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Lei orçamentária – Processo legislativo

Peculiaridades e decorrências

ADILSON ABREU DALLARI

SUMÁRIO

1. Conceito de orçamento. 2. Evolução das


normas constitucionais. 3. Impossibilidade de rejei-
ção do orçamento. 4. Conseqüências da inexistência
de lei orçamentária.

1. CONCEITO DE ORÇAMENTO

Ensina Antonino Pensovecchio Li Bassi, em


sua preciosa obra sobre L’ Interpretazione delle
Norme Costituzionale (Milano, 1972, p. 62),
que
“o intérprete não deve esquecer que
a Constituição contempla as opções
políticas fundamentais de um dado
sistema jurídico, devendo o intérprete das
disposições constitucionais atentar
cuidadosamente para os valores políti-
cos consagrados nos princípios funda-
mentais esposados pela Constituição”.
Um destes valores, claramente adotados
pelo sistema jurídico brasileiro, é o que Geraldo
Ataliba (República e Constituição. São Paulo:
RT, 1985, p. 145) chama de previsibilidade da
ação estatal:
“O Estado não surpreende seus
cidadãos: não adota decisões inopina-
das que os aflijam. A previsibilidade da
ação estatal é o magno desígnio que res-
suma de todo o contexto de preceitos
orgânicos e funcionais postos no âmago
do sistema constitucional”.
Vale dizer que o sistema jurídico está estru-
turado para evitar que os cidadãos, os destina-
tários da ação estatal, sejam surpreendidos por
medidas governamentais tomadas repentina-
Adilson Abreu Dallari é Professor Titular de mente, sem qualquer previsão. Esta situação é
Direito Administrativo da Pontifícia Universidade exatamente o que justifica a existência do orça-
Católica de São Paulo. mento, cujas origens se confundem com o
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próprio surgimento do Estado de Direito e pio da programação, que compreende a formula-
remontam ao longínquo ano de 1215, com a ção dos objetivos a serem atingidos, a fixação de
edição da Magna Charta Libertatum. A atua- prioridades e a especificação das ações a serem
ção financeira do poder público foi a primeira empreendidas para a sua realização concreta.
área a ser afetada na passagem do Estado Disso tudo, pode-se extrair a conclusão de que
absoluto para o Estado de Direito. Desde o as ações governamentais devem ser previamente
século XIII, os gastos dos governantes devem preestabelecidas, para que possam ser efetivamente
estar previamente autorizados. concretizadas, sem problemas de ordem orçamentá-
Desde sua origem até os dias de hoje, o ria ou financeira, dada a necessária previsão dos
orçamento público sofreu uma série de inova- meios para a consecução dos fins.
ções técnicas, aproximando-se cada vez mais Em síntese, a ordem jurídica, no tocante à
de um processo de planejamento, chegando nos disciplina das finanças públicas, não admite
dias de hoje ao que se chama de orçamento- atuação empírica, incerta, insegura, desmedida
programa, que é a tradução em dotações ou ou mesmo aventurosa e temerária.
verbas orçamentárias de um programa anual de Como se nota, a lei orçamentária não é uma
governo. A propósito, a razão de ser do orça- lei qualquer. Trata-se de uma lei essencial,
mento, é exatamente a previsão dos gastos indispensável, que não pode faltar (conforme
governamentais. concordam todos os autores que já versaram o
Em sua obra clássica, Uma Introdução à tema), e que, por isso mesmo, tem um processo
Ciência das Finanças (10. ed. Rio de Janeiro: legislativo especial, marcado por prazos e
Forense, 1969, p. 396), o renomado e saudoso restrições, cujos pontos essenciais são estabe-
Aliomar Baleeiro consigna esta lúcida e clara lecidos pela Constituição Federal.
