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1.

O HOMEM, IMAGEM DE DEUS

1.1. Ao tratar da dignidade humana, o Catecismo logo atrela a importância da existência


de cada pessoa ao próprio Deus, referindo-se ao modo mais especial pelo qual ele o uniu
a si mesmo: Pela encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem1.
1.2. Assim, Cristo, enquanto revelador do Pai e de seu amor, também manifesta
plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre sua altíssima vocação 2. Em
Cristo, imagem do Deus invisível3, o ser humano foi criado homem e mulher à imagem e
semelhança4 do Criador. Também nele, redentor e salvador, a imagem divina, alterada
no homem pelo primeiro pecado, foi restaurada em sua beleza original e enobrecida pela
graça de Deus5.
1.3. Logo, cada ser humano tem, desde o primeiro instante, no seio materno, uma
dignidade intocável, porque desde toda a eternidade Deus o desejou, amou, criou,
remiu e destinou para a eterna felicidade e salvação 6. Tanto é que onde desaparece
Deus, o ser humano não se torna grande; ao contrário, perde a dignidade divina, perde
o esplendor de Deus no seu rosto. No fim resulta somente o produto de uma evolução
cega e, como tal, pode ser usado e abusado7.

2. O CHAMADO DO HOMEM À BEM-AVENTURANÇA

2.1. O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende para muito além das
dimensões de sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida
de Deus. A sublimidade desta vocação sobrenatural revela a grandeza e o valor
precioso da vida humana, inclusive já na sua fase temporal8.
2.2. Com efeito, todas as iniciativas de Deus para com o homem – desejar, amar, criar e
redimir, santificar – estão em função do destino para o qual sua vida está orientada, a
bem-aventurança, ou, em outras palavras, a felicidade. Como afirma o Catecismo:
Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura
bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-
aventurada9.
2.3. Deus colocou no nosso coração uma ânsia tão infinita de felicidade, que só ele a
consegue satisfazer. As realizações terrenas apenas nos dão um antegozo da felicidade
eterna. Superando-as, temos de nos virar para Deus 10, porque Jesus nos deixou
promessas mais elevadas que as do mundo, indicando pelas ditas “bem-aventuranças” o
itinerário de santidade que conduz o homem ao Reino dos céus11.
1
Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, 22.
2
Idem. Idem.
3
Colossenses 1, 15.
4
Gênesis 1, 27.
5
Catecismo da Igreja Católica (CEC), 1701.
6
YouCat, 280.
7
Papa Bento XVI (15/08/2005).
8
São João Paulo II. Evangelium Vitae, 2.
9
CEC 1.
10
YouCat, 281.
11
Mateus 5, 3-12.
2.4. Já que a perfeição de uma coisa é considerada, principalmente, em ordem do seu
fim12, a vida humana, criada à imagem e semelhança de Deus, está ordenada à bem-
aventurança e nela realiza a sua finalidade e perfeição. Tira um peixe da água – ensinou
o Santo Cura de Ars – que ele não conseguirá viver. Isso é o ser humano sem Deus13.
2.5. Uma vez que as bem-aventuranças desvendam o objetivo da existência humana, o
fim último dos atos humanos14, é pecado qualquer violação da liberdade de outrem –
como, por exemplo, o comércio de pessoas, a escravidão e a prostituição –, e mais grave
ainda é o pecado que interrompe o curso de uma vida destinada à realização desse fim –
tendo, atualmente, no aborto e na eutanásia exemplos expressivos da violação desse
direito. Pois que fim mais nosso que chegar ao Reino que não tem fim? – indagou Santo
Agostinho15.

3. O DRAMA DO PECADO E SUAS AMEAÇAS À VIDA HUMANA

3.1. Já na Patrística, Santo Ambrósio assinala um parentesco espiritual, que congrega


todos os homens em uma única grande família, possuindo enquanto bem fundamental a
igual dignidade pessoal de todos16. Porém a própria Escritura revela em Gênesis, que,
por consequência do pecado original, o homem tornou-se inimigo do seu semelhante 17.
E ainda não pode ser ignorado que, na raiz de qualquer violência feita ao próximo, há
uma cedência à lógica do maligno, isto é, daquele que foi assassino desde o princípio
(Jo 8,44)18, posto que de Caim foi declarado: Era do maligno, e matou o seu irmão19.
3.2. E por que o matou? É a pergunta que São João faz na mesma passagem, dando em
seguida uma explicação: Por que as suas obras eram más. Aconteceu que, estabelecido
por Deus em um estado de santidade – esclarece o Concílio – o homem, seduzido pelo
maligno, logo no começo de sua história abusou da própria liberdade, levantando-se
contra Deus e desejando alcançar o seu fim fora dele20.
3.3. O pecado dividiu o homem em si mesmo, de maneira que nem sempre ele faz o
bem que quer, mas o mal que não quer. Infelizmente, querer o bem está ao seu alcance,
não, porém efetuá-lo21. Acontece que o Livro da Sabedoria demonstra o desígnio de
Deus de que o homem tivesse a vida, e vida em abundância 22. Realizaria isso ao mandar
o seu Unigênito, por de tal modo ele ter amado o mundo23: Deus não é o autor da morte,
a perdição dos vivos não lhe dá nenhuma alegria. Porque ele criou tudo para a

