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GAMIFICAÇÃO NA

EDUCAÇÃO

Autoria: Guaracy Carlos da Silveira

1ª Edição
Indaial - 2022
UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Janes Fidelis Tomelin

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Tiago Lorenzo Stachon

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Tiago Lorenzo Stachon
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Jairo Martins
Marcio Kisner
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Desenvolvimento de Conteúdos EdTech

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech


UNIASSELVI

S587g

Silveira, Guaracy Carlos da

Gamificação na educação. / Guaracy Carlos da Silveira – In-


daial: UNIASSELVI, 2022.

141 p.; il.

ISBN Digital 978-65-5646-483-1


1. Jogos educativos – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo
da Vinci.

CDD 004

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
Jogos E Cultura............................................................................. 7

CAPÍTULO 2
Design De Jogos E Gamificação................................................. 53

CAPÍTULO 3
Gamificação E Educação ............................................................ 97
APRESENTAÇÃO
A educação e os processos formativos são um assunto cativante. Os méto-
dos, as técnicas, as práticas e as teorias que dão suporte às atividades docentes
têm sido objeto de estudos e de pesquisa há, pelos menos, dois séculos, mas
tiveram um impulsionamento, com os avanços das tecnologias da comunicação
e da microinformática. Em especial, a partir da virada do milênio, o crescimento
dos jogos digitais e a penetração cultural deles na nossa sociedade estimularam
pesquisas pelo mundo todo, a respeito do uso desses jogos em processos educa-
cionais e de estratégias de gamificação aplicadas na educação.

Em particular, no cenário brasileiro, a partir de 2010, notamos um crescimen-


to exponencial de pesquisas e experimentos educacionais referentes ao tema. Os
aportes de jogos digitais e de métodos de gamificação, em uma sala de aula, fo-
ram estudados por todas as áreas do saber, com resultados promissores. Dentre
os principais benefícios, estão o aumento do engajamento dos alunos, o desen-
volvimento de estratégias autônomas de aprendizado e a possibilidade de desen-
volvimento de estratégias de aprendizagem ativa.

Ao contrário do que alguns apregoam, a gamificação e os jogos digitais não


são uma panaceia que resolve, de forma automática, todos os problemas estru-
turais de ensino. São, sim, uma poderosa ferramenta à disposição do professor,
para que possa tornar as estratégias educacionais dele mais eficazes. Ainda, de-
mandam familiaridade desse professor com o universo dos jogos e certa capaci-
tação técnica.

O objetivo da presente obra é ajudá-lo a percorrer um labirinto conceitual, de


forma leve e informativa, a fim de servir como introdução a aqueles que não têm
proximidade com jogos e como um guia para os que já apresentam algum conhe-
cimento do tema.

O presente livro está organizado em três capítulos. No primeiro, abordare-


mos questões conceituais, a respeito das funções do ensino e da estrutura dele,
da relação dos jogos com a cultura e a sociedade, da ludicidade e um panorama
histórico das últimas cinco décadas no que se refere aos jogos digitais.

No segundo, aprofundar-nos-emos nos conceitos relacionados ao design de


jogos, nos princípios básicos que norteiam a prática do jogar, nas principais me-
cânicas empregadas em processos de gamificação e nos elementos que motivam
os jogadores. Finalizaremos com uma discussão a respeito do emprego de tecno-
logias em processos educacionais.
Finalmente, no terceiro, estudaremos as possibilidades de aplicação de jo-
gos desenvolvidos para fins não educacionais em contextos de ensino, os princí-
pios da gamificação aplicada à educação e algumas ferramentas de gamificação
gratuitas que estão, hoje, à disposição do professor.

Esperamos que, ao término desta obra, você esteja empolgado com as no-
vas e inúmeras possibilidades educacionais que os jogos e a gamificação trazem
para a educação, e que comece a desenvolver os seus próprios projetos, ao fazer
ainda mais diferença nas vidas dos seus alunos.

Boa leitura!
C APÍTULO 1
Jogos E Cultura

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

3 Compreender o conceito de play.

3 Vislumbrar a relação jogo/sociedade a partir de uma perspectiva histórica.

3 Conhecer as diferentes modalidades de jogos digitais e a evolução delas e os


suportes tecnológicos nos últimos 50 anos.

3 Estudar a relação educação/cultura.

3 Apropriar-se dos elementos culturais relacionados a jogos.


Gamificação na Educação

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Olá, seja muito bem-vindo à obra que abarca a gamificação na educação!

Podemos afirmar que o interesse em empregar as mais diferentes tecnolo-


gias, em prol de aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem, tem sido uma
preocupação constante de todos aqueles que se debruçam sobre o desafio de
educar. Nas últimas décadas, em especial, devido ao crescimento das tecnologias
computacionais, da informática e da telemática, os jogos digitais têm desperta-
do um particular interesse dos educadores, seja em face da popularidade, com
estudantes das mais diferentes faixas etárias, seja pela crescente presença nas
nossas cultura e sociedade.

Na esteira do movimento, processos de gamificação, entendidos como o uso


de mecânicas e características de jogos, para engajar, motivar comportamentos
e facilitar o aprendizado de pessoas em situações reais, buscam apresentar os
conteúdos de modo mais acessível, normalmente, não associados a jogos, o que
tem crescido nas modalidades digitais e físicas. Entendemos que o interesse pela
gamificação é alimentado pelo fenômeno e pela popularidade dos jogos digitais.

Como a disciplina em questão versa sobre a gamificação na educação, cabe


uma pergunta: de que tipo de educação se fala? Tratam-se dos processos forma-
tivos tradicionais, institucionalizados na figura de escola, e, posteriormente, da
faculdade/universidade, e levados a cabo pelo educador/pedagogo. Crê-se ser
pertinente se considerar que o jogo e o lúdico já não fazem parte desse processo.

Diante de todo o processo formativo, constatam-se as presenças do lúdico


e do jogo nos estágios iniciais (de fato, soa-se óbvia a relação entre infância,
brincadeira e aprendizado), durante todo o processo de educação infantil. Na pré-
-escola, a utilização deles é consolidada, suportada, inclusive, por um vasto corpo
teórico. Parece que a linha de ruptura se instaura a partir do ensino fundamental.
Assim, entende-se que a questão da gamificação trata da incorporação do lúdico
nos processos de ensino a partir do ensino fundamental.

No decorrer de todo este livro, manifesta-se uma questão – não resolvida –,


a qual você, estudante/educador, deverá contemplar: por que se instaura uma di-
visão entre a atividade lúdica e a aprendizagem, ou seja, entende-se que aprendi-
zagem e diversão são dimensões contraditórias, consequentemente, o lúdico não
tem espaço na aprendizagem formalizada?

Formular a questão anterior é colocar, em questionamento, a própria institui-


ção de formação educacional – a escola e a universidade – e a forma como tem
sido estruturada, em especial, nos últimos cento e vinte anos.
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Gamificação na Educação

Fundamentalmente, o aporte da gamificação, em processos educacionais, é,


apenas, uma nova tentativa de emprego da tecnologia na educação. Pense nas
incríveis mudanças que a nossa sociedade vem passando e pelas quais passou
no século anterior, incluindo todos os experimentos – com diferentes graus de
sucesso –, feitos no sentido de trazer inovações tecnológicas para o processo
educacional, em forma de tecnologias ou de técnicas. Considere que, no início do
século passado, a caneta-tinteiro e o mata-borrão faziam parte do cotidiano dos
estudantes, assim, tratar de tecnologias educacionais versa sobre algo, aparente-
mente, tão banal, como substitui-los pela caneta esferográfica, indo até o empre-
go do rádio, da televisão, do videocassete, do computador, das redes sociais e de
mais uma miríade de dispositivos tecnológicos em prol de um processo educacio-
nal mais efetivo. A gamificação é mais uma iteração desse processo.

Propõe-se o desafio de, nesta obra, abordar as duas dimensões da questão:


o aspecto mais específico, que se refere ao emprego de técnicas de gamificação
em processos educacionais; e o mais amplo, que considera o papel do lúdico em
todo o processo educacional.

No presente capítulo, inicia-se a discussão pela instituição educacional for-


mal, a escola, para, então, ser definido o conceito de play – às vezes, traduzido
como lúdico, ou ludificação. Então, aborda-se relação entre jogo e cultura, com
um breve resgate histórico da evolução dos jogos digitais a partir do enfoque no
contexto brasileiro, o que compõe, assim, o arcabouço teórico que permite tratar
da gamificação.

Boa leitura e bons estudos!

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A
ESCOLA
Para iniciar este capítulo, solicita-se que você, agora, adulto, no banco de
uma universidade, estudando, em busca de aperfeiçoamento e especialização,
ponha este livro de lado por alguns minutos e reflita a respeito de toda a sua
jornada educacional, desde a pré-escola até os ensinos fundamental, médio e
superior. Do que se lembra? O que te marcou nesse processo? Os professores,
os colegas, as matérias? Busque, em seu interior, e expresse, da forma mais de-
finida possível, como você se sente em relação a isso. Pode-se afirmar que o seu
processo educacional se integrou a sua vida de forma harmoniosa, ou que há,
para você, uma percepção de ruptura, uma distinção entre a escola e os momen-
tos “não-escola”? A questão principal: foi um processo prazeroso?

Considere as seguintes estrofes da música The Logical Song, da banda Supertramp.


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Capítulo 1 Jogos E Cultura

QUADRO 1 – THE LOGICAL SONG (1979)

When I was young Quando eu era jovem


It seemed that life was so wonderful Parecia que a vida era maravilhosa
A miracle Um milagre
Oh, it was beautiful, magical Ah era tão bonita, mágica

And all the birds in the trees E todos os pássaros nas árvores
Well they'd be singing so happily Cantavam tão felizes
Oh, joyfully Ah, alegres
Oh, playfully, watching me Brincalhões, eles me observavam

But then they sent me away Mas depois eles me mandaram para
To teach me how to be sensible longe
Logical Para me ensinar a ser sensato
Oh responsible, practical Lógico
Ah responsável, prático
And they showed me a world
Where I could be so dependable E me mostraram um mundo
Oh, clinical Onde eu poderia ser muito confiável
Oh, intellectual, cynical Ah, clínico
Ah, intelectual, cínico
There are times when all the world's
asleep Há momentos quando todo o mundo
The questions run too deep dorme
For such a simple man Em que os questionamentos são tão
Won't you, please, please, tell me grandes
what we've learned? Para um homem tão simples
I know it sounds absurd Você não vai, por favor, por favor,
Please tell me who I am dizer-me o que aprendemos?
Eu sei que parece absurdo
Mas por favor me diga quem eu sou

FONTE: <https://www.letras.mus.br/supertramp/39228/
traducao.html>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A seguir, você poderá conferir uma versão legendada, traduzida


e ilustrada da canção The Logical Song: https://www.youtube.com/
watch?v=aiM_KW4RHek&ab_channel=LucianoT.Candido.

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Gamificação na Educação

Dentre as possíveis interpretações, parece que a canção The Logical Song


se trata de uma crítica aos processos educacionais, em especial, àqueles prati-
cados a partir do ensino fundamental. Infere-se que o autor percebe que há duas
“modalidades” de aprendizagem contrastantes: uma mais natural e orgânica, por
assim dizer, marcada pelo lúdico, pela descoberta, pela experimentação, pela in-
teração com outros e com o ambiente, percebida como divertida; e outra mais “ar-
tificial” e impositiva, caracterizada pela transmissão de conteúdos de forma mas-
sificada, marcada por uma estrutura rígida, que não respeita os ritmos individuais
do aluno, pouco interativa, e, consequentemente, muito “chata”.

Possivelmente, a oposição entre as duas modalidades de aprendizagem ex-


postas é o pano de fundo no qual se instaura a discussão a respeito do lúdico na
educação. Entendida, de acordo com aspectos formais, a gamificação é a aplica-
ção das estratégias dos jogos em atividades, com o objetivo de aumentar o enga-
jamento dos participantes. A partir dela, de elementos estruturantes de um jogo,
estabelecem-se objetivos a serem cumpridos e obstáculos a serem superados.
A Psicologia, que suporta esse processo, sustenta que a conquista e a supera-
ção são poderosos motivadores humanos. Assim, nos últimos anos, a gamificação
tem sido apresentada, por muitos, como a panaceia que resolverá todos os pro-
blemas do ensino, a fim de motivar e engajar estudantes nos mais diversos níveis
e revigorar todas as modalidades de ensino.

A partir da proposição elencada, duas questões se apresentam:

1) Por que se precisa implementar ferramentas de motivação?


2) O que a gamificação tem de especial?

A primeira não se relaciona ao processo de aprendizagem em si, mas ao mo-


delo de ensino vigente na nossa sociedade, o qual, em sua essência, suporta-se
em uma cisão entre emoção e razão, entre ciência e arte, entre estudo e lazer.

O dimensionamento histórico das concepções de modelos de ensino-apren-


dizagem, além das diferentes propostas pedagógicas, concebidas e colocadas em
prática nos últimos dois milênios, foge do escopo desta obra, contudo, considera-se
ser pertinente se posicionar, como um crítico, ao chamado “modelo tradicional de
ensino”, seja nas atividades profissionais, como docente, seja na atuação acadêmi-
ca, como pesquisador. Acredita-se ser necessária uma readequação, de modo a se
permitir o reencontro de elementos que foram separados. Deve-se buscar proces-
sos formativos que integrem razão e emoção, arte e ciência, estudo e prazer.

A segunda leva ao entendimento da gamificação, que, em sua essência, nada


mais é que uma técnica a ser empregada em sala de aula. Considere o seguinte:

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

Na tecnologia educacional, na qual o tornar as coisas diver-


tidas se tornou a regra máxima, nós, geralmente, chamamos
esse conceito de “brócolis coberto de chocolate”. Cobrir um
brócolis de chocolate não faz, dele, uma sobremesa, mas o
transforma em um horror mutante, algo que chega a ser até
pior do que o brócolis sozinho. De forma análoga, shows de te-
levisão, videogames, aplicativos móveis podem ser divertidos,
mas o fato de serem divertidos não os torna, automaticamente,
meios adequados para apresentarmos à álgebra, ou à história,
nem faz, deles, um substituto para tarefas e supervisão dos
pais. Nos dias de hoje, todo mundo tem um plano para tornar
as coisas mais divertidas, desde o estudo até as tarefas de
casa. Uma indústria de consultores tem surgido, levando em
curso essa proposta sob a bandeira da “gamificação” – prome-
tendo fazer com que tarefas chatas e miseráveis, ou trabalhos
acéfalos, tornem-se divertidos (BOGOST, 2016, p. 60).

Assim, para se evitar o risco de se criar um “brócolis coberto de chocola-


te”, antes de se entrar na técnica da gamificação, debruça-se sobre uma questão
mais ampla, da qual a gamificação deriva, o jogo. Com uma forma física, manifes-
tados há, pelo menos, dois milênios, ou digital, os jogos têm um importante papel
na nossa sociedade. De fato, como será visto neste capítulo, para alguns autores,
a partir dos jogos, constitui-se a cultura.

É necessário retomar a primeira questão: por que se precisa de ferramentas


que motivem os alunos? Se aprender é uma característica básica de todo ser hu-
mano, essa simples prática não deveria ser uma motivação suficiente? Afinal, desde
que é dado o primeiro choro, até o último respiro, não se está, efetivamente, em um
contínuo processo de aprendizagem? A questão que se coloca não tem referência à
aprendizagem, mas ao instrumento, socialmente, formalizado dela, à escola. O mo-
delo educacional “tradicional”, que a gamificação propõe remediar, tem origens no sé-
culo XIX e resulta de um projeto de uma sociedade – ocidental, moderna, capitalista e
industrial – que demandava uma formação específica para os seres humanos.

Como propõe Sibilia (2012, p. 16), a escola é uma tecnologia “de época”. Ainda
que, hoje, pareça tão natural, que se tenha dificuldade de conceber um mundo sem
ela, essa instituição, nem sempre, existiu como é atualmente. Convém lembrar que
os conceitos de criança, infância e aluno, também, mudaram historicamente.

O regime escolar foi inventado para atender às demandas de um projeto históri-


co planejado e colocado em prática: a modernidade. É claro que, antes, existiam es-
colas e colégios, mas eles não equivaliam ao que, hoje, é chamado por esses termos.

Nos termos da Pedagogia Kantiana, a função básica da instituição escolar é


humanizar o animal da nossa espécie, disciplinando-o para modernizá-lo, e, desse
modo, iniciar a evolução, capaz de convertê-lo num bom cidadão (KANT, 2017).

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Gamificação na Educação

FIGURA 1 – AULA DE COSTURA PARA MENINAS NO


SÉCULO XIX; SALA DE AULA NO SÉCULO XXI

FONTE: <https://lemad.fflch.usp.br/node/5285>; <https://exame.com/


bussola/a-sala-de-aula-do-seculo-21/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A sociedade moderna se propunha a ser igualitária, fraterna e democrática,


e, por extensão, assumiu, para si, a responsabilidade de educar os cidadãos, para
que ficassem à altura desse projeto. Serviam-se, para esse fim, dos recursos do
Estado. Era preciso alfabetizar cada habitante da nação com o uso correto do
idioma pátrio; instruir para que soubessem fazer cálculos e lidar com números,
tudo isso embalado em um conjunto de aprendizagens úteis e práticas, as quais
substituíam uma multidão de dogmas e mitos sem respaldo científico, ou cuja inu-
tilidade se tornava flagrante (SIBILIA, 2012).

Decorrência direta da concepção anterior, está a forma como se passa a en-


carar as atividades cotidianas. A hiperespecialização do trabalho e a divisão da
produção em tarefas fundamentais – perfeitamente, exemplificadas no conceito
de linha de montagem – acabaram por criar um sujeito cindido, que não está “por
completo” nas atividades do dia a dia, em especial, nas profissionais.

Na sociedade industrial, o tempo passa a ser regido pela lógica da maximiza-


ção dos resultados, assim, o sistema educacional, voltado para a formação do in-
divíduo e para a capacitação profissional dele, foi concebido a partir dessa lógica.

A respeito do fato de a educação ter ser tornado, cada vez mais, acessível,
no século passado, ela, também, tornou-se mais massificada e homogênea. O
aprendizado passou a ser entendido como um fim, voltado, principalmente, para a
“formação e a qualificação” de trabalhadores, e o ensino, como em uma linha de
montagem, a seguir um cronograma produtivo, sendo, o conhecimento, dividido
em disciplinas. Essas disciplinas foram organizadas em conteúdos curriculares,
distribuídos em anos seriados, alocados em semestres, ministradas em cargas
horárias equalizadas na semana, segundo uma programação prévia, a qual, ne-
cessariamente, não respeitava o ritmo do aluno – motivo pela qual existe o con-

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

ceito que permite afirmar que um aluno está atrasado, ou adiantado. O objetivo
desse sistema de ensino é fornecer, ao aluno, a maior quantidade de conteúdo
possível, necessário para a formação profissional dele, e no menor prazo.

Segundo essa lógica, o tempo dedicado ao lazer passou por um processo


semelhante de formatação, em especial, se considerado à luz dos meios de co-
municação de massa, uma vez que, na sociedade atual, grande parte do tempo
destinado ao lazer tende a se relacionar com a fruição desses meios. Como os
principais veículos (cinema, rádio, televisão, jornal) retiram parte do sustento da
venda de espaços publicitários, quanto mais “programáveis” e modulares forem,
maior será a capacidade de ofertarem esses espaços, por meio de um processo
de especialização das técnicas produtivas. Assim, lentamente, instaurou-se o con-
ceito de programação, ou seja, a veiculação de dado conteúdo/programa em um
horário estipulado, em um processo que faz com que tempo, espaço e cultura se
tornem cada vez mais homogeneizados.

Em 1936, Charles Chaplin produziu o filme Tempos Modernos. Foi


uma crítica ao capitalismo, aos maus tratos dos trabalhadores e à alie-
nação resultante da lógica produtiva da linha de montagem. Considere
assistir a esse filme, e o analise à luz do que estamos tratando aqui. Você
pode encontrá-lo em https://www.youtube.com/watch?v=ZUtZ8q_vkKY.

Nesta sociedade, marcada pelo ritmo do relógio, o tempo e as atividades cotidia-


nas não são algo a ser fruído, ou aproveitado, mas um bem a ser maximizado, com o
imperativo de se extrair o máximo de produção de cada indivíduo. O tempo dedicado
à produção (trabalho) é validado, e ao não trabalho (ócio) é considerado improduti-
vo. A sociedade passa a dar mais valor e status a todos aqueles que se dedicam às
chamadas “práticas produtivas”, assim, por essa lógica, todo tempo dedicado ao não
trabalho é improdutivo, efetivamente, um “tempo desperdiçado” (DE MASI, 2001).

Consequentemente, a partir da lógica operacional, o sistema educacional que visa


formar “adultos produtivos” não tem espaço para considerar as subjetividades, os tem-
pos e as peculiaridades desses alunos, o que acaba por fazer que, efetivamente, seja
um processo bem desinteressante, insosso, e, em última instância, desagradável.

Cônscios da questão em jogo, muitos educadores e pesquisadores da edu-


cação se debruçaram sobre o desafio de “remediar” o processo educacional,

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Gamificação na Educação

para, de certa forma, a fim de manter os princípios, tentar torná-lo mais “palatável”
aos alunos. De particular interesse para todos nós, são aqueles que focaram a
própria atenção em um fenômeno que, ainda, está em curso, e que, nas últimas
décadas, ganhou proeminência na sociedade: os jogos digitais. Tais pesquisado-
res constataram que, nas mais diferentes versões e modalidades, os jogos digitais
tinham uma característica especial: conseguiam fazer com que os mais diferentes
públicos se engajassem, ativamente, com eles, e por horas e horas.

Aos olhos dos pesquisadores, os jogos digitais, com a capacidade de cap-


tura de atenção deles, se pudessem ser entendidos e emulados, gerariam algo,
indiscutivelmente, benéfico aos processos educacionais. Assim, parte das pes-
quisas passou a focar nos aspectos estruturantes dos jogos, a fim de decupar os
elementos fundamentais deles para, posteriormente, extrapolá-los em contextos
de não jogos, o que é a essência da gamificação, tema que abordaremos, com
profundidade, no Capítulo 2.

FIGURA 2 – FASCÍNIO PELOS JOGOS DIGITAIS

FONTE: <https://www.teentor.com/articles/is-my-child-addicted-
to-video-games.htm>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Contudo, parece que, ao fazê-lo, parte desses pesquisadores deixa de per-


ceber o quadro mais amplo: jogos digitais são, apenas, uma versão mais nova
de um fenômeno muito mais antigo, que são os jogos. Os jogos têm uma relação
muito mais profunda com as nossas sociedade e cultura, e, a partir de uma pers-
pectiva educacional, geram um processo de aprendizagem mais natural e intui-
tivo. De fato, se se trabalha com oposições, pode-se considerar que o jogo se
relaciona com a “forma como se aprende quando não se está na escola”.

Um dos aspectos mais difíceis de qualquer estudo, ou proposta que trabalho


que verse sobre gamificação, jogos e ludicidade, é a compreensão, além do di-
mensionamento do que, efetivamente, se trata. O que é um jogo?

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

Para Petry (2016), os jogos digitais são novos objetos das nossas cultura e
sociedade, os quais surgiram no contexto da computação e que extravasam esse
campo de nascimento. Para ele, esses jogos são um objeto cultural que, não so-
mente, participa da cultura, mas, ao mesmo tempo, ressignifica-a. Decorrente des-
sa relação, são difíceis de ser apreendidos, sendo enigmáticos e polissêmicos. Ain-
da, só podem ser, corretamente, compreendidos a partir do domínio de diferentes
áreas do conhecimento. Atravessam disciplinas e saberes, não sendo uma posse
de nenhum deles, um objeto conceitual e de aprendizagem ao mesmo tempo, ge-
nuinamente, interdisciplinares e transdisciplinares. Os jogos digitais são a conden-
sação e a potencialização de tudo que existe, sendo criados, no Ocidente, como um
só objeto, que é, ao mesmo tempo, polimorfo, polissêmico e pluralista.

Lynn Alves, pesquisadora que investiga o emprego de jogos digitais na educa-


ção, entende que eles apresentam novas possibilidades, as quais vão além do aces-
so a tecnologias digitais, como interagir com elas, pensar e construir conhecimentos:
oferecem uma nova forma de se imergir em contextos históricos que, ao mesmo tem-
po, podem estar próximos ou distantes do cotidiano, em forma de modos seguros de
experimentar e de vivenciar diferentes realidades (ALVES et al., 2010).

Para Alves et al. (2010), da mesma forma que o cinema e a literatura se ma-
nifestam nos mais diferentes gêneros, já consagrados, o jogo digital é mais com-
plexo, e, potencialmente, inovador, pois não se adequa aos gêneros já existentes,
uma vez que o jogador ocupa uma posição única, ao participar, diretamente, do
desenvolvimento de uma ação. Diferentemente do ato de ler um texto ou de as-
sistir a um filme, a partir do qual a possibilidade é pedir, ao leitor/expectador, que
pense, imagine ou opine, sem a menor possibilidade de interferir na escrita ou na
filmagem, já realizada, no jogo digital, o pressuposto inicial é, justamente, o de
que o jogador interaja.

Crê-se que, aqui, fica evidente o elemento de maior valia para todos aqueles
que apostam no potencial da aplicação de jogos digitais e/ou processos de gami-
ficação em contextos educacionais, que é a possibilidade de que o aluno seja o
autor do próprio percurso de aprendizagem, um criador autônomo. Entre a passi-
vidade do modelo tradicional de ensino e a customização possível dos jogos ao
aluno, as vantagens se tornam evidentes.

Gilson Schwartz (2014) propõe que o cinema, o rádio e a televisão são eta-
pas de um processo de mudanças características da sociedade da informação,
assim como os jogos digitais. Na obra, o autor avalia as oportunidades e os riscos
que os jogos digitas apresentam para a sociedade, em especial, quando conside-
rada a inserção deles na infância e nos espaços escolares. Para balizar a análise,
Schwartz (2014) faz uma oposição entre o momento em que se vive, considera-
das as formas de pensar, fazer e brincar do conhecimento digital, com o berço da

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Gamificação na Educação

civilização ocidental, a Grécia. Para ele, é inconcebível compreender a estrutu-


ração e a articulação do projeto de sociedade grego sem abordar o conceito de
paideia, que, de forma resumida, denominava o sistema de educação e formação
ética, ao objetivar a formação de um cidadão completo, capaz de liderar e de ser
liderado, e desempenhar um papel positivo na sociedade.

A paideia considera a formação do homem através do contato


orgânico com a cultura, organizada em cursos de estudos, com o
centro nos studia humanitatis, que amadurece por intermédio das
reflexões estética e filosófica e encontra, na pedagogia (na teori-
zação da educação, subtraída a influência única do costume), o
próprio guia [...]. É o produto mais alto, complexo e mais típico da
elaboração cultural grega e um dos legados mais ricos da cultura
ocidental, por parte do mundo antigo (CAMBI, 1999, p. 49).

Confira, no texto a seguir, da Infoescola, mais detalhes da pai-


deia: https://www.infoescola.com/educacao/paideia/.

Compreende-se, assim, o espaço escolar como um espaço formalizado, de


aquisição cultural. Desde a época de Aristóteles, o tempo do aprendizado é um
tempo fora das obrigações cotidianas, um percurso que leva ao prazer e que deve
ser cultivado em si e para si (o trabalho produtivo, denominado de a-scholia). A
escolarização, antes de ser uma institucionalização, é a condução da criança para
um espaço que está fora do jogo real da sobrevivência, espaço no qual encon-
tra o próprio tempo. Nessa concepção, cultura e formação educacional (escola)
não são esferas independentes, mas universos entrelaçados, cuja teia é tecida
no cotidiano. Juntas, tornam-se elementos socializadores, capazes de modificar
as formas de pensar, e, consequentemente, se conduzidas de forma ordenada e
planejada, permitem falar de projetos de nação.

FIGURA 3 – PAIDEIA GREGA

FONTE: <https://aefreixo.pt/comunica/a-civilizacao-grega-
religiao-desporto-e-arte-2/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

Conforme aponta Schwartz (2014), nos mundos híbrido e complexo, analógi-


co e digital, material e imaterial, nos quais a experiência de cada indivíduo combi-
na o real com o imaginário e o simbólico, os jogos digitais vêm para “incrementar”,
com potência, tal processo. De fato, esses jogos são, somente, uma nova instân-
cia – digital – de um processo mais antigo e amplo, o do próprio jogo.

Se, atualmente, pertencer a uma sociedade e a uma cultura pressupõe um


processo de alfabetização visual; domínio de ferramentas intelectuais, como sof-
twares e heurísticas; e acesso a habilidades teóricas, saberes e desejos, sem os
quais o mundo não faz sentido, na esfera simbólica, vive-se um constante fluxo de
informações, as quais caracterizam o que se convencionou chamar de cibercultu-
ra. “Em uma cultura de caçadores, as crianças brincam com arco e flecha. Na so-
ciedade da informação, elas brincam com informação" (JENKINS, 2009, p. 185).

Para que se possa compreender o papel dos jogos, e, em especial, dos jo-
gos digitais na nossa sociedade, é necessário que se mapeiem, além de que se
avaliem as interações entre esses fluxos informacionais, a sociedade a que per-
tencem e os símbolos que as mídias provocam na troca simbólica, ou seja, não é
possível compreender o jogo digital desconectado da esfera cultural.

Alinha-se, com esses autores, a compreensão de que os jogos digitais tra-


zem abrangência, penetração e capacidade de disseminação inauditos aos fenô-
menos relacionados à esfera cultural. Ressalta-se que a relação entre o homem
e o lúdico, expressa pela interpendência entre cultura e jogo, é muitíssimo mais
antiga. Assim, por que o jogo e o lúdico foram excluídos dos processos educacio-
nais e como se pode fazer para remediar essa questão?

Para isso, acredita-se que seja fundamental, primeiramente, esclarecer o


conceito de jogo, objeto da próxima sessão.

1 Ken Robinson, escritor, palestrante, consultor internacional de


educação nas artes para o governo ingles, foi professor de Edu-
cação Artística na Universidade de Warwick.

Autor dos livros Escolas Criativas, Somos Todos Criativos e O


Elemento, possui uma posição bem crítica no que tange ao mo-
delo de escola de hoje.

Ao citar Picasso, que disse que “todas as crianças nascem artis-


tas, o desafio é permanecerem artistas enquanto crescem”, Ken

19
Gamificação na Educação

faz uma crítica ao atual sistema educacional, que, para ele, edu-
ca as crianças, mas sufoca a criatividade delas, pois faz com que
tenham pavor de cometer erros.

Como coloca o autor, o potencial criativo é tão importante, hoje,


quanto ser alfabetizado.

Uma palestra proferida por ele, para o TED, há mais de uma dé-
cada, continua atual, e pode ser conferida em https://www.you-
tube.com/watch?v=iG9CE55wbtY&ab_channel=TED. Assim, com
base no que foi apresentado nesta sessão e na palestra de Ken
Robison, redija um texto dissertativo, considerando o papel da es-
cola na sociedade atual e a relação desta com o lúdico. Conside-
re os seguintes tópicos:
• Conceitos e propósitos da escola no passado e atualmente.
• Ideia de uma oposição entre aprendizado e diversão.
• Uma análise do modelo de ensino praticado.

2.1 CONCEITO DE JOGO (PLAY)


Não é possível se compreender o jogo desconectado da esfera cultural.
Como colocam Salem e Zimmerman (2012), os jogos refletem os valores cultu-
rais, uma vez que são contextos para a aprendizagem cultural, ou seja, são um
lugar onde os valores de uma sociedade são incorporados e transmitidos. Embora
esses jogos reflitam, claramente, os valores culturais e as ideologias, eles não
desempenham, meramente, um papel passivo, também, ajudam a incutir, ou a
fortalecer o sistema de valores da cultura. Ver os jogos como contextos sociais,
para a aprendizagem cultural, é reconhecer como eles repetem, reproduzem, e,
por vezes, transformam as crenças, os princípios culturais.

