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FACULDADE DE BELAS-ARTES
AS DICOTOMIAS PESO/LEVEZA E
FORMA/IDEIA NA ESCULTURA:
Andreia Pinelas
Mestrado em Escultura
2015
Dedico esta tese à minha mãe que
sempre me apoiou em todas as minhas
escolhas e, sem ela, nada seria possível.
AGRADECIMENTOS
IN SHORT
The dichotomies Weight/Lightness and Form/Idea formed the theory and the
practice of Art, existing a correspondence between them. The weight exists thanks to the
existence of a form that is made of matter; in the other hand, the lightness comes from the
idea that is always present when the creation exists. This dichotomies were always
interconnected during the centuries, and there are variations in relevancy of form and/or
idea. In sculpture´s tradition, the physical weight was a essential reality, and the idea of
sculpture, without the immaterial side was underlined to the form. During the centuries,
new artistic approaches were born and re-born focused on the frailty, lightness and idea of
the artistic object, fact that came to cancel the classic notion of work of art. The concept of
image became the focus of the esthetical experience of the subject, which alone, tended to
substantiate the artistic object itself. In the same way that lightness, when taken to the
extreme, and despite the tridimensionality materiality of the object, begun to relate the art
with the own action of the body, the gesture of the artist, rising both to the status of art.
INTRODUÇÃO 7
Escultura, Peso e Forma 12
Escultura, Leveza e Ideia 18
CAPÍTULO 1 – O PESO DA MATÉRIA 28
A transcendência da obra de arte 28
As imagens na Arte Medieval 28
A Escultura Medieval 35
Alberti e Miguel Ângelo: Teorias da Arte no Renascimento 41
O Barroco e a obra de Bernini 52
O Êxtase de Santa Teresa 57
CAPÍTULO 2 – A ESCULTURA E O CORPO NO SÉCULO XX 61
A permanência da Escultura Comemorativa 61
Alberto Giacometti 74
L´Homme qui marche 77
CAPÍTULO 3 – A ESCULTURA NO “CAMPO EXPANDIDO” 85
A geneologia do campo expandido 85
Construtivismo Russo 89
Alexander Calder (Mobile Art) 100
Arte Conceptual 105
Joseph Kosuth 112
Dan Graham 118
Sol Lewitt 126
Arte Minimal 134
Donald Judd 150
Carl Andre 157
Richard Serra 163
Land Art 170
Fotografia e Escultura 184
A dimensão escultórica na obra dos Becher 184
A concepção da Ideia no Renascimento teve duas fases. Por um lado, para Alberti,
a Ideia significa o resultado final de uma experiência exterior, isto é, o artista só pode criar
uma obra mais bela que tudo o que existe na natureza, observando a própria natureza, mas,
como iremos averiguar em Miguel Ângelo, a Ideia passou a significar, como na concepção
Neoplatónica, uma representação interior, em que o artista alcança uma beleza superior à
da natureza.
7
A significativa diminuição da representação do corpo humano na produção artística
passou a ser uma realidade. Para Rosalind Krauss (1941), o termo escultura era constituído
por normas internas que pressupunham a sua tridimensionalidade, a representação
(figurativa) do corpo humano, a verticalidade e a presença do pedestral. O desvanecimento
da lógica de Monumento, a partir do século XIX, constitui um marco dessa transição,
visível na Estátua de Balzac de Auguste Rodin. Por outro lado, Brancusi foi considerado um
precursor da Arte Abstracta. O artista estava envolvido em dois mundos: o mundo material
e o mundo das ideias e vivia dessa relação, no sentido de que só a captação desta primeira
realidade torna possível a segunda - a Arte.
8
trabalhos de Joseph Kosuth, Dan Graham e Sol Lewitt estão inseridos nesta prática
artística, que veio a influenciar toda a Arte na Pós-Modernidade.
Quanto ao papel da fotografia, o casal Becher considerava-a como algo que podia
transformar num material estético autónomo, elevando-o ao estatuto de escultura. O
debate do conceito de desmaterialização do objecto artístico pelos historiadores e críticos,
que se tem vindo a acentuar na arte contemporânea, a partir da década de 1970, constitui o
foco do quarto capítulo. O esbatimento das fronteiras tradicionalmente traçadas entre as
várias artes e, em simultâneo, as potencialidades das novas tecnologiasm impulsionaram as
novas abordagens artísticas baseadas no corpo - o tema primordial da escultura durante
9
vários séculos. A arte já nao se restringia a um objecto, podia ser imaterial, algo tão
temporário que poderia ser visto apenas durante um curto período de tempo.1
Por fim, no quinto capítulo, será abordada a imagem no contexto da arte. Nos anos
de 1990, e a partir da utilização da fotografia e do vídeo que as tornou nas duas formas de
expressão, a imagem suportada nessas novas tecnologias visuais e audiovisuais, passou a
influenciar a escultura. Estas inovações tecnológicas e artísticas, acompanham as
metamorfoses da própria sociedade, reflectidas nas formas de abordar a arte, a partir da
imagem que permitiu a possibilidade da existência de cópias e reproduções. Neste sentido,
Walter Benjamin defende que a reprodução das obras de arte despojam-nas da sua aura,
autenticidade e verdade. A reprodução das obras de arte, executadas por Marcel Duchamp,
assim como, a apropriação, simulação e o movimento Pop, reproduziram obras ou
ícones/imagens, ao ponto de viverem da sua imagem artificial e fictícia, simulando mundos.
A imitação da exterioridade apenas captava a sua morfologia, deixando escapar o sentido,
significado e essência original, que constitui a verdadeira totalidade da obra.
1 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental. Lisboa
: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1092.
10
assumindo-se como imagem, a partir de uma profunda desmaterialização do objecto. Neste
contexto, a escultura, passou a viver da sua imagem. A forma e a existência material das
esculturas perderam relevância e destaque. Por esse motivo, as esculturas são negras,
anulam a sua própria forma, de modo a que o espectador absorva apenas uma “ideia-
lembrança”, funcionando o objecto como uma “imagem”, num processo estético semelhante
ao da imagem sacra.
11
Escultura, Peso e Forma
Para Cícero (106 a.C – 43 a.C), filósofo e escritor romano, Arte designa uma
maneira de ser ou de agir, a habilidade adquirida através do estudo ou da prática, um
conhecimento de natureza técnica. Daqui advém a ideia de Arte, de “trabalho” e de
“obra”.2
Com um valor cultural intrínseco, caracterizava-se por ser uma arte mimética, que
pressupunha a representação, segundo a temática do corpo humano, proporcionando uma
visão sequencial do pensamento sobre o corpo e o modo de o representar 7, e, deste modo,
o conhecimento e o estudo anatómico constituía a base ou o alfabeto da escultura.8
O antigo termo grego mimesis traduz a noção de imitação e, mais do que a “fiel
reprodução da natureza”, ou “cópia fiel da realidade”9, revela-se também equivalente às
noções de criação, “representação” e “expressão”.10 Ainda assim, como cópia, a imitação
consiste numa reprodução da realidade natural, do objecto “tal como ele é”.11
2 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 30.
3 ROGERS, Leonard R. - Sculpture in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/530179/sculpture>[consulta em 05.11.2014].
4 PEREIRA, José Fernandes - Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,
p. 227.
5 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967. p. 3.
6 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
p. 227.
8 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 10.
9 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
12
Para Aristóteles (384 a.C – 322 a.C), a imitação é o congénito do Homem e, de
todos os seres, o Homem é o mais imitador. Através da imitação adquire-se conhecimento.
Deste modo, a Arte rege-se pelo princípio da imitação, que num processo de
aprendizagem, um bom imitador é um bom artista, no sentido em que quanto melhor for a
imitação do real, melhor é o artista. Mais do que a verdade, a Arte deveria procurar a
verosimilhança (obra que parece o objecto representado), visto que o que é verosímil é mais
verdadeiro que o próprio objecto, pela coerência, boa execução e
convencimento/reconhecimento de quem observa. A maneira de representar contribui
para a evolução do conceito de belo e, se estiver bem executado e o mais fiel possível,
acaba por transformar qualquer tema ou representação desagradável numa coisa agradável
pela apreciação e, sobretudo, pelo consequente reconhecimento, que pressupõe o
referente.12 O artista e a sua habilidade tornam-se mediadores essenciais na transformação
da matéria em algo agradável aos nossos olhos. Neste contexto, o artista não produz uma
pura e simples réplica do objecto, mas, sim, um equivalente “diagramático” ou
“estrutural”.13 Isto significa que, como Aristóteles defendeu, que se reúne num único
objecto o que se encontra disperso em vários, no sentido de atinguir o belo, neste caso, o
Belo Reunido. Assim se desenvolve a noção de mimesis grega, dentro da qual o artista não é
um simples copiador ou imitador da natureza, mas também o seu “adversário”, corrigindo,
pelo seu poder criador, as inevitáveis imperfeições da natureza.14 A noção de escala
também se relaciona com a noção de belo visto que, para Aristóteles, a escala adequada é a
humana, pois, fora dela, o nosso olhar perde a noção do conjunto, já que os olhos não a
conseguem apreender.
12 YEBRA, Valentín García - Poética de Aristóteles. 5ª ed. Madrid : Editorial Gredos, 201, p. 503.
13 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
da Moeda, 2000, p. 12.
14 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 20.
15 PEREIRA, José Fernandes - Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,
p. 227.
16 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Matter in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em
13
Existem dois grupos de materiais: os permanentes (pedra e madeira, que se esculpe
directamente até obter a forma final; e metal – no caso da fundição) e os impernanentes
(que são alterados na forma ou destruídos como os plásticos e cera, habitualmente para
moldes). Cada substância tem a sua cor individual, textura e dureza, e possui capacidades e
limitações, determinadas pelas suas características físicas.17
17 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 3.
18 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 168.
19 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 4.
20 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/638947/weight>[consulta em 05.11.2014].
22 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
14
teoria neoplatónica, era retirado o que estava a mais da matéria e deixava-se o suficiente
para a forma estar completa e perceptível. O Peso, enquanto característica da matéria, é o
que faz a forma existir. Deste modo, estabelece-se uma relação de dependência entre
matéria e forma, na qual o peso é o ponto intermédio.
Foi ainda Aristóteles (384 a.C -322 a.C) o primeiro a distinguir matéria e forma.
Cada objecto sensível contém matéria e forma, sendo que não pode existir uma sem a
outra. A matéria é o elemento primordial, na doutrina da “potência” e do “acto”, e é a
partir dela que as coisas se desenvolvem. Quando uma coisa existe, é matéria, e a forma é o
arranjo ou organização desse elemento, o seu resultado exterior; isto é, a matéria é algo que
potencialmente se pode tornar outra coisa, e é a forma que determina aquilo em que se
pode tornar. A matéria é um determinado objecto, que efectivamente só se torna objecto
quando lhe é dada a forma concreta.30 Aristóteles interessa-se pela natureza e pelos seus
processos físicos e, apesar de se apoiar na razão, valoriza também os sentidos, o que faz
com que a realidade também seja o que percepcionamos ou sentimos. Ademais, o que está
na alma dos homens é apenas o reflexo da natureza. Deste modo, a forma artística está
deduzida nas mãos do artista, pois o que concede a originalidade é o conhecimento manual,
isto é, o acto de fazer e de se relacionar com a matéria e com a própria natureza.
26 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Form in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].
27 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].
15
numa matéria determinada. A única diferença entre as obras de arte e as produções da
natureza é que a sua forma, antes de penetrar na matéria, reside na alma humana: “É um
produto da arte tudo aquilo cuja forma reside na alma.”31
O artista é o que trabalha numa arte, na qual o génio e a mão devem concorrer. 37 O
génio era um dom natural ou divino38, ou uma designação de um artista quando o seu
31 Aristóteles Cit. por PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins
Fontes, 1994, p. 22.
32 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 23.
33 Ibid., p. 28.
34 Ibid., p. 29.
35 Ibid., p. 172.
36 Ibid., p. 117.
37 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
16
produto é exemplar e merece ser imitado, como afirma Immanuel Kant (1724 – 1804).39
No fim da Idade Média, mais do que ao “nascimento do artista”, assiste-se à concepção de
artista na sua qualidade de intelectual. Os artistas não pretenderam impor-se directamente
como categoria social, mas conseguiram-no através de uma nova definição de Arte, e da
obra de arte, encarada agora na junção da sua relação manual com a do espírito.40
Desde o início, a Arte surge como uma modalidade específica do tratamento do real
através do simbólico, no qual a componente imaginativa e ideológica estavam activas,43 do
mesmo modo que a técnica e a forma sempre foram meios relevantes na criação da obra de
arte.
39 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 141.
40 Ibid., p. 84.
41 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 18.
42 Ibid., p. 21.
43 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
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interior e mental, interligando-se com a filosofia, que se mostrou igualmente disposta a
reconduzir cada vez mais o princípio do conhecimento à Ideia.45
45 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 21.
46 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 43.
