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EM DEFESA

DAS COMÉDIAS
ROMÂNTICAS

O AMOR NÃO É UM SENTIMENTO


Não é uma campanha humanitária de uma grande
corporação. Não é o melhor da raça humana.

O amor é uma pessoa. Não qualquer pessoa.

Admito: está fora de moda conceber o mundo como


resultado de um esforço inteligente. Está fora de moda
a rmar que o pessoal é maior que o impessoal. Ou que
veio antes.

Todas as explicações para a existência do mundo mais


aceitas e mais con áveis partem do acaso. E do
inorgânico. A realidade consiste num arranjo feliz de
eventos aleatórios e impessoais.

Admito: a pessoa é uma exceção na natureza. Ela está


cercada de partículas cegas e mudas. Impassíveis, as
pedras e as plantas olham para nós, destrutivos e
desesperados.

O silêncio — e a paz — das coisas indica que somos uma


espécie de erro. Nós nos agitamos em vão. Ninguém
está ouvindo.
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Mas por quê? Por que assumimos que a exceção é o


erro? Por mais que sejamos uma exceção bem
problemática?

Peço que você suponha comigo que a exceção pode ser


justamente aquilo que explica a regra. A origem da
regra.

Eis minha tese: o impessoal veio do pessoal. E não o


contrário. O pessoal é o impessoal mais alguma coisa.
Portanto é maior. Mais rico. Mais complexo. E o
complexo não vem depois. Vem antes.

Qual é a vantagem dessa tese sobre as outras?

Ela não separa nossas expectativas de sentido —


transpostas em milhares de obras de arte e quilos de
cultura — da compreensão mais elementar da natureza e
da realidade.

Hoje em dia existe um fosso entre o que esperamos da


vida e como a compreendemos. O mais importante é
visto como sonho. Como besteira.

Assistimos a comédias românticas em que o sentido


último da existência é viver um grande amor. Ao mesmo
tempo vemos documentários devidamente embasados

explicando como a vida é um amontoado de moléculas


e nada mais.

Há um grande divórcio cognitivo na nossa abordagem


da vida. Estamos divididos. E isso nos angustia.

Talvez você me diga: esse é só o caminho mais fácil. Isso


é fazer as comédias românticas triunfarem sobre as
ciências da natureza.

ADMITO: ISTO É UMA DEFESA DAS


COMÉDIAS ROMÂNTICAS
Defendo que elas não são inferiores às ciências. Elas
são superiores. Porque são elas que possibilitam a
existência das ciências. É porque o ser humano tem
expectativas como as das comédias românticas que ele
faz ciência e outras coisas.

As crianças — que são muito mais cientí cas e artísticas


que qualquer adulto amargurado — têm uma visão da
realidade muito mais próxima daquela das comédias
românticas que das ciências. É a visão dos contos de
fada. Uma visão em que o pessoal triunfa como causa.

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Os contos de fada são explicações mais abrangentes e


ricas que teoremas e outros esquemas justamente por
apostarem no pessoal como protagonista.

Admito: há muita gente doida no mundo inventando


teorias da conspiração para explicar coisas sérias. E isso
tem produzido muitos danos. Mas é preciso
compreender as teorias da conspiração.

Elas são como contos de fada para gente angustiada.


Nelas tudo o que é impessoal — dinâmicas econômicas
e sociais amplas e seculares — é reduzido ao pessoal.

Não são os múltiplos fatores naturais e humanos


condicionando o mercado que fazem os preços subirem:
é um grupo que se reúne secretamente na Suíça que
determinou isso no m do ano passado. Bebendo
champanhe.

O grande anseio das teorias da conspiração é o de


devolver algum poder aos seres humanos. Mesmo que
esse poder esteja nas mãos de gente ruim. Mas pelo
menos são pessoas. E não coisas. Grá cos. Moléculas.

Esse mesmo anseio encontra-se nas comédias


românticas e nos contos de fada. É o anseio de um rosto
humano do outro lado da escuridão.

fi

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Ele tem sido ignorado. Por isso mesmo se multiplicam


teorias da conspiração e outras formas de pensamento
e de expressão muito perigosas.

Os contos de fada não podem car esquecidos na


infância. Ou melhor: aquilo de que tratam os contos de
fada. E as comédias românticas não podem ser
desprezadas como entretenimento fútil e escapista.

Admito: na maior parte do tempo é o que elas são. Mas


também são mais.

As ciências esclarecem. Mas não dão conta de tudo.


Elas ignoram o fenômeno fundamental da pessoa
humana.

A pessoa humana anda soterrada debaixo da tabela


periódica. E protesta das formas mais irracionais e
destrutivas possíveis. É preciso dar ouvidos a suas
demandas.

É preciso dar ouvidos a essas demandas na sua vida.

O que chamamos de realismo — aceitar que a realidade


é essencialmente impessoal e indiferente a nós — está
nos matando aos poucos. A necessidade de sentido
escapa pelos nossos poros. Começamos a pensar e a
fazer coisas sem saber por quê.

fi

Porque estamos ignorando o principal. Nossa


necessidade de sentido é a necessidade de um beijo
que nos desperte do sono. É a necessidade de um rosto
resplandecente.

A saúde das crianças depende de coisas que só os


contos de fada podem oferecer. A nossa também.

VOCÊ PRECISA DE UM ROSTO


RESPLANDECENTE

ACREDITANDO EM FADAS

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