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O Concerto Europeu - parte 1

Depois das Guerras Napoleônicas, as grandes potências


decidiram criar um novo sistema para regular as relações entre
os Estados europeus.

Para tanto, era preciso manter o equilíbrio de poder entre os


integrantes do sistema. Mas agora também se torna necessária a
criação de mecanismos que tornassem possível tanto o combate
a novas rebeliões internas (como a Revolução Francesa) quanto
fazer isso impedindo que potências isoladas usassem tal ideia
como desculpa para invasões e engrandecimento próprio.

Criou-se o conservador Concerto Europeu, um sistema que,


baseado em valores políticos compartilhados, buscava
institucionalizar o sistema internacional europeu.

Hegemonia Coletiva
A expressão “Hegemonia Coletiva” pode parecer uma
contradição em termos. O “hegemon”, a potência hegemônica, só
pode ser uma, portanto não poderia ser uma coletividade.

Trata-se de uma iniciativa híbrida, que visa a institucionalizar o


que de proveitoso para a estabilidade do sistema pode ser
retirado tanto do equilíbrio de poder quanto da hegemonia.
De proveitoso na hegemonia, a possibilidade de ela se impor
diante de adversários menos poderosos, com isso mantendo o
sistema internacional estável, evitando alterações nas relações
de poder.

De proveitoso no equilíbrio de poder, a inexistência de apenas


um ator que se imponha aos demais, ameaçando a continuidade
de suas existências.

O arranjo entre as grandes potências europeias - Reino Unido,


Áustria, Rússia, Prússia e França - iniciado no Congresso de
Viena tinha como objetivo a estabilidade do sistema internacional
europeu.

Passou a haver dois níveis de interação entre os Estados.

● Equilíbrio de poder entre as cinco grandes potências, e


só entre elas

● Hegemonia destas, em concerto (em acordo), sobre os


demais Estados

O Congresso de Viena

Estadistas das quatro grandes potências vencedoras depois das


batalhas de Leipzig (outubro de 1813) e Waterloo (junho de
1815), e também da França, se reúnem entre setembro de 1814
e junho de 1815 para decidir o futuro do sistema internacional
europeu.
Se em algumas ocasiões reuniões internacionais que tinham
como objetivo “apenas” encerrar grandes guerras acabaram por
gerar desdobramentos significativos para as relações
internacionais (como a Paz de Vestfália ou o Tratado de Utrecht),
os estadistas reunidos em Viena tinham intenções mais
ambiciosas.

Se no passado as mudanças haviam ocorrido inadvertidamente,


agora o objetivo consciente era acabar com as guerras na
Europa e “mudar o mundo”.

A ideia não era “somente” dar um fim a 23 anos de guerras


revolucionárias e napoleônicas, mas reorganizar inteiramente as
interações entre os Estados no sistema internacional europeu,
impedindo a ocorrência de novas guerras que abalassem o
próprio sistema.

As principais decisões tomadas no Congresso de Viena foram:

Ajustes territoriais
Europa pós-Congresso de Viena.
https://www.the-map-as-history.com/Europe-19th-Congress-of-Vienna/1814-1815

A Prússia aumentou seu território na Europa Central; a Áustria


retomou terreno na Península Itálica; a Rússia conquistou terras
no território que fora da Polônia; a Holanda anexou a Bélgica. Foi
criado o Estado-tampão de Sardenha-Piemonte.
Mas, possivelmente, as alterações territoriais que teriam maiores
implicações políticas para o futuro da Europa seriam os ajustes
no território da França, a potência derrotada depois de mais de
duas décadas de guerras das quais foi protagonista.

Ao contrário do que seria o resultado “normal” (naquele tempo)


de um tratado de paz para uma guerra na qual Paris fora
derrotada, a França teve seu território pré-revolucionário quase
integralmente mantido, e foi admitida no novo Concerto Europeu.

Foram retirados da França praticamente apenas os territórios que


tinham sido anexados depois de 1792. Em outras palavras: o
território da França pré-revolucionária ficou quase que totalmente
intocado.

