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ALIMENTAÇÃO E SAÚDE:

PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO


DE VIDA SAUDÁVEL

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Claretiano – Centro Universitário
Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000
cead@claretiano.edu.br
Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006
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Meu nome é Gustavo Henrique Cepolini Ferreira. Sou


geógrafo formado pela PUC – Campinas, especialista em
Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais pela
Universidade Federal de Lavras (UFLA) e em Docência no
Ensino Superior, nas modalidades a distância e presencial
pelo Claretiano – Centro Universitário. Sou Mestre e Doutor
em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP).
Sou autor de Materiais Didáticos Mediacionais para EaD,
artigos em diferentes periódicos e livros na área de Geografia,
Meio Ambiente, Agroecologia, Educação e Formação de
Professores. Atualmente sou Professor na Universidade
Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
E-mail: gustavocepolini@gmail.com

Meu nome é Eliana Izabel da Silva Cepolini. Sou fisioterapeuta


formada pelo Claretiano – Centro Universitário, com
aperfeiçoamento no Método Pilates Original pela Associação
Brasileira de Pilates (ABP) e Especialista em Programa Saúde
da Família pela Universidade Gama Filho. Já atuei na área de
saúde hospitalar nos estados de São Paulo e Minas Gerais
e coordenei o Projeto Claretiano Solidário em Rondônia,
entre 2008 e 2009. Atualmente, realizo consultorias nas
áreas de saúde, educação (formal e informal), qualidade de
vida, maternidade e projetos socioambientais integradores
e atuo nos projetos de Extensão Universitária do Claretiano
– Centro Universitário.
E-mail: eliana.izabel.silva@gmail.com
Prof. Dr. Gustavo Henrique Cepolini Ferreira

Profa. Eliana Izabel da Silva Cepolini

ALIMENTAÇÃO E SAÚDE:
PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO
DE VIDA SAUDÁVEL

Batatais
Claretiano
2019
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
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forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição
na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito
do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Dr. Pe. Cláudio Roberto Fontana Bastos
Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Dr. Pe. Cláudio Roberto Fontana Bastos
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Me. Luís Cláudio de Almeida
Coordenador Geral de EaD: Prof. Me. Evandro Luís Ribeiro

CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera
• Cátia Aparecida Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins
• Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo •
Patrícia Alves Veronez Montera • Raquel Baptista Meneses Frata • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio
Morotti • Rodrigo Ferreira Daverni • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia
Maria de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires
Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Marilene Baviera • Renan de Omote
Cardoso

INFORMAÇÕES GERAIS
Cursos: Extensão
Título: Alimentação e Saúde: Princípios para um Estilo de Vida Saudável
Versão: fev./2019
Formato: 15x21 cm
Páginas: 131 páginas
SUMÁRIO

GUIA DO CURSO........................................................................................ 7

Unidade 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO


DE VIDA SAUDÁVEL
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 15
2. ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: DEFINIÇÕES E OBJETIVOS..................................... 15
3. PANORAMA E RELAÇÃO ENTRE ALIMENTAÇÃO E SAÚDE............................. 23
4. POLÍTICAS PÚBLICAS ALIMENTARES: SEGURANÇA ALIMENTAR E
SOBERANIA ALIMENTAR (FOME ZERO).......................................................... 29
5. ALIMENTAÇÃO E AS METAS DO MILÊNIO...................................................... 43
6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 45
7. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 46
8. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 47
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 48

Unidade 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 53
2. COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES......................................................... 53
3. A MERCANTILIZAÇÃO DOS ALIMENTOS......................................................... 69
4. AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS VERSUS CONTAMINAÇÕES
AMBIENTAIS E ANTRÓPICAS........................................................................... 74
5. ALIMENTAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA: ÉTICA E RESPEITO À VIDA.................. 89
6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 94
7. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 94
8. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 95
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 97
Unidade 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E
LIMPA DO CAMPO À MESA
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 101
2. PRINCÍPIOS DA AGROECOLOGIA..................................................................... 101
3. QUALIDADE DE VIDA E ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL....................................... 108
4. A CURA COM A ALIMENTAÇÃO....................................................................... 109
5. O PSF E O USO DAS PLANTAS MEDICINAIS.................................................... 119
6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 128
7. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 128
8. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 129
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 129

AVALIAÇÃO DO CURSO........................................................................................... 131


GUIA DO CURSO

Apresentação
Seja bem-vindo! A partir deste momento, você iniciará o
estudo do curso de Extensão Universitária Alimentação e Saúde:
Princípios para um Estilo de Vida Saudável, na modalidade EaD
do Claretiano. Teremos muita satisfação em desenvolvê-lo com
você!
Nesse curso, estudaremos as relações entre alimentação e
saúde a partir de um olhar interdisciplinar; para isso, apresenta-
remos um quadro amplo, especialmente no tocante às alternati-
vas para uma vida saudável.
Neste Guia do curso, você lerá as informações práticas in-
dispensáveis para o estudo dos conteúdos relacionados, o qual
se efetivará no Caderno de referência de conteúdo. Essas infor-
mações ajudarão você a programar e a organizar seus estudos.
Sugerimos, contudo, que você não se limite apenas aos
conteúdos explicitados neste caderno, mas que também os in-
terprete como um referencial por meio do qual você possa ex-
pandir seus horizontes de conhecimentos, obtendo uma apren-
dizagem consistente.
Desejamos, pois, êxitos na realização de seus estudos, pes-
quisas e em sua vida profissional!

7
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

Ementa
Alimentação e Saúde: definições, objetivos e aplicações.
Políticas públicas alimentares: segurança alimentar e soberania
alimentar. Costumes e práticas alimentares. A mercantilização
dos alimentos. Agrotóxicos e transgênicos versus contaminações
ambientais e antrópicas. Alimentação e saúde pública: ética e
respeito à vida. Produção limpa – agroecológica. Qualidade de
vida e alimentação saudável. A cura com a alimentação. O uso
das plantas medicinais.

Objetivo geral
Os alunos do curso de Extensão Universitária Alimentação
e Saúde: Princípios para um Estilo de Vida Saudável, na modali-
dade EaD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de Apren-
dizagem e suas ferramentas, serão capazes de compreender as
possibilidades da alimentação saudável em consonância com um
estilo de vida saudável e ético. Para isso, contarão com recursos
técnico-pedagógicos facilitadores de aprendizagem, como Mate-
rial Didático Mediacional, bibliotecas físicas e virtuais, ambiente
virtual, acompanhamento do tutor, complementados por deba-
tes no Correio.
Ao final do curso, sob a orientação do tutor, realizarão uma
atividade que demonstre sua aprendizagem sobre os conteúdos
estudados, levando em consideração as ideias discutidas no
Correio disponibilizando-a no Portfólio.

Objetivos específicos
1) Identificar as relações entre alimentação e saúde no
tocante à qualidade de vida.

8 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

2) Reconhecer as principais características da alimenta-


ção saudável e alguns hábitos alimentares históricos.
3) Interpretar e analisar o contexto político-social em que
as práticas alimentares estão inseridas.
4) Relacionar e compreender a importância da agricultu-
ra sustentável na alimentação e saúde.

Competências (domínios cognitivos, habilidades e atitudes)


Ao final deste estudo, os participantes do curso de Exten-
são Universitária Alimentação e Saúde: Princípios para um Estilo
de Vida Saudável contarão com mais uma base teórica e prática
para fundamentar criticamente sua profissão. Além disso, serão
capazes de analisar, compreender e discutir as múltiplas relações
entre alimentação e saúde a partir de suas vivências cotidianas
e, sobretudo, construir a possibilidade para um estilo de vida
saudável, ético e solidário.

Duração e carga horária


A carga horária do curso Alimentação e Saúde: Princípios
para um Estilo de Vida Saudável será de 40 horas, com dedica-
ção média de uma hora diária. Este curso terá duração de um
mês para o desenvolvimento do conteúdo e para a realização
da avaliação final. No decorrer desse percurso, desenvolveremos
atividades a distância.
Observe, no quadro demonstrativo a seguir, a carga horária
e as semanas em que serão desenvolvidas as atividades:

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 9


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

ATIVIDADES A
UNIDADES SEMANAS
DISTÂNCIA
1 1ª semana 13 h

2 2ª semana 13 h

3 3ª e 4ª semanas 14 h

TOTAL 40h

Os temas e os conteúdos das três unidades, bem como a


avaliação proposta para o curso estão no Caderno de referência
de conteúdo, anexo a este Guia do curso.

Metodologia de estudo do curso


Durante um mês, estudaremos e debateremos juntos os
conteúdos das três unidades que estruturam o curso Alimenta-
ção e Saúde: Princípios para um Estilo de Vida Saudável. Como
você poderá observar no Caderno de referência de conteúdo,
procuramos elaborar um texto em uma linguagem simples, dia-
lógica, mediacional, interativa e de fácil compreensão.
Lembre-se de que você poderá utilizar o Correio para eli-
minar eventuais dúvidas, realizar comentários ou descrever suas
sugestões.

Considerações
Neste Guia do curso, você encontrou as orientações e as
informações práticas necessárias para o estudo do curso Alimen-
tação e Saúde: Princípios para um Estilo de Vida Saudável.

10 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

É imprescindível estudar e interagir sistematicamente com


colegas e tutores, bem como realizar a avaliação proposta. Lem-
bre-se, ainda, de que, se você ler e pesquisar a bibliografia indica-
da, ultrapassará, certamente, os conteúdos aqui apresentados.
Portanto, aproveite esta oportunidade de ampliar seus co-
nhecimentos pessoais e profissionais sobre alimentação e saúde,
temas intrigantes que nos acompanham diretamente e indireta-
mente no decorrer das nossas vidas.
Desejamos êxito em seus estudos e em sua vida profissional!

Bibliografia básica
GONZALEZ, A. P. Lugar de médico é na cozinha: cura e saúde pela alimentação viva. São
Paulo: Alaúde Editorial, 2008.
PADILHA, A. T. O poder das plantas medicinais na alimentação. Aparecida: Ideias e
Letras, 2004.
PORTO-GONÇALVES, C. W. Geografia da riqueza, fome e meio ambiente: pequena
contribuição crítica ao atual modelo agrário/agrícola de uso dos recursos naturais. In:
MARQUES, M. I. M.; OLIVEIRA, A. U. (Orgs.). O campo no século XXI: território de vida,
de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
REMÉSY, C. Alimentação e Saúde. Porto Alegre: Instituto Piaget, 1996.

Bibliografia complementar
ALTIERI, M. A. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto
Alegre: UFRGS, 2004.
______. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. São Paulo,
Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.
ANDRIOLI, A. I.; FUCHS, R. (Orgs.). Transgênicos: as sementes do mal – a silenciosa
contaminação de solos e alimentação. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes,
1999.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 11


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

______. Virtudes para um outro mundo possível: comer e beber juntos e viver em paz.
Petrópolis: Vozes, 2006. v. 3.
BOVÉ, J.; DUFOR, F. O mundo não é uma mercadoria: camponeses contra a comida
ruim. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.
CASCUDO, L. C. História da Alimentação no Brasil: pesquisa e notas. Belo Horizonte:
Itatiaia; Sâo Paulo: Edusp, 1983.
CASTRO, J. Geopolítica da fome: ensaios sobre os problemas de alimentação e de
população do mundo. São Paulo: Brasiliense, 1957. v. 1 e 2.
MALAGUTTI, W.; MIRANDA, S. M. R. C. (Orgs.). Os caminhos da enfermagem: de
Florence à globalização. São Paulo: Phorte, 2010.
SALGADO, J. M. A alimentação que previne doenças: do pré-escolar à adolescência.
São Paulo: Madras, 2004.
TONETTO, A.; TONETTO, H. Alimentação saudável. Porto Alegre: L&PM, 2010.
TRUCOM, C. O poder de cura do limão. São Paulo: Alaúde Editorial, 2004.
ZUIN, P. B.; ZUIN, L. F S. Tradição e alimentação. Aparecida: Ideias e Letras, 2009.

E-referências
MINAS GERAIS. Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais. Curso de
Atualização Profissional em Orientações Nutricionais e de Práticas de Atividade Física:
para Portadores de Hipertensão e Diabetes. Belo Horizonte: ESPMG, 2010. Disponível
em: <http://www.esp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2011/02/nutricao_final.pdf>.
Acesso em: 26 fev. 2013.
MINAYO, M. C S.; HARTZ, Z. M. A.; BUSS, P. M. Qualidade de vida e saúde: um debate
necessário. Ciência e Saúde Coletiva, ano 5, n. 1. Rio de Janeiro, Brasil, jan./mar, 2000.
Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/630/63050102.pdf>. Acesso
em: 26 fev. 2013.
PHILIPPI, S. T. et al. Pirâmide alimentar adaptada: guia para escolha dos alimentos.
Revista de Nutrição, Campinas, v. 12, n. 1, p. 65-80, jan./abr. 1999. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rn/v12n1/v12n1a06.pdf?q=adaptada>. Acesso em: 26 fev.
2013.

12 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1
ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS
PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

"Que seu remédio seja seu alimento, e que seu


alimento seja seu remédio" (HIPÓCRATES apud
MINAS GERAIS, 2010, p. 7).

Objetivos
• Identificar as relações entre alimentação e saúde no tocante à qualidade
de vida.
• Distinguir as diferentes definições de alimentação e saúde.
• Analisar as políticas públicas que incentivam a alimentação saudável.
• Reconhecer e analisar as Metas do Milênio perante a produção de alimen-
tos e a fome no mundo.

Conteúdos
• Alimentação e saúde: Definições e objetivos.
• Panorama e relação entre alimentação e saúde.
• Políticas públicas alimentares: segurança alimentar e soberania alimentar
(Fome Zero).
• Alimentação e as Metas do Milênio.

13
UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as
orientações a seguir:

1) Para saber mais sobre o geógrafo Milton Santos, confira o livro do autor
indicado nas referências desta unidade (SANTOS, 2001) e assista ao docu-
mentário Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de
cá, dirigido por Silvio Tender (2007), e disponível em: <http://www.youtu-
be.com/watch?v=-UUB5DW_mnM>. Acesso em: 26 fev. 2013.

2) Para maiores informações sobre alimentação e as metas do milênio, suge-


rimos as seguintes páginas:
• COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE (CEPAL). Home
page. Disponível em: <https://www.cepal.org/pt-br>. Acesso em: 12 dez.
2018.
• REDE BRASIL VOLUNTÁRIO. Objetivos do Milênio. Disponível em: <http://
www.odmbrasil.gov.br/o-brasil-e-os-odm>. Acesso em: 12 dez. 2018.
• PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Os objeti-
vos de desenvolvimento do milênio. Disponível em: <https://www.unicef.
org/brazil/pt/resources_9540.htm >. Acesso em: 28 jan. 2018.

14 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

1. INTRODUÇÃO
Geralmente os temas alimentação e saúde estão rotula-
dos como pertencentes a problemas vivenciados no decorrer da
vida. Todavia, esses dois temas possuem uma ligação central na
própria ancestralidade do ato de produzir, cozinhar e saciar-se
em torno da mesa. Além disso, sabe-se que hábitos alimentares
saudáveis podem reduzir os problemas crônicos de saúde.
A partir desses apontamentos, iremos, no decorrer desta
unidade, apresentar e caracterizar, por meio de um quadro geral,
o que entendemos por saúde e alimentação no tocante à quali-
dade de vida, reconhecendo os desafios históricos e atuais em
busca de caminhos sólidos que expliquem essa prática que vai
além do mero valor nutricional.
Nesta primeira unidade, esclareceremos os conceitos e
contextos mais importantes para auxiliar as políticas públicas de
saúde e alimentação e, sobretudo, permitir uma reflexão sobre
o que podemos fazer cotidianamente em relação aos temas pro-
postos no curso.
Bons estudos!

2. ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: DEFINIÇÕES E


OBJETIVOS
Na atualidade, a busca por uma vida saudável tornou-se
assunto essencial nos diversos segmentos, muito embora essa
procura às vezes seja tratada tão somente como uma questão de
estética. Mas afinal, o que é ser saudável?
[...] há os que dizem que para ser saudável é preciso dormir
bem, alimentar-se bem, fazer algum exercício físico diário e

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 15


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

estar bem consigo mesmo. Ainda existem os que dizem que


é saudável quem não tem doenças. E há os que afirmam que
"ser bem resolvido consigo mesmo e com os outros" é pré-
-requisito básico para ter saúde física e mental (FIGUEIREDO,
MONT’ALVÃO, 2008, p. 36).

Para dialogar com tais indicações, vale ressaltar que, se-


gundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), "Saúde é um es-
tado de completo bem-estar físico, social e mental, e não somen-
te a ausência de doenças" (apud ROCHA; ROSA, 2000, p. 5).
Na Constituição Brasileira de 1988, especificamente no ar-
tigo 196, consta que:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido median-
te políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação
(BRASIL, 2008, p. 114).

Assim, a saúde não é algo que possa ser adquirido num


tempo específico e ser mantido para toda vida, mas sim uma
conquista com mudança de comportamento, apropriação de
normas e costumes, um aprendizado intelectual.
Baseado nessa percepção, discutiremos, a seguir, como a
saúde do trabalhador e a saúde no trabalho podem interferir na
qualidade de vida.

Saúde e desenvolvimento sociocultural


Numa perspectiva abrangente, saúde é "[...] resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse
da terra, acesso a serviços de saúde [...]" (ROCHA; ROSA, 2000,
p. 6).

16 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Fica claro, portanto, que saúde é uma construção social e


o seu conceito pode variar, uma vez que é historicamente cons-
truído, negado e percebido com padrões culturais em um dado
lugar e tempo.
Um exemplo relacionado a esse contexto refere-se ao en-
tendimento da Enfermagem como:
[...] uma ciência humanística e humanitária na sua essência, di-
rigida para a compreensão do ser humano em sua totalidade.
Assim, o agir da Enfermagem se baseia na visão e no conhe-
cimento do conjunto, e não apenas no conhecimento advindo
unicamente da esfera biológica, ampliando sua compreensão da
natureza humana e qualificando sua assistência. Os problemas
só se solucionam quando se tem visão e conhecimento do con-
junto. Não se pode tratar a parte se não houver conhecimento
do todo. O profissional de Enfermagem é holístico quando tem
consciência de que a diferença entre equilíbrio e desequilíbrio,
saúde e doença encontra-se na sutil balança dos múltiplos en-
cadeamentos que cercam o paciente, e isso envolve a esfera
física e psíquica dentro de um contexto social (SANCHEZ, 2010,
p. 263; grifo nosso).

Vale salientar que essa visão do todo era apregoada


anteriormente como pertencente à constituição oficial da
Enfermagem.
Hipócrates, muito antes da Era Cristã, já definia saúde como o
estado de equilíbrio do homem com a natureza. De acordo com
seus pensamentos, saúde e doença dependiam da integração
mente/corpo/meio ambiente. Ele mencionou em sua obra que
é mais importante conhecer a pessoa que tem a doença do
que a doença que a pessoa tem. Muito antes de Hipócrates, os
chineses praticavam uma medicina preventiva e holística. Para
eles, o homem (microcosmo) é a imagem do universo (macro-
cosmo), regido pelas mesmas leis que comandam o equilíbrio
das energias (SANCHEZ, 2010, p. 263; grifo nosso).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 17


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

O exemplo de Hipócrates, considerado o pai da Medicina,


é bem valioso ao focalizar o paciente e não a sua doença. Já os
chineses, dentro da sua visão de saúde, pagavam aos seus médi-
cos para lhes conservarem saudáveis, e quando estes "falhavam"
em seu dever, o paciente deixava de pagar seus honorários (SAN-
CHEZ, 2010).
Nesse contexto, Mendes (2008, p. 15) afirma:
Para os chineses milenares, a saúde está em pratos coloridos;
para os hindus, a saúde começa e acaba na boca. Seja qual for
o provérbio adotado, é impossível pensar em medicina sem
concentrar muita atenção na alimentação. Você é o que você
come; portanto, comer bem e aproveitar melhor os nutrientes
é saúde. É vida.

A partir desse breve contexto sobre saúde, baseado majo-


ritariamente em revisão de literatura, cabe apresentar e salien-
tar que nosso entendimento sobre alimentação vai além da mera
quantidade energética vital para a manutenção do nosso corpo.
Nesse sentido, reconhecemos que:
Os alimentos são mais do que coisas materiais. São símbolos do
encontro e da comunhão. O alimento é apreciado e feito obje-
to de comentários. A maior alegria da mãe ou da cozinheira é
perceber a alegria dos comensais. Gesto importante na mesa é
servir ou passar a comida ao outro. O comportamento civilizado
faz com que todos se sirvam, zelando para que a comida chegue
suficientemente a todos (BOFF, 2006, p. 10).

Essa comensalidade apresentada por Leonardo BOFF está


"[...] ligada a todos esses fenômenos complexos. É sempre um
rito comunitário, cercado de símbolos e de significados que re-
forçam a pertença ao grupo e que consolida o salto para dentro
do especificamente humano" (BOFF, 2006, p. 10)
Por isso, o autor acrescenta:

18 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

[...] nutrir-se nunca é uma mecânica biológica individual. Con-


sumir comensalmente é comungar com os outros que comigo
comem. É entrar em comunhão com as energias escondidas
nos alimentos, com seu sabor, seu odor, sua beleza e sua densi-
dade. É comungar com as energias cósmicas que subjazem aos
alimentos, especialmente a fertilidade da terra, a irradiação
solar, a floresta, a água, a chuva e o vento (BOFF, 2006, p. 18;
grifo nosso).

A ligação com a mãe Terra na troca constante de energias


explica em partes o fenômeno complexo da comensalidade, ou
seja, não é uma mera ação cotidiana, como discutiremos no de-
correr do curso.
O médico e geógrafo Josué de Castro escreveu, em 1935, o
livro Alimentação e Raça. Nessa obra, o autor
[...] chamou à atenção para a ignorância popular, inclusive dos
ricos, em matéria de alimentação e de como isto contribuía
para piorar as condições nutricionais. O objetivo foi despertar
a população sobre o valor da boa alimentação e ensiná-la a ob-
ter uma alimentação racional. Na primeira parte – o texto foi
dividido em duas partes – enfatizou os distúrbios decorrentes
da carência de elementos nutricionais básicos, retomando a
temática de O problema da alimentação no Brasil, e procurou
desmistificar algumas crenças consideradas, por ele, incorre-
tas, como o consumo de carne vermelha, afirmando ser falso
o argumento de que as pessoas que as ingeriam tornavam-se
"mais belicosas e irritáveis". Exemplos de diferenças alimenta-
res entre os povos e os condicionamentos sociais e econômicos
que levavam parte significativa de nossa população a sofrer ca-
rências alimentares, foram elencados. Combateu teses racistas,
chamou a atenção para o raquitismo no Brasil, um país no qual
o Sol constante era mal aproveitado por pais que empacotavam
com peças de vestuário as crianças, e mal utilizado pelos que
habitavam os cortiços sombrios ou porões úmidos de casas ri-
cas (CAMPOS, 2011, p. 203).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 19


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Esses estudos revelam o entendimento de Castro ao reco-


nhecer que a alimentação está nitidamente ligada ao conheci-
mento popular, social e, sobretudo, histórico, cuja marca central
está vinculada às desigualdades, como desvendou nas demais
obras redigidas posteriormente, com destaque para Geografia
e Geopolítica da Fome, as quais complementam nossos estudos.

