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CONCEPÇÃO DE EDIFÍCIOS
(notas de aula)
Márcio M. Fabrício
1 INTRODUÇÃO
A velocidade das transformações tecnológicas, sociais e econômicas tem obrigado as
empresas a se manterem flexíveis e ágeis frente a novos desafios. O antigo paradigma de
produção em massa (taylorista-fordista) é substituído pelas premissas da produção enxuta
(Ohno, 1988; Womack et al., 1990) e por novos métodos de gestão da produção mais
adaptáveis às escalas de produção e às mudanças de mercado.
Num contexto de incremento das exigências frente aos produtos e aos processos, as
empresas têm buscado novos métodos, mais ágeis e mais competentes, para desenvolver
produtos e serviços que respondam às crescentes exigências e mudanças do mercado e da
sociedade.
A capacidade competitiva das empresas, em muitas indústrias, surge fundamentalmente da
sua capacidade de desenvolver novos produtos que atendam às demandas dos clientes, e o
desenvolvimento de produtos situa-se na interface entre a empresa e o mercado (Toledo,
1993, p. 139).
Várias empresas, em especial aquelas que produzem produtos complexos ligados às
indústrias automobilística, aeroespacial, micro-eletrônica, etc., têm conseguido ampliar e
agilizar sua capacidade de amadurecer novas tecnologias e transformá-los em novos
produtos de qualidade, através da implantação e da utilização do processo de Engenharia
Simultânea (ES) nas fases de concepção e desenvolvimento de produto.
O conceito e utilização sistemática da Engenharia Simultânea remonta a meados da década
de oitenta. A denominação “Concurrent Engineering” ou Engenharia Simultânea (termo mais
freqüente na literatura e também adotado neste trabalho) foi proposta e caracterizada
primeiramente pelo Institute for Defense Analysis (IDA) do governo americano.
“Engenharia Simultânea: uma abordagem sistemática para integrar, simultaneamente
projeto do
produto e seus processos relacionados, incluindo manufatura e suporte. Essa abordagem é
buscada para
mobilizar os desenvolvedores (projetistas), no início, para considerar todos os elementos do
ciclo de
vida da concepção até a disposição, incluindo controle da qualidade, custos, prazos e
necessidades dos
clientes”. (Institute for Defense Analyses – IDA, 1988) apud (SCPD, 2002).
Como ressalta Jouini; Midler (1996), as práticas de gestão não são “pacotes” que podem ser
transferidos de um setor industrial para outro. As dinâmicas industriais próprias de cada
setor, a história e capacitação dos profissionais envolvidos e os conflitos na articulação das
interfaces entre agentes devem ser considerados para adaptar e reinventar os métodos de
gestão dentro dos contextos setoriais.
O primeiro passo para discutir a aplicação da Engenharia Simultânea no setor de construção
é analisar as características comuns e as divergentes no ambiente e nos objetivos projetuais
da indústria de produção seriada (origem da ES) e da indústria de construção. Em seguida,
devese buscar um modelo próprio que, mesmo inspirado nas práticas colaborativas mais
modernas usadas na ES em outras indústrias, contemple as particularidades e as
necessidades específicas da indústria da construção de edifícios.
O processo de projeto de um novo produto na indústria seriada é, em geral, percebido de
forma mais ampla que na construção. Nesta indústria (seriada) o desenvolvimento de um
novo produto é compreendido como pesquisas de mercado e identificação de oportunidades
de negócios, passa pela formulação das estratégias de marketing, programas de
necessidades e pela realização dos projetos que caracterizam e especificam o produto, até
a caracterização da produção (desenvolvimento do processo), envolvendo, às vezes, a
fabricação de protótipos e simulação do desempenho do produto e do processo.
Enquanto isso, na construção estes processos ocorrem de forma pouco sistematizada e são
fragmentados em diversos agentes independentes e subprocessos estanques.