observação:
“Nos Estados democráticos, o orça-
mento é considerado o ato pelo qual o 2. EVOLUÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Poder Legislativo prevê e autoriza ao A elaboração da lei orçamentária recebia da
Poder Executivo, por certo período e em antiga Carta Constitucional, estabelecida pela
pormenor, as despesas destinadas ao chamada Emenda Constitucional nº 1/69, um
funcionamento dos serviços públicos e tratamento bastante restritivo.
outros fins adotados pela política eco- Conforme o disposto nos artigos 65 e 66
nômica ou geral do País, assim como a daquela Carta, o projeto da lei orçamentária era
arrecadação das receitas já criadas em lei”. feito exclusivamente pelo Chefe do Executivo,
José Afonso da Silva, em sua notável ao seu talante. Tal projeto era encaminhado ao
monografia sobre O Orçamento-Programa no Legislativo até data predeterminada. De posse
Brasil (São Paulo:RT, 1972, p. 40 e 41), aponta do projeto, o Legislativo deveria aprová-lo até
como função básica do orçamento a coordena- trinta dias antes do término do exercício finan-
ção dos meios (receitas e despesas) com os fins
das finanças públicas, sempre vinculadas à ceiro, não podendo fazer qualquer modificação.
satisfação das necessidades da comunidade, e, Ou seja, no passado, ao tempo da ditadura,
em seguida, evidencia a distinção entre o orça- a lei orçamentária anual era feita por uma só
mento tradicional e o atual orçamento por pro- pessoa: o Chefe do Poder Executivo. Isso,
gramas, ou orçamento-programa, que é um ins- entretanto, não é mais possível hoje em dia.
trumento do planejamento das atividades A Constituição Federal promulgada em 1988
governamentais, dizendo: democratizou o processo legislativo do orçamento,
“Na verdade, o orçamento-programa conferindo posição sobranceira ao Poder Legislativo.
não é apenas uma peça financeira, é, Atualmente, cabe ao Chefe do Executivo
antes de tudo, um instrumento de apresentar o projeto da lei orçamentária (inicia-
execução de planos e projetos de realiza- tiva exclusiva), mas ele não pode elaborar tal
ção de obras e serviços, visando ao projeto exclusivamente de acordo com sua von-
desenvolvimento da comunidade”. tade, mas, sim, com observância do disposto na
Mais adiante, ao cuidar dos princípios Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada pelo
orçamentários, José Afonso da Silva (ob. cit., Legislativo, a qual fixa as prioridades e condicio-
p. 104 e ss.) mostra que, ao lado dos princípios na a elaboração da proposta orçamentária.
do orçamento tradicional (que permanecem vá- A lei orçamentária é necessariamente pre-
lidos), o nosso orçamento se prende ao princí- cedida da lei de diretrizes. Cabe ao Chefe do
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Executivo apresentar o projeto da lei de diretri- participação do Legislativo, pois isso atentaria
zes, que poderá receber emendas no Legislativo, contra o princípio republicano, o princípio da
mas que não pode ser rejeitado (pura e separação de poderes, o princípio represen-
simplesmente), pois a Constituição determina que tativo, o princípio da legalidade (todos de nível
o Legislativo não entrará em recesso enquanto constitucional) além de uma série de outros prin-
não aprovar a lei de diretrizes (art. 57, § 2 º). cípios gerais de direito ou decorrentes da legis-
Tendo elaborado o projeto da lei orçamen- lação ordinária.
tária para o exercício seguinte, deve o Chefe do A lei orçamentária é uma lei, mas não é uma
Executivo encaminhá-lo ao Legislativo até data lei qualquer, pois tem um processo legislativo
