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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE ARQUITETURA, ENGENHARIA E TECNOLOGIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Ana Paula Barcelos dos Santos

Karine Hellen Silva Pimenta

Mirely Felippe de Oliveira

Centro Político Administrativo: Análise do complexo do Palácio Paiaguás

CUIABÁ

AGOSTO, 2019
Ana Paula Barcelos dos Santos

Karine Hellen Silva Pimenta

Mirely Felippe de Oliveira

Centro Político Administrativo: Análise do complexo do Palácio Paiaguás

Artigo sobre arquitetura mato-grossense nos


anos 70, Palácio Paiaguás. Elaborado para a
disciplina de Arquitetura Brasileira II, no
curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Mato Grosso, com
o intuito de obtenção de nota.

Docente: Dr. Ricardo Silveira Castor

CUIABÁ

AGOSTO, 2019

2
Sumário
RESUMO ...................................................................................................................... 6
01 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 8
02 CONTEXTO HISTÓRICO ........................................................................................ 8
03 CENTRO POLÍTICO ADMINISTRATIVO ............................................................... 12
04 CONJUNTO HABITACIONAL ................................................................................ 17
05 ANÁLISE DO PALÁCIO PAIAGUÁS ...................................................................... 20
06 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 28
07 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 29

3
Índice de Ilustrações:

Figura 1 - Mapa da Marcha para o Oeste. Fonte: MFD - Museu da Fotografia


Documental. ................................................................................................................. 8
Figura 2 - Demolição Catedral do Senhor Bom Jesus dinamitada em 1968. Fonte:
livro “Uma poética popular da Arquitetura” de Júlio De Lamonica Freire, p.128. ........... 9
Figura 3 - Antiga Catedral do Senhor Bom Jesus, construída em 1722 ( antes de sua
demolição). Fonte: Acervo Arquivo Público de Mato Grosso......................................... 9
Figura 4 - Nova Catedral do Senhor Bom Jesus, construída em 1973. Fonte: Acervo
Arquivo Público de Mato Grosso. .................................................................................. 9
Figura 5 - Palácio Alencastro. Foto: Ana Barcelos, 2019. .......................................... 10
Figura 6 - Fórum de Três Lagoas. Arq. Oscar Arine e Iranick Arakelian. 1967-69 Fonte:
CASTOR, 2013, p. 240. .............................................................................................. 11
Figura 7 - Universidade Federal de Mato Grosso na década de 70. Fonte: Site Drone
Cuiabá. ....................................................................................................................... 12
Figura 8 - Corte de parte de complexo referente à Secretaria de Coordenação e
Planejamento (esquerda) e à Secretaria de Viação e Obras Públicas (direita).
Destaque à adaptação da implantação dos edifícios à topografia por meio dos pilotis.
Fonte: Planta cedida pelo Prof. Dr. Ricardo S. Castor. ............................................... 14
Figura 9 - Imagem que mostra o arruamento interno em meio aos edifícios públicos.
Foto: Talita H. Matsubara, 2019. ................................................................................. 14
Figura 10 - Orfanato de Amsterdam, destacando seus módulos. Fonte:
http://hasxx.blogspot.com ........................................................................................... 15
Figura 11 - Recorte da planta de locação dos blocos do CPA-MT, Cuiabá. Déc. de 70.
Destaque à laje nervurada aberta do Palácio Paiguás posicionada na parte mais
elevado do terreno. Destaca-se também o arruamento que passa entre as edificações.
Fonte: Planta cedida pelo Prof. Dr. Ricardo S. Castor. ............................................... 16
Figura 12 – Imagem de satélite e recorte da planta de locação dos blocos do CPA-MT,
Cuiabá. Déc. de 70. Destaque às marcações em vermelho referentes aos edifícios que
não foram construídos. Legenda: 1- Secretaria da Saúde. 2- Secretaria da Fazenda.
3- Secretaria Interior e Justiça. Fonte: Imagem retirada do Google Earth- 2019- e
editada pelas autoras. A legenda foi identificada pelas autoras mediante análise de
cópias dos cortes e plantas baixas originais cedidos pelo Prof. Dr. Ricardo S. Castor,
cujas plantas foram cedidas a ele por um dos arquitetos envolvidos, o Arq. Antônio
Carlos Carpintero........................................................................................................ 16
Figura 13 - COOPHAMIL - Imagem não datada. Fonte: livro “Uma poética popular da
Arquitetura” de Júlio De Lamonica Freire, p.179. ........................................................ 17
Figura 14 - CPA I - Imagem não datada. Fonte: livro “Uma poética popular da
Arquitetura” de Júlio D Lamonica Freire, p.180. .......................................................... 18
Figura 15 - Planta Baixa CPA 1 e 2/Cuiabá. Fonte: BARCELOS, 2011. .................... 19
Figura 16 - Planta Baixa CPA 3/Cuiabá. Fonte: BARCELOS, 2011. .......................... 20
Figura 17 - Maquete volumétrica do complexo de edifícios públicos. Fonte: Maquete
elaborada pelas autoras. ............................................................................................ 21
Figura 18 - Edifício de Escritórios Centraal Beheer. Fonte: arquitetandonanet. .......... 21
Figura 19 - Esboço para o Centro Cívico de Cuiabá, Moacyr Freitas. Fonte: CASTOR,
2013, p. 290. ............................................................................................................... 22
Figura 20 - Sede do Palácio Paiaguás, recém construída, década de 70. Fonte:
CASTOR, 2013. .......................................................................................................... 22
Figura 21 - Vão livre do térreo, hoje ocupado pela recepção do palácio. Fonte:
CASTOR, 2013, p. 299. .............................................................................................. 23

