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PSI COLOGI A SOCI AL

A Ex pe r iê n cia do Espe ct a dor : Re ce pçã o, Au diê n cia ou


Em a n cipa çã o?

Th e Spe ct a t or 's Ex pe r ie n ce : Re ce pt ion , Au die n ce or


Em a n cipa t ion ?

La Ex pe r ie n cia de l Espe ct a dor : Re ce pción , Au die n cia o la


Em a n cipa ción ?

Fa bio M on t a lvã o Soa r e s*


Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Vir gín ia Ka st r u p* *
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

RESUM O
O art igo propõe um a discussão t eórica sobre o est at ut o da experiência do
espect ador no cinem a, baseando- se no conceit o de em ancipação int elect ual
form ulado por Jacques Rancière ( 2008) . Part indo dos est udos sobre
recepção, realiza um a crít ica ao problem a relat ivo à passividade do público,
enfat izando a perspect iva do espect ador em ancipado. Ao dest acar que a
discussão sobre a experiência se lim it a, no âm bit o desses est udos, à análise
do com port am ent o do público, inferida a part ir de índices de audiência, o
t ext o at ent a para o fat o de não se considerar a dim ensão processual e
corporificada ( Varela, Thom pson, & Rosch, 1991) , sendo o com port am ent o
algo da ordem dos efeit os do que da experiência em si m esm a. Conclui
ainda que os est udos sobre recepção não dão cont a do problem a da
experiência do expect ador de m odo sat isfat ório. Nest e sent ido, a
em ancipação surge com o possibilidade de afirm ação de um a concepção
corporificada da experiência, que deverá ser obj et o de invest igação em
est udos em píricos fut uros.
Pa la vr a s ch a ve : espect ador, experiência, em ancipação, cinem a.

ABSTRACT
The art icle proposes a discussion on t he st at ut e of t he spect at or’s experience
in cinem a, based on t he concept of int ellect ual em ancipat ion form ulat ed by
Jacques Rancière ( 2008) . From of t he recept ion st udies, was m ade a crit ique
of problem of t he public passivit y, em phasizing t he perspect ive of t he
em ancipat ed spect at or. To em phasize t hat t he discussion about t he
experience is lim it ed, in t he cont ext of t hese st udies, t o an public behavior
analysis, inferred from audience rat ings, t he t ext draws at t ent ion t o t he fact
t hat t heir procedural and em bodied dim ension ( Varela, Thom pson , & Rosch,
1991) is not considered, being t he behavior, som et hing of t he order of
effect s, t han of t he experience it self. I t also concludes t hat t he st udies on
recept ion are not enough t o address t he problem of experience of viewer
sat isfact orily. Consequent ly, t he em ancipat ion arises as a possibilit y for

I SSN 1808- 4281


Est udos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v. 15 n. 3 p. 965- 985 2015
 
Fabio Mont alvão Soares, Virgínia Kast rup  

research a concept ion of em bodied experience, which should be t he subj ect


of research in fut ure em pirical st udies.
Ke yw or ds: spect at or, experience, em ancipat ion, cinem a.

RESUM EN
El art ículo propone una discusión sobre el est at ut o de la experiencia del
espect ador del cine, basando en el concept o de la em ancipación int elect ual
form ulado por Jacques Rancière ( 2008) . A part ir de los est udios de
recepción, él hace una crít ica al problem a de la pasividad del público,
enfat izando la perspect iva del espect ador em ancipado. Dest acando que la
discusión acerca del experiencia es lim it ada, en est e t ipo de est udios, en el
análisis de com port am ient o del público inferidas a part ir de los índices de
audiencia, el t ext o llam a la at ención sobre la falt a de consideración de su
dim ensión procesal y corporal ( Varela, Thom pson, & Rosch, 1991) , t eniendo
en cuent a el com port am ient o com o algo del orden de los efect os en lugar de
la propia experiencia. Tam bién concluye que los est udios sobre la recepción
no son suficient es por abordar el problem a de la experiencia del espect ador
sat isfact oriam ent e. En consecuencia, la em ancipación aparece com o una
posibilidad para la invest igación de una experiencia encarnada, que será
obj et o de invest igación en fut uros est udios em píricos.
Pa la br a s cla ve : espect ador, experiencia, em ancipación, el cine.

1 I n t r odu çã o: da Re ce pçã o à e spe ct a t or ia lida de

O t erm o espect ador cost um a ser at ribuído, no cam po das pesquisas


sobre o audiovisual e produção de subj et ividades, à pessoa que
int erage com os disposit ivos m idiát icos e art íst icos os m ais variados.
Ele designa, por exem plo, aquele que ordinariam ent e assist e a um
program a t elevisivo, visit a um m useu ou um a galeria de art e, j oga
videogam es e se conect a as redes sociais, assist e a um a peça de
t eat ro ou a um a obra audiovisual em um a sala de cinem a.
Poderíam os supor, levando em cont a seu uso at ual, referir- se ao
conj unt o de indivíduos que, por m eio dos m ais variados m odos,
int eragem com o universo das im agens produzidas no cont ext o de
diferent es disposit ivos art íst icos e t ecnológicos.
At ualm ent e, no t erreno do audiovisual e especificam ent e no cinem a,
os est udos sobre o espect ador vêm dando dest aque a seu papel at ivo
na int eração com as obras, o que t em gerado um am plo debat e em
relação ao est at ut o de sua at ividade/ passividade. De acordo com
St am ( 2000) , a espect at orialidade diz respeit o ao cam po dedicado
aos est udos e pesquisas volt adas ao espect ador. Em se t rat ando de
t eoria do cinem a “ não seria t ot alm ent e corret o falar em nascim ent o
do espect ador, um a vez que ela sem pre dedicou at enção à quest ão
da espect at orialidade” ( St am , 2000, p. 255) . A análise da
espect at orialidade invest iga os agenciam ent os e t ensionam ent os
produzidos no plano das relações ent re os disposit ivos, os discursos e
o cont ext o hist órico que m oldam o espect ador e a própria obra
cinem at ográfica. Para est udiosos com o Mascarello ( 2001; 2004) ,

Est ud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 965- 985, 2015. 966 
Fabio Mont alvão Soares, Virgínia Kast rup  