Informação–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Vale registrar que A Cúpula Mundial da Alimentação, celebrada em Roma,
em 1996, que se propôs a erradicar a fome no mundo até 2015, trata-se da
seguridade alimentar, a fim de garantir uma vida sã e ativa. Além disso, na De-
claração dos Direitos Humanos da ONU de 1948, também é explícito que a ali-
mentação é vital e, por isso, é um direito fundamental de cada pessoa humana.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Josué de Castro afirmava que o alimento é a melhor vaci-
na. Assim, organizou, em 1947, no Instituto de Nutrição da Uni-
versidade do Brasil, o Guia da Alimentação para a Campanha de
Educação de Adultos, publicada pelo Ministério da Educação e
Cultura.
Acompanhe, a seguir, as principais indicações presentes no
Guia da Alimentação:

Guia da alimentação–––––––––––––––––––––––––––––––––
Alimento como melhor vacina
Todo animal precisa de alimento para poder se desenvolver. O Homem, como
qualquer outro animal, não é diferente. A vida depende da alimentação. Assim,
uma vaca bem alimentada e bem nutrida produz muito mais leite do que as que
não têm o que comer e muitas vezes o que beber.
O homem bem alimentado quase não fica doente, já que a principal causa ge-
radora de doenças é a falta de alimentos, que gera um organismo sem forças
para agir quando entra em contato com algum micróbio. Muitas crianças que
morrem de sarampo, na verdade, estão morrendo de fome porque não conse-
guiram reagir à ação da doença. As crianças que podem comer os alimentos
que seu organismo necessita crescem mais e, sobretudo, podem desenvolver

20 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

seu cérebro, podem pensar e aprender melhor. E, quando adultos, poderão


trabalhar melhor e continuar aprendendo.
Precisamos, contudo, saber que comer muito não significa comer bem e estar
bem alimentado. Cada alimento tem mais ou menos as qualidades, vitaminas,
sais minerais que o homem precisa em seu desenvolvimento. Os alimentos
não têm o mesmo valor. Alguns valem mais do que outros.
Os alimentos são as substâncias que comemos para viver e que farão bem ao
organismo do homem. Os alimentos servem para diferentes funções:
1. formam toda a matéria do organismo – a pele, os ossos, o sangue, os den-
tes, as unhas e o cabelo;
2. ajudam o crescimento do organismo e dão força para o trabalho;
3. asseguram a reprodução do organismo;
4. defendem o organismo contra as doenças. Existem alimentos que só servem
para dar calor ao organismo. São uma espécie de combustível, para manter a
máquina trabalhando. Assim como uma máquina sem o combustível, ela para.
A mesma coisa acontece ao homem quando ele usa certos alimentos, como
gorduras, doces e farináceos, ele emagrece, perde energia e trabalha menos.
Mas, quando não come os chamados "alimentos protetores", não terá forças
de lutar contra os micróbios (doenças).
Chamamos de alimentos protetores as carnes, os peixes, os ovos, o leite, o
queijo, a manteiga, as frutas, as verduras e os legumes, porque contêm em
sua composição substâncias da maior importância para a saúde do homem; as
proteínas, as vitaminas e os sais minerais.
Existe uma relação entre alimentação e trabalho, já que a quantidade de ali-
mentos que uma pessoa deve comer depende de quanto necessita para rea-
lizar um trabalho. O esforço de um rachador de lenha é maior que o de um
cabeleireiro. Quanto mais pesado o trabalho, mais alimentos são necessários.
O motor do homem, para poder funcionar, precisa de combustível. A máquina
precisa de carvão, o caminhão, de óleo diesel, e o trator, de gasolina.
Quanto melhor a qualidade do combustível, melhor a máquina funciona, e tam-
bém dura mais. O mesmo acontece com o homem.
Além disso, existe relação direta entre a alimentação e o crescimento. No
período da infância e da adolescência, o alimento é importante para o cres-
cimento e desenvolvimento. (Ver o desenvolvimento do cérebro). É também
neste período, que se adquirem hábitos e conhecimentos que permanecem na
cultura de cada um.
A criança sadia vai crescer e se desenvolver de forma sadia, se tornando um
adulto com saúde. Os hábitos alimentares que lhe forem ensinados quando

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 21


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

criança serão mantidos na vida adulta. O mesmo ocorre com os erros, que, em
muitos casos, não poderão ser reparados.
Como a criança está crescendo, construindo seus ossos, mudando os seus
dentes, fortalecendo seus músculos, mais do que ninguém necessita de bons
alimentos.

Alimentação e gravidez
Normalmente, a mulher come menos que o homem, mas, quando a mulher
está grávida, precisa comer por ela e pelo filho que se desenvolve por nove
meses em sua barriga.
Depois, quando nasce a criança, a mulher deve alimentar seu filho pela ama-
mentação. O leite materno é o alimento mais completo para a criança em sua
primeira idade. E, para poder alimentar seus filhos, a mulher tem que procurar
se alimentar com bons alimentos.
[...]
A maioria das doenças decorre da subnutrição; a tuberculose, por exemplo. O
organismo precisa de força para resistir aos micróbios, vírus e outras ações da
natureza. O chamado organismo fraco é consequência de uma alimentação
defeituosa.

A produção de alimentos
A terra no Brasil. A concentração na mão de poucos. O latifúndio improdutivo
e a monocultura. Os terrenos para plantio podem ser mais pobres ou ricos. A
terra precisa ser tratada para poder produzir bem e continuadamente. Precisa
ser adubada e molhada. A água e o adubo são os alimentos da terra, fazem
a terra viver. Precisamos saber como preparar o terreno e os canteiros. Hoje,
também é importante saber escolher as sementes (adaptado de CASTRO,
2003, p. 36-39).
__________________________________________________

No guia apresentado, fica evidente a relevância do alimen-


to como a melhor vacina, assim como as demais relações en-
tre alimentação e gravidez e a produção de alimentos. Se todos
funcionarem de forma equitativa, certamente a alimentação e a
saúde representarão um caminho significativo para uma vida de
saudável.

22 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Remésy (1996) afirma que alimentação é o caminho para


envelhecer de forma saudável. Para tecer tais considerações, o
autor se baseia no fato de que:
Durante muito tempo, a nutrição foi estudada apenas do pon-
to de vista da satisfação das necessidades energéticas. Hoje,
trata-se de considerar também o papel preventivo que a ali-
mentação desempenha graças aos seus contributos em fatores
de proteção. De fato, uma nutrição preventiva eficaz, capaz de
assegurar o excelente funcionamento do organismo e de dimi-
nuir, assim, a incidência de diversas patologias, é ressentida
como uma necessidade, tanto ao nível individual como social, e
não seria apenas para escapar a uma medicação excessiva cujo
custo para a sociedade se torna cada vez maior (REMÉSY, 1996,
p. 7).

Nesse contexto, é essencial reconhecermos que a alimen-


tação é uma necessidade fisiológica, social, espiritual entre ou-
tras sobre as quais poderíamos nos debruçar para analisar. Por
isso, cabe reconhecermos tal potencial no nosso cotidiano, res-
peitando a vida na sua plenitude, como ressalta Gonzalez (2008)
no seu livro Lugar de médico é na cozinha: cura e saúde pela ali-
mentação viva, no qual discute entre outras temáticas, a impor-
tância dos alimentos funcionais que tragam impactos positivos
na saúde.

3. PANORAMA E RELAÇÃO ENTRE ALIMENTAÇÃO E


SAÚDE
A promoção da saúde, em uma visão integral, multidiscipli-
nar e que busca a prevenção, deve considerar o ser humano no
contexto familiar, comunitário e social. Assim, as atividades edu-
cativas em nutrição podem e devem fazer parte desse contexto.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 23


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

O início desse processo, ou seja, a busca por hábitos alimentares


saudáveis, deve ser priorizado desde a infância.
A educação nutricional deve ser mais que repassar normas
alimentares: precisa, também, proporcionar conhecimentos bá-
sicos e necessários ao alcance de todos, além de estimular hábi-
tos coletivos e atitudes que promovam uma alimentação sadia e
variada.
Nesse sentido, foi projetada a pirâmide alimentar (uma re-
presentação gráfica facilitadora para a visualização dos alimen-
tos assim como a sua escolha nas refeições do dia), a qual obje-
tiva ensinar os conceitos básicos de variedade e moderação para
a introdução de alimentos em quantidade adequada, a melhoria
da qualidade de vida e a manutenção do peso (TONETTO; TO-
NETTO, 2010).
A pirâmide tradicional é conhecida desde 1992, quando
foi criada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
(USDA). É utilizada hoje como referência para os programas de
alimentação por nutricionistas do mundo inteiro como a forma
mais adequada de se alimentar.
Com isso, a pirâmide alimentar se tornou um instrumento
de orientação nutricional utilizado por profissionais com objeti-
vo de promover mudanças nos hábitos alimentares dos indiví-
duos, promover educação em saúde, prevenir doenças crônicas
não transmissíveis (DCNT) e potencialmente fatais, como diabe-
tes, hipertensão arterial, AVC, doenças cardíacas e alguns tipos
de câncer.
A pirâmide alimentar norte-americana é baseada em sete
pontos principais:

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UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

• Ingestão de uma dieta variada em alimentos;


• Manutenção do "peso ideal";
• Dieta pobre em gorduras, gorduras saturadas e
colesterol;
• Dieta rica em vegetais, frutas, grãos e produtos deriva-
dos dos grãos;
• Açúcar com moderação;
• Sal e sódio com moderação,
• Bebidas alcoólicas com moderação (WELSH et al., 1992b
apud PHILIPPI et al., 1999, p. 67).
Baseados nesses pontos e na visualização dos grupos de
alimentos presentes na pirâmide, temos a capacidade de fazer
nossas escolhas, saber quais alimentos podemos ingerir, quais
devemos evitar e qual a combinação adequada para o dia a dia.
Vale a pena lembrar que, em determinadas situações, as orien-
tações nutricionais devem ser prescritas por um profissional
especializado.
Na Figura 1, consta a pirâmide alimentar atualizada.
Observe:

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 25


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Figura 1 Pirâmide alimentar atualizada – 2012.

Na base da pirâmide, a atividade física surge como uma


recomendação essencial para o equilíbrio e a manutenção do
bom funcionamento do organismo. O sedentarismo aumenta
significativamente os riscos de doenças cardiovasculares quando

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UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

associado aos excessos e deficiências dos alimentos. De acordo


com as leis da alimentação saudável, todos os grupos alimenta-
res devem compor a dieta diária.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Os alimentos do topo devem ser consumidos com moderação. São os carboi-
dratos refinados, como arroz branco, pão branco, batata, macarrão e doces.
Não são tão benéficos para o corpo, pois elevam rapidamente a glicose san-
guínea. A manteiga e a carne vermelha também estão destacadas no topo da
pirâmide.
Os alimentos do quinto grupo, logo abaixo do topo, são os laticínios, que de-
vem ser consumidos somente de 1 a 2 vezes por dia.
No quarto grupo estão os peixes, frango e ovos, que são indicados até 2 vezes
ao dia.
No terceiro grupo encontram-se as castanhas, amendoins, feijão, ervilha e
grão-de-bico. O consumo indicado é de 1 a 3 vezes ao dia.
No segundo grupo estão as verduras e legumes, que podem ser consumidos
em abundância, e as frutas, de 2 a 3 vezes por dia.
No primeiro grupo encontra-se o bom carboidrato nos grãos integrais, que de-
vem fazer parte da maioria das refeições, 4 vezes ao dia. Os óleos vegetais
também estão em destaque, seu consumo diário deve ser de até 2 colheres
(sopa – 15ml no total) por dia.
E, por fim, ganharam a base da pirâmide ali­mentar os exercícios diários e o
controle de peso que são os mais importantes (TONETTO; TONETTO, 2010,
p. 11-12).
__________________________________________________

Com essa distribuição dentro da pirâmide, é possível notar


que os alimentos do topo devem ser consumidos em uma menor
quantidade e os do primeiro grupo em uma maior.
No entanto, o equilíbrio ocorre baseado em algumas leis:
LEI da QUANTIDADE: ingerir o suficiente para se sentir bem,
com ânimo e disposição o dia inteiro.

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UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

LEI da QUALIDADE: comer todos os dias cerca de trinta di-


ferentes tipos de alimentos (alimentação variada e rica em
nutrientes).
LEI da HARMONIA: em cada refeição, combinar com criativida-
de e afinidade de sabores, alimentos presentes em três grandes
grupos (construtores, reguladores e energéticos).
LEI da ADEQUAÇÃO: a alimentação deve estar adequada a seu
ritmo de vida, a sua idade e a sua saúde.
A Lei da Harmonia dita a combinação dos alimentos presentes
nos três grupos:
• Alimentos Construtores são os que nos dão proteínas, respon-
sáveis pela construção e reconstituição dos tecidos. Aqui são
incluídos os leites e todos os seus derivados, as carnes brancas
e vermelhas e os ovos.
• Alimentos Reguladores são os responsáveis pelo fornecimen-
to de vitaminas e sais minerais. Desse grupo fazem parte todas
as frutas, verduras e hortaliças.
• Alimentos Energéticos são todas as gorduras que consumimos
pela ingestão de manteigas, margarinas e óleos, além dos car-
boidratos, como massas, batata e arroz (PADILHA, 2004, p. 17).

Nesse contexto, a saúde depende, principalmente, da


soma de numerosas pequenas decisões que tomamos a cada
dia. Essa soma afeta a saúde e a boa alimentação, e garantirá um
nível adequado e seguro para a população no tocante à alimen-
tação digna, saudável e sustentável.

28 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

4. POLÍTICAS PÚBLICAS ALIMENTARES: SEGURAN-


ÇA ALIMENTAR E SOBERANIA ALIMENTAR (FOME
ZERO)
Belik (2003, p. 13) afirma que o conceito de segurança ali-
mentar está fundado nos limites e prioridades das políticas so-
ciais, ou seja,
Da mesma maneira, a segurança alimentar é invocada por in-
teresses particulares para promover a destruição do meio
ambiente ou mesmo a destruição dos hábitos culturais de um
povo. Enfim, não há como ignorar a importância das políticas de
segurança alimentar como mobilizadoras das forças produtivas.

A partir desse cenário, podemos dizer que há uma tensão


entre a produção e a distribuição de alimentos, tensão essa que
nos remete à Segunda Guerra Mundial, momento em que o con-
ceito de segurança alimentar veio à tona, visto que metade da
Europa estava devastada e sem condições de produzir seus pró-
prios alimentos nem, consequentemente, comprá-los. Além dis-
so, podemos considerar outros três aspectos: quantidade, quali-
dade e regularidade no acesso aos alimentos.
No Brasil, o diagnóstico da segurança alimentar (conforme
referência obtida até o ano de 2001), está assentado historica-
mente no poder aquisitivo por parte de um terço da população,
a qual não possui acesso aos alimentos e demais bens para uma
vida digna (BELIK, 2003).
Essa realidade teve mudanças significativas a partir de
pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Foi comprovado que, no decorrer do governo Lula (2002-2010),
houve um empoderamento da população brasileira mais pobre,
baseado majoritariamente em programas de distribuição e ge-
ração de renda, os quais contribuíram para o crescimento eco-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 29


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

nômico do país, que, em março de 2012, foi considerado a sexta


maior economia global (BBC, 2012).
A soberania alimentar caminha em consonância com a se-
gurança alimentar no bojo de um projeto "de" e "para" a nação
brasileira. Esse conceito foi proposto pela Via Campesina no ano
de 1996 e sua proposição está baseada na expressão de resistên-
cia camponesa ao possível colapso do mundo rural a partir da
forte pressão e opressão provocada pelas políticas neoliberais e
compartilhada com a criação da Organização Mundial do Comér-
cio (OMC).

"Entende-se como soberania alimentar o direito dos povos de


definir as suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de
produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam
o direito à alimentação para toda a população, respeitando as
suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses,
pescadores, indígenas de produção agropecuária, de comercia-
lização e de gestão dos espaços rurais nos quais a mulher de-
sempenha um papel fundamental" (MST, 2005, p. 41-42).

Segundo a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos


(2012), soberania alimentar pode ser definida como o direito dos
povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar.
Isso inclui:
1) Prioridade para uma produção de alimentos sadios,
de boa qualidade e culturalmente apropriados para o
mercado interno. É fundamental, então, manter um
sistema de produção camponês diversificado (biodi-
versidade, respeito à capacidade produtiva das terras,
valor cultural, preservação dos recursos naturais etc.).

30 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

2) Preços remuneradores para os(as) camponeses(as), de


modo a proteger o mercado interno contra importa-
ções a preços muito baixos.
3) Necessidade de regulamentar a produção para o mer-
cado interno impedindo a formação de excedentes
agrícolas.
4) Necessidade de um processo de reforma agrária que
fortaleça uma agricultura camponesa duradoura.
5) Eliminação de todos os subsídios diretos e indiretos às
exportações. A soberania alimentar supõe o acesso à
terra e a disponibilidade de créditos públicos para que
os(as) camponeses(as) tenham a possibilidade de pro-
duzir e vender seus produtos a um preço justo.
Mas afinal, o que tais dados e cenários têm em comum
com a temática saúde e alimentação?
Ora, como bem sinalizou o médico e geógrafo Josué de
Castro ao identificar uma Geografia e Geopolítica da Fome, tais
problemas nos remetem às estruturas arcaicas de ocupação do
país e, sobretudo, às mazelas e desigualdades que se manifestam
na fome e na subnutrição, identificadas no Brasil e no mundo.
Para Josué de Castro, a fome era um problema ecológico
número um.
E o fazia sem nenhum sentido antropocêntrico a que, geralmen-
te, está associada essa afirmação. Afinal, todo ser vivo precisa
se alimentar. O que surpreende é que Josué de Castro tenha
dito isso numa época em que a questão ecológica não estava
nem sequer pautada e que os ambientalistas, ainda hoje, nem
sequer o considerem como um dos mais importantes pensado-
res e ativistas da questão. Até mesmo o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA –, em seu último rela-
tório, Perspectivas dei Médio Ambiente Mundial: GEO-3, igno-
ra completamente a problemática da fome [...] (GONÇALVES,
2004, p. 2).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 31


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Esse breve cenário teve e tem implicações sobre o modelo


de agricultura, assim como a estrutura fundiária e as relações
políticas internas e externas oriundas de contradições históricas,
as quais nos permitem um olhar amplo para construir soluções e
passam por políticas públicas estruturantes e não um mero po-
pulismo sob a égide de falsas teorias democráticas.
Nesse contexto, os próximos tópicos nos permitirão um
avanço histórico no tocante à fome, alimentação e políticas pú-
blicas, para que possamos analisar o programa Fome Zero e as
Metas do Milênio propostas pela ONU.

A fome no mundo, crise ou escândalo?


O título desse tópico é uma paráfrase do livro de Adas
(1988), intitulado A fome: crise ou escândalo?. A discussão pro-
posta por essa obra é muito pertinente na atualidade, uma vez
que, mesmo com todas as tecnologias existentes, vivenciamos
o dilema histórico que carrega consigo vários significados, entre
eles a má distribuição da riqueza produzida.
Nesse sentido, os objetivos da Revolução Verde, ao contrá-
rio do que se apregoava, não aconteceram, especialmente nos
países pobres, nos quais a fome, em muitos casos, se agravou e
a concentração da renda aumentou ainda mais.
Segundo Adas (1988), fome significa a situação em que
uma pessoa fica, durante um período prolongado, carente de ali-
mentos que lhe fornecem energia necessária ao desenvolvimen-
to da vida e à saúde.
Para ele, há dois tipos de fome:

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UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

• Fome global: refere-se à ausência de alimentação diária


que equivale à energia gasta pelo organismo nas ativi-
dades desenvolvidas.
• Fome parcial: falta de alguma substância, tais como
proteínas, vitaminas, sais minerais que podem causar
distúrbios e lesões quando não ingeridos por tempos
prolongados.
A partir dessa breve contextualização, podemos refletir so-
bre as consequências da fome, entendendo-as como uma situa-
ção vergonhosa para toda a humanidade, pois, desde meados
da década de 1990, 800 milhões de pessoas (um terço da popu-
lação) nos países subdesenvolvidos encontram-se em condições
de pobreza absoluta e passam fome (ADAS, 1988).
Outra perspectiva a ser refuta é o "malthusianismo", visto
que a fome não é fruto do crescimento populacional, embora a
teoria de Thomas Robert Malthus tenha ressurgido após a Se-
gunda Guerra Mundial com objetivo de alertar a população so-
bre os perigos do crescimento, de maneira especial nos países
subdesenvolvidos, o que em partes demonstra a fragilidade do
discurso.
A fome e a renda são duas faces de uma mesma moeda, ou
seja, não estão dissociadas. Entre o alimento e a necessidade
que o ser humano tem de se alimentar interpõe-se o dinheiro.
No caso das populações urbanas, a alimentação de uma pessoa
é diretamente proporcional a sua renda. Quanto aos campone-
ses, o problema vai além da renda; relaciona-se também com o
acesso à terra, aos meios de produção, à estrutura fundiária e a
outros aspectos [...] (ADAS, 1988, p. 28; grifo nosso).

Observe que a fome e a pobreza não podem ser interpre-


tadas com um "olhar simplista" e, por vezes, "escamoteadas"
com o avanço técnico e científico do "Primeiro mundo"; é preci-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 33


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

so entendê-la como algo artificial, advindo de conjunturas eco-


nômicas defeituosas, que foram criadas pelos homens, sendo,
portanto, passíveis de serem alteradas.
Conforme destaca Adas (1988, p. 33-34):
[...] já em 1974 a FAO concluía que "[...] em termos mundiais, a
quantidade de alimentos disponíveis é suficiente para propor-
cionar a todo o mundo uma dieta adequada". Assim, a questão
da fome não é discutida de frente: é escamoteada. Consideram-
-se apenas os aspectos secundários, negligenciando-se os prin-
cipais: aqueles que resultam da maneira como a sociedade está
organizada. Os fatores políticos, sociais, econômicos e culturais
são subestimados ou ignorados, como por exemplo:
• o contraste na concentração da renda e da terra no mundo
subdesenvolvido;
• o subaproveitamento do espaço rural pelas atividades agro-
pastoris, enquanto milhões de seres humanos passam fome
e não tem terras para cultivar;
• a utilização da terra para uma agricultura comercial de ex-
portação em detrimento da agricultura de produtos alimen-
tares, fruto da divisão internacional da produção realizada
pelas antigas metrópoles colonialistas e mantidas até hoje,
através de uma injusta ordem econômica mundial;
• a injusta e antidemocrática estrutura fundiária, marcada
pela concentração da propriedade das terras nas mãos de
poucos;
• o difícil acesso aos meios de produção pelos trabalhadores
rurais, pelos sem terras ou pela população em geral;
• o avanço do capitalismo no campo, gerando a proletarização
do trabalhador rural;
• a influência das transnacionais de alimentos na produção
agrícola e nos hábitos alimentares das populações do Ter-
ceiro Mundo;
• a utilização do agropoder ou da "diplomacia de alimentos"
como arma nas relações entre os países;

34 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

• a canalização de grandes recursos financeiros e humanos


para a produção de materiais bélicos, enquanto milhões de
seres humanos são desnutridos e morrem por inanição;
• o grande consumo de cereais na alimentação animal nos
países desenvolvidos (60,6 %), em contraposição à falta de
alimentos nos países subdesenvolvidos;
• a relação entre a dívida externa do Terceiro Mundo e a dete-
rioração cada vez mais elevada do seu nível alimentar;
• a relação entre cultura e alimentação.
Alterar essa situação significa alterar a vida da sociedade, o que
pode ser não desejável, pois contraria os interesses e os privi-
légios em que se assentam os grupos ou classes dominantes. É
mais cômodo, menos impertinente e mais seguro responsabili-
zar o crescimento populacional, a "preguiça" do pobre ou ainda
as adversidades do meio natural como causas da miséria e da
fome no Terceiro Mundo (ADAS, 1988, p. 33-34).

A discussão de Adas (1988) é recente se pensarmos nas


atuais e contínuas políticas que privilegiam a produção agrícola
em grande escala em detrimento da agricultura familiar/campo-
nesa, que visa, essencialmente, a produção de alimentos, prin-
cipalmente nos países em desenvolvimento. A fome é uma das
consequências mais visíveis desse processo contraditório.
Dessa maneira, os estudos de Josué de Castro abordam a
fome no Brasil e no mundo a partir das carências alimentares-
-nutricionais observadas nas diferentes regiões e nos dispersos
grupos. O autor analisa tal carência como fruto de uma desigual-
dade planejada política e historicamente.
Vejamos!

