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A modernidade e a sociedade capitalista na passagem do

século XIX

I – A modernidade. 2

II – A Belle Époque (1870-1914): os valores da racionalidade, do


dinamismo, do progresso e da civilização.

1) O Estado-nação: a “nacionalização das massas” (George L. 4


Mosse), o nacionalismo bélico e agressivo.
2) A cidade moderna: a força da burguesia industrial. 12
3) O progresso das forças produtivas. 24

III – A face oculta da modernidade e da sociedade capitalista.

1) Os paradoxos e as ambivalências da modernidade: as questões


sociais oriundas da industrialização e da urbanização na 31
sociedade capitalista.

IV – As contradições da modernidade e da sociedade capitalista.


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“Natureza (das coisas) ama esconder-se.”


“Pólemos é de todas as coisas pai, de todas rei, e uns ele revelou
deuses, outros homens; de uns fez escravos, de outros homens.”
Heráclito de Éfeso.

“Napoleão, disse uma vez perante Goethe, que nas tragédias de nosso
tempo a política substituiu o destino nas tragédias antigas.”
G. W. Fr. Hegel, Lições sobre a filosofia da história
universal.

“Compreender o que é, é a tarefa da filosofia, pois o que é, é a razão. No


que se refere ao indivíduo, cada um é filho de seu tempo, e assim
também para a filosofia, que é a síntese de seu tempo dentro do
pensamento.”
G. W. Fr. Hegel, Princípios da Filosofia do
Direito.

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I - A modernidade

1) Modernidade

“Outros tempos, outros pássaros, outros pássaros, outros cantos."


Heinrich Heine, Atta Troll (1841).

“A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente”.


Charles Baudelaire, Le peintre de la vie moderne (1863).

2) Alberto Burgio, Nonostante Auschwitz. Il “ritorno” del razzismo in


Europa. DeriveApprodi, 2010 (tradução de João Carlos Soares Zuin para
finalidade didática)

Dialética e crise moderna.


O que é a modernidade? Podemos formular uma resposta
esquemática, por meio dos problemas, começando por enumerar os
principais processos materiais que a historiografia considera salientes
na sua constituição e consolidação.
A modernização europeia é o resultado do enredo entre a
industrialização e a urbanização, o desenvolvimento das tecnologias de
transporte e de comunicação, a formação do mercado mundial e a
intensificação das trocas comerciais, o crescimento dos aparelhos
burocrático-administrativos e a consolidação dos Estados nacionais.
Este conjunto de mudanças – que geram a sociedade de massa –
produzem relevantes consequências no plano social e político, dando
impulso ao processo de democratização (as expansões dos quadros
dirigentes e das dinâmicas de participação). Em toda a Europa – e não
somente nos países que conheceram rupturas revolucionárias – a
modernidade registra mudanças como a redução das desigualdades
materiais (econômicas) e morais (políticas, jurídicas e civis). Neste
quadro de transformações progressivas se colocam, por um lado, os
processos de individualizações e de emancipações que envolvem os
sujeitos precedentemente discriminados (em primeiro lugar os judeus,
as mulheres e os trabalhadores manuais); por outro, a formação de
uma consciência difusa dos direitos, que permite a estruturação dos
movimentos de luta (a começar pelo movimento operário e pelo primeiro
feminismo e, sucessivamente, pelos movimentos de libertação
anticolonial).