hist oricam ent e as pesquisas sobre espect at orialidade são herdeiras


dos est udos sobre recepção, t radicionalm ent e concent rados no cam po
da t elevisão. A recepção é ent endida, de acordo com Orozco ( 2001) ,
com o um processo m ediado por diversos m eios e font es e
cont ext ualizado m at erial, cognit iva e em ocionalm ent e, desdobrando-
se num a com plexidade de cont ext os e cenários, nos quais se incluem
as “ est rat égias e negociações dos suj eit os com as referências
m idiát icas das quais result am apropriações variadas que vão, desde a
m era reprodução at é a resist ência e sua cont est ação” ( Orozco, 2001,
p.23) .
Para Mascarello ( 2004) , os est udos sobre recepção cinem at ográfica
são fort em ent e influenciados pela lógica do que denom ina com o
det erm inism o t ext ual. Est e post ula a redução da relação cinem a
popular/ espect ador à condição de um event o det erm inado
especificam ent e pelo t ext o fílm ico, em det rim ent o do cont ext o
hist órico e do espect ador concret o, considerando- o, nest e sent ido,
t ot alm ent e passivo. Herdeira de um a t radição inspirada na crít ica de
Brecht ( 1964) , nos est udos sobre sem iologia de Bart hes ( 1964) e
post eriorm ent e, na int erpret ação de cunho psicanalít ico de Met z,
( 1980) a principal ideia dessa vert ent e é a de que a est rut ura
narrat iva das obras cinem at ográficas segue as prem issas do discurso
t ext ual, que at ua aí com o m odelo de referência. Cabe salient ar que o
det erm inism o t ext ual foi a concepção dom inant e nos est udos sobre
recepção, surgida no cont ext o do Modernism o Polít ico 1 , m ovim ent o
que ganhou not oriedade no final da década de 60 e durant e a de 70.
Gom es ( 2005) apont a o aspect o de passividade com o caract eríst ica
m arcant e e present e, t ant o no plano da obra, quant o no do
espect ador. A aut ora dest aca que “ as análises t ext uais explicam o
obj et o gerando int erpret ações a part ir dele ( ...) . Est as análises
ret iram o t ext o ( e a recepção, por consequência) da hist ória, ou sej a,
rem ovem o t ext o de seu cont ext o” ( Gom es, 2005, p. 1143) . Nelas o
espect ador é com preendido “ com o um a ent idade abst rat a e passiva
às suas leit uras e prazeres com o t ext o fílm ico dom inant e, sendo
condenada com o inst rum ent o de um ‘posicionam ent o subj et ivo’ no
int erior da ideologia capit alist a” ( Mascarello, 2004, p. 92) . Em bora
possam os vislum brar o reconhecim ent o de cert a visão at iva do
público relat iva às “ leit uras e prazeres” , t al condição se rest ringe
som ent e à int erpret ação dos elem ent os definidos a priori pela
est rut ura e t ext o fílm ico. Ou sej a, eles seriam sem pre definidos pela
obra, sendo logicam ent e pensados e proporcionados por ela. Sobre
esse pont o, St am ( 2000) afirm a que “ nos anos 70, a t eoria
psicanalisava os prazeres da sit uação cinem at ográfica com o t al, para
logo afirm ar que, nos anos 80 e 90, os analist as t ornaram - se m ais
int eressados pelas form as socialm ent e diferenciadas de
espect at orialidade” ( St am , 2000, p. 229) .

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Os aut ores cit ados dest acam t am bém o m ovim ent o inglês da Screen-
Theory 2 , caract erizado por um discurso crít ico, m as de cont inuidade
à t radição est rut uralist a vigent e, no qual o paradigm a cont inuaria a
ser o do espet áculo que cria o espect ador, e não o cont rário. Nele, o
obj et o fílm ico é criado e subm et ido ao m esm o t em po à narrat iva
com o det erm inant e do que é proj et ado na t ela, sendo est e, por sua
vez, m ascarado pelo realism o aparent e do cont eúdo com unicado.
Ent ret ant o, em bora de cunho m ais flexível em relação ao lugar
ocupado pelo espect ador ( considerado agora em sua dim ensão
percept iva e m esm o hist órica) as discussões propost as pelo
m ovim ent o da Screen- Theory ainda m ant êm um a visão est rit am ent e
passiva dest e. Segundo Mascarello:

De m odo geral, o fat o é que as considerações sobre a


im port ância do cont ext o hist órico de recepção sobre a relação
t ext o/ espect ador vêm aparecer som ent e na condição de
ressalva ou apêndice à invest igação cent ral, que perm anece
sendo sem pre a das est rut uras t ext uais com o posicionadoras
do suj eit o- espect ador ( Mascarello, 2001, p. 25) .

O aut or m enciona ainda o surgim ent o de um novo m ovim ent o de


t radição anglo- am ericana durant e a década de 80, denom inado com o
Est udos Cut uralist as de Espect at orialidade Cinem at ográfica. Com o
observa St am ( 2000) , esses est udos invest em na dissem inação de
seus valores na cult ura, por m eio de um a am pla gam a de
disposit ivos, onde os t ext os est ão inseridos em um a m at riz social e
produzem consequências sobre o m undo. “ Os est udos cult urais
cham am a at enção para as condições sociais e inst it ucionais no
int erior das quais o sent ido é produzido e recebido” ( St am , 2000, p.
250) . Trat a- se, por conseguint e, de um a visível oposição ao
det erm inism o t ext ual com o definidor a priori de t odos os sent idos
possíveis da obra sem , porém , alt erar subst ancialm ent e o paradigm a
de um a supost a passividade do espect ador.
Mascarello ( 2004) , t am bém afirm a, a part ir da leit ura da obra de
Turner ( 2000) , um deslocam ent o da perspect iva da análise t ext ual
em direção a um a visão m ais abert a e de aceit ação das int erferências
do público no processo. O fat o curioso é que t al m ovim ent o é operado
a part ir dos est udos sobre as audiências cinem at ográficas. Est e
afirm a que:

Na m edida em que os est udos cult urais deslocaram - se dos


t ext os para as audiências, e dest a form a para as est rut uras
sociais que sit uam os indivíduos com o audiências, t am bém os
est udos de cinem a volt aram a exam inar seus cont ext os
cult urais e econôm icos const it ut ivos ( Turner 2000, cit ado por
Mascarello, 2004, p. 95) .

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Orozco ( 2001) dest aca a im port ância da audiência nos est udos sobre
recepção. O t erm o se refere não a um índice relat ivo a um a m era
at ividade recept iva por part e do público, m as a um a série de ações
m ediadas por um a diversidade de vet ores sociais, cult urais e
hist óricos. Nest e m om ent o é int eressant e observar que os est udos
sobre as audiências ( t al com o dest acam os acim a nos t rabalhos de
Mascarello e Orozco) evidenciam um dado im port ant e em relação às
leit uras sobre a espect at orialidade. Esses est udos m ost ravam de
m odo paradoxal um a post ura inversa por part e do público às
expect at ivas dos int elect uais e produt ores das obras, ist o é, sobre o
que os segundos t eorizavam em relação aos prim eiros. Se não havia,
por exem plo, um a rej eição explícit a das obras ( indicada em t erm os
de com port am ent o do público inferido por índices de audiência) , no
m ínim o exist ia um hiat o ent re aquilo que o corpus t eórico pensava, a
part ir do discurso t ext ual e dos seus produt os, e a experiência
concret a dos espect adores. As t ecnologias em pregadas na produção
poderiam não ser, assim , plenam ent e eficazes na coopt ação do
público; fat o est e que pot encialm ent e poderia ser indicado pelas
audiências com o inst rum ent o de cont at o com essa realidade. Sobre
est e pont o, descreve Escot esguy ( 2006) :

No final dos anos 80, observa- se, cont udo, que o


desenvolvim ent o da pesquisa sobre as audiências m anifest a- se
m uit o m ais cent rado no recept or e no seu cont ext o. Assim , o
t ext o deixa de ser um princípio est rut urant e na produção de
sent ido e a invest igação passa a concent rar- se m uit o m ais na
com preensão das det erm inações cont ext uais da recepção
( Escot esguy, 2006, p. 08) .

