Você está na página 1de 1

NOVO POST !

ÁREA DO ALUNO CURSO DE TELEMEDICINA CURSO V

CinePsiquiatria #2: Ilha do


Medo

Eduardo Alcantara Seguir

Psiquiatria
Olá leitores! Este projeto é uma coluna periódica
chamada #CinePsiquiatria, com recomendação e
análise de filmes para os amantes de cinema e
psiquiatria. O CinePsiquiatria é um trabalho
proposto pela equipe da Academia Médica que
recebeu grande aceitação e apoio dos leitores da
comunidade. Queremos agradecer aos vários
comentários e ressaltamos a importância da
participação de todos para oferecer uma melhor
discussão dos filmes.

Para aqueles que ainda não viram o CinePsiquiatria


#1 sobre o filme Clube da Luta, CLIQUE AQUI.

E aqui vai o CinePsiquiatria #2, no qual tentarei, na


visão da psiquiatria, analisar uma das grandes obras
do cinema ocidental, o filme de 2010, do gênio
diretor Martin Scorsese: Ilha do Medo (Shutter
Island).

Pegue sua pipoca e vamos lá!

AVISO DE SPOILER! SE VOCÊ AINDA NÃO


ASSISTIU AO FILME, É RECOMENDADO
VOLTAR APÓS O TÉRMINO DA PELÍCULA!

“O que poderia ser pior? Viver


como um monstro ou morrer como
um homem bom?”
- Andrew Daniels

Ilha do Medo foi, e ainda é, um filme com boa


avaliação da crítica especializada, e que sempre está
presente nas discussões de cinema e psiquiatria por
todo mundo. O filme foi lançado em 2010 com um
orçamento de 90 milhões de dólares e teve uma
receita estimada em 295 milhões de dólares, ou
seja, foi sucesso desde seu lançamento.

Shutter Island foi estrelado por um elenco de


peso: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo e Ben
Kingsley, e dirigido pelo premiado diretor Martin
Scorsese.

O filme é repleto de metáforas, mistérios e detalhes


que o diretor deixou para o público e seu final pode
ter várias interpretações; além de que o cinema é
uma maravilhosa forma de arte, e pode ter diversas
explicações para o mesmo conteúdo. Tentarei aqui
avaliar o caso pela visão da psiquiatria e chegar ao
quadro aproximado do personagem que, apesar dos
detalhes, a análise carece de alguns dados
psicopatológicos.

O enredo do filme basicamente conta a história de


um agende federal que investiga o desaparecimento
de um paciente no Hospital Ashecliffe para
Criminosos Insanos, em Shutter Island, no porto de
Boston. O filme inicia com o personagem
de Leonardo DiCaprio (atuação perfeita) chegando a
ilha com seu "parceiro" Chuck para investigar o
sumiço de Rachel Solando. O personagem então
descobre que aparentemente todos estão escondendo
algo e que possíveis experiências médicas estão
sendo realizadas nas dependências da instituição.

Tudo se passa na cabeça do


personagem como um delírio ou o
filme é uma conspiração?

O que é delírio?

O célebre autor Karl Jaspers (1883-1969) (1979),


cita as idéias delirantes, ou delírio, como juízos
patologicamente falsos. Segundo o livro de
psicopatologia do professor Paulo Dalgalarrondo
(Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos
Mentais), obra categórica que todo médico
residente em Psiquiatria deve ter na cabeceira da
cama: "o delírio é um erro do ajuizar que tem
origem na doença mental. Sua base é mórbida, pois
é motivado por fatores patológicos. Idéias delirantes
típicas são observadas na prática clínica, por
exemplo: “Tenho certeza de que meus pais (ou os
vizinhos) querem me envenenar”; ou seja, o delírio
nada mais é que uma falsa crença, tal crença não se
abala mesmo com os melhores argumentos.

Agora que entendemos um pouco sobre os delírios


vamos falar um pouco sobre uma interpretação bem
comum do filme, ao qual não será meu foco,
pois quero tentar categorizar o personagem à luz dos
transtornos mentais. Em suas diversas explicações o
filme pode ser interpretado da maneira em que o
personagem de Leonardo DiCaprio estava de fato
sendo vítima de uma rede de mentiras desde o
momento em que foi indicado para investigar o
desaparecimento de Rachel Solando, tornando-se
assim um alvo de toda a trama que ali estava sendo
elaborada e que o levou a ser lobotomizado por ter
encontrado a verdade: que o hospital era palco de
experimentos com seres humanos. Assim, prefere ser
lobotomizado e esquecer tudo.

Se você tem outras teorias, diferentes das


apresentadas aqui, compartilhe conosco. Será um
prazer ter a participação dos leitores.

