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OS ESTÁGIOS DA FÉ NA OBRA DE JAMES FOWLER

Claudete Coutinho Costa*

Neste trabalho serão abordados os conceitos de fé e seus estágios de progressão na vida


humana de acordo com as teorias do teólogo e professor norte americano James Fowler. A proposta
do autor é mostrar em uma escala progressiva que, ao longo da linearidade de nosso ciclo vital
nossa maneira de crer e ver o sagrado sofre metamorfoses em caráter progressivo. Mudanças estas
amparadas principalmente por aportes pedagógicos e culturais que o ser humano adquire no curso
de sua existência.
Há segundo Fowler, uma espécie de padrão universal que permeia todas as fases do
caminho da fé na vida do ser humano e são variantes que acabam por constituir a identidade
religiosa do indivíduo e também seu grau de ligação com sua comunidade de fé e seu grupo social.
Para o autor, fé é acima de tudo um conceito universal humano, e que se desvincula do
sagrado para também atuar em outros campos distintos da vida em sociedade. Ele entende por fé
tudo aquilo nos toca em nosso interior e serve como referenciais de valores éticos, poderes terrenos
e celestiais e comportamento em sociedade etc.
Nesse sentido, as perguntas da fé estão presentes na vida de cada pessoa, quer ela seja
religiosa ou não. Estas perguntas estão relacionadas com a vida e seu sentido, e na visão do autor
necessitam de respostas para preencher os anseios individuais e coletivos das pessoas de modo que
tragam esperança, conforto e paz.
James Fowler elaborou os estágios teóricos de fé e os enumerou em sete fases distintas,
onde o primeiro estágio corresponde ordinalmente a zero e o último corresponde a seis. De acordo
com o autor, “o processo de crescimento da fé com sete estágios está dividido em: 0) Fé
indiferenciada (um pré-estágio); 1) Fé intuitivo-projetiva; 2) Fé mítico-literal; 3) Fé sintético-
convencional; 4) Fé individuativo-reflexiva; 5) Fé conjuntiva e 6) Fé universalizante.”1 Delimitados
nestes sete estágios o autor o autor trabalha com as variações de conteúdo, formas e estruturas
referentes a cada tipologia de fé por ele apresentada no desenvolvimento religioso de cada pessoa.
O autor menciona ainda a importância em relação aos estágios da fé, que “eles expressem
verdadeiramente o caráter fundamental da fé durante a vida humana. Sem esta fé, a perspectiva da
existência humana é reduzida, pois sua interligação com a história pessoal, coletiva, e divina estaria
comprometida.”2
Fowler argumenta em seu trabalho que a psicologia evolutiva aliada ao saber teológico e
pedagógico pode ajudar a elucidar questões de conteúdo e evolução em cada estágio de fé,
contribuindo assim na missão de compreender as distintas maneiras de relação entre o ser humano,
o sagrado e a sociedade que o cerca.
Ao fazer a relação entre teologia, pedagogia e psicologia o autor abre um enorme campo de
pesquisa. Através de seus resultados foi possível elaborar com mais eficácia ramos teológicos