47 PEREIRA, José Fernandes - Tecnologias da Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
18
importância foi gradualmente inserida e contrabalançada na Arte Contemporânea. O acto
de pensar e a Ideia passaram a ser fundamentais. Por outras palavras, a Arte já não ocupa o
lugar que ocupava antes, visto que a reflexão tomou o primeiro lugar e transformou-a num
puro tema mental.49 Tem havido uma preocupação maior com a Ideia do que com as
realidades da produção,50 que contrasta drasticamente com o passado, visto que desde
sempre foi dada relevância à “mão que fazia a arte”.51 A Arte deixa-se definir como
conceito, não tanto pelos seus objectos e produtos, mas, sobretudo, pelas regras e
processos artísticos, pela prática e especulação que lhe são próprias. Deste modo, a filosofia
substitui o fundamento na obra-prima, que demonstra a habilidade (mental) do seu autor.52
Comparativamente com o peso “bruto” da matéria, a leveza do pensamento tornou-se na
base da Arte Conceptual, da Arte Processual, e até das Artes Performativas, como a Body
Art, a Performance e o Happening. Fotografias, vídeos e esculturas “efémeras” evidenciaram a
leveza, e até a instantaneidade, que contrastava com o peso da matéria e com a
“eternidade” das esculturas clássicas.
49 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 15.
50 Ibid., p. 47.
51 Ibid., p. 51.
52 Ibid., p. 43.
53 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
WWW:<http://www.britannica.com/EBchecked/topic/281802/idealism>[consulta em 05.11.2014].
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genericamente idealistas; e os que escolhem seguir a Arte segundo a verdade da natureza,
ou, objectivamente, adoptando uma posição mais ou menos realista.55
Na obra de Marco Túlio Cícero, a Ideia não se pode atingir pela experiência, mas,
pelo espírito. A ideia não pode ser apreendida pelo olhar na sua perfeição total, mas existe
como uma simples imagem mental, na interioridade do artista. Por isso, refere que
podemos imaginar esculturas mais belas que as de Fídias, que, no seu género, “são o que há
de mais perfeito”; é no espírito que reside a representação sublime de beleza; isto quer
dizer que fixa no espírito uma forma de uma Beleza superior, da qual a sua mão procura
reproduzir a semelhança, tornando-a um modelo pelo qual se direcciona a Arte.56 Assim,
esse escultor imitou mais a Ideia do que a natureza.57 Aplicado também à Pós-
Modernidade, o espectador não podia deter-se apenas no que o objecto suscita, e deve ir
para além dele, ir até à própria ideia, que reside, ou mais adequadamente, no espírito.
Para Platão (428 a.C - 348 a. C.), a Ideia é aquilo para que o artista olha, com o fim
de executar a obra que projectou, mas é indiferente que esse modelo seja exterior a ele, e
que ele possa dirigir-lhe o seu olhar, ou, ao contrário, que lhe seja interior, como algo que
ele próprio concebeu e produziu.58
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].
20
Ideias perfeitas são o extracto da realidade, enquanto que o sensível, ligado aos sentidos, e
que nos é dado pelo corpo, sendo, no entanto, um elemento que dá acesso ao
conhecimento das Ideias puras, através da teoria da amnese, em que a alma através da
verosimilhança entre a imagem e a forma realiza o processo gnoseológico.
Neste sentido, existem dois mundos, segundo Platão: o mundo das Ideias, onde a
Ideia tem uma existência eterna, pura e perfeita, e se encontra contida apenas na Razão que
conduz ao conhecimento, e o mundo sensível, onde os sentidos apreendem as coisas
materiais, apenas parcialmente, visto que não permanecem muito tempo num único e
mesmo estado,61 “turvando” as Ideias puras das coisas. A harmonia entre corpo e espírito
não existe para Platão (sob influência da teoria órfica) e este último, quanto mais livre
estiver dos sentidos, mais será capaz de contemplar as Ideias Puras; isto é, defende a busca
de uma vida que não valorize excessivamente os sentidos, libertando o espírito para a
contemplação das Ideias, sendo que tudo o que está abaixo das Ideias, e do mundo ideal, é
falso. A crítica platónica censura as Artes, por fixarem continuamente o olhar interior do
homem nas imagens sensíveis, que lhe impedem a contemplação do mundo das Ideias;
enquanto imitações do mundo sensível, as obras de arte são desprovidas de uma
significação mais elevada, espiritual, ou, se preferirmos, simbólica; enquanto manifestações
da Ideia, elas estão privadas da sua finalidade e da sua autonomia próprias, e tudo se passa
como se a teoria das Ideias, para não ter de abandonar o ponto de vista metafísico, que é o
seu, se visse obrigada, em ambos os casos, a refutar a obra de arte.62 Por exemplo, a obra de
Rui Chafes, escultor contemporâneo, parece ainda assentar neste ideal da beleza e do
sublime, recuperando a beleza, enquanto realidade imaterial, ou sentimento despertado pelo
objecto, a partir do qual se dá essa ascensão de uma dimensão material a uma dimensão
imaterial.
61 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 16.
62 Ibid., pp. 33-34.
63 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
21
sentido de “fazer imagens de [alguma coisa]” não consiste em reproduzir, em “duplicar”.64
Se as coisas do mundo sensível são cópias das “ideias”, e o artista é um imitador destas
coisas, encontra-se a dois graus de distância da verdade. A mimesis é, então, considerada
uma transposição da natureza, na forma da representação artística, como uma transposição
inadequada, no sentido de uma relação de valor descendente, do modelo à cópia.65
64 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
da Moeda, 2000, p. 18.
65 Ibid., p. 17.
66 Ibid., p. 23.
67 Ibid., p. 13.
68 Ibid., p. 14.
69 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 49.
70 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
22
totalmente perfeito, de modo que os artistas escolhiam e esboçavam, em diversos pontos
de vista, as partes que eram mais belas de cada corpo, para, depois, encontrar as partes
restantes noutro corpo que se complementem e, assim, proceder ao seu registo. Este
método denominou-se de “Bello-Ideal ou Bello Reunido”71, que é um fruto do espírito.72 Para
Platão, o artista não é o imitador do mundo sensível, visto que é enganador e falso;73 o
artista é aquele cujo espírito encerra um modelo prestigioso de beleza, para o qual ele pode,
como verdadeiro criador, voltar ao seu olhar interior e, embora a perfeição total desse
modelo não possa passar para a obra no momento da criação, deve revelar uma beleza que
é algo mais que a simples cópia de uma “realidade”.74
Para Giovanni Pietro Bellori, as primeiras formas são as Ideias, tanto que cada
designação foi expressa a partir dessa primeira Ideia, e assim formou-se o “tecido das coisas
criadas”75. Os escultores, formam nos seus espíritos, um modelo de beleza superior e, sem
afastá-lo dos olhos, emendam ou corrigem a natureza. Assim, a noção de Ideia está
animada pela imaginação, torna-se na origem da Arte e da medida da mão que executa, para
além de dar vida às imagens. Deste modo, a Ideia constitui a perfeição da beleza natural,
rivalizando e ultrapassando até mesmo a natureza, visto que as obras Belas são realizadas
num determinado ponto que a natureza nunca atinge.76
Do mesmo modo, para Imanuel Kant, filósofo alemão, a forma era uma
propriedade da mente, considerando que a forma é derivada da experiência e é imposta
pelo indivíduo sobre o objecto material77, sendo a forma uma condição a priori da
experiência.78 As faculdades requeridas pelas Belas Artes, a imaginação, o intelecto e a alma
encontram no gosto, a sua união, sendo o talento natural do artista constituído pela
imaginação, pelo intelecto e pela alma.79 A imaginação é criadora e põe em movimento a
faculdade das ideias intelectuais (a razão)80: “[…] Funciona através da promoção de
“imagens” mentais que repetem a experiência já vivida e organizam ou antecipam o que
71 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, pp. 32-33.
72 LIMA, Henrique Ferreira de - Joaquim Machado de Castro, escultor conimbricense : notícia
bibográfica e compilação dos seus escritos dispersos. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925, p. 232.
73 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 16.
74 Ibid., p. 17.
75 Ibid., p. 143.
76 Ibid., p. 144.
77 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Form in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].
78 KANT, Immanuel – Crítica da Faculdade do Juízo. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998,
23
não é experimentável ou não foi ainda experimentado.”81 Só na união entre intelecto e
sensibilidade é que é possível determinar os objectos, que pressupõem uma forma.82 Por
outro lado, a actividade do génio requer um processo de aperfeiçoamento destinado a
adequar a forma ao conceito sem prejudicar as faculdades da alma.83 Para Kant, o génio ou
a “sensibilidade artística activa” é um talento com duas faces, que vai buscar à natureza a
predisposição inata para conciliar a imaginação e o intelecto, segundo um “impulso
harmónico” e, através do gosto, sem perder de vista o conceito do que deve ser a obra, esta
é adequada a “condições socioculturais”, capaz de garantir a sua comunicabilidade
universal.84 Defende também que as faculdades da imaginação e do intelecto são próprias
da experiência estética.85 O acesso à ideia, cujo próprio nome remete para o acto de ver,
como escreveu Starobinski,86 também se interliga com a Imagem.
81 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
da Moeda, 2000, p. 50.
82 Ibid., p. 128.
83 Ibid., p. 129.
84 Ibid., p. 130.
85 Ibid., pp. 400 - 401.
86 Ibid., p. 243.
87 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
24
A imagem da forma, que reside no espírito, para ser visível aos outros, tem de ser
materializada aos nossos olhos. Neste sentido, o desenho é uma acção sobre um
determinado objecto,90 ou até Ideia, na medida em que o torna visível aos outros. O
desenho faz com que a Pintura, Escultura ou Arquitectura sejam vivificados,91 isto é, o
desenho dá-lhes vida, principalmente quando a Ideia ainda está na mente, e é tornada
visível para o homem, tornando-se eterna92: não é mais que tornar a exprimir em imagem o
que reside na mente. Neste contexto, Machado de Castro refere-se ao desenho como uma
faculdade “d´Alma”. A semelhança entre o Homem e Deus está no espírito, e Machado de
Castro encara o desenho enquanto expressão do espiritual, no qual reside o sublime. 93
p. 196.
95 LIMA, Henrique Ferreira de - Joaquim Machado de Castro, escultor conimbricense : notícia
bibográfica e compilação dos seus escritos dispersos. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925, p. 213.
96 Ibid., pp. 215-216.
97 Ibid., p. 219.
98 Ibid., p. 217.
25
chamado esquisso, designado como as primeiras linhas ou traços, o qual, sendo um
desenho não estruturado, é muito próximo da imaterialidade da Ideia.99
99 PEREIRA, José Fernandes - Desenho in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,
p. 197.
100 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 13.
101 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 9.
102 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 61.
103 Ibid., p. 80.
104 Ibid., p. 89.
105 PEREIRA, José Fernandes - Desenho in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,
p.195.
106 Ibid., p. 201.
26
depois, materialmente, a partir dos materiais. As suas esculturas são “desenhos fora do
papel”, reduzindo-se, no limite, a desenhos no espaço, nas quais não existe espacialidade
nem interioridade, isto é, não permitem que o espectador circule no “interior” do objecto.
A própria ideia de desenho consiste numa posição negativa face à espacialidade, e à própria
instalação, a qual acaba por se negar a si mesma, quando se verifica, frequentemente, que a
tridimensionalidade é apenas uma “simulação”, diríamos, mesmo, uma encenação, que
reforça o carácter imagético profundo das esculturas.
Por outro lado, os materiais da escultura, que eram realmente pesados e sujeitos à
gravidade, são substituídos por outros, muitas vezes reciclados, reforçando a componente
mental inerente ao trabalho de Pedro Cabrita Reis.
A Ideia é, em si, portadora de uma profunda leveza, visto que só existe nessa
condição de “imagem” na mente. A Ideia constitui uma forma imaterial, a qual ganha peso
e corpo, aquando da sua materialização. Quando a Ideia ganha um corpo, no vídeo e na
fotografia, a leveza continua a existir, até na própria natureza do suporte.
27
CAPÍTULO 1 – O PESO DA MATÉRIA
107 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 321.
28
assim como influência nas tradições paleocristãs, bizantinas, germânicas, celtas e
islâmicas.108
A controvérsia iconoclasta, por exemplo, consistiu numa “luta” pelo poder entre a
Igreja e o Estado, e foi iniciada com a promulgação de um édito, em 726, por Leão III,
Imperador Bizantino, que excomungava as imagens religiosas. O ícone religioso, da palavra
grega eikon, que significa “imagem”, forneceu outro tema para a representação artística. Os
ícones apresentavam normalmente as figuras de Cristo, da Madona ou de santos como
modelos principais, e eram objectos, simultaneamente, de culto pessoal e de veneração
pública. Estas imagens sagradas eram consideradas as fontes para imagens posteriormente
executadas por artistas, permitindo uma corrente de sucessivas cópias, e cópias de cópias,
no interior das igrejas. Enquanto imagens “vivas” tinham o objectivo de instruir e inspirar
o crente, porque se acreditava que a própria presença da figura invocada residia na
imagem.111 Deste modo, os ícones eram objectos de veneração, e porque eram a
encarnação do sagrado, a representação das figuras através dos ícones devia obedecer a um
conjunto de regras estritas, com padrões iconográficos fixos e repetitivos, visto que a sua
grande maioria se tornava notável pelo rigor de execução, e não pela invenção artística.112
108 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 357.
109 Ibid., p. 355.
110 Ibid., pp. 321-322.
111 Ibid., p. 272.
112 Ibid., p. 282.
29
Aliança, jamais foi visto sob a forma material. Assim, só seria atingido pela razão, oração,
meditação e não pela sua representação corporal, pela sua dimensão “carnal” e consequente
apreensão pelos sentidos, nomeadamente pela visão, que é o sentido que apreende as
imagens. Plínio (23 a.C – 79 a.C), na sua Enciclopédia da História Natural, não utiliza
nenhuma imagem, pois apresenta-se como um defensor da ausência das imagens, pelo
facto de serem enganosas e falsas. Deste modo, os Iconoclastas desejavam reduzir a arte
religiosa a símbolos abstractos e a formas de plantas ou animais, isto é, filomórficas ou
zoomórficas.