Por outro lado, na indústria seriada, muitas vezes, o desenvolvimento de um novo produto é
acompanhado pelo desenvolvimento de uma inovação no conceito do produto ou na
tecnologia ou no marketing ou em vários destes aspectos conjuntamente. Na construção, ao
contrário, a maioria dos empreendimentos é desenvolvida com base nos padrões
tradicionais e não está orientada para a introdução de inovações.
Além disso, em muitas indústrias, a grande série de produção (a automobilística é o
exemplo típico) justifica a mobilização em tempo integral das equipes de projeto e elevados
investimentos financeiros, ao passo que na construção os recursos mobilizados no projeto
têm que ser amortizados em um número bastante restrito de unidades de produto.
Comparando o desenvolvimento dos empreendimentos de construção de edifícios com os
empreendimentos de outras indústrias, como a automobilística, farmacêutica etc., Leclair
(1993) ressalta o caráter próprio e, em certos sentidos, híbrido dos empreendimentos de
construção.
Para Leclair os empreendimentos automobilísticos são caracterizados pelo grande porte da
empresa montadora. Cada novo empreendimento, uma vez em marcha, raramente é
abortado, além disso, normalmente uma montadora não desenvolve mais do que dois ou
três projetos de novos modelos simultaneamente. O desenvolvimento de novos modelos e
de famílias de automóveis ocorre de forma bastante centralizada e coordenada pela
montadora, mesmo que parte deste processo seja terceirizada (figura 1b).
Com a crescente desverticalização dos processos produtivos do setor e as parcerias com
fornecedores de sistemas (fornecedores de subsistemas pré-montados dos automóveis)
ocorre uma crescente migração de parte do processo produtivo para os fornecedores que,
conforme destaca Jouini; Midler (2000), podem representar mais de 70% do custo variável
de um veículo.
Com a terceirização crescente da produção, os projetos de partes ou subsistemas dos
automóveis, em especial os que envolvem a incorporação da micro-eletrônica, têm sido
desenvolvidos por projetistas independentes, contratados ou pertencentes aos fornecedores
parceiros.
Por outro lado, verifica-se que a tendência de desverticalização da produção e do projeto é
acompanhada por uma forte relação de parceria entre as montadoras e seus fornecedores,
com a montadora mantendo um papel central na coordenação do processo e na articulação
das equipes de projeto (Jouini; Midler, 2000).
Outro tipo de empreendimento contemplado na análise de Leclair (1993) é o dos grandes
projetos de engenharia. Os exemplos citados são o Eurotunel, o foguete europeu Ariani e
um novo modelo de grande avião do consórcio AirBus e se caracterizam pela participação
de inúmeras e quase que igualmente importantes empresas para a condução do
empreendimento, marcando uma organização em que o empreendimento chega a ser maior
que as empresas envolvidas. Nesses casos, segundo o autor, uma vez lançado o
empreendimento ele é terminado mesmo que durante o seu desenvolvimento surjam sérias
dificuldades não previstas e os custos aumentem substancialmente. As equipes de
desenvolvimento desses empreendimentos são em geral decentralizadas e têm uma vida
condicionada pela duração do empreendimento (figura 1a).
Um terceiro tipo de empreendimento analisado por Leclair é praticado pelas empresas
farmacêuticas que pesquisam simultaneamente inúmeras moléculas para fins médicos e, ao
longo do processo de desenvolvimento, várias pesquisas são abortadas (figura 1c). Isso se
deve ao fato de o projeto de um novo medicamento implicar um desenvolvimento científico
cujos resultados são imprevisíveis a priori e a dinâmica de projeto neste setor é
condicionada por certa incerteza.