*
Mestranda em Ciências da Religião na Faculdade Unida de Vitória. E-mail: amadaclaudete@yahoo.
com.br.
1
FOWLER, James. Estágios da Fé: a Psicologia do Desenvolvimento Humano e a Busca de Sentido. São Leopoldo:
Editora Sinodal/EST-IEPG, 1992, p. 278.
2
FOWLER, James. Introdução Gradual à Fé. In concilium (194) 4: Teologia Prática – Transmitir a Fé à Nova Geração.
Petrópolis: Vozes, 1984, p. 66.
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voltados especialmente para cada faixa etária, subdivididas em: teologia para crianças, teologia para
adolescentes e teologia para meia idade, além de possibilitar a comparação entre os diferentes
estilos e estágios da fé individuais ou em grupo.3
Em relação ao estágio zero, a Fé Indiferenciada, o autor argumenta que as primeiras
imagens de Deus começam a se formar nesta fase. Ressalta ainda Fowler que, “estas pré-imagens se
formam em grande parte antes da formação da linguagem, antes dos conceitos e em um estágio que
coincide com a pré-consciência humana”.4 Pode se afirmar assim que a força de fé que impulsiona o
ser humano nasce neste momento da vida.
Dando sequência, quando o autor fala dos aspectos da Fé Intuitivo-Projetiva pode se
destacar que o período em questão compreende a faixa etária dos quatro aos dez anos da criança e
nota se a necessidade de “símbolos, cultura, linguagens e interação social para o desenvolvimento
da fé, de modo que o ser humano, inclusive quando criança, também é importante para participar na
construção social que busca na fé o sentido da vida”5. É um período intenso de descobertas e
aprendizado, crucial para a sustentabilidade dos estágios que virão a seguir na vida do indivíduo.
No campo da Fé Mítico-Literal que é o último estágio de formação da fé em crianças,
Fowler sustenta que “este estágio marca as habilidades da criança de começar a questionar suas
imagens de fé e contrapõe as mesmas com os ensinos passados pelos adultos, testando assim pela
primeira vez sua capacidade de juízo correlacionando suas percepções e pensamentos com o mundo
que a cerca.”6 A figura de Deus ganha uma maior amplitude e as crianças começam a selecionar o
que lhes é transmitido, quer seja pelos seus pais ou pela comunidade em que a criança está radicada
culturalmente e socialmente.
Nesta fase, a criança já adentrando na adolescência começa a “analisar sua própria
existência e a sociedade em que está inserida, avaliando assim a distinção entre a realidade e o
mundo imaginário.”7 Com esta fase de desenvolvimento termina o ciclo infantil e começa a
caminhada rumo ao amadurecimento dos aspectos da fé desenvolvidos até aqui pelo indivíduo.
De acordo com Fowler a Fé Sintético-Convencional chega de mãos dadas com a
adolescência e sua principal característica é “o começo da autoanálise comparativa, onde a
comparação com o outro se dá geralmente impulsionada pelas amizades e relacionamentos afetivos
mais próximos e característicos dessa faixa etária.”8 Neste estágio é importante ressaltar também a
importância da figura dos pais, que podem ter muita influência na formação dos parâmetros morais
e religiosos do jovem em questão.
O principal resultado nesta fase segundo o autor é a criação de uma autoimagem que possa
ser vinculada à imagem de Deus nos seus bons atributos e comparada com os demais integrantes do
círculo pessoal do adolescente, buscando com isso fundamentar ainda mais suas crenças e
convicções religiosas.
A Fé Individuativo-reflexiva que vem a seguir se caracteriza pela chegada da fase adulta da
fé na vida do indivíduo. Este tipo de estágio da fé se apresenta principalmente pela necessidade da
pessoa em fazer escolhas de forma autônoma. Escolhas estas, que, por conseguinte, refletem em
geral nos julgamentos de valor religioso e ético do grupo social em que a pessoa está inserida e
também na autocrítica de suas ações.
O autor ressalta também que “muitos grupos religiosos reforçam assim de modo
semelhante, uma sistema assumido de fé mantendo a pessoa na dependência de uma autoridade
externa e derivando disso é gerada uma identidade de grupo.”9 Esta relação grupo-indivíduo,
3
DELFINO, Silas do Carmo. A Fé: similaridades e contrastes nas definições de fé de Paul Tillich e James W. Fowler.
Belo Horizonte: PUC-MG, Revista eletrônica correlatio nº 16, 2009, p. 151.
4
FOWLER, James. Teologia e Psicologia no Estudo do Desenvolvimento da Fé. In Concilium, Petrópolis: Vozes,
1982, p. 117.
5
ALMEIDA, Odete Líber de. Liturgia com Crianças. São Leopoldo: EST, 2003, p. 34 e 35.
6
FOWLER, 1982, p. 118.
7
MOTA, Sílvio Gonçalves. As Fronteiras da Fé na Criança: descobrindo as relações sócio-religiosas da espiritualidade
infantil. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista, 2005, p. 2 e 3.
8
FOWLER, 1992, p. 131.
9
FOWLER, 1992, p. 151.
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individualidade-coletividade acentua também o processo de aceitação de certas ideologias religiosas