O representante francês, Talleyrand, foi uma peça fundamental


para tal decisão. Ele próprio foi um revolucionário (como ex-bispo
católico, foi o responsável pela “nacionalização” da Igreja na
França Revolucionária) e, depois de fugir durante o Terror, foi por
anos ministro do Exterior de Napoleão até afastar-se dele nos
últimos anos (e ter recebido propinas para dar informações
secretas para inimigos da França).

Talleyrand alegou no Congresso de Viena que a França não fora


responsável pelos mais de 20 anos de guerras. Na verdade,
segundo ele, ela fora a primeira vítima da Revolução. Ele
argumentou que responsabilizar a França monárquica da dinastia
Bourbon seria puni-la novamente.
Os representantes dos demais Estados, é claro, não acreditaram
nas palavras de Talleyrand, mas perceberam que, uma vez que o
objetivo não era punir a França, mas criar uma Europa estável,
melhor do que punir a França com anexações territoriais e
imposição do pagamento de reparações de guerra era criar um
contexto de estabilidade futura.

Se a ideia era preservar a estabilidade do sistema europeu,


buscou-se evitar o surgimento de uma França revisionista,
que buscasse mudar um contexto internacional que considerasse
injusto.

Confederação Germânica

De importância fundamental foi a reestruturação do território


alemão. Os mais de 300 pequenos Estados passaram a ser 39,
reunidos na Confederação Germânica.

Ou seja, em grande medida o Congresso de Viena manteve, com


alguns ajustes, a divisão territorial que fora imposta à Europa
Central por Napoleão (que criara a Confederação do Reno para
administrar mais facilmente a região). Os líderes do antigo SIRG,
que esperavam ver a volta de seus Estados, foram ignorados
pelas grandes potências vencedoras.
Diferentemente da Confederação do Reno napoleônica, a
Confederação Germânica incluía as duas potências germânicas
Áustria e Prússia, que se tornaram, na prática, os Estados líderes
deste arranjo diplomático. A lógica por trás da decisão era ter
uma barreira contra a possibilidade de a França voltar a ser, no
futuro, uma ameaça para a Europa Central. A Confederação
Germânica deveria funcionar, na prática (mas não oficialmente),
como uma aliança militar defensiva contra Paris. Oficialmente,
no entanto, não é mencionada a França como potencial
adversário - nenhum Estado é mencionado.

Ao mesmo tempo, a divisão em quase 40 Estados não permitiria


que a Confederação Germânica fosse ela mesma uma ameaça.
39 Estados podem lutar juntos numa guerra defensiva, mas é
virtualmente impossível que se tornem uma aliança ofensiva.
Como dividir os frutos conquistados numa guerra ofensiva por 39
aliados?

Novas alianças

Duas alianças entre grandes potências foram oficializadas


durante o Congresso de Viena, com integrantes semelhantes,
mas intenções bastante distintas.
Quádrupla Aliança

A primeira foi a aliança entre Reino Unido, Prússia, Rússia e


Áustria, muitas vezes chamada de Quádrupla Aliança.

A intenção óbvia (mas não definida oficialmente) era conter a


França, caso o país voltasse - ou desejasse voltar - a representar
uma ameaça para o sistema internacional europeu. Era, portanto,
uma aliança de caráter militar e campo de atuação bem definido.
Não era uma coalizão anti-hegemônica, pois a França não era
mais uma potência hegemônica.

A Quádrupla Aliança jamais saiu do papel - o que era exatamente


a sua intenção.

Em outras palavras: a intenção da Quádrupla Aliança não era


derrotar a França numa guerra, mas evitar que a França iniciasse
um nova guerra. Caso esta tivesse convicção de que seria
derrotada numa guerra contra uma aliança militar (já existente)
entre quatro grandes potências, sequer pensaria em começar
uma guerra.
Santa Aliança

A segunda aliança militar, e mais relevante para o funcionamento


do Concerto Europeu nas décadas vindouras, foi a Santa
Aliança, integrada por Rússia, Prússia e Áustria, as “Três Coroas
do Leste”.