4
Figura 22 - Vista do jardim para o antigo vão, que hoje abriga a recepção do Palácio
Paiaguás. Foto: Ana Barcelos. .................................................................................... 23
Figura 23 - Escada que dá acesso ao gabinete do governador. Foto: Ana Barcelos... 23
Figura 24 - Moldes para a grelha nervurada do jardim interno. Fonte: CASTOR, 2013,
p. 296. ........................................................................................................................ 24
Figura 25 - Teto verde originário do projeto. Fonte: CASTOR, 2013, p. 296. .............. 25
Figura 26 - Cobertura Atual de telhas metálicas. Foto: Talita H. Matsubara, 2019. ..... 25
Figura 27 - brises já previstos em projeto. Fonte: Plantas cedidas pelo Profº Dr.
Ricardo Castor ............................................................................................................ 25
Figura 28 - Brises metálicos móveis ainda presentes em algumas fachadas do
complexo. Foto: Ana Barcelos, 2019. ......................................................................... 25
Figura 29 - Pilar que sofreu descaracterização. Foto: Ana Barcelos, 2019. ................ 26
Figura 30 - Alvenaria aparente ainda originária do projeto, na secretaria vizinha ao
palácio. Foto: Ana Barcelos, 2019. ............................................................................. 26
Figura 31 - Parede divisória de gesso acartonado. Foto: Karine Pimenta, 2019. ........ 26
Figura 32 - Planta Baixa original do primeiro pavimento do Palácio Paiaguás. Fonte:
Planta cedida pelo Prof. Ricardo Castor. .................................................................... 27
Figura 33 - Destaque aos 4 módulos que compõem a grelha aberta. Foto: Talita H.
Matsubara................................................................................................................... 28
Figura 34 - Mural bovinocultura de Espindola, tombado em 2014. Foto: Ana Barcelos,
2019. .......................................................................................................................... 28

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Doutor Ricardo Silveira Castor, pelos textos fornecidos, orientação


e conhecimentos adquiridos ao longo da disciplina.
Ao major Guerreiro, à Anita Marcondes Schulze, pela possibilidade de visitação
do edifício.
A Ronildo Bathory, por nos acompanhar ao longo da visita e aos demais
servidores que nos auxiliaram ao longo do processo de pesquisa.

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RESUMO

O objetivo desse artigo é analisar a arquitetura da atual sede do governo do


estado de mato grosso, o Palácio Paiaguás. O edifício foi construído no início da
década de 70, dentro do projeto de construção de um novo eixo de crescimento
da cidade de Cuiabá – MT, o Centro Político Administrativo (CPA). Para atingir
este objetivo, foram realizadas visitas ao edifício, análises do projeto e outros
materiais encontrados na pesquisa, além de possíveis entrevistas com
envolvidos no processo de construção, para elucidar a análise.

A implantação do Palácio Paiaguás na região norte da cidade visava


descentralizar o fluxo de atividades do centro, estimulando um novo núcleo
habitacional e comercial na capital. Em concordância com a expansão prevista
na época para a cidade, as equipes do arquiteto Moacyr de Freitas e do
engenheiro civil Sátyro Pohl de Castilho projetaram o edifício dentro de uma
lógica modular, visando permitir possíveis ampliações. O mural da fachada do
edifício, feito pelo artista Humberto Espíndola, é um elemento que se destaca na
construção devido ao seu caráter regionalista, que buscou representar a
bovinocultura.

Assim, com o artigo, espera-se ampliar o repertório sobre este momento da


arquitetura mato-grossense, que é ressaltada pela sua inovação construtiva e
arquitetônica para a época e inspirada pelos ideais estruturalistas e pela
contribuição do Team X para a arquitetura modernista

7
01 INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste artigo é analisar o estilo arquitetônico dos anos


70, tendo como referência o contexto histórico operante na cidade de Cuiabá,
utilizando Palácio Paiaguás como objeto de estudo. Assim, utilizando de
referências como a tese de doutorado “Arquitetura Moderna em Mato Grosso:
diálogos, contrastes e conflitos”, de Ricardo Castor; o livro “Lições de
Arquitetura” de Herman Hertzberger; e o livro “Por uma Poética Popular da
Arquitetura” de Júlio de Lamonica Freire, buscou-se analisar e pontuar as
características do referido edifício, contextualizando com o período o qual ele foi
construído, as influências arquitetônicas observadas e traçando paralelos com o
momento atual.

A metodologia aplicada foi a visitação, análises e reflexões a respeito da


obra supracitada, contextualizando com o estilo arquitetônico empregado no
edifício e suas inovações conceituais e construtivas.

02 CONTEXTO HISTÓRICO

Durante o período conhecido como “Marcha para o Oeste” (Figura 1), na


década de 40, Mato Grosso recebeu do governo federal significativos recursos
financeiros destinados a realização de obras de urbanização, transformando,
significativamente a dinâmica de Cuiabá. Contudo, segundo Romancini (2008,
p. 141), somente a partir de 1960, enfatizando-se a década de 70, ocorreram
mudanças mais intensas, com a integração da Amazônia e o consequente
processo de expansão capitalista elaborado pelos governos militares.

Figura 1 - Mapa da Marcha para o Oeste. Fonte: MFD - Museu


da Fotografia Documental.

8
Nesse contexto, no final da década de 50 ocorreu um movimento de
renovação destrutiva que comprometeu a identidade nos centros históricos de
Mato Grosso através de intervenções renovadoras (CASTOR, 2013, p.14).
Dentre diversas transformações espaciais, que representavam tensões entre o
velho e o novo, a dinamitação da catedral do Senhor Bom Jesus, em 1968
(Figura 2, Figura 3 e Figura 4), configura-se como um marco simbólico do início
do “Ciclo da Modernização”, segundo Freire (1997, p.135). A demolição ocorreu,
de acordo com o então arcebispo de Cuiabá, D. Orlando Chaves, devido à antiga
catedral ser insuficiente diante das aspirações de seus usuários, sendo
inaugurada a nova igreja em 1973, projetada pelo arquiteto Benedito Calixto.
Junto da nova catedral: “terminava [...] a primeira fase de modernização da
arquitetura regional, com um templo de formas duras, pesadas,
pseudomodernas roubando o lugar do monumento que balizava a identidade
histórica da cidade” (CASTOR, 2013, p. 13).

