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Direito Civil I

A) Coação:
- Noção: é todo tipo de pressão exercida sobre uma pessoa para
forçá-la a praticar determinado NJ (art. 151, caput: “a coação, para viciar
a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado
temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos
seus bens”).
É a chamada vis compulsiva, ou seja, constrangimento psicológico
(daí a expressão destacada no sentido de incutir, inspirar, sugerir à pessoa
coagida algum temor).
O CC sequer aborda a vis absoluta, ou seja, o constrangimento
corporal que reduz a pessoa a mero instrumento passivo, mas, se tal
ocorrer, a hipótese também será de coação.

- Pressupostos: ameaça grave, injusta e iminente de dano à vítima, à


sua família ou aos seus bens.

Ameaça: motivo determinante da realização do NJ.

Grave: a gravidade depende da situação do coator e da vítima (art.


152: “no apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais
circunstâncias que possam influir na gravidade dela”), quer dizer, para a
caracterização do “fundado temor de dano”, há se levar em conta os fatores
como idade, sexo, condição geral, saúde e temperamento, pelo que se pode
concluir que o CC adotou o critério concreto para a determinação da
gravidade (e não o abstrato).

Injusta: critério do art. 153 (“não se considera coação a ameaça do


exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”), pelo
qual não se consideram injustas ameaças relacionadas ao exercício normal
de um direito ou o mero temor reverencial.
Exs.: devedor que é ameaçado de ser processado caso não pague a
dívida, e receio de o descendente desgostar ascendente a quem se deve
obediência e respeito.

Iminente: atual, inevitável, cujos efeitos seriam sentidos desde logo.

De dano à vítima, à sua família ou aos seus bens: auto-explicativo,


e se a coação disser respeito a pessoa não integrante da família, analisar-se-
á se o caso é de anulabilidade (art. 151, parágrafo único: “se disser respeito
a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas
circunstâncias, decidirá se houve coação”).

- Coação de terceiros: prevista nos arts. 154 e 155, pela qual a


coação é exercida por terceiro que não é parte no NJ viciado pela ameaça
grave, injusta e iminente de dano à vítima, à sua família ou aos seus bens.

“Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela
tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta
responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.

Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro,


sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento;
mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver
causado ao coacto”
Efeitos: se a parte a quem aproveita a coação tivesse ou devesse ter
conhecimento da mesma, o NJ é anulável, e tanto a mesma como o coator
respondem solidariamente (art. 154).
Mas, se não havia condições desse conhecimento, o NJ é válido,
respondendo apenas o agente pela ameaça (art.155).

B) Estado de Perigo:
- Noção: NJ celebrado com enorme desproporção entre prestação e
contraprestação, causada por necessidade de salvamento (próprio ou de
alguém da família), nos termos do art. 156, caput: “configura-se o estado
de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a
pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume
obrigação excessivamente onerosa”.
Exs.: vítima de naufrágio que doa bens móveis de alto valor para ser
salvo; pessoa que se compromete a pagar altíssimo valor para alguém da
família ser salvo de incêndio.

- Pressupostos: necessidade de salvamento conhecida pela outra


parte, iminência de dano à vítima ou à sua família, assunção de obrigação
excessivamente onerosa.

Necessidade de salvamento conhecida pela outra parte: situação


extrema vivida por uma pessoa, da qual a outra parte se aproveita.

Iminência de dano à vítima ou à sua família: igual à coação, e se


disser respeito a pessoa não integrante da família, analisar-se-á se o caso é
de anulabilidade (art. 156, parágrafo único: “tratando-se de pessoa não
pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as
circunstâncias”).

Assunção de obrigação excessivamente onerosa: desproporção


entre prestação e contraprestação, com a nota de que, aqui, a desproporção
é inicial.
Se se tratasse de desproporção superveniente, tal redundaria em
outro instituto, qual seja, o da teoria da imprevisão (também denominada
de cláusula rebus sic stantibus), pelo qual a prestação se torna
extremamente onerosa devido a circunstâncias futuras, alheias à vontade,
cujas consequências possíveis são a resolução pura e simples, sem direito a
perdas e danos (art. 478) ou a revisão do contrato (arts. 479 e 480), de sorte
que o mesmo continua em vigor, ou seja, há uma readequação dos
elementos onerosidade/comutatividade (voltam a ser como eram antes).

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a


prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com
extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da
citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar


equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,


poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo
de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”
Critério para a apuração da desproporção das prestações (art. 157, §
1º): valores da época da realização do NJ (dispositivo da lesão, aplicado
por analogia): “aprecia-se a desproporção das prestações segundo os
valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico”.