Com a Confederação Germânica e a Quádrupla Aliança, um


possível reerguimento ameaçador da França parecia ter sido
contido. Mas o príncipe Metternich, estadista da Áustria no
Congresso de Viena, ainda percebia outro risco: ocorrerem novas
revoluções na Europa.

Durante o Congresso de Viena, o czar Alexandre I da Rússia


sugeriu que, para evitar que a Europa se visse desestabilizada
novamente por guerras revolucionárias, era preciso dar um
sentido “moral”, “cristão” à aliança.

A melhor forma de produzir uma aliança estável seria, segundo o


czar Alexandre, apelar para supostos princípios religiosos
cristãos - apesar da óbvia impossibilidade de tal coisa ocorrer:
não apenas porque a relação entre governos já se dava através
de mecanismos inteiramente laicos há quase dois séculos, mas
pelo fato de a Rússia ser ortodoxa, a Prússia ser luterana, a
Áustria ser católica, e o Reino Unido ser anglicano. Na França, a
religião já era politicamente irrelevante.
Sistema Metternich

O estadista austríaco Metternich apropriou-se do princípio


defendido pelo czar Alexandre I e o modificou, aproveitando a
estrutura da Santa Aliança para criar um sistema internacional
baseado na defesa do status quo externo e também interno.

Metternich percebeu que poderia instrumentalizar a Santa


Aliança para evitar o risco de novas iniciativas revolucionárias.

Ou seja, o “inimigo” não seria mais apenas um Estado que


invadisse outros. Movimentos internos revolucionários
passavam a ser considerados inimigos em potencial da
estabilidade do sistema internacional (não apenas uma ameaça
interna), portanto merecedores de ação concertada dos demais
Estados.

Metternich, para impedir que uma das grandes potências


pudesse conceder a si própria o dever (ou o direito) de preservar
o sistema agindo de forma unilateral contra movimentos
revolucionários em outros territórios (o que poderia, com o
tempo, criar zonas de influência indevidas), estimou que tal tipo
de ação bélica deveria ocorrer somente depois da aprovação
dos demais integrantes do Concerto Europeu.
Europa dos Congressos
Mas como verificar a aprovação de todas as grandes potências?
Partiu do Reino Unido a proposta de se realizarem congressos
sempre que um tema relevante para o sistema internacional
europeu surgisse. Nestes congressos, as potências decidiriam
qual ação deveria ser tomada para solucionar a crise.

Desta maneira, cada ação relevante teria de receber uma


aprovação formal das grandes potências, o que supostamente
concederia a ela “legitimidade” e, ao mesmo tempo, impediria
que alguma das potências procurasse crescer em poder relativo
através destas ações.

A França é convidada para participar destes encontros já no


primeiro congresso pós-Viena, em 1818. O Reino Unido deixa de
participar dos congressos oficialmente também em 1818, mas
participa de todos de forma ativa (apesar de fazer isso
extraoficialmente, nos bastidores).

Estratégias e condicionantes dos atores


Um dos aspectos mais brilhantes do Concerto Europeu foi criar
um contexto que não apenas garantia que o interesse geral,
“europeu” (na verdade, apenas das cinco potências), por
estabilidade fosse assegurado.
Para que a cinco potências aceitassem o novo arranjo
diplomático, era preciso que todas enxergassem nele seus
interesses individuais.

ÁUSTRIA

Considerava estar em posição demasiadamente exposta. Reino


Unido, França e Rússia tinham defesas naturais diante de
invasões. Ao lado da Prússia, a posição geoestratégica do
Estado o colocava diante do potencial de guerras em diversas
frentes simultaneamente.

Aliança com Rússia e Prússia (a Santa Aliança) se tornava


essencial. Também uma proximidade com Reino Unido para o
caso de uma guerra contra Rússia e Prússia (ainda em Viena,
Áustria, Reino Unido e França fariam um acordo secreto que
facilitaria uma ajuda mútua no caso de guerras ofensivas de
russos e prussianos).

