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Introdução às Relações Internacionais e Defesa

Orientações para a 2ª Prova (P2)

1) Dicotomia soberania estatal - anarquia internacional:


- Soberania estatal signi ca o monopólio legítimo da violência, para garantir internamente a e cácia
do ordenamento jurídico, com os objetivos de assegurar a defesa nacional e de promover o bem-
estar social coletivo.
- A soberania estatal só confere poder soberano para o Estado dentro de suas fronteiras.
- Não há um poder soberano supranacional (acima dos Estados) no sistema internacional
anárquico.
- Anarquia internacional signi ca, em última instância, ausência de um governo mundial.
- Segundo Stephen Krasner, Direito Internacional e Regimes Internacionais funcionam, mas
constrangem seletivamente os Estados.

2) Sistema Internacional e Sociedade Internacional:

- Sistema Internacional é o conjunto de Estados soberanos que dividem politicamente o


mundo, em um ambiente anárquico, no qual, muitas vezes, prevalece a descon ança recíproca.
- O conceito de Sistema Internacional confere ênfase à anarquia internacional, à ausência de um
governo mundial e à dimensão con itiva nas relações entre os Estados.

- Sociedade Internacional é o conjunto de Estados que estreitam suas relações com base em
valores e interesses comuns e, assim, promovem a cooperação internacional.
- O conceito de Sociedade Internacional confere ênfase aos interesses comuns e às possibilidades
de ganhos com a cooperação entre os Estados.
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3) Ordem Mundial:

- A ordem multipolar sugere a existência de múltiplos polos de poder organizando a política


internacional, mas é preciso cautela quando se menciona a existência de múltiplos polos de poder.
- Isto porque a sociedade internacional funciona de modo oligopólico, atendendo aos interesses de
poucos polos de poder, como o P5 (grupo dos cinco países com poder de veto no Conselho de
Segurança) ou o G7 (grupo das sete nações mais ricas que de nem os rumos da economia global).
- Apesar de todos os Estados serem iguais no plano formal; no campo material, os Estados são
muito desiguais e essa realidade se re ete na organização da sociedade internacional.
- Uma ordem multipolar não é sinônimo de uma ordem perfeitamente democrática próxima a uma
experiência de governo mundial.
- Uma ordem multipolar é, em última instância, uma ordem oligopólica, uma ordem com poucos
polos de poder.

- A ordem bipolar indica a existência de dois blocos de poder, como o americano e o soviético,
durante a Guerra Fria.
- A ordem bipolar não é imune à contestação, como qualquer outra ordem.
- Durante a Guerra Fria, houve resistência de alguns países periféricos ao alinhamento automático
tanto ao bloco do Primeiro Mundo capitalista quanto ao bloco do Segundo Mundo comunista.
- Em 1955, na Conferência de Bandung, alguns países periféricos lançaram a ideia de Terceiro
Mundo, nem capitalista, nem comunista. Eles denunciavam que essas ideologias só preveem ganhos
para o centro do poder, a partir da exploração de suas periferias.
- Em 1961, na Conferência de Belgrado, alguns países periféricos criaram o Movimento dos Não-
Alinhados.
- Os líderes desses movimentos de resistência periférica foram Gamal Abdel Nasser (Egito), Josip
Broz Tito (Yugoslávia), Sukarno (Indonésia), Jawaharlal Nehru (Índia) e Chu En-Lai (China).
- Eles defendiam que o real con ito não estava no eixo Leste-Oeste, Capitalista-Comunista, mas no
eixo Norte-Sul, Centro-Periferia, o que, portanto, ensejaria uma articulação diplomática dos países
da periferia para superarem essa condição estrutural.
- É a semente da ideia de Sul Global. Sul não como entidade geográ ca, mas como ideia de periferia
geopolítica.
- Em 1964, resultado dessas articulações, surge o G77, grupo de países em desenvolvimento
articulados para pautar os debates na Assembleia Geral das Nações Unidas. Atualmente, o G77
conta com 134 Estados, mas continua sendo chamado de G77.

- Império implica o domínio territorial por imposição militar e o domínio tributário por
cobrança direta de impostos.

