeiro - continha ataque anti-americano acompanhava o texto do press
os princípios fundamentais da “nova política release falsificado. Alguns dias depois, em 2 de mar-
externa americana”. A segunda falsificação foi ço de 1964, Guerreiro Ramos, um membro do Par-
uma série de circulares publicadas em nome tido Trabalhista Brasileiro, fez um discurso
CIA - Central of Intelligence Agency / DOD - Department of Defense / FBI - Federal Bureau of Intelligence / USIA - United States Intelligence Agency

Edição Especial - 93
em que comentava a nova política atribuída ter Mann: Plano de Guerrilha para toda
a Thomas Mann e concluía que os Estados América Latina”. Mesmo bastante tempo
Unidos haviam obviamente retornado à linha depois, em 16 de junho de 1965, o jornal es-
dura de John Foster Dulles após a morte do querdista mexicano El Dia publicou um quar-
Presidente Kennedy. (Ele posteriormente reco- to de página com o anúncio do “Comitê de
nheceu seu erro e explicou que a declaração Coordenação Nacional para o apoio à
atribuída a Mann estava baseada em um do- Revolução Cubana”. O artigo declarava que,
cumento forjado.) Em uma declaração pública em 1964, Mann havia liderado a Operação Iso-
de 3 de março, o embaixador americano no lamento, criada para enfraquecer a posição de
Rio de Janeiro respondeu a funcionários bra- Cuba como líder da luta anti-imperialista na
sileiros que Mann jamais havia proposto tais América Latina.
políticas e que aquela embaixada jamais havia Como já foi mencionado anteriormente,
emitido aquele press release. uma segunda técnica usada nessa campanha
Nos meses que se seguiram, a imprensa de desinformação consistiu em circulares e
esquerdista latino-americana usou o nome de proclamações disseminadas em nome de uma
Thomas A. Mann como um símbolo vivo do organização fictícia, o “Comitê para a Luta
imperialismo americano. Em 29 de abril de contra o Imperialismo Ianque”. A maior
1964, o semanário mexicano pró-comunista parte destes documentos identificava repre-
"Siempre" publicou um artigo fazendo refe- sentantes americanos na América Latina como
rência ao chamado Plano Thomas Mann con- espiões, inclusive diplomatas, homens de ne-
tra a América Latina, e acrescentou que o pla- gócio e jornalistas. A seleção de candidatos era
no pedia a queda dos governos do Chile, do relativamente simples. Publicações americanas
Brasil, do Uruguai e de Cuba, e o isolamento continham valiosos dados bibliográficos a res-
do México durante o ano de 1964; o jornal peito de diplomatas americanos e empregados
uruguaio "Epoca" repetiu a acusação em 20 de de diversas organizações oficiais e privadas
maio. Duas semanas depois, o primeiro secre- americanas que operavam no exterior. Era fá-
tário do Partido Comunista Uruguaio falou cil selecionar aqueles cuja biografia estivesse
no parlamento, no contexto de uma discus- de acordo com o objetivo da falsificação. Es-
são sobre exportações americanas, e acusou tas acusações fictícias eram aceitas na maioria
Thomas Mann de “cinicamente favorecer das vezes como informação confiável.
golpes de Estado”. Quando a embaixada Em julho de 1964, o público latino-ame-
americana em Montevidéu - no dia seguinte ricano recebeu “prova” adicional de ativida-
- publicou um lembrete de que o assim chama- des subversivas americanas na forma de duas
do Plano Thomas Mann era uma falsificação, cartas forjadas assinadas por J. Edgar Hoover.
o órgão de imprensa comunista "El Popular" Ambas estavam endereçadas a Thomas Brady,
respondeu, em 5 de junho de 1964,5z com um funcionário do FBI. A primeira, datada de
um artigo eloqüentemente entitulado “Mis- 2 de janeiro de 1961, era uma mensagem de

94 - Revista do Clube Militar


parabéns pela ocasião do aniversário de vinte glamurosa - vocês não abandonam o tra-
anos de serviço de Brady no FBI. Seu objetivo balho. É este espírito que hoje permite
era autenticar uma segunda carta, datada de que o nosso Bureau enfrente com sucesso
15 de abril de 1964, para a mesma pessoa. suas graves responsabilidades. Sincera-
“Washington, D.C mente, J. E. Hoover”.
15 de abril de 1964 Como o texto implica, a intenção da
Pessoal falsificação era provar o envolvimento direto
Caro Sr. Brady: Quero fazer uso americano da deposição do governo brasilei-
desta para expressar meu apreço pesso- ro de João Goulart. O serviço tchecoslovaco
al a cada agente lotado no Brasil, pelos teria preferido depositar toda a culpa na CIA,
serviços prestados na execução da “Re- mas a razão da inclusão do FBI na conspira-
visão”. ção americana foi muito prosaica: o serviço
A admiração pela forma dinâmica e secreto não tinha o modelo do papel timbrado
eficiente que esta operação em larga es- da CIA naquela época. A falsificação e uma
cala foi executada, em uma terra estran- das circulares mencionadas anteriormente
geira e sob condições difíceis, levou-me apareceram primeiramente no jornal argenti-
a expressar minha gratidão. O pessoal no "Propositos", em 23 de julho. A esta pu-
da CIA cumpriu bem o seu papel e con- blicação seguiu-se uma reação em cadeia na
seguiu muito. Entretanto, os esforços de imprensa latino-americana, à medida que os
nossos agentes tiveram valor especial. jornais, um a um, se revezaram em espalhar
Estou particularmente feliz de que a nos- essa “nova onda de atividade subversiva ame-
sa participação no caso tenha se manti- ricana.” (*)
do secreta e de que a Administração não
* Ultima Hora, Santiago, 24 de julho de 1964;
tenha tido de fazer declarações públicas,
Vistazo, Santiago, 27 de julho de 1964; El Siglo, San-
negando-a. Podemos todos nos orgulhar tiago, 28 de julho de 1964; El Popular, Montevidéu,
da participação vital do FBI na proteção 28 de julho de 1964; Prensa Latina, Montevidéu, 28
de julho de 1964; Marcha, Montevidéu, 31 de julho de
da segurança da Nação, mesmo além de 1964; Epoca, Montevidéu, 1 de agosto de 1964; Comba-
suas fronteiras. te, Santiago, 1 de agosto de 1964; El Siglo, Santiago, 2
Estou perfeitamente ciente de que de agosto de 1964; El Dia, Cidade do México, 17 e 20 de
janeiro de 1965; La Gacota, Bogotá, março/abril, 1965;
nossos agentes muitas vezes fazem sacri- e provavelmente muitos outros.
fícios pessoais no cumprimento de seus
deveres. As condições de vida no Brasil
podem não ser as melhores, mas é real-
mente muito encorajador saber que - pela
sua lealdade e pelas realizações através
das quais vocês têm prestado serviço à
seu país, de forma vital mesmo que não

Edição Especial - 95
A Eleição de Castello Branco

O
general Humberto
de Alencar Castello
Branco foi eleito
com a quase unanimidade dos
sufrágios, obtendo 361 dos 388
votos que compunham o Colé-
gio Eleitoral, e empossado em
15 de abril de 1964.
Na noite de 1º de abril,
os principais Governadores que haviam apoiado a
Revolução reuniram-se no Rio de Janeiro, represen-
tando todos os Partidos, com exceção do PTB, e
acordaram que o Chefe do Governo Revolucioná-
rio deveria ser um militar. Como escreveria mais
tarde o Governador Carlos Lacerda, “a fim de ga-
rantir a unidade das Forças Armadas, impedir uma dia a escolha de um Presidente militar, para varrer
eventual usurpação e evitar uma competição entre os comunistas, e dizia que o País precisava de um
os políticos numa hora delicada para o País (1)”. homem sem ligações políticas. (4) Castello assumia
A Federação e o Centro das Indústrias do Es- o poder com o apoio civil, demonstrando o estado
tado de São Paulo enviaram telegrama ao Senado, de apreensão e a perda de confiança de muitos re-
solicitando a eleição de um chefe militar (2). presentantes das classes assalariadas e dos grupos
A Sociedade Rural Brasileira publicou um empresariais, bem como de políticos de direita, e
manifesto, exigindo um militar para Presidente e de centro, num Presidente civil, embora mais tarde
pedindo expurgos políticos. A união Cívica Femi- a maioria retirasse seu apoio ao governo (5).
nina também fez publicar seu manifesto, no qual Castello Branco era um líder militar que,
exortava a consolidação da Revolução pela elimina- como chefe de Estado-Maior do Exército e pela
ção da corrupção e do comunismo e endossava a autoridade reconhecida, se tornara o líder do mo-
escolha de Castello Branco porque era um general vimento de 1964. Todavia, era desconhecido para
sem ligações políticas (3). No mesmo tom, “O Esta- o País. Poucos haviam ouvido, antes, o seu nome,
do de S. Paulo” publicou um editorial onde defen-

96 - Revista do Clube Militar


embora não tivesse passado despercebido à acuida- toda a ordem jurídica.
de política de Tancredo Neves, que, em novembro Os problemas que lhe esperavam, porém,
de 1963, dissera a um grupo de políticos: eram enormes. A primeira condição, para a esta-
Se houver alguma complicação maior neste bilidade e para a retomada do desenvolvimento,
País, o nome que vai surgir como estrela de pri- consistia em repor a ordem no País. Mas, caber-
meira grandeza não é o de nenhum desses generais lhe-ia, também, estabelecer uma estratégia para o
que andam dando entrevistas. Quem vai aparecer desenvolvimento e assegurar o apoio político á es-
é o Chefe do Estado-Maior do Exército, General tratégica adotada.
Castello Branco (6). A par desses inúmeros problemas, caberia, ao
Voltado para a profissão e dotado de pro- Presidente recém-eleito, encontrar o ponto de equi-
fundo sentimento legalista, para Castello Branco líbrio entre as diferentes correntes revolucionárias.
a revolução visava a repor a Nação na ordem ju-
rídica consentânea com as aspirações e realidade, (1) Lacerda, C: Análise de uma Provocação,
estabelecer a ordem pública, dignificar o compor- Tribuna da Imprensa de 26 de agosto de 1967. (2)
tamento ético na administração do País e superar O Estado de S. Paulo, de 5 de abril de 1964. (3) O
as diversidades socioeconômicas regionais, a fim Estado de S. Paulo, de 4 de abril de 1964. (4) Edito-
de que o Brasil amadurecesse como nação integra- rial de O Estado de S. Paulo, de 5 de abril de 1964.
da e desenvolvida. Como diz Luiz Vianna Filho, (5) Alfred, S.: Os militares na política, Ed. Arteno-
Castello estava convicto de que afastado Goulart e va, RJ., pág. 153. (6) Vianna Filho, L.: O Governo
eliminados da vida pública alguns elementos per- Castello Branco, Liv. José Olímpio Editora, 1975,
turbadores, governaria com tranqüilidade, mantida Vol. I, pág. 47.

Foto: Manchete, 1964

Edição Especial - 97
98 - Revista do Clube Militar
A Eleição de Castello Branco
Diário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 106.

A Verdade ocultada por interesse ideológi- 361 votos a favor do então General de Exér-
co: o que se vai consagrando como “golpe militar” cito Castello Branco, 5 votos a favor de outros can-
foi o resultado de uma eleição indireta, para preen- didatos e apenas 72 abstenções confirmaram a von-
cher cargo vago pelo voluntário abandono do País, tade popular, a favor do movimento de 1964, pelos
do Presidente Goulart, sem autorização do Con- representantes do povo no Congresso. Nas páginas
gresso. seguintes, a comprovação.

NOTA DO EDITOR: O Presidente Castello Branco foi eleito com maciça presença
do Colégio Eleitoral. Não houve deposição do Presidente Goulart. Ele abandonou o País
sem nenhuma satisfação ao Congresso. Com o cargo declarado vago, realizou-se a eleição
indireta para eleger um Presidente por prazo limitado. Como candidatos concorreram:
o General de Exército Castello Branco, o General de Exército Juarez Távora e o General
de Exército e Ex-Presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra. A vitória do Presidente Castello
Branco obteve o apoio indubitável da maioria dos congressistas (361), havendo apenas 72
abstenções e cinco votos nos dois outros candidatos. O documento cuja cópia transcreve-
mos é um texto histórico de muito valor, por demonstrar o quanto a eleição do Presidente
Castello Branco foi referendada pela maioria do Colégio Eleitoral.

Edição Especial - 99
100 - Revista do Clube Militar
Diário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 94.

Edição Especial - 101


Diário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 99.

102 - Revista do Clube Militar


Diário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 106.