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Mas esta é a face benévola da modernização. Não é a única, há
também uma face oculta, que expressa sinais contrários. Usando uma
metáfora terrível mas exemplar, a modernidade é o terreno de uma
guerra civil entre as dinâmicas progressivas (igualitárias, universalistas)
e imposições reacionárias (hierárquicas, discriminatórias). A história da
modernidade segue o curso de uma dialética na qual todo progresso é
seguido pela presença oculta de pressões regressivas, toda mudança de
natureza democrática (inclusiva) suscita resposta de caráter oligárquico.
Em primeiro lugar no plano material. A industrialização determina a
proletarização de vastos setores sociais e a desqualificação do trabalho
manual. A urbanização é a causa do desenraizamento das classes
trabalhadoras e das crises das formas tradicionais de comportamentos
e relações. O nascimento dos grandes centros urbanos, no contexto de
uma nova divisão social do trabalho, gera também a concentração dos
poderes e saberes, o consequente reforço dos dispositivos de exclusão e
dominação. O desenvolvimento da sociedade de massa favorece os
fenômenos plebiscitários e carismáticos e a consolidação das técnicas
de governo construídas e concatenadas com as ciências biomédicas (a
foucaultiana “biopolítica”, focada na animalização dos corpos sociais). O
crescimento dos aparelhos administrativos promove uma racionalidade
de tipo burocrático (técnico) manifestada no sinal da impessoalidade
das decisões e na dissolução da responsabilidade moral. Enfim, o
protagonismo dos Estados nacionais (no contexto da divisão
internacional do trabalho em termos hierárquico) traz consigo a
arregimentação nacionalista das massas (a sua “nacionalização”) e a
intensificação da competição interimperialista e da agressividade
colonialista. Neste quadro, a Primeira Guerra Mundial produz o salto de
qualidade nos conflitos bélicos que, por um clássico efeito dominó,
envolve toda a economia-mundo capitalista, estabelecendo
drasticamente o fim da primeira fase de globalização econômica que
durou por quase meio século.
Estas consequências de ordem material foram acompanhadas por
dinâmicas “superestruturais” (no terreno cultural, ideológico e moral). A
modernidade é o tempo das crises dos tradicionais sistemas de
referências. A secularização enfraquece a condução da vida baseada na
fé religiosa, deixando insatisfeita uma necessidade primária de certeza e
de transcendência. Desprovido de respostas (de uma resposta capaz de
ser formada em um tempo veloz como o novo senso comum, a base da
cultura popular), a fundamental questão do sentido é a causa da
ansiedade e de uma desorientação que tende, por sua vez, a alimentar
as pulsões destrutivas. Mas a crise religiosa é somente o aspecto mais
evidente de uma geral crise “intelectual e moral” que se enraíza nas
transformações sociais, afetando os valores, os critérios de juízo e as
estruturas da identidade individual e coletiva. As mudanças produzidas
pela modernização são percebidas pelas pessoas em um primeiro
momento como uma perda: o ocaso de uma ordem conhecida e o
advento de um mundo caótico, desconhecido, ameaçador. O resultado
geral deste processo é, por uma parte, uma crise geral de hegemonia e
legitimação das instituições tradicionais (da família à esfera pública,
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passando pela cultura e pelas hierarquias sociais ligadas ao mundo da
produção); por outro, a procura de novas referências e quadros
valorativos (que, por sua vez, resulta na formação de novas instâncias
comunitárias e a perseverante procura de um condutor – os homens
providenciais e os líderes carismáticos – para fiar os próprios incertos
destinos de vida).”

II – A Belle Époque: os valores da racionalidade, do dinamismo, do


progresso e da civilização

1) O Estado-nação: a “nacionalização das massas” (George L.


Mosse), o nacionalismo bélico e agressivo.

a) A centralidade da política: a grandeza da pátria.

Monumento à Republica (1883)

Monumento a Vittorio Emmanuel (1911)

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Bélgica

Questões:

1) A arquitetura dos edifícios e monumentos ressaltam a força da


racionalidade (técnica e tecnologia) e da política: representa a capacidade
do ser humano e, sobretudo, da pátria, em criar a história.

2) A arquitetura é baseada na ampliação da altura, do comprimento e


da largura: a estética da grandeza visa causar espanto, admiração,
perplexidade, excitação. Os símbolos e ornamentos são os meios de
legitimação e comunicação do poder: expressam os valores nacionais,
reforçam a identidade comum entre os cidadãos, narram a história da
comunidade nacional de destino. É uma arquitetura criada para
projetar vínculos emotivos e racionais entre os indivíduos e cidadãos, o
passado e o presente, expressar o senso e o significado do espaço social
que forma a nação e sua posição no tempo histórico.

3) No edifício e no monumento público há uma nova narrativa histórica:


a força suprema da pátria. A nação envolve todos os cidadãos no mesmo
destino histórico: vencer as guerras, crescer economicamente,
conquistar e progredir em direção ao futuro redentor.

4) A arquitetura moderna é uma narrativa essencialmente política: é


produz o consenso, legitima os valores e as hierarquias de mando e
obediência, determina o senso da história.

