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1
RIBEIRO, Gladys Sabina. Legalidade, legitimidade e soberania: o reconhecimento da independência
através do tratado de paz e amizade entre Brasil e Portugal (29 de agosto de 1825). IN: Anais do 2º
Seminário Regional do CEO/PRONEX – 2004.
2
ALEXANDRE, Valentim. A desagregação do império: Portugal e o reconhecimento do Estado brasileiro
(1824-1826). Análise Social, v. 121, pp. 309-341, 1993.
2
jurídica do Estado imperial brasileiro, uma vez que ele é constituído em uma conjuntura
política internacional na qual tornava-se necessária a legitimação do poder instaurado
no Brasil frente aos demais Estados da Europa. Ela explica:
3
RIBEIRO, Gladys Sabina; 2004. Sem página.
4
VATTEL, Emer de. O Direito das Gentes. Prefácio e Tradução: Vicente Marotta Rangel. Brasília: Editora
Universidade de Brasília: Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, 2004.
5
SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os economistas); 2v.
6
LISBOA, José da Silva. Princípios de Economia Política. Edição comentada e anotada pelo Prof. Alceu
Amoroso Lima. Pongetti, 1956.
3
“(...) não era válido dizer-se ‘reciproca’ a liberdade que se dava aos navios
portugueses de levarem mercadorias nossas para a Inglaterra e aos navios
britânicos de trazerem as suas directamente para Portugal, quando, refere, ‘todo
o mundo sabe que enquanto dous ou tres navios portuguezes navegão para
Inglaterra, vem de lá duzentos ou trezentos’ para os portos nacionais.”8
Críticas similares, muito provavelmente fundamentadas nos testemunhos desses
contemporâneos, podem ser observadas em muitas obras que abordaram o tema ao
longo dos séculos XIX e XX. O português Eduardo Brazão, por exemplo, em sua
História Diplomática de Portugal (vol. 1) de 1932, dizia que o tratado de 1810 era
lesivo aos interesses econômicos portugueses, uma vez que “Portugal obrigava-se a não
fazer qualquer regulamento que pudesse vir a prejudicar o comércio inglês, e a
Inglaterra, por seu lado, obrigava-se unicamente a tratar-nos como a nação mais
favorecida”9. Doze anos depois, em Uma História Diplomática do Brasil (1531-1945),
José Honório Rodrigues partia das diferenças existentes entre os valores das taxas de
importação estipulados no tratado para fundamentar suas críticas.
7
RABELO, Pedro Henrique de Mello. Os tratados de amizade, navegação e comércio na constituição do
Estado imperial brasileiro (1808-1829). Anais Eletrônicos do XXVIII Simpósio Nacional de História –
Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios –, Florianópolis (SC), 27 a 31 de julho de 2015.
8
LUÍS, Francisco de São. Que effeitos produzio o tratado de 1810? IN: Arquivo da Família Caldeira,
“Gavetão”.
9
BRAZÃO, Eduardo. História Diplomática de Portugal. Vol. I. Lisboa: 1932.
4
Por outro lado, Fernando Novais13, e mais intensamente José Jobson de Arruda14 –
autor de admiráveis contribuições aos estudos do comércio colonial do Brasil –,
interpretaram o tratado de 1810 como sendo parte de um processo de decadência do
sistema colonial português em suas possessões americanas, por meio do qual Portugal
perdia, gradativamente, sua importância nas relações comerciais do Brasil. Jobson de
Arruda, especificamente, no livro que publicou em comemoração ao bicentenário da
abertura dos portos, referiu-se à liberalização comercial do Brasil da seguinte maneira:
10
RODRIGUES, José Honório. Uma História Diplomática do Brasil (1531-1945). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995.p. 107.
11
CARDOSO, José Luís. O pensamento económico em Portugal nos finais do século XVIII, 1780-1808.
Lisboa: Editorial Estampa, 1989.
12
MACEDO, Jorge Borges de. Problemas da História da Indústria portuguesa. Lisboa: 1963.
13
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo:
Hucitec, 1983.
14
ARRUDA, José Jobson de A. O Brasil no comercio colonial. São Paulo: Ática, 1980.
5
Colônia e para além dos limites do próprio Império português, pois se aloja no
Foreign Office, no coração político do Império Britânico”.15
Qualquer estudo mais aprofundado do texto do tratado, no entanto, é suficiente
para se perceber que a interpretação de muitos de seus acordos requer uma reavaliação.