Durante muito tempo, o estudo dos jogos se limitou a ser a história dos brin-
quedos, entendidos como simples e insignificantes, diversões infantis. Sequer se
sonhava em atribuir, a eles, algum valor cultural. Contudo, partir da tese de Huizin-
ga, publicada em 1938, apresentou-se uma proposição contrária. De fato, instaura-
-se um cenário que compreende duas teses contraditórias: de um lado, os jogos são
apresentados, sistematicamente, como degradações das atividades dos adultos, as
quais, com a perda da seriedade, descem a nível de distrações anódinas; de outro,
o espírito lúdico é tido como base de fecundas convenções, as quais permitem o
desenvolvimento das culturas e estimulam o engenho, o esmero e a invenção.

20
Capítulo 1 Jogos E Cultura

É comum que os pesquisadores de jogos referenciem Johan Huizinga (1999)


como um dos primeiros autores contemporâneos a abordar, de “forma séria”, a
questão dos jogos. Huizinga (1972-1945) foi um historiador e linguista holandês
que ficou conhecido por trabalhos nas áreas de história da cultura, teoria da his-
tória e crítica da cultura. Muitos estudos dele, que retratam o papel do lúdico na
cultura, estão contidos na obra Homo Ludens (1999).

Huizinga (1999) propõe que a relação entre o lúdico e a cultura precede o


próprio conceito de sociedade. Dito de outro modo, o lúdico é fundamental para
os processos de aprendizagem e socialização humana, tanto que, a partir dele,
articula-se a sociedade. O corpo central da tese dele é a de que o jogo se trata de
uma manifestação cultural, a partir do qual a articulação do que se entende como
sociedade humana é instrumentalizada. Assim, o espírito de competição lúdica,
entendido como impulso social, é mais antigo do que a cultura. Mesmo atividades
que visem à satisfação imediata de necessidades vitais, como a caça, tendem a
assumir, nas sociedades primitivas, uma forma lúdica.

O jogo é mais do que um fenômeno fisiológico, ou um reflexo


psicológico, ultrapassa os limites da atividade, puramente, fí-
sica ou biológica, sendo uma função significante, ou seja, en-
cerra, em si, um sentido que transcende as necessidades ime-
diatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa
alguma coisa (HUIZINGA, 1999, p. 4).

A existência do lúdico não está ligada a qualquer grau determinado de civili-


zação, ou a qualquer concepção de universo. A própria existência do lúdico é uma
confirmação da natureza humana e das grandes atividades arquetípicas, que são,
desde o início, inteiramente, marcadas pelo jogo. A vivacidade e a graça estão
ligadas às formas mais primitivas de jogos, sendo que a atividade humana atinge
o apogeu, e as formas mais complexas de jogo estão saturadas de ritmo e harmo-
nia (HUIZINGA, 1999). Assim, desde as sociedades mais primitivas, o lúdico está
presente em todas as atividades.

Um suporte, para o argumento trazido, pode ser observado no comportamen-


to das crianças, e, até mesmo, no dos animais, que, desde a mais tenra idade, já
manifestam características lúdicas, como: ordem, tensão, movimento, mudança,
solenidade, ritmo e entusiasmo. Somente, nos estágios mais tardios da socieda-
de, o jogo passa a ser associado à expressão de alguma coisa, nomeadamente,
a algo que podemos chamar de “vida”, ou “natureza”. O que era jogo, desprovido
de expressão verbal, adquire, agora, uma forma poética. “Pouco a pouco, o jogo
vai adquirindo a significação de ato sagrado. O culto vem se juntar ao jogo, sendo,
este conteúdo, o fato inicial” (HUIZINGA, 1999, p. 21). O autor ilustra a proposta
por meio de exemplos da relação entre jogo e linguagem: defende como ambos
têm funções culturais – o jogo e a poesia, o jogo e o direito, o jogo e a guerra, o
jogo e o conhecimento e o jogo e a arte.
21
Gamificação na Educação

FIGURA 4 – JOGO E CULTURA (XADREZ) - PERGAMINHO PERSA


DO SÉCULO XV E CENA DO FILME O SÉTIMO SELO (1957)

FONTE: <https://muslimheritage.com/game-of-kings/>; <https://clicmetu.wordpress.


com/2013/09/27/o-setimo-selo-jogando-xadrez-com-a-morte/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Em um primeiro momento, pode parecer que a proposição do autor é exage-


rada. Entender o jogo como um articulador social não é “inflar” a importância dele?
Parte desse estranhamento é oriundo de uma barreira linguística. Quando Huizin-
ga (1999) trata do jogo, ele o faz a partir da palavra inglesa “play”, e do vocábulo
alemão “spiel”, que, nas línguas originais, tem um significado mais abrangente.
Considere, por exemplo, o termo play, no inglês. Play pode ser entendido como
brincar (to play), mas, também, abarca a ideia de jogar um jogo (to play a game),
tocar um instrumento musical (to play an instrument), e, até mesmo, interpretar
um papel (to play a role). Assim, o conceito de play envolve, simultaneamente, o
brincar, o jogar, o tocar e o interpretar, e vai além de significados isolados, ao pas-
so que, em português, acaba-se por utilizar um termo específico para cada uma
dessas atividades. Como modo de minimizar essa questão, alguns autores usam
o termo lúdico, ou ludicidade.

Ludicidade tem origem na palavra latina “ludus”, que significa


jogo, e é muito utilizado na educação infantil. Compreende os jogos e
as brincadeiras, mas não está restrito a eles. Permite que as crianças
aprendam e desenvolvam capacidades por meio de brincadeiras, de
modo que os exercícios de aprendizagem sejam adaptados à ma-
neira como essas crianças interpretam o mundo. Assim, tem-se uma
absorção do conhecimento de maneira leve e natural, por um proces-
so prazeroso e que respeita a individualidade de cada um, o que per-
mite que a pessoa expresse sentimentos e emoções e desenvolva
habilidades de socialização.

22
Capítulo 1 Jogos E Cultura

Assim, a proposta de Huizinga (1999) pode ser entendida como o seguinte:


a partir de atividades, como o brincar e o jogar, e do emprego de instrumentos
musicais, da interpretação de papéis e do espírito lúdico, as sociedades articulam
a própria cultura. Faz sentido, não?! De fato, uma escola que incorpore esses
princípios parece algo muito interessante.

FIGURA 5 – ESCOLA E LÚDICO - ØSTERSKOV EFTERSKOLE - DINAMARCA

FONTE: <https://www.instagram.com/osterskovefterskole/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Você consegue imaginar uma escola na qual o conteúdo cur-


ricular é abordado a partir da interpretação de papéis e de jogos?
Essa é a proposta pedagógica da Østerskov Efterskole, uma escola
da Dinamarca, localizada em Hobro. Todo o projeto pedagógico dela
é desenhado a partir do conceito de play. Seu mantra: “um aprendi-
zado que faz sentido”. Você pode conhecer mais a respeito dessa
escola no vídeo a seguir, feito pela Deutsche Welle (Não se esqueça
de ativar a legenda automática do Youtube!): https://www.youtube.
com/watch?v=e9SsnK6t-z8&ab_channel=DWDocumentary.

A partir dessa premissa, Huizinga (1999) focou a própria atenção nas difíceis
tarefas de definir o que é um jugo e de determinar quais são os componentes
fundamentais dele, bem complexas. Assim, considere a seguinte questão: embo-
ra não se tenha dificuldade alguma para se determinar o que é uma brincadeira,
além de quando se participa de uma, como se pode definir o que é brincar, e que
elementos o compõem?

23
Gamificação na Educação

Para Huizinga (1999), o primeiro, e, talvez, mais fundamental elemento que


caracterize o jogo é o fato de ele ser uma atividade voluntária. Simplesmente, não
se pode obrigar alguém a participar de um jogo, pois, uma vez que há a obriga-
ção, este o deixa de ser, sendo, no máximo, uma imitação forçada.

Além de ser livre, o jogo possui uma característica, intimamente, ligada à pri-
meira: o jogo não é a “vida real”. Pelo contrário, caracteriza-se, justamente, por ser
uma evasão da vida real, um faz de conta. Toda criança consegue compreender,
perfeitamente, quando está “só brincando” em comparação a quando “é de verda-
de”. Vale salientar que essa consciência do fato de “só estar fazendo de conta”, no
jogo, não impede, de modo algum – pelo contrário –, que ela se processe com a
maior seriedade, com envolvimento e entusiasmo que podem beirar o arrebatamen-
to. Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver, inteiramente, o jogador.

A terceira característica do jogo, que o distingue da vida “comum”, é o lugar,


além da duração que ele ocupa, ou seja, a natureza de isolamento e a limitação.
O jogo cria limites, dentro do tempo e do espaço, que possuem um caminho, sen-
tido e regras próprios, fenômeno que Huizinga (1999) chamou de “círculo mágico”.

Surge, então, a quarta característica: nele, reina uma ordem específica e ab-
soluta, ou seja, o jogo cria ordem, por assim dizer, ele é a ordem. Dito de outra
forma, o jogo se introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo, e esta-
belece uma perfeição temporária e limitada. Dentro dele, há uma ordem suprema,
sendo que a menor desobediência “estraga o jogo”, pois se priva do próprio cará-
ter e de todo e qualquer valor.

Em suma, “o jogo é uma atividade, ou ocupação voluntária, exercida dentro de


certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras, livremente,
consentidas, mas, absolutamente, obrigatórias, datado de um fim em si mesmo,
acompanhado dos sentimentos de tensão e de alegria e de uma consciência de ser
algo diferente da “nossa vida comum cotidiana”” (HUIZINGA, 1999, p. 33).

Segundo algumas linhas de pesquisa, o ato de se engajar em atividades lú-


dicas é algo que pode ser considerado instintivo para os mamíferos, uma vez que
se pode constatar que, não somente, crianças humanas, mas grande parte dos
animais infantes brinca. De uma perspectiva neurofisiológica, brincar (play) per-
mite que animais aprendam a respeito do próprio ambiente e das regras de en-
gajamento social, com amigos e inimigos. A interação lúdica permite um “ensaio”
dessas atividades em condições quase reais, mas livres de penalidades. Assim,
a consciência corporal, adquirida em brincadeiras de corpo a corpo, com irmãos,
por exemplo, ou o aprendizado de quanto abuso uma mamãe tolera antes de ficar
irritada, serve, mais tarde, para lutas, caçadas e interações sociais, para a maioria
dos animais. De fato, estudos da área de neurociência têm enfatizado a relação

24
Capítulo 1 Jogos E Cultura

entre processos de aprendizagem e socialização humana, seja na dimensão, pu-


ramente, cognitiva, seja na dimensão neurofisiológica, como responsável pela for-
ma como o próprio cérebro é moldado.

FIGURA 6 – URSO POLAR BRINCANDO SOZINHO E COM UM CACHORRO

FONTE: <https://www.amazon.com/World-Polar-Bear-Norbert-Rosing/dp/1554076315>;
<https://www.pinterest.dk/pin/534098837031105183/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Na esfera educacional, um conceito semelhante, em especial, no que se refere


ao desenvolvimento infantil, está presente na obra de Piaget, que considera funda-
mental que se proporcionem, às crianças, atividades que promovam e estimulem o
desenvolvimento global delas, considerados aspectos, como a linguagem, a cog-
nição, o afeto, a coordenação motora e o social. A partir da articulação entre jogo
e cultura, aproxima-se a tese de Vygotsky, que via, na brincadeira, uma forma de
desenvolvimento individual para a criança, o que a ajudava a internalizar as regras
sociais, a assumir comportamentos mais avançados que aqueles vivenciados no
cotidiano, e se aprofundava, assim, o conhecimento dela das dimensões sociais.

De grande contribuição para essa discussão, há os estudos de Roger Cail-


lois (1913-1978), em especial, na obra Os Jogos e os Homens (1990). Sociólogo,
crítico literário e ensaísta francês, Caillois (1994) considera que existem, entre
os jogos, os hábitos e as instituições, relações estreitas de compensação e de
convivência, e se propõe a investigar a relação entre o desenvolvimento e a es-
tagnação culturais, via uma sociologia a partir dos jogos. Assim, quanto mais sig-
nificativos forem, mais os jogos dependem da cultura na qual são praticados. Por
ilação, validam a própria presença no espaço escolar, visto que este é entendido
como espaço de cultura.

Caillois (1990) se aprofunda nos conceitos desenhados por Huizinga (1999), ao


considerar a fecundidade do espírito do jogo no domínio da cultura, em especial, dos
jogos de competição regrada. Para o autor, esse espírito do jogo é essencial à cultura.
Dialoga com Piaget, Vygotsky, Levi-Strauss, dentre outros, em uma obra sociológica
que faz aporte na antropologia, na psicologia e na etnografia. O autor propõe uma clas-
sificação que diferencia os jogos, de acordo com as naturezas deles, e os agrupa em:
25
Gamificação na Educação

• Agôn. Jogos nos quais a atividade competitiva é fundamental. As regras


servem para tentar criar situações ideias e igualitárias para todos os par-
ticipantes, com o intuito de que o vencedor seja aquele que está melhor
preparado. O Agôn se manifesta, predominantemente, em competições
esportivas.
• Alea. Jogos quase que em oposição direta ao tipo Agôn. Aqui, o jogador
atua passivamente, não faz uso de qualquer habilidade, previamente, ad-
quirida, assim, anula qualquer qualificação profissional. Predominam o
acaso, o destino, a sorte, manifestados nas sociedades, nos mais diver-
sos jogos de azar, como roleta, bingo, loteria etc.

FIGURA 7 – EXEMPLOS DE AGÔN E DE ALEA NA CULTURA


BRASILEIRA - FUTEBOL - JOGO DO BICHO

FONTE: <https://www.torcedores.com/noticias/2014/11/8-brincadeiras-de-futebol-
de-rua-que-vao-te-deixar-com-saudades-da-infancia>; <https://academiadeapostas.
com/quanto-paga-o-jogo-do-bicho/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Mimicry. Jogos fictícios nos quais os participantes adotam, para si, os


papéis de determinados personagens, uma forma de apropriação de
uma realidade que não é a deles. Na criança, esses jogos se caracte-
rizam, principalmente, pela imitação da vida adulta, pelo prazer de ser
outra pessoa, ou, pelo menos, passar-se por outra. Um exemplo de
manifestação, na nossa sociedade, são os jogos de RPG (Role Playing
Game).
• Ilinx. Jogos que se baseiam na busca da sensação de vertigem. Têm o
intuito de destruir a estabilidade de percepção do corpo humano, assim,
busca-se, de certo modo, atingir uma espécie de transe, de afastamento
súbito da realidade. Essa sensação pode ser obtida por meio de giros e
de voltas rápidas. Na sociedade, manifestam-se em quase todos os brin-
quedos presentes em um parque de diversões (montanha-russa) e em
um parquinho (gira-gira e escorrega).

26
Capítulo 1 Jogos E Cultura

FIGURA 8 – EXEMPLOS DE MIMICRY E ILINX NA CULTURA


BRASILEIRA - BOI-BUMBÁ - CIRANDA CIRANDINHA

FONTE: <https://lupaternostro.com/tracos-do-brasil-boi-bumba-lu-paternostro/>; <https://


mareonline.com.br/ciranda-cirandinha-vamos-todos-cirandar/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O propósito de Caillois (1990) era poder escalonar os jogos entre dois polos
antagônicos. Em uma extremidade, reina o princípio da diversão, do improviso e
da expansão despreocupada, o que ele designa como paidia; e, na outra, uma ne-
cessidade de subordinar as regras convencionais, imperiosas e incômodas, cada
vez mais presentes nos jogos, com o propósito de dificultar o alcance dos objeti-
vos desejados, o que demanda um número crescente de tentativas e persistência
na habilidade, artifício que designou como ludus.

Para Caillois (1990), o jogo é um importante recurso sociológico, que nos


permite desvendar a estrutura cotidiana. Além disso, a prática dele influencia, di-
retamente, as vidas das pessoas, assim, não pode ser entendido como uma ativi-
dade banal e frívola. O universo dos jogos seria um “modelo” de visualização da
sociedade. Também, para Caillois (1990), uma análise atenta da história mostra
como os jogos, sempre, estiveram presentes na sociedade. Os competitivos se
tornam desportos; os de imitação, religião; os de azar, instrumentos lógicos e eso-
téricos; e, os de vertigem, fuga hedônica (PICCOLO, 2008).

Assim, persuadido de que existem, forçosamente, entre os jo-


gos, os hábitos e as instituições, relações estreitas de com-
pensação e de conivência, parece-me razoável investigar se o
próprio destino das culturas, a hipótese de sucesso e o risco de
estagnação não estarão, igualmente, incluídos na preferência
dada a uma ou a outra das categorias fundamentais em que
eu considerei possível dividir os jogos, diferentes que são na
fecundidade. Melhor dizendo, não esboço, simplesmente, uma
sociologia dos jogos. A intenção é lançar as bases de uma so-
ciologia a partir dos jogos (CAILLOIS, 1990, p. 89).

À luz das propostas desses dois autores, revisar-se-á a compreensão da re-


lação entre cultura e jogo na próxima sessão.

27
Gamificação na Educação

1 Kirikou e a Feiticeira é uma animação francesa dirigida por Michel


Ocelot, lançada em 1999. A animação se passa na África Oci-
dental, em um passado não determinado, no qual nasce um pe-
queno garoto – Kirikou –, cujo tamanho não alcança o joelho de
um adulto, o qual tem um destino heroico: enfrentar a poderosa
e malvada feiticeira Karabá, que secou a fonte de água da aldeia
de Kirikou, engoliu todos os homens que foram enfrentá-la e se
apoderou de todo ouro da tribo. Kirikou deve enfrentar diversos
perigos e se aventurar por lugares nos quais, somente, pessoas
pequeninas podem entrar. Você pode conferir a animação com-
pleta, dublada em português, em https://www.youtube.com/wat-
ch?v=Q4IuNCxQ-gs.

Ao tomar, como base, o que foi visto neste capítulo, redija um


texto dissertativo, apontando a relação entre o jogo e a cultura.
Utilize a animação como fonte de exemplos. Tente demonstrar a
presença dos conceitos propostos por Huizinga (1999) e Caillois
(1990) na animação. Aborde os seguintes conceitos:

• Relação entre jogo e cultura.


• Abrangência do conceito de lúdico (play) com exemplos do filme.

2.2 JOGO E CULTURA


Embora a discussão acerca do conceito de jogos venha sendo tratada desde
o século VI a.C., com base nas reflexões do filósofo Heráclito, que via, neles, um
elemento mais elevado do que a administração e a política (PETRY, 2016), a rela-
ção deles com a cultura toma corpo, como disciplina teórica, a partir do século XX,
com Huizinga (1999) e Caillois (1990).

É importante se lembrar de que, ao versarem sobre a relação en-


tre jogo e cultura, Huizinga (1999) e Caillois (1990) não se referem,
apenas, ao ato de jogar, mas a uma pletora de comportamentos e
ações, contidos no conceito de play. Pelo fato de serem utilizados ter-
mos distintos na língua portuguesa, como brincar, jogar, tocar e inter-

28
Capítulo 1 Jogos E Cultura

pretar, pode-se criar a falsa impressão de que se tratam de elementos


distintos, quando, na verdade, todos eles pertencem à atividade lúdica,
e, consequentemente, entrelaçam-se na relação entre jogo e cultura.

Ao serem estudadas as histórias das civilizações, jogos, brinquedos e brin-


cadeiras podem ser entendidos como marcas evidentes do processo de consubs-
tancialidade entre jogo e cultura, na forma de resíduos materiais e imateriais. De
acordo com esses mesmos estudos, o jogo, além de ser associado ao lazer e à
diversão, manifesta uma atividade produtiva socialmente, pois expressa diferen-
tes mentalidades, potencial criatividade e possibilidade de interação social.

Alves (2010) aponta que o jogo se apresenta como um fenômeno cultural


permanente, visto que pode ser repetido, transmitido e ressignificado a qualquer
momento, independentemente da natureza ou época, de maneira a conservar,
transmitir e renovar a memória de uma cultura ou de uma geração.

Para Zanolla (2010), pelo fato de a função do jogo se aliar a valores expres-
sivos, como à arte, este atinge vários setores da sociedade, sendo uma referência
cultural. Dentre as várias frentes sociais que o jogo alcança, historicamente, duas
se destacam com precisão: a formação de valores educacionais e culturais, e as
manutenções econômica e política de uma determinada sociedade, seja ela qual
for. A autora aponta que, desde o período clássico, na Roma e na Grécia, o jogo
constitui uma ferramenta primordial a serviço da educação. Na era clássica grega,
o jogo tinha um lugar privilegiado, era realizado em grandes santuários. As olimpí-
adas eram os únicos momentos em que cessavam as guerras e todas as cidades
podiam participar. Para a autora, o sistema educacional institucionalizado serviu
com ponto de ruptura e afastamento do lúdico como aculturador.

O advento do capitalismo tratou de institucionalizar a educação


das crianças, o que não ocorria na Idade Média, pois eram edu-
cadas, apenas, pela família. Assim, a convivência estreita possi-
bilitava uma educação ampla, que envolvia atividades artísticas
e sociais. Permitia, à criança, não apenas, aprender regras de
etiqueta e frequentar o teatro com os adultos, mas, também, par-
ticipar de jogos, brincadeiras e festas (ZANOLLA, 2010, p. 24).

A relação entre brinquedo (jogo), educação e cultura é o objeto dos estudos


coordenados por Tizuko Kishimoto. Dentre as constatações do grupo de pesquisa
dele, está o impacto que a diversidade cultural tem nas formas do brincar infantil
(KISHIMOTO, 2004). Em pesquisa que relacionava o brincar e as profissões dos
pais de crianças, constatou-se que, quanto mais se avança nos estratos sociais

29
Gamificação na Educação

das famílias, maior é a equidade no brincar. O estudo, ainda, aponta a influência


portuguesa nos contos de assombração ou ninar brasileiros (KISHIMOTO, 2016).
Outra constatação é que a cultura educacional das crianças, no Brasil, favorece
uma filosofia centrada no adulto, que ensina a fazer de conta, e conduz o uso de
brinquedos com propósitos educacionais. Os professores exigem imobilidade e
silêncio na sala de aula, e, segundo eles, a brincadeira é melhor quando feita em
playgrounds, ao passo que as salas de aula são, primariamente, para o aprendi-
zado. Como aponta Kishimoto (2016), a diversidade das culturas tem impacto nas
formas do brincar infantil, e o ato de brincar, também, tem influência na transmis-
são cultural, como evidenciam Kobayashi & Morinishi (2016), em um estudo que
abarca narrativas japonesas no brincar.

FIGURA 9 – BRINQUEDOS E CULTURA - BONECA EGÍPCIA (CINCO MIL ANOS)


- CAVALO GREGO (TRÊS MIL ANOS) - PETECA CARAJÁ (SEM DATA)

FONTE: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/10-
brinquedos-e-jogos-do-egito-antigo.phtml>; <https://www.professoraisabelaguiar.
com/2021/02/a-historia-dos-brinquedos.html>; <https://www.levyleiloeiro.
com.br/peca.asp?Id=130364>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Walter Benjamim (2009), que possuía uma extensa coleção de brinquedos,


considera a relação entre cultura e jogo no brincar:

A essência do brincar não é um “fazer como se”, mas um “fa-


zer, sempre, de novo”, uma transformação da experiência mais
comovente em hábito, pois é o jogo, e nada mais, que dá, à
luz, todo hábito. Comer, dormir, vestir-se, lavar-se devem ser
inculcados no pequeno e irrequieto de maneira lúdica, com o
acompanhamento do ritmo de versinhos. O hábito entra na vida
como brincadeira, e, nele, mesmo em formas mais enrijecidas,
sobrevive, até o fim, um restinho de brincadeira (BENJAMIN,
2009, p. 102).

A relação entre o brincar e a cultura se manifesta, também, na metodologia


educacional jesuítica, na qual a Ratio Studiorum propunha um ensino mais ativo, a

30
Capítulo 1 Jogos E Cultura

fim de envolver o desenvolvimento da inteligência pelos jogos do espírito, da saúde,


do corpo e de exercício. Essa metodologia jesuítica valorizava a aula ativa, a coo-
peração, o papel do professor e as especificidades infantis, o que leva ao uso de
diferentes materiais e recursos, os quais incluem a construção de materiais concre-
tos e específicos para o ensino das letras, da leitura, da escrita e da contagem, com
recursos pedagógicos conhecidos, como jogos educativos (NOGUEIRA, 2016).

A tarefa de instruir: ensinar a ler, a escrever e a contar; as ofici-


nas profissionais e agrícolas; os cursos de canto, de dança; a
continuidade dos estudos nas aulas de gramática; e, depois, o
plano de estudos proposto pela Ordem Jesuítica foram cumpri-
dos. As crianças índias, as mestiças, as órfãs da terra, as filhas
dos portugueses aprendiam, realmente, do ponto de vista da
aquisição dos mecanismos que permitem o acesso aos bens
culturais (NOGUEIRA, 2016, p. 109).

O filme A Missão (1986) retrata a instauração das missões jesuí-


ticas no Brasil, e, nele, poderemos conferir parte da prática do pro-
cesso de ensino, em especial, no tocante às artes e à música. Segue
uma versão dublada do filme em https://www.youtube.com/watch?-
v=cTT6mRiINYE&ab_channel=Filipe.

É salutar que apontemos os estudos de Brougère (2010) no que tange à rela-


ção entre brinquedo e cultura. Entende-se que os estudos que envolvem brinque-
dos, também, pertencem ao campo das investigações da relação jogo e cultura.

Toda socialização pressupõe a apropriação da cultura, de uma


cultura compartilhada por toda a sociedade ou parte dela. A im-
pregnação cultural, ou seja, o mecanismo pelo qual a criança
dispõe de elementos dessa cultura, passa, dentre outras coisas,
pela confrontação com imagens, com representações, com for-
mas diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade
que a cerca ou propõem universos imaginários. Cada cultura
dispõe de um “banco de imagens”, consideradas expressivas
dentro de um espaço cultural. É com essas imagens que a crian-
ça poderá se expressar, é com referência a elas que a criança
poderá captar novas produções (BROUGÈRE, 2010, p. 41).

Consideremos a relação das mais diversas culturas com os “jogos de tabulei-


ro”, a predileção delas por formas, como elementos das culturas materiais dessas
civilizações, como o foi o Xadrez para a Pérsia; o Go para a China; o Senet para

31
Gamificação na Educação

o Egito; o Baralho para a Inglaterra; e o Gamão para a Mesopotâmia, só para citar


alguns, os quais evidenciam a relação entre jogo e cultura em um processo de
retroalimentação recíproco.

FIGURA 10 – REPRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS DOS JOGOS DE TABULEIRO


DA HISTÓRIA - SENET NO EGITO, GO NA CHINA E KUBEIA NA GRÉCIA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Senet>; <https://www.tripchinaguide.


com/photo-p868-13139-traditional-chinese-painting-playing-go.
html>; <https://marceloaith.wordpress.com/2012/08/03/gamao-o-
rei-dos-jogos-e-o-jogo-dos-reis/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Podemos falar, também, do espírito lúdico em festividades, como celebrações


de colheitas, casamentos, e, até mesmo, funerais, das quais o carnaval é um dos
mais prementes na cultura brasileira. Para o antropólogo Roberto da Matta (1997),
o carnaval, sempre, foi um momento de questionamento da norma, do padrão, da
forma habitual de se viver o cotidiano e da libertação das repressões. Reflexo da
sociedade, se, no passado, a festa questionava temas considerados tabus, como
nudez e sensualidade, hoje, o debate engloba o feminismo, o racismo, a quebra de
preconceitos, inclusive, nas próprias músicas e marchinhas tradicionais. 

A lei que preside o carnaval é a lei da liberdade. Os jogos digitais


seriam, portanto, uma nova oportunidade, mais próxima da arte
do que da ciência, para promover a convergência entre o onírico
e o real, ao configurar formas fundamentais de percepção do
mundo, constitutivas da cultura popular, mundo das interven-
ções entre o sagrado e o profano, o sublime e o vagabundo,
a verdade e a mentira, a ciência e a ilusão, momento de inver-
são do regime dominante e libertação, ainda que provisória, das
hierarquias, regras e tabus, congraçamento no tabuleiro e na
avenida (SCHWARTZ, 2014, p. 212).

Talvez, no campo das festividades, incorporam-se os elementos lúdicos da in-


terpretação de papel, do tocar de instrumentos e da dança, para que fique mais
evidente a relação entre o jogo e a cultura, e, por extensão, o potencial educacional.
Consideremos, por exemplo, os mais diversos eventos regionais nacionais, como

32
Capítulo 1 Jogos E Cultura

o Festival de Parintins, o Círio de Nazaré, a Lavagem do Bonfim, os bonecos gin-


gantes de Olinda, o Boi-Bumbá, a Oktoberfest, a festa junina, e, até mesmo, as fes-
tividades que estão sendo “apropriadas” pelos brasileiros, como o Dia das Bruxas.
Assim, evidencia-se a estreita relação entre a atividade lúdica (play) e a cultura.

FIGURA 11 – FESTIVAL DE PARINTINS - FESTA JUNINA - OKTOBERFEST

FONTE: <https://www.acritica.com/channels/coronavirus/news/definicao-
sobre-data-do-festival-de-parintins-sai-ainda-este-mes-diz-governador>;
<https://jardimdomundo.com/festa-junina/>; <https://revistabeerart.
com/eventos/oktoberfest-curitiba>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A consubstanciação dessas atividades, nos processos educacionais, pode


ser evidenciada, por exemplo, pela inserção de atividades teatrais nos mais dis-
tintos níveis educacionais, como forma de celebração de datas pátrias, como Dia
do Índio, Dia da Consciência Negra, Independência do Brasil, Páscoa e Natal, a
serem citados só alguns.

A relação entre o lúdico e a cultura pode ser constatada de forma material, na


arquitetura. Se, conforme propõem alguns estudiosos, o pós-modernismo pode
ser compreendido a partir de uma análise das obras arquitetônicas que produz,
visto que estas possuem um significado maior do que meras funções e peças
de engenharia (JAMESON, 1996), e que os espaços arquitetônicos das cidades
podem ser compreendidos como sistemas de comunicação (VENTURI, 1988), o
que nos revelam os espaços arquitetônicos reservados para a prática lúdica, pre-
sentes em todas as civilizações?

Do coliseu romano; dohyô japoneses; arena olímpica grega; quadras de tla-


chtli, das civilizações mesoamericanas; capões indígenas, a partir dos quais a
huka huka ocorre durante o Kuarup; Maracanã; até as modernas arenas de e-s-
ports, que pululam pelo mundo, fica evidente a força do jogo como manifestação
cultural. Onde quer que olhemos, observamos a interconexão entre jogo e cultura.

33
Gamificação na Educação

FIGURA 12 – REPRESENTAÇÃO ARTÍSTICA DO COLISEU


ROMANO E MODERNA ARENA DE E-SPORT

FONTE: <https://www.historiazine.com/2020/01/o-coliseu-romano.html>; <https://


senet.cloud/pt/blog/top-esports-arenas-in-the-world>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Culturalmente falando, talvez, a maior expressão da relação entre o lúdico


e a cultura se manifeste nos jogos olímpicos. Nos tempos antigos, a importância
desses jogos era tamanha a ponto de serem um marcador temporal (uma olimpí-
ada denomina o período de quatro anos entre cada celebração) e da suspensão
de atividade bélicas, pois era estabelecida uma trégua para assegurar a viagem
dos atletas até Olimpia. As conexões dos indivíduos e das cidades, em um ciclo
de transubstanciação da violência em jogo, geravam uma aproximação entre ho-
mens e divindades, análoga àquela que se legitima por meio da criação de leis
e por seres humanos inspirados, capazes de intuir e de formalizar códigos de
destruição da razão, penas e castigos (SCHWARTZ, 2014), sistema que conven-
cionamos chamar de cultura.