Independente das teorias sobre o desfecho do filme,


temos a apresentação inicial de um personagem que
sofre sinais evidentes do Transtorno de Estresse Pós-
Traumático (TEPT). O personagem Andrew
Daniels foi um soldado na Segunda Guerra Mundial,
na qual um dos seus feitos foi participar da
libertação de um campo de concentração nazista de
Dachau. Evidentemente ele sai traumatizado dessa
experiência. O TEPT é um transtorno comum entre
ex-combatentes de guerras e é caracterizado por um
conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e
emocionais em decorrência de testemunha ou vítima
de atos violentos ou de situações traumáticas que,
em geral, representaram ameaça à sua vida ou à vida
de terceiros. Esse Transtorno causa grande
sofrimento e pode apresentar lembranças repentinas,
os famosos flashbacks, causando uma gama de
sintomas, como ocorre no filme. Lembro que o
TEPT também existe em nosso meio urbano onde a
violência, infelizmente, impera. Se você tem ou
conhece alguém que apresenta tais sintomas busque
ajuda de um médico psiquiatra, profissional que irá
indicar o melhor tratamento para o caso, que abrange
quase sempre a excelência da equipe
multidisciplinar.

“O paciente é inteligente: um
veterano de guerra condecorado e
delirante; presente na libertação de
Dachau. Ex-delegado federal. Tem
propensão à violência; não tem
remorso pelos seus crimes, pois
nega que eles aconteceram.
Altamente desenvolvido, com
narrativas fantásticas, o que impede
que ele veja a verdade de suas
ações.” - descrição de paciente
tirado do prontuário do personagem
Andrew Daniels.

(Ficção: o prontuário médico é do paciente e é


sigiloso, esse trata-se de um personagem de um
filme, ou seja, fictício, parte de uma obra artística).

Analisando sob a luz da psiquiatria temos o


personagem de Leonardo DiCaprio com sinais
evidentes delirantes, de difícil argumento, pois seu
"parceiro" tenta por meio de psicodrama mostrar a
realidade e o mesmo continua com sua percepção
cheia de delírios, quadro que nos leva a pensar em
um transtorno psicótico, mais propriamente dito
Esquizofrenia.

Segundo a 5ª edição do Manual Diagnóstico e


Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V, a
Esquizofrenia é uma doença que faz parte dos
transtornos do "Espectro da Esquizofrenia e outros
Transtornos Psicóticos", é uma síndrome clínica
heterogênea, seus sintomas característicos envolvem
uma série de disfunções cognitivas,
comportamentais e emocionais. Lembrando que não
existe nenhum sintoma patognomônico do
transtorno.

O diagnóstico de esquizofrenia envolverá o


reconhecimento de um conjunto de sinais e sintomas
que fazem parte da síndrome associados a um
funcionamento social, profissional e da organização
da vida diária prejudicados.

A esquizofrenia tem prevalência ao longo da vida,


segundo o DSM-V, de 0,3 a 0,7% da população
atual. Os sintomas psicóticos que compõe a clínica
dessa síndrome, chamada atualmente de
transtorno, costumam surgir entre o fim da
adolescência e meados dos 30 anos, lembrando que
raramente inicia antes da adolescência.

Segue os critérios diagnósticos do DSM-V para


Esquizofrenia:

A. Dois (ou mais) dos itens a seguir, cada um


presente por uma quantidade significativa de tempo
durante um período de um mês (ou menos, se
tratados com sucesso). Pelo menos um deles deve
ser (1), (2) ou (3):

1. Delírios.
2. Alucinações.
3. Discurso desorganizado.
4. Comportamento grosseiramente desorganizado
ou catatônico.
5. Sintomas negativos (i.e., expressão emocional
diminuída ou avolia).

B. Por período significativo de tempo desde o


aparecimento da perturbação, o nível de
funcionamento em uma ou mais áreas importantes
do funcionamento, como trabalho, relações
interpessoais ou autocuidado, está acentuadamente
abaixo do nível alcançado antes do início (ou,
quando o início se dá na infância ou na adolescência,
incapacidade de atingir o nível esperado de
funcionamento interpessoal, acadêmico ou
profissional).

C. Sinais contínuos de perturbação persistem


durante, pelo menos, seis meses. Esse período de
seis meses deve incluir no mínimo um mês de
sintomas (ou menos, se tratados com sucesso) que
precisam satisfazer ao Critério A (i.e., sintomas da
fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas
prodrômicos ou residuais. Durante esses períodos
prodrômicos ou residuais, os sinais da perturbação
podem ser manifestados apenas por sintomas
negativos ou por dois ou mais sintomas listados no
Critério A presentes em uma forma atenuada (p. ex.,
crenças esquisitas, experiências perceptivas
incomuns).

D. Transtorno esquizoafetivo e transtorno depressivo


ou transtorno bipolar com características psicóticas
são descartados porque 1) não ocorreram episódios
depressivos maiores ou maníacos
concomitantemente com os sintomas da fase ativa,
ou 2) se episódios de humor ocorreram durante os
sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve
em relação aos períodos ativo e residual da doença.

E. A perturbação pode ser atribuída aos efeitos


fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de
abuso, medicamento) ou a outra condição médica.