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 35


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Josué de Castro: a Geografia e a Geopolítica da fome


Josué Apolônio de Castro nasceu em 1908 no Recife. Gran-
de cidadão do mundo, faleceu em 1973 em Paris, na espera de
mudanças na política brasileira que permitissem seu retorno ao
país.
A importância científica desse autor se deve à preocupação
com a desigualdade existente no Brasil e no mundo. Ele visuali-
zava seu rosto nos "famintos", nos "mortos de fome" da Zona
da Mata nordestina, e depois percebeu que essa mesma fome
também ocorria no mundo afora.
Em 1946, ele publicou o livro Geografia da fome, um im-
portante instrumento sobre os tipos de fome. É, portanto, pio-
neiro em relação à abordagem da fome e suas implicações, uma
vez que denuncia o "flagelo vergonhoso" da fome.
Na obra de Josué de Castro, a palavra fome refere-se a qual-
quer falta de elementos nutritivos necessários à formação do
organismo humano, abrangendo, assim, a fome quantitativa
ou penúria aguda, e a fome qualitativa, causada por defici-
ências específicas na dieta cotidiana. O termo fome também
significa doença carencial, ou desnutrição. Esse conceito dado
pela clínica, expressa a deficiência de micro (vitaminas e mine-
rais) e macro nutrientes (proteínas e calorias). A estes aspectos
fisiológicos são correlacionados fatores sócio-econômicos que
são predominantes na formação de áreas de fome que corres-
pondem a áreas de subdesenvolvimento (PROJETO MEMÓRIA,
2013; grifo nosso).

Além dessa obra, Josué de Castro publicou outros títulos


sobre o referido tema, em destaque: Geopolítica da fome e O
livro negro da fome, os quais foram traduzidos para diversos
idiomas.

36 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Em Geopolítica da fome, publicado em dois volumes, ele


trata da fome em escala planetária, denunciando-a como uma
"praga fabricada pelo homem" e não como um fenômeno natu-
ral. Desse modo, tornou-se um pioneiro no meio científico inter-
nacional. "Ele teve a coragem de usar em seus escritos-denúncias
a palavra ’fome’, considerada por muitos de significado acentua-
damente forte, justamente numa fase áurea da expansão capita-
lista, o que contrariava os defensores do sistema" (ADAS, 1988,
p. 98).
Andrade (2004, p. 118), estudando a atualidade do pensa-
mento de Josué de Castro, conclui que ele:
[...] foi um exemplo de homem público e de cientista; ele não
negou aos combates pela modernização, no sentido amplo, do
país, pelas campanhas de diminuição das diferenças sociais en-
tre as pessoas e as classes, assim como pela apresentação de
soluções para os problemas regionais e internacionais.

Anna Castro (2003, p. 13), afirma que:


Josué de Castro sempre soube que o tema por ele escolhido, a
luta contra a fome, era bastante perigoso, um verdadeiro tabu,
e foi acreditando que poderia romper com esse tabu e cons-
truir uma teoria e uma prática capazes de vencer o fenômeno
da fome que travou o bom combate de sua vida. Pagou com o
exílio, com a tristeza, com a saudade, mas estou certa de que
valeu a pena. O mundo ficou mais consciente da necessidade
de atender aos mais pobres, promovendo sua inclusão social, e
suas obras, seus projetos ajudaram muito nessa direção. O tra-
balho de Josué de Castro foi desenvolvido a partir da constata-
ção de que, num mundo onde não se consigam obter condições
de vida similares para todos os homens ao nascer, se produzirão
conseqüentemente grandes contrastes nos futuros níveis de
saúde e capacidade intelectual dessas populações. Ter ou não
ter o que comer diferencia mais do que a raça, do que a cor. De-
nunciava que a herança que caberia a cada um dos membros da
sociedade não estava, assim, muito bem distribuída. Em seus
trabalhos, dividia a sociedade não em burguesia e proletaria-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 37


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

do, mas entre os que não comem e não dormem porque têm
fome e os que comem mas não dormem com medo dos que
têm fome (grifo nosso).

Essa responsabilidade, enquanto cientista, revela seu pro-


jeto de vida, não dissociado em nenhum momento, por isso, foi
tendo clareza que o subdesenvolvimento é uma forma de su-
beducação. Assim, afirmava que há um tipo de verdadeiro de-
senvolvimento: o desenvolvimento do homem. Tal indicação é
de suma relevância e dialoga diretamente com outro geógrafo
brasileiro, Milton Santos, ao alertar que "o consumo é o grande
fundamentalismo".
Nas Figuras 2 e 3, podemos visualizar a espacialização da
fome no Brasil, bem como refletir sobre a ocupação atual, re-
lacionando-a à modernização e às opções da sociedade nesse
início de século 21.

Fonte: Castro (2008, p. 37).


Figura 2 Áreas alimentares do Brasil.

38 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Fonte: Castro (2008, p. 38).


Figura 3 Principais carências existentes nas diferentes áreas alimentares do Brasil.

A leitura da obra de Josué de Castro é muito profícua em


vários aspectos. Em destaque, por comentar o uso histórico da
terra na região Nordeste e na Amazônia, e, sobretudo, por trans-
por os estudos fisiológicos e relacioná-los à conjuntura política
e social. Nesse sentido, os mapas espacializam seus estudos e
revelam o papel nacional e internacional fazendo, inclusive, com
que o tabu da fome (a obtenção do pão nosso de cada dia) possa
ir além da subsistência ancestral, ou seja, deixando claro que a
história da humanidade precisa ser diferente, que devemos lutar
e fazer com que todos tenham esse pão e, consequentemente,
com que ninguém morra de fome, pois a calamidade da fome
não é um fenômeno natural, inerente à vida, trata-se de uma
praga social criada pelo próprio homem (CASTRO, 1957).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 39


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Portanto,
O problema da fome mundial não é, por conseguinte, um pro-
blema de limitação da produção por coerção das forças natu-
rais; é antes um problema de distribuição. A verdade está com
Frank Boudreau, quando afirma que "temos obtido muito mais
êxito em produzir alimentos do que em distribuí-los de maneira
adequada".
[...]
A fome e a guerra não obedecem a qualquer lei natural. São, na
realidade, criações humanas" (CASTRO, 1957, p. 62-63).

Dentre o legado de Josué de Castro, temos o Programa


com 10 pontos para vencer a fome, que explicita uma mudança
significativa na estrutura social. Esse programa foi desenvolvido
na década de 1950, mas continua atualizado.
Acompanhe.

Programa de 10 pontos para vencer a fome––––––––––––––


1) Combate ao latifúndio.
2) Combate à monocultura em largas extensões sem as
correspondentes zonas de abastecimento dos grupos
humanos nela empregados.
3) Aproveitamento racional de todas as terras cultiváveis
circunvizinhas dos grandes centros urbanos para a agricultura
de sustentação, principalmente de substâncias perecíveis
como frutas, legumes e verduras que não resistem a longos
transportes, sem os recursos técnicos da refrigeração.
4) Intensificação do cultivo de alimentos sob forma de policultura
nas pequenas propriedades.
5) Mecanização intensiva da lavoura, da qual dependem os
destinos produtivos de toda nossa economia agrícola.
6) Financiamento bancário adequado e suficiente da agricultura
assim como garantia da produção pela fixação de bom preço
mínimo.

40 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

7) Progressiva diminuição até a absoluta isenção de impostos


da terra destinada inteiramente ao cultivo dos produtos de
sustentação.
8) Amparo e fomento ao cooperativismo, que poderá servir de
alavanca impulsionadora à nossa incipiente agricultura de
produtos alimentares.
9) Intensificação dos estudos técnicos de Bromatologia e
Nutrologia no sentido de que se obtenha um conhecimento
mais amplo do valor real dos recursos alimentares.
10) Planejamento de uma campanha de âmbito nacional para a
formação de bons hábitos alimentares, a qual envolva não só o
conhecimento dos princípios históricos de higiene como o amor
à terra, os rudimentos de economia agrícola e doméstica, os
fundamentos da luta técnica contra a erosão (CASTRO, 2007,
p. 42-43).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Esses apontamentos permitem sonhar uma sociedade
mais democrática, justa e saudável. Nesse contexto, vale desta-
car o livro organizado por Anna Maria de Castro (2003), filha de
Josué de Castro, que nos brinda com seus últimos escritos, os
quais, desde a apresentação, remetem a dois significativos acon-
tecimentos: os trinta anos da morte de Josué (1973-2003) e a
revitalização das discussões sobre o fenômeno da fome, após o
lançamento do programa Fome Zero, principal projeto social do
governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010).
Sobre esse programa, atualmente estruturado em quatro
eixos – acesso aos alimentos (eixo 1); fortalecimento da agricul-
tura familiar (eixo 2); geração de renda (eixo 3); e articulação,
mobilização e controle social (eixo 4) –, vale salientar o compro-
misso de ir além de uma política de governo e/ou partido, assu-
mindo-se como política de Estado.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 41


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Fome Zero–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Fome Zero é uma estratégia impulsionada pelo governo federal para asse-
gurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades
de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança
alimentar e nutricional buscando a inclusão social e a conquista da cidadania
da população mais vulnerável à fome.
Articulação e integração da ação pública
A atuação integrada dos ministérios que implementam políticas fortemente vin-
culadas às diretrizes do Fome Zero possibilita uma ação planejada e articulada
com melhores possibilidades de assegurar o acesso à alimentação, a expan-
são da produção e o consumo de alimentos saudáveis, a geração de ocupação
e renda, a melhoria na escolarização, nas condições de saúde, no acesso ao
abastecimento de água, tudo sob a ótica dos direitos de cidadania.
O primeiro ponto positivo do Fome Zero foi priorizar o tema da fome na agenda
política do Brasil, com repercussões no cenário mundial, além de reforçar a
participação e a mobilização da sociedade.
O segundo ponto positivo do Fome Zero foi possibilitar a vinculação entre a
Política de Segurança Alimentar e Nutricional e a necessidade de repensar
a ação do Estado. Quanto mais garantida a integração das áreas envolvidas
nesse tema, mais estimuladas as parcerias e melhor promovidos os canais de
participação popular e controle social, maior é a possibilidade de consolidação
efetiva dessa política. A realização da II Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional, em 2004, consolidou o reconhecimento pelo Estado da
necessidade de implementação de uma política pública de segurança alimen-
tar e nutricional fortemente apoiada na participação da sociedade brasileira.
Dessa forma, os princípios do Fome Zero têm por base a transversalidade e
intersetorialidade das ações estatais nas três esferas de governo; no desen-
volvimento de ações conjuntas entre o Estado e a sociedade; na superação
das desigualdades econômicas, sociais, de gênero e raça; na articulação entre
orçamento e gestão e de medidas emergenciais com ações estruturantes e
emancipatórias.
Por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Mi-
nistério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério da Saúde, do Ministério da
Educação, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministé-
rio do Trabalho e Emprego, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério
da Integração Nacional, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Jus-
tiça e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,
além do Ministério da Fazenda, o governo federal articula políticas sociais com
estados e municípios e, com a participação da sociedade, implementa progra-
mas e ações que buscam superar a pobreza e, conseqüentemente, as desi-
gualdades de acesso aos alimentos em quantidade e qualidade suficientes, de
forma digna, regular e sustentável (BRASIL, 2013).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

42 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


O Programa Fome Zero é um exemplo de que teoria e
prática devem caminhar juntas na construção de uma socieda-
de equitativa, principalmente no tocante aos direitos humanos.
Trata-se, portanto, de uma luta contínua para um novo patamar
de desenvolvimento, o desenvolvimento humano pleno.

5. ALIMENTAÇÃO E AS METAS DO MILÊNIO


A preocupação em torno da carência alimentar, leia-se
fome, assim como seu inverso, ou seja, da obesidade, bem como
de outras enfermidades fruto da alimentação desequilibrada é
um dos graves problemas para governos e profissionais da área
de saúde.
Uma das soluções propostas pela ONU são as Metas do
Milênio, utilizadas desde 2000. No Brasil menciona-se como os
8 jeitos de mudar o mundo, a serem aplicadas de acordo com a
realidade local.
Na Figura 4, é possível observar e analisar as oito metas
previstas pela ONU.
Vejamos:

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 43


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Figura 4 Oito jeitos de mudar o mundo.

A partir dessas metas, percebe-se a preocupação por um


mundo mais justo, cuja centralidade está na qualidade de vida.
Para isso, temos de erradicar alguns males históricos, como a
fome, a miséria, as desigualdades etc. Nesse sentido, podería-
mos elaborar estudos de casos sobre vários países que aderiram
às metas e verificar quais medidas foram tomadas e/ou planeja-
das e quais resultados foram obtidos nessa primeira década do
século 21.
No Brasil, o IPEA (dados de 2007) afirma que as metas não
são animadoras. Temos boas intenções, mas, enquanto isso, no
"mundo real", alguns dados ainda preocupam.
Do que se pode verificar até agora, é possível inferir, primei-
ro, que a boa vontade anunciada na virada do milênio não tem
se mostrado em ações concretas, geradoras de resultados. Se-
gundo, que o Brasil experimentou um progresso singular nos
últimos anos, em seus dados estatísticos. Terceiro, e mais im-
portante, que é sabido que percentuais não passam fome, não
sentem frio nem dor e que, portanto, é preciso fazer cada vez
mais, com maior eficiência, para que os 170 milhões de bra-
sileiros possam gozar de seus direitos fundamentais. Trata-se

44 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

de um círculo virtuoso. Bem alimentada, a pessoa fica bem


disposta, desenvolve melhor suas potencialidades, capacita-
-se para o trabalho, consegue uma ocupação que traz riqueza
para o país, obtém maior renda e, conseqüentemente, alimen-
ta melhor sua família, que fica mais bem disposta [...] Esse é
o círculo em que o Brasil tenta ingressar (PROVEDELLO, 2013;
grifo nosso).

Romper com esses círculos viciosos é um primeiro passo


para conscientização e desconstrução de alguns "mitos de ori-
gem" da colonização territorial à neocolonização dos saberes e
da vida.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A fome não é algo prejudicial apenas ao indivíduo, pois torna doente a própria
sociedade. O rendimento escolar da criança subnutrida é inferior, desperdi-
çando um potencial de criatividade, tornando-a amanhã um trabalhador pou-
co qualificado. Com baixa qualificação, será mal remunerado e mais sujeito a
doenças, onerando o sistema hospitalar. Sem condições de atuação cidadã,
fica mais vulnerável a discursos messiânicos, populistas ou autoritários (CAM-
POS, 2012, p. 30).
__________________________________________________

6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Responda as questões a seguir e procure verificar a qual nível de conheci-
mento você pôde chegar com o estudo desta unidade:

1) Como podemos definir alimentação e saúde?

2) Qual é a função da pirâmide alimentar?

3) É possível termos uma alimentação saudável?

4) Quais as principais contribuições do médico e geógrafo Josué de Castro


para os temas estudados?

5) O que é e como funciona o Programa Fome Zero?

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 45


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

7. CONSIDERAÇÕES
As reflexões iniciadas nesta unidade norteiam nosso en-
tendimento sobre alimentação, saúde, direitos humanos e ética.
Por isso, buscamos apresentar vários autores de diferentes áreas
do conhecimento a fim de fornecer elementos teóricos suficien-
tes para análises práticas oriundas do seu cotidiano.
Como exemplo final, apresentamos um trecho da música
Comida, composta em 1987 por Arnaldo Antunes, Marcelo Fro-
mer e Sérgio Britto, na qual é ressaltado que nossa carência não
é só de comida; ao contrário, muitos outros direitos são histori-
camente negados. Todavia, a comida é essencial para que tenha-
mos força para lutar pelos demais.
Acompanhe:

Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte [...]

A canção é reveladora na sua simplicidade: temos fome de
quê? Ela permite uma atualização e, sobretudo, uma interação
– o que podemos fazer para a construção de um estilo de vida
saudável e justo? Josué de Castro já nos brindava com algumas
respostas em meados do século 20:

46 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

Vivemos hoje uma hora decisiva para a humanidade: a da luta


entre o pão e o ouro, simbolizando o pão a tranqüilidade e a
segurança para todos e o ouro, a especulação, a competição e
a guerra. E não podemos hesitar na escolha do nosso caminho.
Ou salvaremos o mundo dando pão aos que têm fome ou pe-
receremos todos sob o peso esmagador do ouro acumulado à
custa da fome e da miséria de dois terços dos nossos semelhan-
tes (CASTRO, 1957, p. 552).

Na próxima unidade, apresentaremos algumas caracterís-


ticas dos costumes e das práticas alimentares, tecendo algumas
comparações entre agrotóxicos, transgênicos e a contaminação
ambiental e humana.
Até lá!

8. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Pirâmide alimentar atualizada – 2012. Disponível em: <http://www.
saudecomciencia.com/2011/04/nova-piramide-alimentar-atualizada.html>. Acesso
em: 27 fev. 2013.
Figura 4 Oito jeitos de mudar o mundo. Disponível em: <http://www.iquadrix.org.br/
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Sites pesquisados
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<http://www.fomezero.gov.br/o-que-e>. Acesso em: 26 fev. 2013.
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pdf/sausoc/v12n1/04.pdf>. Acesso: 27 fev. 2013.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 47


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

CAMPOS, R. R. Josué de Castro e o direito à alimentação. Revista Geografia em


Questão, v. 5, n. 1, p. 28-46, 2012. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.
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FELLET, J. "Por pouco", Brasil passa Grã-Bretanha e se torna 6ª economia global.
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PROVEDELLO, M. Metas do Milênio – As boas intenções e o mundo real em 2007.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&v
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PROJETO MEMÓRIA. Fome – Josué de Castro. Disponível em: <http://www.
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REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS. As políticas da Via Campesina.
Disponível em: <http://www.social.org.br/cartilhas/cartilha003/cartilha012.htm>.
Acesso em: 27 fev. 2013.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANDRADE, M. C. A questão do território no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. São Paulo: Saraiva, 2008.

48 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 1 – ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL

BOFF, L. Virtudes para um outro mundo possível: comer e beber juntos e viver em paz.
Petrópolis: Vozes, 2006. v. 3.
CAMPOS, R. R. Breve histórico do pensamento geográfico brasileiro nos séculos XIX e
XX. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
CASTRO, A. M. Josué de Castro: semeador de idéias. In: FERNANDES, B. M.; GONÇALVES,
C. W. P. (Orgs.). Josué de Castro: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
______. (Org.). Fome: um tema proibido – últimos escritos de Josué de Castro. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CASTRO, J. Geografia da fome: o dilema brasileiro – pão ou aço. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
______. Geopolítica da fome: ensaios sobre os problemas de alimentação e de
população do mundo. São Paulo: Brasiliense, 1957. v. 1 e 2.
FIGUEIREDO, F.; MONT’ALVÃO, C. Ginástica laboral e ergonomia. Rio Janeiro: Sprint,
2008.
GONZALEZ, A. P. Lugar de médico é na cozinha: cura e saúde pela alimentação viva. São
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MENDES, C. Prefácio. In: GONZALEZ, A. P. Lugar de médico é na cozinha: cura e saúde
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MST. O Brasil precisa de Reforma Agrária: as propostas dos movimentos e as promessas
e compromissos do governo Lula. Caderno de Formação, São Paulo, n. 36, 2005.
PADILHA, A. T. O poder das plantas medicinais na alimentação. Aparecida: Ideias e
Letras, 2004.
ROCHA, C. M. B. G.; ROSA, I. C. A. S. Saúde e Ambiente. Lavras: UFLA/FAEPE, 2000.
REMÉSY, C. Alimentação e Saúde. Porto Alegre: Instituto Piaget, 1996.
SANCHEZ, C. O enfermeiro e as terapias complementares como abordagem no cuidar.
MALAGUTTI, W.; MIRANDA, S. M. R. D. (Orgs.). Os caminhos da Enfermagem: de
Florence à globalização. São Paulo: Phorte, 2010.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2001.
TONETTO, A.; TONETTO, H. Alimentação saudável. Porto Alegre: L&PM, 2010.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 49


© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL
UNIDADE 2
COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

“Qualquer conhecimento construído historica-


mente necessita da relação de ensino-aprendi-
zagem para ser transmitido e apreendido. E por
meio dessa relação que nos apropriamos da cul-
tura, dos costumes e de todas as coisas que estão
a nosso redor.” (ZUIN; ZUIN, 2009, p. 51)

Objetivos
• Identificar as características dos costumes e práticas alimentares.
• Definir e analisar a apropriação da cultura, da tradição, dos ritos e dos cos-
tumes referentes à alimentação.
• Interpretar o contexto político-social em que as práticas alimentares estão
inseridas.
• Qualidade alimentar versus saúde pública.

Conteúdos
• Costumes e práticas alimentares.
• A mercantilização dos alimentos.
• Agrotóxicos e transgênicos versus contaminações ambientais e antrópicas.
• Alimentação e saúde pública: ética e respeito à vida.

51
Orientações para o estudo da unidade
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as
orientações a seguir:

1) Para obter maiores informações sobre a cultura do slow food, acesse a


página Slow Food Brasil, disponível em: <http://www.slowfoodbrasil.
com/>. Acesso em: 13 dez. 2018.

2) Com relação ao tema fast-food, que abordaremos nesta unidade, indi-


camos o documentário Super Size Me: a dieta do palhaço (Direção de
Morgan Spurlock, EUA, 2004, 1h38 min.), que revela as mazelas do con-
sumo de fast-food na rede McDonald’s para a saúde. Esse documentá-
rio será utilizado na avaliação final do curso, por isso, é essencial assisti-
-lo! O documentário está disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=W4m28PVklHA>. Acesso em: 13 dez. 2018.

3) Para aprofundar suas reflexões sobre as implicações do beliscar e do fast-


-food entre crianças e adolescentes, indicamos a obra de Salgado, A ali-
mentação que previne doenças: do pré-escolar à adolescência, referencia-
da no final desta unidade.

4) Para aprofundar os estudos que serão realizados no Tópico 4, indicamos a


leitura da Lei de Biossegurança, nº 11.105, de 24 de março de 2005, dis-
ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/
lei/l11105.htm>. Acesso em: 13 dez. 2018.

5) Sobre a temática “Produzir sem veneno”, indicamos os seguintes docu-


mentários: Doce Miséria: um mundo envenenado (2004), O Futuro da Co-
mida (2004), A carne é fraca (2005), Nós alimentamos o Mundo (2005),
Morrendo por não saber (2006), O Silêncio das Abelhas (2007), A alimen-
tação é importante (2008), Comida, S.A. (2008), Flow pelo amor à água
(2008), O Mundo Segundo a Monsanto (2008), Troque a faca pelo garfo
(2011), O veneno está na mesa I (2011) e O Veneno está na mesa II (2014).
UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

1. INTRODUÇÃO
Na unidade anterior, apresentamos um panorama geral re-
lacionando alimentação e saúde e identificamos, ainda, as possi-
bilidades para um estilo de vida saudável. Além disso, compreen-
demos e analisamos algumas políticas públicas que norteiam a
produção de alimentos e a origem da fome no Brasil e no mundo.
Nesta unidade, discutiremos a relação entre costumes, ri-
tos e práticas alimentares a partir de alguns exemplos históricos
e analisaremos a implicação dos agrotóxicos e transgênicos ao
meio ambiente e à saúde humana.
Por fim, iremos apresentar uma reflexão inicial que envolve
alimentação e saúde pública, ou seja, os limites para construir-
mos hábitos saudáveis. Sem a adoção dessa prática, continuare-
mos a aumentar exponencialmente o número de pessoas com
câncer e outras doenças cardíacas crônicas, fruto de alimentos
inadequados numa cadeia produtiva em crise. Por isso, temos
de pensar e debater a ética e o respeito à vida na nossa mesa de
cada dia.
Bons estudos!

2. COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES


Carneiro (2003) salienta que alimentação é um fato da cul-
tura material da sociedade, ou seja, ela tem uma dimensão social
e ideológica importante. É essencial à vida de qualquer indivíduo
e, por ser uma necessidade básica dos homens, se estrutura so-
cialmente, fomentando um ato cultural (ZUIN; ZUIN, 2009).
Muito mais que se alimentar para se nutrir, o homem tem a
necessidade de se relacionar com outros homens; por isso,
na história da alimentação, desde os tempos remotos, os ho-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 53


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

mens estão sempre em comunhão com outros homens. As-


sim, a alimentação e a atividade de se alimentar são algo [sic.]
histórico-cultural, ultrapassando o sentido de nutrir-se para
sobreviver, uma vez que nela estão contidos aspectos culturais
de uma determinada sociedade, comunidade ou região, como,
por exemplo, rituais, tipos específicos de consumo de alimen-
tos (geralmente ligados a preceitos de uma religião), diferentes
modos de manufatura e produção, entre muitos outros aspec-
tos (ZUIN; ZUIN, 2009, p. 22; grifo nosso).

Para Boff (2006), essa comunhão histórica é chamada de


comensalidade, ou seja:
O comer e beber juntos – a comensalidade – são atividades pri-
mordiais da humanidade. Não só nutrimos nossos corpos como
alimentamos nosso espírito. Comer e beber são ritos carrega-
dos de significações. É pelos ritos que revelamos nossa huma-
nidade e o grau de civilização que conseguimos alcançar (BOFF,
2006, p. 7).

A alimentação como cultura, desde o plantio ao ato de


preparação e degustação, envolve vários elementos do imagi-
nário oral transmitido ancestralmente, trata-se da felicidade do
estômago.
Câmara Cascudo (1983, p. 48) afirma que “[...] nenhuma
outra atividade será tão permanente na história humana como
a da alimentação. O ato de comer faz parte da vida humana, é
um produto da atividade social em qualquer tipo de organização
societária”.
Essa passagem revela que a alimentação é permanente em
nossas vidas, como também fica nítido no seguinte fato:
Há 500 mil anos o ser humano aprendeu a fazer fogo e a domes-
ticá-lo. Com o fogo começou a cozinhar os alimentos. O “fogo
culinário” é o que diferencia o ser humano de outros mamíferos
complexos. A passagem do cru ao cozido é considerado um dos

54 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

fatores de passagem do animal ao ser humano civilizado. Com


o fogo surgiu a culinária, própria de cada povo, de cada cultura
e de cada região (BOFF, 2006, p. 17).

Duas questões são fundamentais aqui: primeiro, o fogo


culinário e social e, segundo, a identidade regional.
Maior (1988, p. 5; grifo nosso), ao analisar a obra de Câma-
ra Cascudo, afirma:
Iniciando sua História da alimentação no Brasil, Luís da Câmara
Cascudo afirma, com boa dose de razão, que “toda a existên-
cia humana decorre do binômio Estômago e Sexo”. E, para ali-
cerçar seu ponto de vista, por si só logicamente válido, invoca
alguns autores para provar que o estômago é muito mais im-
portante do que o sexo, e como é simplesmente incontestável
essa supremacia. Mostra, em seguida, como o estômago exige
alimentação logo após as primeiras vinte e quatro horas de vida
do ser humano, enquanto o sexo espera até a chegada da ado-
lescência para se tornar uma necessidade. Acresce, ainda, que,
depois de adulto, o homem continua a necessitar de alimen-
tos três vezes por dia, o que não acontece em relação ao sexo.
Continuando, invoca Luís da Câmara Cascudo o testemunho dos
gregos, segundo os quais a fome faz cessar o amor.

Esse binômio (estômago e sexo) demonstra a importância


da alimentação no decorrer da vida, podendo o primeiro inclusi-
ve cessar o segundo no evidente caso de fome.
Por isso,
O que as pessoas comem (ou não comem) sempre foi determi-
nado por uma interação complexa de forças sociais, econômi-
cas e tecnológicas. A antiga República de Roma era alimentada
por seus cidadãos agricultores; o Império Romano, por seus
escravos. A dieta de um país pode ser mais reveladora que sua
arte ou literatura (SCHLOSSER, s/d, apud SANTOS, 2006, p. 1).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 55


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

As forças ora apresentadas nos remetem à tradição


apreendida em um processo amplo, cujo movimento na História
se traduz brilhantemente nos pratos e modos de preparação, por
exemplo.
Para Boff (2006, p. 18):
Cada povo possui alguns alimentos característicos que entram
na constituição de sua identidade histórica. Assim, por exem-
plo, a feijoada do Brasil, os tacos do México, o hambúrguer dos
norte-americanos, a pizza dos italianos, a salada de batata e o
chucrute dos alemães, o kibe dos árabes, o sushi e sashimi dos
japoneses, entre outros. Não se trata de apenas cozinhar os ali-
mentos, mas de realçar seu sabor. Nos condimentos utilizados
e nos sabores diferenciados se distingue uma culinária da outra
e se diferenciam as culturas. As várias culinárias criam hábitos
culturais, não raro vinculados a certas festas como o Natal (o
peru), a Páscoa (ovos de chocolate), o primeiro dia do ano (car-
ne suína), a Festa de São João (milho assado), e outras.

Para ele, comer é a alma de uma cultura. Portanto,


[...] conhecer o que se come, quando, como e com quem se
come é penetrar no âmago de uma sociedade. Comer é uma
forma de comunhão com as pessoas, com a Terra e o universo.
Por isso o comer vem cercado de ritos e símbolos. Especial-
mente vale para a comensalidade, pois ela expressa a socia-
bilidade que é característica da espécie humana. A comensa-
lidade está vinculada essencialmente à hospitalidade. Não se
acolhe alguém como hóspede sem convidá-lo à mesa e fazê-lo
comensal. Sabe-se, por exemplo, que nas tribos célticas, em
tempos antigos, ao se oferecer hospitalidade, oferecia-se comi-
da e bebida aos estrangeiros antes mesmo de se lhes perguntar
de onde vinham e por que estavam aí [...] (BOFF, 2006, p. 60-61;
grifo nosso).

Mendes (2008) apresenta um elemento importante dos


hábitos, costumes e modo de vida alimentar.

56 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Ao longo dos tempos, o homem aprendeu e desaprendeu a li-


dar com sua comida. Desde tempos imemoriais, quando a re-
feição era um evento inusitado (sendo vital o armazenamento
de gordura e proteína), passando pela conquista da agricultura
e pelo domínio da criação de animais para abate, até os dias de
hoje, quando há o predomínio de alimentos industrializados,
verificaram-se avanços e retrocessos (MENDES, 2008, p. 13).

São passagens e adaptações que nos fazem refletir sobre


nossa trajetória enquanto humanidade, ora ligada à comensa-
lidade por meio da culinária, ora nos afastando com a comida
industrializada. Todavia, o domínio da cozinha – do ato de prepa-
ração – é universal, pois todos cozinham algum tipo de alimento.
Na tradição judaico-cristã, temos vários exemplos da parti-
lha do pão e dos demais alimentos regionais.
Gonzalez (2008, p. 39), afirma que:
Jesus realizava a maior parte das curas explicando como se ali-
mentar devidamente: alimentação frugal e simples, com produ-
tos crescidos na região em que morassem, específicas de cada
estação do ano, como cevada, trigo (“A mais perfeita dentre
todas as ervas portadoras de sementes [...] que o vosso pão
de cada dia seja feito de trigo, para que o Senhor tome con-
ta de vosso corpo”), uvas azedas diuréticas, seguidas de uvas
doces que nutriam com seu néctar e uvas doces e passas para
ganhar peso; figos ricos em suco e, no mês seguinte, figos se-
cos, que seriam acompanhados de amêndoas nos meses em
que as árvores não produzissem frutos. Ensinou o poder nutri-
cional e desintoxicante das “ervas que vêm depois da chuva”.
No ensinamento “O dom da vida na relva humilde” discursa,
com riqueza de detalhes, sobre as propriedades da grama do
trigo, hoje em voga como clorofila. Citava as velhas escrituras:
“Todas as plantas guardiãs de sementes e todas as árvores com
suas frutas e sementes”.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 57


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Essa indicação é de suma relevância ao indicar o princípio


nutricional e da desintoxicação de alguns alimentos, ou seja, car-
rega consigo tradições, baseada em valores e crenças históricas,
as quais já foram ou estão sendo comprovadas pela ciência. A
partir desse contexto, podemos concluir que vivenciamos um
processo de humanização das culturas alimentares. Por isso, a
alimentação faz parte da cultura de todos.
No Brasil, a feijoada está arraigada à história da escravidão, as-
sim como na China estão as massas. De acordo com alguns es-
tudiosos, a história da alimentação, a nós contada, nem sempre
é a verdadeira, sendo, muitas vezes, assim como as tradições,
inventada. Dados confirmam que grandes personagens da his-
tória propiciaram a adoção, por determinada cultura, de um
tipo de alimento, de um modo de preparo, de um novo gosto,
de paladares e consumos específicos (ZUIN; ZUIN, 2009, p. 62).

A vivência e, sobretudo, a maneira como as histórias e es-


tórias alimentares estão transcritas, nos fazem pensar a cozinha
como um lugar único de se tecer a História. Todavia:
Somente nos dias atuais o cozinhar recebeu o status de arte,
a nona arte. Esse tipo de arte há muito tempo deveria ser
considerada como tal, mas não era, e, completa em todos os
sentidos, sempre teve importância na vida do homem, acom-
panhando-o ao longo de sua evolução. Por isso, seu papel fun-
damental é na construção da história de qualquer cultura. De
forma geral, o patrimônio cultural de um país não é formado
somente por manifestações materiais, como, por exemplo, mo-
numentos, documentos, lugares históricos e obras de arte. Ele é
constituído em sua grande parte por manifestações simbólicas
ou sígnicas, que vão da arte popular, como o artesanato, a culi-
nária, até os costumes, rituais e tradições inerentes a um grupo
ou cultura. Nesse sentido, o alimento constitui um objeto da
construção e perpetuação da história, pois ele não é apenas um
modo de nutrir o corpo, mas também compõe um ato social,
relacionado a usos, costumes, condutas e situações de uma de-
terminada cultura (ZUIN; ZUIN, 2009, p. 63).

58 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Na cozinha, temos o saber-fazer, carregado de signos e


significados cuja manifestação cultural é muito relevante, pois
constroem-se registro de receitas e modos de preparação, os
quais contam a história e a identidade local ou regional. Tais ensi-
namentos, transmitidos na cozinha, são passados às gerações fu-
turas, onde os valores morais, ou seja, a forma de viver, conviver
e sobreviver são exemplos únicos da partilha e visão de mundo.
Brandão, na obra Plantar, Colher e Comer: um estudo sobre
o campesinato goiano, analisa a ideologia e as práticas alimenta-
res pelas quais os camponeses constroem o cotidiano, permea-
do, ainda, por símbolos e condições sociais materializadas por
camponeses do interior do Brasil, e, sobretudo, nas pequenas
cidades.
A alimentação dos camponeses que migraram para as ci-
dades, por vários motivos, mantém determinados hábitos e prá-
ticas típicas das áreas rurais onde residiam, revelando, de certo
modo, a sociabilidade e a ética em torno dos alimentos e da pró-
pria vida.
Um elemento central da sua análise refere-se ao trabalho,
que:
[...] envolve, aqui, a prática econômica rural produtora de bens
de consumo. Por outro lado, a prática alimentar refere-se, de
forma ampla, ao consumo de alimentos (comida) em Mossâ-
medes [cidade no interior de Goiás]. Essa prática obedece a
padrões sociais e se apresenta para os efeitos da pesquisa, sob
forma de hábitos alimentares. As representações das crenças e
dos padrões sociais do uso e das restrições alimentares consti-
tuem a ideologia alimentar e entende-se que fazem parte do
conhecimento social da população local, aparecendo neste tra-
balho tal como expressas pelo lavrador (BRANDÃO, 1981, p. 8;
grifo do autor).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 59


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

No Quadro 1, é possível analisarmos os ciclos anuais da co-


mida do lugar e relacioná-los a pelo menos dois eixos fundamen-
tais: sua dieta e a preparação e produção de parte dos alimentos.

Quadro 1 Ciclos anuais da “comida do lugar”

Fonte: Brandão (1981, p. 36).

60 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Essa nítida relação entre a produção da comida e os ci-


clos anuais revela as combinações do trabalho rural e as trans-
formações e apropriações periódicas da força de trabalho na
agricultura.
Tal indicação revela que os camponeses, enquanto produ-
tores de alimentos na terra de trabalho, ou seja, no lugar que
labutam com o suor da sua família, exprimem muitos sentimen-
tos, os quais, sem romantismo, são resolvidos na mesa, pois essa
é humana, e as contradições da humanidade perpassam por ela
(BOFF, 2006).
Por isso, é necessário valorizar os hábitos e práticas ali-
mentares em família, na mesa, onde a comensalidade ocorre.
Nesse sentido, ressaltamos que a alimentação é mais do que
uma simples necessidade fisiológica, é uma busca significativa
para a satisfação completa do homem.
Segundo Jules Pretty (s/d, apud KHATOUNIAN, 2013), o
“ato mais político que realizamos todos os dias é comer, porque
o que comemos afeta a organização do meio rural, o meio am-
biente e o negócio agroalimentar”.
Essa frase revela que, ao fazer nossas escolhas diárias por
meio da alimentação, estamos, como já ressaltamos, indo além
da mera nutrição energética, construindo História, ou seja, so-
mos coautores das mazelas e dádivas alimentares, as quais estão
territorializadas nas políticas públicas, no aumento dos agrotóxi-
cos, transgênicos, adubos químicos, irrigação, contaminação da
água e do solo, aumentos de doenças, enfim, dos impactos gerais
oriundos da monocultura e de alimentos externos aos nossos
biomas. Assim, chegamos ao ponto de perdermos a biodivers-
idade agroalimentar e, consequentemente, a identidade que os
alimentos carregam consigo na História recente da nossa dieta.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 61


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Para não perdermos essa biodiversidade agroalimentar,


apresentamos as ideias do agrônomo Carlos Armênio Khatou-
nian, atualmente professor da ESALQ-SP, fornecidas na palestra
“Agroecologia, hábito alimentar e sustentabilidade”, durante o
IX Congresso Brasileiro de Meio Ambiente de Poços de Caldas-
-MG, realizado entre os dias 22 a 24 de maio de 2012, as quais
propõem uma dieta que preserve a biodiversidade, a saúde hu-
mana e ambiental, acompanhe:
__________________________________________________
1 – Utilize produtos da região e da época.
2 – Evite alimentos processados.
3 – Limite o consumo de produtos de origem animal – coma menos carne.
4 – Priorize plantas perenes, pois protegem o solo e evita erosões.
5 – Priorize preparações de baixa energia.
6 – Celebre o pertencimento do seu grupo humano ao seu bioma.
__________________________________________________

Essas dicas podem auxiliar e muito no sistema policultor


e, sobretudo, na consolidação de uma sociedade que busque a
sustentabilidade em todas as dimensões, o respeito e o diálogo
com todas as manifestações transcritas na longa História alimen-
tar da humanidade.

Da cultura do fast-food à cultura do slow food


Para iniciar esse tópico, é necessário refletirmos sobre a se-
guinte questão: se somos o que comemos, então quem somos?
Essa indagação remete a várias respostas e, a partir de
algumas leituras e vivências em sala de aula e, sobretudo, fora
dela, vamos auxiliá-los nessa compreensão.

62 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

A princípio, vale salientar que o modo com o qual entende-


mos os hábitos alimentares está nitidamente relacionado a um
dado contexto histórico e social; por isso, a cultura do fast-food
(comida rápida/instantânea) deve ser entendida como tal – co-
mida da fluidez mundial, ou seja, da globalização.
Boff (2006, p. 10) salienta que “a cultura contemporânea
modificou de tal forma a lógica do tempo cotidiano em função
do trabalho e da produtividade que enfraqueceu a referência
simbólica da mesa.”; esse exemplo é nítido no âmbito do fast-
-food, muitas vezes servido dentro do carro, em estações de me-
tro, em ônibus etc.
A expansão do fast-food está atrelada às multinacionais,
bem como ao enorme dividendo oriundo de novos investimen-
tos e domínio “[...] não apenas da economia mundial pelo capital
estadunidense, mas rompendo as fronteiras do Estado-nação e
aportando uma certa mundialização da cultura, ou, para ser mais
preciso, o estilo de vida americano” (SANTOS, 2006, p. 7).
Nesse contexto, podemos concluir que:
[...] no campo da História da Alimentação a invasão do Fast
Food pela rede McDonald e a conseqüente diluição de frontei-
ras gustativas atingiu o cotidiano e os hábitos das sociedades
nacionais, ainda que com algumas resistências. Em tempos
de Guerra Fria, a coca cola e o hambúrguer representavam,
ao mesmo tempo, as delícias e os horrores ideológicos, pois
ambos encarnavam as ameaças de americanização (SANTOS,
2006, p. 7; grifo nosso).

Essa expansão, no âmbito da Guerra Fria e depois dela, nos


remete à produção desses alimentos em massa, os quais se cons-
tituem com a utilização do fordismo, isto é, da aplicação, divisão
e racionalização do trabalho em cadeia, permitindo uma refeição

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 63


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

completa em segundos; em que a simples alimentação não equi-


vale à comida (SANTOS, 2006).
Nesse sistema, exige-se muita qualificação dos profissio-
nais envolvidos, além de maquinários tecnicamente projetados
com o objetivo de acelerar a produção e servir rapidamente os
clientes, principalmente nos centros urbanos; esse consumo ins-
tantâneo – fora de casa – acaba afetando a saúde dos envolvidos
em função da ausência de vitaminas e valores nutricionais (ZUIN;
ZUIN, 2009).
Para o camponês francês José Bové, fast-food trata-se da:
comida de m..., ou mesmo – comida ruim.
A comida ruim é o ato de comer de qualquer maneira. Não é
um conceito, isso não foi teorizado: tornou-se uma coisa reto-
mada por todo mundo, mas à qual as pessoas não atribuem
necessariamente o mesmo sentido. A palavra exprime um mal-
-estar sentido confusamente, que mistura acusação e culpa.
Para mim, é, por um lado, a alimentação padronizada, que
o McDonald’s simboliza amplamente, um gosto uniforme de
um lado ao outro do planeta; por outro, são as escolhas e a
segurança alimentar, com os problemas de hormônios, dos
transgênicos, dos resíduos de pesticidas, tudo que diz respeito
à saúde. A comida ruim refere-se ainda à agricultura industriali-
zada, ou seja, à alimentação produzida em cadeia, não necessa-
riamente sob a forma de produto final, como nos McDonald’s,
mas produtos massificados, tais como o porco e o frango indus-
triais etc. No conceito de comida ruim o que está em causa, de
fato, é toda uma cadeia da agricultura e uma forma de alimen-
tação. Entre julho e agosto de 1999 a alimentação tornou-se
um debate político, não era apenas mais um temor alimentar
(BOVÉ; DUFOR, 2001, p. 82; grifo nosso).

64 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Um pouco sobre José Bové–––––––––––––––––––––––––––


José Bové (1953) foi um criador de ovelhas da
região francesa de Roquefort que ganhou pro-
jeção internacional em agosto de 1999 quando
liderou uma invasão [ocupação] ao McDonald’s
de Millau, no sul da França, para protestar contra
a sobretaxa de produtos agrícolas nacionais e
europeus imposta pelos EUA. Preso com outros
manifestantes, Bové passou 19 dias na cadeia
e suscitou uma comoção nacional que o trans-
formou em uma espécie de símbolo da França
contra a hegemonia norte-americana. [...] Uma
de suas principais bandeiras é a resistência ao
cultivo dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados). Com ela, Bové
conseguiu criar uma cadeia de solidariedade mundial, que inclui agricultores
da África aos Estados Unidos (Imagem e texto disponíveis em: <http://www1.
folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u14592.shtml>. Acesso em: 27 fev. 2013.).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Nesse contexto, o McDonald’s simboliza a globalização
anônima, vazia do sentido da alimentação, não sendo, portanto,
uma comida de nenhum lugar!
Em síntese, esta cozinha do Fast Food, do McDonald, é filha
das mudanças imprimidas desde a metade do século passado
até os dias de hoje. Vivemos hoje a McDonalização do mundo,
onde prevalece um gosto pasteurizado e homogêneo, sem mo-
lho, sem graça. Diante das transformações imprimidas pela ur-
banização e pela globalização, a alimentação passou e continua
passando por mudanças que afetam a qualidade dos alimentos
produzidos e industrializados. Na verdade, um novo estilo de
vida impõe novas expectativas de consumo, que acabam orien-
tando as escolhas de alimentos (SANTOS, 2006, p. 10).

Numa lógica mais ampla, podemos afirmar que temos um


Mc Capitalismo, e um movimento contrário – outro mundo é
possível, que não se deixa abater por essa indústria cultural.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 65


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Segundo Zuin e Zuin (2009, p. 67) atualmente,


[...] na Europa, há um movimento contrário à globalização do
fast food. Buscando resgatar e manter os antigos costumes
alimentares, o slow food objetiva mostrar às novas gerações o
quanto é importante consumir alimentos frescos, não indus-
trializados, e o quanto é importante preservar as receitas das
antigas gerações para se preservar a história e a cultura familiar.

Esse resgate, sem dúvida, está baseado na produção de ali-


mentos tradicionais, indo na contramão da cultura do fast-food;
além disso, valoriza-se a importância de comer alimentos fres-
cos, incentivando os benefícios de se comer à mesa com a família
de forma calma, devagar, valorizando, assim, a formação do indi-
víduo no que tange a sua identidade e de sua família.
Embora tenhamos diversos rituais e formulações nutricionais
ligadas ao ato de se alimentar, como a massificação do Fast
Food, não podemos afirmar que esse modelo é o único vigente
nos grandes centros urbanos das diferentes culturas. Há muitos
centros, principalmente nos países europeus e latinos, que ain-
da preservam as antigas formas de se alimentar. Na tentativa de
não deixar morrer os costumes e os rituais ligados a ela, foi cria-
do um movimento contrário ao modelo Fast Food, denominado
Slow Food. Esta associação européia busca resgatar as antigas
tradições relativas à alimentação e à forma de se alimentar, no
que tange também aos aspectos nutricionais do alimento. Tal
fato leva-nos a crer que a tradição é muito importante para a
identidade e preservação de uma cultura e, consequentemen-
te, de sua história. Portanto, é por meio da história alimentar
da vida cotidiana que podemos falar sobre a cultura de uma
região, de um povo (ZUIN; ZUIN, 2009, p. 61).

O Movimento Slow Food, criado na década de 1980 na Eu-


ropa como alternativa ao fast-food, carrega consigo práticas sus-
tentáveis e justas. Sua filosofia está baseada na ecogastronomia
e nos rituais que envolvem o alimento desde o plantio, a cria-

66 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

ção de animais, o processamento até o consumidor final, e têm


adeptos no mundo todo (alimento limpo, justo e de boa qualida-
de), colocando o consumidor como coprodutor. Trata-se de uma
nova gastronomia com liberdade, educação, numa abordagem
multidisciplinar em relação à comida que nos permite viver nos-
sas vidas da melhor maneira possível.
Para Zuin e Zuin (2009), o slow food mantém em sua filoso-
fia a lógica do comer devagar, preservar a qualidade original dos
alimentos, entre outras diretrizes. Além disso, preserva:
[...] os rituais que envolvem o alimento desde o plantio e/ou
criação dos animais, passando por seu processamento e che-
gando até o mercado consumidor. O movimento trata os consu-
midores finais como coprodutores, fazendo com que estes cada
vez mais se tornem conscientes dos alimentos que compram,
bem como a cadeia produtiva que é por eles patrocinada, por
meio da distribuição de sua renda. No geral, suas atividades
estão ligadas à elaboração de eventos nos quais a defesa de
alguns objetivos – como a de difundir a educação do paladar,
promover a biodiversidade na cadeia produtiva alimentar e
aproximar os produtores dos consumidores finais de alimen-
tos tradicionais – estão presentes. Um dos programas dessa
instituição é chamado de “A Arca do Sabor”, que possui como
meta redescobrir, catalogar e armazenar sabores esquecidos,
documentando os produtos gastronômicos que correm o ris-
co de desaparecer. Desde o início desse programa, na década
de 1990, mais de 750 alimentos tradicionais originados em de-
zenas de países foram integrados a esse programa como, por
exemplo, o Sciacchetra, um tipo de vinho branco produzido
desde os tempos medievais na beira do mar Mediterrâneo, na
região de Cinque Terre (litoral da Ligúria) (ZUIN; ZUIN, 2009, p.
72-73; grifo nosso).