S.Teodoro, o Estudita (759 d.C. - 826 d.C.) foi um defensor dos Ícones, contra os
Iconoclastas; alguns dos seus argumentos reflectem a teoria neoplatónica, exposta por
Plotino, de que o mundo dos sentidos está relacionado com o divino por emanação, isto é,
os seres dimanam ou fluem do Uno, que fora interpretado como equivalente semântico de
Deus. Para São Basílio, o Grande (329 d.C. -379 d.C.), Cristo é idêntico ao Seu pai em
divindade, e à sua mãe na humanidade; e justifica que aquilo que é venerado não é a
essência da imagem, mas a forma do protótipo que é impressa sobre ele, uma vez que a
essência da imagem não é venerável, não sendo sequer o material que é venerado. Por
113 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 274.
30
outro lado, argumenta que cada corpo tem uma sombra, tal como Cristo tem uma imagem,
que é visível enquanto protótipo.114
A Arte Românica fora uma arte predominantemente rural e monástica; a arte gótica,
pelo contrário, tornou-se cada vez mais cosmopolita115, sendo que, com a reabertura das
rotas comerciais, estimulou-se o florescimento da vida urbana. No decorrer das migrações
e das invasões que atravessaram a Alta Idade Média, onde predomina o estilo Românico, as
cidades europeias tinham ficado reduzidas em dimensões e em população.116 No entanto, as
cidades recuperaram a sua importância na Baixa Idade Média, e os novos centros urbanos
despontavam por toda a parte, tornando-se independentes. O crescimento populacional e
os novos povoados estimularam a construção de edifícios por toda a parte, muitos dos
quais destinados ao culto cristão.117 Neste contexto, iniciam-se as peregrinações a Roma e a
Santiago de Compostela, nas quais as pessoas comunicavam em pé de igualdade,
intensificando o sentido de comunidade.118 No contexto do surgimento dos novos
aglomerados urbanos, a arquitectura desempenhou um papel fundamental na formação do
estilo gótico, não só nos edifícios religiosos, como também em obras da arquitectura
secular: castelos, palácios, entre outros, sendo que a reconstrução da Abadia de St.Denis foi
fundamental para o surgimento e difusão do estilo Gótico.
114 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 275.
115 Ibid., p. 399.
116 Ibid., p. 358.
117 Ibid., p. 359.
118 Ibid., p. 361.
119 Ibid., p. 244.
120 Ibid., p. 268.
31
das torres, (os chamados minaretes nas mesquitas que eram o local de chamada dos fiéis
para a oração,121 a geometria, os variados tipos de arcos (em ferradura, quebrados) e a
predominância na decoração.
121 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 292.
122 Ibid., p. 400.
123 PANOFSKY, Erwin - El Abade Suger: Sobre la abadia de saint-denis y sus tesoros artísticos. Madrid:
32
contrário do Românico, as novas conquistas da arquitectura, como os arcobotantes e os
restantes elementos de estruturação, permitiram a presença de grandes janelas com vitrais e
rosáceas, criando, assim, a simbologia da entrada abundante da luz para o interior do
edifício. Assim surge a teoria de Suger, de que Deus é Luz. Com esta entrada de luz para o
interior, a escultura, que no Românico apenas tinha lugar no exterior e dependia do local
que a arquitectura lhe reservava, onde tinha luz para ser vista, ganhou maior independência,
marcando presença no interior, e, multiplicado em número, aparece com maior frequência.
Suger estava apaixonado pela beleza e esplendor das formas, isto é, pelo
embelezamento material128 no interior da igreja, como potes de ouro adornados com
pérolas e pedras preciosas, candeeiros de ouro e painéis de altar, esculturas e vitrais,
mosaicos e esmaltes, indumentárias brilhantes e tapeçarias. Guiado pela teologia neo-
platónica, sabia que as coisas materiais constituem a plataforma para chegar às coisas
espirituais. Neste sentido, propunha para o seu mosteiro o valor da riqueza e da beleza
como homenagem à fé, para fazer realçar a claridade e o brilho da luz divina.129
A igreja de St.Denis, reformada por Suger, era muito diferente do que imaginava
S.Bernardo de Claraval (1090-1153), monge de Cister. A ostentação nos embelezamentos
da igreja era deplorada por S.Bernardo. As descrições de Suger, registadas entre 1144-1149,
sugerem o amor sensual dos materiais preciosos, mas também a crença de que estes
materiais podiam transportar o venerador para um estado superior de consciência
espiritual.130 No entanto, para S.Bernardo, não se tolerava nos espaços religiosos pintura
nem escultura figurativa, com excepção dos crucifixos de madeira; as pedras preciosas,
pérolas, ouro e seda eram proíbidos; as indumentárias deviam ser de linho, os candeeiros e
incensários de ferro e só os cálices poderiam ser de prata pura ou banhada de ouro. 131
Neste contexto, S.Bernardo escreveu diversas cartas, condenando a opulência, a
intemperança nas comidas e bebidas, nas vestes e roupas de dormir, nos apetrechos de
cavalgar e na construção de edifícios.132 A Apologia, de 1124-25, um tratado de
espiritualidade monástica, dirigida sobretudo aos monges clunianences, contém essas
128 PANOFSKY, Erwin - El Abade Suger: Sobre la abadia de saint-denis y sus tesoros artísticos. Madrid:
Ediciones Cátedra, 2004, p. 30.
129 PACHECO, Maria Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação
33
informações, e procura fazer a diferença entre as duas ordens da Regra de S.Bento: Cluny e
Cister.133
“Tão grande e tão admirável aparece por toda a parte a variedade das formas que mais
apetece ler nos mármores que nos códices, gastar todo o dia a admirar estas coisas que a
meditar na lei de Deus […] .”135
133 PACHECO, Maria Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação
Eng.António de Almeida, 1997, p. 9.
134 Ibid., p. 14.
135 DIAS, Geraldo J.A.Coelho - Bernardo de Clavaral: Apologia para Guilherme, Abade in PACHECO, Maria
Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação Eng.António de Almeida, 1997,
p. 67.
136 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
34
A Escultura Medieval
138 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 1984, p. 35.
139 PEREIRA, José Fernandes - Teoria da Escultura: O Sistema Medieval in Dicionário de Escultura
35
o Mestre Eckhart (1260 – 1328), a imagem, a forma e a figura são uma única e a mesma
coisa, pois existe na alma uma imagem, isto é, a forma ou a figura de algo.146
146 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994. p. 43.
147 GIL, Fernando – Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da
Moeda, 1984, p. 30.
148 Ibid., p. 31.
149 PEREIRA, José Fernandes – Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
1990, p. 13.
151 PEREIRA, José Fernandes – Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,
2005, p. 343.
36
linguagem das imagens, a significação das figuras alegóricas ou a sua interpretação. Os
escultores sempre tiveram profundas e legítimas preocupações iconográficas durante o
desenvolvimento do seu trabalho.152 As representações não eram consideradas verdadeiras
esculturas no sentido artístico do termo, mas, sim, imagens de devoção, que apresentam
necessariamente os seus correctos atributos iconográficos. As preocupações iconográficas
residiam numa lógica de representação, no rigor da imagem e na correcta definição do
tema.153 As representações tinham códigos narrativos, que visavam uma espécie de
aculturação das populações em fase de cristianização, quer isto dizer que a linguagem
plástica foi substituída pela linguagem escrita,154 visto que as representações eram
puramente narrativas, e o que prevalecia era precisamente a moral dessa narração
enquadrada numa função pedagógica. Deste modo, tanto a escultura como a pintura
queriam-se directas, correctas e de fácil entendimento, falando-se, por isso, em imagens e
não em escultura.155 O privilégio da iconografia e da imagem levou a que os “artistas”
fossem simples artífices, a quem era exigido apenas habilidade, sabedoria manual e
tecnológica, de modo a que fosse materializado de forma simples o repertório
iconográficoque lhes era pedido.156
152 PEREIRA, José Fernandes – Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,
2005, p. 344.
153 Ibid., p. 343.
154 PEREIRA, José Fernandes – Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
2005, p. 346.
156 Ibid., p. 347.
157 Ibid., p. 347.
158 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 38.
37
as mãos do artesão provém daquela Beleza que está em cima das nossas almas, isto é, de
Deus.159 Dotado de sabedoria, Deus partilhava a sua dávida com o artesão, que apenas era a
mão executável e interferia com a matéria, ou seja, tinha apenas a perícia técnica, estando o
resto na mão de Deus.160 O artesão rendia-se à sua humildade, e a obra não era assinada –
era uma forma de agradecimento.
A teoria das Ideias que se apresentava como uma filosofia da razão humana,
converte-se, de certa forma, numa espécie de lógica do pensamento divino. É neste sentido
que a Teoria das Ideias platónica se manteve durante toda a Idade Média, ainda que
sofrendo uma adequação à verdade revelada. As Ideias estavam em Deus, constituíndo-se
parte de toda a realidade. Tomás de Aquino (1225 – 1274), numa explicação sobre o
conceito de Ideia, de matriz agora aristotélica, que serviu de modelo para a posteridade,
refere que o mundo não é o produto do acaso, mas, ao contrário, foi criado por Deus e
pela acção do seu espírito, sendo necessário obrigatoriamente que haja uma forma no
espírito divino, cujo modelo criou o mundo; e é nisso que consiste a essência conceptual de
Ideia.161 Deste modo, ultrapassando a cisão ontológica platónica, entre Ideia e Matéria,
S.Tomás utiliza o hilemorfismo aristotélico.
159 AGOSTINHO, Santo - Confissões. 12º Edição. Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1990, p. 277.
160 PEREIRA, José Fernandes – Teoria da Escultura: O Sistema Medieval in Dicionário de Escultura
Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, p. 581.
161 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 41.
162 Ibid., p. 40.
163 Ibid., p. 181.
38
Ideia como tal, visto que esta é cedida por Deus, pode-se pensar que ele está na posse de
uma “quase Ideia”.164 Esta expressão de Tomás de Aquino reflecte a interpretação que a
filosofia medieval fez da criação artística, sem promover a arte, mas, sim, fazer
compreender mais facilmente a essência do Cristinanismo e a eficácia do espírito divino.165
A dimensão específica da arte, como recta ratio factibilium, expande-se a outros níveis,
nomeadamente na Alta Idade Média, no período Românico, no qual a escultura se torna
subsidiária da arquitectura, “abrigando-se e quase escondendo-se no único local
possível.”170 Por outras palavras, a arquitectura mantém uma primazia sobre a escultura,
que só aparece no local que lhe é destinado pela arquitectura (a chamada Lei do Quadro),
como seja no portal principal, portais laterais, capitéis e tímpanos, onde a escultura era
164 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 41.
165 Ibid., p. 40.
166 Ibid., p. 38.
167 Ibid., pp. 37-38.
168 Ibid., p. 36.
169 AGOSTINHO, Santo - Confissões. 12º ed. Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1990, p. 248.
170 PEREIRA, José Fernandes - Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,
2005, p. 347.
39
adossada.171 A composição escultórica acaba por se evidenciar, moldada pela própria
arquitectura, para além da escultura monumental ter desaparecido, a partir do século V, e se
ter limitado quase inteiramente ao ornamento arquitectónico, implicando relevos de
pequeno formato.172
171 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
Caminho, 2005, p. 239.
172 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
40
renovados. A catedral tornou-se no centro da cidade, e símbolo de poder dos homens que
contribuiram para a execução das mesmas, mas assinalando a grandeza do poder de Deus, e
do poder da cidade. As inovações arquitectónicas do arco ogival (articulação e encaixe),
juntamente com os arcobotantes, permitiram a construção das catedrais com o objectivo de
atinguir a máxima verticalidade possível, como simbologia de elevação do espírito a Deus.
Outra grande mudança assenta na teoria de Suger, que defende que Deus é Luz. Esta teoria
permitiu a colocação de enormes vitrais nas janelas, que por sua vez permitiram à catedral
ganhar luminosidade no seu interior. A anatomia não é ainda uma ciência formadora do
pensamento artístico,174 mas a escultura autonomiza-se gradualmente, pois poderia estar
presente no interior e exterior da catedral com uma expressão mais humanizada, natural,
com movimentos corporais mais sinuosos e um tratamento mais cuidado dos
panejamentos.
174 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
Caminho, 2005, p. 241.
175 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 51.
176 Ibid., p. 44.
177 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 13.
41
Renascimento em português, definido como o regresso do conhecimento, da literatura e
das artes da Antiguidade Clássica,178 expurgados agora de uma interpretação teológica
hegemónica. O estudo do legado do passado, não só a nível intelectual, como também
artístico, elevou o estatuto do artista enquanto intelectual e autor das suas obras.179 A
concepção da Ideia no Renascimento perde a validade metafísica, ou pelo menos, a
validade a priori que tinha até então.180 A Ideia passa a significar o resultado final de uma
experiência exterior mas, como iremos averiguar em Miguel Ângelo, a Ideia passou a
significar, como na concepção da Idade Média e do Neoplatonismo - que a teoria italiana
da arte só iria herdar mais tarde na época do Maneirismo -, uma representação
completamente interior.181
178 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p.517.
179 Ibid., p. 518.
180 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 55.
181 Ibid., p. 121.
182 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 13.