Considerado tudo o que foi exposto até aqui, podemos concluir que o jogo
digital é mais um elo nessa corrente, uma nova manifestação do espírito lúdico.
Como aponta Brougère (2010), não há uma oposição entre a manifestação física
do brinquedo e o campo digital (ou hertziano); a relação é de complementarieda-
de. A televisão não se opõe à brincadeira, mas a alimenta, influencia-a, estrutura-
-a na medida em que essa brincadeira não nasceu do nada, mas daquilo com que
a criança é confrontada. Reciprocamente, a brincadeira permite, ao jovem, apro-
priar-se de certo conteúdo da televisão. Por extensão, o mesmo princípio pode
ser aplicado ao jogo digital, sendo que este potencializa, também, a capacidade
de interação simbólica entre as crianças. Podemos citar, como exemplo, o jogo
Minecraft, ou, mais atualmente, o PKXD. Os jogos são objetos culturais, e, portan-
to, portadores de significado, os quais remetem as crianças a elementos legíveis,
do real ou do imaginário.

34
Capítulo 1 Jogos E Cultura

FIGURA 13 – MINECRAFT - PKXD

FONTE: <https://t2id.com/16837/noticias/o-que-e-o-minecraft-pc-bundle/>;
<https://veja.abril.com.br/cultura/pode-jogar-filho-os-games-infantis-
aliviam-a-falta-de-interacao-social/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Durante a pandemia de 2020, o jogo PKXD viu a própria base de


usuários (crianças de oito a 13) aumentar em mais de 100%, ao atingir
25 milhões de usuários ativos por mês. Tal resultado se deve, em par-
te, à necessidade de as crianças buscarem atividades para aproveitar
o tempo de quarentena imposto, mas contou, também, com o apoio
dos pais, que viram, no jogo, uma ferramenta de aprendizagem.

Dentre outras tarefas impostas aos jogadores, o game ensina


os jovens a entenderem o uso do dinheiro, como o ganho de moedas
para fazer compras ou trocar mercadorias. Também, há momentos
em que o jogo os ajuda a lidarem com o sentimento de frustração
(THOMAS, 2020). E você, o que pensa a respeito?

Conforme defendem Singer e Singer (2017), o fluxo de pensamento de um


adulto tem forte semelhança, mesmo se for mais elaborado, com o “falar alto” que
se ouve das crianças na pré-escola, envolvidas em brincadeiras simuladas, ou faz
de conta. Os jogos de faz de conta surgem, naturalmente, como parte do início do
desenvolvimento, mas o florescimento deles é encorajado e promovido pelos pais
e por outros adultos cuidadores que contam histórias, leem em voz alta ou intera-
gem, de forma lúdica, com as crianças. Os novos “membros eletrônicos da famí-
lia”, como a televisão, os videogames e os computadores, também, são capazes
de modelar e de dirigir os potenciais imaginativo e criativo do pensamento infantil.

35
Gamificação na Educação

É muito provável que os jogos de computador, as simulações não


violentas e as salas de bate-papo, na internet, sejam incorpora-
dos ao fluxo de pensamento da criança média. [...] Podemos an-
tecipar um tremendo aumento das interações das crianças com
os mundos eletrônicos artificiais nas décadas seguintes. Com a
adequada orientação de adultos, acreditamos que tal exposição
possa estimular a capacidade do cérebro de despertar o grande
milagre humano da imaginação, por meio da qual concebemos
possibilidade e geramos originalidade em nossos pensamentos
e ações (SINGER; SINGER, 2017, p. 179).

Ou seja, o que se desenha, por diferentes trilhas, é a afirmação do jogo como


processo pelo qual se articula, desenvolve-se e se dissemina a cultura, o que se
alinha ao conceito mais amplo de cultura material. Se esta, originalmente, referia-
-se aos artefatos produzidos por dada civilização – marcadamente, usado como
fator de diferenciação entre sociedades civilizadas e selvagens –, atualmente, in-
vestiga-se no sentido de tentar entender melhor o papel desses artefatos em um
mundo no qual o consumo de mercadorias e o consumismo são fenômenos de
importâncias social e cultural. Se a sociedade moderna se configura como um
“sistema dos objetos”, faz-se necessária, não apenas, a análise desse sistema,
mas, também, o estudo dos objetos que o constituem (CARDOSO, 1998).

1 Ao fazer uso dos conceitos apresentados nesta unidade, cons-


trua um texto que expresse a relação entre cultura e lúdico (play),
a fim de exemplificar as mais diversas manifestações, nos brin-
quedos, jogos de tabuleiro, festas, arquitetura etc. Dê preferên-
cias a exemplos do contexto brasileiro.

Como ponto de partida, considere a seguinte questão: por que,


em grande parte dos exemplos da cultura brasileira, invariavel-
mente, encontramos o carnaval e o futebol?

2.3 JOGOS DIGITAIS EDUCACIONAIS


NO BRASIL
A história dos jogos digitais está, estreitamente, relacionada à história dos
computadores, assim, é comum que consideremos a década de cinquenta, do
século passado, como a do surgimento desses jogos. Na ocasião, os primeiros
computadores comerciais estavam sendo utilizados por instituições acadêmicas,
órgãos de pesquisa e empresas. Na época, os computadores eram máquinas

36
Capítulo 1 Jogos E Cultura

caras, que consumiam muita energia e precisavam de uma equipe, altamente,


treinada para operá-los e fazer a manutenção deles. Assim, os primeiros jogos de-
senvolvidos eram, em sua maioria, testes e demonstrações, e, por conta da falta
de documentação de muitos desses testes, é difícil determinar qual foi o primeiro
jogo eletrônico criado. É consenso que, a partir da década de setenta, inicia-se,
por meio de diferentes empreendimentos, a comercialização de jogos digitais. De
acordo com Da Luz (2010) Ralph Baer pode ser considerado o pai do videogame,
por ter dado uma forma de produto de mercado a essa criação e por ter criado o
conceito de mídia de entretenimento na sala de estar.

Segue o primeiro computador comercial, o UNIVAC. Note que é composto


por tudo o que está na figura, não somente, pelo diminuto dispositivo com monitor.

FIGURA 14 – UNIVAC I

FONTE: <https://stringfixer.com/pt/UNIVAC>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Considerando que os jogos digitais têm, pelo menos, meio século de vida, o
que justifica o fato de, no Brasil, o desenvolvimento deles só ter ganho corpo após
a virada do milênio? A presente sessão busca esclarecer essa questão.

De acordo com levantamentos recentes, existem três bilhões de jogadores


em todo o planeta. O mercado de jogos digitais movimentou cerca de U$ 176
bilhões em 2021, sendo, o setor de jogos para dispositivos móveis, o segmento
mais lucrativo, com cerca 51% desse valor, algo em torno de U$ 90 bilhões (NEW-
ZOO, 2021). Segundo dados da 8ª Pesquisa Game Brasil (PGB, 2021), 72% da
população brasileira afirma jogar algum tipo de jogo eletrônico, valor que foi tur-
binado pelo contexto pandêmico, uma vez que, à medida que as pessoas foram
forçadas a ficar em casa, o hábito de jogar ganhou espaço no dia a dia.

37
Gamificação na Educação

Segundo Rodrigues (2018), o Brasil viu um aumento de 600% no número


de empresas desenvolvedoras de games na última década, o que totaliza cerca
de 300 em 2017. Entre 2014 e 2016, o setor teve um aumento de faturamento de
25%. Esses números nos permitem constatar o crescimento do mercado de jogos
digitais, e as previsões, para os próximos anos, são bem promissoras.

Se os jogos digitais, na ocasião do surgimento deles, tinham, eminentemen-


te, como propósito, o entretenimento, e não atinavam ter fins educacionais, nem
ser uma manifestação cultural, a lógica produtiva, sempre, esteve subordinada às
leis mercadológicas de oferta e de procura e aos mercados e estratégias subja-
centes, o que equivale dizer que compreender os jogos digitais, desconsiderada
tal dimensão mercadológica, gera, a priori, uma análise deficitária. Assim, embo-
ra, hoje, esses jogos estejam presentes em todos os lugares, desde computado-
res, celulares, consoles, até plataformas de stream, isso, nem sempre, foi assim.
Vale lembrar que, no século passado, havia uma relação direta entre os jogos –
softwares – e as plataformas nas quais eles eram executados – hardwares.

Nesteriuk (2009) propõe que deve ser feita uma consideração a respeito das
três denominações mais comuns no que se refere ao universo dos jogos digitais:
jogos para consoles, jogos para computadores e jogos para arcades, sendo, a
distinção, justamente, a plataforma.

Jogos para console são aqueles nos quais um dispositivo é acoplado a um


monitor de televisão, e, a partir de um console próprio, esses jogos podem ser
executados. Exemplos são o Atari, o Mega Drive, o Playstation, o XBOX etc. Jo-
gos para computadores ocorrem no monitor de um computador, a partir do pró-
prio hardware, geralmente, um PC ou MAC. Jogos arcades – equivocadamente,
chamados, por alguns, de fliperamas – são grandes máquinas integradas (con-
sole-monitor), dispostas em lugares públicos, nos quais, geralmente, alugamos a
possibilidade de jogar por meio de fichas.

No que se refere a “jogos com propósitos educacionais”, desconhece-se a


existência de algum arcade com essa proposta. No caso dos consoles, podemos
identificar elementos germinais, com propósitos educativos, desde a primeira ge-
ração. É comum que classifiquemos os consoles em “gerações”, categorização
que acaba por abraçar diferentes consoles com poderes de performance mais ou
menos semelhantes. De forma sintética, as gerações e as características são:

38
Capítulo 1 Jogos E Cultura

QUADRO 2 – GERAÇÕES DE CONSOLES

Geração Período Característica


Caracterizada pela extrema simplicidade e por limitações
técnicas. Por ser um mercado novo, é marcado por estraté-
1° 1972-1980
gias de divulgação e introdução do produto, dada a novidade
tecnológica.
Caracterizada por estratégias de diferenciação de produtos e
portfólios de jogos. A empresa Atari vira sinônimo de video-
2° 1976-1992 game. Mercado em estruturação que sofre um processo de
saturação, o que gera uma grande recessão, conhecida como
“crash dos games”, em 1983, nos EUA.
Caracterizada pela reestruturação do mercado americano e
3° 1983-2003 pelo reposicionamento dos videogames como brinquedos. A
principal articuladora é a empresa Nintendo.
Caracterizada por um embate entre as companhias Nintendo
4° 1987-2004 e Sega. A disputa é, claramente, marcada por estratégias de
marketing e branding.
Caracterizada por experimentos diversos em termos de
hardware, grande parte, malsucedida. Ainda, pela entrada da
5° 1993- 2005 Sony no mercado, com o console Playstation, que adquire um
domínio quase hegemônico nesta geração.
Caracterizada pela entrada da gigante Microsoft que é no
6° 1998-2013 mercado de console de games.

Caracterizada pela maturação e pela consolidação do merca-


7° 2005-2017 do de games e por uma acirrada disputa entre Sony, Microsoft
e Nintendo.
Caracterizada, por alguns teóricos, como a última. Caracte-
rizou-se por estratégias de multiplataformas (console + PC)
8° 2011- Atual
e pela ascensão dos smartphones, que, também, suportam
jogos digitais.
FONTE: O autor

Podemos notar que, desde já na primeira geração de consoles, há uma per-


cepção acerca do “potencial” emprego dos jogos em processos educacionais. O pri-
meiro console comercializado, o Odyssey, da Magnavox (1974), era tão limitado em
termos de processamento e memória que, efetivamente, podia fazer pouco mais
do que gerar pontos de luz controláveis no monitor de uma TV, assim, a solução
encontrada, pelos criadores deles, para permitirem a customização de jogos, foi a
criação de diferentes overlays – películas que eram colocadas sobre o monitor –,

39
Gamificação na Educação

que permitiam a configuração. Mesmo nesse estágio inicial, podemos notar que há
um certo cuidado em ter jogos focados no público infantil, uma vez que o Odyssey
era ofertado como um “dispositivo de entretenimento para toda a família”.

FIGURA 15 – ODYSSEY E COMPONENTES

FONTE: <https://bamgameonline.com/the-magnavox-odyssey/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Na segunda geração, o Atari realizou algumas ações experimentais, com foco


no potencial educacional dos jogos digitais. Jogos, como o Basic Math (1977),
voltado para a resolução de problemas matemáticos; o Brain Games (1978), com
uma série de exercícios de memorização; e o Basic Programing (1979), com o
ensino de programação em linguagem Basic, são exemplos disso, e podem ser
considerados uma espécie de “tubo de ensaio” no que tange ao potencial merca-
dológico dos jogos digitais voltados para fins educativos.

FIGURA 16 – JOGOS “EDUCACIONAIS” ATARI

FONTE: <https://bdjogos.com.br/jogo.php?id=8925>; <https://www.retroplace.


com/en/games/4603--brain-games>; <https://jogorama.com.br/jogos/
atari-2600/4662/basic-programming/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

40
Capítulo 1 Jogos E Cultura

Na terceira geração, dominada pela Nintendo, podemos apontar jogos, como


o Donkey Kong Jr Math (1983), direcionado para a resolução de problemas ma-
temáticos; os baseados no programa Vila Sésamo (Sesame Street), como o Se-
same Street A-B-C (1989) e Countdown (1992), misturados, de forma rudimentar,
jogos de plataforma e aprendizagem de letras; e títulos Disney, como Mickey’s Sa-
fari in Letterland (1993), com cunho de alfabetização, com tentativas de aproximar
os jogos digitais da educação.

FIGURA 17 – JOGOS “EDUCACIONAIS” NES

FONTE: <https://www.nintendolife.com/games/nes/donkey_kong_jr_math/
cover>; <https://www.mobygames.com/game/nes/sesame-street-1-2-3-sesame-
street-a-b-c/cover-art/gameCoverId,415995/>; <https://www.vgdb.com.br/nes-
nintendo-entertainment-system/jogos/sesame-street-countdown/>; <https://
gamesdb.launchbox-app.com/games/images/1846>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A questão que deve permear boa parte da história dos jogos educativos em
consoles é, essencialmente, a de estratégias de marketing. Os consoles eram
um dispositivo novo sendo introduzido no mercado, caros, e demandavam que se
comprasse, primeiro, o console, e, depois, os jogos que seriam utilizados nele. O
marketing acabou focando na promessa de diversão, ao fazer uma proposta de
valor para os consumidores – para usar um termo de marketing, esses consoles
eram posicionados como dispositivos de entretenimento –, e não de educação.

O “lugar” de existência do console era a sala de estar, assim, “vender” o con-


ceito de que jogos de console podem educar, além de entreter, era muito compli-
cado. De forma análoga, embora existam experiências educacionais na televisão
– como o Telecurso e a própria TV Cultura –, era muito difícil que um consumidor
comprasse (e, ainda, compre) uma TV com o propósito de se educar. O dispositi-
vo serve, fundamentalmente, para diversão.

Nos computadores, os jogos digitais, com fins educacionais, encontraram o


terreno mais fértil para florescer. Embora os computadores sirvam, como plata-
forma, para os mais diferentes usos, a depender, exclusivamente, do software
utilizado, a “introdução” deles, ao grande público, no século passado, foi vincu-

41
Gamificação na Educação

lada, principalmente, à ideia de trabalho, e, posteriormente, à educação. A título


de exemplo, reproduziremos alguns anúncios de microcomputadores a seguir. No
anúncio do TK 85 (1985), havia a promessa de “controle dos estoques, cadastro
de clientes, fiscalização de conta bancária e estudo de matemática”. Já o CP-
200 (1983) prometia “um pequeno espaço físico, com a capacidade de dar aulas
de matemática e física em vários níveis de complexidade”. Por fim, o Júnior, da
Itautec (1984), ofertava “soluções imediatas de planejamento, análise, racionaliza-
ção, aprendizado, controle e aperfeiçoamento de métodos e sistemas”.

FIGURA 18 – ANÚNCIOS DE MICROCOMPUTADORES

FONTE: <https://www.propagandashistoricas.com.br/2013/04/
computador-tk-85-1985.html>; <http://www.revistavintage.info/2011/07/
microcomputador-cp-200-1983.html>; <https://comunicadores.info/720kb-
uma-armazenagem-poderosa/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Assim, os computadores conquistaram um espaço no imaginário popular, e


uniram trabalho e aprendizado, o que o consolidou como o hardware mais vanta-
joso para experimento e desenvolvimento de jogos educacionais. Provavelmente,
um dos exemplos mais famosos de desenvolvimento de um software educacional
seja a série de jogos Oregon Trail, produzida pelo Consórcio de Computação Edu-
cacional de Minnesota (Minnesota Educational Computing Consortium – MECC),
cuja primeira versão lançada foi em 1975. A série foi desenvolvida para ensinar
crianças a respeito da realidade dos pioneiros do século XIX. O jogador assume
o controle de uma caravana, e guia um grupo de colonos. Foi muito popular e dis-
ponibilizada, para uso, na rede de escolas públicas de Minneapolis, empregada
em mais escolas nas versões futuras, e alcançou grande popularidade entre os
estudantes americanos.

42
Capítulo 1 Jogos E Cultura

FIGURA 19 – TELA DO JOGO OREGON TRAIL

FONTE: <https://methodshop.com/oregon-trail/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Caso você tenha interesse em acompanhar a evolução da série


Oregon Trail, o vídeo a seguir mostrará as mais diferentes versões
dela, de 1978 a 2011: https://www.youtube.com/watch?v=0fEWA3W-
GkZ0&ab_channel=cad5150.

Apresentamos, aqui, uma versão bem sintética do cenário de jogos educa-


cionais do século passado, o que nos leva a uma questão: por que, no Brasil,
quase não existem jogos digitais desenvolvidos para fins educacionais antes da
virada do milênio? Lembremo-nos da estreita relação entre esses jogos digitais e
os dispositivos de suporte (hardwares) deles.

O atraso nacional, para a produção de jogos, relaciona-se a um contexto his-


tórico. Na década de 80, o Brasil passava por um forte período recessivo, pautado
em políticas protecionistas, como a Lei de Proteção da Informática, e contava com
uma grande leniência, por parte das esferas de fiscalização, no tocante a ações
que, hoje, seriam consideradas pirataria. Enquanto o mercado de consoles se en-
contrava em amplo crescimento nos EUA, no Brasil, quase não havia desenvol-
vimento de hardwares. As poucas experiências nacionais se limitaram à criação
de clones, por meio da engenharia reversa; de produtos internacionais, muitas
vezes, em franca infração a leis de patentes.

43
Gamificação na Educação

A disputa dos fabricantes de consoles – e, em certa medida, dos de compu-


tadores –, nos EUA e no Japão, forçava a estruturação de todo um ecossistema,
com cadeias de venda, distribuição, espaço de prateleira, discurso de venda, o
que não tinha espaço no ambiente brasileiro. Decorrente dessa conjuntura, tem-
-se um cenário, extremamente, árido para o desenvolvimento de jogos digitais
nacionais. A pirataria explícita e rompante se configura, efetivamente, como con-
corrência desleal, sendo impossível, a competição, em termos de igualdade, por
um desenvolvedor nacional. A tolerância nacional, frente a essa pirataria, gerou
ecos que, até hoje, são complicadores, pois se criou uma cultura referente ao con-
sumo não pago de jogos pelo brasileiro. Além disso, como os consoles existentes,
no Brasil, já estavam a ponto de maturidade nos mercados primários, dispunha-se
de um amplo portfólio de jogos já desenvolvidos, o que fez com que, economica-
mente, fosse muito mais interessante vertê-los para a língua portuguesa do que
os produzir nacionalmente.

Nas raríssimas ocasiões em que uma empresa nacional optava por lançar tí-
tulos para o mercado brasileiro, como os jogos Didi na Mina Encantada, do Odys-
sey; As Aventuras da TV Colosso, do Master System; e Turma da Mônica na Ter-
ra dos Monstros, do Mega Drive, eram, apenas, versões adaptadas de jogos já
existentes. Assim, os consoles que aportam no Brasil não logram sucesso para
estimular o surgimento de cadeias produtivas de jogos digitais.

FIGURA 20 – JOGOS ADAPTADOS PARA O BRASIL

FONTE: <https://www.ziliongames.com.br/didi-na-mina-encantada-
odyssey---seminovo>; <https://www.memoriabit.com.br/as-aventuras-da-tv-
colosso-master-system/>; <https://monica.fandom.com/pt-br/wiki/Turma_
da_M%C3%B4nica_na_Terra_dos_Monstros>. Acesso em: 24 abr. 2021.

44
Capítulo 1 Jogos E Cultura

Somente, após a virada do milênio, a situação começa a se alterar. Primei-


ramente, pois os sistemas de produção, distribuição e comercialização de jogos
para console passam por um processo de mudança, marcado, principalmente,
pelas lojas digitais. Em segundo lugar, pois os PCs consolidam a posição merca-
dológica e a presença deles nos lares (e escolas) brasileiros.

Para Xavier (2013), o ano de 2003 pode ser considerado, oficialmente, o do


lançamento do Brasil em uma corrida de criação e desenvolvimento de jogos ele-
trônicos com vistas ao mercado internacional, contudo, as empresas capacitadas
a responderem pela tecnologia, necessária para produção de um jogo eletrônico
para determinado console, não eram, igualmente, aptas a responder pela buro-
cracia a convencer patrocinadores a manterem o projeto comercial desejado, o
que estabelece uma realidade em que o país acaba por ser relegado de produtor
de jogos digitais para computadores pessoais e celulares. Ainda, segundo Xa-
vier (2013), o segmento de consoles é amparado pela produção de conteúdo, por
um conjunto de publicadoras, distribuidoras, varejistas e fornecedores de equipa-
mentos e acessórios, o qual não existia no Brasil. Essa perspectiva só se altera
conforme empresas do setor, como Sony, Nintendo, Microsoft, Apple e Valve, co-
meçam a transformar os modos como os jogos eletrônicos são produzidos, com-
prados e integrados nas redes de consumo, a partir da virada do milênio.

A partir de 2010, já é possível constatar o surgimento de um nicho de desen-


volvedores independentes brasileiros fora do circuito de produção tradicional da
indústria de jogo, que se destaca pela liberdade criativa, flexibilidade orçamentá-
ria e facilidade de exposição, em especial, devido à proliferação de ferramentas
que auxiliam no desenvolvimento de jogos e plataformas de distribuição digitais
(CTS Game Studies, 2011). Nesse novo ecossistema, diferente do modelo do sé-
culo passado, no qual os fabricantes de hardware tinham grande controle dos
padrões de produtos, emerge um novo cenário, no qual o poder do fabricante de
hardwares e de sistemas operacionais é pequeno, pois os desenvolvedores usam
padrões pré-definidos, abertos e de fácil acesso para a produção de jogos.

Segundo dados do Censo da Industria de Games Brasileira (FLEURY;


NAKANO; CORDEIRO, 2014), mais da metade dos desenvolvedores de serious
games, para a educação, trabalha, exclusivamente, para esse setor, o que signifi-
ca que podem se especializar em produzir e apresentar jogos digitais com fins de
promover a educação. Ainda, de acordo com o Censo, o emprego desses serious
games, em diversos setores, é uma tendência, a fim de se destacar a integração
dos jogos com a Educação a Distância. O documento já identifica que, no con-
texto escolar, há uma tendência, por parte das escolas, a adotarem jogos digitais
nos próprios currículos, mas esse processo de adoção é lento, o qual necessita
de políticas públicas que diminuam a barreira, como a integração no currículo, o
treinamento de professores, os laboratórios de informática, a estrutura de comu-

45
Gamificação na Educação

nicação, o acesso à internet, os projetos interdisciplinares e a política permanente


de adoção de jogos como estratégias de ensino.

Segundo Mello e Zendron (2015), diversos países, como EUA, Canadá, Fran-
ça, Inglaterra, Coreia do Sul, China e Austrália, cientes da importância da indús-
tria de jogos digitais, adotaram mecanismos de políticas públicas para estimular o
desenvolvimento. Entendem que esses jogos são uma ferramenta com um amplo
potencial de aplicações de interesse social, como nas áreas de saúde e educa-
ção. Especificamente, no que concerne à área educacional, os autores ressaltam
uma natureza pouco explorada, e apontam que, em todo campo de conhecimen-
to, é possível fazer uso de jogos digitais como ferramenta de apoio à transmissão
de conceitos e informações, o que facilita aplicações de técnicas e auxilia o apren-
dizado e a assimilação de conteúdos didáticos em todo o espectro educacional.
Assim, afirma-se que o emprego de jogos complementa o aprendizado, facilita a
comunicação e a fixação de conhecimentos e permite exercitá-los, testar o enten-
dimento e gerar um retorno imediato de avaliações. De forma similar, o mercado
corporativo, também, representa um enorme potencial de aplicações destinadas à
formação, ao treinamento ou à capacitação de recursos humanos.

1 Quando nos tornamos professores, temos, como referência de


ensino, consciente ou inconscientemente, a nossa própria expe-
riência de formação, quem foram os professores que nos marca-
ram, os estilos de docência que admiramos, o que não gostamos
etc. De modo análogo, a nossa experiência pessoal, com o lúdico
e com os jogos digitais, também, forma uma base de referência.
Se, na docência, buscamos nos especializar e adquirir compe-
tências, o mesmo deve ser feito no quesito jogos. Assim, elabo-
re um texto dissertativo, abordando a sua experiência com jogos
digitais ao longo da sua vida. Procure estabelecer relações com
os contextos estabelecidos neste capítulo. Recomendamos que
você assista ao documentário 1983 O Ano dos Videogames no
Brasil, como forma de complemento ao que foi apresentado. Você
pode acessá-lo em https://www.youtube.com/watch?v=BpYfeR-
7p8yw&t=5s&ab_channel=ZeroQuatroMidia.

46
Capítulo 1 Jogos E Cultura

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, buscamos abrir uma discussão a respeito da necessidade de
“remediarmos” os professos formativos tradicionais em um campo mais amplo, a
própria escola, por meio do emprego de técnicas de gamificação.

Iniciamos esse processo como uma apresentação de diferentes concepções


possíveis de formação do indivíduo. Contrapomos o conceito de paideia grego,
que propunha a formar os membros da sociedade por meio de um leque de ativi-
dades, ao chamado “modelo tradicional” de ensino, que visa formar profissionais
para o mercado, e demonstramos como, nesse modelo, há cada vez menos es-
paço para o lúdico, pois se instaura uma falsa divisão entre diversão e educação.

A partir daí, buscamos enfatizar como a gamificação é, na verdade, uma téc-


nica muito mais ampla. O jogo, por exemplo, é um elemento que tem profunda
relação com as formas como a cultura se articula e se desenvolve. Ainda, enten-
de-se ser, o jogo digital, somente, mais um elo nessa corrente evolutiva.

Exemplificamos a relação entre o conceito de lúdico e a cultura. Primeira-


mente, explicamos que esse conceito é muito mais amplo e abrangente do que
o simples jogar; tem, na verdade, uma tradução difícil para o português, pois se
utiliza o termo lúdico, mas faz referência ao termo inglês play. Assim, a atividade
lúdica envolve o brincar, o jogar jogos, o dançar, o interpretar papéis e o tocar
instrumentos musicais. A partir dessa conceituação, apresentamos dois pensado-
res responsáveis por dar “seriedade” ao estudo de jogos e à relação deles com a
cultura, Huizinga (1999) e Caillois (1990).

Destacamos que Huizinga (1999) se esforçou para mostrar a relação entre


jogo e cultura, ao propor que, a partir do lúdico, articulamos a nossa cultura. De
especial importância é a tentativa do autor de definir o jogo: atividade voluntária,
exercida dentro de limites de tempo e espaço, com regras consentidas e obrigató-
rias, o que cria os sentimentos de tensão e de alegria e nos transporta para além
da vida cotidiana. Já no caso de Caillois (1990), destacamos a classificação dele,
das diferentes modalidades de jogo: Agôn – jogos de disputa; Alea – jogos de sor-
te; Mimicry – jogos de imitação; e Ilinx – jogos de vertigem.

Feito tudo isso, enfatizamos como a relação entre o lúdico e a cultura pode
ser constatada, historicamente, por meio de objetos materiais, com os brinque-
dos, os jogos de tabuleiro, as festas regionais, as representações artísticas, a
arquitetura, ao se chegar até o contexto atual, no qual os jogos digitais são a mais
evidente manifestação dessa relação.

47
Gamificação na Educação

Finalizamos a unidade com um questionamento: se os jogos digitais pos-


suem meio século de existência, porque, no Brasil, efetivamente, só ocorreram
o desenvolvimento e a produção deles, com fins educacionais, após a virada do
milênio? Respondemos à questão com a relação que os jogos digitais têm com os
dispositivos que os suportam (software x hardware). No caso desses jogos, temos
que entender a relação entre jogos e arcade, consoles e computadores, e como
estes foram comercializados.

A partir do cenário exposto, demonstramos as dificuldades encontradas, na-


cionalmente, para articular uma indústria de desenvolvimento de jogos com fins
educacionais, já que, ao mesmo tempo, nos EUA, já havia um amplo campo de
tentativas de se relacionarem jogos com educação.

Finalizado o panorama, podemos, a partir agora, para a definição, a caracterização


e a aplicação da gamificação em processos educacionais, objeto do próximo capítulo.

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

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Gamificação na Educação

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Capítulo 1 Jogos E Cultura

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51
Gamificação na Educação

52
C APÍTULO 2
Design De Jogos E Gamificação

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

3 Entender os elementos básicos que constituem um jogo.

3 Estudar os princípios que norteiam os processos de gamificação.

3 Relacionar o emprego de dispositivos e tecnologias digi-


tais com os processos de ensino-aprendizagem.

3 Aplicar o processo de gamificação em diferentes contextos.


Gamificação na Educação

54
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Podemos afirmar que o interesse em empregar as mais diferentes tecnologias,
em prol de aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem, tem sido uma preocu-
pação constante de todos aqueles se debruçam sobre o desafio de educar. Nas últi-
mas décadas, em especial, devido ao crescimento das tecnologias computacionais,
da informática e da telemática, os jogos digitais têm despertado particular interesse
dos educadores, seja em face da popularidade frente a estudantes das mais dife-
rentes faixas etárias, seja pela crescente presença nas nossas cultura e sociedade.

Neste capítulo, aprofundar-nos-emos nos conceitos de design de jogos, a


fim de entendermos os princípios básicos que norteiam a prática do jogar bem e
os elementos constituintes. Veremos, também, as principais mecânicas emprega-
das pela gamificação, sempre, levados em consideração os pontos que motivam
os jogadores. Finalizaremos o capítulo com uma discussão crítica a respeito do
emprego de tecnologias em processos educacionais, além dos cuidados e das
atitudes que o professor deve ter.

2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO JOGO


Conforme vimos no capítulo anterior, o jogo e o lúdico, que compreendem
os atos de jogar, brincar, interpretar papéis, tocar instrumentos etc., têm uma re-
lação íntima com a cultura e com os processos pelos quais a nossa sociedade se
articula. Constatamos que há um relativo consenso a respeito da importância das
atividades lúdicas no processo de desenvolvimento infantil. Propostas de gamifi-
cação, em especial, a aplicação delas nos processos educacionais, geralmente,
têm, como foco de público, indivíduos com uma faixa etária a partir da pré-adoles-
cência. Assim, para entendermos por que diversos educadores intuíram que tra-
zer os jogos para a educação poderia gerar frutos positivos, em especial, no que
se refere à atenção dos discentes, é importante, primeiramente, que compreenda-
mos que elementos específicos do jogo chamaram a atenção desses educadores,
objeto desta seção.