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b) A construção do inimigo: a transformação do adversário em inimigo, a
desumanização do inimigo.

Os dois lados da fronteira: ali, as ameaças vãs: aqui, a calma e o


sangue-frio.

c) Propaganda de guerra: a capacidade da política em usar os meios de


comunicação para sacralizar a guerra, impor o sacrifício pessoal e
familiar, militarizar a infância.

A Grã-Bretanha precisa de você imediatamente

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Calorosa saudação de páscoa!

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2) A cidade moderna: a força da burguesia industrial.
a) A grande cidade, a metrópole: Paris, Londres, Berlim.

Barão Haussmann (1809 - 1891) – A reforma de Paris

Avenue de l’Opéra, Paris en 1900

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Londres, 1900

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Berlim, 1900.

b) Bulevar

Camille Pissarro (1830-1903) Boulevard Montmartre – 1887

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Camille Pissarro (1830-1903)  Avenue de l'Opéra – 1898

c) As passagens

Passage Choiseul – 1910.

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Passage Jouffroy

d) O luxo

Pierre-Victor Galland, Le bar de Maxim’s (1890)

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 Mulheres no Hipódromo de Longchamp (1908)

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e) A exposição universal

Crystal Palace criado para a Exposição Universal de1851.

A arquitetura do aço e do vidro

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Torre Eiffel (construída em 1889 para a Exposição Universal).

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e) A estação de trem

London King's Cross Railway Station (1852).

London King's Cross Railway Station.

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Gare du Nord, Paris (1846).

f) O grande magazine

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Le Bon Marché (1852): preços fixos, compra de mercadorias em grande
escala, prestações.

Questões:

1) Na arquitetura da cidade moderna prevalece a racionalidade da linha


reta. A menor distância entre dois pontos responde às exigências que a
cidade-fábrica produz: eficácia, velocidade e dinamismo na produção,
nas trocas, na mobilidade, no consumo.

2) A linha reta simboliza o senso e o significado histórico da


modernidade: a superação da lógica do sempre igual (do eterno retorno,
que simbolizava o senso da história para os antigos), produz uma nova
“crença”, “fé” no progresso: a linha reta também simboliza o estado
frenético de ir adiante e progredir, acumular e aperfeiçoar o
conhecimento, crescer economicamente em direção da sociedade
perfeita.

3) O poder do dinheiro, do dinheiro que gera o capital, cria a arquitetura


dos grandes edifícios urbanos: a sede das corporações, a bolsa de
valores. O capital industrial organiza o espaço urbano, determina a
nova lógica da urbanização da cidade: as ruas largas com calçadas, as
grandes avenidas, os bairros proletários ao redor das fábricas, o centro
comercial e bancário.

4) A burguesia industrial compôs a sua narrativa histórica na


arquitetura urbana da grande cidade: o bulevar, os grandes edifícios, as
passagens, as estações de trens, os grandes magazines, a exposição
universal representam a capacidade técnica e o poder do capital em
produzir a história: criar novas subjetividades, novas necessidades,
novos desejos e fantasias, novas identidades. A narrativa do capital
industrial enfatiza o culto do progresso:

- a percepção da natureza como sendo um arsenal de coisas e seres


para uso e proveito humano.

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- a vontade ilimitada de dominação da natureza.
- a decomposição da natureza (seres e coisas) em matéria-prima para a
construção artificial, científica e técnica, de produtos uteis e benéficos
para o ser humano.
- a ideia de que o progresso é um bem em si.

3) O progresso das forças produtivas.

a) A grande fábrica

"Les arts et métiers illustrés" par Adolphe Bitard (1895)

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O trabalho na fábrica no final do século XIX. Adolph Von Menzel (1872-
1875). 

b) O relógio

Big Ben

Estação de Trem Orsay

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c) O trem

Criado em 1804, difundido na Inglaterra em 1840

d) O navio

e) O bonde elétrico

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f) O automóvel

Véhicules de place électriques au concours de l’Automobile-Club de


France. (La Nature 1897).

Ford T (1908)

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g) A luz elétrica

Gravura do salão Edison na Exposição Universal da Eletricidade

Gravura da Central Elétrica de Edison no Brooklyn em 1890.

h) O cinema

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Cinema em Berlim

i) O rádio

j) O Zepellin e o avião

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II - A face oculta da modernidade e da sociedade capitalista.