- Hegemonia implica a combinação de ameaça de coerção com aceitação das regras


institucionais criadas pelo poder hegemônico.
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4) A Guerra do Peloponeso, a Paz de Westphalia, o Congresso de Viena, a Paz
de Paris e a Ordem de São Francisco e Bretton Woods

- A Guerra do Peloponeso, entre 431 e 404 aec, opôs duas cidades-Estado da Grécia Antiga:
Esparta e Atenas.
- Esparta era uma cidade-Estado com tradição militarista e um Exército muito forte em con itos
terrestres.
- Atenas era uma cidade-Estado rica, um importante centro comercial e nanceiro, em função do
seu poder marítimo. A força naval ateniense mostrava o quão estratégico era o poder naval para
uma potência com pretensões expansionistas.
- Depois de conquistar as cidades litorâneas do Império Persa e as ilhas do Mar Egeu, Atenas
começava sua expansão marítima para o resto do Mediterrâneo, planejando investidas sobre a
Sicília.
- A elite espartana estava receosa de que, em breve, com tamanho acúmulo de riquezas e de forças,
Atenas teria capacidade de subjugar Esparta, se assim o quisesse.
- A ascensão de Atenas despertou o medo em Esparta de que sua cidade-Estado deixaria de existir
de modo soberano.
- Esse medo fez com que Esparta iniciasse uma guerra preventiva contra Atenas, para prevenir que
Esparta não desaparecesse enquanto cidade-Estado independente.
- A Guerra do Peloponeso deixa como lição a Armadilha de Tucídides.
- A Armadilha de Tucídides é a di culdade de se superar o medo causado pela ascensão de outra
potência capaz de revisar a ordem vigente, o que desperta o desejo de se fazer uma guerra
preventiva, para garantir a manutenção da ordem em favor da potência satisfeita com o status quo.
- Tucídides achava que a guerra entre Esparta e Atenas era inevitável.
- A verdade é que, poucas vezes na história, a ordem mundial mudou a sua conformação sem uma
guerra para decidir o Estado (ou o grupo de Estados) que seria o dominante.
- A maior exceção da história talvez tenha sido o m da Guerra Fria sem uma guerra de fato entre
EUA e URSS.

- A Paz de Westfália, celebrada em 1648, marca o m das pretensões universais do Sacro