Estudamos que Huizinga foi um dos primeiros estudiosos a conferir “serieda-


de” à pesquisa de jogos. Para o autor, o “jogo é uma função significativa, ou seja,
há algum sentido para ele. No jogo, existe alguma coisa “em jogo” que transcende
as necessidades imediatas da vida e dá sentido à ação. Todo jogo significa algu-
ma coisa” (HUIZINGA, 1999, p. 33). Com uma análise, procurou definir o jogo por
meio dos elementos que o constituem e das características específicas dele.

55
Gamificação na Educação

Para Huizinga (1999), o jogo é uma atividade voluntária, exercida dentro de


determinados limites de tempo e espaço, segundo regras, livremente, consenti-
das, mas, absolutamente, obrigatórias, dotadas de um fim em si mesmas, acom-
panhado dos sentimentos de tensão e de alegria e de uma consciência de serem
diferentes da vida cotidiana.

Se contrastarmos a definição de jogo, de Huizinga (1999), com o processo


formativo que se instala a partir do ensino fundamental, fica evidente o porquê
de o jogo ter se tornado objeto de estudo de educadores. A relação não pode-
ria ser, mais diametralmente, oposta. Comparecer às aulas não é uma atividade
voluntária, mas compulsória. Os limites do tempo e do espaço são impostos (o
aluno não tem voz de quando e onde deseja fruir da aula), dada a granularidade
e a fragmentação da matriz curricular, estruturada em forma de disciplinas. Esse
aluno tem dificuldades em perceber o fim (propósito) do processo (manifesto, na
vida adulta, pela seguinte pergunta: “para que fui obrigado a aprender isso?”), em
decorrência da padronização do fluxo das aulas, estas, geralmente, em descom-
passo com a velocidade de aprendizagem, pois o discente, efetivamente, acaba
por estar atrasado ou adiantado em relação à apresentação do conteúdo didático.
Ele, raramente, está no pleno exercício das próprias capacidades. Posto de outro
modo, não se sente desafiado ou impelido, assim, os sentimentos de tensão e de
alegria, propostos por Huizinga (1999), são substituídos pelo descontentamento,
tédio ou exasperação.

Feita a comparação, não é surpresa que grande parte dos educadores sinta
a necessidade de buscar soluções que contribuam para o processo de aprendiza-
gem e motivem o aluno.

Como um retorno aos fundamentos do jogo, Salem e Zimmerman (2012) pro-


põem o conceito de interação lúdica significativa. Esse conceito pode ser compre-
endido de duas formas distintas, mas relacionadas. O primeiro sentido se refere
ao modo como as ações do jogo geram o desfecho dele para criar significado; o
segundo é que a experiência, como um todo, em decorrência da forma como foi
projetado, propicia experiências significativas para os jogadores.

FIGURA 1 – WAR, DA GROW, E BANCO IMOBILIÁRIO, DA ESTRELA

FONTE: <https://www.amazon.com.br/Grow-920-Jogo-War-Multicor/dp/B077P8D5Q5>;
<https://www.rihappy.com.br/jogo-war-2000-grow/p>. Acesso em: 24 abr. 2021.

56
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Há duas maneiras de definirmos uma interação lúdica significativa: descritiva


e avaliativa. A definição descritiva aborda o mecanismo por meio do qual todos os
jogos criam significado. Já a avaliativa nos ajuda a entender por que alguns jogos
fornecem algo mais significativo do que outros.

Definição descritiva da interação lúdica significativa: a interação lúdica sig-


nificativa, em um jogo, surge da relação entre a ação do jogador e o desfecho
do sistema. É o processo por meio do qual um jogador toma medidas no sistema
projetado de um jogo e esse sistema responde a uma ação. O significado de uma
ação reside na relação entre ela e o resultado.

Definição avaliativa da interação lúdica significativa: a interação lúdica sig-


nificativa ocorre quando as relações entre ações e resultados, em um jogo, são
discerníveis e integradas em um contexto maior.

A partir do conceito de interação lúdica significativa, em jogos de tabuleiro,


muito populares no Brasil, como Banco Imobiliário e War, as ações dos jogado-
res, por meio da mecânica do jogo, como fazer empréstimos e comprar terrenos,
no primeiro, ou atacar nações, no segundo, geram um desfecho significativo. O
jogador pode falir no Banco Imobiliário ou ganhar uma guerra em War. Já jogos,
como Tortada do Chef e Pula Pirata, são projetados com base em mecânicas mui-
to simples, a partir das quais o resultado das ações de um jogador entrega uma
“penalidade” divertida, em forma de um rosto sujo de torta de creme, ou de um
susto. O designer desses jogos os projetou para serem jogados em um contexto
familiar, como passatempo. Nesse caso, o laço prazeroso, criado pelos momentos
de diversão entre os membros de uma família, propicia uma experiência significa-
tiva para os jogadores.

FIGURA 2 – TORTADA DO CHEF E PULA PIRATA, DA ESTRELA

FONTE: <https://www.havan.com.br/jogo-tortada-do-chef-torta-na-
cara-estrela-diversos/p>; <https://www.magazineluiza.com.br/pula-
pirata-estrela/p/6873565/br/oujg/>. Acesso em: 24 abr. 2021.
57
Gamificação na Educação

Pela definição de Salem e Zimmerman (2012), a interação lúdica significati-


va possui duas características: ser discernível e integrada. O fato de ser discerní-
vel significa que o resultado das ações do jogo é comunicado, ao jogador, de uma
forma perceptível, o que, em termos de design, chamamos de feedback ao usuá-
rio. Por meio do feedback, esse jogador consegue saber o que aconteceu quando
ele realizou dada ação. Consideremos, por exemplo, qualquer jogo de videogame.
Como resultado direto da interação do jogador com o controle, há a movimentação
do personagem, ou a alteração dos estados dele na tela. Até mesmo, a ausência de
ação, por parte do indivíduo, pode gerar resultados perceptíveis.

No clássico jogo Sonic The Hedgehog, lançado pela Sega, em 1991, a propos-
ta era a de que, justamente, o jogador fizesse com que o porco-espinho se movi-
mentasse, rapidamente, pela tela. Caso deixasse de movimentar esse personagem
por alguns segundos, este começava a bater o pé impacientemente e a olhar para o
próprio relógio, a fim de comunicar a espera e o desejo de interação, face à inação.

O segundo elemento é a integração, ou seja, há uma relação entre a ação do


jogador e o resultado do jogo em um contexto maior, assim, cada ação desse joga-
dor tem uma importância imediata, mas, também, afeta a experiência em um ponto
mais adiante. Consideremos, por exemplo, uma partida de xadrez, na qual cada
movimentação de uma peça gera consequências, as quais afetam movimentos fu-
turos. No caso do jogo Sonic The Hedgehog, uma partida possui um tempo-limite,
assim, o competidor pode optar por explorar, com mais atenção, o mundo que é
apresentado a ele, e coletar o máximo de anéis possíveis, porém, ao fazê-lo, sacrifi-
ca o tempo total, que é limitado, do qual dispõe para completar o nível.

A franquia do jogo Sonic completou 30 anos de vida, assim, a


seguir, você poderá acompanhar uma coletânea, com a reação de
impaciência do porco-espinho ao ficar parado em diferentes versões.
Com a evolução dos títulos, Sonic passou a fazer alongamento, tirar
um cochilo, e, até mesmo, cutucar o barro na sola dos sapatos, como
resposta à inação do jogador: https://www.youtube.com/watch?v=ij-
8CdCDXhGU&ab_channel=AndrewLouis.

Novamente, a contraposição de como o jogo é estruturado e de como as


aulas são concebidas e conduzidas torna evidente o porquê da dificuldade de en-
gajarmos os alunos. Grande parte das ações que eles devem realizar, em sala de

58
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

aula, não gera resultados discerníveis, ou, dito de outra forma, o resultado dessas
ações não é comunicado, a eles, de forma perceptível, salvo, talvez, em algumas
disciplinas laboratoriais, que permitem a experimentação. O feedback que rece-
bem, por exemplo, em forma de correção de trabalhos, geralmente, é efetivado
muito tempo após terem terminado uma tarefa, ao passo que, nos games, isso
acontece instantaneamente. Além disso, como o conteúdo curricular é administra-
do de forma conteudística, por vezes, em disciplinas ministradas semanalmente,
demanda-se, dos alunos, uma capacidade latente de pensamento abstrato, de
modo que consigam vislumbrar a integração de ações.

Em jogos digitais, é comum que o jogador consiga visualizar a integração dos


próprios atos em forma de “pontos de experiência”, acumulados e/ou em barras
de evolução, sendo que, de tempos em tempos, é brindado com alterações estéti-
cas no personagem, as quais ilustram esse “acúmulo” de experiências.

FIGURA 3 – ALTERAÇÕES ESTÉTICAS QUE REPRESENTAM A EVOLUÇÃO


COMO RESULTADO DO ACÚMULO DE EXPERIÊNCIAS NO JOGO POKEMON

FONTE: <https://inprogresspokemon.tumblr.com/post/125944803710/0075-
a-scarce-sight-in-the-wild-squirtle-can>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A concatenação dos elementos vistos até aqui, que tornam a experiência do


jogo diferente da experiência de uma aula tradicional, tem sido bem explorada
por uma área do design de jogos, chamada de serious game. O termo se refere a
jogos voltados para fins mais educacionais do que de entretenimento – de onde
se tem o termo “sério”. Esse tipo de jogo se propõe a criar uma experiência que
envolva, ativamente, o jogador, em especial, no que se refere a consequências de
ações. Por meio de um feedback, evidenciam-se essas consequências, sendo,
assim, mais adequado aos propósitos educacionais.

Um “jogo sério” é um jogo que usa sistemas computacionais e


abordagens de simulação e/ou tecnologias para, primariamente, propó-
sitos de não entretenimento.
O termo “sério” se refere ao fato de o jogo ser voltado mais para
fins educacionais do que de entretenimento. Tem sido, amplamente,

59
Gamificação na Educação

utilizado nas áreas de defesa, educação, exploração científica, servi-


ços de saúde, gestão de emergência, negócios, turismo, planejamen-
to urbano, engenharia, religião e política, de uma forma imersiva ou
interativa, que possa ser usufruído da melhor forma possível.

Consideremos, por exemplo, o jogo This War of Mine, lançado em 2014, e


desenvolvido por 11 Bit Studios. Trata-se de um jogo de sobrevivência/gerencia-
mento de recursos, no qual o objetivo é fazer com que se sobreviva o maior tempo
possível. Foi inspirado no Cerco de Sarajevo, durante a Guerra da Bósnia, de
1992 a 1996, sendo que o jogador controla civis, não militares, como, geralmente,
ocorre em jogos que têm uma guerra como cenário. Nele, um grupo de civis é
pego em meio à guerra e busca abrigo em uma casa abandonada. Devem es-
perar o anoitecer para sair em busca de recursos e suprimentos, que os permi-
tam sobreviver até o fim do embate bélico. Grande parte dos personagens, sob o
controle do jogador, não possui nenhuma experiência militar, ou conhecimento de
sobrevivência, assim, necessitam de intervenções constantes do competidor para
permanecer vivos. Assim, o indivíduo precisa zelar para manter a saúde, saciar a
fome e demonstrar a moral dos personagens, até que haja um cessar-fogo.

Durante as expedições noturnas, é comum que se encontrem outros sobre-


viventes, os quais colocam o jogador em situações nas quais ele precisa fazer es-
colhas morais, como compartilhar comida e remédio, roubar, e, até mesmo, matar,
além de arcar com as consequências das próprias escolhas. O jogo recebeu mais
de 100 premiações distintas no mundo tudo. Em 2017, foi lançada uma versão, em
tabuleiro, desse jogo, no Brasil, pela Galápagos Jogos, a fim de manter o cenário e
a mecânica básica do jogo digital. Pode ser jogado com um a seis jogadores. Nesse
caso, a principal diferença é a substituição do computador por outros jogadores hu-
manos, os quais devem tomar decisões de cooperar, para que consigam sobreviver.

FIGURA 4 – THIS WAR OF MINE - VERSÕES JOGO DIGITAL E TABULEIRO

FONTE: <https://store.steampowered.com/app/282070/This_War_of_
Mine/?l=portuguese&cc=at>; <https://www.amazon.com.br/This-Mine-
Gal%C3%A1pagos-Jogos-Multicor/dp/B07MG8VYZ5>. Acesso em: 24 abr. 2021.

60
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

O crescente interesse dos educadores, pelo emprego de jogos em contextos


educacionais, é justificado, principalmente, quando se consideram os estilos de
aprendizagem dos chamados “nativos digitais”.

Para Mattar (2013, p. 25), um estilo de aprendizagem representa a maneira


como cada pessoa processa, absorve e retém informações. As teorias dos estilos
de aprendizagem acreditam que as pessoas aprendem de diferentes maneiras, e
que um planejamento de ensino, baseado nesses estilos, pode elevar a qualidade
no aprendizado. Existem diferentes modelos propostos para a aferição de um es-
tilo de aprendizagem. De forma bem resumida, esses modelos tendem a agrupar
os alunos em:

• Aprendizagem visual: Este tipo de aluno aprende melhor por meio de ima-
gens, vídeos, posters, slides, livros com diagramas, fluxogramas etc. Para
processar, adequadamente, uma informação, esse aprendiz tem a necessida-
de de reconstruir a imagem de diferentes maneiras. Pedir para que ele dese-
nhe coisas, ou crie diagramas, é uma boa forma de aferir o aprendizado dele.
• Aprendizagem por meio da escrita: Este tipo de aluno absorve melhor
uma informação por meio de listas, títulos, dicionários, glossários, ao fo-
lhear livros e ler. Para esse estudante, o aprendizado rende mais quando
ele escreve e reescreve.
• Aprendizagem aural. Este tipo de aluno internaliza mais uma informa-
ção por meio do ouvir, ao assistir a aulas, participar de discussões e tu-
toriais, discutir tópicos com outros, conversar com o professor, e explicar
as próprias ideias para os outros.
• Aprendizagem cinestésica. Este tipo de aluno aprende melhor fazendo.
Ele prefere receber informações por meios de todos os sentidos, com
experiências laboratoriais, visitas de campo, e situações nas quais possa
colocar a “mão na massa”, por meio de tentativa e erro.

Convém se lembrar de que a maioria das pessoas é multimodal, ou seja,


tem forte preferência por dois ou mais estilos. Em sua maioria, os jogos ensejam
suporte a diferentes modalidades de aprendizagem, de modo integrado.

61
Gamificação na Educação

FIGURA 5 – ESTILOS DE APRENDIZAGEM

FONTE: <https://www.psicologiaexplica.com.br/estilos-de-
aprendizagem-e-um-mito/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Para Prensky (2012), as incríveis mudanças tecnológicas, ao longo dos úl-


timos trinta anos, a partir das quais os videogames são um personagem proemi-
nente, alteraram, de maneira dramática e descontínua, a forma como as pessoas,
criadas nesse período, pensam, aprendem e processam as informações. Para
o autor, a principal diferença está no fato de que as “coisas” a serem aprendi-
das – informações, conceitos, relações, e assim por diante – não podem mais
ser, simplesmente, “ditas” ou “expostas” a essas pessoas. Devem ser aprendidas
por elas, por meio de perguntas, descobertas, construções, interações, e, acima
de tudo, diversão. Como forma de diferenciar essas gerações, o autor propôs os
conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais. Segundo esses conceitos, os
nativos digitais são aqueles que já nasceram e cresceram imersos no contexto
tecnológico, enquanto os imigrantes digitais nasceram em um contexto analógico
e migraram para o mundo digital na vida adulta.

As mudanças cognitivas, causadas pelas novas tecnologias e mídias digitais,


levaram a uma variedade de novas necessidades e preferências, por parte dos
nativos digitais, especialmente, na área da aprendizagem, embora não se limitem
a ela. Isso aconteceu, principalmente, devido à relação com os jogos digitais, que
combinam dinamismo visual com um papel ativo e participativo da criança. Os na-
tivos anseiam por ter agência sobre o próprio processo de aprendizado.

Na sociologia, agência se refere às capacidades de indivíduos de


agirem independentemente e de fazerem as próprias escolhas livremente.

62
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Os nativos digitais se caracterizam por processar informações de modo di-


ferente das gerações anteriores, sendo que, como características, eles têm
(PRENSKY, 2012):

• mais experiência no processamento, de forma rápida, de informações,


em comparação a antecessores;
• familiaridade com formatos hipertextuais;
• sensibilidade visual mais aguçada – aprendem melhor ao mesclar ima-
gens e textos;
• tendência de conexão com outros em busca de soluções;
• aprendizagem satisfatória por meio do fazer;
• impaciência, com feedbacks mais rápidos e frequentes;
• falta de intimidação frente à tecnologia.

Para Johnson (2012), muito mais do que livros, cinema e música, os games
obrigam o jogador a tomar decisões, assim, por comparação, os romances podem
ativar a imaginação e canções podem despertar emoções poderosas, mas os jo-
gos forçam a pessoa a decidir, a escolher, a priorizar. Para o autor, todos os bene-
fícios intelectuais de um game derivam dessa virtude fundamental, pois aprender
a pensar é, em última análise, aprender a tomar decisões corretas: comparar indí-
cios, analisar situações, consultar objetivos de longo prazo, e, então, decidir.

O ponto de ambos os autores é que, uma vez que o contato com os jogos di-
gitais tem mudado a forma como as gerações mais novas processam informações,
e, efetivamente, apreendem, é, absolutamente, natural que passem a demandar
modalidades de ensino que se assemelhem aos estilos de aprendizagem delas, e,
por consequência, tenham interesse em jogos digitais em contextos educacionais.

Cremos ser importante, neste momento, ser feita a distinção de dois con-
ceitos, costumeiramente, aplicados a jogos, especialmente, aos jogos digitais. O
primeiro deles é o de que jogos são divertidos (fun). Divertido é um adjetivo que
descreve aquilo que tem, como características, ser engraçado, alegre, recreativo,
cujos acontecimentos são agradáveis e prazerosos. A observação atenta de joga-
dores, em jogos de tabuleiro ou digitais, revela que, embora existam momentos
em que experimentem essa sensação, os jogos mais bem-sucedidos em capturar
a atenção não são experiências prazerosas na maior parte do tempo.

Consideremos as tensões física e metal manifestadas pelo enxadrista, en-


quanto visualiza a próxima jogada dele, ou a frustração de um jogador que atira
o próprio controle contra a parede ao morrer, repetidamente, em uma fase do
jogo (rage quit). Em ambos os casos, não podemos dizer que testemunhamos
uma experiência divertida. Ainda assim, esses jogadores retornam para uma nova
sessão assim que podem. Isso acontece porque preferimos jogos que são desa-
fiadores. Dito de outra forma, a diversão é o resultado da superação de desafios.
63
Gamificação na Educação

FIGURA 6 – DISPUTAS OLÍMPICAS DE XADREZ E RAGE QUIT

FONTE: <https://rafaelleitao.com/10-curiosidades-sobre-olimpiadas-de-xadrez/>;
<https://eraspace.com/artikel/post/5-alasan-ilmiah-mengapa-game-online-
mudah-memicu-emosi-saat-memainkannya>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Como defende Jull (2013), os jogadores dão preferência a jogos que os desa-
fiem, assim, os designers, ao projetar, buscam um ponto de equilíbrio, de modo que
um jogo não seja, demasiadamente, difícil, nem muito fácil. Eles o fazem porque
desejam colocar os jogadores em um estado psicológico, conhecido como fluxo.

O conceito de fluxo foi proposto pelo psicólogo croata Mihaly Csikszent-


mihalyi, que focou grande parte da própria carreira de pesquisador no estudo da
felicidade e da criatividade no campo da psicologia positiva. A teoria do fluxo é
o resultado de mais de trinta anos de investigações. Mihaly buscava entender
o que tornava algumas experiências gratificantes para as pessoas, a ponto de
que estas executassem tais ações mesmo sem a expectativa de ganho, ou uma
recompensa externa (CSIKSZENTMIHALYI, 2014). O psicólogo investigou profis-
sionais, como artistas, músicos e atletas, os quais dedicam grandes quantidades
de tempo e energia em atividades, sem nenhuma recompensa aparente.

Em investigações, Mihaly percebeu que, em determinadas situações, as pes-


soas persistiam, obstinadamente, no que faziam, e desconsideravam a fome, a
fadiga e o desconforto, mas, uma vez que terminavam o trabalho, perdiam o inte-
resse por ele. O psicólogo queria entender os mecanismos que estavam em ação
nesse fenômeno de motivação intrínseca, o que chamou de autotélico (gratificante
em si mesmo). Ele teorizou que essas pessoas entravam em um estado de fluxo,
que se caracterizava por uma concentração intensa, focada no presente; pela per-
da de consciência do que estava em volta e da noção de tempo (sentia-se que o
tempo passou mais rápido); e pela sensação de controle das próprias ações, uma
experiência que é, intrinsecamente, gratificante (CSIKSZENTMIHALYI, 2014).

Nesse estado de fluxo, o indivíduo opera com plena capacidade. É um esta-


do dinâmico de equilíbro entre desafios e habilidades, também, conhecido como

64
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

atividade envolvente (optimal experience). Dentre as características das ativida-


des envolventes, estão: desafios, crescimento pessoal, desenvolvimento de habi-
lidades, metas claras com feedback, sentimento de controle, foco, concentração,
êxtase e perda de noção do tempo, o que cria motivação e engajamento na pró-
pria atividade, cuja recompensa é a realização, não o resultado.

FIGURA 7 – ESTADO DE FLUXO

FONTE: O autor

Mais uma vez, há uma óbvia desvantagem para a atividade docente. Uma
vez que os jogos digitais são projetados para estimular o estado de fluxo nos joga-
dores, os games ajustam a dificuldade como resposta às ações dos jogadores e
aos desempenhos deles, algo que o professor, raramente, tem condições de fazer
em um contexto de sala de aula.

O segundo conceito a se abordar é o da motivação. Um designer de jogos,


comumente, leva em consideração a motivação do jogador, ou seja, o que o leva
a jogar, assim, busca implementar ferramentas e funções, em um jogo, que con-
templem as motivações específicas de cada jogador, a fim de recompensá-lo.

É necessária a compreensão da seguinte questão: o que leva as pessoas


a gostarem de games? As teorias de motivação de um jogador mais aceitas pro-

65
Gamificação na Educação

põem que as pessoas jogam guiadas por quatro motivações básicas: a) obter ma-
estria em um jogo; b) desestressar-se; c) divertir-se; e d) socializar.

Lazzaro (2009) propôs que as pessoas, ao jogarem, podem ter, como expectativa,
obter quatro tipos diferentes de “diversão”: diversão dura (hard fun): o jogador tenta ven-
cer alguma forma de competição; diversão fácil (easy fun): foca em explorar/conhecer o
sistema; diversão de estado alterado (alterated state fun): procura mudar a forma como
se sente; e diversão social (social fun): busca se engajar com outros jogadores.

Se você tem interesse em compreender melhor a proposta de


Lazzaro (2009), a respeito dos quatro tipos de diversão, com exem-
plos, pode acompanhar uma palestra dela, indicada a seguir (Não
se esqueça de ativar a legenda, com tradução automática!): https://
www.youtube.com/watch?v=EEmNRRRqgNc.

Um dos estudos mais famosos, no que tange à motivação dos jogadores, foi
conduzido pelo designer Richard Bartle, que tem uma longa experiência de carreira
em como desenvolver jogos de RPG para múltiplos jogadores online, conhecidos
como MMORPGs. Guiado pelo desejo de compreender as motivações que levavam
as pessoas a jogarem, ele procedeu com uma investigação, com vários jogadores/
usuários, de modo a tentar entender o que buscavam em um jogo e o que conside-
ravam “divertido”. Os achados dele foram compilados e apresentados em um artigo,
publicado em 1996, no qual propunha uma classificação (taxonomia) dos jogado-
res, de acordo com os interesses deles (SALEM; ZIMMERMAN, 2012).

MMORPGs são jogos de interpretação de personagens online e


em massa, para multijogadores (Massive Multiplayer Online Role-
-Playing Game). Suportam uma quantidade muito grande de jogado-
res simultâneos, a qual pode chegar a milhões, além de um ambiente
de interação de estado permanente. Isso significa que todos esses
jogadores interagem com o ambiente virtual do jogo, ao mesmo tem-
po e em tempo real, e que esse mesmo ambiente continua a funcio-
nar, inclusive, frente à ausência de um competidor.

66
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Como eixo estruturante dessa classificação, Bartle considerou duas dimen-


sões: atuação (manipular, explorar, controlar) e interação (aprender, comunicar,
examinar) com o mundo do jogo e com outros jogadores (SALEM; ZIMMERMAN,
2012). Identificou quatro tipos de jogadores:

• Realizadores: Para estes, coletar pontos e subir de níveis são a princi-


pal motivação para jogar. A exploração do jogo é, apenas, uma tarefa ne-
cessária para se encontrarem novas fontes de tesouro, ou formas mais
eficientes de se extraírem pontos dele. Eles socializam para descobrir
o que outros jogadores sabem a respeito da acumulação de pontos e
como podem obter mais informações de pontuação. Matar só é necessá-
rio para eliminar rivais ou pessoas que atrapalham, e (obviamente) para
ganhar grandes quantidades de pontos.
• Exploradores: Para estes, conhecer as entranhas do jogo é a principal
motivação para jogar. Esses jogadores, propositadamente, tentam reali-
zar ações incomuns em locais de difícil acesso, pois procuram por coisas
interesses, principalmente, falhas, conhecidas como bugs. A obtenção de
pontos é vista como uma barreira que precisa ser superada para se atin-
gir a próxima fase da exploração, mas é considerada tediosa. Socializar
pode ser uma fonte de informações para novas ideias. A diversão verda-
deira está na descoberta, e na criação do mapa mais completo existente.
• Socializadores: Para estes, conhecer pessoas e ouvir o que elas têm a
dizer são a principal motivação para jogar. O jogo é, apenas, o meio que
faz as coisas acontecerem. Alguma exploração pode ser necessária para
“entender o que é este negócio do qual todos estão falando a respeito”.
Matar outro jogador é algo que só é justificado se é um ato de vingança
impulsivo, realizado contra alguém que tem causado grande dor a um
amigo querido. A real motivação desses jogadores é conhecer pessoas,
além de entendê-las e formar relacionamentos duradouros.
• Predadores: Para estes, divertir-se ao fazer os outros sofrerem é a prin-
cipal motivação para jogar. O objetivo é causar sofrimento aos outros,
a fim de serem mortos os personagens deles. Quanto mais sofrimento,
melhor. A obtenção de pontos é uma barreira a ser superada, e a explo-
ração pode ser necessária para se descobrirem novas formas criativas
de serem mortos outros jogadores. A socialização está apta a ser utili-
zada para provocar um adversário. A diversão, para eles, é saber que
alguém está bem chateado com ações.

Bartle teorizou que uma comunidade de um MMORPG saudável exige uma


proporção de cada tipo de jogador para se manter (NOVAK, 2017). Entendeu,
também, que existe uma espécie de topografia dessas interações: conquistado-
res estão interessados em atuar no mundo; exploradores, em interagir com esse
mundo; socializadores, em interagir com os jogadores; e, assassinos, em atuar
sobre esses jogadores (SCHELL, 2020).
67
Gamificação na Educação

FIGURA 8 – TIPOS DE JOGADORES DE MMORPG, DE


ACORDO COM TAXONOMIA DE BARTLE

FONTE: <https://www.fabricadejogos.net/posts/projetando-suas-mecanicas-
de-jogo-baseado-nos-tipos-de-jogadores/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Apresentamos esta classificação, somente, como uma forma de estimular a


reflexão. Frente a essa ampla gama de motivações que podem ser atendidas por
meio de um jogo, novamente, fica fácil entender o porquê do aporte em contextos
educacionais. Efetivamente, que motivação a sua aula pode contemplar no forma-
to em que se encontra hoje?

Um último elemento que devemos considerar é o da imersão. A imersividade pode


ser entendida como a capacidade de um sistema de trazer os usuários para outra di-
mensão do real, apresentada por ele. O conceito está presente em vários campos,
como na literatura, nas artes, e, a partir da metade do século XX, na realidade virtual.

Murray (2003), na obra Hamlet no Holodeck, dedica um capítulo inteiro ao con-


ceito de imersão, e cita, como exemplo, o personagem Don Quixote, como o poder
dos livros de criarem um “mundo mais real do que a realidade”. Na obra, o persona-
gem se encanta de tal forma com o que lê que decide se tornar um cavaleiro errante.

Como lembra Murray (2003), uma narrativa excitante, em qualquer meio,


pode ser experimentada como uma “realidade virtual”, pois os cérebros estão pro-
gramados para se sintonizar nas histórias, e com intensidade, a ponto de obliterar

68
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

o mundo em volta. Esse desejo ancestral de viver uma fantasia, originada de um


universo ficcional, foi intensificado pelos meios participativo e imersivo que são os
jogos digitais. A imersividade por ser um efeito decorrente de jogos digitais bem
estruturados, ou está apta a ser, ativamente, buscada pelos designers dos games.
Nesse caso, é necessário muito cuidado, de modo a se evitar a quebra da imer-
são por meio da suspensão da descrença.

A suspensão voluntária da descrença se refere à vontade de um


leitor, ou de um espectador, de aceitar, como verdadeiras, as pre-
missas de um trabalho de ficção, mesmo que sejam fantásticas, im-
possíveis ou contraditórias. O espectador suspende o julgamento em
troca do entretenimento. Esse termo é, tradicionalmente, aplicado na
literatura, no teatro e no cinema, embora, também, possa ser apli-
cado em jogos digitais. Assim, os elementos narrativos, criados pelo
autor, precisam fazer sentido dentro da lógica do universo que ele
criou. Quebrar essa regra pode gerar a quebra da suspensão volun-
tária da descrença e do processo de imersão.

1 Games for Change é uma iniciativa global que busca estimular


a discussão a respeito do desenvolvimento e da aplicação dos
serious games nos mais diferentes contextos, inclusive, na edu-
cação. Anualmente, organiza um festival que premia os melho-
res projetos de jogos sérios desenvolvidos. No site da ONG, você
pode encontrar uma farta relação desses jogos vencedores, mui-
tos deles, disponibilizados gratuitamente, catalogados pela temá-
tica abordada: https://www.gamesforchange.org/games/.

Acesse o site, conheça os jogos e experimente um deles. A partir


da sua experiência, faça uma reflexão escrita, a respeito de como
o jogo que avaliou poderia ser utilizado nas suas atividades de
ensino, a partir do que discutimos aqui.

69
Gamificação na Educação

3 FUNDAMENTOS DA GAMIFICAÇÃO
Para Burke (2015), fazer com que pessoas realizem tarefas diárias comuns,
ou entediantes, é conseguir engajá-las em um nível mais profundo e significativo.
Elas sentem inspiração de vários modos diferentes. Um modo de motivá-las é se-
rem apresentados, a elas, desafios práticos, além de encorajá-las, e, à medida que
atingem novos níveis, mantê-las, emocionalmente, envolvidas na busca do melhor
resultado. Para o autor, em essência, é isso que a gamificação proporciona.

Os mais diversos profissionais têm emprestado competências para a criação


de sistemas de engajamento. No marketing, por exemplo, o esforço está em en-
volver os clientes com os produtos; no mundo patronal, o objetivo é que emprega-
dores procurem motivar os próprios funcionários para que se engajem nas tarefas
produtivas; no nível educacional, o propósito é o comprometimento dos alunos
com a memorização dos conteúdos ministrados e as atividades em sala de aula.
Segundo Burke (2015), na maioria das vezes, o foco do envolvimento está na
quantidade de interações realizadas, e não na qualidade delas, o que é uma falha.

O ponto fundamental de qualquer processo de gamificação reside na compre-


ensão do que motiva as pessoas. Conforme vimos, são raras as ocasiões nas quais
o próprio ato a ser executado é suficiente para motivar as pessoas, como o que
acontece no estado de fluxo. Um corpo robusto de estudos de motivação é ofere-
cido pela psicologia, em especial, pelo campo da pesquisa behaviorista, do qual
Pavlov e Skinner são os pioneiros.