Figura 2 - Demolição Catedral do Senhor Bom Jesus dinamitada em 1968.


Fonte: livro “Uma poética popular da Arquitetura” de Júlio De Lamonica
Freire, p.128.

Figura 3 - Antiga Catedral do Senhor Bom Figura 4 - Nova Catedral do Senhor Bom Jesus,
Jesus, construída em 1722 (antes de sua construída em 1973. Fonte: Acervo Arquivo Público
demolição). Fonte: Acervo Arquivo Público de de Mato Grosso.
Mato Grosso.

9
Somado à intervenção renovadora supracitada, a construção do Palácio
Alencastro (1950) sobre as ruínas de casarões históricos, reforça o anseio por
modernidade que envolveu Cuiabá nesse período. O Palácio Alencastro foi
construído sob forte influência do estilo carioca - edificação solta no lote e dotada
de pilotis, possuindo uma marquise responsável por demarcar a entrada principal
-, vigente na construção de Brasília. Essa linguagem arquitetônica, segundo
Castor (2013, p. 434), esteve presente durante a fase de modernização da
cidade, pois atuava, simbolicamente, como o rompimento com o passado,
marcado pelos casarões.

Figura 5 - Palácio Alencastro. Foto: Ana Barcelos, 2019.

“Os mato-grossenses também se lembram dos anos 1960 pela eclosão


de um movimento cultural revolucionário voltado para construção de uma nova
sociedade, tendo como pano de fundo um conflito de gerações” (CASTOR, 2013,
p. 238.). Encabeçado pelo então governador Pedro Pedrossian (1966-71), houve
na capital um processo de investimentos que visava garantir a Mato Grosso
características da onda de modernização advinda de Brasília. Aliado a
Pedrossian, o arquiteto paulista Oscar Arine foi de extrema importância para a
disseminação desse estilo. Arine, graças a sua influência paulista, foi
responsável por prover a Mato Grosso edificações com uma linguagem ainda
não vista, cuja modernidade estava intrínseca às características destoantes do
comum aos cidadãos.

A exemplo disso, antes mesmo da divisão do estado de Mato Grosso, o


Fórum de Três Lagoas (Figura 6), projetado por Arine em parceria com Iranick
Arakelian em 1966, foi a primeira obra significantemente brutalista, segundo
Castor (2013, p. 240). O desapego à monumentalidade, o material aparente e os
pórticos que sustentam a edificação garantem à obra o térreo permeável. Já os
acessos e as aberturas, diferentemente do estilo carioca, não possuem
indicação de destaque aparente - como a presença de uma marquise.

10
Figura 6 - Fórum de Três Lagoas. Arq. Oscar Arine e Iranick Arakelian. 1967-69
Fonte: CASTOR, 2013, p. 240.

Ademais, durante o período de modernização do estado de Mato Grosso


foram implantadas novas interligações rodoviárias. Com isso, a partir da década
de 70, Cuiabá transformou-se em um ponto de entroncamento viário do centro-
oeste às demais regiões do país, que acarretou um acelerado crescimento
demográfico abrindo-se então a correntes migratórias que provocaram um
aumento populacional disparado em todo o estado. Segundo o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) a população de Cuiabá em 1960 era de
57.800, disparando para 103.427 habitantes, em 1970 e 219.477 em 1980.
Nesse ínterim, diante do crescimento demográfico acelerado e das inúmeras
demolições nas cidades históricas mato-grossenses, no início da década de 70
surgiu um movimento formado por administradores que, segundo Freire (1997,
p. 143), apesar de tardio, trouxe a revalorização da memória urbana. O
movimento culminou no tombamento do centro antigo de Cuiabá a nível federal
em 1987.

Nesse contexto, foram implantadas obras na periferia da cidade visando um


crescimento urbano direcionado pelo Poder Público que vai “para além dos seus
velhos limites” (CASTOR, p.14) a fim de marcar pontos estratégicos de
expansão, com o intuito de desafogar o centro e contrapor o engessamento
oriundo do modernismo.

O conceito até então abrigado nas obras arquitetônicas de Cuiabá passou


a ser questionado por deixar de garantir à arquitetura a escala humana como
referência, à medida que edificações imponentes ameaçavam desassociar a
identidade local. Tal conceito pode ser ligado aos ideais do grupo Team X,
formado por arquitetos modernistas que visavam, segundo GONSALES (2011)
“A necessidade de espaços mais humanizados e a consideração dos valores
culturais das comunidades”. (Arquiteturarevista, vol. 7, N. 2, p. 107). Diante
disso, fez-se necessário alocar edificações longínquas e mais sensíveis às
necessidades da região. A exemplo disso, houve a implantação da Universidade
11
Federal de Mato Grosso - UFMT (1970), construída diante da urgência em
construir centros educacionais (Figura 7), e o Centro Político Administrativo
(1973).

Figura 7 - Universidade Federal de Mato Grosso na


década de 70. Fonte: Site Drone Cuiabá.

A Universidade foi instalada na av. Fernando Corrêa da Costa, polarizando


o crescimento em direção ao Coxipó da Ponte, na região sul. Já na região norte
da cidade ocorreu a implantação do Centro Político Administrativo (CPA),
construído visando abrigar e centralizar os órgãos administrativos do governo
estadual diante das insuficientes instalações do Palácio do Governo, com
edifícios desconectados, espalhados por vários prédios particulares no centro,
tendo altos custos de aluguel. Logo, o projeto de criação e implantação do CPA
visava uma solução de maior viabilidade. Segundo Romancini (2008, p. 144):
a preocupação maior seria tirar um pouco da pressão que a
presença desses órgãos exercia no centro de Cuiabá e preservar
também as antigas construções uma vez que em razão da
‘modernidade’ seu patrimônio histórico estava sendo destruído de
forma violenta.