Ent endem os a im port ância e a valorização dos est udos sobre a


audiência, no sent ido de um a crít ica ao m odelo t ext ualist a vigent e e
com o um elem ent o im port ant e no t ocant e ao conhecim ent o da
realidade do público. Num a perspect iva at ual, St am ( 2000) afirm a o
espect ador com o m ais at ivo e crít ico, e não com o obj et o passivo de
int erpelação por part e dos disposit ivos audiovisuais. Nest e sent ido, ao
apresent arm os est a breve explanação acerca dos est udos sobre a
espect at orialidade com o oriunda dos est udos sobre recepção, não
podem os deixar de dest acar alguns pont os im port ant es que nos
rem et em a t om ada de alguns posicionam ent os est rat égicos em nossa
discussão.
Em relação ao próprio cam po da recepção, acom panhando a
perspect iva t razida por St am ( 2000) e pelos dem ais aut ores at é aqui
cit ados, podem os const at ar que o t em a do espect ador se encont ra
vinculado a um debat e em t orno de um supost o st at us de passividade
ou at ividade. Algum as abordagens assum em um a visão do

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espect ador com o agent e passivo, t ais com o o det erm inism o t ext ual.
Out ras ent endem que o público com parece de form a m ais efet iva no
processo, com o no caso da Screen- Theory e na perspect iva
cult uralist a. Consideram os ainda, que não sej a clara na abordagem
desses aut ores, um a divisão nít ida ent re o que seria da ordem da
recepção e o que seria concernent e ao espect ador de cinem a
propriam ent e dit o, o que t erm ina por m ant er a crença num a
equivalência ent re essas duas inst âncias.
Jacks ( 2008; 2014) afirm a, em seu m apeam ent o sobre as pesquisas
que t rat am do t em a da recepção no Brasil, que poucos t rabalhos
analisam o recept or e o gênero m idiát ico t elevisivo no int uit o de
perceber a relação ent re eles, desconsiderando os aspect os t ext uais e
os da produção m idiát ica: “ a presença da pesquisa de recepção ainda
se dá de form a m uit o t ím ida” ( Jacks, 2014, p.11) . Em relação à
discussão sobre a recepção no âm bit o do cinem a, as referências são
ainda m ais escassas; Jacks ( 2008) dedica um único subcapít ulo à
recepção no cinem a, m ant endo- se um cenário sem elhant e na
pesquisa de 2014. Em relação à obra de Mascarello ( 2001; 2004)
( único pesquisador m encionado a t rat ar especificam ent e do t em a) ,
cit a a aut ora:

Apesar do pioneirism o do est udo e de sua relevância e


cont ribuição em t erm os do debat e t eórico, o lim it e desse
t rabalho é que o aut or não chega a propor um a t eoria para
pensar a relação do público com o cinem a, com o anuncia,
chegando a recom endações de ordem genérica a part ir da
crít ica às t eorias vigent es ( Jacks, 2008, p. 280) .

Dest e m odo, consideram os im port ant e sublinhar que as at ividades do


espect ador são m uit o m ais abrangent es do que a recepção de
im agens propriam ent e dit a. De acordo com St am ( 2000) :

Text o, disposit ivo, discurso e hist ória, em sum a, encont ram - se


t odos em j ogo e em m ovim ent o. Nem o t ext o, nem o
espect ador são ent idades est át icas, pré- const it uídas; os
espect adores m oldam a experiência cinem at ográfica e são por
ela m oldados, em um processo dialógico infinit o ( St am , 2000,
p. 256) .

Desse m odo, podem os est abelecer pelo m enos dois m odos de


abordar a quest ão. O prim eiro coloca que, se no t ocant e ao público,
há espaço para pensarm os em t erm os de recepção, não poderíam os
pensar que se t rat e som ent e de recepção im agens que const it uem o
t ext o fílm ico, m as de um a diversidade de vet ores het erogêneos, de
relações de poder que se int ercruzam e const it uem a experiência
audiovisual propriam ent e dit a. Não t em os que considerar a recepção

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associada a um a supost a passividade, pois o espect ador pode, por


exem plo, m obilizar um a série de recursos e ações diversas, no
sent ido de receber aquilo que é em it ido. O segundo m odo considera
que, se exist e recepção, poderíam os supor, sem nenhum a
cont radição, que exist a t am bém em issão por part e do espect ador.
Em issão de leit uras diversas, de opiniões, de afet os, de
posicionam ent os const ruídos a part ir de apropriações dos m at eriais
audiovisuais, de m últ iplas t rocas de saber, de m odos de subj et ivação
const it uídos num a int ensa produção polifônica e colet iva. Um
deslocam ent o dest a ordem recoloca o problem a em um a dim ensão
m ais am pla, pois se é verdade que há em issão de im agens e de
discursos por part e dos disposit ivos, não se pode deixar de pensar
que haj a t am bém por part e do público.
O espect ador se apropria, t ant o da obra exibida, quant o dos discursos
que a circundam . I sso se t orna visível, por exem plo, na assim ilação,
por part e do público, dos discursos que operam a produção de um a
obra, ou daqueles produzidos sobre seu produt o final e a part ir dele;
além , é claro, de o espect ador cont ribuir diret am ent e na proposição
dest es m esm os discursos. O espect ador é afet ado pela obra em
diversas dim ensões. Busca inform ações sobre sua produção, lê
crít icas, se posiciona cont ra ou a favor delas a part ir de suas
percepções, conversa com out ros espect adores, est abelece análises e
reflexões at ravés das im pressões e afet os produzidos na relação com
a obra e na incorporação dos discursos a ela relacionados. Tais
at it udes t ransbordam e escapam a qualquer det erm inism o im plícit o
num a dicot om ia at ividade/ passividade, ent endidos est es com o
lugares fixos, ou de um a perspect iva diret iva e subm et ida à narrat iva
e a discursividade de um t ext o fílm ico. Escapa igualm ent e a qualquer
t ent at iva de capt ura prom ovida por m eio dos recursos t ecnológicos,
no sent ido de previsão das reações e com port am ent os.

A análise da espect at orialidade deve, port ant o, invest igar as


lacunas e t ensões ent re os diferent es níveis, as diversas form as
por m eio das quais o t ext o, o disposit ivo, a hist ória e o discurso
const roem o espect ador, e as form as com o t am bém o
espect ador, com o suj eit o- int erlocut or, m olda esse encont ro
( St am , 2000, p. 257) .

Se o diret or ou produt or desej a, por exem plo, cont ar um a hist ória a


part ir da exploração das t ecnologias de edição, t écnicas de
narrat ividade e at ravés de supost os saberes sobre o espect ador,
conduzindo o público didat icam ent e a um obj et ivo específico por m eio
delas, nos parece claro que exist e nest e processo um a cont radição.
Est a se expressa no fat o de se acredit ar que a experiência do
espect ador sej a t ot alm ent e m anipulada por essas t ecnologias e que
ele sim plesm ent e reaj a passivam ent e a elas. Porém , “ a hist ória do