predeterminada (fixada em lei). especial. Portanto cabe indagar se o projeto da
Após haver enviado o projeto, ainda pode lei orçamentária pode ser simplesmente rejei-
o Executivo emendá-lo, mas apenas parcial- tado ou, uma vez aprovado pelo Legislativo,
mente, e antes do exame pelas comissões do ser inteiramente vetado.
Legislativo da parte que se pretende emendar. Um exame superficial, apressado, descui-
Não pode o Executivo emendar o que quiser dado, pode levar a equívocos.
e quando quiser. Sua possibilidade de emenda é
limitada, condicionada na quantidade e no tem- Diz o § 8º do art. 166 da Constituição Federal:
po, exatamente para que o Legislativo não seja “§ 8º Os recursos que, em decorrên-
atropelado e disponha de tempo suficiente para cia de veto, emenda ou rejeição do
um exame aprofundado da matéria. É até intuitivo projeto de lei orçamentária anual, ficarem
que não faz sentido algum fixar-se um prazo para sem despesas correspondentes poderão
remessa do projeto de lei e, depois, permitir que ser utilizados, conforme o caso, mediante
ele seja totalmente modificado, a qualquer tempo. créditos especiais ou suplementares, com
Portanto, a impossibilidade de apresentar prévia e específica autorização legislativa.”
qualquer emenda a qualquer tempo é não só um Nesse artigo não se encontram restrições
imperativo de ordem lógica, mas também uma ao veto, emenda ou rejeição. Um “jurista”
expressa disposição constitucional. Assim detentor de cultura de almanaque certamente
sendo, ao receber uma proposta de emenda, lembraria que é vedado ao intérprete distinguir
cabe ao Legislativo deliberar a respeito e, diante onde a lei não distingue.
do caso concreto, em função das circunstân- Entretanto, qualquer pessoa dotada de
cias da tramitação legislativa, aceitá-lo ou não. razoáveis conhecimentos jurídicos sabe que
O Executivo não manda, não impõe; mas, não se pode interpretar um dispositivo legal iso-
sim, pede, solicita. ladamente, fora de seu contexto, sem levar em
consideração o caráter sistemático do sistema
3. IMPOSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO DO ORÇAMENTO normativo (redundância proposital) e sem con-
siderar os valores e princípios que informam a
O orçamento é uma autorização para efetuar ordem jurídica.
despesas. Sem orçamento não pode haver des- Uma distinção ou limitação pode não estar
pesa, e sem efetuar despesas a Administração expressa no dispositivo em exame, mas pode
Pública não pode funcionar. ser implícita, ou decorrer de outro dispositivo.
Obviamente, não cabe ao Executivo se No caso, o parágrafo supratranscrito não
autorizar, a si mesmo. Obviamente, também, não limita o poder de emenda, mas tais limitações
pode o Legislativo deixar o Executivo sem orça- estão expressas no § 3º do mesmo artigo. A
mento. No exame do tratamento que a ordem simples leitura desse parágrafo mostra que é
jurídica confere à matéria, em seu conjunto, é bastante limitado o poder de emenda.
preciso considerar todos os fatores, promo-
O que é uma rejeição senão a forma mais
vendo uma conciliação entre o imperativo de
radical de emendar, suprimindo totalmente a
ter um orçamento e o princípio democrático, que regra inicialmente proposta! Ora, se a Consti-
confere primordial importância ao Legislativo, tuição restringe o poder de emenda, que
onde se concretiza o princípio representativo. somente pode ser exercido dentro de certos
Afasta-se, de plano, a possibilidade de o limites, evidentemente proíbe, implicitamente, a
Chefe do Poder Executivo legislar, editar ele emenda total, radical, modificadora absoluta do
mesmo uma lei orçamentária, sem qualquer texto inicialmente proposto.