Edição Especial - 103


104 - Revista do Clube Militar
Desfazendo alguns mitos sobre 64

Heitor De Paola *

B
asta olhar quem hoje está no poder político ponte” aumentou sobremaneira a influência da
da Nação para perceber que são os derrotados URSS na América Latina. Os jornais noticiavam
militarmente em 64 que venceram uma das diariamente as tentativas de derrubada do governo
batalhas mais importantes: a cultural. Refugiando-se legitimamente eleito da Venezuela, País chave pela
nesta área negligenciada pelos governos militares, e produção petrolífera. O próximo objetivo estraté-
baseando-se na desinformação e nas teses de Gramsci, gico era o Brasil, País imenso, já em fase inicial de
passaram a escrever grande parte da história, princi- industrialização e cujas Forças Armadas representa-
palmente aquela de alcance público, acadêmico e nas vam um poderoso obstáculo à penetração comunis-
escolas de todos os níveis, novelas e minisséries de ta no Continente.
TV. Tornaram-se “donos” dos significados das pala- Outro fator só mais recentemente veio à luz,
vras. Temos hoje muito mais mitologia induzida do devido à defecção de Anatoliy Golitsyn, oficial gra-
que história ocorrida. É trabalho para décadas – se duado da KGB. Em 1959, durante o período de de-
houver liberdade para tanto – desfazer todos os mi- sestalinização da URSS, Alieksandr Shelepin apre-
tos dos chamados “anos de chumbo”. Darei minha sentou um relatório ao Comitê Central do PCUS
modesta contribuição, falando daquilo que vivenciei. mostrando a necessidade de que os órgãos de segu-
As opções políticas na década de 60 rança voltassem a suas funções originais de desin-
Um dos mais caros mitos é o de que militares formação, exercidas pela OGPU (1922-34). A partir
maldosos, aliados à “burguesia” nacional “ameaça- de então, toda notícia do mundo comunista era ba-
da em seus privilégios” – e subordinados às deman- seada em informações emanadas e/ou alteradas pelo
das maquiavélicas dos EEUU – resolveram abortar Departamento D (Desinformatziya) da KGB.
pelas armas a política conduzida por um governo 25 de agosto de 1961, renúncia que marca
legítimo e que atendia aos “anseios populares”. um momento importante. O Vice, João Goulart,
Em primeiro lugar, nega-se o fato de que em encontrava-se na China e declarou que iria coman-
1959 a geopolítica da América Latina havia vira- dar o processo de “reformas sociais” tão logo assu-
do do avesso pela tomada do poder em Cuba por misse. Os ministros militares e amplos setores civis
Castro, que logo assumiu sua condição de comu- se opuseram à posse de Jango por suas notórias
nista e se aliou à URSS. Seguiu-se um banho de ligações com a esquerda. Seu cunhado Brizola, Go-
sangue de proporções inimagináveis – do qual é vernador do Rio Grande do Sul reagiu, o Coman-
proibido falar! – e a lenta e progressiva instalação dante do III Exército, Gen Machado Lopes, ficou
na ilha de numerosos instrutores soviéticos que do lado dele e o Brasil esteve à beira da guerra civil.
adestraram tropas cubanas e formaram e exporta- A Força Aérea chegou a dar uns tiros no Palácio
ram guerrilheiros e terroristas, e re-estruturaram o Piratini. Brizola tomou todas as rádios de Porto
sistema de Inteligência. Através desta “cabeça de Alegre e obrigou as demais a entrarem em cadeia,

Edição Especial - 105


a Cadeia da Legalidade! E lá estava eu, “comandan- Num encontro em Pelotas, onde eu estudava
do” uma mesa em plena rua, a uns 4ª C, com uma Medicina, com o último Ministro da Educação do
lista de assinaturas para quem quisesse “pegar em Jango, Sambaqui, no início de março, ele nos re-
armas pela legalidade”, atuando em conjunto com velou que tudo começaria com o comício marcado
membros do extinto PCB. Com a emenda parla- para o dia 13, em local proibido para manifestações
mentarista tudo se acalmou, mas, em janeiro de 63, públicas (em frente ao Ministério da Guerra) já em
num plebiscito nada confiável, o País retorna ao desafio aberto e simbólico à lei, e seria continuado
Presidencialismo. pelo levante dos sargentos do Exército e da Marinha
Fiz parte da Juventude Trabalhista e só não en- – formando verdadeiros soviets – e pelos Fuzileiros
trei para os Grupos dos 11, do Brizola, sobre os quais Navais em peso, comandados pelo “Almirante do
hoje quase se nada se ouve, porque não tinha idade Povo”, Aragão. Pregava-se a subversão da hierarquia
e, portanto, não era confiável. No início dos anos 60 e disciplina militares. Seguir-se-ia pelo já programa-
o hoje santificado Betinho, junto com o Padre Vaz, do discurso de Jango no Automóvel Clube do Bra-
elaborou o “Documento Base da Ação Popular (AP)”, sil. A pressão final sobre o Congresso seria em abril
que previa a instalação de um governo socialista cristão e maio: se não aprovasse as “reformas de base” seria
no Brasil. Mas o documento em que a AP se declarava fechado com pleno apoio popular.
francamente a favor da instalação de uma ditadura ao Na mesma época, participei de uma ação co-
estilo maoísta foi mantido secreto até para os militantes mandada por um agitador da Petrobrás e da SU-
da base. Só vim a ter contato com ele através de Duarte PRA (Superintendência da Reforma Agrária), em
Pacheco (um dos membros do Comando Nacional de Rio Grande, pela encampação da Refinaria de Pe-
AP) em agosto de 65, quando eu já era mais “confiá- tróleo Ipiranga o qual, num discurso na Prefeitura,
vel”. O documento, que era obviamente o produto de declarou que a República Socialista do Brasil estava
uma luta interna na esquerda mundial, defendia a luta próxima. As ocorrências de março só confirmaram
em três etapas: reivindicatória (movimentos populares, a conspiração acima mencionada. No comício do
greves); política (início das guerrilhas no campo, como dia 13 Brizola pregou o fechamento do Congresso
na China e Vietnã) e ideológica (a formação do Exérci- se não aprovasse as tais “Reformas de Base” (na lei
to Popular de Libertação). Contrariava a teoria do foco ou na marra) – ninguém me contou, eu ouvi no
guerrilheiro, preferida por Guevara e Debray. rádio. Prestes dizia que os comunistas já estavam no
O MASTER (nome do MST da época), do Bri- Governo, só faltava tomarem o Poder.
zola, invadia terras no RS (como a do Banhado do Co- Não havia, pois, opção democrática alguma.
légio, em Camaquã) e as Ligas Camponesas, de Francis- Restava decidir se teríamos o predomínio dos comu-
co Julião, com apoio explícito do Governador Arraes, nistas ou uma reedição do Estado Novo ou de uma
no Nordeste. A CGT, (presidida por Dante Pelacani), ditadura peronista, chefiados por Jango. As passea-
a UNE (José Serra) propunham abertamente um golpe tas civis estavam nas ruas exigindo o fim da baderna e
com fechamento do Congresso. Armas tchecas come- em apoio ao Congresso. Sugerir que se devia esperar
çaram a surgir. O ano de 1963 foi uma agitação só. que Jango desse o golpe para depois tirá-lo, me parece
O movimento estudantil, do qual posso falar, estava uma idéia legalista infantil, pois então teria que ser
dividido entre a Ação Popular (AP) e o PCB. Quem muito mais cruento. Foi, na verdade, um contragolpe
não viveu aqueles tempos dificilmente pode imaginar cívico-militar preventivo.
o nível de agitação que havia por aqui. O reinício das
aulas em março de 64 praticamente não houve. *O autor é médico, escritor e foi Vice-Presidente da UNE

106 - Revista do Clube Militar


Deformações da História do Brasil:
o governo Goulart, o mito das reformas de base e o maniqueísmo
historiográfico em torno do movimento militar de 1964
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira, professor de Economia Política no Uniceub (Brasília)
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com/)

O maniqueísmo em torno do golpe ram derrotados nos embates e nas crises políticas
de 1964: uma historiografia enviesada que dividiram o Brasil no início dos anos 1960.
Ocorre no Brasil, provavelmente, um dos poucos
A mesma “fatalidade histórica” que atingiu exemplos na História onde a escrita dessa história
a historiografia francesa em relação à revolução de foi e vem sendo feita, não pelos vencedores dos
1789 – considerada até os anos 1960, na visão mar- embates, mas por aqueles que foram vencidos, não
xista consagrada, um movimento da classe burgue- tanto pela força das armas, mas pela realidade dos
sa contra o “feudalismo” do Antigo regime – pa- fatos e pela vontade da sociedade nacional.
rece ter ocorrido igualmente no Brasil, em relação A abordagem que privilegia a visão dos ven-
ao movimento político-militar de março-abril de cidos está claramente presente na maior parte dos
1964 que derrocou o governo de João Goulart e livros didáticos e paradidáticos que são utilizados
inaugurou o regime dos generais-presidentes. Com nos cursos do ensino médio e universitário, além
uma diferença essencial, porém: sem ter conhecido de impregnar praticamente a maior parte do ma-
as correções revisionistas que, desde Alfred Cob- terial de cunho jornalístico que é disseminado em
ban (1964) até François Furet (1978), permitiram círculos mais amplos da sociedade nacional. Em-
retificar as distorções simplistas de historiadores bora algumas obras especializadas – como a bio-
marxistas como Albert Soboul (1962) sobre o mo- grafia de Marco Antonio Villa sobre João Goulart
vimento francês, a historiografia brasileira sobre o (2004), por exemplo – possam exibir uma visão
golpe de 1964 continua a ser predominantemente mais matizada a respeito das crises que marcaram
“jacobina”. processo político, entre 1961 e 1964, levando em
Aliás, se a historiografia em torno dos even- conta as divisões existentes na classe política e na
tos de 1964 – não estritamente, dos eventos que sociedade, naquela conjuntura, a grande maioria da
precederam o golpe, mas também do seu imediato literatura atual e dos artigos de opinião continua
seguimento – fosse apenas “jacobina” talvez isso a entreter aquele tipo de interpretação simplista
pudesse representar algum progresso epistemoló- que, invariavelmente, apresenta a “burguesia” (sic),
gico no tratamento desses processos e eventos de ou os capitalistas, aliados ao latifúndio e à direita
nossa história. Na verdade, as interpretações exis- militar, todos eles incitados, ou até guiados, pelo
tentes no Brasil em torno do movimento militar imperialismo americano, como os ferros de lança
são claramente deformadas e enviesadas segundo da “reação” (re-sic) contra o governo “progressista”
uma única interpretação, a da esquerda, ou seja, (tri-sic) de Goulart.
aquela escrita pelos grupos e movimentos que fo- São estes os livros, justamente, que moldam

Edição Especial - 107


as “explicações” em torno da crise política que per- Pouco se fala, nessa literatura, sobre o proje-
meou o período completo do governo Goulart e to político real da maior parte dos opositores do
seu desdobramento militar sob a forma de um gol- regime militar e da “dominação imperialista”, que
pe apoiado por parte substancial da opinião públi- era o da instauração de uma “democracia popu-
ca naquela conjuntura. Esse tipo de literatura não lar” muito alinhada com os países do socialismo
é apenas dominante nos relatos históricos sobre a real e, portanto, de implementação de um modelo
época; ela também tende a orientar as atuais polí- econômico totalmente enquadrado nos cânones do
ticas de “memória histórica” expressas em certas estatismo exacerbado e empenhado na contenção,
iniciativas das correntes de esquerda que dominam e provavelmente na extinção, do sistema de eco-
o governo e o sistema político brasileiro, sob a he- nomia de mercado no Brasil. Não há, tampouco,
gemonia do Partido dos Trabalhadores desde 2003 nenhuma visão critica sobre o desastre econômico,
(como a parcialíssima “Comissão da Verdade”, por político e moral – com o imenso custo humano
exemplo, em total contradição com o seu nome – desses regimes de cunho totalitário, que, ainda
oficial e em absoluta oposição ao equilíbrio da ver- hoje, são vergonhosamente vistos sob uma perspec-
dade histórica). tiva positiva nesse tipo de subliteratura engajada.
A visão consagrada nesses livros didáticos Meio século depois do movimento político-
e paradidáticos sobre aquele período é, sintoma- militar de 1964 que derrubou o governo Goulart,
ticamente, a de um vigoroso movimento de mas- são poucos os exemplos de obras não passionais,
sas apoiando um governo comprometido com as ou isentas, sobre as causas profundas, as circuns-
chamadas ‘reformas de base’ – agrária, tributária, tâncias exatas e a complexidade intrínseca desse
eleitoral, universitária, habitacional –, supostamen- processo que marcou indelevelmente a sociedade
te lutando para concretizar as aspirações do povo brasileira – e a classe acadêmica, obviamente – du-
brasileiro, mas tendo de enfrentar uma coligação rante todo o seu decorrer e no período subsequen-
agressiva de latifundiários, de industriais, de da te, até os dias atuais. Mesmo uma obra relativa-
“grande imprensa” e seus aliados imperialistas, re- mente recente – como o manual de Adriana Lopez
presentados pelo governo dos EUA e suas agên- e de Carlos Guilherme Mota, História do Brasil:
cias (CIA, adidos militares, etc.). As deformações Uma Interpretação (2008) –, que poderia ter ofere-
históricas da literatura têm prolongamento na fase cido uma visão não passional e não ideológica so-
ulterior, não apenas na avaliação da ação políti- bre as origens e itinerário do regime de 1964-1985,
ca de oposição ao governo militar por parte dos sucumbe aos conceitos típicos da tradição “jacobi-
antigos aliados e membros do governo Goulart, na” – os de autocracia burguesa e de contrarrevo-
como também na apresentação da atuação da fra- lução preventiva, por exemplo, introduzidos por
ção da esquerda que rompeu com a ação puramen- Florestan Fernandes (1976) – para caracterizar um
te política e adotou o caminho da luta armada, movimento civil-militar que é visto unicamente no
seguindo o modelo cubano ou maoísta. Segundo contexto da Guerra Fria. De fato, como afirmado
essa visão, os grupos políticos e as personalidades na obra de Lopes e Mota, “o movimento coloca-
que lideraram a resistência armada contra o regime va o País nos quadros da dominação americana”
militar passaram a ser identificados com supostos (2008, p. 799), retomando, assim, a interpretação
defensores da liberdade e da democracia, ainda que maniqueísta do golpe.
poucos deles tenham deixado evidências materiais Um livro que tentava um interpretação
dessa luta “democrática” contra o regime militar. mais ou menos isenta do processo de lutas po-