Isso é o que propunha, já em 1984, o professor português Luís António de Oliveira
Ramos, então reitor da Universidade do Porto. Para ele:
Tal proposta, infelizmente, não tem tido muito sucesso de 1985 para cá. Ainda há
pouca comunicação, principalmente no Brasil, entre a História Política Renovada e a
História Econômica e um dos sinais disso é a persistência de conhecimentos
desatualizados acerca do tratado de 1810. Em relação a isso, um ou dois exemplos serão
suficientes para se compreender o problema.
15
ARRUDA, José Jobson de Andrade. Uma colônia entre dois impérios: a abertura dos portos brasileiros
(1800-1808). Bauru: Edusc, 2008. p. 13.
16
RAMOS, Luís A. de Oliveira. Em torno do tratado de 1810. Comunicação proferida na Universidade do
Porto, 1985. p. 337.
17
RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. São
Paulo: Difusão europeia do livro, 1967.
18
RAMOS, Luís A. de Oliveira; 1985. p. 332.
6
19
MATTOS, Ilmar Rohlloff. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade
política. Forum Almanack Braziliense, n. 1, pp. 8-26, maio de 2005.
20
NEVES, Lúcia M. Bastos. Estado e política na independência. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O O
Brasil imperial. 3 vols. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 124.
7
21
Alvará de 25 de abril de 1818.
22
GUIMARÃES, Carlos Gabriel. O comitê de 1808 e a defesa na corte dos interesses ingleses no Brasil.
Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades, UFRN, Caicó
(RN), v. 9, n. 24, set./out. 2008. p. 7. Ver também: SILVA, Camila Borges. Uma perspectiva atlântica: a
circulação de mercadorias no Rio de Janeiro após a transferência da Corte portuguesa para o Brasil
(1808-1821). Navigator, v. 8, n. 16, pp. 21-34, 2012. p. 30.
23
Artigo 8º do Tratado de Comércio e Navegação. Disponível no ANTT.
24
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos negociantes: mercadores das Minas setecentistas. São
Paulo: Annablume, 1999.
25
RIBEIRO, Jorge Manuel Martins. Comércio e diplomacia nas relações luso-americanas (1776-1822).
1997. 1000f. Tese (Doutorado em História Moderna e Contemporânea) – Faculdade de Letras,
Universidade do Porto, Porto, 1997. p. 84.
8
Segundo relato de Henri Hill – cônsul dos Estados Unidos enviado a Salvador em
1808 –, as manufaturas têxteis britânicas tinham aceitação limitada no Brasil, sobretudo
as de lã. Para ele, o comércio da Grã-Bretanha no Brasil não galgaria muito sucesso nos
anos seguintes, pois os negociantes britânicos não participavam do comércio de gêneros
de “primeira necessidade”, o qual movimentava boa parte do mercado.
Isso não torna possível afirmar, contudo, que as produções têxteis britânicas não
tivessem boa participação no comércio do Brasil ou que não encontraram aqui um bom
destino frente à impossibilidade de serem importadas na Europa ou nos Estados Unidos.
Por outro lado, o trecho da carta do cônsul estadunidense ao seu governo evidencia
alguns limites à ideia da existência de um domínio comercial britânico no Brasil pós-
1808. Certamente os “artigos de primeira necessidade” a que Hill se referia eram os
gêneros ligados ao consumo interno, tais como a carne seca, as farinhas – de trigo e
mandioca –, o arroz, a aguardente27, e mesmo alguns artigos importados, como o vinho,
o bacalhau e o azeite 28, a cujo comércio os britânicos tinham pouca participação. E
mesmo o comércio dos artigos têxteis, que era o mais movimentado pelos negociantes
britânicos no Brasil, deve ser analisado com cuidado. Boa parte das produções têxteis
britânicas enviadas ao Brasil eram tecidos grosseiros de algodão, e sabe-se que em
muitas regiões do interior de algumas capitanias, como Minas Gerais 29 e Santa
Catarina30, por exemplo, existiam produções similares, cujos tecidos fabricados eram
utilizados para vestir uma considerável parcela da sociedade, especialmente as camadas
populares e os escravos. Essa produção interna tinha tanta expressividade que Henri Hill
chegou a mencioná-la em sua carta ao governo dos Estados Unidos. Hill escreveu:
26
HILL, Henri. A view of the commerce of Brazil. Edição bilíngue do Banco da Bahia S.A, 1964. p. 36.
27
FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio
de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
28
RIBEIRO, Jorge Manuel Martins; 1997.
29
LIBBY, Douglas Cole. Protoindustrialização em uma sociedade escravista: o caso de Minas Gerais. IN:
SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral. História Econômica da Independência e do
Império 2002. 2ª ed. – São Paulo: Hucitec; ABPHE; EDUSP; Imprensa Oficial, 2002.