A motivação é o que explica por que pessoas, ou animais, ini-


ciam, continuam ou terminam um certo comportamento em um mo-
mento determinado. Os estados motivacionais são, comumente, en-
tendidos como forças atuantes dentro de um agente, as quais criam
uma disposição para se envolver em um comportamento direcionado
a um objetivo.

De modo resumido, a motivação pode ter origem em duas fontes: intrínseca


e extrínseca. A motivação intrínseca está relacionada ao desejo e à força interio-
res que nos impelem a uma ação, geralmente, relacionada a metas, objetivos e
projetos pessoais que estimulam o indivíduo a persistir e a enfrentar as adversi-

70
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

dades. Já a motivação extrínseca se relaciona ao ambiente, a situações e fatores


externos, como uma forma de motivar, ou obrigar, as pessoas a agirem, geral-
mente, estruturada na forma de recompensas, ou punições.

Convém lembrar que as pessoas não possuem, apenas, diferentes tipos de


motivações, mas, também, níveis distintos delas, assim, a qualidade de uma ex-
periência e o desempenho dos indivíduos tendem a ser muito diferentes, a depen-
der da motivação que têm.

FIGURA 9 – TIPOS DE MOTIVAÇÃO

FONTE: <https://blog.academiaperspectiva.com/perfil-
motivacional/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Para Burke (2015), a motivação intrínseca é capaz de sustentar o envol-


vimento, enquanto a extrínseca exerce um impacto menos duradouro, sendo que,
algumas vezes, pode, até mesmo, desencorajar as pessoas.

A gamificação tende a se focar nas recompensas intrínsecas, o que, de certa


forma, diferencia-a de programas de recompensa e fidelidade, empregados, co-
mumente, pelo marketing. Essas recompensas internas sustentam o envolvimen-
to, pois atuam em um nível emocional, enquanto as externas tendem a ocorrer em
um nível, apenas, transacional.

71
Gamificação na Educação

Embora programas de recompensa, jogos e gamificação usem mecânicas


semelhantes, com pontos, distintivos e placares, operam em níveis semânticos
e de relacionamento diferentes. Um programa de fidelidade, incentivo, ou recom-
pensa funciona como uma forma de retribuição aos participantes, por completa-
rem certas ações prescritas pela organização patrocinadora. A gamificação, por
sua vez, gira em torno de motivar os jogadores a atingirem objetivos, os quais são
compartilhados entre quem propõe essa gamificação e os competidores. A gami-
ficação serviria, então, aos propósitos de alterar comportamentos, desenvolver
habilidades e motivar.

Para Zichermann e Cunningham (2011), a gamificação consiste na utilização


dos pensamentos e das dinâmicas de jogos para engajar audiências e resolver
problemas. Já para Kim (2018), é a utilização de técnicas de games para tornar
as atividades mais divertidas e engajadoras. Por fim, conforme Alves (2015), não
é a transformação de uma atividade em um game, mas o processo de aprender a
partir desse game, a fim de serem encontrados, nele, elementos que podem me-
lhorar uma experiência, sem desprezar o mundo real, ou seja, o conceito central
dessa experiência, além de torná-la mais prazerosa e participativa. O que pode-
mos constatar, por meio de todas essas definições, é que a gamificação objetiva,
principalmente, o estímulo de comportamentos.

Uma grande defensora da ideia do emprego da gamificação como forma de


engajamento é Jane McGonical (2012), designer e doutora na área de estudos de
performance, conhecida pelo livro A Realidade em Jogo, no qual defende o uso
de tecnologias móveis e jogos digitais como meios de canalizar atitudes positivas
e colaborativas no mundo.

Segundo a proposta de McGonigal (2012), os jogos digitais contemplam, genui-


namente, as necessidades humanas, de modo que o mundo real falha em atendê-
-las, a fim de serem oferecidas recompensas que a vida não consegue contemplar.

Revisto o argumento de que os jogos são usados como uma forma de escape
da realidade, a autora propõe que um sujeito joga para tornar a vida suportável, o
que dá, a ele, uma sensação de poder em situações nas quais, geralmente, é impo-
tente. Da mesma forma, esses jogos permitem que o indivíduo dê sentido a ambien-
tes caóticos. Para a autora, não são o oposto do trabalho, mas da depressão, uma
vez que, quando se está deprimido, sofre-se uma sensação de inadequação, além
da falta de vontade de ação. Os jogos criam otimismo no que se refere a próprias
potencialidades e uma descarga revigorante de atividades. “Somos mais felizes vi-
vendo o tempo do que matando o tempo” (McGONIGAL, 2012, p. 41).

72
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Caso você tenha interesse em conhecer melhor a proposta de


McGonical (2012) e acompanhar alguns exemplos de aplicação des-
se conceito, acesse a palestra que ela ministrou no TED, em https://
www.ted.com/talks/jane_mcgonigal_gaming_can_make_a_better_
world/transcript.


A partir da premissa de McGonigal (2012), os adeptos da gamificação pro-
põem que é possível criar emoções positivas e satisfação, nos usuários, em qua-
se todo o tipo de atividade cotidiana. Por meio dessa “engenharia da felicidade”,
conseguir-se-ia tornar o trabalho diário mais gratificante, e, consequentemente, a
produtividade se faria presente, uma vez que se tivesse a sensação de imersão
em um trabalho que produz resultados óbvios e imediatos.

Por meio do aprendizado das lógicas e das dinâmicas que regem os jogos,
podemos desenvolver estratégias para estimular a conectividade social e o rela-
cionamento entre as pessoas, visto que a sociedade trata, com demasiada serie-
dade, os prazeres e as dores, os sucessos e os fracassos, assim, tende a encará-
-los como um assunto, totalmente, individual, pois não temos interesse em investir
recursos nas conquistas de outras pessoas.

Ao ser criado um forte senso de comunidade, sucessos e fracassos são trata-


dos com mais leveza. Como exemplifica McGonigal (2012), é comum que, no meio
dos MMORPGs, jogadores experientes ajudem novatos, com orientações e supor-
te. Essa “arquitetura social” permite visualizar a participação e a influência em con-
textos sociais, o que dá a sensação de ser algo maior, que motiva a ação. Segundo
essa proposta, podemos tornar uma tarefa diária mais aprazível, mais recompensa-
dora, o que estimula, por exemplo, um sujeito a ter hábitos mais saudáveis.

FIGURA 10 – MEME DA CULTURA DE SUPORTE ENTRE JOGADORES

FONTE: <https://www.reddit.com/r/dankmemesTemplates/comments/clmi67/
giant_armor_protect_little_guy_srgrafo_meme/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

73
Gamificação na Educação

A gamificação é norteada por quatro princípios: base nos jogos, mecânicas,


estética e pensamento. Todas são utilizadas com foco no engajamento das pes-
soas, a fim de motivar as ações delas. O princípio da gamificação é despertar
emoções positivas, além de explorar aptidões, atreladas a recompensas virtuais,
ou físicas, durante a execução de determinada tarefa.

Com devemos perceber, falar de jogos é algo um tanto quanto complexo,


pois são efetivados como uma experiência compartilhada pelos próprios jogado-
res, a partir de propostas e regras. Contudo, o simples fato de um jogo ter regras e
estruturas conhecidas não o torna, necessariamente, divertido. Como uma forma
de explicarmos o porquê de isso ocorrer, foi proposta uma estrutura heurística,
chamada de MDA, acrônimo para Mechanics, Dynamics e Aesthetics (Mecânicas,
Dinâmicas e Experiência Estética, em inglês), como forma de tornar mais fortes
os processos interativos. A MDA é uma espécie de abordagem formal, utilizada
para entender os jogos, a fim de decompor os componentes distintos deles para
descrevê-los. A heurística foi criada como uma maneira de ajudar a conciliar duas
visões distintas de um jogo: a do projetista (designer) e a do jogador.

A seguir, você poderá conferir a explicação de um designer de


jogo, a respeito do que é a MDA. O vídeo está repleto de exemplos
de jogos reais (Não se esqueça de ativar a legenda automática, com
tradução para o português!): https://www.youtube.com/watch?v=N-
xiGduvDJ8s&ab_channel=TheLastBacon.

Todo jogo é estruturado a partir de uma mecânica. Em um videogame, isso


pode ser percebido por meio de coisas tão simples, como andar e pular. As mecâ-
nicas são as várias ações, comportamentos, mecanismos de controle permitidos
aos jogadores dentro do contexto de um jogo. Assim, por exemplo, as mecânicas
do poker incluem os atos de embaralhar cartas, fazer apostas e correr riscos. As
regras costumam ser a formalização de alguns desses aspectos.

A partir das mecânicas e da interação do jogador com elas, surge a dinâmica,


assim, parte da dinâmica de um jogo de poker consiste em tentar ludibriar o ad-
versário a acreditar que você pode derrotá-lo. É o chamado blefe.

Finalmente, a experiência estética deriva de como o sistema faz com que um


jogador se sinta na ocasião da interação. No caso do poker, isso é expresso pelo
fluxo de adrenalina, pelo batimento cardíaco acelerado experimentado enquanto
se aguarda a decisão de um outro competidor, de cobrir, ou não, uma aposta.
74
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Os jogos possuem diferentes objetivos de experiências estéticas, a partir dos quais


podemos criar sensações, além de estimular fantasias, inventar uma narrativa, desen-
volver o companheirismo, oferecer uma descoberta, permitir modos de expressão etc.

FIGURA 11 – CENA DO FILME MAVERIK (1994)

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=FrUOD4i8sOQ&ab_
channel=RikiTexas>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A seguir, você poderá assistir a uma cena que mostra uma roda-
da final de poker, do filme Maverik. Veja se consegue identificar as di-
ferenças entre Mecânicas, Dinâmicas e Experiência Estética (Não se
esqueça de ativar a legenda, com tradução automática para o portu-
guês!): https://www.youtube.com/watch?v=kUQck0V5IgA&ab_chan-
nel=GamblingTV.

Assim, um jogo que pretende criar uma experiência estética de desafio o faz
por meio de mecânicas que colocam pressão no tempo que o jogador possui,
ou entregam que ele dispute recursos. Já uma experiência estética de compa-
nheirismo pode ser estimulada por meio da estipulação de condições de vitória,
extremamente, difíceis de serem atingidas por conta própria. Por fim, a partir de
uma experiência de expressão, são criadas dinâmicas que encorajam o jogador a
deixar a marca dele no jogo.

Essa heurística foi proposta como uma forma de aproximar olhares distintos.
Os designers tendem a compreender os jogos, prioritariamente, a partir das me-
cânicas deles, e buscam criar algumas que gerem a experiência estética deseja-

75
Gamificação na Educação

da. Já os jogadores, por sua vez, relacionam-se com os jogos a partir dessa expe-
riência estética (como os jogos fazem com que eles se sintam), então, vivenciam
a dinâmica para interligar as mecânicas.

A heurística MDA é importante pois ajuda a compreender por que é tão di-
fícil criar jogos, uma vez que eles resultam da interação dinâmica desses três
sistemas. Dito de outra forma, os jogos são maiores do que as mecânicas deles.
Consideremos, por exemplo, o sucesso obtido por meio de jogos de plataforma,
como o que Super Mario Bross, da Nintendo, teve. As mecânicas fundamentais,
como pular, quebrar blocos, salvar uma princesa, terminar uma fase e derrotar
inimigos, foram decupadas e aplicadas na criação de mais de uma centena de se-
melhantes. Embora tivessem, literalmente, uma mesma mecânica, nem sempre,
conseguiam gerar a dinâmica do jogo original, e quase todos falharam em recriar
a experiência estética fornecida pelo Super Mario Bross.

Quer se divertir um pouco? Confira, a seguir, os dez piores jogos


clones de Super Mario (Não se esqueça de ativar a legenda automá-
tica, com tradução em português!): https://www.youtube.com/watch?-
v=JKPqkT88ri8&ab_channel=TheGamer.

Um erro muito comum, cometido por aqueles que pretendem implantar pro-
cessos gamificados, é focar, demasiadamente, nos aspectos mecânicos e dinâmi-
cos. Esquecem-se de dar atenção ao aspecto mais importante para o usuário: a
experiência estética. Por isso, no Capítulo 1, comentamos que grande parte dos
processos de gamificação acaba virando um “brócolis coberto de chocolate”.

Os principais elementos mecânicos que compõem os processos gamifica-


dos, segundo Zichermann e Cunningham (2011), podem ser agrupados em sete
primários: pontos, níveis, placares, distintivos, desafios, onboarding e ciclos de
engajamento. Vamos entender o que são?

• Pontos: Absorvem-se, em um processo de “letramento” com jogos, como um


elemento fundamental, independentemente do que eles representam. Nos es-
portes e, até mesmo, nas notas escolares, teoricamente, são uma forma de
expressar “conquistas”. A base utilizada para atribuir a pontuação é ampla,
como por experiência de jogo (experience points), por comportamento (karma
points), por aprendizagem (skill points), e, sim, por reputação. Grande parte
da interação com o sistema de um jogo proporciona a geração de pontos.
76
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

É comum que, em sistemas gamificados, os pontos sejam utilizados para a


criação de uma economia virtual, assim, os participantes os trocam e/ou os con-
vertem em algo. Então, os jogadores são estimulados a, não só, simplesmente,
acumular, mas, efetivamente, a colocá-los em uso.

FIGURA 12 – PROGRAMA NUBANK REWARDS

FONTE: <https://nubank.com.br/rewards/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Um exemplo da mecânica de pontos é o programa Nubank Rewards. Para


quem possui um cartão de crédito Nubank, a cada um real em compras, gera-se
um ponto. Este pode ser utilizado para amortizar gastos com a fatura.

• Níveis: Utilizam-se como indicadores de progresso, no sentido de que,


conforme se avança pelo sistema gamificado, tem-se acesso a novos
níveis. Em termos mecânicos, é comum que se associe a evolução de
níveis à dificuldade do jogo e/ou às demandas feitas para o jogador. Em
processos gamificados, a evolução de níveis, geralmente, está atrelada
a algum tipo de metáfora. Nos jogos olímpicos, por exemplo, utiliza-se a
raridade de metais, tradicionalmente, do mais raro, o ouro, para a prata
e para o bronze, que é mais comum. Programas de fidelidade que traba-
lham com níveis e usam essa metáfora sentem a necessidade de criar
níveis mais elevados do que o ouro, assim, são propostos os de platina e
de diamante.
• Placares: Fazem-se comparações, assim, a maioria das pessoas não
encontra grandes dificuldades de se relacionar com um placar. Por de-
finição, quando se vê uma lista ordenada, com valores ao lado de cada
nome, entende-se que se está diante de um placar.

Em instâncias iniciais, os jogos costumavam apresentar placares que sinte-


tizavam os melhores resultados, somente, o que não é nada estimulante se um
sujeito não está entre os vinte primeiros.

Os sistemas gamificados atuais, baseados em informática, costumam apre-


sentar placares dinâmicos (ou infinitos), os quais, sempre, colocam o indivíduo no
meio, independentemente da colocação dele. Dito de outra forma, apresentam a

77
Gamificação na Educação

informação de modo diferente: ao invés de começarem pela liderança, iniciam por


apontar as posições no placar, assim, indicam o quanto ele está próximo do melhor
resultado. Então, essa pessoa sabe, exatamente, do que precisa para superá-lo.

FIGURA 13 – SANTANDER ACADEMICXS

FONTE: <https://www.siouxgroup.com.br/portfolio/academicxs>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O Santander Academicxs foi uma proposta de ação gamificada le-


vada a cabo pelo banco. Nele, estudantes estavam aptos a baixar o apli-
cativo, cadastrar-se, criar um avatar e se envolver em diversas ativida-
des e desafios semanais, para que ganhassem pontos. Os 20 melhores
colocados concorriam a uma bolsa de estudos no exterior. Acompanhe
mais em: https://www.siouxgroup.com.br/portfolio/academicxs.

• Distintivos: Usam-se, prioritariamente, como forma de diferenciação.


Indicam que uma pessoa faz algo que a torna meritória de receber um
distintivo. Com relação à gamificação, os distintivos podem ser atribuí-
dos de duas formas: primeiramente, o indivíduo sabe, claramente, o que
precisa fazer para merecê-lo, e, logo após, estipula-se o que necessita
ser feito, mas não se conta ao jogador. Quando atinge o objetivo, recebe
uma descarga de adrenalina positiva ao ser presenteado com o distinti-
vo. É comum que ambos os formatos sejam usados ao mesmo tempo.
As forças armadas e os escoteiros são dois exemplos de instituições que
fazem uso de distintivos há mais de um século.
78
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

FIGURA 14 – DISTINTIVOS DA KHAN ACADEMY

FONTE: <https://pt.khanacademy.org/badges>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A Khan Academy é uma entidade que oferece os mais diferen-


tes cursos gratuitos, como forma de complementar a educação de
jovens. Dentre as mecânicas gamificadas dela, está a distribuição de
distintivos por conquistas. Você pode conhecê-la mais a fundo em:
https://pt.khanacademy.org/.

• Desafios e Missões: Orientam-se, os jogadores, quanto ao que devem


fazer no mundo da experiência gamificada. A ideia é garantir que, sem-
pre, haja um desafio para eles (idealmente, oferecem-se alguns desafios
e se permite que façam escolhas). Os competidores precisam ser capa-
zes de entrar na experiência e ter algo interessante e substancial para
realizar. Alguns jogam desafio após desafio, em sequência, para tentar
vencer o máximo possível em um jogo. Outros, apenas, tentam um, con-
forme necessário, para manter o interesse. O foco do trabalho é criar um
grande volume de opções para ambos.
• Onboarding: Traduz-se, literalmente, como “subir a bordo”. É o termo
que designa o processo de introduzir/apresentar um novato a um siste-
ma. É um modo de pensamento calculado, a exemplo de como alguém
vai de zero a cem quilômetros e sem bater o carro. Equivale a pegar o
jogador pela mão e introduzi-lo, gradualmente, à mecânica de um sis-
tema. O verdadeiro desafio está no ajuste da forma através da qual as
informações são passadas e em quantidade. Grande parte dos games
modernos possui processos tutoriais embutidos nas próprias experiên-

79
Gamificação na Educação

cias, assim, um jogo vai sendo, paulatinamente, ensinado ao jogador,


como deve ser jogado.
• Ciclos de engajamento: Demonstra-se a parte mais complexa de qual-
quer sistema de gamificação, pois deve levar em consideração como o
jogador se engaja com um sistema, sai dele, e, o mais importante, o que
faz com que ele retorne para jogar mais. O desafio, aqui, está na criação
de mecânicas emocionais que conduzam esse jogador a se reengajar
com tal sistema. A partir dessas mecânicas, ativam-se as ações a serem
estimuladas por meio da gamificação, que se manifestam a partir da for-
ma por meio da qual o competidor consegue visualizar o próprio progres-
so e/ou recompensas que obtém.

A seguir, você poderá assistir a um vídeo de Fabiana Bigão, que


explica e dá exemplos de gamificação. Talvez, ela ajude você a com-
preender conceitos: https://www.youtube.com/watch?v=CK_4JfDZI-
jA&ab_channel=VIDDIA-Educa%C3%A7%C3%A3oOnline.

FIGURA 15 – MECÂNICAS DO JOGO

FONTE: <https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-aproximada-do-jogo-
de-tabuleiro-do-monopolio-776654/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Como vimos, a partir da heurística MDA, conhecer os componentes mecâ-


nicos de um jogo, não necessariamente, proporciona a criação de uma dinâmica
bem-sucedida, que gera uma experiência estética eficaz para o jogador. Assim, o
que torna essa dinâmica e essa experiência estética do jogo algo prazeroso?

80
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Yo-Kai Cho (2019) passou mais de uma década pesquisando a respeito des-
sa questão, de modo que pudesse criar uma estrutura de análise das diferentes
estratégias de sistemas que tornam os jogos engajadores. A conclusão do estudo
é que a maioria dos jogos bem-sucedidos apela para um ou mais Motivadores Bá-
sicos. Assim, criou um modelo que os sintetiza. Esses Motivadores Básicos são:

FIGURA 16 – MOTIVAÇÃO

FONTE: <https://psicoativo.com/2015/11/tipos-de-motivacao-
psicologia.html>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Significado épico e chamado: Estruturam-se de modo a dar, ao joga-


dor, a sensação de que está fazendo algo que é maior do que ele mes-
mo, algo épico, de que ele foi escolhido para isso. Coloca-se, esse jo-
gador, no foco de uma missão épica, como salvar o mundo. Assim, uma
pessoa que dedica grande parte do próprio tempo para contribuir, com
verbetes, na Wikipédia, não o faz para ganhar dinheiro, ou para melhorar
o currículo que tem, faz porque acredita que, assim, está dentro de algo
mais significativo: ajuda a proteger o conhecimento da humanidade.
• Desenvolvimento e realização: Baseiam-se em um impulso interno,
no de se desenvolverem habilidades, além de se alcançar o domínio de
algo, ao se superarem desafios. A chave da motivação, aqui, é o desafio.
Um troféu, sem ele, não tem significado. Esse é um dos motivadores
mais simples de se projetar, a partir do qual a maioria das mecânicas de
gamificação, como pontos, emblemas e placares, encontra-se.
• “Empoderamento” da criatividade e feedback: Expressam-se quando
os usuários se envolvem em processos criativos, nos quais descobrem
coisas e tentam diferentes combinações. As pessoas, naturalmente, sen-
tem desejo por formas de expressão da criatividade, porém, para que o
ciclo se efetive, precisam ver o resultado de um trabalho e receber algum
feedback, para que ajustes sejam realizados.

81
Gamificação na Educação

• Posse e propriedade: Fixam-se pois os usuários são motivados porque


sentem que estão no controle e/ou que possuem algo. Quando se sente
que se é dono de algo, naturalmente, deseja aumentar, além de melhorar
o que está em posse. Uma forma bem simples de se trabalhar com isso é
por meio de uma moeda virtual, que pode ser acumulada por um jogador.
• Influência social e relacionamento: Fazem-se presentes pela motiva-
ção gregária do ser humano, expressa pelos desejos de mentoria, acei-
tação, feedback social, companheirismo, e, até mesmo, competição e in-
veja. Quando se vê que um amigo apresenta uma habilidade incrível ou
possui algo extraordinário, busca-se atingir o mesmo.
• Escassez e impaciência: Entregam-se pelo desejo por algo pelo sim-
ples motivo de que isso é raro, exclusivo, ou, imediatamente, intangível.
Por exemplo, muitos jogos utilizam uma mecânica, chamada de Torture
Break, algo como “volte em duas horas para obter uma recompensa”, as-
sim, ao não conseguir fazer algo no exato momento, uma pessoa tende a
pensar no ocorrido o dia todo, o que faz com que ela retorne.
• Imprevisibilidade e curiosidade: Envolvem-se pelo engajamento, por
conta da incerteza do que vem a seguir. Quando acontece algo fora do
ciclo, ou do padrão, o cérebro entra em um estado de atenção redobra-
da, a fim de entender o que está acontecendo. A essência dessa mecâni-
ca está em grande parte dos jogos do tipo sorteio ou loteria.
• Perda e evitação: Embasam-se na psicologia behaviorista. É uma mo-
tivação que guia para evitar que algo ruim aconteça. Em uma pequena
escala, por exemplo, age para evitar a perda de trabalhos anteriores, ou
para mudar o comportamento de alguém. No marketing, isso se manifes-
ta por meio de mecânicas, como “Oferta especial por tempo limitado”.

QUADRO 1 – MOTIVADORES BÁSICOS

Motivador Características
Significado épico e chamado Sentir que faz parte de algo maior, ou que é
destinado a cumprir uma missão importante.

Desenvolvimento e realização Sentir uma melhora cada vez mais. Conceito,


às vezes, chamado de maestria.
Empoderamento da Sentir prazer ao descobrir coisas novas ou,
criatividade e feedback simplesmente, poder se expressar criativa-
mente.

Posse e propriedade Sentir que possui algo que é único e se sentir


exclusivo. Poder fazer inveja aos outros.

82
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Influência social e Sentir que se faz parte de um grupo, que per-


relacionamento tence a ele, e, sobretudo, ser admirado por
outros.

Escassez e impaciência Sentir-se motivado a garantir o próprio qui-


nhão de algo. Se há o risco de escassez de
um item, é melhor garantir, logo, uma parte.

Imprevisibilidade e Sentir um calafrio, gerado por não saber o que


curiosidade pode acontecer.
Perda e evitação Sentir que pode evitar a dor e o sofrimento.

FONTE: O autor

Agora que já conhecemos as principais mecânicas e motivações dos jogado-


res, é possível pensarmos na criação de projetos de gamificação, contudo, antes
disso, devemos traçar algumas considerações a respeito da aprendizagem por
meio de dispositivos tecnológicos, objeto da nossa próxima seção.

1 Escolha um jogo digital com o qual tenha familiaridade, ou seja, que


tenha conseguido motivá-lo a jogar por diversas vezes. No caso de
você não ter relação afetiva alguma com jogos digitais, pode selecio-
nar um dos Games for Change e tentar fazer o exercício com ele.

Retorne para esse jogo e invista alguns minutos nele. Assim, munido
das informações deste capítulo, busque identificar como ele trabalha
a sua motivação. Ainda, quais dos elementos de gamificação, lista-
dos aqui, você consegue encontrar no seu jogo escolhido?

4 APRENDIZAGEM POR MEIO DE


DISPOSITIVOS TECNOLÓGICOS
Até agora, foram tratados de dois temas distintos: o emprego de jogos digitais
em contextos educacionais e o implemento de processos de gamificação em ativida-
des educacionais, que se correlacionam. Antes de nos aprofundarmos no emprego
da gamificação na educação (objeto do próximo capítulo), devemos tecer algumas
considerações a respeito da aprendizagem por meio de dispositivos tecnológicos.
83
Gamificação na Educação

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de de-


zembro de 1996, determina que a educação abrange os processos formativos que
se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas institui-
ções de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais. No artigo segundo, professa que a educação
é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, e que tem, como finalidade, o pleno desenvolvimento
do educando, o preparo dele para o exercício da cidadania, e a qualificação para
o trabalho que venha a ter (BRASIL, 1996).

A educação para a cidadania visa contribuir para a formação de pessoas res-


ponsáveis, autônomas, solidárias, que conhecem e exercem direitos e deveres,
baseados no diálogo e no respeito pelos outros, com os espíritos democrático,
pluralista, crítico e criativo, e, assim, submetem-se a um projeto de nação, de-
terminado na nossa Carta Magna, que, no primeiro artigo, instaura a República
Federativa do Brasil, e estipula ter, como fundamentos, a soberania, a cidadania,
a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e
o pluralismo político (BRASIL, 1988).

O projeto de nação e os elementos subjacentes a ele, como a estruturação


do sistema educacional nacional e a preservação, o incentivo e a difusão da cul-
tura, vêm sendo afetados, na contemporaneidade, pelo avanço tecnológico, prin-
cipalmente, dos meios de comunicação e da informática. As três últimas gerações
humanas foram, sistematicamente, expostas a novas formas de comunicação e a
dispositivos informáticos, que impactaram as formas de produção de conhecimen-
to, de relacionamento, de trabalho, de comércio, de articulação social e do viver.

No corrente século XXI, não há uma instância da vida do brasileiro a par-


tir da qual não ecoem as consequências desse processo. Em grande parte das
interações entre o cidadão e a nação, há a mediação digital, pela declaração de
imposto de renda; certificação e documentação digitais, como Carteira Nacional
de Habilitação (CNH); acompanhamento dos processos burocráticos; ou, mesmo,
ato de votar. Na mediação social, instauram-se novas formas de relacionamento e
de cortejo (SILVEIRA; TAVARES, 2018). Por fim, na mediação familiar, praticam-
-se novas formas de contato e vínculo entre as gerações, atos que têm estreitado
o relacionamento pelas mudanças na demografia brasileira, pois se manifesta a
tendência de se casar mais tarde, além de menos filhos.

84
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

FIGURA 17 – NOVAS INSTÂNCIAS DE RELACIONAMENTO FAMILIAR

FONTE: <https://www.pexels.com/pt-br/foto/uniao-colagem-
ligacao-garoto-8185896/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

No âmbito da educação, isso não é diferente. Consequentemente, há a demanda


de revisão dos processos educacionais e familiares tradicionais, visto que as Tecnolo-
gias de Informação e Comunicação têm impacto nas formas de relacionamento social,
aprendizado e cultura. Tal necessidade se torna ainda mais premente quando come-
çam a ser constatados os efeitos deletérios que o acesso indiscriminado às mídias so-
ciais tem sobre a psique dos jovens pré-adolescentes (LUKIANOFF; HAIDT, 2018).

A comunicação, realizada através de dispositivos móveis, tem revelado um


movimento progressivo do computador para além do desktop, rumo a novos con-
textos físicos e sociais. Na cultura da mobilidade, a comunicação está, cada vez
menos, confinada em lugares fixos, e os novos modelos de telecomunicação têm
produzido mudanças nas estruturas das concepções cotidianas do tempo, do es-
paço, dos modos de viver, aprender, agir, engajar-se e sentir. Essas práticas têm
desafiado educadores, que, diante das práticas de leitura e escrita, das trocas
informacionais, realizadas pelos dispositivos móveis, veem, nesse universo, uma
possibilidade de trabalhar com os desejos de crianças e adolescentes, através
da inserção desses dispositivos nas práticas pedagógicas. Diante disso, tem sido
cada vez mais importante o investimento na formação de professores para o tra-
balho com as tecnologias móveis nos espaços de ensino (PAZ et al., 2015, p. 99).

A compreensão de tais mudanças é complexa, principalmente, quando en-


tendemos que devemos considerar o binômio hardware/software, além das intera-
ções nas análises. Há uma notória tendência de a discussão se centrar nos supor-
tes, não nos aplicativos, como nos casos do celular e dos consoles de videogame,
não nos aplicativos e jogos.

No campo das mídias sociais, de particular premência é a necessidade de


compreensão dos efeitos delas nos mais jovens, tarefa complexa, dada a velo-
cidade com que tais tecnologias mudam e se aprimoram. Se, tradicionalmente,
a educação e a cultura eram processos mediados pela família e pela escola, no

85
Gamificação na Educação

decorrer do século passado, passaram a ser influenciados pela mídia de massa,


e, no corrente século, enfrentam o risco de ser substituídos pelas mídias digitais.

Há um consenso relativo de que os processos educacionais podem ser po-


tencializados com o aporte de dispositivos tecnológicos, e são necessários mais
estudos para a compreensão dos efeitos e dos possíveis usos. O problema ins-
taurado é o distanciamento do habitus das tecnologias digitais, praticadas pelas
instituições de ensino e pelos docentes e discentes.

Novas para quem? As “novas tecnologias” são desafios e possibilidades para


o docente, mas não para o estudante. A escola é, por si só, e, por natureza (ou
deveria ser), um espaço privilegiado de aprendizagem, porque seria, nela, que o
professor, o grande animador, promove, no espaço formal, o resgate das apren-
dizagens nos espaços não formais, o que pode favorecer e ampliar os diálogos
educativos (VALLETA; GIRAFFA, 2018, p. 97).

Dito de outra forma, e com o resgate dos conceitos de nativos e migrantes di-
gitais, as novas tecnologias são novas para o docente; para o aluno, são a norma,
o meio com o qual se desenvolvem. Nesse sentido, opera-se uma inversão de pa-
péis: quem precisa se educar e se informar a respeito da tecnologia, efetivamente,
é o professor. Se esse processo tende a ser belicoso, ou prazeroso, cabe a você,
professor, determinar, de acordo com a sua postura, referente à necessidade de
(re) aprendizagem constante.