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Tome-se como referencial para discussão deste Sustentam alguns que a solução seria repe-
tema o disposto no art. 100, § 1º, da Constituição tir ou prorrogar o orçamento anterior. Entretanto
Federal, que determina, obrigatoriamente para a isso não faz sentido no momento atual. No pas-
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a in- sado, antes de l964, o orçamento era apenas um
clusão, no orçamento do ano subseqüente, de re- rol de números vinculados apenas a categorias
cursos necessários ao atendimento dos precatórios orçamentárias, a certos tipos de despesa (como,
judiciários apresentados até 1º de julho. Evidente- por exemplo, pessoal, material permanente,
mente, tal dotação não pode ser reduzida, nem, mui- obras etc.). Porém, atualmente, o orçamento é
tíssimo menos, suprimida (o que fatalmente ocorre- um instrumento de programação, daí a denomi-
ria em caso de rejeição do orçamento). nação orçamento-programa, daí a necessária
Note-se, também, que o supratranscrito § 8º preexistência de uma lei de diretrizes, fixando
fala na utilização dos recursos que houverem prioridades. Obviamente, não se podem repetir
ficado disponíveis “mediante créditos especiais os programas e projetos já executados.
ou suplementares”. Ora, tais créditos são crédi- Outros falam em solucionar o problema
tos orçamentários, o que pressupõe a existên- mediante a abertura de sucessivos créditos
cia de um orçamento. Não se abrem créditos no especiais. Ora, conforme já se viu, créditos
ar, no espaço, mas, sim, sempre, necessaria-
especiais são créditos orçamentários e, por-
mente, em um orçamento.
tanto, somente podem ser abertos em um deter-
Cabe acrescentar apenas o óbvio: se o
minado orçamento.
orçamento fosse rejeitado inteiramente, não
haveria recursos disponíveis (sem alocação), A única solução, em caso de rejeição da pro-
pois não haveria recurso algum. posta orçamentária, será promulgar como lei o
O mesmo raciocínio feito com relação à projeto original.
emenda e à rejeição serve para evidenciar a Ato nulo não produz efeito. A rejeição não
impossibilidade de veto total. pode valer como tal, pois se choca com a disci-
Além do mais, cabe lembrar que o veto deve plina constitucional do orçamento, conforme foi
ser motivado. Não se pode vetar o todo por demonstrado. Havendo rejeição, ela deve ser
causa de eventual ou suposta irregularidade ou desconsiderada, como inexistente, supondo-se
inconveniência de um ou outro dispositivo. que o Legislativo (tendo a possibilidade de
Em caso de debate em sede judicial, é certo alterar algumas dotações, mas não o fazendo)
que não cabe ao juiz decidir sobre a conveniên- tenha concordado com a proposta original.
cia ou oportunidade de uma medida, mas o juiz Tal solução tem sido acolhida pela jurispru-
pode e deve verificar a plausibilidade, a perti- dência. Merecem transcrição algumas passa-
nência entre o ato praticado e seu resultado. gens de sentença proferida pelo MM. Juiz Dr.
Em termos estritamente jurídicos, o veto Durval José de Moraes (confirmada pelo Tribu-
total suprime dotações insuprimíveis, como é o nal de Justiça), publicada no Boletim de Direito
caso da previsão de recursos para o atendi- Municipal de fevereiro de 1991, p. 130 e ss.:
mento de precatórios judiciais, do que resulta “A rejeição prevista no art. 166, § 8º,
sua impossibilidade jurídica. da Constituição Federal, sobre não ter
Em resumo, ao dever imposto pela Consti- sido apodada de total ou parcial, deve
tuição ao Chefe do Executivo de elaborar e ser examinada, então, à luz dos demais
enviar o projeto da lei orçamentária corresponde dispositivos e princípios constitucionais.
o dever imposto ao Legislativo de examiná-lo, À demonstração de que a rejeição só
alterá-lo (se for o caso) e aprová-lo, sem possi- pode ser parcial concorrem diversos e
bilidade de rejeição total. decisivos fatores. Principia pelo disposto
no art. 35, § 2º, incs. I e II, das Disposi-
ções Constitucionais Transitórias, que
4. CONSEQÜÊNCIAS DA INEXISTÊNCIA DE LEI
impõem a devolução do projeto de lei
ORÇAMENTÁRIA para sanção até o encerramento de sessão
A Administração Pública não pode ficar sem legislativa. Ora, se deve o projeto de lei
orçamento. Diante disso, cabe buscar as solu- orçamentária ser devolvido para sanção,
ções possíveis diante de eventual rejeição ou claro está que não poderá ser devolvido
veto total. totalmente rejeitado.