(a)grandes empreendimentos (b) indústria automobilística (c) indústria farmacêutica (d)construção de edifícios
Empreendimento
Empresa
Figura 1. Características do empreendimento em várias indústrias
1
Um exemplo contemporâneo de “novo conceito” de produto que vem tendo bastante sucesso é a construção de
Flats que acoplam à residência uma série de serviços de hotelaria, posicionando-se no mercado como um meio
termo entre o hotel e o apartamento tradicional. Também no ramo de escritórios, pode-se verificar o surgimento
de novos conceitos, como o escritório virtual em que a empresa dispõe de um número de telefone, fax, Internet,
etc. acessados à distância e podem fornecer um endereço, receber clientes e agendar reuniões em espaços
compartilhados, ou seja, um mesmo escritório, uma mesma sala de reuniões, uma mesma copa, etc. atendem a
diferentes empresas, segundo regras de agendamento.
entre os canteiros de obra, quase todos baseados na mesma organização de mão-de-obra e
bastante limitados quanto à variabilidade das soluções técnicas adotadas: é evidente, por
exemplo, a predominância do concreto moldado ‘in loco’ e da alvenaria de blocos.
Assim, as inovações tecnológicas e construtivas seguem na linha da racionalização das
construções a partir da base técnica instalada.
Isto se explica pela instabilidade do mercado que desestimula grandes investimentos e
mudanças radicais na base técnica do setor (Farah, 1992; Cardoso, 1993).
Nesse contexto as alternativas de modernização baseadas na industrialização (taylorista) da
construção não se viabilizaram como uma solução válida para a realidade do setor de
edificações e, de fato, a principal tendência de modernização surge pela busca de novas
formas de racionalização das construções tradicionais (Cardoso, 1996).
As inovações que levam à racionalização estão ligadas aos materiais e componentes de
construção e aos métodos construtivos.
As inovações nos materiais e componentes surgem predominantemente da iniciativa de
grandes indústrias de produção de materiais e componentes de construção 2 .
Com isso, a inovação tecnológica na construção de edifícios está em parte atrelada ao
desenvolvimento de novos produtos pelas indústrias fornecedoras.
Conforme destacam Vargas (1984) e Martucci (1990), as empresas de construção (em
geral pequenas e médias), com pequenas escalas de produção e limitado poder de
barganha frente aos grandes fornecedores industriais, desempenham um papel limitado no
desenvolvimento de novos insumos, que acabam surgindo das conveniências e estratégias
dos fabricantes de materiais e componentes.
Entretanto, como pondera Farah (1992): “Embora o centro dinâmico do processo de
mudança esteja situado, em boa parte dos casos, na indústria de materiais e componentes,
as inovações não devem ser vistas como mera imposição dos fabricantes, como algo
estranho à lógica do processo de construção. Pelo contrário, as ‘necessidades’ da atividade
de construção é que definem, em última instância, a viabilidade de determinada inovação.”
No tocante à introdução de inovações tecnológicas nos métodos construtivos ganham força
nos canteiros de obras nacionais iniciativas de racionalização, tais como “laje zero”,
modulação de alvenaria, emprego de contramarcos, portas e janelas prontas, paletização de
componentes, etc.
No caso do lançamento de novos materiais e componentes de construção, a concepção e o
projeto do empreendimento têm um papel indutor limitado uma vez que, ao contrário de
outras indústrias, os novos materiais surgem, normalmente, da conveniência dos grandes
fornecedores e não da demanda de um novo empreendimento.
Por outro lado, apesar de ter origem na indústria de fornecedores, os novos materiais e
componentes intervêm no processo construtivo, eliminando ou modificando práticas de
trabalho consolidadas, pela incorporação de tecnologia em etapas anteriores ao canteiro 3 .
Assim, cabe aos projetos a opção pela utilização dos novos materiais e, principalmente, o
detalhamento e a especificação da maneira de empregá-los e das soluções das interfaces
desses novos materiais e componentes com o sistema construtivo.
2
Embora este raciocínio seja válido para a maioria dos novos materiais e componentes ele não é uma regra
absoluta. Inúmeros exemplos, como os concretos de alto desempenho, blocos especiais para alvenaria, etc.
surgem da iniciativa de universidades e empresas construtoras, e são particularmente estimulantes os resultados
conseguidos por projetos de pesquisa e desenvolvimento conjunto universidade – construtora, como, por
exemplo, o projeto Poli-Encol no início da década de noventa.