03 CENTRO POLÍTICO ADMINISTRATIVO

Em 1970, diante da intenção de polarizar os órgãos públicos de Mato


Grosso em uma região, o arquiteto Moacyr de Freitas propôs, inicialmente, a
implementação de uma torre no ponto mais alto do terreno, ainda atrelada à ideia
“palacial” comumente associada aos poderes públicos. Este foi o primeiro
esboço do complexo do CPA, então denominado de Centro Cívico. Tal proposta

12
foi desmantelada por arquitetos cariocas durante o governo de Fragelli quando,
por intermédio do engenheiro Sátyro Castilho, foi encomendado um anteprojeto
a arquitetos cariocas, os quais propuseram a implantação do Centro Cívico no
oeste da cidade, onde hoje está implantado o bairro residencial Santa Rosa,
região em que já se concentravam os principais edifícios governamentais
(CAMINHA, 2006, apud CASTOR, 2013). Logo, “seria a consagração de um eixo
monumental concebido nos moldes do Plano Piloto de Brasília” (CASTOR, 2013,
p.292), entrando em conflito com arquitetos de formação brasiliense como Júlio
De Lamônica, que havia sido empossado em 1971 como diretor do
Departamento de Obras Públicas e que recomendava uma linguagem moderna
distinta do proposto pelos cariocas.

Por conseguinte, a equipe de trabalho do CPA foi montada em março de


1972. Coordenado pelo engenheiro civil Sátyro Pohl M. de Castilho, o projeto foi
desenvolvido pelos arquitetos Júlio De Lamônica Freire, Manuel Perez, José
Antônio Lemos, Moacyr Freitas, Sérgio de Moraes, Antônio Rodrigues Carvalho
e Antônio Carlos Carpintero. Através de levantamentos realizados pelas autoras
do trabalho, a implantação do projeto foi locada em uma extensa área de 2.200
hectares a aproximadamente 6 quilômetros da área central da cidade (NADAF,
2014), tendo que ser realizada a expansão do perímetro urbano. Segundo Freire
(1997, p. 154), um dos arquitetos envolvidos, a implementação e o planejamento
do CPA envolveu um estudo de localização que visasse a facilidade de acesso
em uma área com menores custos de implantação de infraestrutura. Ademais, foi
planejada uma diferença hierárquica entre as avenidas que contornam o
complexo e as ruas internas, que são mais estreitas, haja vista que as avenidas
foram planejadas mais largas em função do seu comprimento e maior
intensidade de fluxo. A avenida aberta para interligar o CPA com o centro da
cidade é a avenida Historiador Rubens de Mendonça (popularmente conhecida
como avenida do CPA).

Por fim, o projeto que foi executado é desprovido da ambição


verticalizadora idealizada primariamente e, ao contrário da proposta de Freitas,
era dotado de uma simbologia muito mais vinculada à democracia de acessos
que à soberania do uso. Neste sentido, a intenção principal seria a mistura de
públicos, associado ao conceito de espaço democrático proveniente do
modernismo e dos ideais do Team X. Tal ideia enriqueceria e fortaleceria o
caráter horizontal da edificação, vez que a baixa altura desestimula a visão
elitista da construção e a deixa mais acessível ao olhar do pedestre, baseado
nos parâmetros ideais propostos por Kevin Lynch (1980) quanto à percepção
das imagens urbanas de cada indivíduo/usuário.

O CPA é formado por um complexo de edifícios governamentais para


programas dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Assim, mesmo
havendo a setorização funcional, os seus edifícios não podem ser entendidos
como construções independentes e sim como um conjunto, haja vista que se
integram através de uma malha reguladora flexível e aberta, de 12,6X12,6m. Tal
modulação segue um padrão invariável e pode ser locada no desnível do terreno
por estar sobre pilotis de seção quadrada (Figura 8), permitindo maior
dinamicidade do espaço com a passagem deliberada tanto ao acesso de
pessoas, proporcionado pelos pátios livres, quanto de veículos através do

13
arruamento interno que ultrapassa o térreo entre os pilotis de alguns edifícios
(Figura 9).

Figura 8 - Corte de parte de complexo referente à Secretaria de Coordenação e Planejamento (esquerda)


e à Secretaria de Viação e Obras Públicas (direita). Destaque à adaptação da implantação dos edifícios
à topografia por meio dos pilotis. Fonte: Planta cedida pelo Prof. Dr. Ricardo S. Castor.

Figura 9 - Imagem que mostra o arruamento interno em meio aos edifícios


públicos. Foto: Talita H. Matsubara, 2019.

De modo semelhante, há como exemplo o Orfanato de Aldo Van Eyck,


em Amsterdam (1955-60). Segundo Hertzberger no livro “Lições de Arquitetura”
(1999, p. 126-127), o orfanato foi projetado de modo a possuir princípios
fundamentais que direcionassem o crescimento futuro da edificação, visando
evitar que ampliações transformassem a edificação em uma “colcha de retalhos”.

14
Figura 10 - Orfanato de Amsterdam, destacando seus
módulos. Fonte: http://hasxx.blogspot.com

Quanto a arquitetura do conjunto dos novos edifícios públicos construídos


no CPA, Freire evidencia que:
O conjunto de edifícios da Administração Estadual, no CPA,
destaca-se pela sua arquitetura simples e despojada, embora apoiada
em proposta arrojada, de concepção avançada, fundamentada em
conceitos teóricos de vanguarda, no campo da Arquitetura. (FREIRE,
1997, p. 159).

O primeiro dos edifícios governamentais construídos que compõe o


conjunto do CPA é o Palácio Paiaguás, construído entre os anos de 1973 e 1975
durante o período de gestão do então governador José Fontanillas Fragelli
(1971-1975), sendo que na data de 15 de março de 1975 iniciou a posse do
próximo governador, o José Garcia Neto.