A ideia do slow food baseia-se, ainda, nas transformações


ocorridas no final do século 20, momento em que profundas mu-
danças nos relacionamentos pessoais, assim como o surgimento

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 67


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

do fast-food, desvalorizaram o ato de cozinhar – sendo conside-


rado muitas vezes algo pejorativo e inferior.
As mudanças econômicas e sociais, como a saída de casa da
mulher para o mercado de trabalho, contribuíram para que
mudanças essenciais em termos de alimentação e de como
se alimentar se firmassem, acabando com (ou adormecendo)
as antigas tradições pertencentes a esse âmbito. Como vimos
é raro haver uma mulher na faixa etária de 15 a 30 anos, nos
grandes centros urbanos, que saiba e tenha prazer em cozinhar.
Diante disso, é essencial que se resgate todo o aspecto históri-
co-cultural presente na ação de se alimentar (ZUIN; ZUIN, 2009,
p. 83-84).

Essa constatação fortalece a indústria alimentícia, princi-


palmente sob a lógica do lucro, que preconizou o comer rápido
em detrimento das práticas e hábitos tradicionais – comensali-
dade, por exemplo, propiciando, em contrapartida, o ambiente
do fast-food. É mais uma aplicação do taylorismo, leia-se, divisão
racional do trabalho, às cozinhas, otimizando o tempo para aque-
les que teoricamente não o possuem. Nesse caminho, temos ain-
da a lógica dos pratos prontos, congelados, instantâneos, enfim,
a comida de micro-ondas, que obviamente vai na contramão do
movimento slow food ora apresentado.
Vale ressaltar que no slow food há uma clara menção à
alimentação saudável, como Remésy (1996) discuti. Além disso,
podemos concluir que: alimentação, nutrição e inteligência =
poder, ou seja, temos que construir conhecimentos e utilizá-los
para o bem comum, principalmente no tocante à saúde e ao en-
velhecimento saudável.

68 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

3. A MERCANTILIZAÇÃO DOS ALIMENTOS


A mercantilização dos alimentos não é recente! No decor-
rer da história da humanidade, há registros que vão além do mero
escambo, ou seja, da troca de mercadorias. Na História do Brasil,
a busca do caminho para a Índia revela a cobiça pelas especia-
rias. No devir, sabemos dos ciclos agropecuários pelos quais pas-
samos – cana, café, borracha, e atualmente, laranja, soja, cana
etc. Agora, com uma nova roupagem, mantendo a mesma lógica
de exploração e desigualdade, trata-se do agronegócio.
No Brasil, o agronegócio envolve uma série de questões
em destaque: as econômicas, as sociais e, sobretudo, as referen-
te à política, uma vez que a produção agrícola e a comercializa-
ção em larga escala por si não explicam os interesses propiciados
pelo termo.
Fernandes (2004) aponta que o agronegócio é o novo
nome de desenvolvimento econômico da agropecuária capita-
lista, cuja origem está no sistema de plantation, em que grandes
propriedades são utilizadas na produção para exportação.
A palavra agronegócio é nova (década de 1990), e é também
uma construção ideológica para tentar mudar a imagem latifun-
dista da agricultura capitalista. O latifúndio carrega em si a ima-
gem de exploração, trabalho escravo, extrema concentração da
terra, coronelismo, clientelismo, subserviência, atraso político
e econômico. É, portanto, um espaço que pode ser ocupado
para o desenvolvimento do país: latifúndio está associado à ter-
ra que não produz e pode ser usada para reforma agrária. A
imagem do agronegócio foi construída para renovar a imagem
da agricultura capitalista, para “modernizá-la”. É uma tentativa
de ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e
excludente para relevar somente o caráter produtivista. Houve
o aperfeiçoamento do processo, mas não a solução dos pro-
blemas: o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade,
o agronegócio promove a exclusão pela intensa produtividade
(FERNANDES, 2004, p. 1).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 69


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Ao considerar esse cenário, é possível entender parte da


lógica em que o agronegócio se encontra: uma complexidade
que incide na diversidade, ou seja, utiliza a produção para viabi-
lizar novos empreendimentos e, consequentemente, mascarar o
controle da terra e do capital.
Oliveira (2006) afirma que o agrobusiness, reconhecido
como monocultivo de exportação, ganhou sua expressão na lín-
gua portuguesa como agronegócio.
Nesse sentido, o autor ressalta a necessidade de distinção
entre as atividades econômicas visto que a agri-cultura visa à
produção de alimentos, enquanto o agro-negócio visa à produ-
ção de commodities (mercadorias) para o mercado mundial.
A expansão dos produtos de exportação coloca em risco a
produção de alimentos, uma vez que tem ocasionado a diminui-
ção da área plantada de arroz, feijão e mandioca, por exemplo.
Isso faz com que o Brasil, apesar de sua enorme disponibilidade
de terrenos agricultáveis, importe gêneros alimentícios.
Também podemos mencionar, nesse processo contraditó-
rio, o aumento do uso dos agrotóxicos, do desmatamento e da
ocorrência de demais impactos nas áreas de expansão do agro-
negócio, especialmente por causa da cana-de-açúcar e da soja.
O agronegócio é devastador. Imensas áreas de florestas e do
cerrado estão sendo ilegalmente desmatadas, secando nascen-
tes e mananciais, sugados pelo ralo das monoculturas, pastos
de capim, carvoarias, mineradoras e madeireiras. Os agrotóxi-
cos, despejados por aviões e tratores, estão contaminando so-
los, águas, ar e as plantações camponesas, causando doenças e
mortes (CANUTO, 2004, p. 117; grifo nosso).

Podemos verificar, ainda, a utilização de expressões como


“complexo agroindustrial” e “sistema agroindustrial” com as

70 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

quais se valoriza a relação direta, com a transformação da maté-


ria-prima em novas mercadorias, com extremo valor agregado.
Um dos grandes potenciais do Brasil quanto à exportação
é a soja, a qual teve uma grande expansão nas últimas décadas,
o que nos tornou o segundo maior exportador, perdendo apenas
para os EUA.
Na Figura 1, podemos analisar a evolução do Brasil e dos
demais produtores.

Fonte: Oliveira (2006, p. 29).


Figura 1 Gráfico: soja – evolução da área cultivada (em mil hectares).

Cabe ressaltar, também, o papel dos países da América do


Sul, que produzem sob o regime internacional. Nesses países, fo-
ram introduzidos, além da mecanização, diversos pacotes, como,
por exemplo, as sementes transgênicas.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 71


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Oliveira (2007, p. 148), ao analisar as implicações da pro-


dução da soja, tece uma discussão sobre o mito do papel da soja
no mercado mundial:
[...] a mídia tratou de esconder também, o óbvio: não é a soja o
principal grão no mercado mundial. Ao contrário, entre os grãos
mais importantes do mercado mundial estão os principais ali-
mentos da humanidade: arroz, milho e trigo. A produção destes
individualmente supera a casa dos 600 milhões de toneladas
cada, enquanto que a soja produz apenas 200 milhões de to-
neladas, ficando em quarto lugar. Entretanto, quem vê como a
mídia tem tratado a produção de soja, parece que ela é a princi-
pal cultura do mundo. É importante frisar que esta posição tem
o objetivo de mostrar igualmente a importância das grandes
empresas do agronegócio. Assim, idolatram as empresas multi-
nacionais e nacionais dos grãos e de outros setores, tais como:
ADM, Cargill, Bunge, Louis Dreyfus, Amaggi, Caramuru, Cutrale,
Citrosuco, Votorantin, Nestlé, Danone, Aracruz, Friboi, Bertin,
etc. Dessa forma, as elites nacionais vão se tornando proprie-
tárias de terras e capitalistas da agricultura para produzirem
mercadorias para o mercado mundial. Estas elites são, portan-
to, parceiras e muitas vezes sócias dos monopólios mundiais do
agronegócio. Não há diferença entre eles, pois as elites defen-
dem aqui os interesses do capital mundial. São estas elites que
estão grilando as terras públicas do país.

Fernandes (2008), discutindo a disputa territorial e o tipo


de território, nos fornece elementos dos conflitos presentes nas
transnacionais que disputam os territórios para produção de
mercadorias, como a soja.
Um exemplo evidente desse processo é a compra de terra
por parte das transnacionais que passam a controlar o mercado
de agrocombustíveis. Vale ressaltar, também, que a água segue a
mesma lógica – a lógica da privatização.

72 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

O segundo exemplo são as propagandas, nas quais essas


mesmas transnacionais passam a controlar o ideário cotidiano
(confira Figura 2).

Figura 2 Propaganda da transnacional Syngenta representando área de quatro países


onde predomina o monocultivo da soja.

Essa figura revela que o agronegócio é predominantemen-


te produtor de commodities, não tendo, portanto, vínculo com a
terra e, sobretudo, com o meio ambiente e a saúde dos consumi-
dores. Já agricultura camponesa é predominantemente produ-
tora de alimentos na lógica da terra de trabalho e de vida. Nes-
se sentido, a diferenciação entre as produções é essencial para
compreensão do campo brasileiro e mundial.
Como você pode observar, são leituras imprescindíveis
para compreensão do atual estágio vivenciado no campo. Dessa
maneira, entendemos que:
O agronegócio produz apenas uma parte dos alimentos. A outra
parte é produzida pela agricultura camponesa ou familiar, ou
ainda por pequenos produtores e sitiantes, como possam ser
chamados os produtores não capitalistas. Essa parte, no geral,

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 73


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

significa metade; no particular significa mais ou menos da me-


tade. O agronegócio pode produzir mais cana, mas são os cam-
poneses que produzem mais café e leite. O agronegócio pode
produzir mais soja, mas são os camponeses que produzem mais
feijão, mandioca, cebola e banana. [...] O agronegócio controla
hoje no Brasil 300 milhões de hectares, todavia utiliza apenas
120 milhões. Restam 180 milhões de hectares para serem utili-
zados na reforma agrária voltada para a produção de alimentos
(FERNADES, 2008, p. 1).

A partir dessa diferenciação, podemos perceber que a pro-


dução de mercadorias – commodities nos revelam que a lógica
do capital não condiz com a produção de alimentos. Por essa ra-
zão, o campesinato se reproduz e continuará a se reproduzir na
História.
Por isso, temos de questionar constantemente se é o mer-
cado, o lucro e a vantagem aos produtores ou a saúde humana
e ambiental que estão em evidência rumo à integridade e à pre-
servação da Terra como Casa Comum? (BOFF, 2006).
Nesse sentido, a ideia do camponês francês José Bové con-
tinua atualizada ao afirmar que o mundo não é uma mercadoria
(BOVE; DUFOUR, 2001).

4. AGROTÓXICOS E TRANSGÊNICOS VERSUS CON-


TAMINAÇÕES AMBIENTAIS E ANTRÓPICAS
O debate sobre os agrotóxicos, organismos geneticamente
modificados (OGMs) e organismos transgenicamente modifica-
dos (OTMs) exige uma leitura conjuntural, tendo em vista os in-
teresses de ordem econômica. Nesse devir, não podemos esque-
cer o cenário político internacional e, sobretudo, da ciência, ou
mesmo da responsabilidade social dos cientistas.

74 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

A partir dessa premissa, devemos nos perguntar – quais os


benefícios ou riscos das plantas transgênicas? Temos de analisar
caso a caso, pois o desenvolvimento dessa agricultura capitaliza-
da, que impõe um determinado modo de produção do conheci-
mento e uma ampla disponibilidade de terras, representa uma
nítida contradição (GONÇALVES, 2004).
Esclareçamos, logo de início, que a expressão OGM – organis-
mo genericamente modificado – é genérica e imprecisa. Ri-
gorosamente falando, toda a evolução das espécies se dá por
modificação genética, que, assim, é um fenômeno natural. As
invenções de espécies cultivadas – trigo, milho, arroz, mandio-
ca, pupunha são invenções culturais, cultivares – e se fizeram
enquanto modificação genética desenvolvida por diferentes
povos e suas culturas em íntima relação com a natureza. São,
assim, um produto cultural e natural. Já os OTMs – organismos
transgenicamente modificados – são criações laboratoriais e,
portanto, não foram tecidos e experimentados em convivência
com a natureza (GONÇALVES, 2004, p. 234; grifo nosso).

Os OTMs, por não terem convivido com a natureza, são, na


sua essência, modificações radicais da própria natureza a partir
da biotecnologia, cuja escala laboratorial permite um controle da
propriedade intelectual e, sobretudo, um controle do tempo, ou
seja, trata-se do meio técnico-científico e informacional a serviço
das grandes corporações multinacionais, as quais privam grande
parte dos agricultores do acesso a tais “produtos”, especialmen-
te no tocante à produção de sementes. Nesse sentido, podemos
afirmar que toda ação é impregnada de intencionalidades; nesse
caso, “[...] é a de proporcionar a apropriação da mais-valia ao
seu proprietário e não, simplesmente, de produzir valores de uso
destinados a satisfazer as necessidades, sejam elas quais forem”
(GONÇALVES, 2004, p. 235).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 75


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Aos favoráveis aos OTMs, devemos lembrá-los da dimen-


são temporal que implica processos de evolução genética, os
quais ignoram a lógica natural em detrimento da lógica do lucro.
A lógica do curto prazo, característica da razão econômico-
-mercantil – tempo é dinheiro – não é uma boa companheira,
quando temos de considerar o tempo longo do processo de
hominização a que não escapamos. Cada novo ser vivo trans-
genicamente modificado em laboratório necessariamente es-
tabelecerá relações in natura não controláveis com os demais
seres vivos e com todo o fluxo de matéria e energia, onde acaso
e necessidade se fazem presentes. A análise científica e o co-
nhecimento prático dessas relações devem ser experimenta-
dos, no sentido forte desse termo, isto é, devem ser objeto da
experiência humana em sentido pleno e não só de experiências
restritas como as que se fazem em laboratório. E aqui, sem dú-
vida, o tempo é senhor, se me permitem a expressão ambígua.
Não podemos confundir a lógica das coisas com as coisas da
lógica, vê-se (GONÇALVES, 2004, p. 236; grifo nosso).

A introdução desses organismos na natureza exige um tem-


po para saber os efeitos. Todavia, a possibilidade de separação
ou não desses organismos transgenicamente modificados não
corresponde à garantia de eventuais mutações e contaminações
de outras plantas e, sobretudo, à saúde humana. Nesse sentido,
a natureza, enquanto riqueza, não pode ser simplesmente usur-
pada como recurso; precisamos construir uma nova e urgente ra-
cionalidade ambiental, baseada no ethos, ou seja, num conjunto
de valores partilhados plenamente pela humanidade, indo além
da racionalidade que atropela e cria tempos, cuja lógica é ilógica,
e, por fim, se acha o próprio tempo – time is money.
Tecendo um paralelo em relação à saúde, Carlos Walter
Porto Gonçalves, afirma:

76 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

As mulheres estão sendo, até hoje, verdadeiras cobaias com o


uso de anticoncepcionais que, até onde nos é dado saber, não
foram objeto de investigações científicas que levassem em con-
ta seus efeitos ao longo de gerações. O aumento de câncer no
útero ou de mama pode ser boa pista como hipóteses de um
trabalho científico que vise à saúde da mulher e não, simples-
mente, à da empresa (GONÇALVES, 2004, p. 249).

Para Gonçalves (2004), vivenciamos uma tensão jurídi-


ca marcada por profundas contradições que abrangem a segu-
rança alimentar, o território, a questão política da liberdade, da
justiça, da autonomia e da soberania, em que: “[...] transgêni-
cos, produtos orgânicos, vaca louca, Monsanto, Via Campesina,
McDonald’s, José Bové, gripe do frango, agronegócio, zapatistas,
agroecologia, MST fazem parte de uma mesma tensão contradi-
tória em que se debate o futuro da humanidade” (GONÇALVES,
2004, p. 243).
Esse futuro, sem dúvidas, perpassa pelas escolhas e cons-
truções hodiernas, as quais remetem ao modelo de sociedade
que temos e queremos.

Diálogo de saberes: plantas doentes e transgênicos (a silencio-


sa contaminação dos solos e alimentos)
Andrioli e Fuchs (2008), desde as páginas iniciais do livro
Transgênicos: as sementes do mal – a silenciosa contaminação
dos solos e alimentos, trazem reflexões bem fundamentadas
sobre o caos que vivenciamos em relação aos transgênicos e
à contaminação desenfreada dos solos e dos alimentos. Além
da contaminação em si, temos a colonização do conhecimen-
to e o controle exarcebado do mercado por parte de algumas
multinacionais.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 77


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

A Monsanto (multinacional estadunidense), sozinha, é res-


ponsável por 90% da tecnologia de sementes transgênicas no
mundo. Essa tendência é crescente no mercado mundial, ocasio-
nando o controle de transgênicos por meio de contratos absur-
dos que servem, inclusive, para incriminar os próprios agriculto-
res, caso tentem violar as patentes de transgênicos. Essa suspeita
frequente se dá caso o agricultor guarde sementes de um ano
para outro, com a finalidade de ressemeá-las, prática essa muito
comum do campesinato, agora “proibida” pelas leis que resguar-
dam as patentes transgênicas (ANDRIOLI; FUCHS, 2008).
Sobre esse contexto, acompanhe os casos a seguir:
Nos Estados Unidos, um agricultor, criador de suínos, sr. Jerry
Rosman, teve grandes prejuízos em sua produção de leitões por
ter alimentado as porcas com milho transgênico Bt. As porcas
diminuíram em 80% o índice de prenhez. Testes de laboratório
revelaram que o milho continha alto nível de bolor Fusarium.
Ele voltou a tratar as porcas com milho não transgênico e os
partos voltaram ao normal. Também nos Estados Unidos, um
agricultor, grande produtor de grãos de Dakota do Norte, sr.
Rodney Nelson, foi um dos primeiros a adotar a soja transgêni-
ca RR. Além de insatisfeito com os resultados, após suspender
o cultivo de variedades RR o agricultor se viu acusado e proces-
sado pela Monsanto por quebra de patente, devido à incapaci-
dade de descontaminar sua lavoura. Além de soja, ele cultiva
em seus 3.645 hectares de terra nos EUA girassol, trigo e beter-
raba. Com a propaganda da Monsanto sobre os benefícios dos
transgênicos, ele diz em um depoimento no Brasil que “... Meu
primeiro ano cultivando a soja transgênica foi 1998. A produ-
ção foi baixa, comparada com meu cultivo convencional. Fiquei
decepcionado. Eu pensei que eu poderia ter escolhido uma va-
riedade ruim, então no ano seguinte, 1999, experimentei umas
cinco variedades diferentes em 567 ha. Mais uma vez ficamos
decepcionados com a produção e não planejávamos cultivar a
soja RR outra vez, a menos que a produtividade aumentasse. A
maioria dos vizinhos com os quais conversei tiveram experiên-

78 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

cias similares...”. “... Minha família e eu fomos informados por


um ex-agente do FBI, agora trabalhando para a Monsanto, que
alguém havia denunciado a eles que nossa família havia guar-
dado soja RR da nossa safra de 1998 e replantado em 1999. A
Monsanto mantém uma linha 0800 (disque-denúncia), de for-
ma que qualquer um pode fazer uma ligação anônima e acu-
sar agricultores de infração de patente (por guardar sementes
próprias). A Monsanto abriu um processo contra nós acusan-
do-nos de haver infringido sua patente (GUTERRES, 2006, p.
77; grifo nosso).

Essas estratégias, embora sejam em território estaduni-


dense, têm efeito aqui no Brasil e nos demais países, devido à
dependência de sementes e insumos. Nesse contexto, podemos
confirmar que por meio da
[...] introdução de plantas transgênicas, os agricultores são con-
frontados com inúmeros desafios e problemas. Nestes, estão
incluídos a perda de mercados estrangeiros, dificuldades em
contratos de aquisição de sementes e, por parte das multina-
cionais, inúmeros processos judiciais, bem como a perseguição
judicial a agricultores em função de violações de patentes. De
fato, esta é uma nova era, em que se processam agricultores
molestados por algo que sempre fizeram: o cultivo da terra,
aproveitando suas sementes e promovendo a agricultura. Esse
ataque contra o agricultor é promovido pelo peso bilionário da
multinacional Monsanto, que trabalha, a partir de sua central
em Greve Couer, Saint Louis, empregando grande quantidade
de pesquisadores, dedicados ao desenvolvimento de plantas
transgênicas (ANDROLI; FUCHS, 2008, p. 59-60; grifo nosso).

A partir desse cenário, temos de ter clareza numa decisão:


“[...] quais os problemas já comprovados dos transgênicos em
relação à saúde das pessoas e dos animais no mundo? Enquanto
não houver consenso da comunidade científica, os seres huma-
nos não podem se tornar cobaias” (GUTERRES, 2006, p. 75; gri-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 79


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

fo nosso). Trata-se da insustentabilidade da agricultura química,


que desequilibra o ambiente ao tentar equilibrá-lo.
As monoculturas atraem cada vez mais doenças nas plantas. Isso
é fruto do desequilíbrio do meio ambiente, da falta de biodiversi-
dade, do empobrecimento do solo. Nesse modelo, os problemas
tornam-se crônicos e sem solução dentro do arsenal de meios
oferecidos pelo instrumental técnico-científico da “revolução
verde”. Essas doenças são tratadas com meios químicos que au-
mentam os custos para o agricultor na mesma medida em que
diminuem a eficácia. E se isso implica aumento de custos, está
acrescentando insustentabilidade econômica ao esgotamento
tecnológico. Os problemas só se acumularão para a agricultura
das multinacionais e os camponeses serão chamados pela socie-
dade urbana para salvar a produção de alimentos com qualidade
para todo o povo depois do fracasso total da agricultura química
(GUTERRES, 2006, p. 19).

Esses apontamentos nos remetem a inúmeras questões,


dentre elas: Por onde começar?
Guterres (2006, p. 20; grifo nosso), tece algumas indica-
ções significativas ao destacar que:
Cresce dia-a-dia, entre os pequenos agricultores, a vontade de
sair da agricultura química, produzir sem venenos e sem adu-
bos químicos, adotar um modelo tecnológico de base ecológi-
ca. Mas surgem muitas dúvidas e inseguranças. Alguns tentam
e não dá certo. Alguns procuram fazer uma passagem radical,
mudar tudo de um ano para o outro e muitas vezes dá tudo
errado. Assim mesmo, tenta-se de novo, pois a cada dia fica
mais claro que no modelo da agricultura química, controlada
pelas multinacionais, não há lugar para os pequenos. Os cam-
poneses tendem mesmo a desaparecer. Aí nos vêm duas per-
guntas-chave: como fazer a passagem de um tipo de agricultura
para a outra? E por onde começar? Para andar mil quilômetros
é preciso dar os primeiros passos. Então, é preciso começar. Por
pouco que seja, é preciso fazer, pois é assim que se aprende,
se acumula experiência, se adquire segurança. Mas é preciso

80 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

termos claro que se trata de uma passagem, um processo de


transição. Não é possível mudar num passo só. É preciso ir dan-
do passos ano a ano.