183 Ibid., p. 16.
184 Ibid., p. 23.
185 Ibid., p. 15.
42
descrições sobre os instrumentos e métodos de medição da figura humana como o
exempeda186 e o finitorium187.
Alberti defendeu que o homem devia esforçar-se por alcançar a bondade espiritual
e não ser escravo dos seus sentidos e paixões, devendo elevar-se para além de uma
concepção material do mundo. Por outro lado, considerava que a falta de emoção era
desumana e o que o homem necessitava moderar os seus sentimentos e desfrutar dos bens
terrenos sem ser escravo deles. O marco mais significativo e frequente na doutrina de
Alberti reside no facto da moderação ser alcançada através da Razão, conduzindo à
serenidade do espírito, significando uma conduta ideal de vida. Neste aspecto, a visão
racional que se baseava na filosofia antiga é a característica dominante da concepção da
vida.188
O conceito da Ideia da Beleza para Alberti conservava algo da sua aura metafísica e
dependia da experiência.192 Antes de mais, acusava os artistas que se julgavam capazes de
fazer uma obra bela sem estudar a natureza; a Ideia da beleza escapa ao espírito
inexperiente e, mesmo os mais versados, dificilmente são capazes de a reconhecer.193 A
potência infinita do génio do artista, bem como o acto de dispensar a experiência exterior
(natureza), foi utilizada para alertar o artista contra a sua própria subvalorização, e para
186 “The size of the chosen figure, we divide it into six equal parts which we call feet; and this is why we give
this ruler its name, from the number of feet. exempeda is used to measure a standing man, we set it up beside
him and note for each of the limbs, the height from the sole of the foot, the distance from the next limb, how
many inches or minutes, say, up to the knee, the navel, the collar-bone, and so on.” - ALBERTI, Leon
Battista - On Painting and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, pp. 125-126.
187 “The operation of the finitorium is based on the relationship between the central median perpendicular
dropped through the figure from the top of the head to the ground, and the cylinder described around its
centre by the plumb-line at the point of furthest lateral extension.” - ALBERTI, Leon Battista - On Painting
and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, p. 141.
188 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 18.
189 Ibid., p. 19.
190 Ibid., p. 24.
191 Ibid., p. 23.
192 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 60.
193 Ibid., p. 57.
43
reconduzir à contemplação da natureza. Alberti acredita que a faculdade de receber em
espírito a beleza só podia ser adquirida pela experiência e pelo exercício.194
A natureza, enquanto artista soberana na invenção das formas, era sempre o seu
modelo, sendo os seus princípios qualitativos a concepção da harmonia, da proporção e da
simetria, sendo ideias já formadas por Aristóteles ou Vitrúvio.195 Para Alberti, os melhores
modelos eram os antigos, mas imitá-los cegamente, não alegrava o artista “moderno”.196
Ainda que a função primordial seja a imitação da natureza, incutia-se ao artista outro dever
mais importante: que a sua obra seja tão Bela como precisa, sendo que a Beleza não
procede necessariamente de uma imitação exacta, até porque a Beleza não é uma qualidade
de todos os objectos naturais.197 Deste modo, o triunfo da Arte sobre a natureza realizou-se
graças à “imaginação”, cuja liberdade criadora pôde modificar as aparências ao afastar-se
das possibilidades e das variantes presentes na natureza.
194 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 58.
195 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 30.
196 Ibid., p. 24.
197 Ibid., pp. 25-26.
198 ALBERTI, Leon Battista - On Painting and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, p. 121.
199 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 28.
200 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 47.
201 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 27.
44
Statua, no qual explica a escolha das partes belas de vários corpos, o levantamento das
medidas e proporções, estabelecendo depois a medida proporcional. 202
Deste modo, a beleza era atingida sempre que o artista escolhia uma “bela
invenção”, evitava “inconveniências” e “incompatibilidades”, e conferia às aparências a
harmonia que era racionalmente determinada nas relações entre os volumes. A importância
deste factor foi evidenciada na teoria das proporções, isto é, de saber como determinar essa
harmonia e o prazer que dela resulta.203 Para Alberti, a beleza consiste numa harmonia e
num acordo das partes com o todo, segundo determinações de número, de
proporcionalidade e de ordem. Por isso, os diferentes elementos devem ser harmoniosos
entre si, desde que se relacionem pelo tamanho, pela disposição, pelo motivo, pela cor, e
por outras propriedades semelhantes, para uma única e mesma beleza. Neste sentido, a
harmonia das proporções e das qualidades sensíveis são reconhecidos para os teóricos do
Renascimento como a própria essência de beleza,204 traduzida nos conceitos de
“Concinnitas” e no de “Venustas”.
Apesar da beleza ser uma certa harmonia regular entre todas as partes do objecto, e
constituir uma certa ordem, tal como o princípio da simetria, que é a lei mais elevada e
perfeita da Natureza, para Alberti, as coisas mais belas provinham de uma inspiração
racional do espírito ou da mão do artista.205 Causavam prazer à vista e Alberti acreditava
que o Homem conhecia a beleza não só por gosto, mas por uma faculdade racional comum
a todos os homens que permitiu decidir quais as obras de arte que mereceriam a
qualificação de belas.
202 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 29.
203 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 50.
204 Ibid., p. 53.
205 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 27.
206 ALBERTI, Leon Battista - On Painting and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, p. 140.
207 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 29.
45
natureza embora, só seja possível, mantendo contacto estrito com a natureza, sem
necessidade de recorrer à imaginação, discordando com Artistóteles neste aspecto.208
Nos últimos anos da sua vida, de 1464 a 1472, com o poder dos Médicis em
Florença, a vida tornou-se mais opulenta e a filosofia dos homens também mudou, no
sentido em que os neoplatónicos dominaram a cultura do final do Quattrocento. Um bom
número de ideias filosóficas de Alberti teve origem nos escritos dos primeiros seguidores
humanistas de Platão: como a sua fé no homem, e na vontade humana, e a sua doutrina da
conformidade com a natureza. Lourenço de Médicis, el Magnífico, favorece uma nova
abordagem do neoplatonismo místico, em certa medida por razões políticas, em que se
insistia muito mais na vida contemplativa. Alberti não simpatizava muito com os métodos
de Lourenço, nem com a nova abordagem do misticismo neoplatónico.209
208 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 30.
209 Ibid., p. 32.
210 Ibid., p. 33.
211 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 17.
212 SOUSA, Pio (dir.) - Miguel Ângelo morreu há 450 anos in Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
todas as características da inspiração que se coloca ao dispor de uma concepção romântica do Génio, que
reconhece o sinal do verdadeiro génio artístico não na verdade nem beleza das suas obras, mas na plenitude
46
constantemente a desenvolver e alterar como vamos poder observar na passagem de uma
fase na crença da beleza visível para uma beleza espiritual, que é expressa nas suas últimas
esculturas, como também nas suas poesias inspiradas na metafisica neoplatónica, que nos
clarificam a sua visão do mundo. Este caminho do seu pensamento foi indirectamente
influenciado pelo convívio com as obras de Dante e Petrarca e, directamente, através da
influência dos círculos humanistas florentinos e romanos.214 As primeiras obras que
executou em Roma são tipicamente do Alto Renascimento, mas antes da sua morte o
Maneirismo estava firmemente consolidado.
infinita de uma criação que propõe sempre algo de único e de inédito. PANOFKSY, Erwin - Idea: A
evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 121.
214 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 111.
215 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 76.
216 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
47
Médicis.219 Os poemas de Miguel Ângelo permitiram uma dedução do que para ele consistia
a beleza. Inicialmente, a sua fé na beleza do mundo material era muito profunda. Os seus
primeiros poemas de amor reflectem este sentimento, expressão de uma paixão fortemente
emotiva e muitas vezes física, e dirigida tanto à beleza visível como à beleza espiritual, de
que falavam os platónicos.220 Para Miguel Ângelo, tanto a Razão estricta e fria de
florentinos, como Alberti, como o neoplatonismo do final do Quattrocento, eram duas
formas de fé igualmente sinceras; embora nos últimos anos da sua vida se tenha
evidenciado a sua apologia pela devoção apaixonada, quando se tornou membro fiel da
Igreja Católica e sofre a influência da atmosfera do neoplatonismo de Marsilio Ficino221
(1433-1499) que entrega-se à beleza, mais que à verdade científica, como iremos averiguar
mais adiante.
Os seus contemporâneos contaram que Miguel Ângelo nesta nova fase não se
contentava em observar a natureza, apesar de durante toda a sua vida a ter estudado
cientificamente, sobretudo nos estudos de anatomia. Deste modo, não acreditava na
219 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 76.
220 Ibid., p. 78.
221 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
1990, p. 81.
223 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
1990, p. 82.
48
imitação exacta da natureza porque aborrecia-lhe executar uma imagem que se parecesse a
um modelo vivo, a menos que este modelo tivesse uma extraordinária beleza.225 Deste
modo, o artista alcançava uma Beleza superior à da natureza só mediante a imaginação,
reafirmando uma idealidade de feição neoplatónica. Assim, a beleza é um reflexo do divino
no mundo material, sendo o corpo humano a forma particular em que a Beleza divina se
manifesta de maneira, mais evidente226 (materialização), visto que o fundamento da arte
residia na admiração da beleza do corpo humano.227
Para Miguel Ângelo, a beleza do mundo visível suscitava no seu espírito uma
imagem interior. A ideia de “Beleza”, constituída desta forma, é superior à beleza material,
pois o espírito transforma as imagens que recebe e faz com que se aproximem muito às
ideias que existem no espírito, e que provêm directamente de Deus.228 Porém, a beleza
física pode ser o vestígio externo da Beleza espiritual, como afirmou nos seus poemas
dirigidos a Tommasso de Cavalieri (1509-1587), a partir de 1532.229 O período da sua vida
em que escreveu estes poemas evidencia a influência dos elementos mais místicos do
neoplatonismo. A intensa paixão física dos primeiros poemas de amor cede lugar às
doutrinas segundo as quais o amor é a contemplação de uma beleza incorpórea,
equivalendo à forma de religião espiritualizada que Miguel Ângelo adoptou nos anos de
1530 e 1540.230 No entanto, é de evidenciar a relação de dependência entre a beleza física e
espiritual,231 na qual a imagem interior depende da existência da beleza no mundo exterior,
Beleza essa que o espírito transforma em algo mais nobre. Neste contexto, o amor à beleza
física é um engano, ao contrário do amor verdadeiro – a beleza espiritual – que satisfaz
plenamente, e não se extingue com o tempo elevando, deste modo, o espírito à
contemplação do divino.
225 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 78.
226 Ibid., p. 79.
227 Ibid., p. 76.
228 Ibid., p. 79.
229 Ibid., p. 83.
230 Ibid., p. 85.
231 Ibid., p. 80.
49
232
ultrapassando os cânones fixos de beleza. A obra mais representativa deste período, la
Pietá Rondanini (1552-1564), que deixaria inacabada, privou os símbolos humanos da sua
qualidade corpórea, comunicando directamente uma ideia puramente espiritual.
Abandonou os temas clássicos, mas os temas religiosos que trabalha não são os mesmos
pelos quais mostrava maior predilecção na juventude, visto que a sua aproximação ao
mundo e às artes é ainda mais espiritualizada, e, em simultâneo, mais especificamente cristã,
sendo que o seu sentimento religioso, combina com a concepção mística do
neoplatonismo.233
Deus era a fonte de toda a Beleza, logo a inspiração artística seria, necessariamente,
de carácter divino. A arte era um dom que o artista recebia e, graças a ele, podia dar vida à
pedra em que esculpia a sua estátua. Sendo a pedra a parte material da obra, a mesma é
inútil e está morta até que a imaginação tenha actuado sobre ela, como referido nos seus
poemas. 234
232 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 90.
233 Ibid., p. 92.
234 Ibid., p. 87.
235 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 113.
236 Ibid., p. 117.
237 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 88.
238 Ibid., p. 86.
50
sua insatisfação constante, substimando sempre as suas obras, já que, na sua opinião, nunca
podia realizar as ideias que o seu espírito tinha concebido.239
Para essa nova sensibilidade, o mundo visível não é mais do que o símbolo de
significações invisíveis e espirituais, e a oposição do sujeito e do objecto, da qual o
pensamento teórico tomava consciência, só pode resolver-se por referência a Deus. Assim,
as obras de arte desta época procuraram exprimir frequentemente, para além dos seus
conteúdos simplesmente visíveis, todo um conjunto de pensamentos cujo sentido é
alegórico ou simbólico.244 Neste sentido, existe relação profunda entre o Maneirismo e a
239 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 87.
240 Ibid., p. 79.
241 Ibid., p. 81.
242 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 117.
243 Ibid., p. 98.
244 Ibid., p. 97.
51
Idade Média, na qual o próprio conceito de Ideia se tornou o objecto de uma representação
alegórico-simbólica.245
A mudança não atingiu apenas o meio em que o Homem vive, a sua arquitectura e
o seu vestuário, mas até a própria corporeidade do ser humano se modificou e é
245 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 239.
246 Ibid., p. 73.
247 Ibid., p. 74.
248 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 55.
249 Ibid., p. 56.
250 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 96.
251 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 221.
252 Ibid., p. 235.
253 Ibid., p. 237.
52
precisamente neste novo modo de sentir o corpo, na nova maneira de mantê-lo e compor
os seus movimentos, que reside o verdadeiro cerne de um estilo.254
254 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 269.
255 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 676.
256 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 294.