Entretanto, é interessante destacar que apesar desta arquitetura “simples


e despojada” há uma hierarquia na implantação dos edifícios públicos, sendo o
Palácio Paiaguás, o prédio locado na região mais alta da gleba (Figura 11) por
ser o setor da administração central do Estado, onde a própria depressão natural
do terreno sutilmente sugere a superioridade do edifício com relação ao restante
dos prédios públicos, recordando de modo sutil o primeiro esboço do Centro
Cívico proposto pelo engenheiro Moacyr de Freitas.

De toda a área escolhida para a implantação do CPA, apenas a parte


central foi destinada à construção dos edifícios públicos, construída pela
construtora Kosmos, em 1974. Entretanto, ao analisar o projeto original destes
(Figura 11) com o que foi construído (Figura 12), nota-se que foram projetados
mais edifícios no conjunto, os quais não chegaram a ser construídos, como
observa-se ao comparar as imagens abaixo:

15
Figura 11 - Recorte da planta de locação dos blocos do CPA-MT, Cuiabá. Déc. de 70.
Destaque à laje nervurada aberta do Palácio Paiguás posicionada na parte mais elevado do
terreno. Destaca-se também o arruamento que passa entre as edificações. Fonte: Planta
cedida pelo Prof. Dr. Ricardo S. Castor.

Figura 12 – Imagem de satélite e recorte da planta de locação dos blocos do CPA-MT,


Cuiabá. Déc. de 70. Destaque às marcações em vermelho referentes aos edifícios que não
foram construídos. Legenda: 1- Secretaria da Saúde. 2- Secretaria da Fazenda. 3-
Secretaria Interior e Justiça. Fonte: Imagem retirada do Google Earth- 2019- e editada
pelas autoras. A legenda foi identificada pelas autoras mediante análise de cópias dos
cortes e plantas baixas originais cedidos pelo Prof. Dr. Ricardo S. Castor, cujas plantas
foram cedidas a ele por um dos arquitetos envolvidos, o Arq. Antônio Carlos Carpintero.

Ademais, nas proximidades do conjunto de edifícios públicos, também foi


projetado, pelo mesmo grupo de arquitetos, o conjunto habitacional popular CPA
I. A elaboração deste visava à imunidade à especulação imobiliária, por se tratar
de um terreno de propriedade do governo, assim:
A mudança da sede do Executivo do então Palácio Alencastro,
no centro da cidade e atual sede do poder Executivo municipal trouxe,
com o passar dos anos, desenvolvimento para a região do CPA,
formando-se aí núcleos habitacionais construídos e destinados aos
servidores públicos estaduais. (NADAF, 2014).

16
04 CONJUNTO HABITACIONAL

O acelerado crescimento demográfico na década de 70 teve como


consequência um acentuado desequilíbrio entre oferta e demanda de moradias.
Assim, como os conjuntos habitacionais construídos na época não conseguiam
suprir o déficit habitacional, abriu-se espaço para a construção de habitações
populares de iniciativa privada.

Nesse sentido, Júlio de Lamonica Freire critica em seu livro “Por uma
Poética Popular da Arquitetura”, 1997, a implantação de habitações populares
como o COOPHAMIL (Figura 13 e Figura 14), construído com financiamento do
Banco Nacional de Habitação, pois o conjunto de edifícios possui um desenho
que, segundo o autor: “agride profundamente a fisionomia de Cuiabá, com a sua
dureza e aridez. Visto de cima, é uma enorme cicatriz no tecido urbano”
(FREIRE, 1997, p. 178).

Figura 13 - COOPHAMIL - Imagem não


datada. Fonte: livro “Uma poética popular
da Arquitetura” de Júlio De Lamonica Freire,
p.179.

A incompatibilidade das habitações com a malha da região não é a única


problemática trazida por Freire (1997), o autor trata também de outras pressões
de tais habitações por serem mal elaboradas, como a elitização de determinados
conjuntos e a mobilidade debilitada. Em oposição a essa perspectiva, o conjunto
habitacional do CPA-I adota características urbanísticas de maior qualidade.
Parte desse condecoro é proveniente do local onde foi implantado e suas
condicionantes.

A criação do conjunto habitacional CPA-I é fruto da intenção da equipe de


desafogar o centro de Cuiabá, e, por isso, sua implantação distante é bem-vinda.
No que diz respeito à gleba destinada ao Centro Político Administrativo, o
conjunto habitacional possui uma localização privilegiada – a aproximadamente

17
cinco quilômetros do Palácio Paiaguás –, o que poderia vir a ser um fator elitista
de interesse do mercado. Entretanto, por se tratar de um conjunto habitacional
de propriedade estatal, as amarras da especulação imobiliária que assolavam
Cuiabá não tinham poder de influência.

Outro elemento de destaque do projeto são as vias. Segundo FREIRE


(1997), o privilégio da localização veio acompanhado do privilégio de maior
liberdade projetual urbana. A rigidez dos parâmetros impostos pela COHAB não
se aplicaram ao conjunto do CPA-I. Segundo FREIRE (1997, p. 184), enquanto
o proposto pelo Conjunto de Habitações é a caixa de rua de 11/12 metros, com
faixa de rodagem de 7 metros e calçadas de 2 metros, o CPA-I traz caixas de
ruas de 15 metros, com faixa de rodagem de 10 metros e calçadas de 2,5 metros,
somados a um projeto de arborização a fim de melhorar a qualidade das ruas e
a qualidade de vida dos usuários. A hierarquia viária é marcada pela malha
imposta.

Figura 14 - CPA I - Imagem não datada. Fonte: livro “Uma poética


popular da Arquitetura” de Júlio D Lamonica Freire, p.180.