FIGURA 18 – TECNOLOGIAS E POSSIBILIDADES EDUCACIONAIS

FONTE: <https://www.pexels.com/pt-br/foto/vista-traseira-garoto-menino-
rapaz-4145196/>; <https://www.pexels.com/pt-br/foto/realidade-aumentada-
garoto-menino-rapaz-4145356/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Independentemente de que tecnologias um sujeito opte por empregar nos pro-


cessos educacionais dele, é importante que tenha clareza de que nenhuma é neu-
tra. Desde o momento em que são concebidas, e passam pelo modo através do
86
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

qual são produzidas, todas trazem, no bojo, conceitos e ideologias. Ao fazer a análi-
se de efeitos e consequências no processo educacional, o docente não pode deixar
de considerá-los. Assim, as vantagens do emprego de qualquer dispositivo tecno-
lógico, seja hardware ou software, devem ser contrabalanceadas, pois é preciso
considerar os custos incorridos, mesmo que não sejam, aparentemente, evidentes.

Se, como exposto na LDB e na Constituição de 1988, a educação, para a


cidadania, submete-se a um projeto de nação, é necessário que sejam considera-
dos os efeitos do emprego de tecnologias, em especial, daquelas sem um agen-
ciamento de produção, o que compromete a viabilidade de tal projeto. Assim, é
fundamental que o articulador do implemento e da aprendizagem, ou seja, o do-
cente, possua senso crítico e capacidades de julgamento e de instrumentalização,
para articulá-las ao processo no qual se inserem (BRASIL, 1996; 1988).

Considerados, globalmente, em contextos produtivos e econômicos, pesquisa


e desenvolvimento tecnológico se manifestam de diferentes formas e estágios, de
acordo com a nação a ser considerada. A capacidade de produção de tecnologia e
o uso se interrelacionam, e, por extensão, determinam o agenciamento que se tem
sobre ela, ou seja, as análises não podem se ater à tecnologia em si, mas devem
considerar o contexto (e, no caso, a nação) que, destas, faz uso, principalmente,
quando se cristalizam em instrumentos de suporte pedagógico, processos de ensi-
no e meios e dispositivos, a partir dos quais se efetiva a formação educacional.

Acredita-se que os professores já têm relativa consciência da necessidade dessa


análise quando se tratam de produtos culturais, como filmes, livros e animações. Ago-
ra, é necessário que, também, tenham o mesmo crivo crítico no tocante à tecnologia.

Compreendemos que o uso de tais dispositivos tem um imenso potencial


qualitativo se aplicados em processos educacionais. Contudo, particularmente,
preocupante, é o fato de que, no presente estágio produtivo, o Brasil se efetiva
muito mais como consumidor, ou montador de dispositivos tecnológicos importa-
dos. No que se refere à neutralidade desses dispositivos tecnológicos, e a partir
da hipótese de uma efetiva constatação de ausência dessa neutralidade, cabe, ao
docente, tecer ilações dos impactos que os valores subjacentes a essas tecnolo-
gias têm sobre os processos nos quais são implementadas.

Estudos afirmam, textualmente, a inexistência da neutralidade dos dispositi-


vos e propõem um método para que tais valores morais e políticos sejam incorpo-
rados aos processos produtivo e de design dos jogos digitais, através da heurísti-
ca Values at Play. De forma análoga, deveriam existir considerações a respeito do
emprego e do desenvolvimento por parte dos educadores.

87
Gamificação na Educação

Cada jogo expressa um conjunto de valores, mas, muitas vezes, é difícil de


se entenderem as muitas maneiras como esses valores vêm a ser incorporados
em um jogo. Para desvendar esses muitos fatores, é útil agrupá-los em duas gran-
des categorias: compreensão do designer e percepção do jogador.

A compreensão do designer envolve a ampla gama de valores que emer-


gem na criação de um jogo. A companhia, ou organização que está produzindo
o jogo, encara restrições econômicas e comerciais; cria planos de negócio e de
marketing; e tenta adivinhar, de maneira consciente, as preferências do consumi-
dor. Cada uma dessas ações traz valores ao jogo. Políticas públicas; regulações
da indústria que governam os jogos; e cultura geral, na qual o jogo é criado, tam-
bém, exercem influência. Os valores emergem na definição de um projeto e nas
especificações das características instrumentais de design. Os designers trazem
valores preexistentes para o trabalho e fazem suposições de alguns do público-al-
vo. Finalmente, as expectativas das partes interessadas (investidores, executivos
e outros), também, moldam esses valores do jogo.

A história está longe de se acabar quando o jogo é criado e lançado, porque


as percepções do jogador, também, contribuem para os valores de um jogo. Pes-
soas que jogam o mesmo jogo podem não ter experiências de valor idênticas,
pois fatores pessoais, culturais e situacionais influenciam.

No caso do docente, ao mesmo tempo em que se propõe a inserção dos


jogos digitais e da gamificação nos processos educacionais, entende-se ser ne-
cessário que tenha conhecimento dos modos produtivos dos jogos. Além disso,
que seja capaz de aliá-los a concepções pedagógicas. Posto de outra forma, não
é possível que você, educador, conceba, ou faça uso de jogos e da gamificação
em sala de aula, se não os conhece e os vivencia.

Se, ao optar por utilizar um filme como um complemento didáti-


co a um assunto que está sendo tratado em sala de aula, você deve,
primeiramente, assisti-lo, e, depois, tecer considerações a respeito
do que esse filme intenciona comunicar e como faz isso, incluindo o
contexto em que foi produzido (em que ano, país, por quem, com que
intenção), a fim de julgar a contribuição que pode trazer às próprias
estratégias de ensino. Por fim, deve fazer o mesmo com qualquer
jogo, ou processo de gamificação, que pretenda trazer para a sala
de aula.

88
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

O ensino é uma atividade cultural, profundamente, condicionada por crenças e


hábitos que funcionam, em parte, fora da consciência, um ritual cultural, e é necessária
a compreensão da cultura e da sociedade nas quais tais processos se desenvolvem.

Yanaze (2012) propõe o conceito de tecnopedagogia e sustenta que as tec-


nologias digitais passam a atuar nas esferas da percepção e do conhecimento.
Possibilitam mudanças nos estilos de vida das pessoas e entram no interior das
estruturas mentais da percepção e do conhecimento, a fim de alterá-las profunda-
mente, analogamente ao que aconteceu com a escrita e, posteriormente, com a
mídia de massa. Assim, os jogos digitais, por provocarem um conjunto de transfor-
mações perceptivas, sensoriais, interpretativas, cognitivas e qualitativas, integram
diversos campos do conhecimento e se tornam muito mais do que um simples
instrumento lúdico de entretenimento.

FIGURA 19 – TECNOPEDAGOGIA

FONTE: <https://www.pexels.com/pt-br/foto/mulher-em-camisa-
branca-de-manga-comprida-e-jeans-azul-sentada-em-um-tapete-
tecido-marrom-6437842/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A obra de Pierre Lévy (SILVEIRA, 2019) é, particularmente, rica para a com-


preensão desse contexto, por deslocar a discussão da ferramenta computador
para um plano mais amplo e filosófico, a fim de compreender o impacto na nossa
sociedade. Para o autor, computadores não servem, apenas, ao ensino, à gestão,
ou ao processamento de imagem, mas redefinem o aprendizado, a gerência e a
criação de imagens nos cenários que projetam. Lévy busca entender como se
constitui uma cultura digital, ou cibercultura, que força mudanças educacionais,
e torna o velho esquema de aprendizado de uma profissão, na juventude, para
exercê-la durante o resto da vida, ultrapassado.

89
Gamificação na Educação

Para Moran (2015), se as mudanças, na educação, dependessem, somen-


te, de currículos mais flexíveis, metodologias ativas e tecnologias híbridas, seria
mais fácil conseguir realizá-las. Entretanto, tais alterações dependem de pesso-
as que foram educadas de forma incompleta, com competências desiguais, va-
lores contraditórios e práticas incoerentes com a teoria, ou seja, as mudanças,
na educação, deveriam focar na formação docente. Bonilla (2014) aponta que as
universidades brasileiras, lócus da produção do conhecimento, da inovação e da
pesquisa, ainda, não incorporaram, de forma plena, nos cursos de licenciatura, a
discussão a respeito do contexto tecnológico contemporâneo.

Sanches (2018), em um estudo que envolve o pedagogo na cultura digital,


constatou que a relação entre a expectativa de reformas nos currículos de forma-
ção de pedagogos, por meio de promessas, apontadas, pelos textos oficiais, como
fundamentais para a solução de problemas, e a realidade, com o distanciamento
entre a formação inicial e a futura atuação no campo de trabalho, no contexto da
cultura digital, ainda, é gritante. Propõe, a autora, que, para que o professor possa
realizar essa transformação a partir da concepção dele, e, sobretudo, nas práticas
educativa e afetiva, é fundamental que consiga vivenciar essa mesma experiência
na construção de uma prática pedagógica. É importante que o educador consiga
mudar o papel de mediador pedagógico, além de oferecer, aos alunos, outra for-
ma de interação com o conhecimento, de construção interna e significativa, ao
utilizar múltiplos recursos tecnológicos e fontes de informação diversas em uma
relação horizontal e democrática.

Repensar no fazer pedagógico, em torno de tecnologias, antigas ou novas,


deve ser uma das prioridades dos cursos de formação inicial, afinal, não é aceitável
a reprodução de velhas práticas no contexto da cultura digital. A formação inicial é o
momento para o futuro professor aprender a tirar vantagens de tais artefatos.

Xavier (2007), ao pesquisar a respeito do ensino no Brasil, na era das no-


vas tecnologias, constata um novo perfil de aluno que ingressa nas escolas, com
algumas habilidades valorizadas no universo escolar, como a pesquisa, o senso
crítico, o apreço pela resolução de problemas etc., e propõe que o professor deixe
de privilegiar o caráter instrutivo, na própria prática pedagógica, em prol de um ca-
ráter (re) construtivo, o que significa compreender que o papel dele passa a girar
em torno de:

• pesquisar, para não ser um mero repetidor de informação;


• preparar-se para articular o saber; negociar a construção com os estu-
dantes;
• assumir a postura de consultor, que sugere em vez de prescrever autori-
tariamente;
• motivar a aprendizagem pela descoberta;

90
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

• abandonar o tipo de prática avaliativa que visa à mera reprodução de


informações empacotadas aos aprendizes.

Streit (2015) afirma que o papel do educador é ativo, e não prescinde do en-
volvimento dele com a apropriação das tecnologias digitais pelos alunos, pelo uso
de tais tecnologias como ferramentas pedagógicas e promoção do letramento di-
gital, pela reflexão crítica a respeito das implicações dos usos de tais tecnologias
para a formação integral das novas gerações.

Como os jogos digitais se consolidaram como a mídia do século XXI, e ultra-


passaram filmes e televisão em popularidade, adquirem o poder de moldar o tra-
balho, o aprendizado, os cuidados com saúde e muito mais. Jogos são meios ex-
pressivos e influentes, e, por isso, ótimos veículos para a transmissão de valores
e princípios. Nesse contexto, ao se propor que o educador tenha um papel ativo
no design e na concepção de jogos digitais, faz-se isso porque se enxerga a pos-
sibilidade de que alunos e professores sejam não só consumidores de elementos
culturais digitais, oriundos de outros países, mas, também, coprodutores deles.

Em resumo, professor, um grande desafio é apresentado a você, embora,


possivelmente, você não tenha sido formado por meio de dispositivos tecnoló-
gicos, certamente, não pelo emprego de jogos digitais e gamificação. É dada, a
você, a possibilidade de formar uma nova geração, a partir do emprego desses
artefatos. Acredita-se que não há uma tecnologia que possa substituir o papel do
professor, mas que, apenas, consiga auxiliá-lo e potencializar o trabalho dele. As-
sim, cabe, a você, então, ter agência sobre o processo de educar alunos.

Como procuramos demonstrar, a gamificação não é uma panaceia que sana


todas as mazelas do processo educativo, é, apenas, mais uma ferramenta à disposi-
ção. Com relação a jogos, podemos afirmar que não será possível, para você, con-
seguir criar pontes de relacionamentos com alunos se não tiver passado por essa
experiência. Assim, o melhor conselho a ser dado a você, caro professor, é: vá jogar!

1 Conforme estudamos nesta seção, todos os jogos e dispositivos


tecnológicos possuem valores, uma vez que são produzidos em
contextos culturais, a partir do conceito Values at Play. Assim, as-
sista a uma palestra de uma das autoras do livro em https://www.
youtube.com/watch?v=yuYyWAMBLH0&ab_channel=Gamesfor-
Change (Não se esqueça de ativar a legenda automática, com
tradução em português!).

91
Gamificação na Educação

Para este exercício, escolha um jogo digital com o qual tenha fa-
miliaridade e identifique os valores que são manifestos nele e por
meio dele. Uma boa sugestão é o jogo This War of Mine. Você
consegue assistir ao trailer desse jogo em https://www.youtube.
com/watch?v=BALBUyoTxQM&ab_channel=GameSpot.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, buscamos entender os elementos básicos que constituem um
jogo; as experiências que proporcionam; e como, por meio da interação lúdica, o jogo
se “comunica” com o jogador, ao criar experiências significativas no contexto desse
jogo, mas, também, decorrentes das interações com outros jogadores. Apresenta-
mos o conceito de serious games, nome que, geralmente, é dado aos jogos que têm
um propósito mais “sério”, como educar, treinar ou transmitir conhecimentos.

A partir de uma perspectiva que considera os diferentes estilos de aprendiza-


gem, manifestos pelos estudantes, abordamos a proposta de autores, como Marc
Prensky (2012), que defende que os “nativos digitais”, ou seja, todos aqueles que
já nasceram e estão crescendo em um contexto mediado por dispositivos digitais,
pensam e, consequentemente, aprendem de modos diferentes em comparação
aos “imigrantes digitais”, por isso, demanda-se uma revisão de todo o processo
educacional, com espaço para experiências que propõem o aporte de jogos e ga-
mificação em sala de aula.

Elucidamos a questão do que nos atrai nos jogos: não é a diversão, essa
é uma consequência, mas o fato de eles serem projetados para nos desafiarem
constantemente, pois buscam nos colocar em um estado de fluxo.

Estudamos propostas de classificação dos diferentes tipos de diversão que


os jogos proporcionam, como o modelo proposto por Nicole Lazzaro (2009), além
dos jogadores, a exemplo da taxonomia de Bartle. Nosso intuito é demonstrar
que, da mesma forma que os perfis de alunos e os tipos de aprendizagem são
diversos, também, são os jogadores e o que consideram divertido, algo que exige
consciência no momento da projeção de experiências gamificadas.

No tocante aos processos de gamificação, a partir da diferenciação entre as moti-


vações extrínseca e intrínseca, apontamos diversos autores que propõem que projetos
de gamificação eficazes são aqueles que focam na geração da motivação intrínseca
nos jogadores, e quando, corretamente, utilizados, podem proporcionar, inclusive, a
criação de um forte senso de comunidade, como propõe Jane McGonigal (2012).
92
Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

Apresentamos uma estrutura teórica para a compreensão dos jogos, que os


divide em sistemas que interagem entre si, o MDA (Mechanics, Dynamics e Aesthe-
tics - Mecânica, Dinâmica e Experiência Estética). Buscamos elucidar como desig-
ners de jogos compreendem um jogo a partir das mecânicas que escolhem, a fim
de serem criadas dinâmicas que suportem a experiência estética. Ainda, como os
jogadores se relacionam com esse jogo por meio da experiência estética criada.

A partir da definição exposta, fizemos uma apresentação das principais mecâ-


nicas de gamificação (pontos, níveis, placares, distintivos, desafios, onboarding e
ciclos de engajamento), além das motivações básicas que os jogos buscam atender.

Finalmente, iniciamos uma discussão que relaciona o emprego de disposi-


tivos e tecnologias digitais a processos de ensino-aprendizagem. Defendemos a
ideia de que os docentes devem adquirir a capacidade de adequar estratégias de
ensino ao aporte de jogos digitais.

No próximo capítulo, trataremos da gamificação e das experiências dela no


contexto brasileiro.

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Gamificação na Educação

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Capítulo 2 Design De Jogos E Gamificação

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95
Gamificação na Educação

96
C APÍTULO 3
Gamificação E Educação

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

3 Compreender as bases teóricas que sustentam a aplicação de jogos digitais e


da gamificação em processos de ensino.

3 Relacionar as práticas de gamificação com os objetivos educacionais.

3 Ter ciência das experiências educacionais de destaque no cenário nacional.

3 Capacitar o leitor a adequar os projetos de ensino dele ao emprego de jogos


digitais, e conceber experiências educacionais suportadas pela gamificação.
Gamificação na Educação

98
Capítulo 3 Gamificação E Educação

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Um dos grandes desafios da contemporaneidade é conciliar o alto nível de
desenvolvimento tecnológico com caminhos pedagógicos que possam ser efeti-
vos para a propagação de conceitos, reflexões e posturas que colaborem com a
formação dos estudantes. Considerada a presença ubíqua das novas tecnologias
no cotidiano dos mais jovens, em contextos de lazer e profissionais, é lógico que
estes passem, também, a ser empregados no âmbito educacional.

O emprego de jogos digitais e de processos de gamificação, como suporte a


metodologias de ensino, é uma alternativa cada vez mais viável às modalidades
de ensino tradicional, em especial, pela dimensão lúdica presente nessas ferra-
mentas. A última década presenciou o crescimento vertiginoso de experimentos
educacionais, desenvolvimento de ferramentas e teorização do assunto.

No presente capítulo, abordaremos a questão do emprego de jogos digitais,


desenvolvidos para fins de entretenimento, como ferramenta de apoio à educa-
ção; os princípios de gamificação aplicados no meio estudantil e algumas das
ferramentas disponibilizadas gratuitamente, as mais empregadas.

2 APLICAÇÃO DE JOGOS EM
PROCESSOS EDUCACIONAIS
Segundo Alves (2008), os jogos eletrônicos começam a se fazer pre-
sentes, nas universidades brasileiras, a partir do início do século XXI, como
objetos de investigação das pesquisas de mestrado e doutorado, e, pos-
teriormente, das especializações e graduações, o que dá corpo à criação
de cursos de graduação na área de desenvolvimento e design de games, princi-
palmente, nas regiões Sudeste e Sul.

O estudo e a aplicação de jogos digitais, em contextos educacionais, tendeu


a seguir a evolução, em parte, devido ao acúmulo de evidências do potencial pe-
dagógico deles em pesquisas no exterior. Estudos, com o da pesquisadora Sherryl
Turkle (1997), do Massachusetts Institute of Technology – MIT, já apontavam que
os jogos digitais tinham força para se tornar espaços de aprendizagem para prá-
ticas colaborativas, através de simulações marcadas por formas de pensamento
não lineares, as quais envolvem negociações e abrem caminho para diferentes
estilos cognitivos e emocionais. Dito de outra forma, o contato com esses jogos
concederia, aos jovens, habilidades fundamentais para o sucesso do processo de
ensino-aprendizagem, na medida em que proporcionam habilidades e competên-
cias essenciais para o “funcionamento” na vida e no mundo do trabalho.
99
Gamificação na Educação

Considerado um papel fundamental, exercido, pelo educador, para a concep-


ção, o planejamento e a execução de um plano de ensino, e sem barreiras tecno-
lógicas, como o acesso a computadores, consoles etc., nem de aquisição, ou licen-
ciamento de jogos, podemos considerar o emprego de jogos digitais, em contextos
educacionais, a partir de dois dimensionamentos: a) desenvolvidos com fins não
educacionais, mas de entretenimento, que, por características artísticas, estéticas e
de conteúdo, possam contribuir para as estratégias educacionais postas em curso,
pelo professor; e b) direcionados, especificamente, para a educação.

No caso do emprego de jogos desenvolvidos com fins não educacionais, mas


de entretenimento, a lógica utilizada é semelhante à empregada pelo professor
quando considera o aporte de outras mídias, como filmes, histórias em quadrinhos,
músicas etc. nas aulas. Aplicações dessa natureza costumam se embasar em uma
perspectiva sociointeracionista, como a formulada por Vygotsky, que menciona que
o desenvolvimento das capacidades cognitivas humanas é apoiado na concepção
de um organismo ativo, no qual o pensamento é engendrado de maneira gradativa,
em um ambiente histórico, cuja essência é social (ARRUDA, 2011).

Para Vygotsky, o que nos torna humanos é a nossa capacidade de utilizar


instrumentos simbólicos para complementar a nossa atividade cognitiva. Os pro-
cessos de aquisição de conhecimento dependem, assim, das interações entre os
indivíduos, especialmente, entre os que empregam e dominam, com desenvoltu-
ra, as diferentes linguagens simbólicas existentes em uma cultura, e os que estão
principiando o domínio dessas habilidades (ARRUDA, 2011). Nessa perspectiva,
a principal contribuição dos jogos é o espaço de socialização que criam, e, por
extensão, o processo de aprendizagem que geram. A possibilidade de vivenciar-
mos situações de conflito, que exigem uma tomada de decisões, é uma estratégia
metodológica que pode contribuir para a formação profissional de estudantes de
diferentes níveis de ensino.

Um outro benefício do emprego de jogos digitais, em contextos educacionais,


é a possibilidade de que os alunos sejam capazes de empreender estratégias
autônomas de aprendizagem. Assim, ao brincarem com jogos digitais para se di-
vertir, ganham informações estruturais ao mesmo tempo, e podem fazer uso des-
ses esquemas mentais mais tarde, quando necessários, especialmente, quando
trabalharem com múltiplas tarefas em um computador.

Aprendizagem autônoma é a forma que o próprio aluno encon-


tra de adquirir conhecimentos, de maneira independente. Ele admi-
nistra as ações e consegue perceber as melhores estratégias para
buscar novos saberes e desenvolvê-los, com o objetivo de conquistar
os resultados que o processo de aprendizagem oferece.

100
Capítulo 3 Gamificação E Educação

Um dos pioneiros, nessa linha, foi James Paul Gee (2009), professor de lin-
guística e uma das principais referências do emprego de jogos digitais em proces-
sos de aprendizagem. Para ele, esses jogos estimulam o jovem a ser mais crítico
em uma sala de aula, pois possuem estruturas desafiantes, que se revelam muito
mais eficazes em um contexto educacional do que o enfadonho modelo conven-
cional. A proposta de Gee é que bons videogames incorporam bons princípios de
aprendizagem, princípios que são apoiados pelas descobertas da ciência cogniti-
va, principalmente, no que se refere à aprendizagem por esquemas mentais. De
forma simplificada, jogamos para “aprender a resolver o problema” proposto por
um jogo. Assim, a interação com jogos digitais permite, aos jogadores: a) apren-
derem a experimentar o mundo de uma nova forma; b) unirem-se e colaborarem
com um novo grupo de afinidades, c) desenvolverem recursos para uma aprendi-
zagem futura e para a resolução de problemas nos âmbitos semióticos que estão
relacionados ao jogo.

A seguir, você poderá conferir uma palestra proferida por James


Paul Gee, que engloba jogos e aprendizagem, ministrada em 2016
(Não se esqueça de ativar a legenda, com tradução automática!): ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=O-zSKTV5Qxk&t=381s&ab_chan-
nel=ChangSchool.

James Paul Gee e Marc Prensky são considerados pioneiros nas in-
vestigações do emprego de jogos digitais em contextos educacionais, e ambos
defendem que o valor da utilização desses jogos digitais está nos princípios de
aprendizagem obtidos. Em especial, a década de 2010 testemunhou o desabro-
char de uma miríade de experimentos educacionais, utilizados as mais diferentes
ferramentas e games no contexto da educação brasileira. Os jogos, aplicados no
ensino, não refletem, diretamente, as modalidades de ensino tradicional, assim,
não se trata de se reproduzirem conceitos, ou de se transportarem conteúdos de
um modelo para outro, mas de se permitir que o aluno-jogador aprenda conceitos,
desenvolva capacidades e modos típicos de raciocínio em uma área do saber e
elabore uma compreensão de modo indireto, até mesmo, sem perceber. A apren-
dizagem baseada em jogos digitais proporciona engajamento e motivação, com
base nos aspectos apresentados a seguir.

101
Gamificação na Educação

FIGURA 1 – APRENDIZAGEM BASEADA EM GAMES

FONTE: Meira e Bliskein (2020, p. 87)

Esse processo de aprendizagem, por interação, foi a base das investigações


do pesquisador Sugata Mitra (2020). Para ele, a aprendizagem pode ser entendi-
da como um sistema auto-organizado, no qual a estrutura surge sem intervenção
explícita, de fora do sistema. Por duas décadas, ele conduziu uma linha de pes-
quisa, intitulada de Hole in the Wall, a partir da qual observou como esse proces-
so de auto-organização do aprendizado acontecia sem a presença de professo-
res. Em experimentos, constatou que as crianças aprendem sozinhas e ensinam
umas às outras, apenas, com a utilização da internet.

As pesquisas de Mitra (2020) constataram uma tendência de as crianças se


educarem quando deixadas livres para interagir com a tecnologia de computado-
res. Verificou-se, por exemplo, que, se um grupo de crianças já sabia algo a res-
peito de computadores, tendia a mostrar e a compartilhar essas habilidades com
outros. Se a descoberta acontecia de modo acidental, por exemplo, pela mudança
de status de uma tela, pelo clique em determinado botão, várias crianças repetiam
o processo de descoberta. Solicitavam, à criança que fez a descoberta inicial, que
as deixasse tentarem. Nesse processo de repetição, novos descobrimentos eram
obtidos. Ao atingirem um estado no qual não havia algo novo conhecido, as crian-
ças se ocupavam em praticar o que tinham aprendido.

A seguir, você poderá acompanhar uma palestra do professor Mi-


tra a respeito de processos de aprendizagem auto-organizados (Não
se esqueça de ativar a legenda, com tradução automática em por-
tuguês!): https://www.youtube.com/watch?v=svWynGmBQb0&ab_
channel=ThinkingDigitalConference.

102
Capítulo 3 Gamificação E Educação

Os estudos de jogos digitais, aplicados a contextos educacionais, realizados


na primeira década do século XXI, constataram que o potencial apresentado por
esses jogos era oriundo do modo através do qual eram projetados, ou seja, como
os designers de jogos digitais criavam as experiências. Nessas experiências, os
jogadores determinam como querem aprender. De fato, em grande parte dos jo-
gos disponibilizados, a partir da virada do milênio, os usuários são livres para des-
cobrir e criar arranjos de aprendizagem que funcionem para eles.

Além de investigar as características de jogos digitais que suportam o


aprendizado, os pesquisadores começaram a avaliar as formas pelas quais os
jogadores assumem papéis ativos assim, determinam como, quando e por que
aprendem. Embora grande parte dos jogos seja desenhada com objetivos deter-
minados, a serem cumpridos pelos jogadores, um tipo de desenho de jogo, co-
nhecido como mundo aberto (open world game), permite que os competidores
tracem os próprios objetivos, o que se tornou muito popular nas duas últimas dé-
cadas. Dois exemplos de jogos abertos, desenvolvidos para fins não educacio-
nais, que abarcam esse tipo de exploração, são Skyrim (2011) e Zelda - Breath of
the Wild (2017).

FIGURA 2 – SKYRIM E ZELDA - BREATH OF THE WILD

FONTE: <https://www.koopatv.org/2015/04/open-world-perils.html>; <https://


br.ign.com/the-legend-of-zelda-breath-of-the-wild/47050/review/review-
the-legend-of-zelda-breath-of-the-wild>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Pesquisadores, também, constataram que outro grande benefício advindo do


emprego de jogos digitais comerciais, aplicados em processos de aprendizagem,
está, além dos processos de interação com outros jogadores, na possibilidade de
aprendizagem tangencial.

Em jogos digitais, o aprendizado tangencial ocorre quando o jogador se de-


para com um assunto que é interessante, para ele, durante um jogo, e decide con-
sultar fontes externas para pesquisar mais a respeito. Assim, desenvolveram-se
experimentos educacionais, com o emprego de jogos, como os disponibilizados
pelas franquias Age of Empires e Assassins Creed, para o ensino de história, por

103
Gamificação na Educação

exemplo. Para Arruda (2011), a análise do passado de uma cidade, por intermédio
de documentos escritos, exige uma grande capacidade imaginativa do sujeito, as-
sim, nos jogos digitais, além do envolvimento de gráficos, imagens e texto, tem-se
o benefício de eles serem jogáveis, ou seja, é possível, ao jogador, vivenciar si-
mulações, acontecimentos e eventos por meio dos comandos que aciona.

O aprendizado tangencial é um método de aprendizado que visa


engajar o usuário de um determinado contexto, de forma que seja
gratificante a ele, e estimulá-lo a procurar recursos externos aos já
utilizados, de forma a ampliar o próprio conhecimento que tem de um
assunto apresentado.

Nesse contexto, mesmo que a aprendizagem não aconteça dentro do jogo,


cria-se um cenário que desperta o interesse voluntário para a pesquisa de deter-
minados assuntos. Para Albaine e Costa (2017), como muitos jogos digitais utili-
zam fontes históricas nos próprios enredos, estes possibilitam, também, a cons-
trução de ambientações e de simulações de contextos históricos.

FIGURA 3 – AGE OF EMPIRES IV (2021) E ASSASSINS CREED REVELATIONS (2011)

FONTE: <https://www.xbox.com/pt-BR/games/age-of-empires-iv>;
<https://store.steampowered.com/app/201870/Assassins_Creed_
Revelations/?l=portuguese>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Além da utilização para fins de aprendizagem tangencial, os jogos servem


como suporte para a criação de metáforas conceituais (SILVEIRA, 2018). As experi-
ências vivenciadas orientam construções cognitivas, a partir das quais emergem os
sentidos. Como as nossas práticas sociais e institucionais são informadas por nos-
sas crenças, e estas, por sua vez, devem boa parte da própria composição a metá-

104
Capítulo 3 Gamificação E Educação

foras, que nos ajudam a compreender os mais diversos conceitos, as representa-


ções, utilizadas pelos professores, para darem conta da natureza do conhecimento,
são de fundamental importância para as práticas educativas (ALMEIDA, 2005).

Os jogos podem ser empregados de outra forma, a instrumentalizar o proces-


so de aprendizagem, potencializado pela natureza lúdica deles. Os princípios e
conceitos desenvolvidos podem ser ilustrados por meio de simulações práticas, e
estimulados por meio de reiteradas aplicações e exercícios. Tal formato tem sido,
largamente, utilizado em processos de treinamento (PRENSKY, 2012), particular-
mente, efetivo para a consolidação de tarefas, altamente, repetitivas e de baixa
cognição.

O emprego de jogos digitais, no ensino formal, tem sido, amplamente, estu-


dado na última década, e pode ser incorporado em diversos níveis de um projeto
pedagógico. É possível, inclusive, haver a estruturação de todo o projeto pedagó-
gico a partir desses jogos (SILVEIRA, 2019).

As pesquisas de emprego de jogos digitais, em contextos educacionais, evo-


luíram das meras análise e interpretação para a utilização, a criação e o design
com fins educacionais. Assim, buscou-se responder a uma questão: “como jogos
podem ser utilizados como ferramentas na educação?” João Mattar (2013) sinte-
tizou as principais teorias de aprendizado baseadas em games, assim, aqui, des-
tacaremos algumas das modalidades, particularmente, úteis a serem aplicadas no
universo educacional.

• Jogos epistêmicos

O conceito de jogos epistêmicos foi, inicialmente, proposto por David Shaffer


(2006). Segundo o autor, são mundos virtuais criados a partir de práticas profis-
sionais e que desenvolvem o pensamento inovador. São jogos projetados para
ensinar, aos jogadores, a pensarem a partir de determinada “categoria” profissio-
nal, como engenheiros, jornalistas, arquitetos etc. Por meio desses jogos, habili-
dades que seriam adquiridas, somente, na vida universitária, e experiências que
só poderiam ser vivenciadas no contexto profissional estão aptas a ser presencia-
das pelos jogadores.

Jogos epistêmicos são videogames que ajudam os jogadores a


aprenderem formas de pensamento, isto é, epistemologias da era digi-
tal: devem pensar como engenheiros, urbanistas, jornalistas, advoga-
dos ou outros profissionais inovadores. A ideia é que os participantes
tenham a chance de ver como se vive no mundo dos adultos, pois ga-
nham a oportunidade de imaginar o que poderiam vir a ser algum dia.