Império Romano Germânico e o início das relações entre Estados soberanos no continente
europeu.
- A Paz de Westfália sela o m da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e reconhece a
independência das Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda) e da Confederação Helvética
(Suíça), além de ter concedido mais autonomia para os principados germânicos, que já gozavam de
autonomia religiosa desde a Paz de Augsburgo de 1555.
- A Paz de Westfália é o nome dado para um conjunto de diplomas legais assinados entre as
Grandes Potências da época: o Império Espanhol (líder do Sacro Império Romano Germânico), o
Reino da Inglaterra, o Reino da Suécia, o Reino da França, além de os recém-independentes Países
Baixos e Confederação Helvética.
- A Paz de Westfália reúne os Tratados de Münster (1648), de Osnabrück (1648) e dos Pirineus
(1659).
- A Paz de Westfália marca o início do Sistema Internacional, com um conjunto de Estados
soberanos regidos pelo Direito Internacional, negociado pelos representantes diplomáticos de cada
Estado, sem um governo com pretensões mundiais, em um esquema de anarquia internacional.
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- O Congresso de Viena, concluído em 1815, marca o m da Guerras Napoleônicas
(1803-1815).
- O Congresso de Viena reuniu os soberanos dos Estados europeus e os nobres investidos de
cargos diplomáticos para restaurar a ordem europeia para o quadro que existia antes dos abalos
político-sociais trazidos pela Revolução Francesa.
- Os estadistas reunidos em Viena compartilhavam os mesmos valores conservadores de reação à
revolução e desejavam não somente restaurar a ordem pré-revolucionária, como também criar
mecanismos diplomáticos e militares para manter a ordem.
- Os valores defendidos em comum eram o princípio da restauração, o princípio da legitimidade, o
princípio do equilíbrio do poder e o princípio dos congressos.
- O princípio da restauração defendia que a ordem pré-revolucionária deveria ser restaurada,
inclusive com pretensões de retomar o colonialismo nas Américas.
- O princípio da legitimidade sustentava que as famílias reais que estavam no poder, antes de serem
substituídas por autoridades designadas por Napoleão, eram as legítimas herdeiras do trono
restaurado.
- O princípio do equilíbrio do poder alegava que a paz na Europa somente seria possível se os
príncipes e os seus conselheiros fossem minimamente razoáveis em seus interesses, não
desequilibrando a distribuição de forças no sistema europeu.
- A ideia de paz perpétua, desde o abade de Saint-Pierre até Immanuel Kant, se sustentava na ideia
de que os príncipes europeus eram aparentados, compartilhavam a mesma formação política e
religiosa e poderiam ajustar os seus interesses sem recorrerem à guerra.
- O princípio dos congressos cria um espaço de negociação diplomática com reuniões regulares ou
convocadas extraordinariamente em caso de alguma urgência internacional; embora, na prática, não
tenha havido muitas reuniões depois de 1815.
- Apesar de os representantes de todos os países da Europa Ocidental estarem reunidos em Viena,
a ordem construída pelo Congresso foi decidida pelas cinco Grandes Potências: Reino Unido,
Reino da Prússia, Império Austríaco, Império Russo e Reino da França, surgindo a ideia de P5, o
grupo dos cinco países mais poderosos.
- A Santa Aliança, que reunia as três monarquias absolutistas mais reacionárias: Reino da Prússia,
Império Austríaco e Império Russo, era uma aliança militar para reprimir qualquer movimento de
reivindicação de cidadania, como acabou acontecendo nas Ondas Liberais de 1820, 1830 e 1848.
- As trocas diplomáticas recorrentes, a partir de 1815, permitiram a conformação do chamado
Concerto Europeu, em que as potências europeias, negociavam suas pretensões internas e
externas (imperialistas) em bases razoáveis (para os europeus), como defendido pela tese da paz
perpétua.
- Com a exceção da Guerra da Crimeia, entre 1853 e 1856, não houve um con ito europeu
envolvendo as grandes potências.
- O Concerto Europeu foi algo tão extraordinário que nunca os países europeus caram 100 anos
em paz. A título de comparação, apenas em 2045, a Europa contemporânea vai se igualar a Europa
da Belle Époque, mesmo considerando a atual Guerra da Crimeia iniciada em 2014. Os ditos
“civilizados” são tão bárbaros quanto todos os demais, só que com mais dinheiro pilhado de suas
colônias.
- O Congresso de Viena, de 1815, marcou o início da Sociedade Internacional, com a reunião de
potências em torno de interesses comuns, compartilhando valores e princípios de como estruturar
a ordem mundial, tendo conformado o chamado Concerto Europeu, que levou, de forma geral, paz
para a Europa por um século, de 1815 a 1914.
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- A Paz de Paris, de 1919, ensinou que a ordem a ser construída após uma grande guerra não
pode deixar de fora as grandes potências, não pode abrir mão de instrumentos coercitivos para
impôr as resoluções colegiadas e não pode impôr uma Paz Cartaginesa ao derrotado, para evitar o
revanchismo.
- Embora tenha falhado em evitar a eclosão de uma outra guerra mundial, a Paz de Paris deixou um
legado institucional que mantém-se de pé até hoje.

- A Ordem de São Francisco e Bretton Woods, de 1945, inaugura a forma hegemônica de