1) Os paradoxos e as ambivalências da modernidade: as questões


sociais oriundas da industrialização e da urbanização na sociedade
capitalista.

a) A destruição da antiga cidade de Paris

Charles Marville - Travaux du Baron Haussmann - Avenue de l'Opéra.


Chantier de la Butte du Moulin et de la rue Saint-Roch.

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b) O imperialismo e a guerra

Paris após a derrota na Guerra Franco-Prussiana (1871).

c) O trabalho assalariado e a exploração da força de trabalho

Fernand Cormon, Une forge, 1893. Musée d'Orsay. 

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d) O bairro operário

Charles Dickens, Hard Times. Coketown é a cidade fictícia criada por


Dickens,

e) A pobreza, a fome e a miséria

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Desenho de uma família pobre em Paris

f) A Workhouse: casa de trabalho forçado, prisão e fábrica

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Victorian Workhouse

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Victorian Workhouse

Victorian Workhouse

Victorian Workhouse

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h) O trabalho infantil nas manufaturas

j) A massa

Multidão reunida no início da corrida Paris-Brest, 1911

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Siegel Cooper, Sixth Ave. & 18th Street by the Byron Company.

IV – As contradições da modernidade e da sociedade capitalista.

1) Os paradoxos e as ambivalências da modernidade

Positivo:

- Um nível de universalidade mais elevado, sobre o qual se apoia o


conjunto espiritual moderno: o Estado-nação e os princípios da
liberdade, da igualdade perante a lei, dos direitos civis e políticos do
cidadão.

- Uma educação teorética superior àquela da comunidade: a educação


laica.

- Uma maior diversidade de representações e conhecimentos: a


variedade de grupos sociais, profissões, identidades subjetivas que
compõem à sociedade civil.

- Uma maior mobilidade e rapidez de movimentos na produção, na


resolução dos conflitos, na comunicação, na informação, nos
transportes.

- Um nível mais elevado de entendimento: a educação pública, a


alfabetização, a consciência de classe.

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- A participação mais consciente do indivíduo, da pessoa e do cidadão
na vida pública: as emancipações, o processo de democratização, a
formação de representações sindicais e políticas.

- A cultura mais refinada, racional, capaz de estabelecer distinções e


compreensões da realidade social: as novas invenções, descobertas
técnico e científicas que promovem as revoluções nos meios de
produção, de educação, de comunicação, de transporte.

Negativo:

- O enfraquecimento de grandes massas de seres humanos pelo


trabalho assalariado e comandado pelo capital: a alienação e a
reificação do trabalhador (a repetição contínua de pequenos gestos, a
posição subalterna do trabalho vivo perante à máquina, o trabalho
morto).

- O desequilíbrio sempre maior entre a distribuição da riqueza


produzida socialmente: a grande riqueza e a grande pobreza.

- O desemprego: a vida inerte do trabalhador não requisitado pelo


capital; o fenômeno do desemprego devido à revolução técnica e
tecnológica.

- A vulnerabilidade da classe proletária: o acúmulo da incerteza, da


angústia, do medo do desemprego, da fome e da miséria.

- O desenraizamento e a desorientação do indivíduo, da pessoa e do


cidadão: os efeitos da racionalização e da modernização na destruição
dos sistemas de orientação tradicionais.
- A atomização social: a solidão do eu na grande cidade.

- O homem-massa.

2) As questões sociais oriundas da industrialização e da


urbanização na sociedade capitalista

- a desvalorização do trabalho manual.


- a proletarização.
- a condição de pobreza da classe proletária.
- a fome e a miséria.
- o trabalho infantil.
- a lógica da sociedade capitalista: a permanente destruição e criação,
criação e destruição.
- as lutas sociais.
- as lutas políticas.
- as lutas de classe entre nações imperialistas.
- a desumanização e os mecanismos de exclusão e controle social.

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- a técnica e a tecnologia.
- o desenraizamento.
- a atomização social.
- a sociedade de classes.
- a sociedade de massa.
- A “nacionalização das massas”: o nacionalismo bélico e agressivo.

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