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Boa tarde, meu nome é Ian Barcellos Ferri de Souza Carmo, sou aluno do 5º ano de Ciências
Sociais, e hoje, venho apresentar a vocês o meu trabalho de iniciação científica que venho
desenvolvendo junto ao Departamento de Antropologia da USP, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro
de Niemeyer Cesarino no âmbito da etnologia indígena e da teoria antropológica que tem por título
Um estudo sobre a evolução da Fórmula Canônica do Mito na obra de Lévi-Strauss.
Este relatório teve, como objetivo principal realizar um estudo sobre a evolução do conceito de
fórmula canônica do mito na obra do antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss
mostrando sua centralidade na noção de mito proposta pelo autor. Além de analisar obras de outros
autores, antropólogos e etnólogos, que, influenciados pelo conceito, utilizaram a Fórmula Canônica
em suas análises e buscaram compreender suas potencialidades e limites.
Assim, porque a fórmula canônica do mito é tão central ao pensamento lévi-straussiano e aos
estudos dos mitos de maneira geral, é imperativo que se estude a formulação e evolução do
conceito. Tanto as obras de Lévi-Strauss quanto as que, influenciadas pelo autor, dão um novo
entendimento ao conceito, já que este delimita, em última instância, a forma como se estrutura o
pensamento mítico e, mais ainda, como esse pensamento é, pois, universal a todas as culturas. O
estudo realizado até o momento no presente relatório foi feito fundamentalmente através da leitura
do corpus teórico das obras de Claude Lévi-Strauss que fundamentam o conceito de Fórmula
Canônica do Mito, e de vários autores que aplicaram a fórmula as suas análises.
Isso, contudo, não excluiu uma abordagem mais ampla acerca do conceito de mito feita pelo autor
foram usado com esse propósito, outros textos de Lévi-Strauss e de outros autores de modo a
ampliar e verificar os desdobramentos da
análise estrutural dos mitos.
A Fórmula Canônica do Mito foi primeiramente apresentada em A Estrutura dos Mitos, artigo de
1955 onde Lévi-Strauss define mito em contraste com todas as definições anteriores. Segundo o
autor, o mito faz parte da linguagem e está além dela, definindo-se como uma linguagem que opera
em um nível mais complexo e abstrato do que a linguagem comum. O mito, inspirado pela
linguística de Saussure e Jakobson, se caracteriza não por uma narrativa que diviniza personagens
históricos, nem mesmo expressa sentimentos profundos, tais como amor, ódio etc., das diversas
sociedades, ou sequer reflete suas instituições, ou fenômenos meteorológicos, e muito menos
representa, nas palavras de Lévi-Strauss: “a uma forma grosseira de especulação filosófica.” (LÉVI-
STRAUSS, 2012, p.222)
Essa especificidade do mito corresponde à da formulação lógica e matemática que define sua
estrutura, Para Lévi-Strauss o mito deve ser entendido não individualmente, mas sempre num
contínuo que engloba suas variações, na medida em que o mito é a capacidade de produzir
variações a partir das diversas variantes; assim ele rejeita a busca por uma versão primeira e original
do mito, justamente porque é contraproducente pensar assim, já que o mito se define não pelos seus
termos tomados individualmente, mas pelas relações, ou melhor, o feixe de relações de suas
unidades constitutivas possuidoras de sentido, os mitemas. é justamente essa ideia de entender os
mitos como uma forma de pensamento que se caracteriza fundamentalmente pela produção infinita
de variação gerando um “n” número de variantes, que permite à Lévi-Strauss definir a regra geral
ou fórmula canônica do mito que reflete a dimensão matemática própria do mito. (ALMEIDA,
2009) Mais ainda, por suas características constitutivas o mito é capaz de transpor fronteiras
linguísticas, geográficas e históricas, justamente porque a sua lógica independe da linguagem,
história e sociedade, estando, entretanto, contraditoriamente ligado a esses fatores de maneira
íntima. É por isso que, diz Lévi- Strauss, o mito tem um caráter intimamente contraditório e dúbio.
No artigo de 1955 Lévi-Strauss diz que as unidades básicas de sentido dos mitos, os mitemas,
constituem-se em feixe de relações, que, para ser entendidos, devem ser lidos ao nível da frase
estabelecendo-se entre eles alguma relação comum, arbitrária, mas, que se verifica empiricamente,
constituindo assim, funções de significado e o predicado sendo o conteúdo que preenche tal função,
a fórmula canônica aparece como a condensação dessa relação entre o eixo da função
(paradigmático,) com o eixo do conteúdo (sintagmático) e que denota a lei geral de todos os mitos.