257 Ibid., p. 71.
258 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
53
Depreende-se então que a absorção dos temas representados não devia realizar-se
apenas através da mente, mas também deviam ser vividas pelo coração, por meio dos
sentidos.262 Os artistas, de forma consciente, opunham-se ao intelecto, dando agora menos
importância à Razão. Antonio Possevino (1533-1611) completa esta ideia, afirmando que o
artista devia experimentar o sentimento de horror se queria comunicá-lo ao observador.
Isto parece quase uma aplicação directa dos métodos dos exercícios espirituais à prática das
artes,263 nos quais o artista teria de sentir e “vivenciar” na realidade o que iria representar.
Neste contexto, a expressão dos olhos das esculturas recuperaram a sua antiga
firmeza e intensidade,264 visto que a face humana era um espelho da alma.265 Por outro lado,
o movimento do corpo possibilitava a tradução dos sentimentos humanos e, desse modo,
os movimentos tornam-se mais intensos e o sentimento pulsa mais profundamente,
observando-se uma exaltação geral da natureza humana.266 Como já vimos, essa exaltação é
evidenciada nas emoções e movimentos intensos, e foi aplicada ao contexto religioso,
como, por exemplo, nas cenas idílicas do nascimento de Cristo, onde deveria reinar a mais
absoluta serenidade.
Tudo dava a impressão que estava em movimento,267 existindo uma progressão das
formas duras do Renascimento até às formas suaves, das linhas rectas até às linhas
curvas.268 Com o efeito de massa e movimento, o estilo pretendia alcançar o
acontecimento, a expressão de um determinado movimento do corpo.269 Neste sentido, o
corpo transforma-se em força,270 em tensão,271 visto que tende a dar a impressão de um
instante.272 A escultura possuiu uma concepção completamente nova da matéria, em que a
representação tão expressiva do corpo, dava uma sensação extremamente realista, que
convertia a pedra em carne “tenra e saborosa”273, possuíndo uma consistência menor no
262 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600) – Madrid: Ediciones Cátedra, p.
140.
263 Ibid., p. 141.
264 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 272.
265 Ibid., p. 32.
266 Ibid., p. 305.
267 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 64.
268 Ibid., p. 80.
269 Ibid., p. 63.
270 Ibid., p. 85.
271 Ibid., p. 100.
272 Ibid., p. 39.
273 Ibid., p. 49.
54
âmbito da matéria. No estilo Barroco não interessava o ser perfeito, mas, sim, a intensidade
do movimento. 274
274 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 73.
275 Ibid., p. 30.
276 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 253.
277 Ibid., p. 315.
278 Ibid., p. 325.
279 Ibid., p. 318.
280 Ibid., p. 282.
281 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 31.
282 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 339.
283 Ibid., p. 295.
284 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 118.
285 Ibid., p. 47.
286 Ibid., p. 35.
55
contexto, o efeito da luz adquire maior importância que a forma,287 sendo a luz considerada
como um factor essencial para criar essa atmosfera.288 O propósito do Barroco reside em
procurar os efeitos de iluminação em que a magia da luz cai das alturas das cúpulas,289
sendo a finalidade das mesmas fazer penetrar na igreja o raio de luz essencial ao carácter
sagrado do lugar.290
287 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 92.
288 Ibid., p. 125.
289 Ibid., p. 70.
290 Ibid., p. 125.
291 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, pp. 254-255.
292 Ibid., p. 266.
293 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
56
escultor maneirista. 294 Bernini era apaixonado pelo teatro e desenvolveu efeitos teatrais nas
obras de carácter religioso e místico, estendendo e contaminando a arte religiosa por essa
dimensão dramatúrgica, na qual a própria arte religiosa se tornou teatral. Criou um mundo
supra-real em que as transições parecem divagar entre o espaço real e o imaginário, o
passado e o presente, fenómenos ideais e existência real, a vida e a morte.295 Uma das suas
mais famosas esculturas religiosas, o Êxtase de Santa Teresa, não fugiu à regra, na qual a
acção, a vitalidade e a emoção da composição teatralizada e complexa são evidentes.
Em meados da década de 1640, quando Bernini ainda não trabalhava para o Papa,
foi convidado a criar uma obra para a família Cornaro no transepto da Igreja de Santa
Maria della Vittoria, em Roma. Os seus patronos eram o cardeal Federigo Cornaro e o filho
do Doge de Veneza, Giovanni Cornaro.296 Esta obra-prima, localizada na Capela da familia
Cornaro, na Igreja de Santa Maria della Vittoria, apela aos sentidos e às emoções, enquanto
obra do período barroco, mesmo tratando-se de um tema religioso.
Sta.Teresa teve visões de Cristo e de anjos, mas lutou contra essas visões,
desconfiando que pudessem ter sido enviadas pelo diabo. Assim, usou todo o poder da sua
razão para combater ou explicá-las mas, ainda assim, foi muito confrontada por elas. Por
vezes, em público, diante de testemunhas que afirmaram ter observado o fenómeno, ela foi
vítima de levitação, permanecendo em suspensão no ar por longo tempo. A visão de Santa
Teresa, descrita numa autobiografia, na qual ela detalhou muitas das suas visões, incluindo
294 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, pp. 699-700.
295 WITTKOWER, Rudolf - Bernini: the sculptor of the roman baroque. London : Phaidon, 1997, p. 159.
296 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.
144.
297 AVERY, Charles - Bernini: genius of the Baroque. Boston : Little, Brown and Company, 1997, p. 146.
57
esta, é interpretada, por vezes, erradamente segundo conotações sexuais.298 Bernini
transforma as palavras da visão da Santa em mármore como descrito pela mesma:
"I saw an angel close by me, on my left side, in bodily form. This I am not accustomed
to see, unless very rarely... He was not large, but small of statue, and most beautiful... I saw in
his hand a long spear of gold, and at the iron´s point there seemed to be a little fire. He
appeared to me to be thrusting it at times into my heart, and to pierce my very entrails; when
he drew ir out, he seemed to draw them out also, and to leave me all on fire with a great love
of god. The pain was so great that it made me moan; and yet so surpassing was the sweetness
of this excessive pain, that I could not wish to be rid of it. The soul is satisfied now with
nothing less than God. The pain is not bodily, but spiritual; […] It is a caressing of love so
sweet which now takes place between the soul and God, that I pray God of His goodness to
make him experience it who may think I am lying." 299
Esta é a visão particular que Bernini escolheu para ilustrar - ou melhor, para se
basear na escultura para a Capela da família Cornaro, que é composta por elementos
arquitectónicos, onde a conjugação entre pintura e escultura, factor tão característico do
período barroco, articula as diversas artes no mesmo espaço.
Retornando à escultura, na sua composição aparecem as duas figuras, Sta. Teresa e o anjo
na sua nuvem flutuante, que apesar de não terem uma escala natural, possuíam um sentido
de grandiosidade, quase uma escala monumental.300 A captação do momento de êxtase de
Santa Teresa evoca um estado emocional de arrebatamento íntimo, um transporte de
exaltação mística, sendo possuída por uma força intensa, experimentando um transe que a
levaria para junto da divindade. De carácter místico e religioso, os sentimentos e as
sensações que regulam a acção convertem-se numa exaltação espiritual, na qual um
momento único se transforma em êxtase, através dos movimentos do corpo, que são
espelho dos movimentos da alma. A personagem principal sentiu não uma dor física, mas
espiritual, que também lhe tocou no corpo, quando a lança foi retirada. Assim, totalmente
consumida pelo grande amor de Deus, essa dor, desejada eternamente, foi a mais doce
carícia oferecida por Deus à sua alma. O que surge referido neste contexto é o amor de
298 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.
144.
299 “Eu vi um anjo perto de mim, do meu lado esquerdo, na sua forma corpórea. Isto não é algo que esteja
acostumada a ver, a não ser muito raramente... Ele não era grande, mas de pequena estatura, e muito bonito...
Eu vi na sua mão uma longa lança de ouro, e na ponta do ferro aparentava haver um pequeno fogo. Ele
pareceu empurrar-ma às vezes para o meu coração, e para perfurar as minhas próprias entranhas; quando ele
a removeu, pareceu que as tinha removido também, para me deixar em chamas com o grande amor de Deus.
A dor era tanta que me fez gemer; e ainda tão insuperável era a doçura desta excessiva dor, que não podia
desejar livrar-me dela. A alma está satisfeita agora com não mais que Deus. A dor não é corpórea, mas
espiritual; […] É uma carícia de amor tão doce que agora tem lugar entre a alma e Deus, e peço a Deus da sua
divindade para o fazer experienciá-la, que pode pensar que estou a mentir.” In WALLACE, Robert - The
World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p. 144.
300 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
58
Deus, que não é só direccionado para Santa Teresa, mas também para toda a
humanidade.301
pintura, luz e cor.303 A luz celestial, que Fig.1 – O Êxtase de Santa Teresa - Bernini.
1645-1652
também devém da zona superior, desce Igreja de Santa Maria della Vitoria, Capela Cornaro, Roma.
para o mundo terrestre. Estes raios de
luz celestial são captados e interagem com a escultura de Santa Teresa, descendo sobre a
composição, pelo que as figuras parecem quase desmaterializadas. A sua natureza divina é
sugerida precisamente pelos raios dourados, provenientes da parte superior do altar. Toda a
escultura é portadora de um intenso realismo, que ocupa um espaço real que nos
301 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.
145.
302 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
145.
59
transcende. Esta explosão celestial acentua o ímpeto da seta angelical e confere
credibilidade total ao êxtase de Santa Teresa.304
Para que a ilusão fosse total, Bernini providenciou um público para este seu
“palco”. Nas laterais da capela encontram-se varandins que se assemelham a camarotes de
teatro, ocupados por figuras de mármore que representam os oito membros da família
Cornaro como testemunhas da visão. Apesar de apenas um deles estar vivo na altura, todos
eles são representados, movendo-se, como pertencentes ao mundo actual.
Presumivelmente, como os homens num camarote de um teatro, eles estão a observar e
comentar o milagre que está a acontecer na cena principal e central.305
304 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 701.
305 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.
144.
306 Ibid., p. 145.
307 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
60
CAPÍTULO 2 – A ESCULTURA E O CORPO NO SÉCULO XX
308 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 292.
309 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 414.
310 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
61
execução das Portas do Inferno, embora o projecto não se tenha vindo a concretizar,
trabalhou nele até à sua morte.
62
influência no final da vida e na passagem para o Paraíso ou para o Inferno,
respectivamente.
O registo formal do movimento e dos gestos das outras figuras reflectem o possível
horror que os corpos passam no Inferno, sendo que certas figuras estão irremediavelmente
condenadas, sendo representado o drama e a expressão corporal de um momento de
sofrimento, despertando o pathos. Graças ao movimento intenso, todo o conjunto é fluído,
com os corpos a cair no fundo do Inferno: uns tentam ceder, e outros já se deram por
vencidos.318 Para além disso, todas as personagens da composição possuem uma
componente narrativa, desde o contexto geral da composição até ao mais particular, como
o Pensador.
315 BINDMAN, David - European sculpture from Bernini to Rodin. London : Studio Vista, 1970, p. 152.
316 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 952.
317 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 41.
318 Ibid., p. 40.
63
se apresentem numa escala inferior ao tamanho natural. O corpo da maioria das
personagens são característicos de um tratamento intenso de musculatura, torção e
movimento, que pretende exprimir não só a fisicalidade do acontecimento, mas também o
contexto psicológico das figuras condenadas. Deste modo, Rodin expressou a componente
sentimental das figuras que se fixaram maioritariamente no mundo material.
Este portal, em comparação com outras obras de Rodin, possui apenas um único
ponto de vista, o frontal, mas, apesar disso, contém uma expressividade tão acentuada, ao
ponto de algumas representações do corpo darem a sensação que estão em intenso
movimento e sensação de queda. Por sua vez, a representação do rosto da maioria das
figuras não são uma prioridade, visto que é dada mais expressão aos movimentos corporais.
Por outro lado, existe uniformidade entre corpo e rosto, em termos de modelação, no caso
particular do Pensador, o que lhe confere uma unidade expressiva admirável. Esta figura do
Portal foi reproduzida em tamanho maior e enquanto escultura independente.
319 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 52.
64
Guiado pela primeira inspiração para as Portas do Inferno, Rodin concebeu outro
pensador, com a mesma posição, sentado, em vulto perfeito, nú, em que o pensamento se
desenvolve no seu cérebro. O pensador está sentado, com o corpo impulsionado para a
frente, estando o cotovelo direito apoiado na perna esquerda e o braço esquerdo apoiado
no joelho esquerdo. Possui os músculos corporais bem definidos, assim como uma
expressão facial muito intensa, e rica, a nível simbólico: as sobrancelhas estão franzidas, os
músculos da testa contraídos, apoiando as falanges da mão no queixo. [Fig. 3]
Devido ao facto de Rodin não ter anunciado aquilo que a figura estaria a pensar,
deu azo a várias interpretações; uma delas defende que o Pensador não é sonhador, mas, sim,
criador. Seria, assim, uma projeção pessoal do artista, do seu pensamento profundo
indicativo do esforço exigido pela criação. No entanto, nas Portas do Inferno, é um dos
expedidos para o Inferno. Rodin pode ter sugerido que, na ausência de um juíz supremo, o
pensador poderia ser, ironicamente, o prisioneiro da sua própria humanidade.320
Neste contexto, pode apropriadamente ser inscrito a proposição: Penso, logo eu sou
maldito, no sentido em que é através do pensamento que os homens se tornam conscientes
do poder e da consequência das paixões, que infligem a autocrucificação sobre a
humanidade. Será a presença de um homem pensador na Porta do Inferno, uma ida para o
Inferno e uma sentença de morte? Será a morte do homem comum ou do homem criador?
