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Século XVI - Busca da hegemonia, reação e

Reforma
A Reforma

A “Reforma Protestante” foi um dos momentos mais importantes


para a história ocidental. Seus efeitos foram, e são, sentidos em
campos tão distintos quanto filosofia, política, economia,
linguística, nacionalismo e, naturalmente, religião. Sua importância
para a História das Relações Internacionais não foi menor.

O momento que marca o início da Reforma foi a apresentação das


95 Teses de Martinho Lutero (1483-1546). Os papéis foram
colocados na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Saxônia
(Sacro Império Romano-Germânico), em 1517.

Um dos marcos do movimento protestante naquele momento foi a


questão das indulgências. Mas a disputa teológica era mais
sofisticada e ampla.

- Justificação pela fé (sola fide).

- Purgatório - intercessão/santos.

- Sucessão apostólica.

- Sacramentos.
Divisões dentro da Reforma

O movimento que se convencionou chamar de “protestante”


acabou por se dividir em denominações. A grande divisão durante
o século XVI passou a ser entre luteranos e reformados. Dentro do
movimento reformado o maior era o calvinismo.

Entre os motivos da divisão estão:

- Eucaristia.

- Predestinação.

A luta entre Roma e os evangélicos se desdobrou em disputas


sobre autoridade religiosa; teologia; e sacerdócio, entre outras.

Efeitos políticos

Tanto o luteranismo como o calvinismo são marcados pela ideia de


obediência passiva à liderança política (desde que ela seja da
mesma religião). Mas com efeitos práticos distintos.
Luteranismo
Em termos políticos, o luteranismo provocou nas relações dentro
das unidades políticas alterações relativamente moderadas. Havia
uma estrutura hierárquica dentro do movimento (com bispos
protestantes não aceitos pelos católicos e seminários luteranos).
Em relação à liderança política do país, o mesmo ocorria com os
governantes seculares.
Como o objetivo do movimento era separar a religião das ações
terrenas, desde que o príncipe adotasse e defendesse o
luteranismo, o princípio de obediência passiva indicava uma
ligação entre a fé reformada e o poder político dentro da unidade
política.

Sem os limites impostos pela Igreja cristã universal e pelo direito


canônico, os príncipes europeus (de modo distinto dos príncipes
renascentistas italianos) reuniram poder inédito em suas mãos.

Em suma, os príncipes dos territórios luteranos ganharam muito.


Dinheiro, com a tomada das terras que eram da Igreja de Roma;
Poder interno, pois seus súditos eram instados a respeitá-los e
obedecê-los pela hierarquia religiosa luterana; e Poder externo,
pois não estavam submetidos (como os príncipes pré-Reforma e
os príncipes católicos pós-Reforma) ao papa.
Calvinismo

Já as reformas mais ousadas de João Calvino (1509-1564)


provocaram reações mais violentas. Em termos políticos, a
principal mudança foi a defesa de que as próprias comunidades
protestantes teriam o poder de selecionar seus líderes religiosos. A
hierarquia da Igreja, bem mais rígida do que no luteranismo, seria
escolhida diretamente pelos fiéis.
Na prática, no entanto, como a reforma da religião era liderada
desde antes da luta política pelo poder por determinadas pessoas
(como o próprio Calvino), coube a estes a liderança religiosa.
Mais: como a ideia de predestinação implicava na existência de
eleitos, e, para todos os efeitos práticos, os calvinistas (e
especialmente no seu mais numeroso desdobramento, o
movimento puritano) se consideravam como tais, os líderes
religiosos passariam a constranger os líderes políticos. Igreja e
Estado seriam separados, mas o Estado estaria submetido às leis
da religião.
Resultado: Supostamente, as unidades políticas calvinistas eram
repúblicas. Na prática, eram teocracias.

Essa ideia foi estendida para a validação de que caberia aos


súditos escolher o seu líder político (ou, na prática, constrangê-lo a
atuar de determinada forma). Desde que prestasse obediência à
religião.
Contrarreforma

Em resposta ao luteranismo e ao calvinismo, a Igreja Católica


lançou a Contrarreforma, o que acabou por reforçar o isolamento
entre as unidades políticas católicas das protestantes. Deu atenção
à educação de religiosos e leigos; marcou mais detidamente as
diferenças teológicas com os reformistas evangélicos (veneração
mariana, a santos e relíquias), oficializou os textos
deuterocanônicos; corrigiu, criou e regulamentou as ordens
religiosas (jesuítas, capuchinhos, carmelitas descalças), etc..