Ao tomar esses apontamentos como norteadores da tran-


sição agroecológica, por vários motivos, somos convidados a
compreender e encarar os desafios postos, destacando-se den-
tre eles:
1) a terra que usamos está contaminada por adubos quí-
micos e pelo uso de venenos;
2) as sementes “melhoradas” pelas empresas multina-
cionais são viciadas pelo pacote químico e substituí-las
completamente é um processo demorado;
3) o meio ambiente, especialmente o solo, ao nosso re-
dor está desequilibrado, e os insetos, fungos e plan-
tas concorrentes, indicadoras (ditas “daninhas”), estão
fora de controle;
4) nós não temos recursos financeiros sobrando para ar-
car com três, quatro anos de transição de uma agricul-
tura para outra, bancando eventuais prejuízos;
5) não dispomos de conhecimentos suficientes que nos
deem segurança para enfrentar todos os problemas e
desafios que nos surgem no dia a dia;
6) não temos assistência técnica e pesquisa suficiente na
área agroecológica para acompanhar todos os peque-
nos agricultores que iniciam um processo de passa-
gem, de transição.
Por tais razões, precisamos construir um novo jeito de pro-
duzir, zelar pela vida no campo e pela produção de alimentos
saudáveis para os consumidores, livres, ainda, das multinacio-
nais que desejam controlar tudo – da semente ao alimento no

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 81


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

prato –, pois, como é de conhecimento, a finalidade dos transgê-


nicos não é acabar com a fome do mundo, assim como não foi a
finalidade apregoada com a Revolução Verde.
Assim, temos de enxergar a visão dos camponeses, até
porque,
Antigamente, uma das primeiras regras agronômicas era a de
conhecer, conforme a natureza dos solos, o número de animais
que um pasto poderia alimentar, tendo como limite a sua re-
constituição natural. Um agricultor sabia que podia distribuir
duas vacas por hectare, ou cinco carneiros, ou um cavalo. O ga-
linheiro e o terreiro estavam limitados à quantidade de grãos
que era possível dar aos animais e os porcos eram engordados
com batatas, cevada e um pouco do leite produzido na pro-
priedade. A agricultura tinha o tamanho das mulheres e dos
homens que aí trabalhavam. Abandonando o espaço dos agri-
cultores em proveito dos engenheiros, técnicos agrícolas e em-
presários, a modernização agrícola voltou suas costas para a na-
tureza, sua matéria-prima. Em vez de melhorar a compreensão
de seus mecanismos para, à maneira dos orientais, utilizá-los e
otimizá-los, o modelo produtivista choca-se contra a natureza
e pretende dobrá-la à sua vontade. Para isso desenvolve um
arsenal técnico-químico cujos efeitos desastrosos começamos
agora a avaliar. Liberto dos constrangimentos da natureza, o
pendor pelo ganho não tem outro limite senão a revolta do con-
sumidor, descobrindo em seu prato a carne das vacas alimenta-
das com carne de carneiro e com resíduos de fossas sépticas, ou
os legumes modificados por genes animais ou humanos (BOVÉ;
DUFOR, 2001, p. 111; grifo nosso).

A análise de Bové e Dufor é muita fecunda ao revelar o


atual cenário em que a agricultura aparece contra a natureza e
vice-versa. Temos de enxergar as possibilidades da agroecologia
rompendo com essa perspectiva lastimável em torno da biotec-
nologia que infelizmente favorece apenas uma minoria em detri-
mento de uma maioria. Nesse contexto, acrescentam-se os im-

82 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

pactos ambientais para as futuras gerações, os quais não estão


calculados por esse modelo devastador na agricultura química.

Produzir sem veneno: a desintoxicação da terra


A área plantada com transgênicos em 2007 chegou a 134
milhões de hectares em 25 países, estando, dentre eles, 12 em
desenvolvimento, inclusive na América Latina: Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai, México, Chile e Honduras (ALTIERI, 2012). Os
defensores dessa tecnologia argumentam que essas culturas são
essenciais para aumentar a produção, trazendo benefícios em
termos de segurança alimentar e reduzindo, ainda, a pobreza e a
fome, bem como diminuindo e mitigando as mudanças climáti-
cas a partir dos agrocombustíveis.
Esses argumentos são muitos contestados, pois a produ-
ção agrícola mundial pode alimentar 21 bilhões de habitantes.
Todavia, conforme é sabido, temos um quadro de famintos enor-
me, e temos pouco mais de 7 bilhões de habitantes em 2012, ou
seja, se aumentarmos a população mundial, não será por falta de
alimentos que muitos morrerão ou viverão em estado de cala-
midade, principalmente nos países subdesenvolvidos, e sim por
falta de acesso econômico.
Segundo o Serviço Internacional para a Aquisição de Apli-
cações Agrobiotecnológicas (ISAAA), 11 dos 12 milhões de agri-
cultores que cultivam transgênicos são agricultores pobres do
Terceiro Mundo (ALTIERI, 2012). Esse cenário corrobora com o
entendimento de que a biotecnologia não resolveu e não irá re-
solver o problema da fome e da carência básica dos agricultores
e, consequentemente, da população mundial, pois sua lógica é a
lógica do lucro.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 83


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Sobre esse contexto, Bombardi (2011, p. 1) informa que,


no Brasil,
As indústrias produtoras dos chamados “defensivos agrícolas” –
aliás uma expressão eufemística, que escamoteia o verdadeiro
significado daquilo que produzem: veneno – tiveram, segundo
o Anuário do Agronegócio 2010 (GLOBO RURAL, 2010), uma re-
ceita líquida de cerca de 15 bilhões de reais. Deste total, 92%
foram controlados por empresas de capital estrangeiro: Syn-
genta (Suíça), Dupont (Estados Unidos), Dow Chemical (Estados
Unidos), Bayer (Alemanha), Novartis (Suíça), Basf (Alemanha) e
Milenia (Holanda/Israel) [...] Vale mencionar que nestes dados
não estão incluídos as informações da receita da Monsanto –
fabricante do glifosato “round up”, herbicida vendido em larga
escala no Brasil e popularmente conhecido como “mata-mato”,
o que nos permite afirmar que este número é sem dúvida muito
maior.

Esses dados são reveladores! Demonstram, primeiro, a in-


fluência das corporações no setor; segundo, o caráter ilusório da
ideia de que esse defensivo, leia-se agrotóxicos, irá aumentar a
produtividade sem ônus para o ambiente e, sobretudo, para a
saúde dos agricultores, pois já existem estudos que relacionam os
inúmeros casos de câncer vinculados ao uso dos venenos. Nesse
contexto, todos estão sujeitos a riscos de saúde, os agricultores,
ao lidar diretamente com tais produtos, e nós, consumidores, ao
manipular e ingerir progressivamente alimentos contaminados.
Com o advento dos transgênicos, esta subordinação fica “sela-
da” em todas as suas pontas. Desde as sementes, passando pe-
los fertilizantes e chegando, finalmente, ao veneno “adequado”
à semente comprada. Considerando que o Brasil consome 84%
dos agrotóxicos vendidos à América Latina (PELAEZ, 2011) – e,
considerando ainda que o setor de agroquímicos está oligopoli-
zado por 6 grandes marcas, a saber: Monsanto, Syngenta/Astra
Zeneca/Novartis, Bayer, Dupont, Basf e Dow – o que temos é
um grave processo de subordinação da renda da terra ao capital

84 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

internacional, melhor diríamos, ao capital oligopolista interna-


cional (BOMBARDI, 2011, p. 2).

Andrioli (2008) também rebate o argumento de que os


transgênicos são para os pobres:
Diante dos baixos preços dos produtos transgênicos, a publi-
cidade trabalha também com o argumento de que esses ali-
mentos ajudariam no combate à fome, pois a elevação da
produção de alimentos favoreceria, em especial, as camadas
mais pobres da população. Alimentos recusados pela maioria
dos consumidores, que podem se dar o luxo de uma seleção
no mercado, são, portanto, oferecidos primeiramente àqueles
que não dispõem de determinado poder de compra, sendo in-
cluídos em programas públicos de combate à fome, ou mesmo
em doações de empresas produtoras, com a indicação de sua
suposta responsabilidade social (ANDRIOLI, 2008, p. 129; grifo
nosso).

O verdadeiro “nó” está justamente na desigualdade eco-


nômica: poucas empresas faturam bilhões com o suposto fim da
fome e da miséria. Trata-se, portanto, de uma estratégia violen-
ta de mercado; em outras palavras, é uma forma silenciosa de
contaminação da humanidade e do planeta, possibilitando ser
interpretada, ainda, como uma afronta aos direitos humanos.
Bombardi (2011, p. 7; grifo nosso) afirma que o uso de
agrotóxicos e as intoxicações se resumem numa forma de vio-
lência no campo, reconhecendo também que:
Este agudo processo de subordinação da renda da terra, no
Brasil, ao capital monopolista internacional, através da aquisi-
ção e aplicação de agrotóxicos, tem sido acompanhado por um
problema gravíssimo de saúde pública. Tal problema diz res-
peito às intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola que, con-
forme será apontado, atacam trabalhadores rurais brasileiros.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 85


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Para prosseguir na análise, a autora organizou os dados


entre 1999 a 2009, com os notificados pelo Sistema Nacional de
Informações Tóxico-Farmacológicas – Ministério da Saúde/FIO-
CRUZ (SINITOX), e revelou a existência de 62 mil intoxicações por
agrotóxicos de uso agrícola. “Isto significa que tivemos por volta
de 5.600 intoxicações por ano no país, o que equivale a uma
média de 15,5 intoxicações diárias, ou uma a cada 90 minutos”
(BOMBARDI, 2011, p. 7; grifo nosso).
Esses dados revelam outro problema – a subnotificação de
casos para os órgãos públicos. Estima-se que, a cada caso notifi-
cado, 50 são negligenciados.
Na Figura 3, é possível analisarmos a concentração de
agrotóxicos em vários municípios brasileiros, o que evidencia o
avanço no agronegócio em determinadas regiões, os bolsões do
agronegócio (áreas mais fortes no mapa), onde predomina a mo-
nocultura da soja e cana.

86 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Fonte: Bombardi (2011, p. 18).


Figura 3 Brasil: utilização de agrotóxicos por municípios.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 87


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Como observamos, as áreas com maior concentração de


agrotóxicos encontram-se nas regiões Sul e Sudeste, seguindo
rumo à Amazônia e cerrado.
Os argumentos ora apresentados são significativos para
pensarmos em ações alternativas ao modelo devastador que
une concentração de terra, de capital e de agrotóxicos. Por isso,
pensar a desintoxicação da terra é um dos objetivos da proposta
agroecológica, que utiliza os próprios elementos da natureza.
Com os desdobramentos dos debates e ações dos movi-
mentos sociais, da própria academia e da sociedade civil, desde
2011 temos a campanha permanente contra os agrotóxicos e
pela vida (Figura 4). Essa campanha, lançada juntamente com o
documentário O veneno está na mesa, de Silvio Tendler (2011),
serve como recurso mobilizador e de conscientização para dife-
rentes grupos sociais. Em consonância com essa campanha, há
o incentivo à agricultura camponesa e à reforma agrária, forta-
lecendo, assim, um projeto alternativo para o campo brasileiro,
para o país e, de certo modo, para o mundo.

88 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Figura 4 Cartaz da Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida.

5. ALIMENTAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA: ÉTICA E RES-


PEITO À VIDA
O objetivo desse tópico é aprofundar nossas reflexões
no tocante à alimentação e à saúde pública, pois consideramos
questões indissociáveis, as quais nos remetem à ética e ao res-
peito à vida. Nesse sentido, todas as indicações e apontamentos
já realizados servem de referencial para a construção de um ca-
minho justo e sustentável que passam por escolhas alimentares
e, sobretudo, pela política.
O Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva –
ABRASCO (2012), cujo título é Um alerta sobre os impactos dos

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 89


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Agrotóxicos na Saúde – Parte 1 – Agrotóxicos, Segurança Alimen-


tar e Saúde, vai além do alerta em relação ao atual quadro insus-
tentável, o Dossiê apresenta alternativas!
Para isso, informa que:
Nos últimos três anos o Brasil vem ocupando o lugar de maior
consumidor de agrotóxicos no mundo. Os impactos à saúde
pública são amplos porque atingem vastos territórios e envol-
vem diferentes grupos populacionais como trabalhadores em
diversos ramos de atividades, moradores do entorno de fábri-
cas e fazendas, além de todos nós que consumimos alimen-
tos contaminados. Tais impactos são associados ao nosso atual
modelo de desenvolvimento, voltado prioritariamente para a
produção de bens primários para exportação (ABRASCO, 2012,
p. 12; grifo nosso).

Afirma ainda que: “Um terço dos alimentos consumidos


cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos agro-
tóxicos, segundo análise de amostras coletadas em todas as 26
Unidades Federadas do Brasil [...]” (ABRASCO, 2012, p. 23).
A contaminação por agrotóxicos está presente até no lei-
te materno, ou seja, estamos contaminando, inclusive, aqueles
que não têm chance a defesa, e tal contaminação pode provocar
agravos à saúde em função da vulnerabilidade dos recém-nasci-
dos, sobretudo, pela forte ação dos agentes químicos presentes
no ambiente, “[...] por suas características fisiológicas e por se
alimentar, quase exclusivamente com o leite materno até os seis
meses de idade” (ABRASCO, 2012, p. 43).
Para Lucrécio (s/d, apud PALMA, 2011, p. 4), “O que para
uns é alimento, para outros será um veneno violento”. Não
podemos correr esse risco, aliás, não podemos permitir que se
prolongue por mais um dia sequer. Temos de criar espaços de
diálogo e debate na mídia nacional para colocar isso na ordem

90 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

do dia. Essa situação emblemática exige um compromisso para


a saúde coletiva. “Isso remete a necessidade de uma reflexão
no âmbito da ABRASCO voltadas para a criação de mecanismos
que garantam proteção a cientistas que estão sendo ameaçados
por grupos de interesses comerciais, nesse caso o agronegócio”
(ABRASCO, 2012, p. 92).
Como podemos observar, os interesses das grandes corpo-
rações multinacionais se organizam a ponto de inibir de forma
truculenta tais dados, que são escandalosos. Em parte, possuem
um apoio do Estado brasileiro, que permite utilização de deter-
minados tóxicos, os quais foram extintos nas listas de muitos pa-
íses e aqui são liberados; as corporações contam, muitas vezes,
ainda, com financiamento público para compra e assistência nas
grandes lavouras monocultoras. Isso, em partes, demonstra por
que somos o campeão mundial no consumo de agrotóxicos des-
de 2009. Estamos comprometendo a qualidade dos alimentos e
da água para o consumo humano, desrespeitando leis e até os
direitos básicos como a alimentação saudável.
Segundo informações da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) e do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o
aumento do uso de agrotóxicos tem efeitos graves no ambien-
te, na saúde de trabalhadores rurais e nos consumidores dos ali-
mentos. Nesse sentido, salientamos que os agrotóxicos podem
provocar três tipos de intoxicação: aguda, subaguda e crônica.
Segundo Silva (2012), na intoxicação aguda, os sintomas
surgem rapidamente. Na subaguda, os sintomas aparecem aos
poucos: dor de cabeça, dor de estômago e sonolência. Já a in-
toxicação crônica pode surgir meses ou anos após a exposição e
pode levar a paralisias e doenças como o câncer. Estamos, lite-
ralmente, comendo veneno, monopolizado pelo capital estran-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 91


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

geiro, aumentando o ritmo do lucro das empresas produtoras


de agrotóxicos e aumentando o número de pessoas com câncer
(COUTINHO JUNIOR, 2012).
Para Bombardi (2011), as intoxicações por agrotóxicos re-
presentam uma forma silenciosa de violência, um problema gra-
víssimo que não se restringe à saúde pública, mas que diz respei-
to aos direitos humanos.
Na Figura 5, podemos observer os tipos de intoxicação e
doenças causadas por agrotóxicos. Confira:

92 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Figura 5 Tipos de intoxicação e doenças causadas por agrotóxicos.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 93


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

Essa figura apresenta alguns dos problemas à saúde huma-


na, pois os impactos são muitos, sendo alguns até desconhecidos
num período curto de tempo, portanto, não reconhecidos pela
ciência. Nesse contexto, é necessário refletirmos e exigirmos um
conjunto de políticas públicas que viabilize a superação do siste-
ma do agronegócio e a transição para o sistema da agroecologia,
que representa um outro caminho, ou seja, um outro projeto de
sociedade ética que valorize a vida na essência básica e na tota-
lidade, pois somos o que comemos diariamente.

6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Neste momento, procure retomar os conteúdos estudados e responda às
seguintes questões:

1) Qual a importância da tradição nos hábitos alimentares atuais?

2) Como e por que os contextos político, social e cultural interferem nas prá-
ticas alimentares?

3) Como e por que podemos relacionar o crescimento dos agrotóxicos a al-


gumas doenças?

4) Quais estratégias podemos construir no Brasil para manter um padrão ali-


mentar saudável e sustentável?

5) Quais são os principais desafios para construção de projetos e/ou progra-


mas que relacionem alimentação saudável e saúde pública?

7. CONSIDERAÇÕES
No decorrer dessa unidade foi possível desvendar alguns
elementos, costumes e práticas alimentares, as quais permitem
"[...] afirmar que estes alimentos criam territórios, geografizam
materialmente e imaterialmente o espaço. Desta maneira esta

94 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

reflexão reforça este tema e sua natureza como objeto de inte-


resse geográfico" (ALMEIDA, 2017, p. 12).
Nesse contexto, evidencia-se a indissociabilidade entre ali-
mentação, saúde pública, meio ambiente e a ética ao produzir
alimentos saudáveis para a população.
Na última unidade abordaremos algumas práticas agroe-
cológicas em diálogo com a alimentação e plantas medicinais a
partir das experiências oriundas do RENISUS – Relação de Plan-
tas Medicinais de Interesse ao SUS.

8. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 2 Propaganda da transnacional Syngenta representando área de quatro países
onde predomina o monocultivo da soja. Disponível em: <http://www.agropecuaria.
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em: <http://mpacontraagrotoxicos.files.wordpress.com/2011/04/web-640x640.jpg>.
Acesso em: 28 fev. 2013.
Figura 5 Tipos de intoxicação e doenças causadas por agrotóxicos. Disponível em:
<http://racismoambiental.net.br/wp-content/upLoads/2012/06/Figura-3-Tipos-de-
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Sites pesquisados
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ALMEIDA, M. G. de. PARA ALÉM DAS CRENÇAS SOBRE ALIMENTOS, COMIDAS E
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capitalismo oligopolizado. Boletim Data Luta, NERA, v. 45, p. 1-21, set. 2011. Disponível
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96 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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In: ANDRIOLI, A. I.; FUCHS, R. Transgênicos: as sementes do mal – a silenciosa
contaminação dos solos e alimentos. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
ANDRIOLI, A. I.; FUCHS, R. Transgênicos: as sementes do mal – a silenciosa contaminação
dos solos e alimentos. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
BOFF, L. Virtudes para um outro mundo possível: comer e beber juntos e viver em paz.
Petrópolis: Vozes, 2006. v. 3.
BOVÉ, J.; DUFOUR, F. O mundo não é uma mercadoria: camponeses contra a comida
ruim. (Entrevista com Gilles Luneau). Tradução de Angela Mendes de Almeida e Maria
Teresa Van Acker. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
BRANDÃO, C. R. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1981.
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NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Mutirão por um novo Brasil: temas em debate.
Brasília: CNBB, 2004.
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FERNANDES, B. M. Entrando nos territórios do Território. In: PAULINO, E. T.; FABRINI. J.
E. (Orgs.). Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
GONÇALVES, C. W. P. Geografia da riqueza, fome e meio ambiente: pequena
contribuição crítica ao atual modelo agrário/agrícola de uso dos recursos naturais. In:
MARQUES, M. I. M.; OLIVEIRA, A. U. (Orgs.). O campo no século XXI: território de vida,
de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa Amarela; Paz e Terra, 2004.
GLOBO RURAL. Anuário do Agronegócio 2010. São Paulo: Globo, 2010.
GONZALEZ, A. P. Lugar de médico é na cozinha: cura e saúde pela alimentação viva. São
Paulo: Alaúde Editorial, 2008.
GUTERRES, I. (Org.). Agroecologia militante: contribuições de Enio Guterres. São
Paulo: Expressão Popular, 2006.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 97


UNIDADE 2 – COSTUMES E PRÁTICAS ALIMENTARES

MENDES, C. Prefácio. In: GONZALEZ, A. P. Lugar de médico é na cozinha: cura e saúde


pela alimentação viva. São Paulo: Alaúde Editorial, 2008.
OLIVEIRA, A. U. A Amazônia e a nova geografia da produção da soja. Terra livre, São
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______. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária. São Paulo: Labur
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ZUIN, P. B.; ZUIN, L. F. S. Tradição e alimentação. Aparecida: Ideias e Letras, 2009.

98 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 3
AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO
JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

“[...] A Agroecologia nos traz a idéia e a


expectativa de uma nova agricultura, capaz de
fazer bem aos homens e ao meio ambiente como
um todo, afastando-nos da orientação dominante
de uma agricultura intensiva em capital, energia
e recursos naturais não renováveis, agressiva
ao meio ambiente, excludente do ponto de vista
social e causadora de dependência econômica.”
(CAPORAL; COSTABEBER 2002, p. 13)

Objetivos
• Identificar os elementos gerais da Agroecologia e suas múltiplas relações
com a alimentação, saúde e sustentabilidade.
• Compreender os caminhos da revolução agroecológica como alternativa
de desenvolvimento.
• Interpretar e analisar, de modo coerente, a relação entre alimentação sau-
dável e qualidade de vida no bojo das políticas públicas.

Conteúdos
• Princípios da Agroecologia.
• Qualidade de vida e alimentação saudável.
• A cura com a alimentação.
• O PSF e o uso das plantas medicinais.

99
Orientações para o estudo da unidade
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as
orientações a seguir:

1) Assista a animação "Comida que alimenta" elaborada pelo Centro Sabiá,


vinculado ao projeto Trabalho, Renda e Sustentabilidade no Campo, pa-
trocinado pela Petrobras. O projeto busca fortalecer as experiências de
agricultura Agroflorestal de base Agroecológica na Zona da Mata Sul de
Pernambuco, além de ter um forte componente de agregação de valor
à produção da agricultura familiar desse território, com a instalação de
Unidades de Beneficiamento de frutas e de mel, para atender principal-
mente as compras institucionais via Programa de Aquisição de Alimentos
- PAA e Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, e o mercado
turístico do território. Além de buscar fortalecer a estratégia de comercia-
lização direta produtor/consumidor via Feiras Agroecológicas. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=z6xAkNPV3QI>. Acesso em: 30
jan. 2019.

2) Assista a entrevista da Professora Larissa Mies Bombardi que trata da Geo-


grafia do uso de Agrotóxicos no Brasil no Programa Mais Saúde - 05/02/18.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=z6xAkNPV3QI>.
Acesso em: 30 jan. 2019.

3) Consulte o Atlas - Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões


com a União Europeia elaborado em 2017 pela pesquisadora Larissa
Mies Bombardi. Disponível em: <https://www.larissabombardi.blog.br/
atlas2017 >. Acesso em: 30 jan. 2019.