108 - Revista do Clube Militar


líticas que levaram ao desfecho de 1964, o de a pobre produção histórica que se seguiu.
Thomas Skidmore (1967) sobre a história política As principais obras representativas da didá-
brasileira de Getúlio a Castelo Branco, nunca foi, tica histórica, a partir de meados dos anos 1960,
na verdade, bem aceito pelos acadêmicos brasilei- foram caracterizadas por um marxismo vulgar de
ros, a despeito de se ter convertido numa espécie baixíssima qualidade, quase nenhuma pesquisa de
de referência geral para o estudos dessas décadas arquivo (e um apoio quase exclusivo em alguns
da Era Vargas. Atente-se que seu titulo original “mestres” do pensamento nacional, independente-
– Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment mente da defasagem metodológica de suas obras,
in Democracy – era bastante pessimista sobre as velha de algumas décadas), poucas bases empíricas
chances de se ter no Brasil um sistema político de- e o pavoroso espírito maniqueísta que seria de se
mocrático estável, considerando o autor que ape- esperar na subliteratura histórica que passou a ser-
nas vivíamos impulsos democráticos e crises re- vir de referência aos estudantes brasileiros a partir
correntes num longo continuum autoritário, que do final dos anos 1960. Pode-se dizer que, mesmo
é inaugurado pelas intervenções militares desde o sem levar em conta suas orientações políticas e ide-
início da República. Na mesma época, aliás, esta- ológicas, essa produção é de muito baixa qualidade
vam sendo publicados os primeiros livros da série intrínseca, mas é ela que continua a moldar, ainda,
histórica de Leôncio Basbaum, "História Sincera as interpretações correntes sobre o período militar
da República (1957 a 1968)", situado nas antípo- no Brasil.
das da interpretação de Skidmore. Essa produção
acadêmica por um dos mais conhecidos militan- Mitos do governo Goulart: refor-
tes do comunismo brasileiro pode ser legitima- mas de base e autonomia frente ao im-
mente considerada como o equivalente, no Brasil, pério
da historiografia jacobina francesa, com todos os
maniqueísmos e simplificações a que se tem direi- Invariavelmente, esse tipo de mito sobre o
to nesse tipo de literatura: na verdade, se tratava golpe militar de 1964 começa com a ascensão das
mais de uma compilação de obras secundárias do lutas sociais pelas reformas de base – sendo a prin-
que um trabalho original, conservando apenas o cipal delas a reforma agrária – e contra a domina-
parentesco com a versão jacobina da história pelo ção estrangeira, lutas que vão se acelerando desde
uso dos conceitos e categorias marxistas e pela o segundo governo Vargas e que culminam no go-
abordagem classista do processo histórico. verno de seu sucessor trabalhista, João Goulart. As
Se é possível identificar um Albert Soboul questões nacionais daquela conjuntura seriam as
nacional, este seria representado pelo historia- da aliança do latifúndio com o imperialismo e a da
dor de origem militar Nelson Werneck Sodré, subordinação da burguesia nacional a esse esque-
que encarnou como poucos, entre nós, a visão ma espúrio e antinacional. Os movimentos pro-
soviética da história. Entretanto, pela riqueza gressistas estavam engajados no rompimento dessa
de sua escritura, pela ampla cultura clássica e aliança e na construção de uma aliança de classes
pelo seu conhecimento aprofundado da litera- que viabilizasse o desenvolvimento do Brasil em
tura original das eras colonial e independente, bases propriamente nacionais.
Werneck Sodré podia ser considerado um inte- O livro símbolo daquele momento, mais do
lectual de primeira linha, quase um erudito da que qualquer manual de história ou compêndio de
produção historiográfica, na comparação com política aplicada, era um panfleto chamado “Um

Edição Especial - 109


dia na vida de Brasilino”, um típico exemplo de autores referem-se a “uma variadíssima gama de
nacionalismo piegas e de anti-imperialismo infan- testas-de-ferro de empresas multinacionais” ou a re-
til. Brasilino é um brasileiro médio que, desde o presentantes da ‘burguesia nacional’ – em especial a
momento em que acorda até a hora de se deitar, paulista – “com mentalidade dos tempos da pedra
consome produtos de marcas estrangeiras e, as- lascada” (p. 782). Os autores registram, pelo menos,
sim, está o tempo todo pagando dividendos ao o depoimento de Darcy Ribeiro que informa que
capital estrangeiro, como explica repetitivamente “líderes das Ligas Camponesas haviam se desloca-
o seu autor após cada ato de consumo do ‘herói’ do para Goiás à procura de bases para guerrilhas,
da história. A moral da história, inversamente ao ‘com apoio do governo cubano’” (p. 783). Esse tipo
que se poderia esperar de uma análise estritamente de alusão ao modelo revolucionário cubano como
econômica, que revelaria as fragilidades da indús- caminho para o processo de ascensão das massas
tria nacional, é, obviamente, a de que o Brasil está brasileiras ao poder político nacional é, contudo,
dominado pelo capital estrangeiro, e que todos os raro na literatura disponível a respeito, que se con-
brasileiros são, como Brasilino, cúmplices da ‘ex- tenta em reproduzir a versão sobre a oposição dos
ploração’ da pátria por esses interesses defraudado- “reacionários” às grandes reformas “progressistas”
res da riqueza nacional. de Goulart, sobretudo a agrária.
Outro mito propagado nesse tipo de litera- Quase não existem traços de uma avaliação
tura constitui o da conjunção de interesses entre, equilibrada, ou seja razoavelmente crítica, em rela-
de um lado, os capitalistas nacionais, os militares ção ao governo de Goulart e seus inúmeros equí-
e políticos entreguistas, sem falar dos reacionários vocos econômicos, políticos e administrativos.
do campo e da cidade, em primeiro lugar os la- Praticamente nenhum deles menciona a inflação
tifundiários, e, de outro lado, os representantes galopante, o descontrole orçamentário, o clima po-
do capital estrangeiro e os próprios enviados do lítico de conflitos quase diários no campo e na ci-
império, com destaque para os agentes da CIA e dade, a perda de autoridade do governo em relação
os adidos militares da Embaixada americana, que às corporações do Estado, enfim, o ambiente de
foram os que induziram seus colegas brasileiros ao desorganização progressiva da vida nacional. Tudo
golpe. Nem todos os didáticos históricos apresen- se resume a um complô de reacionários nacionais
tam o golpe de 1964 como tendo sido teleguiado e aliados estrangeiros contra um governo progres-
de Washington, mas todos eles, invariavelmente, sista. De fato, mesmo um protagonista direto dos
referem-se ao aumento da ‘pressão externa’ e aos acontecimentos, o então chefe da Casa Civil Darcy
preparativos para a intervenção norte-americana, Ribeiro, pretende, em um livro-depoimento (1985,
como elementos decisivos na decisão dos militares verbete 1811) que:
brasileiros que derrubaram Goulart. O importante é que o governo de Jango
Depois de tantos avanços na historiografia não caiu em razão de seus eventuais defeitos; ele
nacional, é constrangedor constatar que, mesmo foi derrubado por suas qualidades: representava
um compêndio atual, como o já citado livro de uma ameaça tanto para o domínio norte-america-
Adriana Lopez e de Carlos Guilherme Mota, Histó- no sobre a América Latina como para o latifúndio.
ria do Brasil: Uma Interpretação, reproduz chavões
que se pensava afastados das interpretações mais Esse tipo de avaliação complacente, e pro-
recentes desse processo histórico. Citando vários fundamente equivocada, sobre as supostas virtudes
nomes da vida pública e acadêmica brasileira, os do governo Goulart, visto como uma vítima ino-

110 - Revista do Clube Militar


cente das forças conjugadas dos latifundiários, dos tanto de construção quanto de aluguéis – em vis-
empresários e políticos ‘entreguistas’, dos testas-de- ta das ameaças de intervenção nos contratos e nas
ferro das multinacionais e dos interesses poderosos condições dos negócios habitacionais; a deteriora-
do império, constitui a versão corrente da historio- ção no balanço de pagamentos, com redução de ex-
grafia dita ‘progressista’, num tipo de simplismo portações, ausência de empréstimos internacionais
explicativo que fica bem aquém, pela sua grosseira e a situação de virtual insolvência nas obrigações
contradição com os fatos, das interpretações jaco- externas; enfim, um conjunto de indicadores eco-
binas originais, relativas à historiografia tradicio- nômicos, políticos e sociais não apenas negativos
nal da Revolução francesa. Em versões ainda mais no curto prazo, mas potencialmente indutores de
simplificadas e maniqueístas, ela frequenta a maior instabilidade social e política e de grave crise eco-
parte da produção didática sobre a história política nômica, que, aliás, já estava em curso quando os
da transição da República de 1946 para o regime militares decidiram se mobilizar.
militar.
Raramente esse tipo de literatura destaca, Goulart e o caos político: instabi-
não as qualidades, mas os defeitos reais do caótico lidade econômica, incapacidade de re-
governo Goulart, sua incompetência administrati- formar
va, a ignorância econômica do presidente, seu total
descaso ou desinteresse pelo equilíbrio das contas As ditas ‘reformas progressistas’ do Gover-
públicas, o loteamento de cargos em função de cri- no Goulart foram mais anunciadas – e mais pro-
térios puramente personalistas, a tolerância com priamente agitadas, notadamente no famoso co-
a inflação e a desordem nas agências do Estado, mício da Central do Brasil, em 13 de março de
a indiferença em relação às sucessivas quebras da 1964 – do que propriamente implementadas, seja
hierarquia e da disciplina – princípios básicos – nas por manifesta incompetência do presidente e seu
Forças Armadas, bem como, nos últimos meses, governo, seja pela falta de base congressual, e de
o incitamento à divisão política e social no país, apoios sociais mais explícitos, o que as condenou
com as promessas de realização das ‘reformas de a permanecer o que sempre foram: meros slogans
base’, ainda que contra os preceitos constitucionais de agitação política para tentar, desesperadamente,
e os processos legislativos normais. Poucos desses encontrar algum suporte na sociedade, à falta de
autores lembram que a inflação anualizada para consenso nas bases políticas tradicionais. O que é
1964 aproximava-se perigosamente de 100% – num um fato, e que a historiografia complacente não
contexto de ausência completa de mecanismos cor- aborda com clareza, é que o governo Goulart, a
retores ou de indexação de valores e contratos, o exemplo de tantos congêneres populistas na região
que fez cair a níveis irrisórios os volumes de pou- e alhures, dividiu a sociedade ao meio e foi incapaz
pança privada. Poucos, ainda, são os historiadores de traçar um plano claro, implementável, de refor-
que registram a queda nas taxas de investimento mas políticas, sociais e econômicas dentro de uma
e de crescimento econômico, com a retração do perspectiva realista de um país capitalista da peri-
capital estrangeiro e a fuga de capitais nacionais, o feria, introduzindo uma agenda semi-socialista que
desestímulo à produção agrícola ou manufatureira muito fez, justamente, para dividir a sociedade.
nacional – em virtude dos controles de preços que Como sempre ocorre nos momentos de di-
começavam a ficar extensivos e arbitrários; sequer ficuldades econômicas, líderes políticos populistas
se menciona: a paralisia nos mercados imobiliários, buscam um bode expiatório para os problemas,