Ou será da própria Arte, como os artistas a conheciam até então?
320 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 53.
65
Por sua vez, O Beijo foi retirado de um dos estudos das Portas do Inferno, e executada
em escultura de vulto. Pensa-se que foi criada entre 1882 e 1889. Executada em mármore,
representa um casal nú sentado que está a beijar-se apaixonadamente. O homem está numa
posição direita, mas com uma torção para o seu lado esquerdo, onde está a mulher. A sua
mão toca na coxa dela, enquanto ela, levanta ligeiramente a sua perna direita, deixa-se cair
para o seu lado direito nos braços do amado, e com o seu braço esquerdo contorna o
pescoço do mesmo. A sensualidade é evidente na forma como os corpos foram compostos
e na forma como estão a sugerir o beijo. [Fig. 4] O contraste evidente entre as superfícies
polidas, neste caso os corpos, e as superfícies
rugosas, isto é, a base onde os corpos assentam,
parece ter uma ligação com a escultura de
Bernini, nomeadamente o contraste que existia
entre o tratamento superficial do corpo humano
e a base de onde a escultura provinha, como no
Êxtase de Santa Teresa, em que as nuvens são
rugosas e dão um destaque tremendo à própria
representação do anjo e de Santa Teresa. No
caso do Beijo, os corpos ficam destacados e
valorizados, dando a sensação de que não são
feitos de pedra, mas, sim, de pura carne.
66
em 1904.321 Trabalhou brevemente no estúdio de Rodin como ajudante322 e num processo
de simplificação da realidade, ou de transfiguração do real, insere-se, e foi considerado
precursor da Arte Abstracta. A realidade da vida não é anulada, visto que o artista é
envolvido em dois mundos, e vive dessa relação, no sentido de que só a captação desta
primeira realidade torna possível a segunda - a arte. A transformação da matéria inerte em
matéria “formada” é determinante no carácter da obra de arte que relaciona a realidade e a
idealidade, adoptando um cariz primitivo. Brancusi “vive” a pedra ou a madeira que corta,
visto que o que é relevante é a própria acção e não as teorias.323 No espírito de Brancusi
está presente uma depuração absoluta, que revela a sua essência. De certo modo, e
salvaguardando a sua especificidade, parece ter uma certa relação com o platonismo, no
sentido da sua busca da essência e da “forma
pura”, procurando o essencial da matéria.
Os rostos não são detalhados, assim como o corpo. A forma é reduzida às suas
linhas gerais, de forma que nos seja possível percepcionar e reconhecer o que está presente
na morfologia. O todo consiste num paralelepípedo, um volume maciço do qual se
321 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 9.
322 DUFRÊNE, Thierry - Six leading sculptors and the human figure : Rodin, Bourdelle, Maillol,
Brancusi, Giacometti, Moore. Atenas : Cultural Olympiad, 2004, p. 44.
323 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 19.
324 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 22.
67
desenvolve a forma, que é quase “anti-forma”, no sentido em que a representação apenas
parece enaltecer o desenho dos corpos. A tridimensionalidade é um factor que nesta
composição aparenta estar ausente, dado que a obra está mais relacionada com a própria
técnica do relevo. [Fig. 5] A escultura parece que é trabalhada quase exclusivamente numa
vista frontal e, talvez, traseira, quase como se de uma imagem se tratasse. Neste sentido,
apresenta-se muito leve e o volume concreto parece diluir-se no espaço, apenas como um
potenciador do reconhecimento, para posteriormente ser apreciada a vertente espiritual.
Esta relação da escultura com o seu carácter quase bidimensional relaciona-se com uma
componente imagética, e até espiritual, pura e sem corpo, que Brancusi tanto procurou, e
que estabelece relação com a própria geneologia das imagens medievais, retirando-lhe o
carácter religioso.
325 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 13.
326 GIMÉNEZ, Carmen - GALE, Matthew - Constantin Brancusi : the essence of things. London : Tate
Publishing, 2004, p. 53.
327 Ibid., p. 55.
68
Comparativamente ao Beijo de Rodin, podemos constatar que existe uma mudança
muito evidenciada. Brancusi estava a romper com o que os críticos admiravam, sobretudo,
no trabalho de Rodin: o aspecto ilusionista do material, que permitiu que a figura de
mármore e a sua base de pedra se misturassem numa unidade perfeita; o que tinha sido
praticado por Miguel Ângelo: a figura inacabada embutida no mármore e, parecendo
emergir da rocha, torna-se um método na escultura de Rodin, em que o mesmo pedaço de
mármore pudesse ser semelhante à carne.328 A mudança é manifestada a vários níveis; para
além do tratamento de superfície, que em Rodin é cuidado e em Brancusi não apresenta
nenhum tratamento, apresentando-se em bruto, o método de representação é
completamente distinto, sendo que Rodin se insere na escultura figurativa e Brancusi na
escultura de carácter mais abstractizante; o cariz formal da escultura de Rodin aposta numa
dimensão realista, enriquecendo a escultura com o pormenor; já Brancusi limpa a forma de
pormenores, sintetizando-a e depurando-a, visto que não concede relevância à forma
exterior, mas, sim, à captação da essência;329 a tridimensionalidade, que em Rodin se
manifesta em todos os ângulos, parece ser negada por Brancusi, que destaca apenas um
ponto de vista. A nível de dinamismo formal, Rodin apresenta uma posição dinâmica,
enquanto Brancusi enfatiza uma posição estática e unificada dos corpos, constituíndo um
repensar em termos de um todo, de uma totalidade, visto que os dois personagens da
escultura são literalmente um só corpo, ao contrário da de Rodin, em que se observam
nitidamente dois corpos separados e distintos, que estão unidos pelo beijo.
328 GIMÉNEZ, Carmen - GALE, Matthew - Constantin Brancusi : the essence of things. London : Tate
Publishing, 2004, p. 52.
329 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 68.
330 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
69
obra, que vai desenvolver, por exemplo, no Monumento a Balzac, vai demonstrar uma
aproximação a um universo psicológico significativo para a escultura na Modernidade.
331 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 101.
70
cobrir o corpo, não estando completamente vestido. Ainda assim, percebe-se que tem
corpo porque há algum cuidado de fazer antever o que está por baixo do panejamento,
embora através da sua mera sugestão subtil. De todas as suas versões, Rodin escolheu uma
das que menos se pode remeter para a realidade. [Fig. 6] Parece que existe uma relação com
a escultura da Idade Média, no sentido em que se usava o panejamento até aos pés, de
forma a anular a noção do corpo que era irrelevante para a mundividência espiritual da
época; no entanto, aos rostos era dada uma importância que o corpo não tinha. Assim, na
escultura de Balzac, o corpo está mais limpo e depurado, quase inexistente, em comparação
com o rosto, em que foi muito trabalhada a expressão facial, que reflecte o carácter da
personalidade. Este factor transmite toda a força criativa de Rodin, mostrando um homem
no fluxo da sua vida interior, tendendo para uma representação mais psicológica.
As proporções e distorções físicas, que foram muito criticadas, fizeram com que o
Monumento a Balzac fosse um símbolo das aberrações da mentalidade do fim do século. O
ataque público chocou o artista, que defendera que, em comparação com outras obras suas,
como acontece em O Beijo, o entrelaçamento da obra é bonita, mas não fez nenhuma
descoberta, visto que é um tema tratado de acordo com a tradição académica, uma
escultura completa em si mesma e, artificialmente, separada do mundo. A estátua de
Balzac, ao contrário, pela sua postura e aparência, faz imaginar o ambiente em que ele viveu
assim como o seu pensamento. Por outras palavras, a arte ia além do modelo e requeria a
imaginação para recompor o trabalho.332 No entanto, o gosto do público tem sido marcado
pelo hábito de fazer uma “cópia” do modelo, para o qual está habituado, mas Rodin
pretendeu captar na escultura algo que ultrapassa a imitação ou captação física da
personagem, visto que a escultura não era uma fotografia. 333
332 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 102.
333 Ibid., p. 103.
71
escultura do pedestral, que a elevava e afastava do observador, assim como a negação no
modo de representar fielmente o corpo humano, foram passos fundamentais para o
nascimento da escultura enquanto ideia do artista, para a sua aproximação do corpo do
observador e para o desenvolvimento da escultura de carácter abstracto. Neste sentido, a
obra de Brancusi, O Beijo, de carácter abstracto, apresenta visualmente a ruptura radical
com a tradição académica da escultura.
334 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 33.
335 Ibid., p. 35.
72
enorme sensação de leveza. Trabalhando de memória e observavando o modelo à distância,
para ter uma visão global, reduziu as esculturas à sua génese, a partir da interpretação
psicológica da forma, reduzindo-os quase a um traço. O domínio da abstracção estava
anunciado.
73
Alberto Giacometti
336 REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A, 1998, pp. 78-79.
74
por dezasseis elementos, em forma de losangos.337 Tal como as figuras de Giacometti, a
coluna apresenta-se bastante delgada e adopta uma verticalidade, embora, no caso de
Brancusi, a coluna seja quase infinita, dando a sensação que é interminável. [Fig. 7] A
dimensão monumental de 30 metros, reporta
a forma ao infinito, como símbolo de
libertação e transcendência. Apresenta uma
grande simetria, e até expressividade, no
sentido em que parte de um módulo, que se
repete, atribui expressão à silhueta do
conjunto. Assente no chão, a coluna não tem
a necessidade de uma base, sendo evidente,
neste caso, a anulação completa do pedestral,
estando a coluna em contacto directo com o
espaço do observador. O simbolismo da
coluna tem um profundo significado
espiritual, assentando na comunicação entre
a terra e o céu, em que o homem pode
Fig.7 – A Coluna sem fim - Brancusi.
comunicar com os poderes celestiais, 1937/1938
Ferro forjado e aço; 3000 x 120 x 120 cm.
direccionando-se para o divino. Brancusi Târgu Jiu, Roménia.
Por sua vez, em Pássaro no espaço, de 1928, Brancusi tenta materializar, num gesto
muito simples, o movimento do voo, isto é, concentra-se no movimento do pássaro e não
nos seus atributos físicos; as asas e a sua textura são eliminadas, dando lugar a um corpo
alongado e vertical que culmina na cabeça e no bico reduzidos a um plano oval inclinado.
[Fig. 8] Esta escultura evidencia a oposição à concepção da arte como uma imitação ou
reprodução fiel da natureza, para o sucesso da escultura não-figurativa.339 A escultura é
completamente polida, parecendo atingir uma neutralidade formal, indo de encontro à
procura da síntese e da essência da forma patentes na obra deste artista. A verticalidade, a
abstracção e a síntese do corpo humano, como o entedemos na obra destes artistas,
buscam a noção de decomposição ou desestruturação da escultura desenvolvida por
Giacometti, ao ponto de eliminar os pormenores do corpo humano, sintetizando a forma e
337 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 68.
338 Ibid., pp. 70-71.
339 Ibid., p. 42.
75
registando o movimento; isto é, a procura da essência da forma mental, que torna o corpo
delgado e particularmente leve.
Tal como Brancusi, Giacometti interessava-se pela arte africana e primitiva, para
além da arte da Oceânia e das estatuetas das Cíclades.340
340 DUFRÊNE, Thierry - Six leading sculptors and the human figure: Rodin, Bourdelle, Maillol, Brancusi,
Giacometti, Moore. Atenas : Cultural Olympiad, 2004, p. 58.
341 REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A, 1998, p. 43.
342 Ibid., pp. 78-79.
76
observação directa. Foi o primeiro a esculpir o homem como ele aparece, ou seja, a partir
de uma distância.343 Esta distância possibilita a manifestação da ideia, do “surreal”, do
interior do próprio artista que realizava as “representações” de memória. Assim, as figuras
alongadas, delgadas, estilizadas e aparentemente frágeis eram passadas a um material
tradicional, como o bronze, mas com uma fisicalidade e percepção completamente
diferentes, que correspondem à concepção da realidade do artista.
343 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 185.
344 REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A, 1998, p. 81.
345 Ibid., p. 82.
77
representação com modelo vivo, a observação foi feita à distância, para que fosse possível
ter uma visão global, e não ficar preso aos pormenores, ao contrário da norma da
representação da escultura com modelo. Neste contexto, o método tradicional da
observação atenta, próxima e pormenorizada do corpo, deixou de fazer sentido para
Giacometti. No sentido de contextualizar esta alteração, para além da própria abstracção, a
obra L´Homme qui marche, de Auguste Rodin, tendo a mesma temática, torna-se alvo de
análise.