12
Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica, I-II, q. 55, a. 1.
13
São João Maria Vianney (YouCat, p. 166).
14
CEC 1719.
15
Santo Agostinho. Cidade de Deus 22, 30.
16
Santo Ambrósio. Sobre Noé 26, 94-96.
17
CEC 2259.
18
São João Paulo II. Evangelium Vitae, 8.
19
1 João 3, 12.
20
Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, 13.
21
Romanos 7, 18-19.
22
João 10, 10.
23
João 3, 16.
existência. Com efeito, Deus criou o homem para a incorruptibilidade, e fê-lo à imagem
de sua própria natureza24.
3.4. Assim, mesmo após sua redenção, o homem está ferido pelo pecado e ainda
permanecem nele as concupiscências, aquilo que não procede do Pai, mas do mundo25.
São João Paulo II observa que nessa experiência dilacerante da morte que entra no
mundo, lançando o espectro da falta de sentido sobre toda a existência do homem 26,
quatro aspectos que contrastam com o evangelho da vida anunciado por Jesus: o eclipse
do valor da vida, a noção perversa da liberdade, o eclipse do sentido de Deus e do
homem27. Em contrapartida, apresenta ao homem o caminho de redenção e de vida
operado pelo sangue de Jesus, mais eloquente que o de Abel28. Pois é do sangue de
Cristo que todos os homens recebem a força para se empenharem a favor da vida.
Precisamente esse sangue é o motivo mais forte de esperança, melhor, é o fundamento
da certeza absoluta de que, segundo o desígnio de Deus, a vitória será da vida29.

4. EVANGELHO: O GUARDIÃO DA DIGNIDADE HUMANA

4.1. Esteve, está e sempre estará no evangelho a salvaguarda da vida humana e sua
inviolável dignidade: A vida manifestou-se e nós a vimos 30. É Cristo, que disse de si
mesmo: Eu sou a Vida31. Por sua feliz culpa, o homem redimido encontra nele um
estado superior ao que tinha possuído; e nessa ligação íntima com o Criador,
reestabelecida pela redenção, a grandeza da dignidade humana mostra a própria glória
de Deus, como sublinhou Santo Ireneu: A glória de Deus é o homem vivo32.
4.2. Constituído sobre tão grande sublimidade, vindo o salmista a dizer: Pouco lhe falta
para que seja um ser divino; de glória e honra o coroaste 33, o homem se tornou,
sobretudo, um lugar para o Deus que descansou de seu trabalho34, pois ele mesmo o
afirmou: Sobre quem repousarei senão naquele que é humilde, pacífico e teme as
minhas palavras?35 Comovido perante tanta beleza, Santo Ambrósio associou seu
comentário a essas passagens: Agradeço ao Senhor nosso Deus que criou uma obra tão
maravilhosa que nela encontra o seu repouso36.
4.3. A pessoa humana representa o fim último da sociedade; e seus direitos são
guardados na medida em que se respeita a sua transcendência 37. Enquanto a sociedade
não estiver em função do bem comum38, de modo a proteger a fragilidade da vida do seu
24
Sabedoria 1, 13-14; 2, 23.
25
1 João 2, 16.
26
São João Paulo II. Evangelium Vitae, 7.
27
Idem. Idem, 10-24.
28
Hebreus 12, 24.
29
São João Paulo II. Evangelium Vitae, 25.
30
1 João 1, 2.
31
João 14, 6.
32
Santo Ireneu de Lião. Contra as Heresias 4, 20, 7.
33
Salmo 8, 6.
34
Gênesis 2, 2.
35
Isaías 66, 1-2.
36
Santo Ambrósio. Hexameron 4, 75-76.
37
CEC 1929.
38
CEC 1906.
início ao seu termo, é um grave dever de todo cristão buscar e exigir medidas que a
protejam, pois a pessoa humana é a única criatura que Deus quis por si mesma39.

5. APONTAMENTOS

5.1. O Concílio Vaticano II apresenta uma extensa lista que abrange as principais
ofensas contra a dignidade humana:

Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda espécie de homicídio, genocídio, aborto,
eutanásia, suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como
as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as
próprias consciências; tudo quanto ofende à dignidade da pessoa humana, como as
condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão,
a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de
trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não
como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são
infamantes; ao mesmo tempo, corrompem a civilização humana, desonram mais
aqueles que assim procedem do que os que padecem injustamente; e ofendem
gravemente a honra devida ao Criador40.

5.2. Algumas iniciativas voluntárias que contribuem na defesa da vida e de sua


dignidade:

a) Doação de órgãos (CEC 2296)


b) Assistência aos moribundos (CEC 2299)
c) O digno sepultamento cristão (CEC 2300-2301)

39
Concílio Vaticano II. Guadium et Spes, 24.
40
Idem. Idem, 27.

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