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Belo Horizonte, 13 de setembro de 2022.

Carta aberta as/os Inspetoras/es Escolares de Minas Gerais


Caríssimas e Caríssimos Inspetoras/es Escolares na ativa e


aposentados de Minas Gerais,

Nesse dia festivo convido a todas/os Inspetoras/es Escolares para


pensarem qual o seu lugar no serviço público. Dirijo-me a você colega
aposentada/o e na ativa nessa data tão importante, que comemoramos
o dia da/o Inspetora/or Escolar no estado de Minas Gerais.

Na simplicidade das palavras do mestre Paulo Freire encontramos


uma grande revelação para a nossa prática enquanto servidoras/es
públicos e Inspetoras/es Escolares, duas categorias inseparáveis que
fazem parte da mesma prática. Diz-nos o mestre: “não basta saber ler
que ‘Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva
ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e
quem lucra com esse trabalho”. Será que compreendemos na singeleza
destas palavras de Paulo Freire qual é o nosso lugar no contexto
escolar? Na sociedade? O que produzimos ou reproduzimos no interior
das escolas? Quem lucra com esta produção ou reprodução?

E este diálogo está impregnado de questões que precisam ser


pensadas para que não fiquemos iludidos quando escutamos dos
gestores das políticas estaduais que somos imprescindíveis ou
estratégicos. Por que precisamos saber primeiro para quem somos
estratégicos? Quais os agentes que lucram com nossas ações no
cumprimento, muitas vezes, de propostas que não vemos sentido?
De fato, trabalhamos em um lugar especial, a escola é um
lugar muito importante na sociedade. É na escola que os
educadores forjam o futuro, que formam as gerações que farão
parte da sociedade do amanhã. É nela que é possível um outro
mundo, por isto precisamos nos referendarmos em nós mesmos,
educadores, e não nas fundações privadas ou nos mercados
educacionais.

Não devemos estar a reboque do mercado. Simplesmente


acolhendo, emprestando nossos nomes, para políticas pensadas e
geridas por institutos e fundações educacionais ligadas a diversas
empresas. Estas empresas possuem objetivos diferentes dos
nossos. Não podemos perder de vista que o que ensinamos nas
escolas não envelhece, não fica ultrapassado, porque a escola
trabalha com “o mesmo”, com aquilo que permanece, que
construímos cotidianamente entre um conceito no quadro branco,
um olhar, um afago, uma escuta e uma resposta no momento
exato. Isto tudo é eternizado, nenhum banco, nenhum instituto,
nenhuma fundação privada podem executar e armazenar a
grandeza do que trabalhamos no interior da escola.

Não podemos estar desgarrados, sem uma identidade de


classe, enfrentando sozinhos a correlação de forças do mundo do
trabalho. O direito trabalhista foi criado para garantir que a
dignidade da pessoa humana seja respeitada. Que não nos
tornemos uma mera mercadoria que possa ser transacionada no
mercado, ou seja, vender parte de seu tempo para o outro, sem
que seu direito a um trabalho respeitoso, a uma vida digna, a um
tempo de lazer, descanso com suas famílias possa existir.
A conquista de direitos é um conceito marcado pela
imperfeição. Os direitos nunca são dados a priori, de forma
espontânea e sua manutenção depende de uma conquista todos
os dias. Garantir esta dignidade diz respeito a garantir direitos
historicamente conquistados.

Nesse sentido pertencer a uma associação é importante,


pois a associação é a sua identidade. O lugar que guarda a
história do seu cargo e que para a sociedade é a referência
institucional das/dos Inspetoras/es. O lugar onde elaboramos as
metas, reconstruímos rotas. Pertencer a esta entidade reforça a
legitimidade, representatividade e o poder negocial.

Daí, voltando ao nosso patrono da educação nos parece


fundamental que todo trabalhador do ensino, todo educador ou
educadora, tão rapidamente quanto possível, assuma a natureza
política de sua prática. Defina-se politicamente. Faça a sua opção
e procure ser coerente com ela. Conforme Freire “é fundamental
diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma
que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”.

Lembrando que como servidor público entregamos à


sociedade a educação, que é um bem público, mas também nos
beneficiamos, enquanto servidores de um bem público, pois
como trabalhadores ocupamo-nos de um cargo construído por
uma política pública. Portanto, ao tomar uma decisão política, na
esfera privada, podemos fortalecer ou enfraquecer a
manutenção dos serviços públicos colocando assim, em extinção,
o nosso próprio emprego.

Por último quero deixar algumas reflexões nesta data


festiva, com o intuito de marcar como as ações que
empreendemos no plano individual vão impactar o nosso plano
coletivo, são elas:

1. Não desista da política. Não menospreze o poder do seu


voto. Tem um jogador de basquete americano que está
fazendo a seguinte campanha nos EUA, vote ou morra.
Estamos neste nível. Vote ou perca todos os seus direitos,
cada vez que você não vai as urnas, cada vez que resolve
escolher o pastor, o militar, o empresário ignorando os
planos de governo, ignorando as propostas que estes
candidatos planejam para os seus governos, perdemos
direitos fundamentais, diminuímos conquistas históricas e
retrocedemos na qualidade de nossas vidas.
2. Não caia na cilada do empreendedorismo. Ninguém deve
ser empreendedor de si mesmo. Na sociedade capitalista o
empreendedor de si mesmo é um trabalhador sem proteção
social, sem direitos trabalhistas, sem associação. O
capitalismo quer jogar a culpa do desemprego no trabalhador.
Como se ele não estivesse estudando, se esforçando o
suficiente para alçar em emprego melhor;
3. Defender a escola pública de gestão pública. Muitos atores
da sociedade civil têm se arvorado na defesa da escola
pública, mas na verdade os interesses destes agentes não é
manutenção da escola pública, de gestão pública. Os seus
objetivos são desqualificar a escola pública para depois dizer
que eles podem fazer diferente. Na verdade, por trás disso
temos algo muito pior. O intuito destes atores é construir um
projeto de trabalho, onde os filhos da elite continuem a
ocupar os cargos de chefia, os cargos nas políticas e os filhos
das classes trabalhadoras fiquem com os subempregos.
4. Engaje-se nos cursos de formação promovidos por sua
associação. Por nossa especificidade, podemos proporcionar
uma formação ampla, tanto para o trabalho como para o
trabalhador, voltada para o confronto de ideias, análises críticas
das ações pedagógicas, de posições teóricas divergentes, uma
formação que visará uma discussão permanente sobre os
projetos sociais e políticos em disputa em nossa sociedade, que
são contraditórios entre si, e na maioria das vezes, são
antagônicos aos direitos dos servidores públicos e da sociedade
atendida por estes serviços públicos.

E para que ninguém termine a leitura desta carta pensando


que só nos lembramos dos retrocessos e do avanço do
neoliberalismo sobre os serviços públicos, deixamos um fraterno
abraço a todas/todos Inspetoras/es Escolares e que não
percamos as esperanças. Assim nos diz Paulo Freire: “é preciso
ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar;
porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E
esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.
Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar
é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar
adiante, esperançar é juntar-se com outro para fazer de
outro modo.

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Geovanna Passos Duarte
Presidente da AMIE

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