A versão L'Homme Qui Marche, de Auguste Rodin, permite uma reflexão sobre a
passagem da escultura figurativa, que pressupõe a representação do corpo de uma forma
realista e pormenorizada, para a abstractização do mesmo que, neste caso, se aplica à obra
L'Homme Qui Marche, de Giacometti. A
obra de Rodin consiste num homem nú,
que está de pé, a caminhar, em que o
tronco se inclina para a frente e com uma
ténue torção para a esquerda. Não foi uma
modelação executada de uma só vez, mas
é o resultado de um conjunto de vários
estudos e componentes de outras
esculturas que foram unificados,
combinando um torso com umas pernas
que têm diferenças óbvias tanto na dureza
como na suavidade das suas superfícies,
assim como no pormenor.346 A escultura
foi concebida depois de 1900, fundida em
1914, utilizando estudos de S. João
78
expressiva, criando um efeito dinâmico de luz. Deste modo, este torso serviu de base para a
obra L'Homme Qui Marche, que faz uma referência directa à Antiguidade. [Fig. 9] A ausência
dos braços reforça os efeitos pretendidos pelo artista, que rompeu com a tradição
académica da figura completa. Esta escultura mostra não só o seu grau de expressividade, a
sua fascinação com os fragmentos da escultura antiga, mas também o seu interesse pela
representação escultórica do corpo humano em movimento sequencial. Ao representar os
dois pés firmemente assentes no chão, o escultor não tentou captar uma representação
realista de um homem a caminhar mas, em vez disso, os movimentos no início e no final
do acto, produzindo a impressão de um movimento que, de facto, leva vários momentos
para realizar.348
A expressividade é uma característica que une estes dois escultores. Com Rodin,
parece que conseguimos observar as marcas dos dedos do artista nas esculturas, fazendo-
nos sentir presentes no momento da criação; os corpos realistas que esculpia continham
sempre um alto nível de expressividade. Giacometti, por sua vez, procurava um sentido
expressivo do “eu”, apenas encontrado na sua mente. Até mesmo nas suas esculturas, a
superfície rugosa e expressiva dos corpos aparenta a visualização de milhares de dedadas do
artista à procura da forma e da expressão.
348ROBINSON, Louise - The Walking Man (L´Homme Qui Marche) in The Metropolitan Museum of Art.
1940. [Em linha] Disponível em WWW:<http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-
online/search/198565>[consulta em 24.01.2015].
79
A mudança mais significativa na obra de Giacometti, no âmbito da escultura
figurativa, era a sua própria aparência e concepção. A presença de um modelo na
representação do corpo, a utilização do material e a verticalidade constituíam normas
tradicionais. Porém, a fuga da realidade para um mundo interior, do artista, tornou-se o
centro da produção artística. Na sua procura de descobrir um outro mundo, o escultor
investigou a semelhança e a verdade do Outro, à procura da sua essência.349
349 PRAT, Jean-Louis - in REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A,
1998, p. 6.
350 Ibid., p. 9.
351 POMAR, Júlio - Sempre a mesma coisa in REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António
80
expressivo.352 Na nossa percepção, cada parte da modelação aparenta um acrescento de
matéria de um modo delicado, sendo até possível percepcionar cada dedada do artista,
acrescentando, pouco a pouco, o mínimo de matéria possível para que torne a escultura
visível e palpável.
Para além de ser uma das várias obras que realizou com esta temática, também
constitui e reflecte formalmente o auge da escultura de Giacometti, sendo desenvolvida
esta linguagem em várias esculturas ao longo de vários anos.
L´Homme qui marche simboliza, por si só, a própria natureza do século; centra-se
numa permanente procura do ”eu”; existem perspectivas existencialistas e essencialistas
quanto a este contexto; dentro do espírito que o aproximou do existencialismo do filósofo
Jean-Paul Sartre (1905-1980), a obra L´Homme qui marche reflete uma visão intemporal,
ambígua, da condição humana, estabelecendo noções sartreanas como a sublimação da
causalidade. Sartre, conhecido como representante do existencialismo, acreditava que os
intelectuais tinham de desempenhar um papel activo na sociedade, e defendia que, no ser
humano, a existência precede a essência, visto que o homem primeiro existe, e depois
define-se, ou é, na medida em que existe. Assim, no existencialismo, o homem é o tema
central da reflexão filosófica e minimiza as ideias abstractas, os conceitos universais (as
essências), a favor das realidades concretas e individuais (as existências). Por sua vez, o
essencialismo propõe, como seu objecto, as essências e não os seres existentes. Ao
352 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
Taschen, 2010, p. 488.
353 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 33.
354 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 21.
355 Ibid., p. 38.
81
avaliarmos as esculturas de Giacometti, a componente física é ultrapassada pela psíquica; a
fisicalidade das figuras são aparências de um ser que existe no mundo real, e que não é
representado de acordo com a sua verdadeira fisicalidade, mas de acordo com a visão
interior do artista, nomeadamente a aparência do homem, o movimento na precaridade do
próprio tempo. As esculturas constituem uma visão da aparência,356 que esconde a essência
do homem, ou seja, sendo o que resta fisicamente dessa aparência, isto é, do que está para
além do visível, da matéria e da sua própria corporalidade.
356 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 17.
357 Ibid., p. 37.
358 Ibid., p. 40.
359 Ibid., p. 46.
360 Ibid., p. 59.
361 Ibid., p. 21.
362 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 135.
363 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 49.
364 Ibid., p. 62.
82
A vertente da imaterialidade relaciona-se com o sentimento de Giacometti, quanto
à matéria. Todo o pó dos vidros das janelas e de todos os objectos do seu atelier/estúdio,
não deveriam ser limpos.365 Era como uma visualização do comportamento da matéria face
ao tempo:366 uma acumulação de partículas de matéria que estão reduzidas ao seu mínimo,
quase como as suas esculturas, que possuem o mínimo de matéria possível.
Para Jean-Paul Sartre, o absoluto era dissolvido num número infinito de aparências.
Para Giacometti, não é relevante a dimensão estatuária, mas apenas os esboços, que lhe
direcionam a sua procura pelo absoluto.367 Assim, esta escultura, enquanto esboço, captou
o ser a partir da aparência, que consistiu numa infinidade de aparências, atinguindo, desta
forma, o absoluto.368 Em cada uma das figuras, o escultor, revela-nos o homem como ele é
visto, como ele é para os outros homens, como ele surge em ambientes inter-humanos;
cada uma delas evidencia o que o homem é, o seu ser, cuja essência é a sua existência para
os outros.369 Giacometti estava interessado no acto da percepção, e de como vemos as
pessoas através do espaço, restaurando um espaço imaginário e indivisível. A realidade de
uma pessoa foi, assim, representada no sentido existencialista, no sentido de que, nessa
pessoa, existem outras pessoas.370
365 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 39.
366 Ibid., p. 42.
367 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
83
percepção visual, a presença da distância entre modelo e artista e, portanto, da escultura e
do observador.
372 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 31.
84
CAPÍTULO 3 – A ESCULTURA NO “CAMPO EXPANDIDO”
A escultura deixou de estar ligada à sua essência tradicional. A partir das ideias
modernistas, que mudaram e radicalizaram a produção artística, a escultura explorou outros
domínios artísticos com os quais passou a desenvolver estreitas relações que se
interpenetraram.
373 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 414.
374 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
85
utilizando materiais não nobres e aproximando cada vez mais a escultura ora de um jogo
mental, ora de uma encenação espacial, onde o corpo é mais ou menos pressuposto.
375WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. xxviii.
86
Segundo Rosalind Krauss, em determinada altura, a escultura, cujo alcance se
tornou uma denominação difícil de clarificar, visto que, a sua linguagem técnico-formal e o
seu contexto, eram confundíveis e equiparados com a arquitectura e com a paisagem. Deste
modo, a escultura passou a ser definida pelo que não era, isto é, passou a ser afirmada e
reconhecida pela sua negatividade, ou seja, como uma combinação de exclusões.
Doravante, a escultura era o que estava sobre ou em frente a um edifício, mas não era o
edifício, interferia directamente na paisagem, mas não era paisagem.376 Nos finais da década
de 1960, estas definições representadas num esquema que tomou como modelo os estudos
do Grupo de Klein, precisou a noção de escultura afirmando pela sua positividade, ou seja,
o termo não-arquitectura é outra forma de expressar paisagem e arquitectura, um outro
modo de expressar uma não-paisagem.377
Mas será este esquema esclarecedor? Este esquema não consistiu mais do que situar
extremos para, de certa forma, orientar o núcleo das hipóteses do que poderia ser definido
como escultura.
376 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 295.
377 Ibid., p. 296.
378 Site construction em inglês original.
379 Marked Sites em inglês original.
380 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
87
Por sua vez, a possível combinação de paisagem e não paisagem foi explorada pelos
lugares demarcados, inseridos na Land Art, consistindo em intervenções de carácter
efémero em espaços naturais; o artista elege um espaço para executar a intervenção,
havendo a possiblidade de se articular com outro, com as mesmas marcas que poderão
constituir o chamado Marked Site.382 Por norma, esses locais são longínquos e inacessíveis
ao público, como acontece na Spiral Jetty, de Robert Smithson; deste modo, a captação e
apresentação da experiência ao público no espaço da galeria, passa a ser através da
fotografia, que ganhou aqui o estatuto documental. Com esta modalidade, a linguagem da
escultura alargou-se e, diversificou-se ainda mais, sobretudo através da utilização de
materiais retirados da paisagem, isto é, de um espaço exterior, as quais são, por vezes, de
carácter efémero, e não implicam uma grande execução técnica, visto que, a matéria
recolhida era apenas transportada e recontextualizada no espaço da galeria, enquanto
potenciadora da experiência estética, assim como a documentação que retrata a
intervenção.
382 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 297.
383 Ibid., pp. 301-302.
384 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 75.
88
relevância notória na produção artística; os novos meios de produzir escultura, no que diz
respeito à matéria, tornaram-se significativamente leves, comparativamente à tradição da
matéria da escultura. Meios tão ténues como a fotografia, o vídeo, e, mais ainda, como a
simples acção do corpo, tornaram-se arte, através da sua conversão em objecto.
Construtivismo Russo
385 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 451.
386 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 303.
89
atinge a sua expressão pura, sem representação. Isto quer dizer que o valor da obra de arte
reside exclusivamente na sensibilidade, sendo, através dela que a arte atinge a representação
sem “objectos”, isto é, é a partir da ausência da figuração, do que se vê na Natureza. A
Geometria do Suprematismo não se relaciona com uma dimensão racionalista, mas remete
para uma espiritualidade por meio de um processo intuitivo.387
Com a obra Quadrado branco sob quadrado branco, de 1918, a linguagem suprematista
atinge o seu expoente máximo, visto que era uma expressão da energia espiritual, e uma
forma de atingir um estado de consciência superior, capaz de “apreender” o invisível.
Criado por uma "razão intuitiva", esta pintura parece transmitir a pureza em estado
extremo, o equilíbrio entre o “nada” e o branco, transformando-se numa sensação pura. A
Abstracção geométrica, de pureza plástica é quase “minimalista”. O quadrado parece querer
“camuflar-se” no fundo, apresentando-se quase escondido, dando a ideia da invisibilidade.
A ideia de individualidade também está presente, no sentido da interpretação, que é um
domínio bastante presente nesta pintura abstracta, e “subjectiva” para o público.
Por sua vez, Mondrian criou o Neoplasticismo, uma linguagem abstracta e racional,
regida pela geometria, sem aparente emotividade. Possuía uma vertente geométrica, sendo
priveligiada a “acção” da cor. Chegou à abstracção através do processo de depuração da
forma, decompondo imagens em planos e fragmentos lineares até atingir uma síntese de
formas puras e cores primárias. Composition with Red, Yellow, and Blue, de 1921, consiste numa
pintura que é contrastada numa rede de linhas horizontais e verticais, cruzadas em ângulos
rectos. O seu vocabulário assenta na utilização da linha vertical, que simbolizava o
espiritual/masculino, e a linha horizontal, o material/feminino; os planos de cores
primárias (vermelho, amarelo e azul) e os planos sem cor: o branco como fundo, e o preto
387 MILIA, Gabriela de - Kazimir Malevic : Suprematismo. Milano : Abscondita, 2000, p. 147.
90
como forma linear. Mondrian concebeu uma plástica distante dos valores tradicionais da
pintura de figura-fundo. De carácter universal, esta vertente plástica foi desenvolvida
depois para as três dimensões na arquitectura, fazendo lembrar os projectos de Théo van
Doesburg (1883-1931), com planos geométricos pintados de azul, outros de vermelho,
amarelo, preto e branco. O Construtivismo procurou princípios universalmente aplicáveis,
que podiam variar da imagem para a escultura, para o design e para a construção. Neste
sentido, a escultura é apenas uma faceta desse espectro alargado.388 A ligação entre a
escultura e arquitectura e a busca de modelos para reconstruir a relação da arquitectura com
a sociedade, era uma característica inicial do construtivismo russo.389
Por sua vez, o Cubismo é um movimento artístico que surgiu no século XX, tendo
como principais fundadores Georges Braque (1882-1963) e Pablo Picasso (1881-1973). A
abstratização do corpo que tem origem na componente mental e imaginativa do artista,
apresenta-se através de planos e formas geométricas que decompunham as formas reais.
388 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 451.
389 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 41.
390 NASH, J. M - O cubismo, o futurismo e o construtivismo. Barcelona : Labor, 1976, pp. 3-4.
91
A escultura de Pablo Picasso, denominada de La estatua de Picasso, de 1967, em
Chicago, dá-nos a sensação de querer dar o volume a partir do plano, e a presença da linha
enquanto elemento escultórico é, de facto, inovadora. Estas formas elementares enquanto
planos bidimensionais presentes nesta escultura, serão desenvolvidas mais tarde pelos
construtivistas. Neste exemplo, não observamos o movimento propriamente dito, mas, ao
invés da escultura futurista, que era bastante pesada a nível material, esta linguagem é muito
leve, quase parece que a escultura paira no ar, e com ele convive, isto é, a leveza transferiu-
se da materialidade para o próprio domínio visual. Aparentemente, um cavalo nas
representações clássicas transparecia força e peso, algo que nesta linguagem se atenua
completamente, sendo uma representação bastante subtil, sem grandes pormenores, senão
apenas os necessários, visto que não era esse o objectivo que interessava evidenciar na
escultura em pleno século XX. Com estas esculturas, podemos constatar que a morfologia
escultórica é sempre determinada pelo material.