domínio internacional.
- Hegemonia implica combinação de coerção com aceitação.
- A ameaça de coerção se dá em razão da assimetria de poder militar do Hegemon em relação a
todos os outros Estados do sistema internacional, apesar do empate virtual criado pelas armas
nucleares.
- A aceitação das regras institucionais criadas pelo Hegemon se dá em razão do espaço para
negociação diplomática que existe dentro das organizações internacionais.
- A ordem de São Francisco e Bretton Woods aproveitou o arcabouço jurídico e institucional da
Sociedade das Nações, criada em 1919, mas deu uma roupagem mais pragmática para essa
estrutura.
- A Sociedade das Nações era criticada por ser “toothless”, sem dentes para morder quem
descumprisse as ordens emanadas pela Sociedade das Nações.
- A medida mais realista da Carta de São Francisco foi criar o Conselho de Segurança, reunindo as
cinco maiores potências do sistema internacional, com capacidade de emitir resoluções
mandatórias.
- As resoluções decididas pelo Conselho de Segurança podem ser implementadas via intervenção
militar multilateral, dentro das regras estabelecidas no capítulo VII, da Carta de São Francisco, que
os demais Estados aceitam ao entrar na ONU.
- A ordem de São Francisco e Bretton Woods, de 1945, inaugura a forma hegemônica de domínio
internacional, em que o Hegemon combina ameaça de coerção com oferta de regras institucionais
interessantes aceitas pelos demais Estados.
5) Teses sobre a Ordem Mundial Contemporânea:

- Francis Fukuyama, em seu artigo “O m da história”, de 1989, sustenta a crença em que a


humanidade, ao nal da Guerra Fria, teria atingido o seu ápice político com a vitória do modelo de
governo das democracias liberais.
- Fukuyama resgata o ideal hegeliano de que o “ m da história” seria alcançado quando a
humanidade gozasse de igualdade jurídica e de liberalismo político.
- Fukuyama retoma a história do século XX, para argumentar que, primeiro, o liberalismo e o
comunismo derrotaram o fascismo na II Guerra Mundial, e, depois, o liberalismo derrotou o
comunismo na Guerra Fria, indicando a chegada da humanidade ao “ m da história”.
- Acadêmicos menosprezaram a tese de Fukuyama, a rmando que nunca será o m da história. O
motor da história é o con ito de interesses. Toda ordem é injusta, logo toda ordem será
contestada. Nunca será o m de uma história de disputas políticas. Nunca terá nascido o último
homem a ter visto a guerra pela última vez. Nenhuma paz será perpétua.
- Apesar da crítica intelectual, a tese de Fukuyama foi recebida com entusiasmo pelos
comentaristas midiáticos, que usaram a ideia para legitimar o apelo à adesão ao receituário
neoliberal, sintetizado no Consenso de Washington.
- O termo neoliberalismo é um engodo, porque as teses liberais carregam um amplo repertório de
práticas legítimas. Neoliberalismo é um eufemismo para o ultracapitalismo.
- A tese do m de uma história de guerras com a vitória do modelo das democracias liberais do
Fukuyama não foi ingênua.
- O entusiasmo em aderir às instituições liberais ocidentais permitiu expandir a UE e a OTAN para
o Leste Europeu, o Báltico, os Bálcãs e tentaram até mesmo o Cáucaso.
- Originalmente, Fukuyama publicou o artigo intitulado “O m da história”, na revista The National
Interest, em 1989. Com o sucesso midiático, ele ampliou o artigo, publicando o livro “O m da
história e o último homem”, em 1992.

- Samuel Huntington, em seu artigo “Choque de Civilizações”, de 1993 , em resposta a euforia