3
A incorporação de novos materiais e componentes na construção é comumente acompanhada da ocorrência
de falhas e patologias causadas pela má utilização de novos produtos ou pelo não seguimento de suas
especificações de uso. Sobre isto ver IPT (1988 p.24-25).
Conforme ressalta Barros (1996), “o projeto constitui a ´porta de entrada` para que novas
tecnologias sejam efetivadas nos canteiros de obras (...) uma vez que permite incorporar,
logo no início do processo de produção, as inovações oriundas dos setores de materiais, de
componentes, de equipamentos e de desenvolvimento tecnológico”.
Nesse caso, o papel da ES é o de tomar decisões mais maduras quanto à utilização ou não
de novos materiais e componentes e desenvolver adequadamente as interfaces desses
componentes com os demais materiais e subsistemas da construção.
No caso das inovações nos métodos construtivos os projetos têm um papel mais ativo de
propor e desenvolver as inovações. Tais inovações exigem novos detalhamentos e
mudanças no processo de trabalho cuja implantação depende fundamentalmente das
construtoras, de sua competência técnica e da capacidade dos projetistas desenvolverem
tecnológica e construtivamente as inovações (Franco, 1992, Barros, 1996).
A introdução de práticas de desenvolvimento de produto por meio da ES pode facilitar a
introdução de inovações construtivas e dar a essas inovações um caráter mais
multidisciplinar que considere as várias implicações para a qualidade do produto e do
processo de uma inovação. Assim, por exemplo, a introdução de novas práticas de
produção de laje de concreto, que elimina ou reduz o contrapiso (“laje zero” ou “laje plana”),
deve considerar também soluções para manter níveis aceitáveis de conforto acústico sem o
que se racionaliza a obra à custa de um prejuízo no desempenho do produto (Souza, 1996).
De fato, o estudo mutidisciplinar das inovações construtivas pode agilizar o processo de
inovação e garantir uma maior confiabilidade, eficiência e eficácia para as ações de
racionalização propostas.
E MANUTENÇÃO
(a)
Melhado (1994)
Figura 3. Ciclo da qualidade na construção: (a) as implicações do projeto no ciclo da
qualidade; (b) agentes e etapas a serem considerados no desenvolvimento da qualidade
durante o projeto.
2.2.4 Construtibilidade
Construtibilidade, numa visão particularizada a etapa de projeto, é definida por O´Connor;
Tucker (1986) apud Franco (1992) como “...a habilidade das condições do projeto permitir a
ótima utilização dos recursos da construção”. Ou seja, a construtibilidade do projeto é
percebida como a capacidade de o projeto direcionar e interagir com os sistemas de
produção de forma eficiente.
Numa definição mais abrangente CII (1987) apud Franco (1992) aponta construtibilidade
como “o uso otimizado do conhecimento das técnicas construtivas e da experiência nas
áreas de planejamento, projeto, contratação e da operação em campo para se atingir os
objetivos globais do empreendimento”. Com essa abrangência fica ressaltada a pertinência
do envolvimento, no planejamento do empreendimento e nos projetos, o pessoal de
produção de forma a confederar precocemente a construtibilidade ao longo das várias
etapas do empreendimento.
A construtibilidade dos edifícios está em parte relacionada à introdução de inovações
tecnológicas e construtivas que racionalizam a obra ou parte desta. Por outro lado, a
construtibilidade está diretamente ligada à qualidade das soluções projetuais, à integração
entre os projetos e dos projetos com o sistema de produção da obra.
A qualidade e o detalhamento das soluções projetuais é importante para disponibilizar, ao
pessoal da obra, o que se espera do produto e dos subsistemas construtivos. Nessa mesma
direção. a integração das soluções de especialidades e a compatibilidade das informações
presentes nos vários projetos são fundamentais para que a obra possa executar os
susbistemas sem interferências não previstas.
