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SEGURANÇA E
DEMOCRACIA
Nº 30
MAIO
2016
RESUMO
A aplicação das normas tradicionais relativas à responsabilidade civil impunham ao
trabalhador lesado que fizesse a prova de o acidente ter ocorrido por facto imputável à
entidade empregadora.
Com base na teoria das condições equivalentes relativa à prova da causalidade dos
fenómenos de Stuart Mill estabeleceu-se que os acidentes ocorridos em tempo e local de
trabalho na generalidade estabeleciam um direito a indemnização pela perda da
capacidade de trabalho. Surgiu então no Direito a formulação da «responsabilidade pelo
risco».
A perda de capacidade de trabalho causada por acidentes ocorridos na deslocação
do trabalhador entre sua casa e o local do trabalho produzem hoje os mesmos efeitos que
os acidentes ocorridos em tempo e local de trabalho. Com estas disposições a lei prevê
não só a indemnização decorrente do acidente de trabalho mas um seguro social devido
ao prestador de trabalho.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 30 | maio de 2016 1
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº 30
MAIO
2016
PALAVRAS-CHAVE
Acidente de trabalho, responsabilidade pelo risco.
ABSTRACT
The traditional rules on liability established that in case of work accident the injured
employee had to prove that the accident occurred for reasons attributable to the employer.
Based on the theory of equivalent conditions on the proof of causality of phenomena Stuart
Mill it was later established that the accidents occurred in worktime and workplace in general
would generate a right to compensation for loss of earning capacity by the employee based
on strict liability.
The loss of earning capacity caused by accidents occurred in the way between
workers home and workplace today produce the same effects as the accidents of time and
place of work. In this case law provides not only the due compensation for work accidents
but a social insurance due to work provider.
KEYWORDS
Work accident, strict liability.
CAPÍTULO I: RISCO
Começaria por referir a relevância para as considerações sobre risco e proteção em
geral um artigo colocado no site da Ordem dos Engenheiro acerca o terramoto de 1755 1.
Lê-se nele:
«Portugal era um importante protagonista na Europa do tempo; os ecos e as
circunstanciadas notícias do desastre deram não só testemunho da magnitude da tragédia
e do horror vividos, como realçaram a importância e o prestígio da cidade de Lisboa no
contexto europeu: metrópole de um império colonial, centro difusor do catolicismo e grande
1 Em 2015.06.13 em http://www.ordemengenheiros.pt/pt/centro-de-informacao/dossiers/historias-da-
engenharia/dimensoes-e-replicas-intemporais-do-terramoto-de-1755/
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entreposto comercial. O que por aqui se passava, fosse de raiz natural, divina ou humana,
tinha inevitavelmente repercussões em todo o Continente. O apoio das cortes europeias e
o socorro internacional mostraram a existência de uma unidade inesperada, em torno de
um acontecimento trágico e irrepetível.»
«Antes de mais, porque o Terramoto de Lisboa de 1755 marcou, no contexto do
espírito das luzes, o surgimento da primeira catástrofe com sinal de modernidade. Entre
outras razões, porque a notícia da sua ocorrência atravessou toda a Europa com uma
profundidade e rapidez inusitadas e desencadeou um enorme debate sobre a natureza dos
cataclismos naturais retirando-lhe contornos morais e, sobretudo, o carácter
essencialmente divino, remetendo-os para a esfera laica: no quadro de um novo
pensamento filosófico, então em gestação, a ira de Deus vai ser substituída por um esforço
de compreensão racional e científica do fenómeno.»
«Depois, porque deu início a uma nova forma de gestão das catástrofes, permitindo
que o despotismo iluminado exercesse, em esplendor, todo o seu poder quer no que
respeita aos procedimentos de auxílio prestado às populações logo após a ocorrência,
designadamente pela pronta intervenção das autoridades reprimindo impiedosamente os
saques, pelo apoio prestado às populações desamparadas, pelo tratamento dado aos
milhares de mortos, pela tomada de medidas de saneamento mais urgentes, quer,
sobretudo, no que se refere à conceção e reconstrução da nova cidade de Lisboa, fazendo
emergir rapidamente uma visão criadora a partir do caos instalado e da extensão
apocalíptica da calamidade.»
Este texto permite apontar alguns caminhos de interpretação ao tema que me
proponho abordar, a proteção ao trabalhador prevista na lei dos acidentes de trabalho.
A assunção da ideia de catástrofe, de grande acontecimento causador de danos, ou de
acidente decorrente de uma atividade social, uma multiplicidade de acidente ocorridos da
mesma forma e pelos mesmos motivos, como um acontecimento com repercussões para
além da individual, com repercussões sociais.
A ideia de que os acidentes decorrentes da forma de organização social,
nomeadamente os acidentes de trabalho, tem repercussões para a humanidade inteira e
não apenas locais.
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b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início,
em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também
com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
O artigo 15º vem excluir da obrigação de reparação o acidente que provier de força
maior e vem definir os termos em que o faz:
1 - O empregador não tem de reparar o acidente que provier de motivo de força
maior.
2 - Só se considera motivo de força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis
da natureza, independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas
condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente ordenado pelo
empregador em condições de perigo evidente.
Podemos assim caraterizar acidente de trabalho indemnizável como o acidente (o
evento de que resultam danos para o trabalhador) ocorrido em tempo e local de trabalho 2
desde que não ocorra uma causa de descaraterização prevista na lei.