liberal, concorda que a era das guerras com base em ideologias tenha sido superada, mas não
acredita que seja o m de uma história de guerras; ao contrário, defende que as guerras
retomariam os seus sentidos mais primários, com base na identidade civilizatória, na cultura e na
religião.
- A tese de Huntington foi criticada por todas as correntes teóricas, a rmando que sua tese era
reducionista. A população mundial hoje é muito miscigenada, híbrida culturalmente e relativizadora
de valores fundamentais, assumindo religiões e culturas de modo à la carte, a gosto do freguês, sem
nenhum grande compromisso pessoal com os princípios defendidos.
- Os críticos de Huntington argumentam que, com a globalização, diferentes culturas coabitam
diversos espaços civilizacionais simultaneamente e que nenhuma civilização estaria impermeável a
in uência cultural de outra matriz civilizacional, principalmente a ocidental, com o seu arsenal (mais
destrutivo que o bélico) de cinema, séries, entretenimento, games e redes sociais.
- Inicialmente, Huntington publicou o artigo “Choque de Civilizações”, na revista Foreign Affairs, em
1993. Com o grande impacto (mais negativo do que positivo), ele ampliou sua tese, lançando o
livro “Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial”, em 1996.
- Os atentados às Torres Gêmeas, em 2001, por fundamentalistas islâmicos, alçaram Huntington a
status de profeta incompreendido.
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- John Mearsheimer, em seu livro “A Tragédia da Política das Grandes Potências”, de 2001,
apresenta o Realismo Ofensivo, teoria que argumenta que toda grande potência deve aproveitar
qualquer brecha para expandir o seu poder a m de sustentar seu status de grande potência, que é
mantido tragicamente às custas das guerras.
- A expansão americana, liderando o bloco ocidental, via UE e OTAN, para as antigas áreas de
in uência de potências rivais foi um projeto deliberado de realismo ofensivo, conquistando as
brechas de poder deixadas por rivais momentaneamente fragilizados.
- Publicado em 2001, mas escrito antes dos atentados de 11 de setembro, Mearsheimer é mais um
a criticar o “ m da história”, mas, ao contrário de Huntington, apresenta uma sólida teoria do tipo
problem solving theory, que oferece importantes insights para os estadistas das grandes potências.

- Joseph Nye Jr, em seu livro “O futuro do Poder”, de 2011, defende que o poder global está
em transição e em difusão.
- O poder global estaria em fase de transição, porque a área mais estratégica do globo deixaria de
ser o Atlântico Norte, na ligação entre EUA e Europa, e passaria a ser o Pací co, conectando EUA,
Rússia, Coreia, Japão, China, Austrália…

- Nye ressalta também que o poder global estaria se difundindo entre diferentes atores,
principalmente no espaço cibernético, com big techs e hackers.
- Apesar dessa difusão ainda incerta do tabuleiro cibernético, o poder econômico estaria
visivelmente mais difuso, com a grande presença nos mercados globais não apenas de países ricos
do G7, como também dos países emergentes do G20.
- Sendo notável a articulação chinesa em torno da Nova Rota da Seda, o que evidencia não apenas
a difusão do poder econômico, mas também a transição para o Pací co.

- Nye, assim com já tinha feito em “O Paradoxo do Poder Americano”, destaca que, apesar da
assimetria do poder militar americano em relação aos demais Estados ser grande, os EUA
deveriam priorizar o uso do poder inteligente, combinando coerção com aceitação, porque o uso
indiscriminado de poder bélico, paradoxalmente, tem o potencial de diminuir o poder americano,
porque cria um sentimento global anti-hegemônico.
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6) Segurança e Liberdade

- Segurança é um conceito relacional porque a percepção de segurança se relaciona com


três variáveis simultaneamente: ameaça, vulnerabilidade e liberdade.
- Ameaça é ação, omissão ou intenção que intimida. Algumas fontes de ameaças que colocam o
Estado em risco podem ser perigo de ataque militar, coerção política e embargo econômico.
- Vulnerabilidade é o estado do que se encontra desprotegido. Algumas vulnerabilidades que
fragilizam o Estado podem ser porosidade das fronteiras, escassez de recursos e capacidade militar
limitada.
- Ameaça e vulnerabilidade se relacionam com segurança de modo negativo, ou seja, quando se tem
muitas vulnerabilidades ou quando existe uma grande ameaça iminente então a sensação de
segurança será pequena. O contrário também é válido, quanto se tem poucas ameaças e poucas
vulnerabilidades, a sensação de segurança é grande.
- Já liberdade se relaciona com segurança de forma ambígua.