Outro aspecto importante é a compatibilidade entre as soluções projetuais e a capacitação
da mão-de-obra e da empresa de forma que boas soluções teóricas não sejam
comprometidas por uma execução inadequada. Nesse sentido, os projetos para produção
têm um importante papel na construtibilidade das obras à medida que por meio deles se
desenvolve precocemente as soluções construtivas, contribuindo para integram os projetos
do produto com o sistema de produção da empresa. Desta forma, Romero (2002) sugeri que
os projetos para produção podem ser vistos como um mecanismo de validação dos projetos
do produto quanto a sua construtibilidade.
Para facilitar a interação com a execução os projetos devem, também, ser claros,
transparentes e facilmente manuseáveis para permitir que as informações sejam
interpretadas e compreendidas na obra 4 .
Portanto, uma destacada vantagem e justificativa para o desenvolvimento de produtos por
meio de práticas colaborativas aos moldes da ES é a integração do projeto do produto ao
projeto para produção e a obra, ampliando a construtibilidade e, conseqüentemente, a
qualidade e a produtividade do processo de produção.
4
No estudo de caso na empresa A1, o desenvolvimento de um novo sistema de codificação e apresentação de
projetos, com cores distintas para cada especialidade, uso de ícones para representar informações como ponto
de luz, telefone, etc. e a apresentação de projetos em folhas A3, exemplificam possíveis esforços para ampliar a
transparência dos projetos aos operários e facilitar o manuseio destes na obra.
processo de projeto e a busca pela colaboração e paralelismo na atuação dos agentes e na
concepção integrada das diferentes dimensões do empreendimento.
O conceito de Projeto Simultâneo deve ser entendido como uma adaptação (ao setor) da
Engenharia Simultânea que busca convergir, no processo de projeto do edifício, os
interesses dos diversos agentes participantes do ciclo de vida do empreendimento,
considerando precoce e globalmente as repercussões das decisões de projeto na eficiência
dos sistemas de produção e na qualidade dos produtos gerados, envolvendo aspectos como
construtibilidade, habitabilidade, manutenibilidade e sustentabilidade das edificações
(Fabricio; Melhado, 2001).
Outra questão considerada é que a organização “social” do processo de projeto deve,
o quanto possível, respeitar as lógicas intelectuais de desenvolvimento do projeto e a
atuação dos diversos projetistas e ser sincronizada de forma que os diferentes projetos
amadureçam simultaneamente e as decisões projetuais sejam tomadas a partir de
abordagens multidisciplinares dos problemas projetuais.
Em síntese, como Projeto Simultâneo na construção de edifícios define-se:
O desenvolvimento integrado das diferentes dimensões do empreendimento, envolvendo a
formulação conjunta da operação imobiliária, do programa de necessidades, da concepção
arquitetônica e tecnológica do edifício e do projeto para produção, realizado por meio da
colaboração entre o agente promotor, a construtora e os projetistas, considerando as
funções subempreiteiros e fornecedores de materiais, de forma a orientar o projeto à
qualidade ao longo do ciclo de produção e uso do empreendimento (Fabricio, 2002).
Os principais elementos considerados para implantação da filosofia de Projeto Simultâneo
na construção de edifícios são:
Valorização do papel do projeto e integração precoce, no projeto, entre os vários
especialistas e agentes do empreendimento;
Transformação cultural e valorização das parcerias entre os agentes do projeto;
Reorganização do processo de projeto de forma a coordenar concorrentemente os
esforços de projeto;
Utilização das novas tecnologias de informática e telecomunicações na gestão do
processo de projeto.
No quadro 4 são apresentadas algumas das principais conexões que evidenciam o papel
das parcerias frente às várias correntes de modernização empresariais e
industriais/operacionais listadas anteriormente.