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cinem a, nesse sent ido, é não apenas a hist ória dos film es e dos
cineast as, m as t am bém a hist ória dos sucessivos sent idos que o
público t em at ribuído ao cinem a” ( St am 2000, p. 257) . O público,
além de sim plesm ent e seguir os cam inhos pré- est abelecidos pelos
produt ores/ art ist as, pode ult rapassá- los e produzir suas próprias
leit uras e significações em relação ao que assist e. Talvez sej a est e o
int eresse inicial de um a at enção especial à audiência, pois ela
indicaria, de cert o m odo, esse m ovim ent o peculiar. Ela de fat o pode
apont ar os m ovim ent os divergent es dos espect adores em relação às
expect at ivas dos diret ores e produt ores, que pret ensam ent e se
colocam na posição de ent ender os m odos de funcionam ent o do
público.
Out ro fat or im port ant e na discussão da relação espect ador/
audiência, é o de que ela expressa m uit o m enos a posição real ou a
experiência do público e m uit o m ais um índice geral e subm et ido aos
dit am es do m ercado. O fat o de se assist ir ou não a um film e ( ou a
um program a t elevisivo) é efeit o de um a m ult iplicidade de fat ores,
m uit o além de quest ões especificam ent e ligadas ao m ercado e a
est es índices, consequent em ent e, ult rapassando seus lim it es. Em se
t rat ando do assunt o, Escot esguy e Jacks ( 2005) dest acam que
m aioria das pesquisas sobre essa t em át ica eram im plem ent adas
at ravés de m ét odos quant it at ivos, configurando- se com o
exclusivam ent e volt adas para o m ercado publicit ário. O espect ador
era t rat ado com o consum idor, prevalecendo fat ores com o poder
aquisit ivo, prát icas e hábit os de consum o. Sob esse ângulo,
ponderam :

É im port ant e dizer t am bém que, de m odo geral, a expressão


audiência e por sua vez, pesquisa de audiência, est á associada
àquelas invest igações com fins m ercadológicos e, sobret udo, de
carát er quant it at ivo. I st o est á de t al form a incrust ado nessa
problem át ica, que falar em audiência é sinônim o de índice de
audiência e, quase sem pre, est e últ im o passa a cham ar- se
ibope. ( Escot esguy & Jacks, 2005, p. 110) .

At é o present e m om ent o, dest acam os o posicionam ent o crít ico


desses aut ores frent e aos est udos sobre recepção e a quest ão da
audiência, percebendo a não delim it ação de um a diferença explícit a
ent re as noções de recepção e espect at orialidade; t am pouco o que
concerne especificam ent e a cada um a delas. No ent ant o, os est udos
sobre a audiência nos abrem um problem a significat ivo no que se
refere à espect at orialidade, pois eles afirm am , a princípio, a
possibilidade de m elhor conhecer a experiência do público. Propom os
ent ão a pergunt a: em que consist e o plano da experiência do
espect ador? Qual a sua nat ureza?

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2 D e qu e e x pe r iê n cia fa la m os?

A experiência não deve ser ent endida apenas com o experiência


passada, ou sej a, um som at ório cum ulat ivo das vivencias de um
suj eit o pré- exist ent e, produzida por sua relação com um a diversidade
de obj et os igualm ent e pré- est abelecidos num m undo a priori. O que
buscam os é invest igar a experiência do espect ador em sua abert ura
ao present e. Para Varela, Thom pson e Rosch ( 1991) as concepções
usuais de experiência esbarram sem pre na m anut enção de um a visão
dicot ôm ica ent re suj eit o e obj et o, ignorando, t ant o o aspect o
consensual da experiência, quant o sua dim ensão corporificada. De
acordo com est es aut ores, devem os levar em cont a que exist e um a
circularidade fundam ent al, na qual não podem os separar o suj eit o do
conhecim ent o do m undo conhecido. E acrescent am : “ Não exist e
nenhum conhecedor/ observador abst rat o de um a experiência que
est ej a separado da própria experiência” ( Varela et al., 1991, p. 53) .
Afirm a- se assim , a codependência ent re a experiência e o suj eit o da
experiência, ent re o suj eit o do conhecim ent o e o m undo conhecido.
Suj eit o, m undo e os obj et os que o com põem não são sim plesm ent e
inst âncias definidas apriori que se colocam em relação
arbit rariam ent e. A experiência se dá num agenciam ent o
codependent e, ou ant es, num coengendram ent o. Ela surge
sim ult aneam ent e ao suj eit o da experiência, m oldando- se perm anent e
e reciprocam ent e, um a vez que “ t odas as coisas se encont ram vazias
de qualquer nat ureza int rínseca independent e. I st o poderá soar com o
um a afirm ação abst rat a, m as t em im plicações de longo alcance para
a experiência” ( Varela et al., 1991, p. 290) .
É preciso sublinhar que a experiência do espect ador, no âm bit o dos
est udos sobre a espect at orialidade, é reduzida ao problem a do
com port am ent o do público, das suas ações e reações aos
disposit ivos, considerando- os de form a polarizada em relação à
dim ensão espect at orial. Nessas bases, a invest igação de relações
m ant ém a visão dicot ôm ica, na qual as duas inst âncias, em bora
com unicant es, m ant êm - se independent es. Torna- se ainda evident e
que, ao nos debruçarm os sobre o com port am ent o das audiências
com o supost a expressão da experiência do público, est am os nos
volt ando m ais aos seus produt os e efeit os do que à experiência
propriam ent e dit a. O com port am ent o do público é t ido com o um
conj unt o de reações a det erm inados est ím ulos produzidos pelos
disposit ivos e o int eresse m ercadológico de t ais pesquisas não parece
esclarecer de m odo sat isfat ório as m ot ivações que lhe produzam . Se
eles revelam algum a obj et ividade, sua análise é volt ada para o
cont role do com port am ent o e do j ogo de causalidade que o envolve.
Porém , quando o obj et ivo é com preender a experiência com o algo
que est á no cent ro da discussão sobre o espect ador, pensar em

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Fabio Mont alvão Soares, Virgínia Kast rup  

t erm os de produt os e efeit os pouco nos revela sobre o que desej am os


invest igar, pois com o nos m ost ra Depraz, Varela e Verm ersch ( 2006) ,
a experiência, considerada sob o aspect o de indicadores
com port am ent ais, ou com o produt os de sua at ividade, não se
configura com o um a base relevant e para a invest igação nest e cam po.
Consequent em ent e, não há nos est udos sobre recepção e nos
discursos sobre o espect ador, um a devida m enção à dim ensão
concret a da experiência em sua gênese e t am pouco um a propost a
m et odológica para sua invest igação. Mesm o nas cont ribuições de
t eóricos com o St am ( 2000) , considerado um aut or cont em porâneo
m arcadam ent e int egrado à linha cont ext ualist a e t ido com o referência
nesses est udos, ou ainda nas de Bordwel e Carow ( 1996) que
invest em num a perspect iva cognit iva e m ais aut ônom a do
espect ador, o que percebem os é um a discussão em t erm os de
am pliação das pot encialidades do público. Trat a- se de cert a t om ada
de posição, onde os disposit ivos são pensados com o pert encent es ao
processo hist órico e suscet íveis às t ransform ações engendradas no
âm bit o das relações que est abelecem ent re si. Ent ret ant o, t ais
discussões ainda part em sem pre do pont o de vist a das t eorias e não
da experiência concret a do público, m ant endo- se um a visão
dicot ôm ica ent re o m esm o e a obra. Bast aria afirm ar t eoricam ent e a
condição de ser espect ador, sem dar a devida at enção ao plano da
experiência com o inst ância inst auradora dos próprios
com port am ent os?
Em bora t odos esses fat ores est ej am relacionados ao t em a da
espect at orialidade, não encont ram os, nas t eorias sobre o cinem a,
um a invest igação sobre a especificidade dessa experiência, que possa
nos servir para pensar a nat ureza da relação do espect ador com o
plano das im agens audiovisuais, fat or est e que som ado a escassez
sobre as pesquisas de recepção no cinem a t orna ainda m ais
im port ant e o desenvolvim ent o de nossa invest igação. Logo, os
est udos sobre as audiências, em bora revelem um a part e do
problem a, não são suficient es no sent ido de dar cont a dest e. A
pergunt a a ser colocada é sobre com o a nat ureza da experiência do
expect ador pode ser acessada e os est udos de Varela et al. ( 1991) e
de Depraz et al. ( 2006) no cam po das ciências cognit ivas
cont em porâneas const it uem um longo a cam inho a ser
post eriorm ent e explorado, em busca de possíveis respost as. Nest e
m om ent o, t razem os à cena o est udo de Jacques Rancière ( 2008)
sobre o espect ador em ancipado.