30
SILVA, Augusto da. A economia da ilha de Santa Catarina no império português (1738-1807). II
Encontro de Economia Catarinense – Artigos Científicos – Área temática: Desenvolvimento regional. 24,
25 e 26 de abril de 2008 – Chapecó – SC.
9
31
HILL, Henri; 1964. p. 36.
32
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Melhoramentos no Brazil: integração e mercado na América
portuguesa (1780-1822). 2001. 359f. Tese (Doutorado em História) – PPH/UFF, Niteroi, 2001. p. 39.
10
33
A expressão foi cunhada por Oliveira Lima em sua obra sobre D. João VI. Ver: LIMA, Manuel de
Oliveira. Dom Joao VI no Brazil, 1808-1821. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 1908.
34
JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional brasileira. Revista de História das Ideias, v. 21, pp. 389-440, 2000.
35
“Projetos centrais” devem ser aqui entendidos de maneira similar à interpretação proposta por Théo
Lobarinhas acerca da relação entre o liberalismo e a independência do Brasil. De acordo com o autor, na
independência ocorreu uma aliança entre liberais aristocráticos e democráticos, cuja parceria, em um
primeiro momento, enfraquecera as ideias favoráveis à união com Portugal, mas, que no período
posterior à emancipação, abriu espaço a constituição de um governo mais centralizado e autoritário no
Rio de Janeiro, simbolizado pela dissolução da Constituinte de 1823 e pela outorga da Carta de 1824.
Ver: PIÑERO, Théo Lobarinhas. Os projetos liberais no Brasil império. Passagens: Revista Internacional
de História Política e Cultura Jurídica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, pp. 130-152, maio-agosto, 2010. p. 136.
36
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Repercussões da revolução: delineamento do Império do Brasil,
1808-1831. IN: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo; 2010. p. 40.
11
37
ANDRADE, Breno Gontijo. A guerra das palavras: cultura oral e escrita na Revolução de 1817. 2012.
297f. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. p. 226.
38
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Os panfletos políticos e a cultura política da independência do
Brasil. IN: JANCSÓ, István. Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2005. p.
653.
39
RIBEIRO, Gladys Sabina; 2004.
40
NEVES; 2005. p. 659.
12
entranhas”41. Nesse caso, especificamente, o padre Luís Gonçalves dos Santos – quem
respondera o artigo português – também não se opunha ao tratado comercial,
propriamente. Seu objetivo, ao contrário, parecia ser sublinhar a função do tratado
como legitimador da emancipação mercantil do Brasil, que ao lado da elevação à
categoria de reino, impediria qualquer possível submissão a Portugal, já que contavam
então com o mesmo estatuto jurídico dentro do Império como um todo, o que, por sua
vez, reforçava a soberania do Brasil como corpo político-econômico autônomo42.
Por isso é extremamente necessária a consideração da complexidade da
conjuntura político-econômica do período. Quando se analisa o tratado de 1810 em si
mesmo, ou por meio de uma análise estritamente política ou estritamente econômica,
se perde a visão da conjuntura e da grande diversidade de projetos políticos – que
também contemplavam questões de cunho econômico – existentes. Compreender o
princípio de soberania, nesse caso, também é de extrema importância. Não apenas do
ponto de vista do projeto político central, que buscava a soberania do Estado e da
monarquia bragantina, somente. Mas, sobretudo, dos pontos de vista desses diversos
outros projetos políticos, cujas análises amplificam a compreensão dos tratados de
amizade, comércio e navegação, em específico, e da independência do Brasil, em
geral.
Isso não torna menos importante, contudo, a compreensão dos efeitos dos
acordos comerciais do tratado de 1810, ou de qualquer outro tratado de amizade,
comércio e navegação, sobre o desempenho da indústria ou do comércio de Portugal,
nem o entendimento dos impactos sobre as relações entre a metrópole portuguesa e a
colônia brasílica. Apenas torna também importante a compreensão da diversidade de
reações políticas aos tratados, sobretudo para as análises que de alguma maneira
relacionarem as dinâmicas do comércio, os relacionamentos externos de Portugal e o
processo de independência do Brasil. Não se trata de uma tarefa descomplicada. Mas,
certamente, a proposta interdisciplinar do professor Luís de Oliveira Ramos é um
ótimo começo.
41
NEVES; 2005. p. 659.
42
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Soberania sem independência: aspectos do discurso político e
jurídico na proclamação do Reino Unido. Tempo, n. 31, pp. 89-116, fevereiro de 2011.