Seu principal resultado institucional foi o Concílio de Trento (1545-


1563), que definiria, doutrinária e externamente, como seria a
Igreja Católica nos 400 anos seguintes.

Os príncipes católicos também passaram a ter mais poder do que


tinham antes da Reforma. Se estavam ainda oficialmente
submetidos ao papa em uma série de questões, o papa, por sua
vez, precisava do apoio destes príncipes católicos e passou a ser
mais benevolente. Na prática, os príncipes acabaram ganhando
maior autonomia.
Efeitos da Reforma e da Contrarreforma nas Relações
Internacionais - Guerras Europeias de Religião

O efeito da Reforma na legitimação dos Estados, e na relação


entre eles, foi o de compartimentar as unidades políticas. O fim da
horizontal cristandade ocidental não se deu pelo fenômeno
racional e político do Stato italiano, mas pela fé.

Esta divisão estática entre unidades políticas protestantes e


católicas não se deu de forma tranquila. Em quase todos os casos,
havia católicos e evangélicos convivendo lado a lado dentro de
uma unidade política. Isso provocou as Guerras Europeias de
Religião, com migração forçada de pessoas devido a sua fé.

O resultado das guerras foi a criação de territórios (cidades,


regiões, países) nos quais passou a haver uma denominação cristã
dominante. A experiência da guerra acabou com as estruturas
medievais então existentes (como o complexo compartilhamento
de poder da sociedade feudal), e a liderança política passou a
estar ligada à religião dominante no local.

Com isso, os “príncipes” que vencem a guerra se tornam, para


todos os efeitos práticos, “legítimos” (por terem a mesma
religião da população) e não mais precisam compartilhar seu poder
com outros nobres.
A resposta dos governantes

ESPANHA

Carlos V (1500-1558), um Habsburgo, assumiu o poder na


Espanha católica em 1516 (tornaria-se também imperador do
Sacro Império Romano-Germânico em 1519). Governo e Igreja
Católica reprimiram a oposição política e religiosa no país, que
acabara de terminar de expulsar os “mouros” e preocupava-se com
estabilidade interna. Repressão também ocorreu nos territórios
Habsburgos na Península Italiana.

Nas duas regiões a repressão provocou a fuga de opositores e não


gerou grande oposição violenta, permitindo aos Habsburgo
concentrar seu poder na tentativa de conquistar a hegemonia
europeia.
INGLATERRA

Os governantes ingleses decidiram não continuar católicos, mas


também não aderiram (num primeiro momento) à Reforma.

A criação da Igreja da Inglaterra (ou Anglicana) ocorreu em 1534,


depois que o rei Henrique VIII (1491-1547) tentou a anulação do
seu casamento com Catarina de Aragão para poder se casar com
Ana Bolena. O papa Clemente VII (um Médici, primo do papa Leão
X e responsável pela excomunhão de Lutero) se recusou a anular
o casamento, sob pressão do imperador do Sacro Império
Romano-Germânico Carlos V (que era sobrinho de Catarina).

Diante da recusa, Henrique VIII se vê diante da possibilidade da


instabilidade de seu reino. Entre seus descendentes legítimos
(dentro do casamento) ele tinha uma filha, Maria, (não filhos
homens - três meninos morreram com até 2 meses de idade, assim
como outra menina), que seria sua sucessora. Por ser mulher,
potencialmente sofreria resistência, o que poderia gerar
instabilidade futura na Inglaterra.

Diante deste quadro, ele decide criar uma religião nacional, a Igreja
Anglicana. Para evitar que qualquer outro líder estrangeiro viesse,
no futuro, a influenciar a estabilidade da Inglaterra, decidiu que ele
mesmo e todos os seus sucessores seriam os líderes da nova
Igreja da Inglaterra.
Desvinculada da Santa Sé, a Inglaterra decidiu também não apoiar
totalmente a causa protestante europeia – das igrejas cristãs que
surgem no século, a anglicana é a que possui menores distinções
canônicas em relação à católica.

A filha e segunda sucessora de Henrique VIII, a rainha Maria (entre


1553 e 1558), tentou reconduzir a Inglaterra ao rebanho católico e
se aliou aos católicos Habsburgos. Sua sucessora, Isabel I (filha de
Ana Bolena), retomou a linha de Henrique VIII.