3 Sobr e a e m a n cipa çã o do e spe ct a dor

A discussão sobre o espect ador é bast ant e present e nos discursos


sobre audiovisual. Todavia, o debat e sobre a espect at orialidade não

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se rest ringe som ent e a esse âm bit o específico, se expandindo a


out ras m odalidades, com o as art es plást icas, fot ografia, et c. E é a
part ir dest a inflexão que a obra de Jacques Rancière ( 2008) , em
especial “ O Espect ador Em ancipado” t raz um a grande cont ribuição a
nossa invest igação, um a vez que a noção de em ancipação os
aproxim a de cert o m odo da discussão acerca da experiência
espect at orial. O t ext o desenvolve um a reflexão sobre esse t em a a
part ir do t eat ro, sendo a propost a do aut or expandir o debat e para o
cam po das art es em geral. Consideram os assim , que suas
cont ribuições são pert inent es e aplicáveis a um a reflexão sobre a
experiência do espect ador no cinem a.
Rancière ( 2008) ret om a, em seu t ext o sobre o espect ador
em ancipado, um problem a discut ido em sua obra ant erior, O Mest re
I gnorant e ( 1987) . Nele, o aut or resgat a o paradoxo de Jacot ot 3 , que
consist e no fat o de o ignorant e poder ensinar a out ro ignorant e aquilo
que ele m esm o não sabe, prom ulgando a igualdade das int eligências
e opondo a em ancipação int elect ual à inst rução pública. Sua propost a
é a de est abelecer um a reflexão ent re a quest ão da em ancipação e a
do espect ador na at ualidade. Para t ant o, rem ont a a um a discussão
sobre art e e polít ica a part ir do t eat ro grego. É na t raj et ória dest a
discussão que Rancière ( 2008) ret om a um paradoxo fundam ent al: o
de que não há t eat ro sem espect ador. A part ir da leit ura inicial que
versa sobre o m al de ser espect ador ( no sent ido de um supost o olhar
cont em plat ivo e cont rário ao conhecer, e a passividade nele
im plícit o) , o t ext o t ece considerações sobre o lugar de um “ pat hos”
conferido ao t eat ro por Plat ão, que o considera com o um a m áquina
ópt ica e de ignorância na form ação de olhares na ilusão de
passividade. “ Ser espect ador é est ar separado ao m esm o t em po da
capacidade de conhecer e do poder de agir” ( Rancière, 2008, p. 8) .
Em seguida, o aut or dem onst ra com o os crít icos da m im ese t eat ral
não se acom odaram nest e lugar plat ônico, colocando o t eat ro com o
inst rum ent o de ação, surgindo ent ão a figura do dram a com o signo
desse novo m odelo. Nele, se desfaz a posição passiva e o olhar do
público é subm et ido à relação dram át ica, no sent ido da ação,
t rat ando- se de um t eat ro sem espect adores. Est a colocação, a
princípio cont radit ória, t em por obj et ivo assinalar a saída do est ado
de fascinação cont em plat iva, por um lado, e a perda do st at us de
observador crit erioso e da ilusão de cont role por out ro, sendo o
espect ador arrast ado pelo circulo m ágico da ação t eat ral. Os
reform adores do t eat ro reform ulam a posição plat ônica e fazem dest a
art e um corpo at ivo de um povo, cuj a função é pôr em ação seu
princípio vit al. Nest e sent ido, afirm a- se o t eat ro com o lugar de
confront o do espect ador consigo m esm o e com a colet ividade, sendo
est a um a fórm ula colet iva exem plar. “ O t eat ro é um a assem bleia na
qual as pessoas do povo t om am consciência de sua sit uação e
discut em seus int eresses” ( Rancière, 2008, p. 11) .

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Podem os deduzir, dessa prim eira part e do t ext o de Rancière ( 2008) ,


a proposição de um a concepção de espect at orialidade perform at iva,
um a vez que “ a cena e a perform ance t eat rais ( ...) se propõem a
ensinar a seus espect adores os m eios de deixar de serem
espect adores e t ornarem - se agent es de um a prát ica colet iva”
( Rancière, 2008, p. 13) . Tal explanação int rodut ória t em a função de
dem arcar um posicionam ent o ant igo, porém , vivo e ainda hoj e
at uant e, no que concerne às prát icas art íst icas. A obra surge com o
inst rum ent o de m ediação, de revelação ao público supost am ent e
ignorant e, dest a sua condição, sendo o m est re aquele que det ém o
saber ( supost am ent e o art ist a) , com o det endo a chave e o poder de
libert ação as alm as. Est e princípio se m anifest a no que o aut or
definiu com o m ediação evanescent e ent re o m al do espet áculo e a
virt ude do verdadeiro t eat ro. É nest e pont o que o paradoxo da
em ancipação int elect ual se t orna relevant e, pois a lógica pedagógica
da m ediação que com parece por excelência na obra t eat ral é, para o
aut or, um m odo de subj ugação polít ica present e em t odos os cam pos
da art e, m ant endo um a dissim et ria fundam ent al no próprio processo
de apropriação e na part ilha dos discursos e das relações.
A noção de em ancipação vem ent ão a rom per com esse paradigm a.
Trat a- se efet ivam ent e, no t ext o de Rancière ( 2008) , de suplant ar a
perspect iva na qual a condição de perpet uação da m est ria se dá pela
m anut enção da condição de ignorant e por part e do aluno. Tal
perspect iva é definida pelo aut or com o em brut ecim ent o: “ Ensina- lhe
prim eiram ent e a sua própria incapacidade. Assim , em seu at o ele
com prova incessant em ent e seu próprio pressupost o, a desigualdade
das int eligências. Essa com provação int erm inável é o que Jacot ot
cham a de em brut ecim ent o” ( Rancière, 2008, p. 14) .
Na lógica do em brut ecim ent o, que podem os ent ender com o sendo a
lógica pedagógica t radicional, o ignorant e não é som ent e aquele que
ignora o que o m est re sabe. Ele é, para além dest a afirm at iva inicial,
aquele que não sabe aquilo que ignora e os m eios de com o saber. Já
o m est re não é som ent e aquele que det ém o saber ignorado pelo
ignorant e, m as é aquele que sabe com o t orná- lo obj et o de saber e
aquele que sabe os m eios que possui para isso. O que Rancière
( 2008) , desej a evidenciar com seu argum ent o, por um lado, é a
paradoxal condição de ignorância por part e das duas ent idades, um a
vez que a ignorância t ranscende o dom ínio daquilo que se sabe.
Revelar o que se sabe é som ent e dem onst ração de exercício de poder
por part e do m est re, at ravés do faust o que const it ui a própria
dem onst ração. Esvazia- se assim a posição do m est re, pois o saber
nunca dará cont a do fat o de sem pre ignorarm os algo. Por out ro lado,
est e é o eixo da discussão sobre a em ancipação, pois “ não há um
ignorant e que não saiba um m ont e de coisas, que não as t enha
aprendido sozinho, olhando e ouvindo o que há ao seu redor,
observando e repet indo, enganando- se e corrigindo seus erros”