C) Lesão:
- Noção: NJ celebrado com enorme desproporção de prestações,
causada por inexperiência ou por necessidade premente, nos termos do
art. 157, caput: “ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta”.
Exs.: imóvel vendido por valor irrisório por pessoa de poucas letras;
imóvel vendido por valor irrisório por pessoa que precisa se mudar de
cidade em função do emprego.

A diferença específica entre o estado de perigo e a lesão é essa:


nesta se trata de qualquer necessidade premente, ao passo que naquela a
necessidade é ligada à própria sobrevivência da pessoa.

- Pressupostos: inexperiência ou necessidade premente, assunção de


obrigação excessivamente onerosa.

Inexperiência ou necessidade premente: circunstância que deve ser


determinada pontualmente, caso a caso.

Assunção de obrigação excessivamente onerosa: vide estado de


perigo.
Critério para a apuração da desproporção das prestações (art. 157, §
1º: “aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes
ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico”): valores da época da
realização do NJ.

- Readequação da onerosidade do NJ, visando ao seu


prosseguimento: possível, consoante o art. 157, § 2º: “não se decretará a
anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito”.

D) Fraude Contra Credores:


- Introdução: toda obrigação jurídica é constituída por dois
elementos fundamentais, a saber:
dívida e
responsabilidade patrimonial.

O significado disso é que a pactuação de uma obrigação gera uma


dívida (comportamento do devedor que impõe ao mesmo dar, fazer ou não
fazer alguma coisa).
E, se a dívida não for paga, quer dizer, se a obrigação não for
cumprida, tal acarreta a responsabilidade patrimonial do devedor (fica
sujeito às ações judiciais cabíveis por parte do credor, que procurará ver-se
pago com bens constantes do patrimônio ativo do devedor).

- Muito antigamente, a responsabilidade do devedor recaía não sobre


o seu patrimônio ativo, e sim sobre seu corpo diretamente (poderia ser
reduzido à condição de escravo, ser mutilado ou até mesmo morto pelo
credor), o que restou superado apenas com o advento da lex poetelia
papiria.

- Seja como for, a ideia central, até aqui, é a de que os bens do


devedor garantem o cumprimento da obrigação.
Ou seja, bens do devedor = garantia geral do pagamento da
dívida (ou garantia geral do cumprimento da obrigação).

- Noção de fraude contra credores: dá-se quando o devedor


frustra essa garantia, mediante o comprometimento deliberado ou
involuntário de seu patrimônio ativo, fazendo com que, assim, reduza ou
desapareça a mesma.
É a mens legis do art. 158, caput: “os negócios de transmissão
gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já
insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore,
poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus
direitos”.

- A nota distintiva é que basta a caracterização do elemento objetivo


(frustração da garantia) para a conceituação do instituto, o que se denota da
expressão “ainda quando o ignore” contida no art. 158, caput.
Isso não quer dizer que inexista elemento subjetivo (propósito de
frustração da garantia), mas é desconsiderado para fins de concretização da
fraude contra credores.
Noutros termos, a intenção fraudulenta é do tipo in re ipsa, vale
dizer, remanesce implícita, independendo, pois, de prova.
- A verificação do elemento subjetivo (intenção de prejudicar
credores) somente é verificável para fins de eventual proteção aos terceiros
adquirentes de boa-fé, nos termos do art. 161, a contrario sensu, como o
que ocorre, por exemplo, quando o devedor doa bem para alguém, que o
vende a terceiro de boa-fé (“a ação, nos casos dos arts. 158 e 159 , poderá
ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a
estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam
procedido de má-fé”).
Tal redunda, em suma, numa contradição em termos, já que o termo
‘fraude’ designa justamente esse elemento subjetivo (consilium fraudis), ao
passo que o objetivo é denominado de eventus damni.
Acontece que, historicamente falando (Direito Romano), havia a
necessidade da comprovação da má-fé do devedor, o que modernamente se
dispensa.

- Elementos: atos de transmissão gratuita de bens ou remissão de


dívida, insolvência, credores quirografários e sistema geral de garantia.

1-) Atos de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida:


doação (art. 538 e ss.) e perdão de dívida (art. 385 e ss.), exceto atos de
cunho ordinário que visam à própria manutenção e subsistência (art. 164:
“presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários
indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou
industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família”), como o que
acontece, v.g., com a reposição de estoque feita por comerciante ou a
aquisição de mantimentos para o lar.
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por
liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de
outra”
“Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação,
mas sem prejuízo de terceiro”

2-) Insolvência: verifica-se quando o valor das dívidas excede a


importância dos bens do devedor.