HOLANDA

Metade norte dos Países Baixos adotou o calvinismo depois da


Reforma (depois uma versão menos “pura”, o arminianismo, que
discorda da predestinação). Esta região acabou por declarar
independência da Espanha e do Sacro Império Romano-
Germânico em 1581 com o nome de Províncias Unidas.

Ela flertou com princípios republicanos e federativos, mas acabou


por precisar de forte comando militar para resistir às investidas da
católica Espanha e passou a ser governada pela dinastia de
Orange.
FRANÇA

O Sul e o Oeste do país se tornaram fortemente calvinistas


(conhecidos como huguenotes da França). Aliaram-se com
nobres também convertidos e chegaram a dominar boa parte do
território do país.

No Norte e no Leste (e também Paris) o controle era católico,


contrarreformista, religião professada pela monarquia local.
Formado por nobres, foi criada a Liga Católica, que travou batalhas
contra os huguenotes e aceitava a hegemonia católica dos
Habsburgo – e criticava qualquer tentativa de acordo entre Paris e
os huguenotes.

Durante as décadas das guerras de religião na França, em vários


momentos os interesses da Liga Católica e de Paris não eram os
mesmos, o que levou a períodos em que houve três lados distintos
na guerra.

O rei Henrique II chegou a tentar formar aliança com os Habsburgo


para defender o catolicismo europeu, mas morreu antes de tratado
entrar em vigor. Sua mulher e regente (uma Médici de Florença)
buscou resolver a questão no estilo renascentista italiano:
enfraquecendo os lados mandando matar seus líderes.
Em 1589, Henrique IV (1553-1610), que já era rei de Navarra,
assumiu o trono. Calvinista, se converteu ao catolicismo (“Paris
vale uma missa”) para se tornar rei da França. Em 1598, com o
Édito de Nantes, termina com a guerra religiosa ao reconhecer os
huguenotes, concedendo autonomia territorial para os nobres
calvinistas.

Na política externa, abandonou aproximação com os Habsburgo


pregada pela Liga Católica. Entrou na não-oficial coalizão anti-
hegemônica ao lado da Holanda arminianista, dos príncipes
luteranos alemães e até do Império Otomano.

SACRO IMPÉRIO ROMANO-GERMÂNICO

Voltaire descreveu, no século XVIII, o Sacro Império Romano-


Germânico assim:

“Este aglomerado que foi chamado, e ainda chama a si próprio, de


Sacro Império Romano não foi nem sagrado, nem romano, nem
um império”. (para efeito estético, Voltaire não mencionou que o
termo “Germânico” – ou “da nação teutônica” - fora introduzido
oficialmente no nome do SIRG no século XV)

Não era um Estado, nem pretendia ser. Não fazia parte das
intenções do SIRG centralizar autoridade.

Havia 310 unidades políticas autônomas dentro do territórios do


Império, os chamados “senhores imperiais”.
Era o símbolo da ideia medieval da existência de apenas uma
cristandade universal. O SIRG considerava ser a continuação de
Roma - como imaginara seu fundador, Carlos Magno, no ano 800.

Seu líder era o único monarca com título de imperador, o que o


colocava acima de todos os demais reis (ou duques, condes...).

Pode ser descrito como um espaço legalmente constituído, uma


organização cujo objetivo era manter a lei e a paz dentro do
território do império.

Dentro do SIRG, mudanças de posse de terras só podiam


ocorrer por sucessão ou compra, e deviam ser aprovadas pelo
imperador.

A constituição do império constrangia as ações dos atores,


impedindo o crescimento de alguns Estados (mais poderosos) às
custas do território de outros (mais frágeis). Constrangia também
as ações dos príncipes em relação a outros príncipes e até mesmo
em relação a seus próprios súditos.

O SIRG promoveu a incorporação das elites germânicas no


processo político da Europa Central, regulamentando as interações
entre elas.

O imperador era eleito por apenas sete unidades políticas do


SIRG: o rei da Boêmia, o duque da Saxônia, o conde do
Palatinado, o marquês (margrave) de Brandemburgo; e os
arcebispos de Mogúncia (Mainz), Colônia e Trier.
Cerca de 30 anos de guerras religiosas fizeram com que os
príncipes do império, diante da ausência de perspectiva de um fim
na guerra, assinassem a Paz de Augsburgo em 1555. Este tratado
se baseia no princípio cujus regio, ejus religio (de quem é o reino,
sua religião). A religião do príncipe definia a religião oficial do
território.