Assim aparece a fórmula canônica original:
O quarto termo da Fórmula Canônica representa, segundo Lévi-Strauss, não uma analogia, (A\B
assim como C\D) mas sim uma dedução dialética, um salto transcendental, como o autor chama,
que denota o movimento que os mitos fazem ao transpor uma fronteira geográfica, cultural, étnica,
linguística, o mito realiza uma dupla torção.
A fórmula canônica aparece nesses dois primeiros artigos como uma ferramenta de condensação e
esquematização da variabilidade e variação dos mitos. Assim caracteriza-se por englobar tanto as
variantes dos mitos como uma coletividade mítica de pensamento, não aquela pensada por Jung, em
arquétipos (conteúdos únicos que são pensados como substrato psíquicos de todos) e sim uma forma
de pensamento única que combina forma e conteúdo.
Portanto, procedendo sempre do empírico, da etnografia, como aliás faz em todas as análises
estruturais, Lévi-Strauss busca desvelar as propriedades estruturais e estruturantes do pensamento
amerindio, e justamente dos mitos que são expressão deste pensamento. Assim, é nesse contexto
que a fórmula canônica aparece pela primeira vez. A partir do mito Jívaro, Lévi-Strauss
acentua como o ciúme conjugal é característica dos engole-ventos (se Sol e Lua
soubessem dividir bem a mulher engole-vento, nada teria acontecido): "O pássaro
aparece em primeiro plano nos mitos cujo tema é a separação ou desentendimento entre
os sexos, devido ao ciúme entre dois homens com relação a uma mulher, ou ciúme de um
ou uma amante rejeitado(a), ou ainda à impossiblidade da união de dois amantes, ou aos
desentendimentos de um casal. Mesmo nos mitos em que o engole-vento aparece como
autor ou resultado de uma decapitação, os motivos mencionados não estão totalmente
ausentes: a decapitação também acarreta uma separação. Como o casal separado, a
cabeça ou o corpo desligados um do outro sofrem a perda da outra parte"
Mais adiante, a Oleira ciumenta, em uma série de mitos, vai dando ênfase à oralidade, à
avidez e à gula como atributos fundamentais dos engole-ventos. Num mito Kayapó "um
marido malvado trata a mulher como escrava, e proíbe-a de comer carne e de tomar
água. Durante a noite, ela sente uma sede terrível. Sente vontade de aproveitar enquanto
o marido dorme e ir ao lugar onde as rãs coaxam, sinal de que lá deve haver água; mas
teme que o homem descubra a sua ausência. Então ela tem a idéia de se dividir em dois
pedaços; o corpo ficaria ao lado do marido, e a cabeça voaria, usando os longos cabelos
como asas, para matar a sede. Mas o marido acorda, percebe o truque da mulher e
espalha as brasas da fogueira. A cabeça não consegue encontrar o caminho de volta para
a casa, agora às escuras. Voa a noite toda em busca de seu corpo, enquanto o marido o
assa. Continuando a voar, transforma-se em Engole-vento.
A segunda aparição da fórmula na obra não se dá de forma esquemática, e sim dentro de um texto
no capítulo 9. Diz Lévi-Strauss: (ver citação no relatório) Já a terceira aplicação se dá no capítulo
11 do livro, quando Levi-Strauss discute a relação dada no pensamento amerindio entre por um lado
os astros e a cabeça humana, ou o alto e, por outro, os excrementos humanos e meteoros, o baixo.
Alias, essa relacao alto-baixo, avidez oral-retencao anal, mundo superior e inferior, é pautada ao
longo de todo o livro,servindo a ceramica como atividade mediadora entre, ceu-terra, cru-cozido,
natureza-cultura.
Assim a terceira, quarta e quinta aplicação da fórmula condensam e articulam essas
relações de diferentes modos (form. 3, 4 e 5):
O autor parte de mitos norte-americanos referentes aos antagonistas Lince e Coiote, utilizando duas
versões dos . Ligado ao nevoeiro, Lince apresenta natureza ambígua: velho, feio e doente no início,
jovem e belo no final. Em seus contornos essenciais, História de Lince se insere em relatos mais
complexos, que ampliam a participação de Coiote e seu filho. Por sua vez, essa família agrupada
sob o nome de “história de Lince” se encaixa em outra sequência de mitos, por ele denominada “as
ladras de dentais”; a qual ilustraria, na América do Norte, um conjunto mítico que se estende pelos
dois hemisférios, apresentando formas muito próximas, facilmente identificáveis e pouco afetadas
pelo tempo e distância. Isso é mostrado a partir da análise que Lévi-Strauss faz do mito de gênese
dos Tupinambá, cujo o como o problema de gemelaridade assimétrica serviu como molde de
adequação para explicar a chegada dos colonizadores brancos. Assim, mais do que um grupo de
mitos, as ladras das dentais e seu agrupamento sob o nome de "história de lince” e a etiologia do
nevoeiro, todos eles remetem ao problema central ao pensamento amerindio da gemelaridade
assimetrica. É nessa parte do relato que aparece o mito da “criança raptada pelo Mocho” um dos
episódios do grande ciclo de mitos de A História de Lince, que por sua vez, se insere, como já foi
dito, no grande mito sobre a gemelaridade nas Américas É comentando um do episódios deste mito
que a Fórmula Canônica aparece a primeira vez no relato.