Edição Especial - 111


atribuindo sua origem a fatores externos ou aos Celso Furtado, por sua vez, é ainda hoje sau-
‘inimigos do povo’, como fez Goulart nesse discur- dado como um grande economista nacionalista e
so da Central do Brasil. Indiferente às verdadeiras desenvolvimentista, esquecendo-se seus defensores
causas do desabastecimento alimentar e da alta de de destacar sua postura essencialmente complacen-
preços, ou preferindo ignorar as responsabilida- te com a erosão inflacionária – que ele via como
des do próprio governo para a construção de um um mal menor, em função do objetivo maior do
cenário que anunciava contenção dos ganhos dos crescimento, do emprego e da renda dos trabalha-
ricos e limitação da remessa de lucros por parte dores – o que pode estar na origem da tolerância
dos investidores estrangeiros, ele prometia ser rigo- histórica no Brasil com altas taxas de inflação, uma
roso contra os especuladores e sonegadores: “Ação das causas principais, justamente, da concentração
repressiva, povo carioca, é a que o governo está de renda e da manutenção de vastos estratos sociais
praticando e vai ampliá-la cada vez mais e mais na pobreza crônica. Ele é especialmente lembrado
implacavelmente, assim na Guanabara como em pelo seu Plano Trienal, aliás sabotado pelo próprio
outros estados contra aqueles que especulam com presidente, que não pretendia fazer um esforço
as dificuldades do povo, contra os que exploram o mínimo que fosse pelos objetivos modestamente
povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam estabilizadores desse plano frustrado a poucos me-
com seus preços”. ses de seu lançamento. Cabe, talvez, reproduzir a
A historiografia complacente é totalmen- síntese a respeito desse plano econômico vitimado
te acrítica em relação aos fracassos do governo pela política viciada do governo Goulart, feita por
Goulart, notadamente em estabilizar a economia, este mesmo autor, em trabalho publicado em obra
controlar a inflação e retomar as altas taxas de coletiva (Almeida, 2008).
crescimento do governo Kubitschek, que ficou na Em contraste com o nítido sucesso do Plano
história, justamente, por combinar desenvolvimen- de Metas, o Plano Trienal de Desenvolvimento Eco-
to econômico com estabilidade política (Benevi- nômico e Social, elaborado em apenas três meses
des, 1976). Duas das personalidades mais saudadas por uma equipe liderada por Celso Furtado no final
do governo Goulart, San Tiago Dantas e Celso de 1962, para já subsidiar a ação econômica do go-
Furtado, foram especialmente infelizes na tenta- verno João Goulart no seu período presidencialista
tiva de implementar programas de estabilização (em princípio de 1963 a 1965), sofreu o impacto da
monetária, de reformas essenciais e de crescimento conjuntura turbulenta em que o Brasil viveu então,
econômico: a ambos faltou o apoio do presidente tanto no plano econômico como, em especial, no
na implementação de medidas que eram absolu- âmbito político. O processo inflacionário e as cri-
tamente necessárias para desviar o país da rota da ses políticas com que se defrontou o governo Jango,
hiperinflação, do estrangulamento externo, do des- combinaram-se para frustrar os objetivos desenvol-
controle orçamentário e do caos social. O primei- vimentistas do plano, que buscava retomar o ritmo
ro lutou bravamente no governo e no Congresso de crescimento do PIB da fase anterior (em torno de
para promover medidas realistas de reformas ma- 7% ao ano), ao mesmo tempo em que pretendia, pela
croeconômicas e setoriais, que ele identificava com primeira vez, contemplar alguns objetivos distributi-
uma agenda para a ‘esquerda positiva’, mas se viu vistas. Estavam previstos, em seu âmbito, a realização
confrontado com o desinteresse do presidente e a das chamadas “reformas de base” (administrativa,
exacerbação de radicalismos que levaram o Brasil bancária, fiscal e agrária), ademais do reescalonamen-
ao desfecho inglório de 31 de março de 1964. to da dívida externa (Macedo, 1975: 51-68).

112 - Revista do Clube Militar


Era um plano de transição econômica, não de, os investimentos privados cresceram 14% nesse
de planejamento macro-setorial, e sua interrupção, ano, mas eles tinham caído 10% no ano anterior,
antes mesmo da derrocada do governo Goulart, contra um decréscimo de 18% nos investimentos
torna difícil uma avaliação ponderada sobre seus públicos em 1963. Em síntese, o plano falhou em
méritos e defeitos intrínsecos (como o problema seu duplo objetivo de vencer a inflação e promover
das economias de escala no caso da indústria de o desenvolvimento, mas as causas se situam aci-
bens de capital). Ele partia, em todo caso, do mo- ma e além de sua modesta capacidade em ordenar
delo de “substituição de importações” e da noção a atuação do Estado num contexto político que
de que os “desequilíbrios estruturais” da economia tornava inócua a própria noção de ação governa-
brasileira poderiam justificar uma elevação persis- mental.
tente no nível de preços, de conformidade com al-
guns dos pressupostos da teoria estruturalista que Desmontando os mitos: uma aná-
disputava, então, a primazia conceitual e política lise das ‘reformas progressistas’
com a teoria monetarista, que era aquela preconi-
zada pelo FMI e seus aliados nacionais (já objeto Uma exposição crítica das famosas ‘refor-
de notória controvérsia no anterior governo JK). mas de base’ do governo João Goulart revelaria,
O processo inflacionário era, em parte, atribuído a no entanto, que elas eram nada mais do que uma
“causas estruturais” do setor externo (esquecendo o assemblagem oportunista de diversos objetivos ge-
efeito do ágio cambial sobre os preços internos) e, rais, sem qualquer detalhamento específico e sem
em parte, ao déficit do Tesouro como decorrência qualquer iniciativa concreta no plano parlamentar.
dos altos investimentos realizados (mas a unifica- De fato, poucas foram as medidas encaminhadas
ção cambial também privou o Estado de uma fonte sob a forma de projetos de lei ao Congresso, para
de receita substancial, sem considerar a questão sa- sua tramitação legislativa normal, mas muitos fo-
larial, tratada de modo pouco responsável). ram os discursos e anúncios feitos geralmente de
Em qualquer hipótese, os objetivos contra- forma bombástica para encantar plateias de apoia-
ditórios do Plano Trienal (reforma fiscal para ele- dores ou de já convencidos de sua ‘necessidade’.
vação das receitas tributárias, mas inibição do in- Algumas, aliás, foram anunciadas às pressas, como
vestimento privado; redução do dispêndio público no famoso discurso da Central do Brasil (no dia
via diminuição dos subsídios ao trigo e ao petró- 13 de março), já numa fase de desespero político
leo, mas política de recuperação salarial; captação pela degringolada visível do governo junto aos
de recursos no mercado de capitais, sem regulação congressistas e militares; entre elas estavam as de-
adequada e sem remuneração compensatória da sapropriações de terras que ladeavam rodovias e
inflação; mobilização de recursos externos num ferrovias nacionais para fins de reforma agrária –
ambiente de crescente nacionalismo e hostilidade ‘contra a Constituição’, se fosse preciso, como se
ao capital estrangeiro), ademais da aceleração do jactou o presidente – e a estatização de refinarias
processo inflacionário (73% em 1963, contra 25% de petróleo, numa conjuntura em que a Petrobras
previstos no Plano), condenaram-no ao fracasso se encontrava periclitante, depois de mais de dez
antes mesmo que o governo Goulart fosse derruba- presidentes em menos de nove anos.
do numa conspiração militar. A economia cresceu Quais eram, finalmente, as famosas ‘reformas
apenas 0,6% em 1963, como reflexo do baixo nível de base’ do governo Goulart? Elas são sumariamen-
de investimentos realizado no período: na verda- te apresentadas abaixo – a partir de Lopez-Mota

Edição Especial - 113


(2008, p. 779), tal como originalmente apresenta- 2) Reforma Agrária, facilitando aos
das no livro-depoimento de Darcy Ribeiro (1985, trabalhadores rurais acesso à terra, atacan-
verbete 1725, “1963, as reformas de Jango”) – se- do os latifúndios improdutivos ao instituir o
guidas de comentários sobre o significado de cada uso lícito da terra.
uma delas (talvez com o benefício do chamado
hindsight – ou seja, o viés da visão retrospectiva Como escreveu um historiador brasileiro de
– mas, em todo caso, de maneira o mais possível tradição marxista, Caio Prado Jr. – que, aliás, reco-
objetiva). mendava uma reforma agrária de cunho essencial-
mente capitalista, e nem sempre pela simples repar-
1) Reforma Urbana, com vistas a defi- tição de terras –, o Brasil careceu, desde os tempos
nir uma Lei do Inquilinato que melhorasse coloniais, de uma verdadeira categoria assimilável,
as condições de vida da classe média não- em linha de princípio, aos camponeses no sentido
proprietária e dos trabalhadores. clássico da palavra, uma vez que os camponeses
livres ou os trabalhadores rurais não pertencentes
As promessas de Goulart, no comício do dia a um latifundiário, ou não assalariados, sempre
13 de março, eram diretas: “Dentro de poucas ho- foram, em sua opinião, marginais, estrutural e his-
ras, [um] decreto será dado ao conhecimento da toricamente falando. Não lhe parecia, assim, que
Nação. É o que vai regulamentar o preço extor- uma reforma agrária ao estilo mexicano ou russo
sivo dos apartamentos e residências desocupados, poderia ser aplicada no Brasil de modo economica-
preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, mente racional e socialmente sustentável. Caio Pra-
oferecidos até mediante o pagamento em dólares.” do dizia (1966) que uma solução capitalista – via
Se tratava da fixação, segundo critérios políticos, melhoria das condições de trabalho sob um regime
de tetos máximos de reajuste para os aluguéis, salarial – poderia cumprir as funções econômicas
com determinação igualmente política de um teto essenciais para a constituição desse mercado inter-
máximo para a aferição dos valores de mercado no capitalista que não tinha sido possível consti-
do metro quadrado, para construção ou aluguel; tuir no tempo histórico de formação da sociedade
as medidas seriam supostamente completadas por brasileira.
programas de construção de casas populares sub- Em outros termos, se a reforma agrária tinha
sidiadas. O resultado prático do anúncio foi a pa- sido uma necessidade em outros tempos, talvez a
ralisação da construção imobiliária, uma retração sua oportunidade já tivesse passado e caberia exa-
do mercado de aluguéis, o desenvolvimento de um minar as outras possibilidades de modernização
mercado negro de contratos fraudados nesse setor econômica e social no campo, compatíveis com
e uma carência habitacional ainda maior do que a uma moderna economia capitalista, em vista da
existente no período anterior. A fixação de tetos inexistência já referida da classe camponesa tradi-
máximos para os aluguéis, se implementada, signi- cional. Assim, se havia algum sentido de “justiça
ficaria uma intromissão do governo no patrimô- social” na distribuição de terras, esse tipo de medi-
nio de particulares (para todos os efeitos equipara- da poderia revelar-se não funcionalmente eficiente
dos a “rentistas”, quando muitos eram, na verdade, nas condições concretas da economia brasileira da
cidadãos de classe média tentando complementar segunda metade do século XX. O que existia, sim,
salários, pensões ou aposentadorias oficiais noto- era uma demanda por trabalho e renda no campo,
riamente insuficientes). sem que os demandantes tivessem, contudo, con-

114 - Revista do Clube Militar


dições técnicas e competência profissional para se justo que o benefício de uma estrada, de um açude
estabelecerem como “camponeses capitalistas” de ou de uma obra de saneamento vá servir aos inte-
modo pleno, sem requerer assistência contínua e resses dos especuladores de terra, que se apodera-
apoio financeiro do Estado, o que não necessaria- ram das margens das estradas e dos açudes.” Ele
mente os transformaria em camponeses bem suce- prometia, então, que em 60 dias, com a ajuda das
didos, mas provavelmente em eternos dependentes Forças Armadas, começaria o trabalho de demar-
do apoio estatal. cação e atribuição das terras assim designadas para
Em paralelo, havia, claro, uma enorme de- a sua reforma agrária relâmpago. Reiterando suas
manda política pela reforma agrária, mas isso promessas, afirmou: “A reforma agrária deve ser
correspondia mais aos movimentos políticos or- iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos
ganizados em busca de uma agenda qualquer de grandes centros de consumo, com transporte fácil
“transformação social” do que propriamente a para o seu escoamento.”
uma necessidade estrutural daqueles mesmos que Não é possível saber que destino e que traje-
seriam objeto da “reforma agrária”. Ou seja, era tória teriam tido a expropriação e a distribuição de
uma boa agenda eleitoral, e de agitação ideológica, terras “valorizadas”, segundo o programa de refor-
oportunamente explorada pelos movimentos em ma agrária de Goulart, já que ela sequer chegou a
questão de esquerda. ser implementada. Ademais dos imensos problemas
João Goulart, em seu famoso discurso da logísticos que tal medida em favor do “povo” acar-
Central do Brasil falou da reforma agrária como retaria, em vista da completa incapacidade da Su-
um espécie de “abolição do cativeiro para dezenas pra em administrar um processo dessa magnitude,
de milhões de brasileiros que vegetam no interior, havia o obstáculo do impedimento constitucional
em revoltantes condições de miséria”, o que era da expropriação de terras sem prévia indenização
absolutamente verdade, mas sem que isso pudesse em dinheiro, tal como estabelecido pelos consti-
implicar em que essas dezenas de milhões de bra- tuintes de 1946. Provavelmente ela teria conduzido
sileiros se convertessem, da noite para o dia, em a difíceis batalhas legais no Supremo, além de al-
camponeses prósperos ou minimamente indepen- guma exacerbação da violência no próprio campo,
dentes da ajuda estatal. O que ele pretendia, através a supor que o Exército teria efetivamente servido
de um decreto da Superintendência da Reforma de guarda pretoriana da Supra na sua tentativa de
Agrária, era expropriar terras às margens das ro- acelerar a redenção do “povo rural”.
dovias e ferrovias para entregá-las a “camponeses” Em todo caso, o governo militar do general-
pobres, num gesto cheio de demagogia e de incon- presidente Humberto de Alencar Castello Branco
sequências: “O que se pretende com o decreto que adotou, como uma de suas primeiras medidas de
considera de interesse social para efeito de desa- reforma estrutural, o Estatuto da Terra, que pre-
propriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, tendia eliminar o latifúndio pela via da imposição
leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras fiscal e da sua inviabilização patrimonial mediante
beneficiadas por obras de saneamento da União, é condicionalidades produtivas, ou seja, uma típica
tornar produtivas áreas inexploradas ou subutiliza- reforma capitalista. Quaisquer que tenham sido
das, ainda submetidas a um comércio especulativo, os resultados desse instrumento de reestruturação
odioso e intolerável.” agrária, o tema não deixou de ter sua forte conota-
O vezo demagógico de sua proposta transpa- ção política e ideológica durante todo esse tempo,
recia na imediata sequência de seu discurso: “Não é até os dias que correm, quando um movimento