Adicionado a isso, arquitetos fizeram estudos e desenvolveram tanto um


projeto urbanístico quanto um arquitetônico. Este último consistia em estudos
visando uma modulação que atendesse as necessidades de uma habitação
popular, cuja principal preocupação estava em criar maior flexibilidade para as
moradias. A mesma preocupação foi adotada para os lotes, os quais,
tradicionalmente pela COHAB eram adotados com as dimensões de 10X25
metros, já os responsáveis técnicos para o CPA-I adotaram, em meio a estudos,
a medida de 14X20 metros, pois com o alargamento da testada do lote e
diminuição de sua profundidade chegaram à conclusão que facilitaria a
flexibilidade das modulações propostas para as moradias no lote. Contudo,
apenas o projeto urbanístico do grupo técnico foi adotado pela COHAB, o que
ainda assim permitiu mais possibilidades de implantação dos projetos mesmo
com o uso do projeto das tradicionais habitações populares (FREIRE, 1997,
p.177-197).

Tais características se repetem ao conjunto habitacional do CPA-II,


porém, ao CPA-III e IV já se encontram sucateadas, se assemelhando mais ao

18
padrão de habitação da COHAB. As calçadas passaram a possuir 1,5 metros e
os lotes foram significantemente diminuídos. Ao todo, 10.000 habitações foram
edificadas, fazendo do complexo uma “pequena cidade”. (CASTOR, 2013).

As proporções adotadas para os lotes do complexo I e II e o


posicionamento das residências previam a releitura de um “quintal cuiabano”,
entretanto, tal ideia se perdeu diante das ampliações feitas pelos usuários. Os
canteiros e as arborizações previstos ao CPA-I e II perderam espaço, dada a
condição de manutenção não efetuada regularmente. Por outro lado, as largas
vias e calçadas ainda garantem uma qualidade satisfatória.

Os bairros, atualmente, comportam uma população de classe média, e a


especulação imobiliária, tão evitada pelos mentores dos conjuntos habitacionais,
fez das melhorias em relação aos demais conjuntos da cidade elementos
associados ao valor estabelecido às residências. Desse modo, o preço do lote
aumenta, gradativamente, conforme esteja articulado as propostas supracitadas
de melhor condição de vida aos moradores.

Figura 15 - Planta Baixa CPA 1 e 2/Cuiabá. Fonte: BARCELOS, 2011.

19
Figura 16 - Planta Baixa CPA 3/Cuiabá. Fonte: BARCELOS,
2011.

05 ANÁLISE DO PALÁCIO PAIAGUÁS

O complexo do Centro Político Administrativo tinha como intenção sediar


o governo do Estado do Mato Grosso - que até então era sediado pelo Palácio
Alencastro - e suas secretarias adjacentes. Para isso, o então governador José
Fragelli, proveu recursos para o redirecionamento dos órgãos públicos para o
norte da cidade em um espaço amplo, a fim de comportar nesse terreno todas
as ramificações do poder público estadual mato-grossense. Por conseguinte, a
construção do Palácio Paiaguás cravava na história de Cuiabá um novo jeito de
pensar arquitetura.
Desde a inauguração, o Palácio passou a abrigar os órgãos do
Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, Fundações e diversos Órgãos
Federais como, Tribunal de Conta da União (TCU) Instituto Nacional
de Reforma Agrária (INCRA) bem como vários Ministérios,
Procuradorias, etc. No referido prédio hoje se encontra o Gabinete do
Governador, Vice-Governadoria, Casa Civil, Núcleo Governadoria,
Secretaria de comunicação-Secon, Casa Militar. (NADAF, 2014).

A unidade do CPA (Figura 17) pode ser descrita como derivada do


Ordenamento da Construção, como descrito por Herman Hertzberger (p.
126,1999) “o ordenamento da construção é a unidade que surge num edifício
quando as partes tomadas em conjunto determinam o todo, e inversamente,
quando as partes isoladas derivam desse todo de modo igualmente lógico”.

20
Atrelado a isso, o conceito de interdependência garantiria ao edifício uma
sincronia de linguagem, seja em escala macro ou micro.

Assim como o projeto pensado, cujas ampliações que viriam a posteriori,


de acordo com a ideologia dos arquitetos, deveria seguir a malha pré-
estabelecida, reforçando uma vasta possibilidade de ampliações. Um exemplo
disso é o Edifício de Escritórios Centraal Beheer em Alpeldoorn, Holanda (projeto
de 1968-72), citado no livro “Lições de Arquitetura” de Hertzberger e projetado
pelo próprio autor, que foi concebido como um estrutura aberta e flexível que
possui um grande número de unidades espaciais iguais constituídas por um
bloco básico (Figura 18). Assim, este bloco foi projetado para que as suas
dimensões respondessem a todos os requisitos espaciais do programa, graças
à polivalência das unidades espaciais.

Figura 17 - Maquete volumétrica do complexo de


edifícios públicos. Fonte: Maquete elaborada pelas Figura 18 - Edifício de Escritórios Centraal
autoras. Beheer. Fonte: arquitetandonanet.

Como exposto anteriormente, a primeira ideia do arquiteto de formação


carioca, Moacyr Freitas, consistia em atribuir ao CPA uma construção em torre,
que não foi executada (Figura 19). Destoante disso, o que saiu do papel visava
reforçar uma arquitetura mais igualitária, mais acessível. Tal ideia provém de
uma arquitetura mais crítica à produção modernista da época, cujos ideais se
alinham com a proposta do arquiteto participante do Team X, Aldo van Eyck. A
exemplo disso, a arquiteta Celia Gonsales (2011) discorre:
“[...] o estabelecimento de espaços de transição, com limites
indefinidos, onde as polaridades dentro-fora, individual-coletivo, espaço
construído-espaço não construído pudessem interagir, fazem parte das
propostas de Aldo van Eyck.” (Arquiteturarevista, vol. 7, N. 2, p. 107).

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Figura 19 - Esboço para o Centro Cívico de Cuiabá, Moacyr Freitas. Fonte: CASTOR, 2013, p. 290.