4) Para aprofundar suas reflexões consulte o livro - Mais que Receitas: Comi-
da de Verdade (2016), com excelentes sugestões para uma alimentação
saudável e agroecológica. Disponível em: <https://ideiasnamesa.unb.br/
upload/bibliotecaIdeias/27102016163212mais_que_receitas_versao_
para_download.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2019.
UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

1. INTRODUÇÃO
Na unidade anterior, vimos algumas características e hábi-
tos alimentares, especialmente no tocante à apropriação cultu-
ral do alimento e à alimentação.
Discutimos, ainda, a relevância de uma alimentação sau-
dável que possa romper com os agrotóxicos e transgênicos, os
quais trazem diversos impactos ao meio ambiente e à saúde.
Nesta unidade, a última de nosso curso, analisaremos a
Agroecologia como alternativa para uma alimentação saudável
que respeita todo tipo de vida; trata-se de uma aliança rumo à
sustentabilidade.
Analisaremos e indicaremos algumas receitas, as quais va-
lorizam a nossa alimentação diária, colocando-a como responsá-
vel pela prevenção e cura de determinadas doenças.
Por fim, apresentaremos a introdução das plantas medi-
cinais no Programa Saúde da Família (PSF), considerando essa
iniciativa como central na difusão da qualidade de vida e da ali-
mentação saudável, mostrando que a cura está na mesa, na hor-
ta e nos canteiros caseiros.
Bons estudos!

2. PRINCÍPIOS DA AGROECOLOGIA
A transição para uma agricultura agroecológica se constrói
ao longo do tempo, com a luta contra o modelo agroquímico de
produção vigente e com o estímulo às novas formas de agricul-
tura baseadas na proteção do meio ambiente e da saúde com o
esforço do Estado em empregar estratégias duradouras. Como
bem salientam Görgen e Vivian (2006, p. 17; grifo nosso): “O

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 101


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

que nasce grande é o monstro. O que é normal nasce peque-


no“. Com essa premissa, temos de pensar a Agroecologia como
uma transição para um modelo em que os camponeses tenham
autonomia plena na terra de trabalho, e os consumidores pos-
sam ter acesso a alimentos saudáveis, livres dos agrotóxicos e da
transgenia.
Amâncio (2004) afirma que a agricultura sustentável está
baseada no uso bem-sucedido de recursos que sejam capazes de
satisfazer as necessidades humanas, atendê-las e melhorá-las ao
mesmo tempo.
Para isso, salienta que são necessárias algumas bases e
princípios, ou seja, a agricultura precisa ser:
• ecologicamente correta, o que significa que a qualidade dos
recursos naturais é mantida e a vitalidade do agroecossistema
inteiro – incluindo os seres humanos, as lavouras, os animais
e até os microrganismos do solo – é melhorada. Isso é mais
eficazmente garantido quando o solo é manejado e quando
a saúde das lavouras, dos animais e das pessoas é mantida
através de processos biológicos (auto-regulação). Os recursos
locais são usados de modo a minimizar as perdas de nutrientes,
biomassa, energia e a evitar a poluição. A ênfase recai sobre o
uso de recursos renováveis;
• economicamente viável, o que significa que os agricultores
podem produzir o bastante para garantir sua auto-suficiência
e/ou uma renda suficiente e conseguem obter os retornos
necessários para garantir a remuneração do trabalho e cobrir
os custos envolvidos. A viabilidade econômica é medida não
apenas em termos do produto agrícola direto (colheita), mas
também em termos de funções, tais como a conservação dos
recursos e a minimização dos riscos;
• socialmente justa, o que significa que os recursos e o poder
são distribuídos de modo a assegurar que as necessidades
básicas de todos os membros da sociedade sejam atendidas e

102 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

que sejam respeitados os direitos dos agricultores em relação


ao uso da terra e ao acesso ao capital, assistência técnica
e oportunidades de mercado adequadas. Todas as pessoas
devem ter a oportunidade de participar na tomada de decisões,
tanto na atividade rural quanto na sociedade como um todo. A
tensão social pode ameaçar todo o sistema social, inclusive sua
agricultura;
• humana, o que significa que todas as formas de vida (vegetal,
animal, humana) são respeitadas. Deve ser reconhecida a
dignidade fundamental de todos os seres humanos e as relações
e instituições devem incorporar valores humanos básicos, tais
como confiança, honestidade, auto-respeito, cooperação e
compaixão. A integridade cultural e espiritual da sociedade é,
assim, preservada, cuidada e nutrida;
• adaptável, o que significa que as comunidades rurais são
capazes de se ajustar às condições da agricultura que sempre
estão em transformação: há crescimento populacional,
mudanças nas políticas governamentais, nas demandas de
mercado, etc. Isso envolve não apenas o desenvolvimento de
tecnologias novas e apropriadas, como também inovações em
termos sociais e culturais (AMÂNCIO, 2004, p. 11).

Nesse contexto, será necessário o fortalecimento da agri-


cultura camponesa; ela terá de fazer uso de suas práticas histó-
ricas em consonância com a preservação da natureza, norteada,
ainda, por políticas públicas conduzidas de forma equitativa e
amplamente acessível, garantindo, assim, a segurança e a sobe-
rania alimentar.

Agroecologia: bases científicas


A Agroecologia busca, na sua essência, meios para um
desenvolvimento rural sustentável que priorize a soberania ali-
mentar, a preservação dos recursos naturais e a superação da
pobreza. A Agroecologia mantém fortes ligações com a etnoeco-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 103


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

logia e o etnoconhecimento. Por isso, são, de fato, confluentes,


complementares e de origem interdisciplinar.
A Agroecologia imita a natureza; por isso, é preciso ter
clareza sobre o fato de que:
No coração da estratégia da Agroecologia está a idéia de que
um agroecossistema deve imitar o funcionamento dos ecossis-
temas locais e, portanto, deve exibir uma ciclagem eficiente de
nutrientes, uma mistura complexa e uma elevada biodiversida-
de. A expectativa é que ao imitar os modelos naturais possam
ser produtivos, resistentes a pragas e conservadores de nu-
trientes (EWEL, 1999 apud ALTIERI, 2012, p. 167-168).

Vale salientar que existe uma diversidade de correntes que


podem ser agrupadas sob esta definição, o que nos leva a conhe-
cer um pouco da sua história.
Observe que tanto as experiências práticas como as refle-
xões teóricas sobre Agroecologia apresentaram no Brasil uma re-
levante presença a partir do final da década de 1980 e dos prin-
cípios dos anos 1990, sendo grande parte delas em decorrência
dos trabalhos das ONGs e de cientistas ligados historicamente ao
movimento de agricultura alternativa.
Por reconhecer o estado atual de crise socioambiental da
agricultura, tais reflexões apontaram para o processo de amplas
mudanças que se fazem necessárias no atual modelo de sobrevi-
vência da agricultura.
A monocultura de exportação, o uso contínuo de insumos
e a exaustiva exploração das fontes não renováveis dão sinais
de que outros modelos apropriáveis, como o uso de métodos e
tecnologias ecologicamente corretos e adequados ao pequeno
produtor familiar e com menor dependência econômica, podem

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UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

buscar, juntos, níveis de sustentabilidade ecológica, social e eco-


nômica na nossa sociedade (MOREIRA, 2003).
Caporal e Costabeber (2002, p. 13) defendem que:
Agroecologia nos faz lembrar de uma agricultura menos agres-
siva ao meio ambiente, que promove a inclusão social e propor-
ciona melhores condições econômicas para os agricultores de
nosso estado. Não apenas isso, mas também temos vinculado a
Agroecologia à oferta de produtos “limpos”, ecológicos, isentos
de resíduos químicos, em oposição àqueles característicos da
Revolução Verde. Portanto, a Agroecologia nos traz a idéia e a
expectativa de uma nova agricultura, capaz de fazer bem aos
homens e ao meio ambiente como um todo, afastando-nos da
orientação dominante de uma agricultura intensiva em capital,
energia e recursos naturais não renováveis, agressiva ao meio
ambiente, excludente do ponto de vista social e causadora de
dependência econômica.

Não são raras as vezes que Agroecologia tem sido confun-


dida com um modelo de agricultura, com um produto ecológico,
com uma prática ou tecnologia agrícola e, até mesmo, com uma
política pública.
A Agroecologia também é definida com um enfoque trans-
disciplinar, o qual visualiza a relação homem-terra desde uma
perspectiva ecológica. É uma disciplina que utiliza diversas fon-
tes com intuito de estudar o vínculo entre solo, planta, animal e
ser humano.
Entretanto, surgem diferenças em relação aos termos agri-
cultura ecológica e agricultura tradicional devido à ampla di-
nâmica que as explorações agrárias implicam sobre o papel do
homem como peça-chave na manutenção dos sistemas agrários
(GUTERRES, 2006).

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 105


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

Ao relacionar prática e teoria, a Agroecologia, em seu


enfoque científico, representa uma ciência ou um conjunto de
conhecimentos, os quais sugerem uma compreensão crítica da
agricultura tradicional com o intuito de avaliar as razões da insus-
tentabilidade da agricultura da Revolução Verde, como também
uma correta redefinição e o adequado manejo de agroecossis-
temas na perspectiva da sustentabilidade (CAPORAL; COSTABE-
BER, 2002).
Atualmente, a Agroecologia tem se destacado como uma
das opções para uma agricultura sustentável, uma vez que, além
de produzir produtos menos agressíveis à saúde, é também uma
forma de promover qualidade de vida e subsistência do pequeno
agricultor e de sua família sem, no entanto, perder sua atuação
junto ao mercado competitivo, com produtos agroecológicos e
economicamente solidários (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA,
2008).
Entendemos, portanto, que uma condição essencial para
uma agricultura sustentável é um ser humano consciente, cuja
atitude em relação à natureza seja de coexistência e não de
exploração.
Na perspectiva de desenvolvimento sustentável e solidário
para com as diversas classes da sociedade moderna, conhecer
a origem e as ideologias dos métodos alternativos de produção
agrícola nos possibilita avaliar e apoiar métodos que realmente
buscam valorizar a sustentabilidade agrícola, como a produção
de alimentos que primem pela saúde e pelo equilíbrio dos ecos-
sistemas e por um desenvolvimento agrário igualitário.
A conversão agroecológica é um caminho desafiador para
os camponeses que já experimentaram os processos oriundos
da "modernização", que, além dos custos elevados devido à de-

106 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

pendência dos agroquímicos, vivenciaram, ainda, as inúmeras


contaminações ambientais. Nesse contexto de transição, são ne-
cessárias três fases para superar as práticas tradicionais:
1. Aumento da eficiência do uso de insumos por meio do ma-
nejo integrado de pragas ou do manejo integrado da fertilidade
do solo.
2. Substituição de insumos ou substituição por insumos am-
bientalmente benéficos.
3. Redesenho dos sistemas: diversificação por meio de uma
combinação de lavouras e criação de animais, o que incentiva o
sinergismo de modo que o próprio agroecossistema possa via-
bilizar sua fertilidade do solo, a regulação natural de pragas e a
produtividade das culturas (ALTIERI, 2012, p. 139-140).

Na Figura 1, podemos verificar as possibilidades da Agroe-


cologia em consolidar práticas ecológicas que sustentam os cam-
poneses e suas famílias no campo, respeitando a natureza e a
própria vida.

Figura 1 Agroecologia.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 107


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

Nesse contexto, temos inúmeras correntes que fundamen-


tam a prática alternativa para o campo e fortalecem, assim, um
projeto de desenvolvimento que valorize a vida na sua plenitude
justa e equitativa (BOFF, 2006).

3. QUALIDADE DE VIDA E ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL


Os caminhos e alternativas ora apresentados remetem à
conquista da saúde e da qualidade de vida plena, em que cada
pessoa busca informação e autoconhecimento, disseminando,
assim, saberes e valores para uma vida saudável, baseada majo-
ritariamente na alimentação.
Bernardes (2011) afirma que comendo menos viveremos
mais. Em suma, suas análises revelam que a restrição calórica
retarda o processo de envelhecimento em todo organismo.
[...] temos também uma prova de que isso é verdade: os habi-
tantes de Okinawa, no Japão, que durante anos seguiram uma
dieta com 17% a 40% menos calorias do que outros japoneses,
tiveram de 30% a 40% menos doenças crônicas, inclusive doen-
ças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer (BERNARDES,
2011, p. 168-169).

Na sequência, complementa:
A restrição calórica também pode ajudar a imunizar células do
cérebro contra danos e doenças. Comer demais enfraquece as
células do cérebro, expondo-as a danos, enquanto a restrição
calórica fortalece as células do cérebro, tornando-as mais vi-
gorosas e aumentando sua resistência aos danos, como o mal
de Alzheimer, de Parkinson e de Huntington. Há cerca de dez
anos, Richard Mayeux, da Universdade Columbia, nos Estados
Unidos, começou a acompanhar pessoas saudáveis a fim de de-
terminar o impacto da dieta no desenvolvimento de doenças
degenerativas do cérebro, descobriu que a ingestão calórica, de
fato, faz uma enorme diferença. Além disso, os cérebros mais

108 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

protegidos pertenciam ao grupo dos que ingeriram menos ca-


lorias e que foram alimentados com uma dieta com baixo teor
de gordura saturada, de açúcar refinado, e alto teor de proteí-
na e de carboidrato. A restrição de calorias também reduziu o
risco de Parkininson e Alzheimer. (BERNARDES, 2011, p. 169;
grifo nosso).

Tais elementos explicam que uma alimentação equilibrada


é a base para viver mais, com saúde e qualidade de vida ple-
na. Nesse contexto, também podemos utilizar o potencial dos
alimentos na prevenção e cura de determinadas enfermidades,
como analisaremos a seguir.

4. A CURA COM A ALIMENTAÇÃO


Para iniciar nossas reflexões sobre a cura por meio da ali-
mentação, é importante apresentar uma lenda contada no norte
da Índia, que há muitos anos aponta que o limão é o mais bené-
fico dos alimentos da humanidade. Acompanhe:
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Pouco antes de formar-se, um jovem e brilhante estudante de medicina foi
procurado por um médico idoso que vivia numa aldeia distante. Ele disse ao
jovem que desejava aposentar-se e precisava de um assistente para ajudá-lo
no momento, mas que também iria treiná-lo para, mais tarde, assumir a sua
movimentada clínica.
O jovem ficou encantado com a oferta e aceitou de pronto, prometendo ir ao
seu encontro assim que tivesse o seu diploma em mãos.
Formado, juntou seus escassos pertences sobre uma carroça puxada a búfalo
e iniciou sua jornada para uma nova vida.
Enquanto o animal arrastava-se com lentidão pela estradinha rural, o jovem
médico fantasiava sobre o futuro que o aguardava: uma clínica estabeleci-
da, bons rendimentos, uma família, um lar, reputação e sucesso; um futuro
radiante.
Então, ele viu, com o canto dos olhos, uma imagem que o arrancou de seus
devaneios: uma mancha verde-claro. Acaso seria...? Sim, era!

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Não pode ser! – gemeu o rapaz – Estou cercado de limoeiros. Isso quer dizer
que esta aldeia vive do comércio de limões, e qualquer tolo sabe que onde as
pessoas consomem limão não há doenças – pensou.
Os seus sonhos de minutos atrás se dissolveram na visão daquelas densas e
viçosas árvores verdes, carregadas de frutos amadurecendo.
Com a cabeça doendo, punhos e dentes cerrados, a raiva fazendo-o estreme-
cer, chegou à casa do velho médico. Esqueceu toda a cortesia e respeito e
perguntou: “O que significa isso?”
O velho médico, sentado à sombra de uma árvore, olhou-o espantado e repli-
cou: “Exatamente do que você está falando, meu jovem?”
“Por que o senhor me chamou aqui? O que espera que eu faça aqui? Esta
aldeia está cercada de limoeiros. Para que estas pessoas precisam de um
médico?”
O velho médico estava perplexo.
“O senhor não me entende? Não sabe que as Escrituras dizem que as pessoas
que consomem limão nunca ficam doentes? Os shastras (sábios) afirmam que
o limão é o remédio mais perfeito da natureza e mantém o corpo livre de quase
todas as doenças.”
Acendeu-se um brilho de compreensão nos olhos do ve­lho médico, enquanto
ele contemplava o jovem enraivecido.
Sorrindo, o velho disse: “Não se preocupe, não existe motivo algum para esta
sua inquietação.”
“Como não? Por que não tenho motivo algum para me preocupar?” – pergun-
tou o jovem perplexo.
“Vivi aqui toda a minha vida. Longe das preocupações e privações. O mesmo
acontecerá com você. Saiba que as pessoas desta aldeia, por absoluta falta de
informação, não comem limão, mas somente as suas sementes!” (TRUCOM,
2009, p. 9-11).
__________________________________________________

Essa lenda poderia ser trabalhada por várias perspectivas.


Inicialmente destacamos que o limão faz parte da sabedoria po-
pular e médica. Nesse sentido, dois pontos são gritantes nesta
lenda:
1) Ignorar o que é tão simples e natural é, infelizmente, um
estado comum da humanidade, que perpetua as doenças, a
ilusão e as falsas expectativas de que o sofisticado tem maior

110 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

poder de curar. A sociedade moderna valoriza em desmedida a


tecnologia, esquecendo que a natureza é simples, companhei-
ra e cúmplice. Todo o tempo!
2) A melhor prática da medicina é a preventiva. Infelizmente,
sempre haverá profissionais que valorizam a doença como
meio de sobrevivência.
Estar vulnerável a este tipo de postura é algo sempre possível
quando ignoramos as formas naturais de conquista e manuten-
ção de nossa saúde.
Portanto, a busca da informação é fundamental (TRUCOM,
2009, p. 11; grifo nosso).

O encantamento da sociedade moderna às vezes deixa


transparecer que todas as coisas são oriundas da mãe natureza,
ou seja, que tudo e todos estão ligados à lógica natural do mun-
do. O segundo ponto destacado na lenda refere-se à usurpação
de alguns profissionais que desvalorizam a prevenção e prefe-
rem tratar a doença. Talvez seja mais uma contradição ética, cuja
sabedoria médica está a serviço dos interesses individuais, au-
xiliando, portanto, a manutenção do status quo e das múltiplas
desigualdades.
Retomando o potencial e a riqueza da composição do li-
mão, podemos afirmar que:
O limoeiro é um arbusto que pertence à família das rutáceas,
com ramos cheios de espinhos, chegando a atingir de 4 a 5 me-
tros de altura. Os frutos costumam conter farto suco com gran-
de quantidade de ácido cítrico, vitamina C e sais minerais, além
de pectina na entrecasca, e óleos monoterpênicos na casca.
Entre todos os frutos conhecidos e disponíveis na natureza, é
o que apresenta o mais elevado índice de radioatividade na-
tural e benéfica (85%), sendo seguido pela uva-moscatel-ácida
e pelo ananás (74%). Na verdade, todas as frutas podem ser
consideradas como fantásticos reservatórios de energia solar,
devido ao tempo que levam em exposição ao sol durante o seu

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 111


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

amadurecimento; ou seja, a melhor fruta é aquela colhida no


seu momento certo de maturação (TRUCOM, 2009, p. 27).

No Quadro 1, é possível verificarmos a composição do li-


mão e identificar os elementos existentes nele. Acompanhe:

Quadro 1 Composição e elementos do limão (para cada 100


gramas)

Calorias 44,6 kcal


Água 89,4 g
Carboidratos 8,5 g
Proteínas 1,0g
Lipídios 0,7 g
Cinzas 0,4 g
Ácido cítrico 6 a 7,0 g
Vitamina A 5 mg
Vitamina B1 (tiamina) 55,0 µg
Vitamina B2 (riboflavina) 60,0 µg
Vitamina B3 (niacina) 0,3 mg
Vitamina C (ácido ascórbico) 40-120 mg
Potássio 127 mg
Cálcio 100 mg
Fósforo 21 mg
Sódio 9 mg
Ferro 0,70 mg
Fonte: Trucom (2009, p. 31).

Essa variedade é importante, pois, dependendo da apli-


cação (interna ou externa), pode-se alavancar ainda mais o
tratamento.

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Gonzalez (2008) apresenta alguns caminhos importantes


para serem praticados na cozinha, os quais estão baseados em
experiências de vida e, sobretudo, em pesquisas científicas, as
quais nos remetem a alternativas para uma vida saudável, a qual,
por sua vez, se inicia por hábitos alimentares.
Ele nos ensina, inicialmente, o preparo de alimentos vivos:
[...] Quando iniciamos uma determinada técnica – e aqui apre-
sento técnicas culinárias – corremos o risco de errar, de “perder
o ponto” ou de derramar tudo no chão da cozinha. Esses riscos
fazem parte da experiência adquirida e são temporários. Mas é
importante alertar dos riscos de contaminações e ferimentos,
pois estamos lidando com saúde, e espero que este livro seja
lido e praticado por muitos. Não seria agradável saber que al-
guém adoeceu ou feriu-se de maneira séria na preparação dos
alimentos de que tanto precisamos (GONZALEZ, 2008, p. 166).

A transição para uma alimentação viva está na base do


pensamento do médico Alberto Gonzalez, ou seja, o valor dos
alimentos crus muitas vezes só é percebido quando se instala um
desequilíbrio evidente. Nesse contexto, há técnicas de culinária
bem significativas, tais como: hidratação, desidratação, prensa-
gem, marinadas, desamidação, amornamento, temperando etc.
(GONZALEZ, 2008).
No livro de Gonzalez, Lugar de médico é na cozinha: cura e
saúde pela alimentação viva (2008), é possível acompanharmos
inúmeras receitas baseadas em dicas apresentadas na escolha
e preparação dos alimentos. Nesse sentido, é possível construir
hábitos saudáveis, utilizando o pomar, a horta e, sobretudo, a
criatividade no ato ancestral de cozinhar.
Padilha (2004), ao estudar receitas saudáveis, também
apresenta algumas receitas, sistematizando-as num guia rápido
que previne e cura.

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Acompanhe-o no Quadro 2:

Quadro 2 Receitas saudáveis que previnem e curam.


RECEITAS INGREDIENTES MODO DE FAZER COMO SERVIR
• 1/3 de xícara de
suco de limão
Misturar em uma
• 1/2 xícara de
tigela o suco de
molho inglês
limão, o molho
• 2 colheres de
inglês, o vinagre,
sopa de vinagre Enfeitada com
o alho e o azeite.
balsâmico as flores lavadas
Mexer bastante,
• 1 colher de alho na hora para não
incorporando bem
picado murcharem e
Salada de os ingredientes.
• 1 colher de chá de regadas com o
folhas e Deixar na geladeira
azeite molho.
flores por uma hora.
• 4 xícaras de alface
Secar a alface,
americana cortada * A capuchinha
o radicchio e a
em tiras largas é um antibiótico
escarola e arrumá-
• 20 folhas de natural.
los em saladeira.
radicchio
• 2 folhas de escarola
frisada
• 20 capuchinhas*

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RECEITAS INGREDIENTES MODO DE FAZER COMO SERVIR


Em um recipiente,
colocar o pão e
umedecê-lo com
o leite. Em uma
tigela, juntar a
carne ao pão, às
claras, à cebola,
ao alho, ao sal, à
cebolinha e à salsa.
Amassar bem
• 500 gramas de
com as mãos até
carne magra moída
obter uma massa
• 2 pãezinhos Em fatias,
homogênea. Sobre
franceses acompanhadas
uma folha de
amanhecidos de folhas verdes e
papel-alumínio,
• 1/2 xícara de chá palmito.
abrir a massa em
de leite desnatado
Rocambole mais ou menos
• 2 claras * A salsa é
de carne um centímetro.
• 1 cebola grande eficiente no
recheado de No centro,
picada em cubos combate à
palmito colocar o palmito
• 3 dentes de alho oxidação das
em rodelas.
amassados células, que pode
Enrolar como
• sal ser provocada
um rocambole.
• 1 xícara de salsa* e pela fumaça do
Embrulhar com
cebolinha picadas cigarro e causar
o papel-alumínio
• 200 gramas de câncer de pulmão.
e fechar bem as
palmito em rodelas
pontas. Colocar na
assadeira e levar
ao forno quente.
Assar por 40
minutos. Retirar o
papel-alumínio e
voltar o rocambole
ao forno para
dourar.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 115


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RECEITAS INGREDIENTES MODO DE FAZER COMO SERVIR


• Folhas verdes Em uma panela,
(língua-de-vaca, esquentar o óleo e Acompanhando
serralha, couve*, dourar a cebola e o pratos quentes.
alface, acelga) alho. Acrescentar o
• 1 colher de sopa cheiro-verde e * A couve contém
Farofa de
de óleo mexer. Adicionar elementos
folhas verdes
• 1/2 xícara de as folhas verdes e fitoquímicos
cebola e cheiro- refogar, mexendo capazes de deter
verde sempre. Desligar o crescimento
• 1 dente de alho o fogo e colocar a das células
• farinha de milho farinha. Misturar. cancerosas.