A lei define o acidente de trabalho indemnizável, conceito que pode ser entendido
de maneira diferente de acidente de trabalho pois o que se refere na lei é a possibilidade
de os danos resultantes do acidente gerarem um direito a reparação 3 e não a doutrinação
sobre o caráter laboral ou não de um acidente.
O objeto da reparação também por sua vez é primacialmente a capacidade do
exercício de trabalho, não qualquer incapacidade ou a dor física, estas estarão
subordinadas à norma geral do n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, como resulta do
disposto no n.º 3 do artigo 283º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12
de Fevereiro.
Com as limitações previstas nos artigos 14º e 15º da Lei, relativamente a acidentes
para os quais se verificou a concorrência de condutas tipificadas do trabalhador
(dolosamente provocado, com violação das condições de segurança estabelecidas na lei
2O acidente equiparado a acidente de trabalho previsto no artigo 9º da lei que se refere a acidentes na deslocação de e
para o trabalho não será considerado neste momento.
3 Reparação como noção mais lata que a de indemnização, pois inclui a obrigação de tratamento e não só a
indemnização conforme o artigo 23º da Lei.
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4 Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1982.
5 Op. Cit. Página 557.
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6 Abordar-se-á a importância da prova como categoria lógica determinante da instituição da responsabilidade pelo risco.
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7 Beck, Ulrich, Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade, Editora 34, S. Paulo, 2010, página 62.
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apanhar um choque eléctrico pelo contacto entre o cabo a que estava preso e a extensão
eléctrica que se encontrava em cima do telhado, não configura uma voluntária e consciente
violação das condições de segurança impostas pelo empregador.»
Ou o Acórdão do TR Guimarães de 2015.02.12 19 «Não se tendo provado a
existência de uma regra de conduta aplicável à operação desenvolvida ou qualquer ordem
transmitida ao trabalhador, e, bem assim, a violação consciente de alguma regra, antes
emergindo dos factos que o trabalhador não usou dos cuidados devidos, falha o
preenchimento dos pressupostos de descaracterização do acidente.»
O n.º 2 do preceito clarifica que a instrução de segurança deve ser dirigida à
capacidade efetiva de entendimento do trabalhador face ao seu grau de instrução ou de
acesso à informação, remetendo assim para a entidade empregadora a responsabilidade
por verificar que as instruções são realmente apreendidas.
Deste modo a prova de que a violação das regras se deveu ao trabalhador é ónus
da entidade empregadora (ou da seguradora que assuma a responsabilidade por
transferência).
Pode dar-se como exemplo de regras de segurança o Decreto n.º 41821/58, de 11
de Agosto, que estabelece o REGULAMENTO DE SEGURANÇA NO TRABALHO DA
18
http://www.dgsi.pt/JTRP.NSF/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f92fa9afbaa83d44802576b200589396?OpenDocu
ment
19
http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c908696dfecd8c9980257dff005ba03c?OpenDocu
ment
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20 http://www.trp.pt/seleccionada/social/244-social212-10-9ttvng-p1.html
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http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cd0af6ec10e03504802572d6004b9a02?OpenDocume
nt
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http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/da27fe8bae08ec6e802568fc003afe62?OpenDocument
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26 Disponível em fesete.pt/portal/docs/pdf/cartazacidentes.pdf
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CONCLUSÃO
A resposta a catástrofes com projeção internacional como o terramoto de Lisboa de
1755 abriu o caminho à consideração da resposta social a acidentes que se apresentavam
com um caráter menos localizado e mais difuso.
Essa resposta impôs-se com a multiplicação dos acidentes de trabalho decorrente
da industrialização e com a gravidade aumentada das consequências destes, que levou à
consciência de que este risco e esta perigosidade aumentadas impunham uma resposta
social.
A aplicação das normas de direito tradicionais relativas à responsabilidade civil
aquiliana imporiam ao trabalhador a demonstração de que o acidente ocorrera por facto
imputável a título de culpa e de causalidade à entidade patronal, pelo que se desenhou
uma forma de acautelar a reparação dos acidentes de trabalho que fosse baseada em
princípios diferentes.
Surgiu assim a «responsabilidade pelo risco» forma doutrinária que iria ser aplicada
não só a acidentes de trabalho mas também a outro tipo de acidentes decorrentes de
atividades que a modernidade impôs e que na esteira da legislação laboral vieram a impor-
se como geradoras de reparação social, nomeadamente a condução de automóveis.
A ideia informadora da inovação da «responsabilidade pelo risco» é a estipulação
de uma «condição equivalente» na esteira do pensamento de Stuart Mill em relação à prova
da causalidade dos fenómenos.
O acidente de trabalho indemnizável, em que o objeto de reparação é a capacidade
de trabalho, será o ocorrido em tempo e lugar de trabalho desde que não ocorrido por
motivo de força maior ou com culpa grave do trabalhador, o que inclui o dolo e a violação
das regras de segurança.
A atual previsão legal da figura do acidente de trabalho indemnizável inclui os
acidentes ocorridos na deslocação de e para o trabalho, ou outras situações como a procura
de novo emprego, em condições normais de risco para qualquer pessoa. Esta previsão não
é a clássica do acidente de trabalho, associada ao risco profissional, mas uma previsão
relacionada com a função social do trabalho, com o papel dos trabalhadores na sociedade,
não visa reparar a perda de capacidade de trabalho mas uma função de seguro social.