Esta mesma intenção de indefinição de limites é notada no Palácio. Pois


mesmo se tratando de repartições da gestão pública, a desestimulação à leitura
hierárquica é notada quando logo ao lado do gabinete do governador se
encontram escadas que interligam o espaço público e o privado de modo a fundi-
los, evitando, assim, a imagem intocada associada aos governantes (Figura 23).
Neste sentido, pode-se também observar características do edifício que ilustram
essas observações, tais como a horizontalidade e o acesso livre do térreo (sem
gradeamento ou muros, e em pilotis) (Figura 20), pois assim o prédio teria acesso
livre para o pedestre, para a população e também para os próprios servidores e
pessoas ditas importantes, colocando todos, simbolicamente, no mesmo “nível”.

Figura 20 - Sede do Palácio Paiaguás, recém construída, década de 70. Fonte: CASTOR, 2013.

22
Entretanto, atualmente as áreas livres do térreo perderam espaço para
novas divisões do governo, descaracterizando o projeto original e a intenção de
ramificação horizontal pela qual foi projetado. Somado a isso, as escadas que
davam acesso direto e indistinto foram perdendo sua intenção conforme
mudanças foram feitas: o gradeamento do conjunto gerou um fator limitante para
o acesso, os corredores e fluxos previstos no projeto original foram boicotados
conforme novas salas e repartições eram implantadas, deixando assim, um
acesso desarticulado (Figura 21 e Figura 22).

Figura 21 - Vão livre do térreo, hoje ocupado pela Figura 22 - Vista do jardim para o antigo vão, que hoje
recepção do palácio. Fonte: CASTOR, 2013, p. 299. abriga a recepção do Palácio Paiaguás. Foto: Ana
Barcelos.

Figura 23 - Escada que dá acesso ao gabinete do


governador. Foto: Ana Barcelos.

Essa observação se confirma ao conversar com os servidores que ali


trabalham, que criticam a amplitude de acessos prevista pelos mentores do
projeto, com base na necessidade de segurança dos usuários. Além disso, outro
ponto criticado é o espaço necessário para a demanda do governo que, segundo
os relatos, é insuficiente no palácio. Levando essa perspectiva em consideração,
no âmbito que toca o estudo do projeto, pode-se considerar questionáveis tais
afirmações, conhecendo as intenções do projeto de permitir a ampliação de
módulos.

23
Apesar da linguagem de conjunto, ainda preservada pela volumetria,
atualmente, cada secretaria se comporta como um bloco individual, haja vista
que os corredores internos foram vetados, a locomoção de uma divisão à outra
se dá, muitas vezes, pelo ambiente externo ao bloco, tornando o acesso
dificultoso e o caminho a ser percorrido mais comprido que o necessário.

Além disso, no projeto original parecia existir um certo cuidado em manter


a linguagem mais simples da edificação, explicitada pela pureza na escolha dos
materiais (concreto aparente, tijolo aparente e painéis de vidro), pelo
desenvolvimento da estrutura e até pelo processo construtivo o qual o projeto
potencializava, pois, a estrutura em módulo, facilitava inclusive, a
implementação (pré-moldados) e a ampliação à medida que as necessidades
surgissem, sem perder a unidade. Contudo, a tecnologia construtiva em Cuiabá
ainda era restrita aos padrões convencionais e, por isso, conforme pode-se
observar nas imagens do canteiro de obras, a edificação foi construída com
moldes in loco (Figura 24).

Figura 24 - Moldes para a grelha nervurada do jardim interno. Fonte: CASTOR, 2013, p. 296.

Como uma obra respeitosa em relação aos condicionantes climáticos da


região, o teto verde (Figura 25) se fez presente no projeto estudado a fim
funcionar como isolante térmico, porém, de acordo com funcionários
entrevistados, sua implementação exigiu dos cofres públicos um custo elevado
e a impermeabilização da laje não foi bem executada. Como consequência, o
prédio teve sua cobertura alterada para telhas de fibrocimento, que
posteriormente foram substituídas por telhas metálicas (Figura 26). Sob a
sensibilidade de prover melhores condições de conforto, foi previsto em projeto
(Figura 27) vários conjuntos de cinco brises verticais móveis alocados nas
fachadas, com a intenção de quebrar a insolação direta, e janelas altas no
modelo maxim ar para facilitar a renovação do ar através da ventilação cruzada.
24
Obstante a essas medidas, a retirada de inúmeros brises permitiu a incidência
direta dos raios solares, levando os ambientes a estarem constantemente
vedados com cortinas e refrigerados artificialmente (Figura 28).

Figura 26 - Cobertura Atual de telhas metálicas. Foto: Talita H.


Figura 25 - Teto verde originário do projeto. Matsubara, 2019.
Fonte: CASTOR, 2013, p. 296.

Figura 28 - Brises metálicos móveis ainda presentes em


algumas fachadas do complexo. Foto: Ana Barcelos, 2019. Figura 27 - brises já previstos em
projeto. Fonte: Plantas cedidas pelo
Profº Dr. Ricardo Castor

O esqueleto estrutural se mantém visível em pontos de vista mais íntimos


à obra. A fachada de acesso principal tem seus pilares de seção retangular
revestidos por uma caixa de alumínio composto, por onde são passadas
tubulações de escoamento de água. Bem como os pilares sofreram

25
descaracterização (Figura 29), os tijolos aparentes também sofreram: alguns
locais tiveram sua alvenaria rebocada e/ou pintada deixando os tijolos aparentes
raros e presente apenas em “becos” (Figura 30).

Figura 29 - Pilar que sofreu descaracterização. Foto: Figura 30 - Alvenaria aparente ainda
Ana Barcelos, 2019. originária do projeto, na secretaria vizinha
ao palácio. Foto: Ana Barcelos, 2019.