F. Se há história de transtorno do espectro autista ou


de um transtorno da comunicação iniciado na
infância, o diagnóstico adicional de esquizofrenia é
realizado somente se delírios ou alucinações
proeminentes, além dos demais sintomas exigidos de
esquizofrenia, estão também presentes por pelo
menos um mês (ou menos, se tratados com sucesso).

Como já relatei aqui, o personagem não fecha todos


os critérios diagnósticos, pois não temos como
argumentar sobre o critério E, porém, com relação
aos outros critérios conseguimos supor que fica bem
aproximado. O personagem apresenta claramente
sintomas de alucinações auditivas e visuais, bem
como o seus delírios persistentes no longa todo,
apesar de mostrar cognitivo preservado e ser
bastante inteligente, notamos que Andrew teve
prejuízo no seu trabalho e vida, pois entendemos
que, neste caso, ele é o paciente e seu parceiro nada
mais é que seu psiquiatra usando da estratégia do
psicodrama para tentar contextualizá-lo do ocorrido
e do seu diagnóstico. Vale a pena ler um pouco
sobre psicodrama, uma forma interessante e
importante de psicoterapia.

O diagnóstico de um transtorno psicótico, em


especial a Esquizofrenia, talvez seja o mais
apropriado ao personagem, lembrando que sempre
vai carecer alguns dados (Por ex.: Critério D e E -
descartar outra condição médica que esteja levando
ao quadro).

CURIOSIDADE: Na época que a Paramount


Pictures passou a trabalhar em Ilha do Medo, a
intenção era que David Fincher (Diretor de Clube
da Luta - o filme que abriu o projeto
CinePsiquiatria) fosse o diretor e Brad Pitt (também
atuou em Clube da Luta) o protagonista. Todavia
ambos deixaram o projeto devido a outros
compromissos.

Espero que tenham gostado da análise. Deixe nos


comentários o que você achou do projeto e sugestões
de filmes para os próximos #CinePsiquiatria.

Esse foi o post CinePsiquiatria #2.

Aguarde que nos próximos dias vai começar a


votação para o CinePsiquiatria #3.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1) Associação Americana de Psiquiatria. Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª
edição (DSM-5). Porto Alegre: Artmed; 2014.

2) Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos


transtornos mentais. 2ª edição. Porto Alegre:
Artmed; 2008.

3) JASPERS, K. Psicopatologia geral. Rio de


Janeiro: Atheneu, 1979.

Clique aqui para seguir o Dr. Eduardo Alcantara


na Academia Médica e para acompanhar o projeto
#CinePsiquiatria e os próximos artigos sobre
psiquiatria.

Participe do grupo Psiquiatria e receba novidades todas as


semanas.

PARTICIPAR

TAGS

MEDICINA PSIQUIATRIA CINEMA CINEPSIQUIATRIA

ILHA DO MEDO

ACADEMIA MÉDICA

Eduardo Alcantara Seguir

Médico Psiquiatria CRM PR 31825 RQE


24694 Formação em Dependência Química
pela USP-SP. Estudioso do comportamento
humano e suas implicâncias na sociedade.
Podcast Psiquiatra Responde

! Denunciar

" 6 COMENTÁRIOS

Avatar
Escreva um comentário...

Eduardo Alcantara

Participação aberta nos comentários!

# 1 Likes $ Responder

Isabel Fochesato

Excelente!

# 0 Likes $ Responder

Luiz Gustavo

Excelente, também pensei no quadro de


esquizofrenia.
Uma sugestão, seria o Coringa do filme
Batman o Cavaleiro das Trevas, ou mesmo O
Operário, ambos com Christian Bale.
Parabéns!

# 1 Likes $ Responder

Eduardo Alcantara

Obrigado pela participação!


Sugestão anotada!

# 0 Likes

Eliane Beraldo

Gostei de ver o Filme Ilha do Medo, na visão


da Pdiquiatria Dr Eduardo Alcântara.
Curiosa para saber o próximo
#CinePsiquiatria3.
Qual Será, Uma mente brilhante?
Uma sugestão: Cisne Negro com a Atriz
Talentosa Natalie Portman, na direção de
Darren Aronofsky.
Até Breve!!
Beijos

# 2 Likes $ Responder

Eduardo Alcantara

Obrigado pela participação!


Sugestão anotada!

# 0 Likes

INDICADOS PARA VOCÊ

Psiquiatria

Pinel Talks Ketamina na prática


psiquiátrica: cenário atual e
perspectivas futuras

O que a faculdade esquece de falar!

Psiquiatria

CinePsiquiatria #4: Uma Mente


Brilhante

Eduardo Alcantara

ACADEMIA MÉDICA

Contato

© Academia Médica - AM Comunicações - Todos os direitos reservados.

Entre em contato conosco pelo email contato@academiamedica.com.br

Veri\que as políticas de Privacidade e Termos de Uso.

© Duopana 2019 Todos os direitos reservados..

# % " &
Like ( 8) Compartilhar Comentar ( 6) Marcar

Você também pode gostar