e negação de outras e também por consequência gera uma maior autonomia em relação ao sagrado,
fruto de tomadas de decisão religiosas em caráter pessoal.
A Fé Conjuntiva é por sua vez o estágio da fé mais complexo, pois busca confrontar o
sagrado com as autoimagens do ‘eu’ de uma pessoa na faixa etária da meia idade. Nas palavras de
Fowler, “a Fé Conjuntiva suspeita principalmente que as coisas estão organicamente ligadas,
relacionadas umas com as outras; atentando para o padrão inter-relacional na tentativa de evitar uma
adequação prévia ao próprio pensamento do indivíduo”10. Qualquer desvio de personalidade por
mais tênue que possa parecer nesta fase pode acabar criando um fundamentalista religioso, ou seja,
alguém que influenciado por lideranças externas se ache o dono da verdade em termos de religião, e
que consequentemente passe estes valores para sua família e sua comunidade de fé.
O principal resultado que se almeja neste estágio da fé é preparar o indivíduo para o
diferente, para ter a capacidade de lidar com a alteridade religiosa, cultural e social. Há de se buscar
um entendimento em que o indivíduo compreenda que não é o portador de toda verdade, mas que
ela também pode ser encontrada no outro por intermédio do diálogo inter-religioso e intercultural.
Finalizando o autor apresenta a Fé Universalizante; fé esta que pode ser traduzida em
palavras como sendo “um momento na eternidade.” Foi assim que uma mulher anônima definiu este
estágio de fé durante as entrevistas conduzidas por Fowler durante seus estudos para a elaboração
de suas teorias. As pessoas que podem se caracterizar neste estágio da fé são poucas. Isto devido ao
fato de que a Fé Universalizante é um estágio raro para os seres humanos, visto que para galgarem
tal estratificação religiosa e social, estas pessoas necessitam “renunciar ao ‘eu’ como eixo para o
conhecimento da fé pessoal e encontrar o ‘eu’ mais plenamente completo, que é o ‘eu’ que labuta
em nome de sua comunidade aos quais estão ligados não tão somente por laços religiosos como
também por afinidades sócioculturais.”11
Neste estágio a pessoa se resume à total dedicação ao amor e a justiça como instrumentos
para promover a transformação social que se tem necessidade mais urgente. Ao fazerem isto
renunciam ao ego e apesar de não ser a perfeição em forma humana geralmente são líderes
carismáticos natos, capazes de mobilizar multidões em torno de seu discurso, seja ele religioso,
pacifista, inclusivista, político ou humanitário.
Muitas vezes estes atores sociais só acabam sendo reconhecidos na sua real importância
para o mundo após a suas mortes. Para exemplificar alguns casos podemos citar: Mahatma Gandhi,
Dietrich Bonhoeffer, Madre Tereza de Calcutá, Martin Luther king, Nelson Mandela, Desmond
Tutu entre muitos outros. Suas lutas giram sempre em torno do favorecimento dos excluídos,
esmagados, explorados e mortos pela negação de sua humanidade, o direito de identidade e
sobrevivência, que em geral são ameaçados por um grupo social rival mais forte. Estes fatos
corriqueiramente se dão em casos de guerras, limpezas étnicas, segregação racial, desigualdade
social e escravidão humana.
Geralmente estes fatos ocorrem com muita frequência ao longo da história humana. São
geralmente períodos em que por fomentados por fatores políticos, religiosos, sociais ou raciais
levam as pessoas a um tipo de histeria social onde tudo o que é mais obscuro e maléfico na alma
humana emerge com fúria, vingança e sede de sangue.
São nestas épocas tenebrosas, onde toda esperança quase se esvai da face da terra. E então
é que surge um destes líderes da Fé Universalizante. Para lembrar às pessoas o quanto elas se
esqueceram da solidariedade, ou a que tal ponto se fragmentou a vida alheia, e a que nível se
abandonou a raça humana e sua própria humanidade em si, para meramente executar planos e
sonhos de orgulho, de poder e grandeza em nível pessoal ou em grupo.
Pode se concluir este trabalho dizendo que sem sombra de duvida a obra inspiradora de
James Fowler é uma ferramenta teológica extremamente útil para a compreensão e o estudo dos
estágios e conceitos do crescimento da fé no ser humano e na sociedade em que está presente. Além

10
FOWLER, 1992, p. 157.
11
FOWLER, 1992, p. 169.
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do fato de prestar uma inestimável contribuição científica para a análise e o desenvolvimento das
pesquisas nas áreas da teologia, pedagogia e da psicologia na sociedade atual.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Odete Líber de. Liturgia com Crianças. São Leopoldo: EST, 2003.
DELFINO, Silas do Carmo. A Fé: similaridades e contrastes nas definições de fé de Paul Tillich e
James W. Fowler. Belo Horizonte: PUC-MG, Revista eletrônica Correlatio nº 16, 2009.
FOWLER, James. Teologia e Psicologia no Estudo do Desenvolvimento da Fé. In Concilium,
Petrópolis: Vozes, 1982.
FOWLER, James. Introdução Gradual à Fé. In concilium (194) 4: Teologia Prática – Transmitir a
Fé à Nova Geração. Petrópolis: Vozes, 1984.
FOWLER, James. Estágios da Fé: a Psicologia do Desenvolvimento Humano e a Busca de Sentido.
São Leopoldo: Editora Sinodal/EST-IEPG, 1992.
MOTA, Sílvio Gonçalves. As Fronteiras da Fé na Criança: descobrindo as relações sócio-
religiosas da espiritualidade infantil. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista, 2005.

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