Na metade do século, depois do afastamento de Metternich da


política, a Áustria definirá os Bálcãs como sua área de interesse
estratégico.
REINO UNIDO

Adotou a política conhecida como Isolamento Esplêndido.


Londres adotou princípio de não participar do dia a dia da política
europeia, apenas interferindo quando guerras se tornassem
iminentes ou já tivessem começado. Nessas ocasiões, Londres
aliava-se ao lado que considerava ser o mais fraco.

O interesse principal britânico na sua relação com as demais


potências europeias era impedir o surgimento de uma potência
hegemônica, pois apenas isso poderia ameaçar o Reino Unido.

O distanciamento ocorria diante do rechaço político interno aos


perigos tanto de enredamentos continentais ou de uma
unificação europeia.

Partiu do Reino Unido a proposta da criação da “Europa dos


Congressos”, o sistema de reuniões entre representantes das
grandes potências, com convites para participação de Estados
que estivessem diretamente envolvidos nas questões a serem
tratados no congresso específico.

Londres retira-se da Europa dos Congressos em 1818, mas


sempre participa como observador, tendo seus interesses
atendidos em termos práticos.
PRÚSSIA

Sua posição vulnerável fez com que Estado procurasse política


moderada num primeiro momento.

Uma vez conquistada uma posição estável, o Estado decidiu


investir na conquista do domínio da “Germânia” histórica, às
custas da Áustria.

RÚSSIA

Depois de um período inicial no qual houve uma defesa militante


de princípios supostamente “morais” (religiosos) na legitimação
da política externa europeia, Moscou optou por pensar em
termos estratégicos.

Objetivo mais claro era conquistar uma saída para o


Mediterrâneo, em sua busca por um porto de águas mornas (que
não congele no inverno). Com isso, os Bálcãs e as guerras
contra o Império Otomano se tornaram os principais pontos de
atrito com a Áustria e com o Reino Unido.
FRANÇA

O retorno da monarquia fez com que o Estado voltasse


rapidamente a ser aceito pelas demais potências (sob
desconfiança do Reino Unido). Isso ocorreria já em 1818.

A chegada de Luís Bonaparte (presidente em 1848, imperador


Napoleão III a partir de 1852) ao poder, e o apoio a movimentos
revolucionários na Itália, fez com o Estado novamente se
tornasse motivo de preocupação na Europa.

Congressos:

- Viena (1814-1815)

- Aix-La-Chappelle (Aachen ou Aquisgrão - 1818) – O retorno da


França à comunidade internacional europeia, com a retirada do
Reino Unido (este último passou a ter status de observador nos
demais congressos)

- Carlsbad (Karlovy Vary – 1819) – Repressão à propagação de


ideias liberais nas escolas e instituição da censura prévia na
imprensa na Confederação Germânica

- Troppau (Opava – 1820) – Protocolo de Troppau afirma que


Estados que sofram uma mudança de governo devido a uma
revolução serão excluídos do sistema e estarão sob ameaça de
ação militar dos demais Estados.
- Laibach (Ljubljiana – 1821) – “Legitima” a invasão austríaca de
Nápoles.

- Londres (1832) – Estabilização da Grécia enquanto uma


monarquia, depois da independência em 1829 e assassinato, em
1831, do líder local.

- Berlim (1878) – Reorganização dos Bálcãs, com


reconhecimento de independência de Sérvia, Romênia e
Montenegro.

Guerra da Crimeia (1853-1856)

Primeira guerra entre potências europeias desde as Guerras


Napoleônicas.

Avanços da Rússia sobre o então frágil Império Otomano fizeram


com que Reino Unido e França se unissem aos otomanos para
combater os russos. Áustria acabou por se alinhar aos Estados
que enfrentavam a Rússia.

A guerra acabou com a Santa Aliança, criando as condições para


a desestabilização do sistema das décadas de 1860 e 1870.

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