Mapa da divisão religiosa: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/pdf/eng/Confessional%20Divisions


%201560.pdf

Com a Paz de Augsburgo, os governantes (tal como no ano de


1552) passaram a determinar a religião (católica ou luterana) de
seu território, e as pessoas de outra denominação podiam migrar
(de maneira organizada) para outra região que professasse sua
religião.

Vários príncipes cujos territórios estavam dentro da grande área do


Sacro Império Romano-Germânico (mais ou menos a Europa
Central de hoje) já tentavam importar para suas unidades políticas
as ideias do Stato italiano. Com a Reforma, as áreas germânicas
do império acabaram sendo divididas em dezenas de
principados autônomos.

Ocorre a conquista de grande autonomia, até por contarem com


um certo grau de assentimento popular. Mas não soberania, pois a
autoridade reconhecida ainda era o império.
http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/pdf/eng/Germany%201555%20Cities.pdf
Coalizão Anti-Hegemônica

Coalizão Anti-Hegemônica é uma aliança de unidades políticas


dentro de um sistema internacional contra um ator percebido
como muito mais poderoso que todos os demais
isoladamente.

Não requer raciocínio estratégico sofisticado (como o Equilíbrio de


Poder), mas pode colocar no mesmo lado de uma guerra até
mesmo inimigos tradicionais. A lógica é simples: caso seja
permitida a existência de uma potência hegemônica (um
hegemon), a sobrevivência de todas as demais unidades políticas
fica ameaçada.

Na Europa do século XVI dois campos claros foram criados: os


Habsburgos católicos, de um lado, e uma coalizão anti-
hegemônica de outro.

Nesta coalizão, países de confissões diferentes (católicos,


luteranos, calvinistas e até muçulmanos) se uniram. Já na política
interna não havia espaço para tolerância. Cada reino devia ter uma
religião.
A hegemonia dos Habsburgo

Os territórios dos Habsburgo estavam espalhados por diversas


regiões da Europa. Carlos V comandava diretamente Espanha,
suas colônias na América e boa parte da Itália, além de ser o
imperador do SIRG.

Ao longo do rio Danúbio havia vários principados de Habsburgos,


parte deles com o futuro imperador Fernando, irmão de Carlos V.

Entre os territórios Habsburgos estavam o reino (e eleitorado) da


Boêmia, o reino da Hungria (fora da área do Império) e a região da
Áustria, além da poderosa Espanha dos séculos XVI e XVII.
Em resumo, uma política de caráter continental, e não local,
praticamente era imposta aos Habsburgo.

Legitimidade e catolicismo

Para os Habsburgo, legitimidade e fervor religioso andavam lado a


lado. Carlos V não clamou para si o domínio direto por qualquer
território que não tivesse sido legitimamente herdado por ele.

Porém, amplos territórios concederam a ele poder hegemônico


sobre o continente. Para ele, isso seria positivo também para os
demais, pois haveria a tendência para uma estabilização da
Europa.

Mas a luta contra a “heresia” protestante dentro da cristandade e o


avanço do Islã com as conquistas otomanas na Europa (o primeiro
cerco de Viena ocorreu em 1529) o fez entrar em guerra contra a
coalizão anti-hegemônica. Ele queria uma Europa unida no
catolicismo (permitindo a continuidade das dinastias legítimas em
seus territórios) e lutando unida contra os otomanos.
CONCLUSÃO

O jogo de alianças europeu deu certa coerência às ações dos


países que faziam parte da luta contra a hegemonia dos
Habsburgo.

Mas a aliança não tinha intenção de formular uma ideia


permanente de equilíbrio de poder - o objetivo era conter os
Habsburgo, não criar regras para a divisão do poder na Europa.
Isso ficaria para o século seguinte.

LEITURA ADICIONAL:

MacCULLOCH, Diarmaid. The Reformation: A History. Nova York / Penguin Books, 2003.

BÍBLIA. Romanos 13, 1-7. https://www.bibliaonline.com.br/vc/rm/13

http://www.pr.gonet.biz/biblia.php

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