105
Gamificação na Educação

Um exemplo de jogo epistêmico que alcançou grande popularidade mercadoló-


gica foi a série FarmVille, desenvolvida pela Zynga. Esse jogo pode ser classificado
como social, de rede, voltado para a simulação de agricultura, e envolve vários as-
pectos da gestão de uma fazenda, como arar, plantar, cultivar e colher, incluindo criar
gado. FarmVille foi lançado em 2009 e alcançou prestígio, em especial, entre os usu-
ários de redes sociais. As sequências, FarmVille 2 e FarmVille 3, foram lançadas em
2012 e 2021, respectivamente, e obtiveram, como esperado, muito sucesso.

FIGURA 4 – FARMVILLE 3

FONTE: <https://farmville3.com/pt/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Simulações educacionais

Simulações educacionais são o campo de estudos de Clark Aldrich (2003).


Em termos estritos, uma simulação pode ser definida como a representação de
um objeto, ou de uma situação, o que envolve a interação do usuário, estimula a
prática e possibilita a transferência de aprendizado e de habilidades para o mundo
real. É importante que o contexto de simulação esteja alinhado ao da situação real
a se simular. A franquia de simuladores de voo, Flight Simulator, da Microsoft, é
um exemplo desse tipo de programa.

A simulação educacional ocorre quando os processos educacionais e forma-


tivos são acompanhados pelo emprego de algum tipo de simulador, como pelo Si-
mulador de Direção, que passou a ter o uso incentivado pelo Detran no processo
de formação de condutores. Assim, permite-se a experiência de condução de um
veículo em um ambiente digital controlado.

Aldrich (2020) propôs uma solução, em forma de software, com um livro, para
o desenvolvimento de simulações e a aplicação em contextos formativos, chama-
da de Short Sims. Essa ferramenta permite o acontecimento de situações/cená-

106
Capítulo 3 Gamificação E Educação

rios que possibilitam a criação de simulações, como forma de suporte ao ensino,


com diferentes níveis de abstração, desafio e gráficos. Seguem dois exemplos de
Short Sims, com desenhos e imagens, a partir de um banco de imagens.

FIGURA 5 – EXEMPLO DE SIMULAÇÕES CRIADAS


COM A FERRAMENTA SHORT SIMS

FONTE: <https://www.shortsims.com/examples>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Jogos persuasivos

O conceito de jogos persuasivos, proposto por Ian Bogost (2007), compreen-


de mídias expressivas e persuasivas, que representam os mundos real e imagi-
nário e convidam os jogadores a interagirem com esses sistemas e a realizarem
juízos de valor. Por meio de construções retóricas, esses jogos constroem argu-
mentos a respeito de como os sistemas funcionam no mundo real, o que leva um
jogador a modificar a própria opinião fora de um jogo. Dito de outra forma, persu-
asivos buscam conscientizar a respeito de um problema, seja social, político, de
saúde etc., e tentam convencer os jogadores a se importarem com esse problema
e a se atentarem à relevância dele.

Um exemplo de jogo persuasivo é o Plasticity (2019), desenvolvido por Michel-


le Olson e Aimee Zhang, em parceria com o Programa de Estudos Ambientais do
USC Dornsife College of Letters, Arts and Science. Nele, o jogador pode transfor-
mar um mundo sombrio, em ruínas, em um paraíso, por meio de uma série de op-
ções interativas. As ações dele mudam, dinamicamente, a jogabilidade e o enredo
do jogo. Ainda que cada ação tenha consequências, poucas são irreversíveis.

As criadoras acreditam que os videogames podem ajudar as pessoas a te-


rem empatia perante as ameaças ecológicas, estimulando-as a agirem no mundo
real. Por desejarem que o jogo fosse baseado em uma ciência real, as designers
contaram com a consultoria de uma professora de Ciências Biológicas e Estudos
Ambientais, Karla Heidelberg.

107
Gamificação na Educação

O jogo apresenta um futuro no qual o consumo de plástico nunca terminou,


a fim de deixar terras sem vidas, cidades inundadas e rastros generalizados de
destruição. Por abordar questões essenciais à humanidade, obteve considerável
sucesso. Chegou a aparecer na E3 (uma das maiores feiras mundiais de jogos
digitais) e em diversos artigos, e, posteriormente, foi utilizado em escolas funda-
mentais americanas (SILVEIRA et al., 2021).

FIGURA 6 – CENAS DE PLASTICITY

FONTE: <https://store.steampowered.com/app/1069360/
Plasticity/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Você pode acessar o jogo, gratuitamente, na plataforma STE-


AM: https://store.steampowered.com/app/1069360/Plasticity/.

O ponto que temos procurado enfatizar, aqui, é que, da mesma forma que não
faz sentido se falar de uma solução, ou fórmula única, para a educação, também, não
faz sentido se falar de um aporte de um único jogo, ou ferramenta, para problemas
educacionais. A partir da premissa de que o ato de ensino, suportado por jogos, é,
apenas, uma parte do processo educacional, posto em prática pelo professor, que se
inicia com um diagnóstico de alunos e das questões educacionais com as quais se
pretende trabalhar, e se desenvolve de modo encontrar a melhor solução para o pro-
blema de uma turma específica, o mesmo se aplica aos jogos digitais.

Dada a proliferação de jogos digitais disponibilizados comercialmente, e, muitas


vezes, gratuitamente, com os mais diversos fins, é provável que o docente consiga
encontrar alguns que possam servir como uma solução para as próprias estratégias
de ensino. O maior desafio é que tal processo demande, do professor, um papel ativo
na busca e na experimentação dos mais diversos jogos, plataformas e aplicativos, de
modo a encontrar aqueles que melhor contemplem as demandas dele.

108
Capítulo 3 Gamificação E Educação

3 JOGOS DIGITAIS –
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
De modo a não ficarmos, apenas, no campo hipotético, contextualizaremos
a questão do emprego de jogos digitais em cenários educacionais, com um fim
específico: processos de alfabetização e letramento.

A discussão a respeito do emprego desses jogos, como apoio às atividades de


letramento, tem ganho um extenso corpo e pesquisa. Para Alves (2016), deve-se
pensar no letramento em termos de interfaces comunicacionais síncronas e assín-
cronas, com a argumentação de que os desafios do espaço de aprendizagem for-
mal são captá-las e potencializá-las para os processos de ensino e de aprendizado.
Assim, são produzidos conteúdos que vão além da informação pontual.

Alves (2016) aponta para a diferença entre alfabetização e letramento. En-


quanto a alfabetização é o simples processo de codificação e de decodificação de
símbolos, signos, ícones e outros elementos semióticos, o letramento segue para
além disso, visto que os sujeitos letrados precisam compreender, interpretar e in-
teragir, de forma contextualizada, nos distintos campos semióticos. Assim, o jogo
digital instaura um novo tipo de letramento, que vai além da leitura e da escrita,
pois se exige a imersão no ambiente desse jogo, com a identificação e o signifi-
cado da simbologia existente para a exploração de cenários e a interação com
avatares, personagens não jogáveis em missões. O jogo, então, envolve planejar,
antecipar, prever, simular, memorizar e armazenar objetos que são encontrados
durante a atividade. Para Alves (2016), embora o jogo seja imagético, em determi-
nados momentos, defronta-se com a cultura letrada, por meio de textos presentes
nas telas, os quais contextualizam a narrativa.

No contexto dos games, o Avatar é compreendido como o usuá-


rio representado em um ambiente virtual, ou seja, é a representação
imagética digital de cada jogador dentro de um jogo eletrônico. Há
algumas plataformas que disponibilizam avatares prontos, enquanto
outras permitem que eles sejam personalizados, para que possam
ficar parecidos com os usuários que os utilizam.

109
Gamificação na Educação

Segundo Furtado et al. (2013), a alfabetização é a aquisição de conhecimento do


o uso do código da língua escrita, enquanto o letramento é um fenômeno socio-
político de inserção do indivíduo na sociedade, ao usar a língua como instrumento
de cidadania. Desenvolver o letramento, por meio de jogos, enfatizaria as impor-
tâncias da leitura e da escrita como veículos de desenvolvimento cognitivo das
capacidades cerebrais superiores.

Embora não se refira, especificamente, aos jogos digitais, Silva (2011) defen-
de a necessidade de a escola direcionar os próprios planejamentos didático-peda-
gógicos para um uso crítico dos recursos digitais, voltados ao apoio à aprendiza-
gem pela cultura digital. É preciso motivar educadores a pensarem nas relações
que se estabelecem, com a tecnologia, dentro e fora do ambiente escolar, assim,
professores precisam aprender a gerenciar tais tecnologias, não as usar aleatoria-
mente, mas planejá-las, e com objetivos claros.

Um professor que considera o aporte de jogos digitais nas próprias ativida-


des educacionais, com turmas que estejam em processo de alfabetização, deve
empregá-los a partir de diferentes dimensões. A primeira delas foca em aumentar
o engajamento e o interesse dos alunos, emula a instrumentalização dos conteú-
dos que aconteceriam em sala de aula e os embala em um formato mais lúdico,
a fim de tornar o processo mais interativo e interessante. Como consequência, há
uma forte participação dos alunos. Um exemplo dessa materialização possível é o
jogo Word Quest, desenvolvido pelo estúdio escocês Denki, em 2015.

O jogo é ambientado no mundo letrado de “Wordor”, e o jogador comanda um


herói que busca derrotar o mal que dominou a vila dele. É uma mistura de RPG
com jogos de palavras, com partidas que duram, no máximo, cinco minutos. Para
combater o mal, o competidor possui uma Espada de Palavras (Word Sword),
com espaços que aceitam poderosas runas/letras, que administram algum dano
aos adversários que formam palavras. O jogo utiliza um banco de sílabas. A me-
cânica de construção, a partir desse banco, é potencializada pelo visual atrativo
do jogo e pela história épica, o que dá função e sentido ao exercício de formação.

FIGURA 7 – CENAS DE WORD QUEST

FONTE: <https://www.engadget.com/2012-12-10-denki-word-quest-
brings-the-quarrel-to-html5.html>. Acesso em: 24 abr. 2021.

110
Capítulo 3 Gamificação E Educação

As mecânicas de codificação e de decodificação do alfabeto, enfatiza-


dos aspectos da ortografia, através da construção de palavras, não da produ-
ção textual, o que já envolve habilidades de sistematização, autonomia e es-
crita, estimulam uma ampla experimentação e o exercício por parte do aluno,
uma vez que se desloca o foco da atenção da atividade praticada, que passa
a ser suporte, para o desenvolvimento da narrativa épica. Contribuem, ainda,
para a experiência frente a aspectos estéticos, como: escolha harmônica e agradável de
sons, estilização de personagens, dinâmica de formação de palavras e
integração à interface do jogo.

Outra dimensão possível, para a utilização de jogos digitais em processos de


alfabetização e letramento, é aquela que se refere ao processo de significação de
palavras formadas a partir da junção de silabas. O jogo Haimrik (2018) é um bom
exemplo estruturado a partir dessa premissa. Nesse jogo de aventura, lançado
pelo desenvolvedor Below the Game, o competidor se torna Haimrik, um jovem
escriba que tenta ganhar a vida em uma cidade medieval, repleta de guerreiros,
feiticeiros, dragões e feiticeiros-guerreiros, montados nesses dragões. O jogador
se aventura por livros mágicos, capazes de dar vida às palavras. Assim, ao inte-
ragir com as palavras escritas, elas se convertem em uma espécie de semiótica
peirceana de símbolos para signos. Por exemplo, ao se caminhar sobre o texto e
ao se pisar no símbolo fogo (palavra fogo grafada), este se converte em um signo
(animação em forma de fogo), o que queima o personagem. O jogo inteiro se es-
trutura a partir da premissa de se lidar com o texto escrito.

FIGURA 8 – CENA DE HAIMRIK

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=8Bk7YtIrciM&ab_
channel=IndieJames>. Acesso em: 24 abr. 2021.

111
Gamificação na Educação

Uma terceira dimensão possível não se foca na construção de palavras a


partir de sílabas, nem pelas significações delas, mas pelo contexto de múltiplos
significados poéticos. O jogo Typoman (2016), lançado pelo estúdio Brainseed
Factory, possui ligações conceituais com o movimento de poesia concreta, e pode
ser, efetivamente, “lido” como uma poesia digital, conforme se interage com o
jogo. Nele, personagens e cenários são formatos a partir de letras e de palavras
que se reconfiguram a partir da atuação do jogador. Segundo o designer, o jogo
foi inspirado nas vidas de devotados escritores, e busca levar o participante a uma
jornada para explorar o poder das palavras em uma batalha eterna entre o bem e
mal, a fim de resistir à escuridão que ameaça dominar o mundo.

O protagonista do jogo se constitui a partir das letras que formam a pala-


vra Herói (Hero) e enfrenta toda sorte de adversidades, graças ao dom dele, de
forjar palavras, de modo a afetar o ambiente ao redor. O criador afirma que a
pesquisa de desenvolvimento foi baseada nas vidas de pessoas, como Bertold
Brecht, Erich Kaestner e Heinrich Böll, cujas histórias de vida influenciaram esse
jogo. Nele, há referências históricas, como a queima de livros da Alemanha Na-
zista, ou a morte da mulher amada (simbolizada pela palavra MUSE). Embora
não tenha sido concebido para fins de alfabetização, ou letramento, o criador con-
clui que o jogo pode contribuir para isso, fato que verificou nos próprios filhos,
que não falam inglês nativamente, mas aprenderam elementos da língua com o
jogo (SILVEIRA, 2021).

FIGURA 9 – CENAS DE TYPOMAN

FONTE: <https://apkpure.com/br/typoman-mobile/com.
ubj.typoman>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A partir desse brevíssimo apanhado de exemplos, buscamos ilustrar o imen-


so potencial pedagógico de aplicação de jogos digitais em processo educacionais.
Assim, perante um processo de busca ativa, por parte do professor, de um amplo
repertório de jogos disponíveis, atualmente, ele pode trabalhar com aqueles que
contemplam os desígnios educacionais dele. Contudo, os exemplos, aqui, apre-
sentados, também, foram selecionados com o intuito de ilustrar a problemática

112
Capítulo 3 Gamificação E Educação

inerente à, ainda, baixa produção de jogos no Brasil. Nenhum dos casos tem me-
cânicas ajustadas à língua portuguesa, nem estão disponíveis em versões locali-
zadas. Assim, parte do ônus que se imputa, ao docente, é encontrar exemplares
que sejam pertinentes a propostas, a respeito das barreiras linguísticas e/ou que
tenham sido desenvolvidos no contexto nacional.

LOCALIZAÇÃO: É a preparação de jogos eletrônicos para ou-


tras localidades/culturas, diferentes das que os conceberam/desen-
volveram. Essa adaptação abrange muito mais do que, apenas, a
tradução da língua. Existem diferentes áreas para localização: lin-
guística, cultural, de hardware e software, de divergências legais, de
identidade visual e de música, a serem citadas só algumas.

Felizmente, dado o crescimento do setor de games, no Brasil e no mundo,


esse cenário está mudando. Boa parte dos desenvolvedores de jogos nacionais
está focando parte de esforços para o desenvolvimento deles com fins específicos
(serious games), e diversas entidades governamentais têm oferecido fomento e
suporte a esses processos.

Um exemplo pertinente é o jogo Grapho Game (2021), disponibilizado pelo


Ministério da Educação, no âmbito da Política Nacional de Alfabetização e do pro-
grama Tempo de Aprender. Foi desenvolvido com a colaboração de cientistas bra-
sileiros, para apoiarem professores em atividades de ensino remoto, e famílias,
com o acompanhamento de crianças durante o processo de aquisição de habilida-
des de literacia. O público-alvo do jogo são estudantes da pré-escola e dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, de modo a aprenderem a ler as primeiras letras,
sílabas e palavras, com sons e instruções em português brasileiro.

FIGURA 10 – EXEMPLOS DE DESAFIOS DO GRAPHO GAME

FONTE: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/educalab/jogo-de-
alfabetizacao-e-adquirido-pelo-mec-para-diminuir-impactos-da-pandemia-
veja-como-funciona-1.3014373>. Acesso em: 24 abr. 2022.
113
Gamificação na Educação

Dimensionado o potencial de aplicação de jogos digitais, desenvolvidos para


outros fins, não educacionais, em contextos educacionais, a partir de agora, fo-
caremos em como o processo de gamificação pode colaborar com os processos
educacionais, objeto da nossa próxima sessão.

1 O contexto pandêmico forçou muitas instituições de ensino a re-


verem ferramentas de suporte a atividades educacionais, princi-
palmente, devido à impossibilidade de os alunos frequentarem
as salas de aula. Nesse cenário, a investigação de jogos digitais,
aplicados em contextos educacionais, teve grande impulso.

Francisco Tupy, professor de letramento digital e coordenador de


Projetos Especiais do Colégio Visconde, de Porto Seguro, pales-
trou no evento digital TEDx, com o tema Ensine como um gamer
e jogue como um professor. Acompanhe essa palestra em https://
youtu.be/DxvonMCaPyU. Assim, redija um texto relacionado à
fala do professor Tupy aos conceitos abordados nesta sessão.

4 GAMIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO
A gamificação parte dos princípios de se pensar e de se agir como em um
jogo, mas em contextos fora desse universo. Para isso, utiliza sistemáticas, mecâ-
nicas e dinâmicas do ato de jogar em outras ações e contextos. Ainda, é susten-
tada por quatro princípios: base nos jogos, mecânica, aspectos estéticos e modo
de pensamento, com foco no engajamento de pessoas, o que visa à motivação de
ações, ao se promoverem aprendizado e solução de problemas.

A gamificação tem, como propósitos, despertar emoções positivas e explorar


aptidões atreladas a recompensas virtuais, ou físicas, durante a execução de de-
terminada tarefa. Justamente por isso, é aplicada em situações e circunstâncias
que exigem a criação ou a adaptação da experiência do usuário a um produto,
serviço ou processo (VIANNA et al., 2013).

Conforme vimos, pode ser definida como um processo de transformação de


algo, que não é um jogo, pelo emprego de elementos de jogos, com os propósitos
de criar engajamento, promover colaboração, ou aumentar a motivação. Dito de ou-
tro modo, trata-se do uso de elementos de design de jogos em contextos distintos.
114
Capítulo 3 Gamificação E Educação

É útil em processos de instrução e de aprendizado, pois promove o engaja-


mento do aprendiz. O problema de se manterem o interesse e o engajamento dos
estudantes, em um processo educacional, não é novidade. No passado, educado-
res empregaram uma ampla variedade de intervenções, incluindo o uso de estra-
tégias motivacionais, como forma de remediar essa questão, contudo, os efeitos
dessas intervenções eram de curta duração.

A expectativa é a de que, devido à natureza lúdica, divertida dos jogos, a ga-


mificação possa ser uma solução mais perene para os problemas de engajamento
e de participação de alunos. Assim, aplicada na educação, está apta a ser com-
preendida como um conjunto de atividades e processos voltado para a solução de
problemas de aprendizagem, a partir do emprego de mecânicas de jogos. O pro-
pósito da gamificação, para a aprendizagem, é criar ambiente reais, que suportem
o aprendizado e que estimulem e engajem os alunos.

FIGURA 11 – CONCEITO DE GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO

FONTE: <https://designdeaprendizagem.com.br/?p=116>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Entre os anos 2010 e 2020, a gamificação passou por um vertiginoso proces-


so de experimentação nos mais diversos contextos educacionais, com estudos a
respeito dela em quase todas as áreas do conhecimento, como Matemática, Quí-
mica, Física, Nutrição, Medicina e Enfermagem, incluindo todas as subáreas das
Ciências Sociais aplicadas, até campos das Ciências Humanas, como História,
Ciência Política e Letras. Grande parte desses estudos constata que a gamifica-
ção não funciona para todos os propósitos e que ela não é sinônimo de, simples-
mente, pontos e prêmios, mas deve ser integrada a estratégias educacionais.

Como aponta Mattar (2018), uma das constatações mais interessantes, e


contraintuitivas, desses estudos, é que o valor de entretenimento do ensino não
se mostrou uma característica que afeta a eficácia da aprendizagem, pois não

115
Gamificação na Educação

afetou o quanto os alunos aprenderam. O fator que mais contribuiu para a apren-
dizagem, nesses estudos, foi a falta do uso de metodologias passivas de ensino.
Conforme apontamos no capítulo anterior, ao tratarmos da Teoria do Fluxo, a ca-
pacidade de gerar engajamento é o principal objetivo do processo de gamificação,
não necessariamente, o de diversão.

O uso das características de um jogo aumenta o engajamento dos alunos, fa-


tor que modera a relação entre o conteúdo instrucional e os resultados de apren-
dizagem, porém, a inclusão de elementos de jogos não tem efeitos sobre o apren-
dizado se o design de instrução não é sólido. Dito de outra forma, se os ganhos
de aprendizagem, entre os alunos, são baixos, em decorrência de uma má con-
cepção instrucional, por exemplo, a incorporação da gamificação, provavelmente,
não melhora a educação.

A gamificação pode ser aplicada a uma ampla série de objetivos como qual-
quer outra estratégia instrucional, mas cada necessidade pede uma estratégia es-
pecifica, dito de outra forma, para cada habilidade que se pretenda desenvolver
por meio da gamificação há uma técnica ou elemento mais adequado para este
fim, que vão desde o desenvolvimento de habilidades psicomotoras, melhoria das
habilidades de tomada de decisão, o desenvolvimento de habilidades complexas,
até mesmo a mudança de hábitos.

É importante ressaltarmos, mais uma vez, que o aporte de processos de


gamificação, para a aprendizagem, sempre, tem, como objetivo-mor, a busca de
uma solução que promova engajamento e aprendizagem. A gamificação, por si só,
não supre outras deficiências do processo de desenvolvimento de um conteúdo
educacional, como a identificação equivocada de objetivos a serem alcançados. A
solução gamificada deve fazer parte do programa formativo, ou seja, precisa ser
integrada à estratégia instrucional. Ela não é essa estratégia instrucional como
um todo. Questões importantes devem ser levadas em consideração, inclusive, o
orçamento disposto para se colocarem tais estratégias em prática.

Em um levantamento que realizou a respeito da gamificação na educação,


a fim de buscar boas práticas e lições aprendidas, Barreto (2016) constatou que
a gamificação é, de maneira geral, eficiente, sendo necessários: planejamento
adequado de design, dinâmica entre os grupos e participação do professor para a
motivação e o envolvimento dos alunos. Os elementos identificados como os mais
utilizados foram: pontos, distintivos, competição, níveis, placares, realizações, re-
compensas e desafios. Reproduziremos, aqui, um quadro com os principais pon-
tos positivos e negativos, referentes à gamificação, encontrados no estudo.

116
Capítulo 3 Gamificação E Educação

QUADRO 1 – PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA GAMIFICAÇÃO

Aspectos Positivos Aspectos Negativos

A competição promovida melhora A competição tem o risco de diminuir a motivação e a di-


a aprendizagem, a motivação e o versão, ao causar sentimentos negativos pela perda dessa
envolvimento. competição, o que interfere nas dinâmicas dos grupos.

Os alunos sem reputação, ou com pouca reputação, não


Os alunos enxergam o sistema participam, tão ativamente, quanto os outros, e podem se
gamificado como muito prazeroso, sentir desmotivados para responder, ou elaborar questões,
encorajador e desafiador. por medo de não estarem no mesmo nível dos de maior
reputação.

A competição tem o potencial de


A competição não consegue motivar todo aluno, assim
compensar a falta de habilidade em
como a gamificação.
algumas atividades.

A gamificação facilita o debate entre


A gamificação faz com que alunos que obtêm o número de
os alunos e promove compensa-
pontos necessários para a aprovação, na disciplina, sejam
ções por responder a questões dos
menos motivados.
colegas.

O anonimato, ou semianonimato, O exagero de participantes, na gamificação, proporciona


permite que os alunos se expressem o risco de se perder o foco na atividade, de modo que se
mais livre e confortavelmente. preocupam mais com a vitória do que com o aprendizado.

FONTE: Adaptado de Mattar (2018)

É importante que tenhamos ciência de que existem, pelo menos, dois tipos
de gamificação: estrutural e de conteúdo.

• Gamificação estrutural

A gamificação é chamada de estrutural quando utiliza elementos de jogos


para conduzir o aprendiz pelo processo de aprendizagem, sem que ocorram mu-
danças significativas no conteúdo. O conteúdo da aula não se torna parecido com
um jogo, somente, a estrutura no entorno dele.

O foco principal desse tipo de gamificação é motivar o estudante a percorrer


o conteúdo, além de engajá-lo no processo de aprendizagem, por meio de recom-
pensas. Os elementos mais comuns são pontos, troféus, conquistas e níveis. É

117
Gamificação na Educação

muito utilizado em ambientes virtuais de aprendizagem, nos quais é preciso fazer


com que os aprendizes naveguem por conteúdos diferentes e utilizem diferentes
recursos, como conteúdos de livro, vídeos, treinamentos e encontros presenciais.

Pirate Wars é um exemplo desse tipo de gamificação, assim, o participante


dispara canhões e evita ser afundado pelos adversários. O aluno precisa respon-
der, corretamente, a uma sequência de questões, que não tem relação alguma
com o contexto do jogo.

FIGURA 12 – TELAS DE PIRATE WARS

FONTE: <https://playxlpro.com/content-gamification-vs-structured-
gamification-in-e-learning/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Gamificação de conteúdo

A gamificação de conteúdo aplica elementos e modos de pensamento de um jogo


para alterar o conteúdo, de modo a fazer com que este se pareça com um game. As-
sim, por exemplo, ao se começar um curso, lista-se um desafio, ao invés de um objeti-
vo. Isso, necessariamente, não gera um nível de complexidade maior, mas o conteúdo
da aula é moldado ao mecanismo de funcionamento de um jogo, com um contexto, ou
atividade, que é usado dentro de jogos, adicionado ao que deve ser ensinado.

Uma das formas de se fazer o processo é a criação de uma história na qual


o conteúdo vai sendo desenvolvido como parte de um enredo, na qual os perso-
nagens devem resolver problemas e tomar decisões, de modo que o conteúdo
necessário, para essas ações, vá sendo aprendido ao longo do caminho.

Um bom exemplo de gamificação de conteúdo é aquele oferecido pela plata-


forma de ensino de língua Duolingo. O método é caracterizado por lições fragmen-
tadas, nas quais os usuários, por meio de repetição, fixam o conteúdo. O progresso
do aluno se dá através de uma árvore de habilidades. A estrutura autodidata intera-
tiva, semelhante à de um jogo on-line, cativou estudantes do mundo inteiro. O apli-
cativo está disponível no modelo freemium, nas principais plataformas de celular.

118
Capítulo 3 Gamificação E Educação

FIGURA 13 – PROCESSO GAMIFICADO DO APLICATIVO DUOLINGO

FONTE: <https://play.google.com/store/apps/details?id=com.
duolingo>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A partir do framework MDA, apresentado no capítulo anterior, Schell (2013)


propôs um modelo que compreende os quatro elementos principais que compõem
um jogo: história, mecânica, tecnologia e estética.

A história pode ser entendida como o curso de eventos que os jogadores vi-
venciam enquanto estão jogando. Pode ser desenvolvida com uma estrutura linear
ou ramificada. Ainda, entregue, efetivamente, por meio da estética e da tecnologia.

A mecânica descreve as regras e os procedimentos do jogo, e define os com-


portamentos dos jogadores, as recompensas e as penalidades. Essas recompen-
sas e penalidades afetam o desenvolvimento da história. Esse tipo de mecanismo
inexiste em livros, filmes e dramas, uma vez que o leitor/audiência não consegue
intervir no andamento da narrativa.

A tecnologia considera as situações, os materiais e os hardwares necessá-


rios para se criar um jogo. Muitos jogos fazem uso da tecnologia de informação,
contudo, a tecnologia não está restrita a isso, pois pode ser uma folha de papel,
um lápis, uma peça do Banco Imobiliário, ou outros objetos do cotidiano.

Finalmente, a estética determina a aparência do jogo e os sentimentos e as sen-


sações que desperta no jogador, por meio de elementos visuais. Influencia, diretamen-
te, a experiência do competidor. Assim, os participantes podem ter experiências dife-
rentes em jogos com estéticas distintas, mas a mesma história, além do mecanismo.

A história é um ponto fundamental para o desenvolvimento da ação de gami-


ficação, uma vez que os objetivos educacionais devem ser relacionar com ela e
com os objetivos dela. A maioria dos jogos possui, intrinsecamente, algum tipo de

119
Gamificação na Educação

história, e, em processos de gamificação, essa história não é muito diferente de


um livro, filme ou drama. A principal diferença é que os jogadores podem interferir
e interagir com o jogo, algo que, dificilmente, ocorre com outros gêneros. Confor-
me jogam, os indivíduos são expostos a uma ampla variedade de opções, que
demanda que eles escolham uma para progredir. A depender dessa decisão, um
jogador está apto a avançar para diferentes ramificações da história. Conforme se
planeja essa história de um jogo, pode contemplar os mais diferentes aspectos,
como aventura, competição, descoberta etc.

Histórias em processos de gamificação, para educação e aprendizagem, tendem


a ser simples, uma vez que o papel delas, nesse contexto, é dar suporte, não entreter.

No que se refere às dinâmicas que um professor pretende criar por meio da


gamificação, há um amplo espectro de opções. Algumas das mais comuns são:
desafio – referente às experiências de desenvolver e de exercitar habilidades em
uma situação desafiadora; competição – a uma disputa orientada para a vitória
contra si mesmo, um oponente ou um sistema; descoberta – à experimentação da
descoberta de uma nova solução, local ou propriedade; exploração – à investiga-
ção de um mundo, de possibilidades, desafios e situações; expressão – à possi-
bilidade de criação de algo ou de expressão, de modo criativo; companheirismo
– à vivência de uma amizade, parceria, ou senso comunal; cuidado – ao ato de
cuidado, nutrição ou zelo por algo; sadismo – à destruição e à possibilidade de
poder sobre os outros; subversão – à quebra de regras sociais, papéis e normas;
sofrimento – à frustração, raiva, tédio e desapontamento; simpatia – à sensação
ou ao compartilhamento de sentimentos; e excitação – a riscos percebidos ou re-
ais. Assim, o professor deve considerar que dinâmica deseja criar.

A mecânica é um dos aspectos fundamentais dos processos de gamificação


na educação, e, geralmente, está condicionada ao fato de se o professor desen-
volve o processo todo, por conta própria, ou dispõe de alguma ferramenta, ou
sistema, visto que ferramentas de gamificação apresentam um leque maior e já
estão, minimamente, estruturadas, contudo, geralmente, precisam ser adquiridas
pela instituição de ensino em questão. Um dos pontos mais comuns, nas mecâni-
cas de gamificação, é a criação de placares, medalhas e desafios. Níveis, pontos
e itens já exigem um nível maior de sofisticação do processo.

Em resumo, a gamificação pode ser entendida a partir de três elementos: Com-


ponentes, Mecânicas e Dinâmicas. Os componentes são medalhas, pontos, níveis,
quadros, avatares etc. As mecânicas são os elementos que envolvem o aluno, como
desafios, recompensas, competição etc. Finalmente, as dinâmicas são os pontos
que aplicam fatores motivacionais, por meio da narrativa, da interação social, das
emoções, da progressão etc. O processo pode ser, assim, sintetizado: componentes
(pontos) criam mecânicas (recompensas) que geram a dinâmica (envolvimento).

120
Capítulo 3 Gamificação E Educação

FIGURA 14 – HIERARQUIA DOS ELEMENTOS DE UM JOGO

FONTE: <https://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/
view/18915>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Alves (2015) apresenta um modelo sintético de processo conceitual para a


gamificação na educação, a partir de uma perspectiva já conhecida dos professo-
res, a do planejamento de aula. O processo que propõe é estruturado em etapas.