De forma contemporânea e ligada à perspectiva de empresas enxutas (lean), as parcerias
com os fornecedores articulam-se aos processos de desverticalização ou desintegração
vertical pelos quais as empresas eliminam, fundem ou terceirizam etapas de seus processos
produtivos ou administrativos. Essa eliminação ou terceirização de atividades propicia uma
maior flexibilidade empresarial à medida que transfere responsabilidades e riscos de parte
do processo produtivo para os fornecedores e permite que a empresa se concentre em seus
processos principais. Por outro lado, tal estratégia pressupõe, para ser bem sucedida, uma
maior confiança e interação com os fornecedores, envolvendo até mesmo a transferência de
tecnologia e de domínio entre processos conexos, que deve ser alicerçada por uma maior
confiança mútua respaldada por parcerias que privilegiem a qualificação e a capacitação
dos fornecedores frente às necessidades e estratégia de produção da empresa cliente.
Um exemplo marcante que ilustra as afirmações anteriores, especificamente no caso da
indústria automobilística, é a crescente transferência aos fornecedores da responsabilidade
pelo fornecimento de sistemas completos (envolvendo vários componentes e serviços de
montagem destes sistemas) que são entregues prontos no local e na hora adequados para
serem utilizados pela linha de produção da montadora.
Além disso, segundo Andery et al. (2000), no planejamento dos projetos deve-se considerar,
em todas as fases, os requisitos e expectativas dos clientes e usuários, contemplando duas
dimensões de valor:
soluções técnicas que garantam que os edifícios atendam às expectativas do cliente;
a eliminação de incertezas nos projetos, de retrabalhos e da necessidade de
desenvolvimento de soluções durante a obra, ampliando a racionalidade e
construtibilidade dos projetos.
6
Participam desse programa 06 (seis) escritórios de projeto de arquitetura, 04 (quatro) de projeto estrutural, 02
(dois) de projeto de sistemas prediais e 10 (dez) empresas construtoras e incorporadoras, totalizando 22
participantes. Esse grupo discutiu o fluxo de atividades do processo de projeto, identificando quais os principais
aspectos que afetam a sua qualidade e eficiência e seus marcos mais importantes.
7
O fluxo, os conteúdos detalhados e os responsáveis de cada fase estão descritos em CTE (1997) e Baía
(1998).
de Projeto na Construção Civil”. Nesse estudo de campo 8 percebeu-se uma forte influência
de questões comerciais e contratuais na subdivisão do processo de projeto. Uma das
preocupações dos projetistas participantes da elaboração do modelo foi a de organizar as
etapas do processo de projeto com ênfase na caracterização dos marcos de entregas
parciais do projeto, além de definir uma gama de serviços associados ao projeto, de forma a
facilitar a negociação do preço x serviços oferecidos e estabelecer momentos intermediários
de recebimento pelo serviço de projeto.
Mesmo no manual da AsBEA pode-se perceber uma clara preocupação com os direitos
autorais e a remuneração do projeto e de suas etapas.
Jobim et al. (1999) e Tzortzopoulos (1999), também visando à implantação de sistema de
gestão da qualidade em empresas de projeto, desenvolvem uma subdivisão deste processo
em etapas e relacionam cada etapa com os agentes responsáveis principais e co-
responsáveis.
Tzortzopoulos (1999) propõe as seguintes etapas para o processo de projeto: (i)
Planejamento e concepção do empreendimento, (ii) Estudo preliminar, (iii) Anteprojeto, (iv)
Projeto legal, (v) Acompanhamento da obra, (vi) Acompanhamento do uso.
Já Jobim et al. (1999) acrescentam uma etapa de validação do processo antes da obra e
colocam a entrega do produto, os manuais do proprietário e demais informações aos
clientes, como uma etapa formal do processo de projeto que, segundo estes autores,
contém as seguintes etapas: (i) Definição do tipo de empreendimento, Estudo preliminar, (iii)
Anteprojeto
(iv) Projeto arquitetônico, (v) Projetos complementares, (vi) Validação dos projetos, (v)
Alterações do projeto durante a produção, (vi) Entrega do imóvel, (vii) Avaliação durante o
uso.
Apesar de algumas diferenças, os modelos de CTE (1997), Jobim et al. (1999) e
Tzortzopoulos (1999) trazem uma abordagem semelhante do processo de projeto no que se
refere às subetapas de projeto e às responsabilidades ao longo do processo.