- Quando se trata da percepção individual, segurança e liberdade se relacionam


positivamente.
- A liberdade que o sujeito desfruta é proporcional à sua sensação de segurança; bem como, a
percepção de segurança pode ser sentida pelo grau de liberdade com que o sujeito manifesta os
seus interesses e faz as suas escolhas.
- A ONU estabelece que a segurança humana está positivamente relacionada com a liberdade e
reforça que a liberdade tanto deve ser liberdade do medo quanto deve ser liberdade de querer.
- Liberdade do Medo trata dos sintomas da insegurança, ao conter o alcance da violência, ao
proteger os direitos e ao garantir um padrão mínimo de qualidade de vida, ou seja, ao reduzir o
medo que limita uma vida digna.
- Liberdade de Querer trata das fontes da insegurança, ao empoderar os sujeitos mais
vulneráveis e ao promover o desenvolvimento e a justiça, ou seja, ao ampliar as possibilidades de
desejo.

- No entanto, quando se trata da percepção coletiva de segurança entre dois sujeitos


diferentes, de fato, a plena liberdade de um sujeito pode representar uma ameaça, ainda que não
intencional, à segurança de outro sujeito.
- Nesse caso, segurança e liberdade se relacionam negativamente.
- A liberdade de um termina onde começa segurança do outro.
- É preciso renunciar à plena liberdade para que uma pessoa não seja uma ameaça a outra pessoa,
mesmo que sem querer.
- Entender a plena liberdade como ameaça não é o mesmo que defender a tirania, mas é entender
que todo direito é limitado, inclusive o direito à liberdade.
- Por exemplo, se uma pessoa é condenada por um crime, ela pode ter sua liberdade de ir e vir
retirada enquanto cumpre a pena.
- Outro exemplo: a liberdade de expressão deve circunscrever a fala aos limites do respeito aos
direitos humanos.
- Segundo Sigmund Freud, civilização depende de castração da liberdade total e de doses enormes
de hipocrisia, para recalcar os instintos bárbaros que querem se manifestar.

- Em tempos de normalidade, há muitas disputas políticas para se ampliar as liberdades individuais


em detrimento das preocupações com a segurança coletiva.
- Em tempos extremos, o direito à segurança coletiva parece ser um bem maior que o direito à
liberdade individual, pois os homens podem ser convocados pelas Forças Armadas para morrerem
numa guerra em defesa da segurança coletiva do seu povo.
- Segundo Zygmunt Bauman, segurança sem liberdade é escravidão; e liberdade sem segurança é
caos.
- Bauman tinha razão quando disse que o maior desa o das sociedades, em todos os tempos, é
encontrar o equilíbrio entre segurança e liberdade.
- Esse equilíbrio é sempre imperfeito, portanto sempre sujeito à contestação, mas preservar a
normalidade institucional acaba sendo fundamental para garantir, ainda que de modo imperfeito,
segurança e liberdade.

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7) Segurança e Defesa

- Segurança é a sensação subjetiva de sentir-se livre para realizar seus interesses e de sentir-se
invulnerável a ameaças físicas, psicológicas, políticas e nanceiras.

- Segurança Nacional é a percepção política coletiva de um Estado sobre a sua condição de


segurança, que re ete a existência de ameaças à sua autonomia interna e à sua soberania externa.
Essa percepção coletiva varia de acordo com o complexo regional de segurança em que esse
Estado está inserido e varia de acordo com a posição relativa desse Estado dentro do cálculo
político dos interesses estratégicos globais em disputa pelas grandes potências.

- Defesa é a política pública, orientada pelos princípios políticos fundamentais de uma sociedade,
para promover o nível de segurança nacional desejável pelo Estado, ao garantir a soberania política,
a integridade dos recursos e a liberdade da população.
- O Estado, para assegurar a sua Defesa, estabelece estratégias que garantam, oportunamente, a
mobilização das capacidades humanas e dos recursos materiais nacionais necessários para a
manutenção da paz e para o esforço de guerra, quando no caso de legítima autodefesa.
- A de nição das prioridades políticas e estratégicas da Defesa é de nida pela sociedade, por meio
de suas representações políticas e institucionais.
- As Forças Armadas continuarão sendo importantes atores na formulação dos objetivos políticos
de Defesa, mas outros atores sociais estratégicos deverão participar da elaboração da Política de
Defesa Nacional.
- A operacionalização da Defesa ca a cargo das Forças Armadas.