• Primeira etapa – Definição

Inicia-se com a definição de objetivos educacionais a serem alcançados, ou


seja, resultados esperados. Idealmente, essas definições são fruto de uma série
de avaliações e análises, as quais devem considerar, inclusive, como pretende
ser conduzida a avaliação final. O processo necessita considerar os recursos dis-
postos ao professor, o perfil do público para o qual se desenvolve uma solução e o
tipo de aprendizagem desse público. Recomenda-se, também, o conhecimento do
cenário sociocultural no qual o grupo se insere.

• Segunda etapa – Arquitetura

Estrutura-se a solução de aprendizagem e se objetiva criar uma experiência


que contemple tudo o que é necessário para o sucesso do projeto. Esta etapa não
é estanque, mas deve passar por todos os aspectos envolvidos para a aprendi-
zagem. Em outras palavras, a arquitetura define o que deve acontecer, desde a
solução de aprendizado até a materialização das práticas. Considere o seguinte:
que conhecimentos são necessários para se atingir o objetivo instrucional? Em
função do tipo de conhecimento que precisa ser aprendido, escolhe-se a gamifica-
ção, como uma estratégia viável para promover a aprendizagem.

121
Gamificação na Educação

• Terceira etapa – Aprendizado

Coloca-se a ação arquitetada em prática. Os recursos que se utilizam de-


pendem do público, da localização, do orçamento e dos objetivos instrucionais
definidos. Uma boa solução de aprendizagem entrega conteúdos que permitam,
ao aprendiz, colocar em prática o que aprende.

• Quarta etapa – Transferência

Alcançam-se os resultados por meio da prática, não, apenas, por meio do co-
nhecimento de conceitos. A transferência inclui as estratégias e os instrumentos a se-
rem desenvolvidos, na arquitetura, para assegurar a prática dos conhecimentos, tra-
balhados na realidade cotidiana do aluno, de modo a haver a promoção do resultado.

• Quinta etapa - Análise

Como etapa final do projeto de gamificação, aplicado na educação, neces-


sita-se que se meçam os resultados, com a avaliação do impacto da ação instru-
cional, a identificação de falhas, a correção de rumos e a aferição de resultados.

FIGURA 15 – PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO DE SOLUÇÕES


GAMIFICADAS APLICADAS À EDUCAÇÃO

FONTE: O autor

De modo a encontrar caminhos para um design educacional mais avançado,


menos reativo e mais conscientizador, Carolei e Tori (2018) elencam os principais
desafios a serem superados para a concepção de processos gamificados aplica-
dos na educação.

• Consciência da intencionalidade pedagógica: Toda ação educativa


deve ter uma intencionalidade, não importa se é feita em um contexto
formal ou não formal. Sempre, almeja-se transmitir uma mensagem, de-
monstrar conceitos e procedimentos, ou, ainda, que o aluno desenvol-
va determinada habilidade, ou competência, que pode ser algo pontual
ou, extremamente, complexo, ao envolver mais de um “saber-fazer”, e
abranger, inclusive, dimensões, como a ética e a estética das ações rea-

122
Capítulo 3 Gamificação E Educação

lizadas.
• Superação das reduções do modelo comportamental, ainda, tão
presentes na educação e no design de games: Uma das caracterís-
ticas principais que difere o jogo de outros produtos educacionais é a
agência do jogador, ou seja, ele, sempre, é convidado a partir e a intera-
gir de alguma forma. Uma metodologia educacional, que usa a gamifica-
ção como estratégia pedagógica, deve ser ativa.

Metodologias ativas de aprendizagem são o termo que con-


templa um amplo processo que tem, como principal característica,
a inserção do aluno como agente principal, responsável pela própria
aprendizagem. Buscam fazer com que ele se comprometa com o
aprendizado.

• Encontro do ponto de equilíbrio entre o indutivo demonstrativo e o


dedutivo experimental. O professor precisa decidir o que considera me-
lhor: É melhor trabalhar, um sujeito, com situações controladas e induti-
vas, para garantir a compreensão por meio da criação de um universo
de um jogo controlado, ou trazer desafios mais complexos, geralmente,
oriundos de situações reais, de alta complexidade, para serem explora-
dos e se descobrirem novas soluções por meio de elementos gamifica-
dos?
• Interatividade. Outro grande desafio do design educacional, ligado à
gamificação, é a interatividade. Muito do que se ensina e se aprende
a respeito desse design educacional está apoiado em matrizes, tabelas
e roteiros, nos quais se constrói o planejamento didático e, depois, ten-
ta-se traduzir o que é planejado em matérias que, juntas, compõem o
curso. Contudo, o desenvolvimento de jogos tem se provado uma tarefa
não linear, dito de outra forma, incorpora etapas de validação e ajuste, de
acordo com o feedback dos usuários, mesmo durante o desenvolvimen-
to, um processo que pode ser descrito, como: planejar, descrever, jogar,
errar, refazer, jogar, errar, refazer, errar, ajustar, jogar, refazer. Como in-
corporar esse fluxo ao processo educacional?

Para Carolei e Tori (2018), propor um design educacional gamificado, que vá além da
lógica comportamental, demanda que pensemos em desenhos mais complexos de jogos
e ações gamificadas, com trajetórias diferentes, de modo a se proverem ações do grupo.

123
Gamificação na Educação

Reproduziremos, aqui, o roteiro proposto por Alves (2015), para o desenvol-


vimento de soluções de aprendizagem gamificadas:

• Determine os objetivos de aprendizagem: Comece o seu projeto de


gamificação determinando os objetivos que deseja alcançar. Qual é o
problema que se pretende resolver? O problema em questão pode ser
resolvido por meio da gamificação? Se sim, defina o objetivo instrucional
que o ajudará a resolver esse problema.

QUADRO 2 – OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Objetivo da ação Forma de medição

Problema a ser resolvido

FONTE: O autor

Defina os comportamentos e as tarefas que são o alvo dessa solução:


Transcreva o seu objetivo instrucional e liste os comportamentos que precisam
ocorrer e as tarefas a serem executadas pelo aprendiz jogador. A definição des-
ses comportamentos e tarefas que devem ser ensinados determinará os elemen-
tos de gamificação necessários.

QUADRO 3 – OBJETIVO, CONHECIMENTOS E TAREFAS

Quem deve ser capaz de fazer o que, utilizar que ferra-


Objetivo Instrucional
mentas, com que performance e em quanto tempo:

1)
Conhecimentos 2)
3)

1)
Tarefas 2)
3)
FONTE: O autor

124
Capítulo 3 Gamificação E Educação

• Conheça seus jogadores: Observe que existem diferentes ferramentas


de diagnósticos que permitem aferir os tipos de aprendizes e estilos de
aprendizagem dos seus alunos. Os jogos e os processos de gamificação
mais bem-sucedidos são aqueles que têm clareza a respeito do públi-
co-alvo. Uma ferramenta muito útil, nesse processo, e utilizada com fre-
quência, é a estruturação de um mapa de empatia, que busca conhecer
tudo o que o público pensa e sente.

O Mapa de Empatia é uma ferramenta visual que analisa e des-


creve aspectos comportamentais e o contexto de vida do cliente ide-
al de um negócio, por meio de um diagrama. Esse recurso, utilizado
pelo Design Thinking, torna possível se desenharem, detalhadamen-
te, o cenário, os pensamentos, as ações, os problemas e as necessi-
dades de um público-alvo.

FIGURA 16 – MODELO DE MAPA DE EMPATIA

FONTE: <https://resultadosdigitais.com.br/marketing/
mapa-da-empatia/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

125
Gamificação na Educação

• Identifique o tipo de conhecimento que precisa ser ensinado: Faça


isso para determinar o tipo de atividade a ser utilizado. O instrumento
mais conhecido, para esse fim, é a Taxonomia de Bloom. Utilize o quadro
a seguir para denotar as atividades que melhor correspondem ao tipo de
conhecimento que necessita ensinar neste projeto.

QUADRO 4 – TAXONOMIA DE BLOOM

Taxonomia de Definição dos termos da Exemplos de Ativida-


Verbos
Bloom taxonomia des
Reunir elementos
para formar um
Montar, construir, Atividades constru-
todo coerente; reor-
criar, desenvolver, tivas, mapas
ganizar
Criar formular, escrever, mentais, criação de
elementos em uma
gerar, planejar, um jogo
nova estrutura, ou
produzir próprio
padrão, por meio da
criação, planeja-
mento ou produção
Efetuar um julga-
Montar, defender, Atividades constru-
mento com base
julgar, selecionar, tivas, mapas
Avaliar em um critério, e
apoiar, avaliar, mentais, criação de
padrão, por meio de
criticar, checar um jogo
verificação e crítica
próprio
Desmembrar ma-
teriais em partes
constituintes, a fim Comparar, con-
de determinar como trastar, diferenciar,
elas se relacionam discriminar, experi- Atividades com alo-
Analisar
umas com as outras, mentar, questionar, cação de recursos
e a estrutura toda, organizar,
ou o propósito, por atribuir
meio de diferencia-
ção, organização e
atribuição
Seguir ou utilizar Demonstrar, drama-
um procedimento, tizar, empregar,
Aplicar por meio da execu- ilustrar, operar, Role playing
ção ou da imple- agendar, rascunhar,
mentação resolver, usar, exe-
cutar, implementar

126
Capítulo 3 Gamificação E Educação

Construir um sig-
nificado a partir
Classificar, iden-
de
tificar, alocar,
mensagens orais,
reconhecer, re- Solução de que-
escritas ou grá-
portar, selecionar, bra-cabeças,
Compreender ficas, por meio
interpretar, exem- atividades explo-
de interpretação,
plificar, resumir, ratórias
exemplos, classi-
interferir, compa-
ficação, resumo,
rar
inferência, com-
paração e expla-
nação
Recuperar, reco-
Definir, duplicar,
nhecer e lembrar
listar,
de conhecimen- Combinação,
Lembrar memorizar, lem-
tos relevantes da coleção
brar, repetir e
memória de longo
reconhecer
prazo

FONTE: Adaptado de Alves (2015)

• Assegure que a experiência é divertida. Relembre-se do conceito de


fluxo, assegure-se de que a sua proposta tenha meios e mecanismos
que acionem as emoções dos aprendizes. Seu processo de identificação
de empatia do jogador dá pistas, a você, de que caminho seguir.
• Escolha as ferramentas adequadas. Comporte-se como um designer
de jogos. Estabeleça metas e objetivos e os transmita para que os joga-
dores saibam o que é esperado deles. Pense nas restrições que pode
utilizar para alcançar um objetivo, mas permita que um aprendiz tenha
liberdade para empregar diferentes abordagens. Estabeleça metas in-
termediárias para facilitar e recompense o jogador toda vez que ele al-
cançá-las, para estimulá-lo a prosseguir. Lembre-se de criar ferramentas
que tornem visível o progresso desse sujeito, de modo que ele saiba que
parte do percurso já percorreu.

Uma das ferramentas mais poderosas que você tem à disposição é o feedba-
ck em tempo real. Consegue gerar engajamento com o uso de pontos, distintivos
e/ou barras de progresso. Utilize ícones visuais que você achar pertinentes. Con-
sidere a criação de placares com posicionamento, distintivos e prêmios. Talvez,
ache mais interessante trabalhar com recursos, como moedas, e outros elemen-
tos que possam ser angariados pelo aprendiz ao longo da jornada.

127
Gamificação na Educação

• Crie protótipos. Parta para, talvez, o ponto mais importante do processo


todo. Qualquer solução de gamificação precisa ser experimentada, joga-
da, testada, não, apenas, implementada. O processo descrito até aqui
pode parecer complexo, e, até mesmo, assustador, mas isso se dá em
parte, pois muitos educadores não são instrumentalizados para pensar
como designers.

O Design Thinking é um método que estimula a ideação e a


perspicácia para a abordagem de problemas, e tem crescido em in-
fluência e uso nos mais diversos setores, com forma de se aborda-
rem e solucionarem questões. A principal premissa dele é que, ao en-
tender os métodos e os processos que os designers usam para criar
soluções, indivíduos e organizações são capazes de inovar. Nenhum
designer concebe uma solução do zero até o produto, mas entende
que se trata de um processo paulatino, no qual, gradualmente, é de-
senhada a solução, testada, aprimorada e testada novamente.

Posto de outra forma, não é esperado, nem sequer razoável, que você con-
ceba um processo de gamificação por completo, e que o coloque em prática, so-
mente, por meio da sua capacidade mental. O que se espera é que você comece
uma “ideia geral” do que gostaria de fazer, assim, teste essa ideia com um peque-
no grupo, faça ajustes, teste novamente, e, por meio desse processo, aprimore-a.
É algo parecido com aprender a andar de bicicleta, uma vez que alguém explicou,
a você, todos os conceitos básicos de funcionamento de uma bicicleta. Assim,
você tentou pedalar, caiu, tentou novamente, teve um desempenho um pouco me-
lhor, caiu, tentou de novo etc., até que, finalmente, adquiriu todo o conhecimento e
a experiência necessários, a ponto de que o caminho se tornou natural. O mesmo
se dá com processos de gamificação. Quanto mais familiaridade você tem com jo-
gos, diferentes modalidades e aplicações vivenciar, mais fácil o processo se torna.
Aliás, foi por isso que iniciamos este capítulo, com a sugestão de que você con-
sidere a possibilidade de utilizar jogos já existentes, sejam digitais ou não, inicial-
mente, ao invés de partir para o desenvolvimento de experiências gamificadas.

Como forma de materializar parte do que foi tratado aqui, apresentaremos alguns
exemplos bem-sucedidos de experiência de gamificação, objeto da próxima sessão.

128
Capítulo 3 Gamificação E Educação

1 O processo de gamificação, descrito neste capítulo, foi basea-


do em um material desenvolvido por Flora Alves. Em 2021, ela
proferiu uma palestra que abarcou a aprendizagem e a diversão
como mobilizadores de resultados, na T&D Conference. Você
pode assistir a essa palestra completa em https://www.youtube.
com/watch?v=WNv-8XYOq24&ab_channel=SGAprendizagem-
CorporativaDesenhadasobMedida. Assim, com base no que foi
apresentado nesta sessão e na palestra proferida por Flora Alves,
elabore um texto crítico a respeito das vantagens e desvantagens
da gamificação e da aplicação dela em processos educacionais.

5 FERRAMENTAS E EXPERIMENTOS
EDUCACIONAIS

Conforme temos indicado durante todo o capítulo, a gamificação não é uma
panaceia, nem uma solução única, e estanque, que resolve todos os problemas
educacionais, pelo contrário, dada a diversidade de demanda educacional na nos-
sa nação, além do amplo espectro de perfis de alunos, ela se torna uma ferramen-
ta que amplia o campo de possibilidades e soluções, mas que demanda participa-
ção ativa do docente para concepção, formatação e condução.

A título de fornecer exemplos e apresentar boas práticas, dedicamos a


sessão final deste capítulo a apresentar algumas ferramentas que podem ser
úteis aos professores que desejam trazer experiências gamificadas para as salas
de aula. Procuramos fazer uma curadoria de sugestões, baseada na gratuidade
de ferramentas, ou, pelo menos, no fato de ofertarem parte de serviços gratuita-
mente, além da existência de relatos de experiência educacionais que envolvem
essas ferramentas. Em hipótese alguma, o material seguinte tem o intuito de ser
extensivo, pelo contrário, a proposta é que sirva como ponto de partida para in-
vestigações e pesquisas posteriores, por parte do leitor.

129
Gamificação na Educação

• Projeto Remar

Desenvolvido no contexto de Grupos de Trabalho Temáticos em EaD, o


REMAR tem, como objetivos, facilitar e ampliar a construção e o reuso de Re-
cursos Educacionais Abertos (REA), a fim de oferecer uma plataforma web com
diversas ferramentas customizáveis que podem ser integradas a ambientes virtu-
ais de aprendizagem, considerado que o acesso aberto a recursos educacionais
é requisito essencial para uma educação democrática e de qualidade. Dentre as
ferramentas disponibilizadas, destacamos:

o Escola Mágica: É inspirada nos clássicos de plataforma, das décadas


de 80 e 90, como Super Mário e Sonic. Permite que o professor crie um
jogo de plataforma com os próprios desafios. Para percorrer os mundos
fantásticos do jogo, o estudante precisa visitar salas secretas, com per-
guntas que precisam ser respondidas para evoluir. Ao utilizar essa ferra-
menta, o professor pode customizar as questões.
o Responda se Puder: Emula os clássicos jogos de perguntas e respos-
tas dos programas televisivos. Por meio da ferramenta, o professor pode
criar o próprio questionário e desafiar os alunos dele a responderem.
o Em Busca do Santo Grau: É formatado como um jogo de aventura bidi-
mensional, ao permitir a customização dos conteúdos em forma de ques-
tionários. Possui recursos, como a possibilidade de inserção de links e
figuras integrados em situações-problema. O professor pode escolher
entre diferentes fases, com o desafio mais adequado às necessidades
educacionais dele.
o Sanja Runner: É um jogo educacional 2D de aventura que permite a
customização de pergaminhos que dão informações aos alunos. Tam-
bém, possui questionários customizáveis que podem ser utilizados para
testar o conhecimento desses alunos, com as informações obtidas a par-
tir da leitura dos pergaminhos.

A plataforma possui, ainda, jogos de química, força e memória,


e pode ser acessada em http://gama.remar.online/index/info.

130
Capítulo 3 Gamificação E Educação

FIGURA 17 – EM BUSCA DO SANTO GRAU E ESCOLA MÁGICA

FONTE: <http://gama.remar.online/resource/show/5>; <http://gama.


remar.online/resource/show/1>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Moodle – Ferramentas de Gamificação

Moodle é o acrônico para Modular Object-Oriented Dynamic Learning En-


vironment. É um software livre de apoio para aprendizado, para a execução em
um ambiente virtual de aprendizagem, muito utilizado nos contextos de Educação a
Distância por permitir a criação de cursos online com páginas de disciplinas, grupos
de trabalho e comunidades de aprendizagem. Tornou-se muito popular e está dis-
ponível em mais de 75 línguas diferentes, com mais de 25 mil websites registrados.

O conceito foi criado em 2001, pelo educador Martin Dougia, mas é voltado
para programadores e acadêmicos, e se efetiva como um sistema de administra-
ção de atividades educacionais voltadas para a criação de comunidades on-line,
para uma aprendizagem colaborativa. As principais vantagens são a facilidade de
uso e a modularidade.

Embora a plataforma não tenha sido concebida, especificamente, para


ser um sistema de aprendizagem gamificado, é possível serem aplicados concei-
tos de gamificação, atividades, ou, até mesmo, um curso completo.

O plugin “Level Up” foi desenvolvido, exclusivamente, para fins de gamifi-


cação na plataforma, e pode ser configurado para atribuir, automaticamente, pontos
aos estudantes, por meio das ações deles; apresentar o nível de progresso de cada
um; e demonstrar o quanto falta para alcançar o próximo nível. Ainda, acaba por
notificar e parabenizar esses alunos quando avançam para outro nível, criar um
ranking com os desempenhos de todos; ajustar a mecânica de recompensa de pon-
tos; desbloquear conteúdos, quando determinados níveis são alcançados etc.

131
Gamificação na Educação

FIGURA 18 – PLUGIN MOODLE - “LEVEL UP”

FONTE: <https://moodle.org/plugins/block_xp>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Class Dojo

O Class Dojo é uma plataforma gratuita e on-line, com a proposta de re-


compensar os comportamentos dos estudantes. Para isso, busca incentivar com-
portamentos positivos específicos, como a persistência, a curiosidade e o trabalho
em equipe. A ferramenta foi concebida como um instrumento complementar ao
processo educacional, de modo a trabalhar com as atitudes dos alunos. Conta
com dezenas de personagens amigáveis que podem se tornar avatares.

As comunidades virtuais, criadas pelo aplicativo, permitem diferentes níveis


de acesso, assim, além dos alunos, professores, pais e líderes escolares podem
entrar no ambiente. Os alunos conseguem mostrar e compartilhar aprendizado,
como adicionar fotos e vídeos em portfólios, e os pais estão aptos a acompanhar os
momentos em sala de aula, além de, também, fazer postagens. Um professor pode
se comunicar com eles por meio de atualizações e lembretes instantâneos.

Dentre as ferramentas disponibilizadas pelo aplicativo, o Class Badges permite


que o professor premie as habilidades dos alunos, inclusive, com a criação de emble-
mas personalizados para a sala de aula ou a escola, sendo bem simples de ser usado.
Gera um relatório com todas as interações que acontecem, e faz com que o professor
atribua recompensas aos alunos em tempo real, a partir de comportamentos em sala
de aula. O professor pode escolher ícones e associá-los a uma descrição, com o intuito
de mencionar comportamentos positivos e os que precisam ser melhorados.
132
Capítulo 3 Gamificação E Educação

FIGURA 19 – COMPORTAMENTOS POSITIVOS E COMPORTAMENTOS


QUE PRECISAM SER MELHORADOS EM CLASS DOJO

FONTE: Adaptada de Seixas et al. (2020)

Em um experimento educacional, relatado por Seixas et al. (2020), observou-


-se que os estudantes tiveram uma melhor percepção das próprias habilidades
com o emprego de medalhas pelo Class Dojo. O uso da ferramenta, também, per-
mitiu, ao professor, reconhecer atividades importantes para o acompanhamento
do aluno que não estavam no espectro de atenção dele. No experimento realiza-
do pelos autores, a ferramenta se tornou uma espécie de diário de comportamen-
tos e de habilidades dos alunos, ao proporcionar, ao docente, uma visão geral dos
desenvolvimentos de alunos em tempos de comportamentos na sala e habilida-
des cognitivas adquiridas.

• FazGame

O FazGame é uma ferramenta de colaboração para a autoria de games


educacionais por alunos e professores do ensino básico. A ferramenta objetiva
possibilitar que docentes e discentes gerem conhecimento em conjunto, na medi-
da em que constroem jogos motivadores de aprendizagem.

Os jogos compostos pelo FazGame apresentam, pelo menos, um desafio,


uma meta de aprendizagem (indicador) e uma história interessante, que conecte
esse desafio às metas.

A ferramenta é disponibilizada, atualmente, com as funções bá-


sicas, disponíveis por meio de assinatura e elementos específicos,
que podem ser adquiridos em https://www.fazgame.com.br/.

133
Gamificação na Educação

FIGURA 20 – DOIS EXEMPLOS DE MATERIAL DESENVOLVIDO COM FAZGAME

FONTE: <https://www.fazgame.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Em um relato de experimento educacional, feito por Coelho e Costa (2016),


constatou-se que a aplicação da ferramenta, no campo da educação, concretizou-
-se como um instrumento didático eficiente e adequado. O uso do FazGame pro-
porciona um aprendizado incremental, sendo empregado como ferramenta que
ajuda no ensino específico ou em tópicos complexos e elaborados, a fim de esti-
mular os alunos a aprenderem de forma não linear, dinâmica e adaptativa.

• Kahoot!

O Kahoot! é uma plataforma de aprendizagem baseada em jogos que se


tornou muito popular como tecnologia educacional, empregada em diversas ins-
tituições de ensino. Ela é formada, principalmente, por testes de múltipla escolha
que podem ser criados pelos usuários e acessados por meio de um navegador
da web. O principal emprego dela é como recurso didático, a fim de revisar os
conhecimentos dos alunos e de proporcionar uma avaliação formativa, sendo em-
pregada como alternativa às atividades tradicionais em sala de aula. É uma ótima
ferramenta diagnóstica a partir da qual o professor pode preparar perguntas.

O aplicativo tem foco no aprendizado social, ou seja, pressupõe que os


alunos estejam reunidos em torno de uma tela comum, ou projetada, que se co-
nectem à plataforma por meio de um PIN, que é gerado e mostrado nessa tela,
e que utilizem dispositivos pessoais para responder às perguntas criadas pelo
professor. É possível se ajustar a estrutura das perguntas para que sejam atribu-
ídos pontos. Além do modo síncrono, o professor, também, está apto a construir
atividades assíncronas para os estudantes, por meio da plataforma.

134
Capítulo 3 Gamificação E Educação

FIGURA 21 – ILUSTRAÇÃO DAS POTENCIALIDADES DE KAHOOT!

FONTE: <https://play.google.com/store/apps/details?id=no.mobitroll.
kahoot.android&hl=pt>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Em um relato de experimento educacional, feito por Sande e Sande (2018),


que empregou o Kahoot! como instrumento avaliativo na disciplina de Microbiologia,
constatou-se que ele foi um substituto efetivo da prova tradicional. Na percepção
dos estudantes, o emprego da ferramenta permitiu memorização e entendimento
dos conteúdos, e tornou a avaliação da disciplina mais atraente e competitiva, ao
gerar estímulo à participação do alunado. Além disso, os alunos afirmaram que
acharam justo o sistema de obtenção de notas, fornecido pela ferramenta.

• ClassCraft

O ClassCraft é uma plataforma on-line que permite a gamificação da


aprendizagem e o emprego dela em contextos educativos. Professores e estu-
dantes podem acessar atividades gamificadas com ferramentas, como pontua-
ção, equipes, criação de avatares etc. O aplicativo está autorizado a ser usado em
sala de aula, de modo síncrono, ou nos dispositivos móveis dos alunos.

A plataforma funciona como um jogo de RPG online, com desafios e riscos,


na qual os alunos atuam em grupos e os resultados das ações (recompensas e pu-
nições) do mundo virtual podem ser transferidos para o contexto do mundo real, ao
possibilitarem que o comportamento, em sala de aula, seja trabalhado também.

O cuidado estético que foi dedicado ao desenvolvimento da plataforma a


torna, particularmente, atraente. As funções básicas estão disponíveis em versão
gratuita, e é necessária a assinatura para acesso a outras funções.

A plataforma Classcraft utiliza várias convenções da gamificação, como avan-


ço de nível, trabalho em equipe, poderes, recompensas, pontuação, classificação,
avatares e narrativas que tenham exercício no mundo real. O aluno é o centro
da missão, composta por aspectos, como história abordada, tarefas informativas,
metodologia de execução e resultado almejado (RIBEIRO et al., 2020).
135
Gamificação na Educação

FIGURA 22 – CLASSCRAFT

FONTE: <https://artplusmarketing.com/analyzing-gamified-solutions-
classcraft-c62a5b09c22b>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Em um relato de experimento educacional, com o emprego da ferramen-


ta para o ensino de física, Oliveira e Nascimento (2020) relatam como o plano
de aula tradicional foi transformado em diversas missões contextualizadas que,
ao longo do trimestre, levaram os alunos a desenvolverem um comportamento
mais ativo e estratégico. Ainda, a mecânica da ferramenta estimulou o trabalho
colaborativo, sendo que um dos resultados mais positivos se relacionou ao com-
portamento da turma, visto que os estudantes perceberam que comportamentos
indevidos geravam a perda de pontos, o que fez com que eles passassem a se
monitorar e a incentivar os colegas da equipe a terem atitudes adequadas, o que
proporcionou um notável engajamento por parte dos alunos.

• Flippity

O Flippity é uma ferramenta gratuita para professores que permite a cria-


ção de questionários, jogos de memória, caça-palavras, bingos etc. Pode ser uti-
lizado por docentes, para tornarem as aulas mais dinâmicas, e por alunos, para
desenvolverem os próprios projetos.

O grande diferencial dessa ferramenta é a integração dela com


a plataforma Google Drive, que gera a criação de todos esses ele-
mentos a partir de planilhas customizadas do Google Sheet. Você
pode acessá-la em https://flippity.net/.

136
Capítulo 3 Gamificação E Educação

No site, você tem acesso a diversos templates, para a criação de jogos,


e a fóruns de instrução, para tornar o processo mais simples. A ferramenta é bem
simples de ser usada, e como esses templates já são estilizados, só deve ser adi-
cionada a informação para ser criado um material necessário.

FIGURA 23 – TEMPLATES DISPONÍVEIS EM FLIPPITY

FONTE: <https://flippity.net/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

1 Faça uma pesquisa, na rede digital, com base em revistas acadê-


micas, congressos de educação e fóruns de discussão, a fim de
buscar ferramentas de gamificação e relatos de experiência de
disciplinas nas quais você atua como docente. Faça um texto bre-
ve, para apontar os potenciais usos dessas ferramentas na sua
aula.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, procuramos traçar um panorama de um rico cenário de aplica-
ções de jogos digitais e de processos de gamificação em contextos educacionais.
Desde a última década, avolumam-se, com o passar dos anos, os experimentos
educacionais que fazem uso de jogos e da gamificação, o que, por sua vez, dá

137
Gamificação na Educação

subsídios para o desenvolvimento de novas ferramentas, soluções, aplicativos e


jogos, e se cria, assim, um círculo virtuoso.

A principal vantagem do emprego desse tipo de ferramenta está em auxiliar


o processo de aprendizagem autônoma, a partir da qual o próprio aluno se torna
responsável pela determinação de que estratégias de aprendizado funcionam me-
lhor para ele. Dos estudos pioneiros de James Paul Gee e Marc Prensky, avan-
çamos para um cenário no qual se discute a possibilidade de termos professores
designers de experiências educacionais.

No que se refere ao aporte de jogos digitais com fins não educacionais, em


contextos de ensino, apontamos a especial contribuição que os jogos epistêmi-
cos, as simulações educacionais e os jogos persuasivos podem dar aos diferen-
tes problemas formativos que o professor tem hoje. Com base nos contextos de
alfabetização e letramento, apresentamos exemplos concretos, inclusive, com
ações sendo desenvolvidas pelo próprio Ministério da Educação.

Sistematizamos, de forma simplificada, um roteiro de considerações a respei-


to dos principais elementos que devem ser planejados, pelo docente, no momento
de elaborar um projeto de gamificação, e apontamos o passo a passo dos pontos
mais importantes. Na parte final deste capítulo, buscamos apresentar algumas
das melhores ferramentas para a gamificação, e gratuitas, as quais o professor
tem à disposição neste exato momento.

O desafio, agora, é trabalharmos com a inserção dessas ferramentas nos ci-


clos formativos docentes. A escola tradicional foi concebida e formatada há mais de
um século, assim, a nossa familiaridade com os processos dela nos dá uma falsa
sensação de segurança. O mundo está mudando por conta dos avanços tecnoló-
gicos, e o professor, também, deve esforçar para acompanhar este ritmo. Mais do
que considerar os jogos digitais e a gamificação como “meras” ferramentas de mo-
tivação e engajamento do aluno, esperamos que, ao fim da leitura deste livro, você
tenha conseguido vislumbrar o imenso potencial que os jogos proporcionam.

De fato, ao considerarmos todas as possibilidades de tornarmos os proces-


sos educacionais mais efetivos e eficazes, com os bônus de engajamento e mo-
tivação do alunado, a fim de ser proporcionada uma educação mais prazerosa e
estimulante, além de que a formação e a educação tendem, cada vez mais, a ser
etapas presentes em toda a nossa vida profissional, sentimo-nos ainda mais esti-
mulados pelo que está por vir e pelo que podemos fazer.

Esperamos que você, caro leitor, também, sinta-se assim, pois, agora, é a hora de
você começar a fazer a diferença, a se aprofundar no mundo dos jogos, a estudar a gami-
ficação e a contribuir para uma educação melhor. Faça bom uso dos estudos, aqui, feitos!

138
Capítulo 3 Gamificação E Educação

REFERÊNCIAS
ALBAINE, M.; COSTA, F. Ensino da história e games. Dimensões práticas em
sala de aula. Curitiba: Appris, 2017.

ALDRICH, C. Short Sims – A game changer. New York: CRC Press, 2020.

ALDRICH, C. Simulations and the future of learning. New York: Pfeiffer, 2003.

ALVES, F. Gamification: como criar experiências de aprendizado engajadoras,


um guia completo do conceito à prática. São Paulo: DVS Editora, 2015.

ALVES, L. Geração C e jogos digitais: produzindo novas formas de letramento


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