Em seguida, ainda no mesmo capítulo, Lévi-Strauss recorre mais uma vez à fórmula, dessa vez para
falar da relação, presente no pensamento ameríndio, entre ferimentos, de um lado, e ornamentos do
outro:
No capítulo 11, ao discutir como a gemelaridade está ligada à meteorologia (origem do vento) e
como está aparece inserida no conjunto mítico tratado no capítulo 9, intitulado O filho da raíz que
por sua vez aparece em relação com história de lince Lévi- Strauss se utiliza novamente da Fórmula
Canônica:
A Fórmula Canônica aparecerá uma última vez na obra de Lévi-Strauss, em um artigo intitulado
Houglass Configuartions (Configurações de Ampulheta em tradução livre) no livro The Double
Twist: From Ethnography to Mofodynamics editado pelo flocorista Pierre Maranda e que reúne
artigos de diversos autores entre antropólogos, etnógrafos e matemáticos etc. E que se propṍe a
verificar a aplicabilidade, viabilidade, amplitude e limites da fórmula canônica tanto nos âmbitos
de suas próprias etnografias e estudos de mitologia comparada, como no campo matemático.
No artigo, Lévi-Strauss, ao falar sobre arquitetura religiosa indígena, Levi-Strauss começando com
a estrutura em forma de 'X' do Ise Santuário no Japão, define uma relação ao axial em forma de
ampulheta e que se conecta com uma montanha o (Monte Meru / Sumeru) na Índia. Segue-se uma
série de outras estruturas arquitetônicas semelhantes que Lévi-Strauss documenta para Sibéria,
América, Indonésia e Fiji, com referências a K'un Lun (o Montanha cósmica chinesa). Lévi-Strauss
mostra como as transformações se relacionam a eles. E ele levanta a questão: 'Como alguém explica
essas semelhanças frequentemente marcantes? ' Ele percebe que, novamente, essa configuração
arquitetônica se relaciona com uma visão de cosmos, uma relação entre céu-terra que pode ser
explicitada pela fórmula:
A fórmula canônica representa pois, uma dinâmica cognitiva encontraria suporte no fato que o CF
geraria não apenas mitos, mas também edifícios. Lévi Strauss conclui este primeiro capítulo com as
seguintes palavras: 'Neste modo que se pode apreender simultaneamente a fórmula como um
conceito relação e vê-la, aqui e ali no mundo, estampada em uma geometria que o esforço humano
imaginou.
Em seu texto “A Fórmula Canônica do Mito” o antropólogo brasileiro Mauro Almeida busca fazer
uma análise da formulação e evolução da fórmula canônica do mito na obra de Lévi-Strauss e
problematiza o desenvolvimento da mesma em obras posteriores, como The Double Twist propondo
uma nova interpretação, à luz dos escritos do antropólogo francês. Segundo
Almeida:
Essa continuidade não é apenas superficial: ela relaciona-se com o fato de que em todas essas publicações a fórmula
canônica é aplicada principalmente análise de sintagmas completos, isto é, ritos e narrativas individualizadas, sendo este
emprego aparentemente justificado pela formalização baseada na teoria das catástrofes. É, contudo, paradoxal que Lévi-
Strauss, tanto em suas primeiras formulações programáticas quanto em seus últimos escritos sobre a fórmula (Lévi-
Strauss, 2001 [1994]) tenha, ao contrário, utilizado a fórmula para conectar objetos culturais de conjuntos geográfica e
historicamente descontínuos, com a atenção em paradigmas, e, não em sintagmas individuais.
(ALMEIDA, 2009, p.2)
Pelo andamento do relatório até aqui realizado, percebe-se que o mito como variação e como forma
de pensamento, que parte do concreto para o abstrato, do empírico, pode-se depreender suas
estruturas tem seu movimento de variação explicitado e condensado pela fórmula canônica do mito
que representa, em seu famoso “quarto membro” o salto empírico-lógico, a dedução transcendental
de que fala Lévi-Strauss, servindo como ferramenta para demonstrar essa variabilidade e
maleabilidade dos mitos. Mas para além disso, ela condensa uma operação mental que opõe termos
e significados uns aos outros, em uma relação entre forma e conteúdo que, por ser geral, ou assim se
pretender, é capaz de transpor contextos etnográficos, histórico-culturais de modo a revelar as
capacidades do pensamento humano.