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( Rancière, 2008, p. 14) . Transpondo a perspect iva de um saber de


ignorant e com um a t odos nós, e o saber da ignorância que falt aria na
condição de aluno se t ornar m est re ( e que longe de superar a
dist ância que separa o saber da ignorância com o expressão de
desigualdade, lhe reafirm a ainda m ais) , Rancière ( 2008) , invest e, não
na m anut enção dest a sit uação relat iva ao em brut ecim ent o e a
confirm ação da desigualdade das int eligências, m as num a at it ude de
em ancipação. Tal at it ude é baseada no pressupost o da igualdade das
int eligências, o que recoloca o problem a da relação ent re m est re e
ignorant e, assim com o o do espect ador com a obra art íst ica. Nest e
sent ido:

Não há dois t ipos de int eligência separados por um abism o.


( ...) Desse ignorant e que solet ra signos ao int elect ual que
const rói hipót eses, o que est á em ação é sem pre a m esm a
int eligência que t raduz signos em out ros signos e procede por
com parações e figuras para com unicar suas avent uras
int elect uais e com preender o que out ra int eligência se esforça
por com unicar- lhe ( Rancière, 2008, p. 15) .

Trazendo o argum ent o para nossa discussão, t rat a- se da afirm ação


de um a aut onom ia peculiar a cada espect ador, em se t rat ando da
apropriação dos signos do m undo, independent em ent e da ordem de
com posição ou disposição dest e últ im o no plano da m at erialidade e
das redes discursivas que o circundam . I st o é, não subordinada
t am bém a um a supost a ordem , hierarquia, classe ou lugar que o
próprio espect ador venha a ocupar no plano das relações sociais. E
não podem os deixar de m encionar que ela rem et e à ordem de um a
singularidade, que se caract eriza pela m ult iplicidade:

O poder com um aos espect adores, “ é o poder que cada um t em


de t raduzir à sua m aneira o que percebe, de relacionar isso
com a avent ura int elect ual singular que o t orna sem elhant e a
qualquer out ro, à m edida que essa avent ura não se assem elha
a nenhum a out ra” ( Rancière, 2008, p. 20) .

Consequent em ent e, a em ancipação recoloca de m odo geopolít ico o


problem a do relacionam ent o dos suj eit os com o plano das im agens,
um a vez que podem os considerá- lo com o art ífice daquilo que vê,
sent e e pensa. Nest e m ovim ent o, o que se t ranspõe não é a dist ância
com o represent ant e do abism o radical ent re o m est re e o ignorant e,
t al com o im plícit a na pedagogia do em brut ecim ent o. Para Rancière
( 2008) , ela não visa ser negada ou superada, m as se afirm a com o
condição de t oda com unicação.
O que havíam os ant eriorm ent e nos referido em nossa discussão
sobre o at o de apropriação por part e do espect ador, é descrit o pelo

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aut or com o t rabalho poét ico de t radução, ent endido com o capacidade
de associar e dissociar a m ult iplicidade das im agens e dos discursos:
“ É nesse poder de associar e dissociar que reside a em ancipação do
espect ador, ou sej a, a em ancipação de cada um de nós com o
espect ador. Ser espect ador não é condição passiva que deveríam os
convert er em at ividade. É nossa condição norm al” ( Rancière, 2008, p.
21) . A t radução se dist ingue de um a sim ples int erpret ação baseada
em valores ext ernos à experiência, t rat ando- se m ais da colocação de
um problem a singular no âm bit o de um a exist ência enquant o
pot ência igualm ent e singular. Já não se t rat aria, por exem plo, de um
problem a propost o pelo disposit ivo, visando à solução corret a por
part e do espect ador ( capt ar e ent ender sua propost a) , ou de um
problem a est abelecido por alguém , com o um enigm a a ser decifrado.
Trat a- se de um problem a, encarnado na experiência de cada um e
que surge no m odo único da sua relação com o disposit ivo,
independent em ent e ( o que não significa que não possa ser solidário)
de qualquer problem a propost o por est e últ im o. Afirm a- se assim , a
part ir das cont ribuições de Rancière ( 2008) , o cam po da experiência
do espect ador, onde a em ancipação surge com o expoent e m áxim o de
sua pot encialidade.
A part ir do que expom os sobre a em ancipação, ret om am os a
discussão sobre a passividade do espect ador. De cert o m odo,
const at am os nos est udos sobre recepção e audiência ant eriorm ent e
discut idos, a afirm ação de um a visão m ais abert a à experiência do
público a part ir da negação de um est ado de passividade e a ele
at ribuído apriorist icam ent e. Porém , a passividade parece exist ir,
nest es casos, com o condição a ser ult rapassada ou com o result ant e
de um a visão equivocada do pont o de vist a t eórico. Os discursos pró-
at ividade do espect ador não encarnado no plano da experiência
consideram que a at ividade seria um est ado a ser conquist ado.
Dest acam os esses posicionam ent os no int uit o de pensar que a lógica
do em brut ecim ent o, t al com o dem onst rada por Rancière ( 2008) , é
geralm ent e m ant ida nest es casos, evidenciando- se, na verdade, um a
relação segregat ória ent re os int elect uais e seus discursos e os
espect adores supost am ent e ignorant es, nos quais o germ e da
at ividade deve ser despert ada. A at ividade é t ida nest e caso, com o
signo de um a supost a valorização do espect ador, t ornando- se um a
espécie de alegoria exibida com o prom essa de redenção e de
m udança de paradigm a por part e dos discursos t eóricos. Porém , o
que se verifica na prát ica é a m anut enção do disposit ivo com o um
inst rum ent o const ruído a serviço de um supost o esclarecim ent o com o
chave de com preensão de um a realidade ocult a ao espect ador.

Dir- se- á que o art ist a, ao cont rário, não quer inst ruir o
espect ador. Hoj e ele se defende de usar a cena para im por um a
lição ou t ransm it ir um a m ensagem . Quer apenas produzir um a

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form a de consciência, um a int ensidade de sent im ent o, um a


energia para a ação. Mas supõe sem pre que o que será
percebido, sent ido, com preendido é o que ele pôs em sua
dram at urgia ou em sua perform ance” ( Rancière, 2001, p. 18) .

Trat a- se no m ínim o de um a posição lim it ada, que sust ent a o pont o


de vist a no qual o disposit ivo t eria por m issão ret irar o espect ador de
sua passividade, de sua inércia: “ m esm o que não saibam o que
querem que o espect ador faça, o dram at urgo e o diret or de t eat ro
sabem pelo m enos um a coisa: sabem que ele deve fazer um a coisa,
t ranspor o abism o que separa at ividade de passividade” ( Rancière,
2008, p. 16) . O aut or afirm a que est a dinâm ica, além de m ant er a
desigualdade ent re as int eligências, desqualifica o espect ador com o
agent e de t ransform ação da experiência. Cabe- lhe som ent e nest e
caso, cont em plar o faust o im plícit o na leit ura da obra com o
dem onst ração de saber/ poder por part e de out ros que se afirm am
com o dignos e capazes da ação, m ant endo assim , o espect ador em
sua posição subm issa, em bora cont radit oriam ent e pret enda- se
libert á- lo e insuflá- lo à ação. Ent ret ant o, o aut or quest iona:

O que perm it e declarar inat ivo o espect ador que est á sent ado
em seu lugar, senão a oposição radical, previam ent e supost a,
ent re at ivo e passivo? Por que ident ificar olhar e passividade,
senão pelo pressupost o de que o olhar quer dizer com prazer- se
com a im agem e com a aparência, ignorando a verdade que
est á por t rás da im agem e a realidade fora do t eat ro?
( Rancière, 2008, p. 16) .