Similarmente às várias desconfigurações externas, as plantas baixas


também foram vítimas da expansão desregulada mediada pelos usuários, em
contraponto com a proposta inicial de garantir plantas livres (Figura 32),
lembrando a “colcha de retalhos” citada por Hertzberger, cujos cômodos fossem
seccionados em sua maioria por divisórias baixas, sob o conceito de “escritório
panorâmico”, a atual condição do Palácio é de extrema oposição: paredes de
alvenaria convencional e de gesso acartonado foram levantadas em nome da
maior privacidade de cada servidor (Figura 31).

Figura 31 - Parede divisória de gesso acartonado. Foto: Karine Pimenta, 2019.

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Figura 32 - Planta Baixa original do primeiro pavimento do Palácio Paiaguás. Fonte: Planta cedida pelo Prof.
Ricardo Castor.

LEGENDA – Figura 32 22- Corpo da guarda


23- Alojamento
1- Pátio descoberto 24- Deposito almoxarifado
2- Escadas 25- Recepção
3- Copa 26- Espera
4- Banheiros 27- Jardim
5- Telex 28- Chefe de gabinete casa civil
6- Assessoria de imprensa 29- Secretaria particular e secretaria do
7- Equipe telefônica governador
8- Laboratório fotográfico 30- Antessala
9- Estúdio de som 31- Antessala privativa de autoridades
10- SEDIMAT 32- Gabinete do governador
11- Cerimonial 33- Varanda
12- Gabinete vice-governador 34- Estar privativo
13- Recepção 35- Dormitório do governador
14- Chefe de gabinete 36- Elevador privativo
15- Gabinete chefe da casa militar 37- Gabinete pessoal do governador
16- Chefe de gabinete 38- Entrada privativa
17- Setor especial 39- Assessoria privativa
18- Sala de rádio 40- Salão
19- Setor administrativo 41- Auditório
20- Setor de contabilidade 42- Sala de imprensa
21- Setor de transporte 43- Gabinete TEL-RAD-TV

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Embora o edifício tenha sido planejado para possuir múltiplos acessos
secundários, foi implantada uma praça ajardinada correspondente a 4 módulos
que:
“foi pensada como um verdadeiro hall público, [...] o conforto
térmico da cobertura, que filtra radiação solar sem impedir a saída de ar
quente não deixa dúvidas de que a praça foi pensada como um local de
estar, não apenas de contemplação” (CASTOR, 2013, p.298).

Ademais, nas paredes internas e externas da praça do Palácio, foi


finalizado em 1975, o mural da Bovinocultura pelo artista mato-grossense
Humberto Espíndola, que utilizou materiais como mármore, concreto, granito e
tinta epóxi (NADAF, 2014) para criar um mural de cores vivas que contrasta com
“a severidade cinzenta da estrutura” (CASTOR, 2013, p.298). Tanto o Palácio
Paiaguás quanto o Mural Externo Bovinocultura foram tombados pelo Governo
do Estado, sendo parte do acervo do Patrimônio Histórico de Mato Grosso.
Segundo o memorial descritivo presente na Carta de anuência de 2014 (NADAF,
2014), dentre diversas considerações, o tombamento se deu devido ao
reconhecimento quanto a importância da preservação da memória e identidade
proporcionadas à população.

Figura 33 - Destaque aos 4 módulos que compõem a Figura 34 - Mural bovinocultura de Espindola, tombado em
grelha aberta. Foto: Talita H. Matsubara. 2014. Foto: Ana Barcelos, 2019.

06 CONCLUSÃO

Diante da condição de extremo inchaço que acometeu Cuiabá, foi


profundamente necessária a ampliação do perímetro urbano da cidade. Com
isso, a atuação dos arquitetos Júlio De Lamônica Freire, Manuel Perez, José
Antônio Lemos, Moacyr Freitas, Sérgio de Moraes, Antônio Rodrigues Carvalho
e Antônio Carlos Carpintero foi de extrema importância, haja vista que a
produção arquitetônica e urbanística elaborada por eles é significativamente
relevante à cidade como um todo.
A relação do projeto com a identidade e a memória cuiabana não está
associada unicamente ao mural, mas também, às intenções projetuais tangentes
às características locais e à proximidade da conexão população-governo
idealizada pelos arquitetos. Hoje em dia, os bairros CPA-I, II, III e IV
correspondem a um polo de comércios, moradias, serviços, etc., atuando como
um “novo centro”. O que concretiza a intenção, na década de 70, de direcionar
o crescimento da cidade para a região norte.
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O fato das repartições governamentais posteriores ao projeto inicial não
seguirem a modulação idealizada atribui ao Palácio uma sensação de
descontinuidade, silenciando as possibilidades, que nos leva a indagar o que o
conjunto poderia vir a ser.

07 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTOR, Ricardo Silveira. Arquitetura Moderna em Mato Grosso: diálogos,


contrastes e conflitos. Tese doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo-FAU-USP. São Paulo. 2013.

ROMANCINI, Sônia Regina. Novas Territorialidades urbanas em Cuiabá.


Cuiabá: EdUFMT/FAPEMAT, 2008, 177p.

FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma Poética Popular da Arquitetura. Cuiabá:


EdUFMT, 1997.

HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

ARRUDA, Ângelo Marcos. A popularização dos elementos da casa moderna


em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Texto apresentado originalmente no
VI DOCOMOMO, São Carlos, 2003. Vitruvius, 2004. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.047/596. Acessado em:
18 agosto. 2019.

NADAF, Pedro Jamil. [Carta de anuência]. Destinatário: Fabiano Prates


(Secretário do Estado de Cultura). Cuiabá. 2014. 1 carta.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

GONSALES, Celia. CIAM, Team X e espaço urbano nos conjuntos


habitacionais brasileiros: o Conjunto Terras Altas em Pelotas. Arquitetura
Revista, [S.l]. Vol. 7, n. 2, p. 101-111, jul/dez 2011.

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