- O Paradoxo da Defesa é a constatação de que todos os Estados a rmam se armar para


garantir a sua legítima autodefesa, mas a consolidação dos mecanismos de defesa aumenta a
sensação de segurança e reforça a percepção de indefectibilidade, logo instiga o ímpeto de ataque
e de expansão do poder.
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8) Politização, Securitização e Militarização

- Politização é a transformação de um assunto da vida social em tema de disputa política por


diferentes grupos de interesse, exigindo tanto decisão governamental quanto alocação de recursos.
- São exemplos de pautas sociais coordenadas pelo poder público: políticas de educação, de saúde,
de bem-estar social, de transportes, de infraestrutura…
- Certos temas da vida social deveriam ser de foro íntimo das pessoas, devendo o Estado apenas
garantir a segurança e a saúde das pessoas que tivessem preferências minoritárias ou demandas
particulares, como as questões sobre sexualidade, modelo de família, direito reprodutivo da
mulher… mas esses temas de foro íntimo acabaram sendo instrumentalizados politicamente para
acirrar o debate em torno da pauta de costumes que tanto engajamento exerce na opinião pública,
carreando votos de um lado e de outro, e dividindo a sociedade como um todo.

- Securitização é a constatação de que um determinado tema passa a ser prioritário para a


sociedade, porque pode colocar os cidadãos em risco, o que suscita a coordenação de esforços de
alto nível em diferentes áreas e demanda o uso de medidas extraordinárias.
- Por exemplo, segurança energética, segurança econômica, segurança alimentar, segurança
ambiental, segurança sanitária…
- Há vários episódios – como enchentes, secas, queimadas, endemias e outras calamidades públicas
– em que o auxílio das forças armadas no salvamento e no resgate, na construção de pontes
provisórias, na aplicação de vacinas e em outras atividades emergenciais são essenciais para
restaurar a ordem social, mas tratam-se de atividades subsidiárias das forças armadas e não sua
atividade precípua: a defesa nacional.

- Militarização é a condução de tema político securitizado pelos setores militarizados da


sociedade: especialmente, as Forças Armadas e, de modo auxiliar, as Polícias Militares.
- A defesa nacional em estado de guerra é o exemplo clássico de atividade militarizada.
- A condução do estado de sítio e do estado de defesa também costumam invocar a militarização
da sociedade.
- Durante muito tempo, os governadores delegaram poderes plenos às forças policiais para
executarem as políticas de segurança pública, por se tratar de um tema que sensibiliza a opinião
pública e atrai críticas de todos os espectros políticos.
- No entanto, nos últimos anos, a segurança pública tem sido pensada a partir de uma maior
integração com outras políticas públicas, o que reduz, pelos menos parcialmente, a militarização da
segurança pública.
- Apesar do esforço de maior integração de políticas sociais com segurança pública, a explosão de
violência nas periferias das megalópoles empobrecidas tem exigido maior militarização da
condução da segurança pública, emergindo, inclusive, o conceito de novíssimas guerras.
- É importante destacar que, mesmo quando os militares estão no comando de atividades muito
sensíveis, as ações desenvolvidas pelos militares devem seguir às orientações estratégicas da alta
política e devem obedecer os preceitos constitucionais.
9 e 10) Tipos de Segurança

- Segurança é uma sensação subjetiva porque a percepção de segurança depende de qual


sujeito está-se referindo.
- Os sujeitos de segurança a serem protegidos podem ser indivíduos, grupos sociais, Estados-
nacionais, regiões geográ cas e mesmo o globo como um todo.

- Quando os sujeitos de segurança forem os indivíduos, a agenda de pesquisa concentra-se na


segurança humana.
- Segurança Humana tem por objetivo a proteção das pessoas em uma agenda ampliada de
segurança.
- Trata-se da securitização de diversos temas que colocam em risco a vida das pessoas.
- A agenda de Segurança Humana aborda temas como segurança econômica,
segurança alimentar e segurança pessoal.
- Segurança Econômica busca garantir condições laborais dignas, relações de
trabalho justas, melhor distribuição de renda e renda mínima para os membros economicamente
ativos das famílias.
- Segurança Alimentar procura garantir aos indivíduos o acesso aos alimentos
básicos, que forneçam uma dieta nutritiva diariamente.
- Segurança Pessoal visa à proteção contra violência física e psíquica sofrida
particularmente por grupos vulneráveis, discriminados ou minorias, como mulheres, crianças,
negros, minorias étnico-religiosas e comunidade LGBTQIA+.