Edição Especial - 115


neobolchevique ainda diz pretender realizar a ‘re- ele pretendia assegurar a todos o direito à educação
forma agrária’ com os mesmos métodos e objeti- de qualidade. Supostamente, isso se faria pela am-
vos já inoperantes e economicamente irrelevantes pliação das universidades públicas e pela democra-
de meio século atrás. tização do acesso, o que permaneceu indefinido até
que o governo militar decidiu instituir o vestibular
3) Reforma Político-Eleitoral, insti- como método universal, e meritório em seu recru-
tuindo o voto aos analfabetos. tamento impessoal, de seleção na entrada, cabendo
depois resolver o problema das vagas e da qualida-
Medida justa, em sua franquia universal – de do ensino. O que seria possível prever, mesmo
tanto que foi adota na democratização –, ainda na continuidade do regime democrático no Brasil,
que ela viesse acoplada de uma exigência desca- seria a grande expansão do ensino universitário,
bida, que ainda hoje desperta um sentimento de demanda universal da classe média e dos estratos
caução: “que a todos seja facultado participar da urbanos da classe média baixa.
vida política através do voto, podendo votar e ser O que os militares fizeram foram enormes
votado”. De fato, Goulart pretendia que “Nesta investimentos na pós-graduação, ao lado de um re-
reforma, pugnamos pelo princípio democrático, lativo descaso com os ciclos inicial e secundário da
princípio democrático fundamental, de que todo educação, com consequências danosas nas décadas
alistável deve ser também elegível.” O princípio é que se seguiram. Independentemente dos regimes
meritório, mas admitir parlamentares, prefeitos ou militares e civis, e de sua orientação mais estatizan-
vereadores analfabetos, ou semialfabetizados, pode te ou liberal, a educação nos dois primeiros níveis
não ser o melhor caminho para o bom exercício de continuou a se deteriorar continuamente no Bra-
um cargo público e o aperfeiçoamento da máqui- sil, ao passo que a democratização do acesso ao en-
na administrativa, bem como seu funcionamento sino superior, assegurado pela expansão sobretudo
adequado, naquela época ou ainda hoje. Um dos privada da oferta de vagas, foi acompanhada da
aspectos mais deletérios do perfil da representação perda de qualidade dos quadros docente e discente,
parlamentar na atualidade é, justamente, ademais o que é de certa forma natural e esperado, num
da tendência exagerada ao corporatismo e à frag- movimento desse tipo. A melhoria da qualidade
mentação das bancadas políticas numa miríade da produção científica não encontrou correspon-
de interesses paroquiais, a tolerância dos tribunais dência na transposição desse conhecimento para o
eleitorais com candidatos semialfabetizados, ou aparelho produtivo, e o Brasil segue dependente de
praticamente analfabetos funcionais, ascendendo tecnologia e know-how estrangeiros.
aos cargos de representação e, em diversos casos, a Em qualquer hipótese, teria sido altamente
chefias de executivos em aglomerações do interior. improvável que um governo Goulart levado a seu
termo tivesse alterado significativamente a qualida-
4) Reforma Educacional, para ampliar de do ensino no Brasil, em qualquer nível. O mais
a rede pública, assegurando a todos o direito provável é que ele teria contribuído com sua dete-
à Educação com qualidade, dentro dos prin- rioração mais rápida, em vista do exacerbado corpo-
cípios do Estado laico. rativismo sindical já presente e de suas conhecidas
orientações populistas, incompatíveis com um en-
Os princípios e as intenções sempre foram sino adaptado aos requerimentos de uma sociedade
vagos, e o governo Goulart nunca explicitou como de mercado competitiva como deveria ser o Brasil.

116 - Revista do Clube Militar


Mencione-se a propósito, que com todo o au- da dos países ricos – com uma renda per capita seis
toritarismo do regime militar, este esteve mais pró- vezes menor –, paga o preço dessa expansão des-
ximo de cumprir certas exigências de uma moder- mesurada do Estado, que, contrariamente ao que
na economia competitiva – sobretudo ao estimular se pretendia, correspondeu a um crescimento da
a pós-graduação – do que todo o primitivismo corrupção (natural, já que o Estado manipula um
ingênuo (ou maoísta) de um Paulo Freire, disse- volume maior de recursos, com mais funcionários
minado pelos pedagogos típicos desses ambientes e canais de intermediação).
fortemente ideologizados e sindicalizados. O desas-
tre educacional teria sido bem maior e teria vindo 6) Reforma Bancária, para ampliar o
provavelmente mais rápido. O problema básico da crédito e financiamento às forças produti-
educação no Brasil é a afirmação do mérito, algo a vas, abaixando e controlando os juros.
que se opõem virulentamente sindicalistas e parti-
dários da isonomia absoluta. O Brasil nunca tinha tido, de fato, um
mercado de créditos efetivo e um sistema ban-
5) Reforma Administrativa, para mo- cário digno desse nome; desde o Império, a ca-
dernizar o corpo funcional, racionalizando rência de capitais foi uma constante em nossa
a máquina do Estado e combatendo a cor- história. Era, portanto, mais que justificado que
rupção. o governo Goulart pretendesse fazer uma refor-
ma bancária para ampliar o crédito e financiar a
Nada mais meritório e nada mais necessário, produção, mas o sentido adotado para isso era
aliás ainda hoje. Como para o problema educacio- deliberadamente enviesado para abaixar os ju-
nal acima mencionado, o mais provável teria sido ros, mantendo-os controlados por mera volição
uma deterioração do serviço público, em função administrativa. O Brasil, na verdade, precisava
do corporativismo exacerbado que já vigorava nos mais do que uma reforma do sistema bancário:
tempos de Kubitschek e caminhou para seu pon- ele tinha de passar por uma reforma econômica
to máximo no governo Goulart. A orientação tec- radical, que deveria começar por uma reforma
nocrática do regime militar, aliás condizente com monetária, fiscal e orçamentária, estabelecendo
a própria natureza das Forças Armadas, levou a as bases de um sistema financeiro competitivo
uma modernização sensível do aparelho de Esta- e aberto, com baixo grau de extração tributária
do, ainda que pela via autoritária, e com imensas e de requerimentos de financiamento por parte
restrições ideológicas, típicas da mentalidade estrei- do Estado, o que contribuiria, justamente, para
tamente anticomunista então vigente. Os militares, manter em níveis moderados os juros bancários.
na verdade, mesmo tendo modernizado o Estado, O que eleva os juros é a dívida pública e a falta
ampliaram exageradamente seu escopo e abrangên- de concorrência no sistema bancário, não a ga-
cia, entrando nas mais diversas áreas de natureza nância dos banqueiros, como parecia acreditar o
diretamente produtiva. O resultado foi uma eleva- governo Goulart. Controle de juros, assim como
ção da carga fiscal de menos de 13% para mais de o controle de câmbio geram distorções no cam-
24% do PIB, servindo em parte para investimentos po econômico, e são inócuos, já que um mercado
produtivos, mas em grande medida também para a paralelo – de financiamento ou cambial – se co-
manutenção do próprio Estado. A sociedade brasi- locaria como alternativa informal à determina-
leira, já premida por uma carga tributária próxima ção governamental.

Edição Especial - 117


7) Reforma Tributária, para corrigir redemocratização de 1985-88, não em favor dos
as distorções da tributação entre proprietá- contribuintes – como seria legítimo esperar – mas
rios e assalariados. em benefício dos estados e municípios, que foram
os próximos responsáveis pelo desastre fiscal no
Certamente necessária, aliás indispensável, Brasil dos anos 1980 e início dos 90, até serem
já que a estrutura existente em 1964, preservando contidos, parcialmente, pela Lei de Responsabili-
impostos anacrônicos que vinham do Império ou dade Fiscal de 2000. Atualmente, é altamente du-
do início da República, era altamente disfuncio- vidoso que uma reforma tributária seja conduzida
nal do ponto de vista da produção, do consumo no Brasil, e se ela for feita, mais uma vez não será
e da renda. Mas, essa distinção feita na proposta em benefício dos produtores e consumidores e,
entre proprietários e trabalhadores é reveladora da sim, obviamente, em favor das unidades da fede-
visão distorcida que mantinham seus defensores, ração.
indicando um desejo pouco disfarçado de taxar O mais provável que aconteça é uma “pro-
os detentores de patrimônio – ou seja, o estoque gressividade extratora” pelos anos à frente, ou seja,
de riqueza existente na economia – em lugar de um aumento contínuo, ainda que gradual, da car-
estimular a produção, para então taxar os fluxos ga fiscal. Desde a Constituição, ela já aumentou
de riqueza criados. dez pontos percentuais do PIB, equiparando-se
Não se sabe qual seria, exatamente, a propos- atualmente ao nível médio da OCDE, em torno
ta de reforma tributária do governo Goulart, além de 38% do PIB, dez pontos acima da média dos
desses instintos predatórios ou retaliatórios con- países em desenvolvimento e outros dez pontos
tra os proprietários e os “rentistas”, que seriam os acima dos países de maior dinamismo e cresci-
banqueiros, assimilados a exploradores do povo. mento econômico. Como os órgãos de “repres-
Ele sequer apresentou um projeto ao Congresso são” tributária são altamente eficientes no Brasil,
e era altamente duvidoso que o fizesse; mesmo o mais provável é que a esquizofrenia fiscal tenha
que o tivesse feito, era altamente aleatório ou to- ainda um grande espaço para se exercer no futuro
talmente improvável que tal projeto conseguisse imediato e de longo prazo. O Brasil apresenta os
ser aprovado no ambiente de profundo dissenso sintomas de uma bomba-relógio fiscal em forma-
congressual daqueles anos. ção – excesso de gastos e baixo crescimento – o que
O governo militar, ou mais exatamente o deve manifestar com maior intensidade nos anos
grupo de tecnocratas competentes que cuidavam à frente.
da área, efetuou profunda reforma tributária, in-
troduzindo princípios de tributação – como o do 8) Reforma Militar, para permitir a
valor agregado – que seriam depois adotados em participação dos suboficiais na política.
outras economias avançadas. O sentido foi con-
centrador e “extrator”, já que o Estado passou a Tema altamente demagógico, e que não cons-
assumir funções econômicas crescentes, mesmo tituía, propriamente, uma reforma militar, mas
se, mais adiante, a carga fiscal diminuiu relativa- um simples expediente eleitoreiro, apelando para
mente, substituída pelo endividamento interno e uma categoria corporativa suscetível de apoiar po-
externo. líticos populistas. Nas condições do Brasil do iní-
A centralização tributária operada pelo re- cio dos anos 1960, e do ambiente militar (com gre-
gime militar foi depois parcialmente revertida na ves de sargentos), serviu para agravar ainda mais

118 - Revista do Clube Militar


o ambiente já efervescente nas casernas, desde o nua a fazer parte dos slogans de demagogos ana-
retorno dos trabalhistas ao poder. Às vésperas do crônicos, que aliás reconhecem a necessidade de o
golpe militar – que na verdade começou com uma Brasil fazer apelo a capitais estrangeiros, mas que
marcha sobre o Rio de Janeiro, de um comandan- continuam a demonstrar seu ódio a capitalistas es-
te de unidade militar baseada em Minas Gerais, trangeiros, numa esquizofrenia típica dos incultos
forçando os demais comandantes a tomar posição em economia elementar.
– uma assembleia de marinheiros na ex-capital do
país confirmava esse rompimento da hierarquia e Balanço econômico do governo
da disciplina militares, num grau inaceitável para Goulart: os que os indicadores reve-
os princípios institucionais das Forças Armadas. lam

9) Reforma do Capital Estrangeiro, Sem pretender criticar mais uma vez a visão
para mudar as relações e contratos com em- pouco complacente da maior parte da literatura a
presas multinacionais, regulados pela Lei respeito do governo Goulart, e deixando de lado
de Remessa de Lucros. a postura acrítica de muitos autores em relação
às chamadas reformas de base e às posições alega-
Não se tem ideia de qual reforma se estava damente “progressistas” desse governo, cabe vol-
falando, mas a intenção seria limitar a remessa de tar, pela sua importância intrínseca em relação ao
lucros e controlar ainda mais os contratos e as bem-estar e oportunidades de emprego e de renda
atividades das empresas estrangeiras. Uma lei es- para a maior parte da população, à administração
pecífica que regulava a atração e o tratamento do da economia nacional nos anos Goulart. Cabe re-
capital estrangeiro no Brasil, cuja tramitação tinha gistrar, em primeiro lugar, que o Brasil vinha de
sido iniciada em 1961, tinha sido aprovada em um período de excepcional crescimento econômi-
1962, mas jamais foi promulgada pelo presidente co – não exatamente o dos “cinquenta anos em
Goulart, tendo isso sido feito pelo Congresso dois cinco”, como pretendia a publicidade forçada em
anos depois, para ser depois modificada no início torno do Plano de Metas de JK – mas de uma
do governo militar. Essa lei de 1964 não mudou expansão real do produto na segunda metade da
em sua essência, a não ser a partir dos anos 1990, década anterior, em quase todas as áreas e setores
para ampliar o acesso dos brasileiros a divisas e da economia Entre 1955 e 1961 – com a única ex-
a operações cambiais. Na verdade, essa “reforma” ceção de 1956, que sucedeu justamente, à crise da
era outra medida demagógica de Goulart, que nis- eleição de JK – o PIB cresceu a uma média de 8%
so seguia o estilo de seu antigo mentor, Getúlio ao ano, com picos para a indústria de 16,8% em
Vargas, que regularmente arengava as massas com 1958 e três anos seguidos, de 1957 a 1959, acima
o seu nacionalismo primário, colocando a culpa de 10% para os serviços.
dos problemas econômicos do Brasil na “cobiça A “herança maldita” de JK foi a aceleração
do capital estrangeiro” e nos “lucros exorbitantes” da inflação – estimulada sobretudo pela constru-
das empresas estrangeiras. Esse tipo de acusação ção de Brasília, feita à margem do orçamento e
totalmente irracional no plano econômico – e sem contra o orçamento – e o desequilíbrio nas contas
qualquer justificativa no terreno da modernização externas, basicamente em função do gesto dema-
tecnológica e dos ganhos com exportações, sempre gógico de JK de “romper” com o FMI – que se-
associados aos investimentos estrangeiros – conti- gundo ele queria “impedir o desenvolvimento do