Rancière ( 2008) ret om a sua crít ica à passividade, realizando um a


discussão sobre o olhar, na qual est e é considerado com o um a
at ividade fundam ent al. O olhar, independent em ent e de ser
cont em plat ivo, nunca deixa de ser um a at ividade. E sob esse ângulo
o olhar é um a experiência. Ele t em um a função que vai m uit o além
de sim plesm ent e decodificar inform ação. Ele cria e com põe out ras
experiências. A em ancipação considera que o espect ador se coloca
sem pre no plano da at ividade, m ínim a que sej a, sendo est a inerent e
à própria ação de olhar:

A em ancipação, por sua vez, com eça quando se quest iona a


oposição ent re o olhar e o agir, quando se com preende que as
evidências que assim est rut uram as relações do dizer, do ver e
do fazer pert encem à est rut ura de dom inação e da suj eição.
Com eça quando se com preende que olhar é t am bém um a ação
que confirm a ou que t ransform a essa dist ribuição de posições
( Rancière, 2008, p. 17) .

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Para Rancière ( 2008) , é ilusória a oposição ent re o olhar e a ação. O


poder com um do espect ador não decorre de sua qualidade de
m em bro de um corpo colet ivo ou de form as de int erat ividade dela
decorrent es, m as do m odo singular de seu olhar, da sua capacidade
de leit ura e apropriação do que ele percebe, num m ovim ent o
incessant e de produção/ invenção de si e do m undo. Um a capacidade
que, segundo o aut or, t orna cada um igual a qualquer out ro e anula a
dissim et ria est abelecida no paradigm a ant erior. O que se evidencia
no sist em a t radicional de part ilha dos signos por m eio dos
disposit ivos é, na m aioria das vezes, a m anut enção de relações de
poder e de dom inação que sit uam os suj eit os na ordem dos
discursos. É nest e sent ido, ent ão, que a posição de Rancière ( 2008)
nos perm it e pensar que o espect ador int erfere no plano das
produções das im agens. Ele não est aciona no lugar que esperam os
que ele ocupe, fazendo ao cont rário, seu próprio percurso. Pois, com o
ressalt a Rancière:

O espect ador t am bém age, t al com o o aluno ou o int elect ual.


Ele observa, seleciona, com para, int erpret a. Relaciona o que vê
com m uit as out ras coisas que viu em out ras cenas, em out ros
t ipos de lugares. Com põe seu próprio poem a com os elem ent os
dos poem as que t em diant e de si ( Rancière, 2008, p. 17) .

Port ant o, o conceit o de em ancipação do espect ador t raz um a


cont ribuição relevant e para a com preensão das t ransform ações no
âm bit o das relações dos espect adores com os disposit ivos
audiovisuais, enfat izando a at ividade e os próprios m ovim ent os do
público.

4 Con clu sã o

As pesquisas de recepção e audiência abordam , do pont o de vist a


t eórico, o problem a da at ividade do espect ador, de m odo lim it ado.
Logo, os conceit os de recepção e de audiência não são suficient es
para expressar est a ideia, m esm o no caso dos est udos cult uralist as
cit ados. Não devem os desconsiderar que est es últ im os prom ovem um
exercício valioso que at ent a para o aspect o hist órico e para o
cont ext o com o fat ores cruciais nas relações ent re o disposit ivo
audiovisual e o público. Porém , se lim it am apenas a um a leit ura
t ím ida e aproxim ada do problem a da experiência com o base da
at ividade espect at orial.
O conceit o de em ancipação int elect ual de Rancière ( 2008) surge
com o um cam inho para am pliar o ent endim ent o da relação dos
espect adores com as im agens e repensar a espect at orialidade. A
invest igação sobre est e t em a, conduzida no dom ínio do disposit ivo

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t eat ral, m erece ser am pliada, em bora sej a convenient e invest igar se
exist em especificidades inerent es a cada disposit ivo e avaliar em que
m edida a pesquisa sobre a experiência espect at orial se realiza em
cada um deles. É im port ant e salient ar que a em ancipação é
considerada um princípio e um a at it ude fundam ent al do espect ador.
Ela nos apont a que exist e um m odo específico de experiência e de
relação dos suj eit os com o plano das im agens cinem at ográficas.
Ressalt am os que a em ancipação não se reduz a um regim e de
t raduções de cunho individual, m as possui um a dim ensão colet iva.
Ela possibilit a um int ercâm bio de m últ iplas forças que perpassam os
disposit ivos, os espect adores, os discursos e as polít icas de produção
e circulação das obras. A dim ensão de colet ividade não diz respeit o a
corpos passivos e assuj eit ados, que devem ser m obilizados para ação
at ravés do disposit ivo, sej a ele t eat ral ou audiovisual, t al com o no
paradigm a do em brut ecim ent o. Rancière ( 2008) se refere a um poder
com um , num sent ido de int ercâm bio ent re int eligências, afirm ando
que suas caract eríst icas se revelariam , a princípio, com o part e de
um a at ividade int elect ual por excelência. O poder com um da
igualdade das int eligências liga indivíduos, faz que eles int ercam biem
suas avent uras int elect uais e, ao m esm o t em po, se posicionem uns
em relação aos out ros de m odo dist int o. O espect ador é capaz de
ut ilizar esse poder com um a t odos para t raçar seu cam inho próprio e
singular. Em função dest e fat o, nossa discussão busca revisit ar o
conceit o de espect at orialidade a part ir da perspect iva da
em ancipação. No cam po do audiovisual, sugerim os a inflexão da
noção de em ancipação int elect ual em prol de um a em ancipação
espect at orial. E o princípio fundam ent al dest a em ancipação é
j ust am ent e essa especificidade inerent e ao espect ador, que se
apropriaria de m odo singular dos m at eriais audiovisuais, produzindo
suas t raduções a part ir de suas próprias referências, const ruídas
colet ivam ent e.
A experiência espect at orial se oferece com o um cam po propício a
fut uras invest igações. A nosso ver, o foco dessa experiência deve ser
j ust am ent e a sua especificidade em ancipat ória, caract erizada
t am bém pela at ividade int elect iva. O espect ador ut iliza seus recursos
num am plo e cont ínuo t rabalho de t radução, analisando, selecionando
e com parando à sua m aneira, signos de t oda ordem e nat ureza.
Com o afirm a Rancière ( 2008) , reconhecer esses signos é em penhar-
se em cert a leit ura de nosso m undo. Nest e m om ent o, buscam os
preparar o t erreno t eórico que rest a abert o, para o desenvolvim ent o
fut uro de pesquisas em píricas. Consideram os que a part icipação de
fat ores percept ivos e cognit ivos nos processos espect at oriais oferece
oport unidade de am pliação da dim ensão da experiência do
espect ador, incluindo- se nela out ros fat ores. No present e est udo, o
esforço de delim it ação do problem a da experiência espect at orial lança
o desafio de invest igar com o se desenrolam concret am ent e esses