3-) Credores quirografários: do grego chiro (mão), significando


que o credor quirografário é aquele que possui apenas um pedaço de papel
nas mãos, ou seja, o NJ que criou a obrigação; por outras palavras, a única
garantia que possui são os bens do devedor, de maneira geral.

4-) Sistema geral de garantia: o definido pela presença dos bens do


devedor (seu patrimônio ativo).

E) Temas Complementares à Fraude Contra


Credores:
Tratam-se dos contratos onerosos, pagamento antecipado de dívidas,
sistema especial de garantia, credores reais, concessão de garantias, ação
pauliana, FCC incidental, e fraude à execução.

- Contratos onerosos: aqueles nos quais há afetação patrimonial


positiva e negativa para ambas as partes, ao mesmo tempo; em princípio,
não implicam em FCC, a não ser na hipótese do art. 159 (insolvência
notória ou conhecida pela outra parte = presença de elemento subjetivo),
mas o adquirente dos bens do devedor insolvente pode evitar a
anulabilidade depositando o preço em juízo (art. 160).
“Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor
insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser
conhecida do outro contratante.

Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver
pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á
depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.

Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá


depositar o preço que lhes corresponda ao valor real”

- Pagamento antecipado de dívidas: caso do art. 162, mediante o


qual um dos credores quirografários recebe dívida vincenda, porém ainda
não vencida; a situação gera a obrigação de se devolver o quantum
recebido em benefício do rol de credores: “o credor quirografário, que
receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida,
ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de
efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu”.

- Sistema especial de garantia: a par do sistema geral de garantias,


denotado pelos bens do devedor, pode-se lançar mão de reforço; são as
chamadas garantias pessoais (aval e fiança) e reais (penhor, hipoteca e
anticrese).

- Credores reais: ou com direito real de garantia; não possuem


interesse na FCC, porquanto podem excutir os bens dados especificamente
em garantia, tenham ou não sido alienados pelo devedor.

- Concessão de garantias: devedor insolvente que confere garantia


especial a um dos credores (art. 163: “presumem-se fraudatórias dos
direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor
insolvente tiver dado a algum credor”); isso privilegia determinado credor
(que deixa de ser quirografário) em detrimento dos outros, o que conduz à
anulabilidade do NJ também.

- Ação pauliana: origem da denominação por causa de um pretor


romano chamado Paulo, é também designada como ação revocatória (arts.
161 e 165), de rito comum.
Deve ser movida contra todos os interessados (devedor, beneficiário
e terceiro adquirente), em regime de litisconsórcio passivo necessário (arts.
114 e 115, CPC), e objetiva a desconstituição do(s) NJ(‘s) que
implicou(aram) na diminuição do patrimônio ativo do devedor, retornando-
se, assim, ao status quo ante.
“Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser
intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a
estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam
procedido de má-fé.

Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante


reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso
de credores.

Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir


direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua
invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada”

“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou


quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da
sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.

Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do


contraditório, será:

I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que


deveriam ter integrado o processo;
II - ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.

Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o


juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser
litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do
processo”

- FCC incidental: às vezes o instituto aparece incidentalmente com


outras figuras, como o que acontece, por exemplo, na renúncia fraudulenta
da herança (art. 1.813, caput: “quando o herdeiro prejudicar os seus
credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz,
aceitá-la em nome do renunciante”), ou na simulação (vide aula seguinte).

- Fraude à execução: incidente processual que pressupõe ação já em


curso perante o devedor, o qual pratica atos de alienação ou oneração de
bens (art. 792, CPC).
Caracterizada pela presunção de conhecimento do registro da
penhora ou da má-fé do terceiro adquirente (Súmula nº 375, STJ).

“Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à


execução:

I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com


pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido
averbada no respectivo registro público, se houver;

II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do


processo de execução, na forma do art. 828 ;

III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca


judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde
foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra
o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V - nos demais casos expressos em lei.

§ 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao


exequente.

§ 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro


adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a
aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no
domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.

§ 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a


fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja
personalidade se pretende desconsiderar.

§ 4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o


terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no
prazo de 15 (quinze) dias”

“Súmula nº 375, STJ: o reconhecimento da fraude à execução depende do


registro da penhora
do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”

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