Edição Especial - 119


Brasil” – apenas porque o organismo de Bretton
Woods pretendia um pouco de ordem nas con-
tas públicas, como condição para aprovar emprés-
timos condicionais de ajuda emergencial para o
pagamento das obrigações externas, ou seja, algo
totalmente razoável, mas que o presidente não
desejava cumprir. A passagem meteórica de Jânio
Quadros pela presidência – de janeiro a agosto
de 1961 – permitiu algumas reformas importan- Os dados oficiais do IBGE para alguns des-
tes, que tinham se tornado inadiáveis – como a ses anos são ainda mais negativos, uma vez que o
unificação do câmbio, que funcionava em regime crescimento do PIB teria sido de apenas 0,6% em
de taxas múltiplas desde a passagem de Oswaldo 1963 e a produção industrial teria, na verdade, caí-
Aranha pelo ministério da Fazenda, no segundo do à taxa negativa de -0,2% em 1963. À vista desses
governo Vargas, mais exatamente em 1953 –, e um números, não se pode considerar a gestão econô-
início de reforma tarifária, além de pretender ex- mica de Goulart um sucesso, muito ao contrário,
pandir o comércio exterior brasileiro em todas as provavelmente um desastre. As tão trombeteadas
direções, inclusive com os países da então chama- quanto desconhecidas reformas de base só ocorre-
da “cortina de ferro”. riam, efetivamente, sob os governos militares, que
O ambiente macroeconômico deteriorou-se alteraram as bases e o modo de funcionamento da
sensivelmente entre 1961 e 1964: a inflação e os política econômica e o papel do Estado. A carac-
desequilíbrios do setor externo, o estrangulamen- terística essencial dessa política econômica sob o
to cambial e o saldo (na verdade déficit) do ba- regime militar foi a centralização e a estatização,
lanço de pagamentos agravaram-se enormemente algo, aliás, muito próximo da ideologia socialista
nesses anos; a instabilidade econômica gerou vo- defendida pelos antigos líderes populistas, e que
latilidade e incertezas, que determinaram fuga de os militares recusavam absolutamente nos planos
capitais e desinvestimento. A rigor, não se pode político e cultural durante seu longo período no
dizer que 1961 e 1964 devam ser colocados sob o comando da nação.
domínio da política econômica de Goulart, pois De fato, parece surpreendente que o regime
que ele assumiu em setembro de 1961, manieta- militar tenha realizado muitos dos objetivos eco-
do por um sistema parlamentarista do qual ele se nômicos estatizantes que a esquerda defendia aber-
desvencilharia apenas em janeiro de 1963, e dei- tamente antes (e depois) do regime militar. Duran-
xou de governar no final de março de 1964. Mais te o período, a esquerda condenou as políticas de
importante ainda: Goulart teve vários ministros “arrocho salarial”, de repressão aos movimentos
da Fazenda, e mudou várias vezes a orientação da sociais e de subordinação dos sindicatos de traba-
política econômica, ademais de não respeitar or- lhadores ao Estado, práticas que todos os regimes
çamentos. socialistas sempre mantiveram em todos os expe-
Consideremos, assim, os anos de 1962 a 1964 rimentos históricos conhecidos, em escala muito
como ‘influenciados’, pela política econômica de mais ampla do que qualquer ditadura capitalista
Goulart, sendo que os anos de 1962 e 1963 caem ou economia de mercado. O regime militar brasi-
inteiramente sob sua responsabilidade. Quais são leiro – é verdade que com base no endividamento
os números econômicos desses anos? interno e externo – levou o Brasil a taxas de cresci-

120 - Revista do Clube Militar


mento jamais vistas, antes e depois, na economia Na verdade, pode-se dizer que o governo Gou-
brasileira: 10,4 em 1970, 11,3% em 1971, 11,9% lart caiu bem mais em virtude do caos econômico e
em 1972 e, no auge de um ciclo que não mais se social criado durante sua administração – ademais,
repetiria, 14% em 1974. No plano mundial, apenas no plano político e das instituições, pela quebra de
a China, bem mais tarde, reproduziria taxas susten- hierarquia registrada nos meios militares – do que
tadas nesses picos durante muito tempo. em função das alegadas tendências comunistas das
Qualquer que seja o julgamento que se faça forças políticas engajadas em seu governo. Todos
dos “anos de chumbo”, durante a fase mais aguda estavam conscientes de que as Forças Armadas, de-
da ditadura militar, é um fato que a história desses pois do choque ocorrido com a Intentona Comu-
anos, como aliás, dos períodos anterior e posterior, nista de novembro de 1935, jamais permitiriam a
está sendo escrita desde uma perspectiva de esquer- adesão do Brasil a um regime execrado pela maior
da, ou pelo menos “progressista”. Essa história, até parte das elites responsáveis do país.
pelo fato de que seus produtores se julgam (talvez Quanto às alegações de que o golpe foi “tra-
corretamente) opositores do regime militar, é deci- mado em Washington”, elas não resistem a um
didamente enviesada contra esse regime, ao mesmo exame mais sério da documentação disponível, e
tempo em que é profundamente leniente ou to- constituem, na verdade, uma ofensa aos militares
lerante em relação aos anos Goulart, considerado brasileiros e a todos aqueles líderes econômicos
geralmente como um período de “florescimento e políticos preocupados com os rumos tomados
democrático” e de “conquistas políticas e sociais”. pelo Brasil a partir da volta ao presidencialismo,
Essa literatura descura por completo a incompe- em janeiro de 1963, e no início de 1964, com o
tência econômica e administrativa desses anos. acirramento das promessas de Goulart de efetuar
Não se pode dizer que o democratismo caó- as reformas de base “na lei ou na marra”, como
tico dos anos Goulart contribuiu para reduzir os aliás pregava Brizola. Não que o governo america-
altos níveis de desigualdade social e de concentra- no fosse indiferente ao itinerário político do Bra-
ção da renda; ao contrário, já que a aceleração da sil, naqueles anos de acirramento da Guerra Fria, a
inflação trouxe, na verdade, uma elevação do coe- partir da Revolução cubana e do aprofundamento
ficiente de Gini, o índice que mede a concentração do radicalismo antissoviético e revolucionário dos
de renda. A inflação atinge basicamente os mais dirigentes da China comunista. Mas imaginar que
pobres, ao atuar como imposto sobre seus rendi- os militares brasileiros tomassem ordens de Wa-
mentos, embora não se possa descurar o peso da shington para derrubar o presidente legal – mas, a
(falta de) educação no perfil concentrado da dis- rigor, pouco legítimo, a partir de certa fase – é não
tribuição de renda, em todas as épocas. O único apenas contrário aos registros históricos, mas abso-
plano de estabilização econômica consequente ela- lutamente ridículo no contexto dos conflitos polí-
borado durante a fase parlamentarista do governo ticos então em curso naquele início de 1964. É co-
Goulart, o plano Trienal – sob a responsabilidade nhecido, por exemplo, que a alta cúpula das Forças
do ministro extraordinário para o planejamento, Armadas hesitava bastante quanto às respostas a
Celso Furtado, que pretendia que ele fosse também dar às investidas de Goulart em assuntos militares
de desenvolvimento –, foi, de fato, sabotado pelo – como a participação política de suboficiais, por
próprio presidente, que não pretendia submeter- exemplo –, mas seria preciso lembrar, igualmente,
se aos rigores de alguma contenção na emissão de a ação – esta, sim, conspiratória, dos três gover-
moeda, por mínima que fosse. nadores dos mais importantes estados brasileiros

Edição Especial - 121


(Carlos Lacerda, na então Guanabara, Magalhães to econômico e estabilidade política
Pinto, em Minas Gerais, e Ademar de Barros, em (1956-1961). São Paulo: Paz e Terra, 1976.
São Paulo), que praticamente forçaram os militares COBBAN, Alfred. The Social Interpre-
a se posicionar ante a deterioração da situação polí- tation of the French Revolution. Cambridge:
tica e econômica naquela conjuntura. Os três, aliás, Cambridge University Press, 1964.
eram fortes candidatos nas eleições presidenciais FERNANDES, Florestan. A Revolução
ainda programadas para 1965, e viam com preocu- Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
pação o favoritismo de JK, cuja candidatura já era sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, l976.
considerada como praticamente vitoriosa. FURET, François Furet. Penser la Révolu-
Concluindo, pode-se dizer que a subliteratu- tion française. Paris: Gallimard, 1978.
ra existente nos manuais escolares de história ou LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilher-
de ciências humanas em torno do movimento mi- me. História do Brasil: Uma Interpretação.
litar que derrocou o regime Goulart e deu início a São Paulo: SENAC-SP, 2008.
um regime autoritário de duas décadas não serve à MACEDO, Roberto B. M. “Plano Trienal
história nem à memória correta do Brasil do iní- de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-
cio dos anos 1960, uma sociedade em rápida tran- 1965)”. In: LAFER, Betty Mindlin (org.). Planeja-
sição para a industrialização, mas ainda atrasada mento no Brasil. 3ª ed.; São Paulo: Perspectiva,
nos planos agrícola, tecnológico, político e social. 1975, p. 51-68.
É correto dizer que a história é feita de mitos – he- PELÁEZ, Carlos M.; SUZIGAN, Wilson.
róis nacionais, episódios gloriosos de um passado História Monetária do Brasil. 2a. ed.; Brasília, Edi-
incerto, etc. – mas neste caso específico os mitos tora da UnB, 1981.
em torno de 1964 são especialmente mistificadores PRADO Jr., Caio. A Revolução Brasilei-
e deformadores da história real. Está em tempo de ra. São Paulo: Brasiliense, 1966.
encerrar essa subliteratura e começar a escrever a RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barran-
história seriamente. cos: como o Brasil deu no que deu. Rio de Ja-
neiro: Guanabara, 1985.
Hartford, 15 de março de 2014 SKIDMORE, Thomas E. Politics in Brazil,
1930-1964: An Experiment in Democracy.
Bibliografia citada: Nova York: Oxford University Press, 1967.
ALMEIDA, Paulo Roberto. “Planejamento SOBOUL, Albert: Histoire de la Révolu-
Econômico no Brasil: uma visão de longo pra- tion française. Paris: Editions Sociales, 1962.
zo, 1934-2006”. In: PEIXOTO, João Paulo (org.). VILLA, Marco Antonio. Jango: um perfil
Governando o Governo: modernização da (1945-1964). Rio de Janeiro: Globo, 2004.
administração pública no Brasil. São Paulo:
Atlas, 2008, p. 71-106.
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da
República. 4 volumes, publicados de 1957 a 1968;
republicados em várias edições pela Editora Alfa-
Ômega, de São Paulo.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita.
O Governo Kubitschek: Desenvolvimen-

122 - Revista do Clube Militar


Os Governos do regime instaurado
pelo Movimento Democrático de
31 de Março de 1964
Ulisses Lisboa Perazzo Lannes *