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processos. E devem os considerar que experiência espect at orial é,


num a perspect iva at iva e em ancipada, m arcada t am bém por um
regim e de afet abilidade. A quest ão de com o t al regim e de
afet abilidade com parece no t rabalho de t radução é algo a ser
aprofundado. Com o nos m ost ra Rancière ( 2008) , t rat a- se de afet os
que em baralham as falsas evidências dos esquem as int elect ivos
est rat égicos. São disposições do corpo e do espírit o nas quais o olho
não sabe de ant em ão o que est á vendo e o pensam ent o não sabe o
que fazer com aquilo.
É im port ant e at ent ar para o problem a do quant o o disposit ivo
audiovisual condiciona a experiência espect at orial e de que m odo
pode cont ribuir para am pliá- la e refiná- la. Longe de pensarm os em
t erm os de um a relação dicot ôm ica ent re o disposit ivo audiovisual e o
espect ador, percebem os que am bos com põem um regim e de
afet abilidade m út ua, no qual, t ant o o espect ador quant o o m eio
audiovisual se encont ram em const ant e processo de t roca, de
at ivação recíproca e de t ransform ação. Nest e sent ido, reafirm am os a
posição de St am , ( 2000) segundo a qual o disposit ivo e o espect ador
se reinvent am reciprocam ent e. Porém , ent endem os que a noção de
reinvenção ganha nova força quando o plano da experiência
audiovisual passa a ser pensado com o com post o de m últ iplas forças,
não sendo sim plesm ent e det erm inado pelos discursos t écnicos,
crít icos e polít icos sobre os disposit ivos.
Para finalizar, é preciso reconhecer que exist em t ensões e hiat os
ent re a concepção do disposit ivo audiovisual com o inst rum ent o
didát ico de um a revelação, os discursos que o circundam e o plano da
experiência espect at orial em sua especificidade em ancipat ória. Nesse
plano de t ensões equacionam - se, t ant o a obra cinem at ográfica e as
concepções do art ist a que a idealizou, quant o as percepções, os
afet os e os saberes oriundos da experiência do espect ador. De acordo
com Rancière ( 2008) , o disposit ivo não é um produt o exclusivo do
art ist a. Ele se desprende dest e últ im o na m edida em que é
apropriado pelo público. Da m esm a form a, ele se desprende t am bém
do espect ador, pois no at o de apropriação, a especificidade daquilo
que foi apropriado se perde, const it uindo- se j á out ra coisa, cuj a
propriedade j á não pode ser reivindicada por nenhum deles. Para o
aut or, o disposit ivo é um a t erceira coisa, sem propriet ários. Seu
sent ido não pode ser localizado, afast ando, por exem plo, qualquer
pressuposição de t ransm issão fiel de um a ideia ou cont eúdo por part e
do art ist a para o público, at ravés da obra, segundo um a visão
sim plist a de causa e efeit o. Port ant o, a pesquisa sobre a
espect at orialidade não deve volt ar- se som ent e a um a discussão sobre
a ação dos disposit ivos ou sobre aspect os relat ivos ao processo de
edição, t ais com o fat ores t ecnológicos e suas incidências sobre o
público, por exem plo. Cert am ent e esses elem ent os não devem ser
ignorados. Todavia, a part ir da perspect iva da em ancipação, t ais

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fat ores t écnicos das obras deixam de ser o foco principal, priorizando-
se agora a experiência do espect ador, em seu m ovim ent o
em ancipat ório e em seu t rabalho de t radução, dest acando- se a
função cognit iva na const rução das relações com a m ult iplicidade de
im agens.

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En de r e ço e le t r ôn ico
Fa bio M ont a lvã o Soa r e s
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Program a de Pós- Graduação em Psicologia, I nst it ut o de Psicologia da UFRJ
Av. Past eur, 250 fundos, Praia Verm elha, CEP 22290- 902, Rio de Janeiro–RJ, Brasil
Endereço elet rônico: fabio.m ont alvao@ufrj .br
Vir gín ia Ka st r up
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Program a de Pós- Graduação em Psicologia, I nst it ut o de Psicologia da UFRJ
Av. Past eur, 250 fundos, Praia Verm elha, CEP 22290- 902, Rio de Janeiro–RJ, Brasil
Endereço elet rônico: virginia.kast rup@gm ail.com

Recebido em : 08/ 03/ 2015


Reform ulado em : 19/ 08/ 2015
Aceit o para publicação em : 20/ 08/ 2015

N ot a s
* Dout orando em psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ;
Rio de Janeiro, Brasil.
* * Dout ora em psicologia clínica pela Pont ifícia Universidade Cat ólica de São Paulo;
pós dout ora em ciências da cognição no Cent re Nat ional de la Recherche
Scient ifique ( Paris) , e em psicologia cognit iva da deficiência visual no Conservat oire
Nat ional des Art s et Met iers ( Paris) ; professora associada na Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
1
Segundo o aut or, o m odernism o polít ico se caract eriza pelo am algam ent o
est rut uralist a/ pós- est rut uralist a ent re a sem iologia “ m et ziana” , a psicanálise
lacaniana e o m arxism o alt husseriano, incluindo as t eorias francesas da
desconst rução e do disposit ivo ( pós- m aio de 1968, nas revist as Cinét hique e
Cahiers du Ciném a) e a t eorização anglo- am ericana liderada pelo periódico inglês
“ Screen” . Cf.: Fernando Mascarello ( 2004) . Os Est udos Cult urais e a
Espect at orialidade Cinem at ográfica: Um Mapeam ent o Crít ico. Revist a ECO- PÓS,
07( 2) , p. 92.
2
A Screen- Theory é um m ovim ent o const it uído a part ir da reunião de um conj unt o
de int elect uais em t orno da revist a inglesa “ Screen” , que post eriorm ent e ganhou
dest aque no cenário am ericano. A revist a se caract erizava com o um corpus
alt ernat ivo às publicações corrent es de origem francesa, t ais com o a Cinét hique e o
Cahiers du Ciném a. Cf.: Conferir: Fernando Mascarello ( 2001) . A Screen- Theory e o
Espect ador Cinem at ográfico: Um Panoram a Crít ico. Revist a Novos Olhares, 08( 2) ,
p. 24.
3
Joseph Jacot ot é um pedagogo francês que viveu no século XI X, reconhecido por
sua posição crít ica em relação aos proj et os educacionais inspirados no cient ificism o
e no ideal de progresso com uns em sua época. Rancière se apropria de sua obra a
fim de salient ar o conceit o de em ancipação int elect ual em oposição ao que o
pedagogo denom inava com o em brut ecim ent o. Sobre o assunt o cit a: “ Era bem ist o
que Jacot ot t inha em m ent e: a m aneira pela qual a Escola e a sociedade

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infinit am ent e se sim bolizavam um a à out ra, reproduzindo assim , indefinidam ent e o
pressupost o desigualit ário em sua própria denegação” ( Rancière, 1987, p. 15) .
Post eriorm ent e, Rancière definirá, em sua obra de 2008, a em ancipação int elect ual
com o um princípio fundam ent al no desenvolvim ent o de suas t eorias sobre o
espect ador.

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