- Quando os sujeitos de segurança forem grupos sociais, a agenda de pesquisa concentra-se na


segurança comunitária e na segurança política.

- Segurança Comunitária tem por nalidade proteger os valores, as práticas e as


identidades culturais de povos indígenas e comunidades tradicionais, ao criar condições para sua
preservação e reprodução, mas sem isolar essas comunidades de eventuais benefícios que a vida
urbana possa proporcionar, se esses grupos assim o desejarem.

- Segurança Política tem por nalidade criar condições para o pleno exercício da
cidadania, para isso, precisa conservar o Estado Democrático de Direito e preservar as instituições
multilaterais.

- Quando o sujeito de segurança for o Estado-nação, a agenda de pesquisa concentra-se na


segurança nacional, na segurança pública e na segurança intraestatal.

- Segurança Nacional é a razão de ser do Estado.


- Em uma perspectiva bastante realista, a função principal do Estado é sobreviver no
sistema internacional anárquico, tendo por m a garantia da soberania política, a integridade dos
recursos e a liberdade da população.

- Segurança Pública busca a preservação da ordem pública, a proteção das pessoas e a


incolumidade do patrimônio.
- A manutenção da ordem se dá por meio da força policial e da justiça penal.

- Segurança Intraestatal empenha-se no controle de ameaças internas contra as


Novas e as Novíssimas Guerras.
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- Quando o sujeito de segurança for uma região geográ ca, a agenda de pesquisa concentra-se
na segurança regional, na segurança comum e na segurança transnacional.

- Segurança Regional concentra-se nas dinâmicas de disputa pelo poder em cada


Complexo Regional de Segurança.
-O conceito de Complexo Regional de Segurança foi elaborado por Barry Buzan e Ole
Waever, em Regions and Power, de 2003.
- A sensação de segurança depende muito mais da percepção de ameaças no âmbito local
do que no global.

- Segurança Comum busca a criação de uma identidade de segurança comum entre


Estados em torno de uma Comunidade de Segurança.
- A Comunidade de Segurança tenta emplacar a ideia de que os recursos de poder de um
Estado não são uma ameaça para os outros Estados-membro dessa Comunidade; ao contrário,
esses recursos de poder podem ser encarados como recursos a serem empregados para a defesa
da Comunidade como um todo caso necessário.

- Segurança Transnacional preocupa-se com os uxos ilícitos que atravessam as


fronteiras nacionais sem o controle efetivo das autoridades públicas dos Estados envolvidos.
- O combate ao crime organizado transnacional exige medidas de cooperação entre os
diferentes Estados envolvidos.

- Quando o sujeito de segurança for o globo como um todo, a agenda de pesquisa concentra-se
na segurança coletiva, na segurança ambiental e na segurança sanitária.

- Segurança Coletiva é o pacto de proteção mútua em caso de um eventual ataque a


um país membro de uma aliança de segurança coletiva.
- A ONU é essencialmente uma organização intergovernamental de garantia da segurança
coletiva.
- Essa promessa de resposta coletiva a agressões a algum membro da aliança incentiva a
adesão de mais países às regras dos regimes de governança criadas multilateralmente pelos
governos dos Estados e exige dos Estados-parte a renúncia da força nas relações internacionais.

- Segurança Ambiental pretende mitigar os efeitos catastró cos das mudanças


climáticas em função da degradação ambiental provocada pela intervenção humana no meio
ambiente, garantindo a preservação dos recursos para as gerações futuras.

- Segurança Sanitária busca proteger indivíduos e comunidades de doenças endêmicas


e proteger o globo contra pandemias. Essas crises demandam investimento em ciência, o abandono
da lógica de mercantilização da saúde e a coordenação estatal e multilateral de políticas públicas
universais na área de saúde.
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