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Também milita a favor da rejeição ape- “Admissibilidade, em face da ordem
nas parcial o disposto no art. 166, § 3º, constitucional vigorante, do Chefe do
inc. II, alíneas a e j, tal como apontado Executivo promulgar, como lei orçamen-
pela autoridade coatora. Com efeito, tária anual, texto de projeto de sua inicia-
referido dispositivo limita o poder de tiva, inteiramente rejeitada pelo Legisla-
opor emendas ao projeto de lei orçamen- tivo. Entendimento dos artigos 9º, § 4º,
tária, tornando insuscetíveis de supres- 175, §§ 4º e 5º, da parte permanente, e 39,
são as despesas relativas à dotação para inciso II, das disposições transitórias, da
pessoal e seus encargos, bem como com Carta do Estado de São Paulo. Natureza
relação ao serviço da dívida municipal, o jurídica do orçamento anual. Participação
que, em conseqüência, contraria a possi- preponderante do Executivo. Alarga-
bilidade de se rejeitá-las por completo. mento da participação do Legislativo no
Por fim, o parecer acostado a fls. 31/36, processo orçamentário, conferido cons-
da lavra do eminente Procurador de Jus- titucionalmente, a ser exercida de modo a
tiça – e sempre lembrado Professor – não inviabilizar o planejamento e a exe-
Cássio Juvenal Faria, lembra ainda o fato cução de atos governamentais e admi-
de que existe dotação orçamentária com- nistrativos, inerentes ao Executivo, de
pulsória para a manutenção e desenvol- conteúdo essencial à própria existência
vimento do ensino previsto no art. 212, da entidade estatal. Impossibilidade de
da Constituição Federal, a impossibilitar, rejeição total do projeto de lei orçamen-
também aqui, a rejeição total do projeto tária apresentado pelo Executivo. Expres-
de lei orçamentária. são do § 5º, do art. 175, da Constituição
O ilustre Procurador de Justiça ainda Paulista, a ser compreendida como rejei-
pondera, com percuciência habitual, que ção parcial, nos limites admitidos pelas
não seria desarrazoado interpretar-se o demais regras que normatizam o proces-
art. 166, § 8º, da Constituição Federal de so orçamentário. Limites e restrições às
forma a dele extrair apenas a possibili- emendas modificativas ao projeto de lei
dade de rejeição parcial, ‘já que, diante de meios que sinalizam na direção da
da rejeição total, não haveria recursos que impossibilidade de rejeição total do pro-
ficassem sem despesas correspondentes, jeto. Teor do artigo 9º, § 4º, da Constitui-
pela simples razão de que não haveria ção Estadual, indicando que o projeto de
estimativa da própria receita’ (fl. 34). lei orçamentária anual não pode ser rejei-
tado pelo Legislativo. Dispondo o Legis-
Todas estas considerações levam ine- lativo do poder de incluir, modificar ou
gavelmente à interpretação de que a excluir recursos orçamentários, com
rejeição prevista no art. 166, § 8 º, da Cons- exceção das dotações para pessoal e seus
tituição Federal, ao contrário do que sus- encargos e serviço da dívida, não há jus-
tentado pelo impetrante, é apenas parcial. tificativa para a rejeição total do projeto,
E, se é apenas parcial, não poderia a mormente tendo-se em conta não ape-
Câmara Municipal rejeitar por completo nas a natureza jurídica do orçamento,
o projeto de lei orçamentária, notada- como ‘ato condição’, de caráter predo-
mente quando nenhuma justificativa minantemente administrativo, mas a sua
alinhou para tal ato.” indispensabilidade para a governa-
“Resulta, do exposto, que o ato pro- bilidade do Município”.
mulgatório, ante a rejeição total do
projeto de lei submetido à Câmara Muni- A rejeição do projeto de lei orçamentária não
cipal, não viola a ordem constitucional deixa outra possibilidade senão a promulgação
vigente e, em conseqüência, não atenta do projeto original. Não existe alternativa, pois
contra direito líquido e certo do impetrante.” a rejeição encerra o processo legislativo.
No mesmo sentido já se manifestou por Quanto ao veto total, entretanto, a situação
diversas vezes o Procurador-Geral da Justiça é outra, pois o veto não põe fim ao processo
do Estado de São Paulo, em várias decisões legislativo. A conseqüência do veto é a devo-
idênticas, rejeitando pedidos de propositura de lução do projeto ao Legislativo, para que este
ação direta de inconstitucionalidade, nos aprecie as razões do veto, podendo acolhê-lo
seguintes termos: ou rejeitá-lo.

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Derrubado o veto, deve ser promulgado o O que não faz sentido algum é o Executivo
projeto aprovado pelo Legislativo e que havia legislar. Por exemplo: é inadmissível que o Pre-
sido enviado para sanção do Executivo. sidente da República aprove o orçamento por
Mantido o veto, não haverá uma solução medida provisória, sem enviá-lo ao Legislativo.
automática. Será preciso verificar até que momento O bom senso e a boa-fé não são incompatí-
o processo legislativo seguiu curso normal, para veis com o Direito. Ao contrário, são valores
se aproveitar o que for aproveitável e daí extrair que devem ser considerados na solução de
as conseqüências. Se nada for aproveitável, impasses, antinomias e litígios. Da mesma forma,
pode-se até cogitar da remessa de um novo pro- mas em sentido inverso, o absurdo e a má-fé
jeto, ainda que extemporaneamente, no curso do são valores negativos. Nemo auditur propriam
exercício (conforme ocorre com Municípios turpitudine alegans: não merece acolhida quem
novos, imediatamente após sua instalação). se vale da própria torpeza.

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