Desencadeada para impedir a implanta- Figueiredo, governou durante seis anos sem
ção de um totalitarismo de esquerda, o Mo- nenhum dos poderes discricionários outorga-
vimento demoraria muito mais do que o ini- dos por atos revolucionários.
cialmente previsto e desejado por seus líderes Não parece justo, portanto, acoimar de
para devolver o poder a um civil eleito demo- ditatorial um regime que exigiu o rodízio
craticamente. de lideranças, não praticou o culto da per-
A causa principal do alongamento do sonalidade, não adotou o modelo do partido
regime reside, sem dúvida, na necessidade de único, manteve os instrumentos de legalidade
enfrentar a subversão e a luta armada, inten- formais e, por fim, auto-limitou-se. Mais uma
sificadas a partir de 1968 por organizações vez, a palavra do jornalista Roberto Marinho
comuno-terroristas. Pela mesma razão, viu-se ilustra e esclarece:
obrigado a lançar mão, em momentos extre- “Não há memória de que haja ocor-
mos, de recursos amargos para impedir o país rido aqui, ou em qualquer outro país, um
de mergulhar em prolongada guerrilha urba- regime de força, consolidado há mais de
na e rural, deflagrada com o claro objetivo vinte anos, que tenha utilizado seu pró-
de implantar no país a “ditadura do proleta- prio arbítrio para se auto-limitar, extin-
riado”. E foi somente pela ação determinada guindo os poderes de exceção, anistiando
dos governos revolucionários que esse intento adversários, ensejando novos quadros
fracassou, e o Brasil não foi oprimido pelo partidários, em plena liberdade de im-
desumano, totalitário, atrasado e inviável re- prensa. É esse, indubitavelmente, o maior
gime comunista. feito da revolução de 1964.” (Julgamento da
Não obstante o necessário e eventual Revolução - O Globo - 7 de outubro de 1984)
uso de medidas de força, o Movimento de 31 Os êxitos ... e os equívocos. Ao
de Março sempre teve como meta o restabe- restabelecer o clima de ordem e paz e o prin-
lecimento pleno da democracia. Aliás, é bom cípio da autoridade, o período revolucionário
lembrar que seu último Presidente, o General propiciou profundas, benéficas e duradou-

Edição Especial - 123


ras transformações para o país. Nunca an- Diante de tão expressivas e incontes-
tes, na história deste país (e nem depois), táveis realizações, não é exagero afirmar-se
viveu-se tempo de tão acelerado progresso que os governos nascidos do Movimento de
e concretas realizações. O quadro abaixo, 31 de Março de 1964 modernizaram o Es-
por exemplo, permite esclarecedora compa- tado brasileiro e plantaram as bases físicas
ração: que, ainda hoje, alicerçam a caminhada do
Período 1964/84 1985/89 1990/94 1995/02 2003/07 2008/12
país ao encontro do pleno desenvolvimen-
Média/Ano 6,29 4,39 1,24 2,31 3,78 3,22 to, como sociedade livre e democrática.
Taxa Média/Ano de Crescimento Econômico Real Expresso em % do PIB - Fonte: IBGE
Certamente, equívocos foram cometi-
Apresentando taxas de crescimen- dos. O principal deles, a prolongada exten-
to não mais atingidas, o Brasil passou do são do regime revolucionário — motivada
49º para o 8º lugar, entre as economias do pela necessidade de enfrentar a luta armada
mundo. Dentre outros feitos, a infraestru- — dificultaria o surgimento e a renovação
tura do país foi modernizada e ampliada; de legítimas lideranças políticas, forjadas
todas as capitais estaduais passaram a ser nos embates democráticos e afinadas com
interligadas fisicamente, por estradas de os ideais revolucionários. Há quase 30 anos,
muito boa qualidade; incorporou-se efetiva- os danosos efeitos desse fenômeno se fazem
mente a Amazônia ao patrimônio nacional; presentes na cena política brasileira. Outra
desenvolveram-se as indústrias naval e ae- crítica cabível reside no fato de a abertura
ronáutica; criaram-se a Empresa Brasileira política não ter sido precedida nem acom-
de Pesquisa Agrária e a Empresa Brasileira panhada pela abertura da economia. Erro,
de Telecomunicações; multiplicou-se por 9 aliás, exponenciado pelos governos civis que
a potência elétrica instalada, por 6 as re- se seguiram à Revolução, responsáveis pela
servas de petróleo e por 15 as receitas com edição de cinco planos envolvendo conge-
exportações; e as fronteiras econômicas ex- lamentos e confiscos, formas supremas de
pandiram-se, com a adoção do Mar de 200 ditadura econômica.
Milhas. O balanço, todavia, é inquestionavel-
Iguais êxitos foram alcançados na área mente positivo, e a análise isenta do perío-
social, por intermédio de medidas como, do revolucionário, “descompromissada com
por exemplo, a incorporação à Previdência o emocionalismo próprio dos perdedores”,
Social de 20 milhões de trabalhadores ru- certamente revela resultados extremamen-
rais; a promulgação do Estatuto da Terra; te favoráveis, muito diferentes da “versão
a criação de órgãos e instrumentos de ação construída pelas esquerdas, com bases em
social como o FGTS e o PIS/PASEP; e a ins- referências ideológicas inconsistentes e ul-
tituição do MOBRAL e do Projeto Rondon. trapassadas”.
* O autor é General de Divisão e Presidente do Conselho Editorial da Revista do Clube Militar.

124 - Revista do Clube Militar


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* O autor foi Ministro de Estado da Fazenda de 1967 a 1974, Ministro de Estado da
Agricultura (em 1979 e Ministro-Chefe) da Secretaria de Planejamento da Presidência
da República, de 1979 a 1985. (Depoimento ao Projeto História Oral do Exército.)

Edição Especial - 131


Realizações dos Governos do
Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964

132 - Revista do Clube Militar


Realizações dos Governos do
Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964

(Compilação de dados extraídos de livros, revistas, jornais e internet)

Ao iniciar-se o ciclo dos governos im- eficiente do que a criação de empregos).


plantados pelo Movimento de 31 de Março de → Crescimento sistemático da renda dos tra-
1964, o País ocupava a 45ª colocação, entre os balhadores de 3% ao ano, em termos reais.
maiores PIB do mundo. Ao encerrar-se o ciclo, → Criação do FGTS (Fundo de Garantia por
21 anos depois, o Brasil situava-se como a 8ª Tempo de Serviço), do PIS (Programa de Inte-
(oitava) maior economia mundial. gração Social) e do PASEP (Programa de For-
O restabelecimento e a preservação do cli- mação do Patrimônio do Servidor Público).
ma de ordem e tranquilidade e a condução das → Criação do INPS (Instituto Nacional de
atividades governamentais com honestidade de Previdência Social), do IAPAS (Instituto de Ad-
propósitos, competência e olhos postos somen- ministração Financeira da Previdência e Assis-
te na grandeza e nos interesses da pátria permi- tência Social, atual INSS – Instituto Nacional
tiram a concretização de notáveis realizações, de Seguro Social, após sua fusão com o INPS),
as principais das quais citadas a seguir. e da DATAPREV (Empresa de Processamento
→ Implementação das reformas administra- de Dados da Previdência Social, atual Empre-
tiva, agrária, bancária, eleitoral, habitacional, sa de Tecnologia e Informações da Previdência
política e universitária. Social).
→ Criação do Banco Central do Brasil (Dez 64) → Criação do FUNRURAL (Fundo de Assis-
e instalação do Conselho Monetário Nacional. tência ao Trabalhador Rural) - o maior progra-
→ Reforma do TCU (Tribunal de Contas da ma de transferência de renda da época, pois
União). antes dele os trabalhadores e trabalhadoras do
→ Reformulação do Código Tributário Na- campo não tinham direito a nada.
cional. → Regulamentação do 13º salário.
→ Aumento do PIB, chegando a 14% de cres- → Criação do BNH (Banco Nacional de Ha-
cimento. bitação).
→ Redução da inflação de quase 90% ao ano → Criação do SFH (Sistema Financeiro Ha-
para até 14%. bitacional) - que construiu mais de quatro mi-
→ Aumento das exportações, de 1,5 bilhões de lhões de casas e apartamentos para a classe po-
dólares para 37 bilhões. bre e média em todo país.
→ Criação de 15 milhões de empregos, entre → Criação do PROMORAR - Programa que
1967 e 1974 (não existe programa social mais erradicou as palafitas de várias favelas em todo

Edição Especial - 133


o Brasil como, por exemplo, a da Maré, no Rio → Criação de várias Universidades pelo Bra-
de Janeiro, e a de Alagados, na Bahia. sil, pois a demanda estava reprimida e quase
→ Construção de vários açudes no sertão nor- não havia crescimento de vagas. Com a criação
destino. de faculdades isoladas, o País teve um avanço
→ Criação do IBDF (Instituto Brasileiro de espetacular na formação superior, aumentando
Desenvolvimento Florestal). as matrículas de 100 mil, em 1964, para 1,3
→ Criação da EMBRAPA (Empresa Brasilei- milhões, em 1981.
ra de Pesquisa Agropecuária) - considerada no → Matrícula de mais de 10 milhões de estudan-
mundo todo como uma das maiores revoluções tes nas escolas - pela Lei 5692/71, universalizou-
tecnológicas ocorridas na agricultura no Sec se o acesso das crianças ao ensino fundamental.
XX. Isso possibilitou os sucessivos superávits → Criação do MOBRAL (Movimento Brasilei-
que ocorrem na balança comercial, sustentando ro de Alfabetização) - foi o maior movimento
o País até hoje. de alfabetização de adultos do século XX.
→ Criação do Estatuto da Terra e do INDA (Ins- → Criação do Projeto RONDON - que leva-
tituto Nacional de Desenvolvimento Agrário). va os universitários das áreas desenvolvidas às
→ Criação do Conselho Nacional de Poluição regiões carentes do País (especialmente Norte,
Ambiental. Nordeste e Centro-Oeste).
→ Criação do Banco da Amazônia. → Estruturação das grandes construtoras na-
→ Criação da Zona Franca de Manaus - que cionais, em face da participação nas grandes
permitiu o desenvolvimento da Região Norte. obras de infraestrutura realizadas no período.
→ Criação da SUDAM (Superintendência de → Expansão de todas as grandes siderúrgicas
Desenvolvimento da Amazônia). (CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, USI-
→ Código de Mineração. MINAS – Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais
→ Implementação do Crédito Educativo - uma S.A, COSIPA- Companhia Siderúrgica Paulista,
das maiores realizações no campo da educação. e outras), que fizeram o Brasil passar de crôni-
→ Fomento e financiamento de pesquisa: co importador para exportador de aço.
criação da FINEP (Financiadora de Estudos e → Criação da ELETROBRAS (Centrais Elétri-
Projetos) e reorganização do CNPq (Conselho cas Brasileiras S.A.).
Nacional de Pesquisa, atual Conselho Nacional → Criação da NUCLEBRAS (Empresas Nucle-
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) ares Brasileiras S/A) e subsidiárias.
e da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento → Construção das Usinas ANGRA I e AN-
de Pessoal de Nível Superior ), com grande in- GRA II.
cremento dos cursos de mestrado e doutorado. → Criação da EMBRATEL (Empresa Brasilei-
→ Estatuto do Magistério Superior. ra de Telecomunicações S.A.) e TELEBRAS (Te-
→ Criação do PAT (Programa de Alimentação do lecomunicações Brasileiras S. A.).
Trabalhador) e reorganização da CNME (Campa- → Criação e/ou fortalecimento das indústrias
nha Nacional de Merenda Escolar), atual PNAE aeronáutica (EMBRAER - Empresa Brasileira
(Programa Nacional de Alimentação Escolar). de Aeronáutica S.A.), naval (CASNAV - Centro

134 - Revista do Clube Militar


de Análise de Sistemas Navais e criação, am- coatiara/PA), Manaus-Porto Velho e Manaus–
pliação e modernização de estaleiros), bélica Caracaraí.
(IMBEL – Indústria de Material Bélico Brasil) → Implementação dos corredores de exporta-
e automotiva (a frota de veículos rodoviários ções de Vitória, Santos, Paranaguá e Rio Grande.
passou de 1,6 para 13 milhões). → Construção do Porto de Itaqui, no Mara-
→ Criação da INFRAERO (Empresa Brasilei- nhão, juntamente com o Projeto Carajás, com
ra de Infraestrutura Aeroportuária), proporcio- ferrovia de 800 km, que exporta para o mundo
nando a criação e modernização dos aeroportos todo e que ajuda a sustentar a balança comer-
brasileiros (Galeão, Guarulhos, Brasília, Con- cial brasileira.
fins, Viracopos/Campinas, Salvador, Manaus). → Construção de mais três portos (Aratu/BA,
→ Criação dos Centros de Lançamento Barrei- Forno/RJ e Tubarão/ES) e ampliação, reequi-
ra do Inferno/RN e Alcântara/MA. pamento e modernização dos demais, além da
→ Prospecção de petróleo em grandes profun- construção de terminais especializados para a
didades na bacia de Campos. movimentação de graneis sólidos e líquidos e,
→ Implementação dos Polos Petroquímicos de também, de terminais de contêineres.
Cubatão (São Paulo) e de Camaçari (Bahia). → Construção de eclusas na hidrovia Tietê-Pa-
→ A PETROBRAS aumentou a produção de raná e em Sobradinho (no Rio São Francisco)
75 mil para 750 mil barris/dia de petróleo. e início da construção em Tucuruí (no Tocan-
→ Criação do PRÓ-ALCOOL (atingiu 95% tins) e em Boa Esperança (no Rio Parnaíba).
dos carros, proporcionando grande economia → A frota mercante passou de 1,4 para 10 mi-
para o País) - hoje o combustível tem 25% de lhões de TPB.
álcool e a indústria automobilística utiliza mo- → A rede ferroviária foi ampliada de 3 mil km
tores bicombustíveis. e remodelada em 11 mil Km.
→ Construção das maiores usinas hidrelétri- → Construção do Tronco Principal Sul (TPS).
cas do mundo: Tucuruí, Ilha Solteira, Jupiá e → Produção de transporte pela Rede Ferrovi-
Itaipu, todas com as suas gigantescas linhas de ária Federal passou de 8,2 para 37,2 bilhões de
transmissão. TKU.
→ A rede rodoviária asfaltada passou de 18 → Criação da EBTU (Empresa Brasileira de
mil (sendo 12 mil federais) para 104 mil Km Transportes Urbanos).
(sendo 46 mil federais e 58 mil estaduais e mu- → Construção da Ponte Rio-Niterói (Ponte
nicipais). Presidente Costa e Silva).
→ Duplicação de rodovias como a Via Dutra → Implantação de metrôs e melhoramentos
e a Rio-Juiz de Fora. das linhas de trens metropolitanos: Rio de Ja-
→ Pavimentação de rodovias, tais como Be- neiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte,
lém-Brasília, Cuiabá-Porto Velho, Rio-Bahia li- Recife e Fortaleza.
torânea (BR 101) e Rio-Santos. → A Polícia Federal foi reformulada e ampliada.
→ Construção das rodovias Cuiabá-Santarem,
Transamazônica (entre Estreito/MA/TO e Ita-

Edição Especial - 135


Para a sua Estante

Três obras que não podem faltar na estante do leitor interessado em compreender os
acontecimentos que redundaram no Movimento Político-Cívico-Militar de 31 de Março de 1964

década de 1970, montaram uma versão mentirosa e de-


turpada dos fatos.
Era preciso restabelecer a VERDADE, para escla-
recer as jovens gerações. É a proposta deste livro, que
narra de modo preciso e sem paixões, os acontecimen-
tos como eles realmente ocorreram.