Cozinhar as maçãs
em pedaços, com
casca e sementes,
em água suficiente
Na temperatura
para cobri-las,
ambiente, com
• 1/2 kg de maçãs* sem mexer.
torradas ou
• açúcar Coar o líquido
Geleia de biscoitos.
• pétalas de rosas sem apertar os
rosa e maçã
(sem as unhas pedaços. Para
* A maçã
brancas) cada xícara de
ajuda a regular
suco, usar uma
o intestino,
xícara de açúcar
fortalece o cabelo
e um punhado de
e as unhas.
pétalas. Cozinhar
até dar o ponto.

Descascar os Com uma pedra


• 2 caquis moles caquis, retirar de gelo no fundo
• 1 xícara de chá de as sementes e do copo.
Suco água colocar a polpa
velhecimento • 1/2 xícara de chá no liquidificador * A laranja é rica
de suco de laranja* com os outros em vitamina C,
• 1 pitada de ingredientes. Bater que atua como
gengibre ralado por meio minuto. destruidor natural
de radicais livres.

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RECEITAS INGREDIENTES MODO DE FAZER COMO SERVIR


• 1 xícara de melado Colocar numa
• 1/2 xícara de panela o melado, a
margarina manteiga, o sal, o
• 1 colher de chá gengibre, a canela
de sal e o bicarbonato
Em compoteiras
• 1 xícara e 1/2 de de sódio. Levar a
ou pratinhos
farinha de trigo mistura ao fogo,
de sobremesa,
• 1 xícara e 1/2 de aferventar e deixar
acompanhando o
farinha de centeio* esfriar. Adicionar
lanche da tarde.
Biscoitos de • 1 colher e 1/2 de as farinhas e
melado e chá de gengibre misturar bem.
* O centeio auxilia
centeio • 1 colher e 1/2 de Abrir a massa bem
nos partos difíceis.
chá de canela em fina, cortar da
pó forma desejada e
• 1 colher e 1/2 de assar em forno a
chá de bicarbonato 180 graus.
de sódio

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RECEITAS INGREDIENTES MODO DE FAZER COMO SERVIR


Cozinhar na água:
500 gramas de
• 8 xícaras de aspargo, as folhas
aspargo* do alho, a cenoura,
• 1 kg de aspargo os ramos de salsão
picado e de salsa, durante
• folhas de alho- 30 minutos.
porró Peneirar e reservar.
• 1 cenoura cortada Numa panela,
• 3 ramos de salsão aquecer o azeite
verde e refogar o alho Em temperatura
• 6 ramos de salsa por 2 minutos. alta,
Sopa de • 2 colheres de sopa Juntar o restante acompanhada de
aspargos de azeite da salsa, o tomilho, torradas.
• 2 alhos-porrós o sal e o aspargo e
cortados em mexer por alguns * O aspargo é
rodelas (só a parte minutos. Cobrir diurético, reduz
branca) com 5 xícaras do edemas.
• 2 colheres de chá caldo e cozinhar
de tomilho fresco até que o aspargo
• sal e pimenta fique macio. Bater
• 1 colher de chá no liquidificador
de casca de limão e temperar com
ralado o sal, a pimenta
e com a casca do
limão.

Fonte: adaptado de Padilha (2004).

A utilização dessas receitas, em consonância com outras


indicações médicas, nutricionais e esportivas, proporciona a va-
lorização e o autoconhecimento sobre os alimentos e sua funcio-
nalidade para uma dieta equilibrada, saudável e em harmonia
com a natureza.
Outro exemplo que dialoga com tal perspectiva refere-se às
plantas medicinais utilizadas para manutenção da nossa saúde.

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5. O PSF E O USO DAS PLANTAS MEDICINAIS


Dentro da perspectiva de atenção básica em saúde, surge,
em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF) como instrumento
de reorganização do SUS, sendo implantado primariamente em
áreas de risco. Em 2006, é definido como Estratégia Saúde da
Família (ESF), tendo como objetivo, além dos princípios gerais
da atenção básica, promover ações dirigidas aos problemas de
saúde, pactuadas com a comunidade, e buscar o cuidado com o
foco na família.
Com base na educação em saúde e na atenção primária,
o uso de técnicas alternativas vem sendo adotado na forma de
prevenção e tratamento junto ao SUS desde que foi criada a Po-
lítica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos por meio do
Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006. Com mais essa opção
terapêutica, os usuários podem ter a garantia e a segurança de
que as plantas medicinais e os fitoterápicos usados são de eficá-
cia e qualidade e que possibilitam uma ação centrada e integral
de forma humanizada da saúde, além de promover a inclusão
social e regional, o uso sustentável da biodiversidade brasileira e
a preservação do conhecimento tradicional.
Segundo Gonzalez (2008, p. 70-71; grifo do autor),
não existe uma planta medicinal, pois todas, se ingeridas re-
gularmente na forma de alimentos, são medicinais em maior
ou menor escala; chamá-las assim, é um reducionismo que em-
bute de "antialguma coisa", ou seja, o ideário que a indústria
farmacêutica é mais adequada.

Hoje, cabe a cada município estabelecer diretrizes no to-


cante à produção de espécies "matrizes" indicadas pela Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Além da produ-
ção das mudas e plantas, cabe aos municípios, ainda, distribuí-

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 119


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

-las às famílias que estão inscritas no PSF a partir das indicações


e orientações médicas.
A utilização de plantas medicinais para tratamento e∕ou
prevenção de algumas doenças está nitidamente atrelada ao co-
nhecimento popular, traduzido ancestralmente pela oralidade,
principalmente no Brasil, cuja diversidade étnica, biológica e cul-
tural nos permite várias combinações oriundas desse encontro.
Os fitoterápicos, como são denominados pela ANVISA,
são medicamentos preparados exclusivamente a partir de fo-
lhas, flores, raízes, cascas, frutos, sementes etc., que possuem
propriedades reconhecidas e cura – até porque todas as plantas
possuem substâncias, as quais podem prevenir, curar ou agravar
determinadas doenças.
Tendo em vista essas informações, desde 2006, por meio
do Decreto n. 5.813, há uma Política Nacional de Plantas Medi-
cinais e Fitoterápicos estabelecida no Brasil, o que indica a uti-
lização das plantas em tratamentos realizados no Sistema Único
de Saúde (SUS), fortalecendo, assim, as iniciativas e programas já
existentes em algumas comunidades rurais e urbanas pelo país,
que usam o conhecimento ancestral que possuem em relação
às plantas medicinais no tratamento "caseiro" de determinadas
enfermidades.
Esses saberes tradicionais – etnoconhecimento – têm uma
ligação comprovada com a ciência farmacêutica, que já compro-
vou sua eficácia, agora traduzida em leis e, sobretudo, políticas
públicas. Nesse sentido, há uma ligação com os saberes, com a
Agroecologia e com o desenvolvimento sustentável local, corres-
ponsáveis pela qualidade de vida.
Assim, vale ressaltar que:

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O uso de plantas medicinais é um dos hábitos mais antigos da


espécie humana, estando presente em todas as culturas. A fi-
toterapia consiste no tratamento por meio das plantas, uma
alternativa aos medicamentos sintéticos. A fitoterapia mais
bem estudada é a chinesa, em que se observa uma minucio-
sa descrição do uso de folhas, flores, frutos, raízes, cascas de
plantas e também ossos de animais, preparados de diferentes
maneiras para o uso terapêutico, promovendo o equilíbrio no
paciente. O diagnóstico é feito após anamnese com base em
hábitos alimentares, estilo de vida, estado mental e emocional,
exame de língua e exame dos pulsos, bastante específicos para
o diagnóstico na Medicina chinesa. Estabelecido o diagnóstico,
o fitoterapeuta escolhe uma receita que mais se aproxime do
quadro do paciente, prescrevendo ervas combinadas entre si
(SANCHEZ, 2010, p. 266).

O conhecimento dos hábitos é essencial para a melhor in-


dicação e acompanhamento ao paciente. Outro exemplo signi-
ficativo em relação ao fitoterápico refere-se à relação entre en-
fermagem e plantas medicinais nas atividades de prevenção à
saúde em povos indígenas.
Segundo Araújo (2010, p. 280; grifo nosso):
Para os índios, a expressão de um sinal ou sintoma pode ser
entendida como saúde, pois só um corpo saudável pode rea-
gir e dar sinais de que está sendo agredido. A doença pode
estar relacionada com o “sangue sujo”, com a “reina”, algo
interno que faz mal, que precisa sair de “dentro” para “fora”,
ao contrário da Medicina tradicional, que trata de “fora” para
“dentro”. Além disso, necessário se faz entender os meios te-
rapêuticos que eles usam para atender as suas necessidades,
como a alimentação, o uso de plantas medicinais, o resguardo,
a água fresca e a água quente, a relação com a natureza e, so-
bretudo, a fé no sobrenatural. No que diz respeito ao uso de
plantas medicinais pelos indígenas, sabe-se que eles têm um
conhecimento dinâmico e milenar, pois são quem efetivamen-
te domina esse saber, e não a ciência biomédica. A ciência não

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testou tudo e não comprovou todos os benefícios das plantas


utilizadas por essa população; mesmo assim, elas continuam a
ser utilizadas. Monitorar seus efeitos de forma empírica não é
impossível, e isso deve ser feito pelo enfermeiro.

Na sequência, apresentamos a relação de plantas medici-


nais de interesse ao SUS, representando um total de 71 espécies
vegetais, as quais têm um potencial na prevenção e tratamen-
to de algumas enfermidades. Vale destacar que o uso deve ser
sempre com orientação, mesmo porque a aplicação deve se-
guir orientações mais claras, ou seja, cada aplicação medicinal
depende da parte da planta que será utilizada (caule, semente,
fruto, raiz etc.).

Quadro 3 RENISUS – Relação Nacional de Plantas Medicinais de


Interesse ao SUS – 2009.

N° NOME CIENTÍFICO NOME POPULAR PRINCIPAIS USOS


Combate a úlceras e feridas;
1 Achillea millefolium Mil-folhas, Dipirona
é analgésico.
Antisséptico, anti-
2 Allium sativum Alho inflamatório e anti-
hipertensivo.
Combate à caspa, calvície; é
Aloe spp (A. vera ou A.
3 Babosa, áloes antisséptico, tirando lêndea
barbadensis)
de piolhos; é cicatrizante.
Alpinia spp (A. zerumbet
4 Colônia Anti-hipertensivo.
ou A. speciosa)
5 Anacardium occidentale Caju Antisséptico e cicatrizante.
Mucolítico e fluidificante das
6 Ananas comosus Abacaxi secreções e das vias aéreas
superiores.

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N° NOME CIENTÍFICO NOME POPULAR PRINCIPAIS USOS


Combate à infecção catarral,
da garganta, e gota; é
Apuleia ferrea = Jucá, pau-ferro-
7 cicatrizante.
Caesalpinia ferrea verdadeiro, ibirá-obi
Localização: Centro-Oeste e
Mato Grosso.
Combate afeções da pele em
8 Arrabidaea chica Crajirú, carajiru geral (impingens) e feridas; é
antimicrobiano.
É saudável para estômago,
fígado, rins; combate vermes
9 Artemisia absinthium Artemísia
(lombriga e oxíuru, giárdia e
ameba)
Carqueja, arqueja Combate feridas; é
10 Baccharis trimera
amargosa estomáquico.
Bauhinia spp (B. affinis,
Controle de diabetes; é
11 B. forficata ou B. Pata de vaca
diurético.
variegata)
12 Bidens pilosa Picão Combate úlceras.
Bonina, calêndula,
Combate feridas, úlceras e
13 Calendula officinalis flor-de-todos-os-
micoses.
males, malmequer
Andiroba, angiroba, Combate úlceras,
14 Carapa guianensis
nandiroba dermatoses e feridas.
Guaçatonga,
15 Casearia sylvestris apiáacanoçu, bugre Combate úlceras.
branco, café-bravo
Chamomilla recutita =
Combate dermatites e
16 Matricaria Chamomilla = Camomila
feridas banais.
Matricaria recutita
Erva de Santa Combate angina, asmas,
Maria, ambrosina, bronquite, cãibras e catarro
Chenopodium
17 ambrisina, bronquial; aumenta a
ambrosioides
ambrósia, ambrósia- transpiração e agiliza
do-méxico cicatrização etc.
18 Copaifera spp Copaíba É anti-inflamatória.

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N° NOME CIENTÍFICO NOME POPULAR PRINCIPAIS USOS


Cordia spp (C.
19 curassavica ou C. Erva baleeira É anti-inflamatória.
verbenacea)
Costus spp (C. scaber ou Combate leucorreia e
20 Cana-do-brejo
C. spicatus) infecção renal.
Croton spp (C. cajucara Alcanforeira, herva-
21 Combate feridas e úlceras.
ou C. zehntneri) mular, pé-de-perdiz
É antioxidante, combate
reumatismos e inflamações;
22 Curcuma longa Açafrão
usada em tratamentos
dermatológicos.
23 Cynara scolymus Alcachofra Combate ácido úrico.
Auxilia no tratamento de
24 Dalbergia subcymosa Verônica inflamações uterinas e da
anemia.
Marupa, Combate hemorroidas e
25 Eleutherine plicata
palmeirinha vermes.
26 Equisetum arvense Cavalinha É diurético.
Age beneficamente no
27 Erythrina mulungu Mulungu
sistema nervoso em geral.
28 Eucalyptus globulus Eucalipto Combate leucorreia.
Eugenia uniflora ou
29 Pitanga Combate diarreia.
Myrtus brasiliana
30 Foeniculum vulgare Funcho É antisséptico.
Combate sintomas da
31 Glycine max Soja
menopausa e osteoporose.
Harpagophytum
32 Garra-do-diabo Combate artrite reumatoide.
procumbens
Peão-roxo, jalopão, É antisséptico e age sobre
33 Jatropha gossypiifolia
batata-de-téu feridas.
É usado em cortes e para
34 Justicia pectoralis Anador tratamento de afecções
nervosas e catarro bronquial.

Kalanchoe pinnata =
35 Folha-da-fortuna Combate furúnculos.
Bryophyllum calycinum

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N° NOME CIENTÍFICO NOME POPULAR PRINCIPAIS USOS


36 Lamium album Urtiga-branca Combate leucorreia.
Estrepa cavalo,
Tem propriedades
37 Lippia sidoides lecrim, alecrim-
antibióticas e antimicóticas.
pimenta
Malva, malva-alta,
38 Malva sylvestris Combate furúnculos.
malva-silvestre
Espinheira-santa,
Maytenus spp (M. Age com propriedades
concorosa,
39 aquifolium ou M. antissépticas em feridas e
concerosa, combra-
ilicifolia) úlceras.
de-touro
É digestivo, expectorante,
antimicrobiano,
40 Mentha pulegium Poejo
antiespasmódico,
antisséptico e cicatrizante.
Combate azia, cãibras,
cólica, dores de cabeça,
Mentha spp (M. crispa, Hortelã, hortelã-
41 no estomago, nos dentes,
M. piperita ou M. villosa) pimenta, menta
muscular, grite, halitose,
tosse etc.
Mikania spp (M.
42 glomerata ou M. Guaco É broncodilatador.
laevigata)
Melão-de-são- Combate diabetes e fortalece
43 Momordica charantia
caetano o sistema urinário.
Age como anti-inflamatória,
emoliente e antibacteriana,
44 Morus sp Amora combate infecção urinária,
e ajuda na regulação
hormonal.
Combate bronquite,
conjuntivite, distúrbio do
Alfavacão, alfavaca- trato gastrointestinal e
45 Ocimum gratissimum
cravo urinário, dores de cabeça,
estresse, fadiga, gripe e
infecções cutâneas.
Combate cólicas menstruais,
46 Orbignya speciosa Babaçu
inflamações e leucemia.

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N° NOME CIENTÍFICO NOME POPULAR PRINCIPAIS USOS


Passiflora spp (P. alata, P.
47 Maracujá É calmante.
edulis ou P. incarnata)
Combate excesso de ácido
Persea spp (P. gratissima úrico, previne queda
48 Abacate
ou P. americana) de cabelo, e age como
anticaspa.
Age como antirrugas,
49 Petroselinum sativum Falsa diurético, estimulante
gástrico.
É diurético, analgésico,
Phyllanthus spp (P.
Erva-pombinha, relaxante muscular, e
50 amarus, P.niruri, P.
quebra-pedra com propriedades anti-
tenellus e P. urinaria)
infecciosas.
51 Plantago major Tanchagem, tanchas Age sobre feridas.
Plectranthus barbatus = É Digestivo, ativa a secreção
52 Boldo
Coleus barbatus salivar, biliar e gástrica.
Polygonum spp (P. acre
53 Erva-de-bicho Age sobre corrimentos.
ou P. hydropiperoides)
54 Portulaca pilosa Amor-crescido Combate feridas e úlceras.
Combate leucorreia, aftas,
55 Psidium guajava Goiaba
úlcera e irritação vaginal.
56 Punica granatum Romeira Combate leucorreia.
57 Rhamnus purshiana Cáscara sagrada Combate prisão de ventre.
58 Ruta graveolens Arruda É Antiespasmódica.
É antipirético, antiflogístico,
analgésico, antirreumático,
59 Salix alba Salgueiro branco
antiagregante, estimulante e
sudorífero.
Araguaíba, aroeira,
Schinus terebinthifolius =
60 aroeira-do-rio- Combate feridas e úlceras.
Schinus aroeira
grande-do-sul
Age positivamente sobre
funções digestivas, do fígado
61 Solanum paniculatum Jurubeba
e baço. Combate prisão de
ventre.

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N° NOME CIENTÍFICO NOME POPULAR PRINCIPAIS USOS


62 Solidago microglossa Arnica Combate a contusões.
Stryphnodendron
Barbatimão,
adstringens = Combate leucorreia, feridas,
63 abaremotemo,
Stryphnodendron úlceras e corrimento vaginal.
casca-da-virgindade
barbatimam
Syzygium spp (S.
64 jambolanum ou S. Jambolão Combate diabetes.
cumini)
É Cicatrizante e anti-
65 Tabebuia avellanedeae Ipê-roxo
inflamatório.
Combate tosse, distúrbios
66 Tagetes minuta Cravo-de-defunto menstruais, reumatismo e a
verminose.
É anti-inflamatório,
antiespasmódico,
67 Trifolium pratense Trevo vermelho
expectorante, nutritivo e
antitumor.
É imunoestimulante e anti-
68 Uncaria tomentosa Unha-de-gato
inflamatório.
Ajuda na supressão de
gases intestinais, e contra
69 Vernonia condensata Boldo-da-bahia
insuficiência hepática e
inflamação da vesícula.
Vernonia spp (V. ruficoma É expectorante, age contra
70 Assa-peixe
ou V. polyanthes) tosse e bronquite.
71 Zingiber officinale Gengibre Combate tosse.

Essa breve análise sobre as plantas medicinais no SUS,


além de informar que temos tais ações em um programa público,
auxilia, ainda, ao exigirmos alternativas e, sobretudo, valorização
do conhecimento tradicional, muitas vezes apropriado indevida-
mente pela indústria farmacêutica, que nos devolveu tais medi-
camentos com preços altíssimos.

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Por isso, deixamos a seguinte indagação: seu médico já lhe


indicou alguma planta, fruta ou raiz presente no Quadro 3, ofi-
cializado pelo SUS desde 2009?

6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Para finalizar esta unidade, procure refletir sobre as seguintes questões:

1) Quais as características da Agroecologia e qual a sua relação com a quali-


dade de vida e a sustentabilidade?

2) Como podemos difundir os conhecimentos sobre alimentação saudável?

3) Por que a alimentação pode curar e, sobretudo, prevenir algumas doenças?

4) Como a lenda do limão auxilia no debate cotidiano entre alimentação e


saúde?

5) O que é fitoterápico?

6) Quais plantas medicinais apresentadas pelo SUS você já conhecia e


utilizou?

7. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao final do curso Alimentação e Saúde: Princí-
pios para um Estilo de Vida Saudável. Esperamos que o estudo
aqui realizado tenha contribuído não só para que você possa
aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, mas também
para que, a partir das reflexões e dos conceitos estudados, seja
possível lidar de forma coerente e significativa com essa temáti-
ca que nos acompanha desde o primeiro até o último dia de vida.
É importante que você pesquise sobre o assunto, pois, des-
sa forma, obterá grandes melhorias qualitativas e quantitativas.
Desejamos sucesso na sua jornada!

128 © ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

8. E-REFERÊNCIAS

Figura
Figura 1 Agroecologia. Disponível em: <http://molinacuritiba.blogspot.com.
br/2011/04/relator-da-onu-destaca-contribuicao-da.html>. Acesso em 28 fev. 2013.

Sites pesquisados
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CADOZ. Relação nacional de plantas medicinais de interesse ao SUS. Disponível em:
<http://cadoz.wordpress.com/2011/05/30/1420/>. Acesso em: 28 fev. 2013.
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Tecnologia e Insumos Estratégicos/Ministério da Saúde). Relação Nacional de Plantas
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<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/RENISUS_2010.pdf>. Acesso em 28
fev. 2013.
NETTO, E. M. et al. Comentários sobre o Registro de Fitoterápicos. Revista Fitos -
Tópicos em debate/Debate, v. 1, n. 3, mar. 2006. Disponível em: <http://www.anvisa.
gov.br/medicamentos/fitoterapicos/registro_fitoterapicos.pdf>. Acesso em: 28 fev.
2013.
PLANTAS MEDICINAIS & FITOTERAPIA. Home page. Disponível em: <http://www.
plantasmedicinaisefitoterapia.com/>. Acesso em: 28 fev. 2013.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Expressão Popular; Rio de Janeiro: AS-PTA, 2012.
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ARAÚJO, E. C. O enfermeiro como promotor de saúde indígena em povos indígenas.
In: MALAGUTTI, W.; MIRANDA, S. M. R. D. (Orgs.). Os caminhos da Enfermagem: de
Florence à globalização. São Paulo: Phorte, 2010.
BERNARDES, H. Chique é ser saudável: o prazer de uma alimentação sem culpa. São
Paulo: Planeta, 2011.

© ALIMENTAÇÃO E SAÚDE: PRINCÍPIOS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL 129


UNIDADE 3 – AGROECOLOGIA: POR UMA PRODUÇÃO JUSTA E LIMPA DO CAMPO À MESA

BOFF, L. Virtudes para um outro mundo possível: comer e beber juntos e viver em paz.
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CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia. Enfoque científico e estratégico.
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Botucatu/SP. Campinas: Unicamp, 2003. (Dissertação de Mestrado)
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TRUCOM, C. O poder de cura do limão. São Paulo: Editorial Alaúde, 2009.

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AVALIAÇÃO DO CURSO

A partir das reflexões desenvolvidas no decorrer do curso,


você deverá assistir ao documentário Super Size Me: a dieta do
palhaço (Direção de Morgan Spurlock, EUA, 2004, 1h38 min.),
indicado na Unidade 2, e elaborar uma resenha crítica, respon-
dendo, ainda, às seguintes questões:
1) Quais são os aspectos positivos e negativos do docu-
mentário em relação aos hábitos alimentares?
2) Quais são as implicações do modo de consumo atual
atrelado à cultura do fast-food e à fome e/ou carência
alimentar no mundo?
3) Como as discussões do filme dialogam com o curso e,
sobretudo, com o seu cotidiano familiar e profissional?
Após concluir sua resenha, poste-a no Portfólio.
Bom trabalho!

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