Com relação à NBR13531, os modelos propostos pela AsBEA (2000), CTE (1997), Jobim et
al. (1999) e Tzortzopoulos (1999) estendem a abrangência do processo de projeto até o
acompanhamento e avaliação do uso do edifício.
Outro ponto comum que estas subdivisões do processo de projeto têm é o fato de
apresentarem diversas etapas e subetapas hierarquizadas e uma rígida organização
seqüencial destas etapas.
Melhado et al. (1996) desenvolvem a proposta de Melhado (1994) e propõem uma
subdivisão para o processo de projeto voltada à participação e coordenação de esforços dos
quatro principais agentes de um empreendimento de construção e incorporação de edifício.
3 CONCLUSÕES
A filosofia de Projeto Simultâneo parte do referencial dado pelo conceito de Engenharia
Simultânea e desenvolve uma proposição circunstanciada pelas características e demandas
específicas das empresas do segmento da construção de edifícios.
Na essência pretende-se dar ao projeto uma “paternidade” coletiva e coordenar
esforçosobjetivando soluções globalmente boas, mesmo que não isoladamente ótimas.
Assim, como Projeto Simultâneo compreende-se o tratamento integrado de três interfaces
8
O estudo de campo consistiu no acompanhamento de dois grupos de empresas de projeto engajados em
cursos de treinamento e implantação de sistemas de gestão da qualidade. Tais cursos foram fomentados por
ações cooperativas envolvendo diversas entidades representativas do setor como, IAB - SP, AsBEA - SP,
SINAENCO e, foram ministrados pela empresa de consultoria NGi -Núcleo de Gestão da Inovação dentro do
“Programa de Gestão da Qualidade no Desenvolvimento de Projeto na Construção Civil”.
do processo de desenvolvimento de novos esdifícios:
interface com o mercado/usuário – i1;
interface entre as diversas especialidades envolvidas nos projetos – i2;
interface do projeto com a produção – i3.
Para a primeira interface (i1), por um lado, é necessário um aprofundamento das técnicas de
marketing e de relacionamento das empresas promotoras com os clientes e usuários; por
outro lado, é fundamental uma relação mais dialética entre as decisões de programa e as de
projeto.
No tocante à interface i2 ficou claro que a coordenação de projeto deve ser reconhecida
como uma atividade fundamental para garantir a coerência entre as soluções de
especilidades e para tanto um coordenador deve assumir a tarefa de fomentar a troca de
informações e mediar os conflitos entre os vários projetistas.
Para a interface entre a etapa de projeto e a obra (i3) foi discutida a utilização de projetos
para produção como forma de desenvolver previamente a obra e integrar na etapa de
projeto uma reflexão aprofundada sobre o processo de execução, de forma que as decisões
de projeto considerem conjuntamente os desdobramentos com relação ao produto e sua
construção.
Para aplicação do Projeto Simultâneo na construção foram identificadas três ações
prioritárias:
• estabelecer uma cultura de parceria entre os agentes do projeto como forma de
superar limitações de uma mediação comercial das relações entre agentes, viabilizar
uma atuação mais interativa entre os agentes, valorizando-se os intercâmbios
técnicos;
• organizar e planejar o processo de projeto privilegiando o tratamento multidisciplinar
das soluções de projeto;
aproveitar as potencialidades das novas tecnologias da informática e
telecomunicações para automatizar tarefas repetitivas de projeto e, principalmente,
potencializar a comunicação entre os agentes do projeto.
A adoção do conceito de Projeto Simultâneo representa um significativo avanço na forma de
enfocar o desenvolvimento de produto na construção de edifícios, englobandono processo
de projeto todas as facetas do ciclo de vida de um empreendimento imobiliário. As diretrizes
para implementação do Projeto Simultâneo compõem um conjunto articulado de ações que,
se aplicadas, possibilitam aprimorar o desempenho do processo de projeto e,
consequentemente, a qualidade dos edifícios.
Referencias Bibliográficas