A Grande Mentira

Autor: Gen Agnaldo Del Nero Augusto


Editora: Bibliex Cooperativa
Sinopse: O livro descreve, de forma objetiva e com-
pleta, as tentativas de tomada do poder pelos comunis-
A Verdade Sufocada
tas. O autor assenta sua obra na sinceridade e na pesqui-
Autor: Carlos Alberto Brilhante Ustra
sa, esclarecendo e desmistificando fatos e verdades do
Editora: Ser
discurso das esquerdas brasileiras.
Sinopse: A obra permite ao leitor formar um verda-
Soljenitsin, prisioneiro por 38 anos dos campos
deiro juízo de valor sobre o que foi a revolução esquer-
de trabalho soviéticos e autor do livro “Arquipélago Gu-
dista no Brasil que culminou com a contrarrevolução
lag”, assim se expressou: “O pior do Comunismo não é
militar, bem como a realidade dos fatos daqueles anos
a opressão, é a mentira”.
conturbados e que hoje são bombardeados por versões
Com a mentira e valendo-se de técnicas psicológi-
enviesadas de uma esquerda mentirosa e revanchista.
cas de indução, os comunistas patrícios, com referência
O livro resgata a verdade de um período históri-
a sua atuação desde os primórdios até a guerrilha da
co totalmente distorcido por aqueles que hoje encobrem

136 - Revista do Clube Militar


os seus reais desígnios de transformar o Brasil em um comunistas planejavam desencadear naquela conjuntura
satélite do comunismo internacional, com a falácia de que julgavam oportuna, em face dos desmandos de toda
que lutaram contra uma ditadura militar para promo- ordem, sobretudo políticos e econômicos, bem como da
ver a liberdade e a democracia. falta de autoridade que o País mal suportava. Salomão
Em linguagem coloquial, A Verdade Sufocada narra o Malina, antigo Secretário-Geral do Partido Comunista
período pré-1964, quando a efervescência dos movimen- Brasileiro, em entrevista à imprensa, reconheceu que se-
tos subversivos e a influência de Cuba sobre os nossos tores do PCB, com a aprovação de Luiz Carlos Prestes,
comunistas quase conduziram o País ao caos; narra os conspiravam com aquele propósito, por isso que, ardi-
motivos que levaram os militares, apoiados pela mídia, losamente, iriam aproveitar-se do clima de agitação rei-
a pedido da sociedade, a desencadear a Contrarrevolu- nante, na maior parte, provocado pelo próprio governo.
ção de 1964. O Brasil caminhava, aceleradamente, para um desfecho
imprevisível, em virtude do ambiente de desordem ge-
neralizada que se agravara a partir de 1961. Entretanto,
os golpistas do “partidão” e seus aliados, mais uma vez,
como já acontecera em investidas anteriores, que a his-
tória registra em cores fortes, não souberam identificar,
na sociedade, a inquestionável repulsa a seus intentos
de subversão da ordem e extremada violência. Dessa
forma, entende-se o movimento de 31 de março, sem
qualquer dúvida, como uma contrarrevolução que veio
em socorro do povo brasileiro ameaçado seriamente
Orvil Tentativas de Tomada
pela baderna e pelo caos. Hoje, os integrantes da frente
do Poder
de esquerda, que se apresenta solidamente enquistada
no Poder, fiéis doutrinariamente à máxima de que os
Autor: Licio Maciel e José Conegundes Nascimento
fins justificam os meios, voltam-se, especialmente, para
Editora: Schoba
as novas gerações, cujas mentes buscam envenenar com
Sinopse: O Movimento Político-Cívico-Militar de 31
argumentação falaciosa, repetida à exaustão.
de março de 1964, que depôs João Goulart do cargo
de Presidente da República, impediu um golpe que os

Edição Especial - 137


138 - Revista do Clube Militar
História esquecida:
o 31 de Março de 1964
Luiz Eduardo Rocha Paiva*

O
regime militar teria sido um dos fatores determinantes do fortalecimento da democracia no
Brasil? Sim. De 1922 até 31 de março de 1964, o Brasil viveu sucessivas revoltas internas, devido
à debilidade das instituições para garantir a normalidade democrática em momentos de crises
políticas que, via de regra, tinham a participação das Forças Armadas.
Eram conflitos onde sempre havia chefes militares envolvidos na política partidária, que arrastavam
consigo parte da tropa numa demonstração de que o País não amadurecera para a democracia. Vários che-
fes, ainda no serviço ativo, participavam da política partidária não só como candidatos a cargos eletivos.
Havendo ou não honestidade de propósitos, ficavam prejudicados: o compromisso, que deveria ser exclu-
sivamente com a Nação; a dedicação, que deveria estar integralmente voltada para a missão constitucional;
e os princípios de hierarquia e disciplina, comprometendo a coesão militar e a própria unidade nacional.

Pode-se fazer uma longa lista para comprovar essa instabilidade institucional.

■ Em 1922, ocorreram levantes em quartéis Washington Luiz e colocou Getulio Vargas no


da Vila Militar, Escola Militar do Realengo e poder.
no Forte de Copacabana, este último passando ■ Em 1932, a Revolução Constitucionalista de
à história como o episódio dos “18 do Forte”. São Paulo.
■ Entre 1924 e 1927, sucessivas revoltas, prin- ■ Em 1935, a Intentona Comunista no Rio de
cipalmente nos Estados de São Paulo, Mato Janeiro, Natal e Recife.
Grosso e no sul do Brasil, culminaram com ■ Em 1937, o golpe de Getulio Vargas e a im-
a campanha da Coluna Miguel Costa-Prestes plantação do “Estado Novo”, regime ditatorial
pelo interior do País. que durou até 1945.
■ Em 1930, a revolução que depôs o Presidente ■ Em 1938, a revolta integralista de Plínio Salgado.

Edição Especial - 139


■ Em 1945, a deposição do ditador Getulio outros indutores do regime democrático, quais
Vargas e a redemocratização do País. sejam: a implantação de infraestruturas básicas
■ Em 1954, a crise político-militar que culmi- que permitiram o desenvolvimento econômi-
nou com o suicídio do Presidente Vargas e sua co, o crescimento da classe média, a melhoria
substituição pelo vice-Presidente Café Filho. das condições de vida e a criação de oportuni-
■ Em 1955, o “golpe preventivo” do Marechal dades para grande parte da população; e o ama-
Lott, Ministro da Guerra, para garantir a pos- durecimento político-social da Nação. A esses
se de Juscelino Kubitschek na presidência da fatores, pode-se agregar o descrédito do socia-
República, ameaçada pelo então Presidente in- lismo radical, após o categórico fracasso das
terino Carlos Luz, setores militares e aliados matrizes soviética e cubana, e a transformação
políticos. da China de uma economia socialista-estatal
■ Em 1956, a revolta de Jacareacanga. para capitalista-estatal, porém ainda ditatorial
■ Em 1959, a revolta de Aragarças. e liberticida, portanto incompatível com a ín-
■ Em 1961, a crise da posse de Jango após a dole do povo brasileiro.
renúncia de Jânio Quadros, que resultou na Passado um quarto de século do final do
implantação do parlamentarismo no Brasil. regime de 1964, não se pensa, nem se quer a volta
■ Em 1963, a revolta dos sargentos em Brasília. ao passado. Portanto, a imprensa deveria facultar
■ Em 1964, a Contra-revolução de 1964, com a o acesso da sociedade a versões diferentes das há
implantação do chamado regime militar. muito tempo veiculadas apenas pela esquerda so-
■ Entre 1968 e 1977, o período que abrange o bre aquele período. Dessa forma, ela poderá ti-
combate à luta armada e sua neutralização. rar conclusões isentas e aproximar-se da verdade
■ Em 1978, começou o processo de abertura histórica, extraindo ensinamentos em prol da
democrática, com a revogação do AI-5 e a con- consolidação da democracia. A Nação brasileira
cessão da anistia no ano seguinte. Desde então, será imunizada contra radicalismos de quaisquer
não houve mais nenhuma crise política com o matizes, na medida em que lhe seja aberto o aces-
envolvimento das Forças Armadas no Brasil. so equânime a todas as correntes de pensamento,
pois o conhecimento abrangente permite melho-
Foi o regime militar que afastou os mili- res avaliações, julgamentos e decisões. Por prezar
tares da ativa e, como consequência a tropa, da tanto a própria liberdade, a Nação será o baluar-
política partidária, sendo este um dos fatores te de uma imprensa livre e imparcial, qualidades
determinantes do fortalecimento das institui- ainda não alcançadas por nossa mídia, em gran-
ções democráticas, junto com a neutralização de parte amordaçada por interesses econômicos,
dos movimentos radicais que tentavam implan- pressão política e servidão ideológica.
tar a ditadura comunista nos moldes soviético,
* O auto é General de Brigada e comandou a Escola de
cubano ou chinês. Podem ainda ser destacados Comando e Estado Maior do Exército.

140 - Revista do Clube Militar


Em 31/03/2004, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a entrevista com o jornalista Ruy
Mesquita, da qual é transcrito um trecho:

“Derrotados escreveram a História”

Estado - O que levou os militares ao movimento de 1964?


Ruy Mesquita - Acho fundamental, para que se possa fazer uma análise objetiva e fria, so-
bre a chamada revolução de 64 - que na realidade não foi uma revolução, foi uma contra-revolução;
não foi um golpe, foi um contragolpe -, situá-la no tempo político internacional. No começo dos
anos 60, com a vitória de Fidel Castro e com a sua entrada no jogo do bloco soviético, o foco prin-
cipal da guerra fria passou a ser a América Central, o centro geográfico das Américas. A tal ponto
que ali nasceu a primeira e talvez única ameaça concreta e iminente de uma guerra nuclear, quando
em 62 houve a crise dos mísseis nucleares que os russos instalaram clandestinamente no território
cubano. O risco era real. Diz-se que a história é sempre escrita pelos vencedores.
A história do golpe de 64 foi escrita pelos derrotados.”
Tais manifestações e pronunciamentos falam por si. Não há qualquer sustentação na história
ou nos documentos da esquerda que comprove ter havido um “golpe da direita” ou um “golpe mili-
tar”. Tais conceitos fazem parte da mesma orquestração em que se inclui a falácia de que a esquerda
revolucionária pós 1964 lutava contra a “ditadura”. Houve, realmente, uma Contra-Revolução: um
duro golpe contra as pretensões de comunização do Brasil.

“... A chamada Revolução de 1964 foi um movimento popular. Quer dizer, a Nação ocupava as ruas
exigindo uma intervenção. Queria que o Governo mudasse, que não se embrenhasse naquele caminho de
demagogia. Havia uma desorganização completa. Não existia liberdade coisa alguma. O que acontecia era
uma grande desorganização e o País estava sendo conduzido, realmente, por um caminho muito perigoso.
A idéia de que o Movimento de 1964 levou a uma ocupação do Governo é falsa. O Jango fugiu. O
Jango abandonou o Brasil. Esses canalhas estão por aí dizendo que iam salvar o Brasil e nós, hoje, temos
uma prova concreta do que eles produziriam: uma nova Cuba, grande, e com muito mais esculhambação
do que Cuba, porque, em matéria de esculhambação, somos muito melhores do que eles. Na minha opi-
nião, essa é uma visão que se instalou, porque continuaram falando. Quem assistiu a tudo aquilo, quem
viu o povo na rua e quem viu as conseqüências finais do Jango tomar o avião e ir embora e deixar o país
abandonado, sabe que foi um movimento popular. Depois, perdeu-se em alguns aspectos, mas na sua
origem ocorreu uma reação nacional. Uma reação de quem não conseguia mais viver com a desorgani-
zação que o Governo estava introduzindo, chamando de reformas de base. As proposições não tinham
nenhuma consistência e eram incapazes de produzir um Brasil crescente.” (Antônio Delfim Neto - em
depoimento ao Projeto História Oral do Exército)

Edição Especial - 141


142 - Revista do Clube Militar

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