O grupo dos construtivistas era formado por vinte jovens artistas e teóricos, que
criaram o termo, mas também por um grupo de trabalho no Instituto da Cultura Artística
de Moscovo (Inkhuk), onde expuseram, em conjunto, em Maio de 1922.
Os seus objectivos foram enunciados em 1920 pelos irmãos Naum Gabo (1890-
1977) e Antoine Pevsner (1886-1962) no Manifesto Realista, que consiste num documento na
história da arte tridimensional, em que argumentam que, no mundo moderno, a energia da
escultura foi expressa não em massa, ou formas fechadas, mas pela linha que passa pelo
espaço.391 O Manifesto relaciona o significado do Cubismo e do Futurismo, identificando
os problemas envolvidos, e defende que o espaço e o tempo são as únicas formas em que a
vida se constrói, sendo que a arte deverá também ser construída desta forma;392 foi
planeado para servir de trampolim às artes construtivistas, mesmo que as suas ideias
inicialmente fossem direccionadas para o campo da arquitectura;393 posteriormente,
surgiram na escultura moderna a óptica da construcção matemática, a estrutura linear e a
precisão da engenharia.394
391 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 41.
392 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 451.
393 MIKKOLA, Kirmo - Forma e estrutura : o construtivismo na arte moderna, na arquitectura e nas
92
construção - que implica a organização das formas e, por último, a factura – matéria
escolhida e utilizada com toda a efectividade, sem que se crie obstáculos à sua construção e
à sua tectónica. Na técnica da construção, são relevantes as propriedades e qualidades dos
materiais, assim como as relações e as inter-relações dos seus elementos (linha, plano,
volume, espaço), que resultarão num objecto que procura valer por si mesmo - autónomo.
Na construção, não existe autosuficiência e independência de cada parte, sendo que cada
elemento só tem sentido se relacionado com os restantes. A sua lógica de construção
dirigia-se simetricamente, a partir do centro para fora, ou seja, havia sempre uma ideia que
vinha do interior, do núcleo do qual emanava a escultura,395 constituíndo uma forma de
apresentar visualmente o poder criativo do
pensamento que constituia uma meditação e
desenvolvimento da ideia. A lógica formal das
construções, consiste numa adição de
matéria, que traduz uma estrutura leve,
reduzida da macicez da matéria, sendo
promulgada pelos minimalistas quarenta anos
mais tarde.396 Esta adição de matéria, que
corresponde à adição dos elementos como
planos ou linhas que vão compondo a forma,
remete para a acção dos construtivistas,
nomeadamente na imitação da natureza, ou
seja, na acumulação de camadas de matéria
que se sucedem ao longo do tempo. Os
artistas contrutivistas como Tatlin (1885- Fig.11 – Projecto para Monumento à Terceira Internacional -
Tatlin.
1953), Naum Gabo ou Alexander 1919-1920
Madeira, Ferro e Vidro; Altura de 610 cm.
Rodchenko (1891-1956) baseiam-se neste Destruído; fotografia da época. Na posse de herdeiros
de Vladimir Tatlin.
fenómeno industrial, e constroem a forma
abolindo a representação realista do corpo, dos sentimentos ou estados emotivos e
expressivos, apesar de, no caso de Rodchencko, a representação do corpo ainda se manter,
ainda que mais abstractizada.
Por seu turno, Tatlin explorou os requisitos da forma, de acordo com as suas
qualidades naturais dos materiais. O seu modelo para o Monumento à Terceira Internacional é
KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 303.
395
FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
396
93
um exemplo do seu processo artístico. Foi encomendada no início de 1919, e o modelo foi
revelado em Petrogrado, na Rússia, no dia 8 de novembro de 1920.397 Esta obra consiste
numa visão utópica, localizada entre a arquitectura e a engenharia, um cruzamento entre
um edifício governamental, um organismo social e um símbolo enfático do progresso
destinado ao Organismo da Internacional Comunista, que seria o emblema da União
Soviética. Se fosse executada na realidade, com 300 metros de altura, a ideia seria que cada
uma das suas componentes girasse sobre o seu eixo a velocidades diferentes: o parlamento
alojado no cilindro demoraria um ano a girar, o governo que estaria no cone levaria um
mês e, no topo, o departamento de informação e propaganda ocuparia o cubo, e demoraria
um dia, colocando as instâncias políticas num grande ciclo cósmico.398 Esta proposta para
um edifício de arquitectura foi inovador, tanto no que diz respeito a novos materiais de
construção, como na tipologia construtiva, visto que, normalmente a força da arquitectura
residia no aspecto visual “maciço”, quando se observava do exterior. Neste caso em
particular, é como se o edifício fosse “penetrado pelo próprio ar e pelo espaço” que circula
por entre os elementos construtivos. A espiral que abraça todo o complexo central da
junção do cilindro, do cone e do cubo, apresenta-se sob inclinação, interferindo com a
noção de equilíbrio, dando a impressão de que vai cair. [Fig. 11] Toda a estrutura do
edifício pretendia enfatizar o movimento e a tecnologia, sendo que o núcleo central,
destinado à circulação de pessoas, era suposto girar, em tempos diferentes, e também a
estrutura principal, a espiral, parece mover-se incessantemente.
397 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 175.
398 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 447.
399 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 41.
400 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
94
primárias, ou a preto e branco, delimitou um marco na estética construtivista.401 Ainda
assim, nas suas obras, ainda é possível visualizar, embora de forma abstractizada, o corpo.
Fig.12 – Cabeça de uma mulher – Naum Gabo. um elemento escultórico absoluto, lançado a
1917-1920
Celulóide e Metal; 62 x 49 cm. partir de qualquer volume maçico;402 apenas
The museum of Modern Art, Nova Iorque.
está lá a estrutura da escultura, o volume da
forma é o espaço virtual; o espaço tornou-se um elemento material maleável, e os artistas
trabalhavam directamente sobre ele; circulava pelo interior vazio das esculturas, fazia parte
das mesmas, e era um elemento da própria composição ou construção. Era maleável, no
sentido em que, quando se trabalha com a matéria, e se coloca um plano numa direcção ou
401 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 450.
402 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex – Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
95
posição, está-se, em simultâneo a moldar o espaço, visto que, efectivamente, introduzimos
um elemento que interfere ou coabita com ele. O espaço denomina-se como “espaço-
ideia”, visto ser o espaço que dá a ideia da volumetria completa na escultura. Se o espaço
era o que existia em redor da escultura maçica, no constructivismo, o espaço faz parte da
escultura, porque para além de dialogar directamente com os elementos construtivos, ainda
se centra nele uma “invisibilidade volumétrica” que nos é dada através de uma percepção
do complemento da forma, através dos planos visíveis no espaço. Deste modo, não
podemos medir ou definir o espaço com massas sólidas, só podemos definir o espaço pelo
espaço. A massa mantém a sua solidez, e o espaço a sua extensão403 e, deste modo, a
escultura penetra o espaço, e o espaço a escultura. Na escultura, intimamente relacionada
com o espaço, temos o tempo:
Como podemos constatar, existe uma afinidade entre o espaço e o tempo, sendo
que o tempo na escultura é sinónimo de
movimento. O movimento só foi apresentado
em formas ilusórias, já que o movimento real
não existe. A sensação de espaço no
construtivismo, como vimos anteriormente, e
agora a de tempo, constituem uma ilusão, e
existem apenas na nossa mente; aquilo que não
é visível, mas que requer uma apreensão,
implica a sua criação e apreensão pela nossa
mente. Para trazer o tempo como uma
realidade à nossa consciência, para torná-lo Fig.13 – Translucent Variation on a Spheric theme –
Naum Gabo.
activo e perceptível, precisamos do 1937 (Reconstruído em 1951)
Perspex; 56.8 x 44.8 x 44.8 cm.
movimento real no espaço.405 Porém, neste Solomon R. Guggenheim Museum, Nova Iorque.
contexto, isso não existe porque as esculturas
403 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex – Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 140.
404 BOCCIONI, Umberto Cit. por RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte
96
são estáticas, mas na obra de Rodchenko e, posteriormente de Alexander Calder, o
movimento e a mutação tornam-se aliados do factor tempo.
O trabalho de Gabo tem sido descrito como construção, o que faz justiça à sua
técnica, mas não é um substituto para a palavra escultura.406 Na tradição da escultura, a
técnica e os materiais é que caracterizam a forma. Neste caso, a ideia construtiva na arte
remete para o início do volume. A escultura é definida pela forma absoluta, que não
depende do material, através de elementos escultóricos como o espaço, como Gabo afirma
no Manifesto Realista. O espaço, como já vimos, é que completa o volume através dos
planos, que apenas oferecem a “base” onde o espaço “assenta”. Neste domínio, as
esculturas feitas em plexiglas são alvo de análise, pois parecem demonstrar, ainda mais, a
vontade de retirar peso visual à escultura, podendo ter acesso ao núcleo central da mesma.
Translucent Variation on a Spheric theme, de 1951, é um exemplo. As formas ondulantes
diferem da geometria planimétrica, mas os planos, ao serem transparentes, dão a ideia de
que estão pousados sobre o espaço, para além de conviverem com ele, embora na
volumétrica virtual, como já vimos acima e podemos observar na Fig. 13. A forma parece
ser uma única dimensão, sendo a totalidade uma característica da escultura que está assente
numa base, onde desenvolve uma relação de maior proximidade com o espectador, face ao
monumento. A presença das linhas, muitas vezes paralelas, em alguns destes trabalhos,
anuncia a criação de planos, reduzidos neste caso a várias linhas. Este processo de
“reconhecimento”, e até de intencionalidade, sucede-se a nível mental, sempre com base na
escultura; nesse sentido, Gabo concebe a escultura como a encarnação de uma ideia
racional que poderia apelar diretamente para a mente do espectador, e ser lido como uma
imagem da consciência.407 Também é de evidenciar a simplicidade formal, a noção de
simetria da escultura e sobretudo, a limpeza visual que é dada pelo material transparente. A
anti-monumentalidade presente, no contexto do construtivismo, constitui um corte radical
com a tradição da escultura monumental e, grande parte da escultura, desvincula-se da sua
tradição comemorativa e pedagógica. A escolha do material e o tempo de execução
também estão envolvidas neste aspecto, sendo que o material utilizado reflecte a própria
leveza dos materiais industriais, que pressupõem também uma execução mais rápida.
CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 43.
406
FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
407
97
Entre 1920/21, Rodchenko criou e desenvolveu construções suspensas que
incluíam figuras geométricas, como o círculo, o triângulo e o hexágono, colocados e
fixados de forma concêntrica. As suas esculturas, suspensas de modo assimétrico, são
encaradas, em alguns casos, como os primeiros mobiles. A noção de mobile remete para uma
ideia de mobilidade, ligada inevitavelmente ao movimento. A Construção suspensa nº12, de
1919, apresenta uma construção metálica
com formas repetidas, de diferentes
tamanhos, fixadas umas às outras, sendo o
conjunto suspenso a partir do tecto. As
formas circulares, unidas umas às outras,
com o movimento de rotação, fazem uma
espécie de desenho espacial. [Fig. 14] É
como se a escultura estivesse a desempenhar
uma coreografia no espaço, que depois é
projectada na parede, através de jogos de luz.
Neste contexto, a luz tem um papel
importante, no sentido em que apresenta o
98
extrapolar a noção de objecto contemplativo para “objecto em desempenho”, ou “objecto
em acção”, aproxima-se, deste modo, do teatro. Lázló Moholy-Nagy (1895 – 1946) na
estrutura Modulador de espaço-luz, apresentada, em 1930, na exposição do Westbund, em
Paris, e originalmente concebida como uma maquinaria de teatro, é um exemplo desse
pensamento que sintetiza várias experiências de vanguarda da época. Em suma, o
Construtivismo representou um corte radical com a tradição da escultura, que era
constituída pela macicez das representações. A nível técnico-formal, o modo de construir
inovou e alterou completamente a produção de escultura desde que surgiram os novos
materiais, desde o século XIX até à actualidade, facto que, por sua vez, influenciou o
desenvolvimento da história da escultura e também da arquitectura modernista e
contemporânea.
FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
408
99
ilusão de movimento que só se parece realizar com a obra de Rodchenko, transformando o
que tinha permanecido estático, em valores dinâmicos e vivos.
409 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 454.
410 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 255.
411 VALLÈS-BLED, Maithé - Forma e sonho. Évora : Fundação Eugénio de Andrade, 2006, p. 4.
412 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 473.
413 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 262.
100
linear, através de fio de arame, atribuíndo uma enorme leveza à própria escultura. A
posição de cada figura parece ter sido pensada ao pormenor, no sentido do equilíbrio de
forças e pesos. A figura mais próxima do chão é maior do que as que estão no topo,
existindo uma ideia de dimensão decrescente, de baixo para cima e do centro para a
periferia; isto é, os elementos centrais da escultura são maiores, face aos elementos dos
extremos esquerdo e direito, e também no topo. Estas noções são confluentes no
predomínio do equilíbrio e das forças da gravidade e, nesse sentido, esta escultura parece-
me um desenho, mais especificamente um esboço ou projecto do trabalho que Calder vem
a desenvolver mais tarde.
414 VALLÈS-BLED, Maithé - Forma e sonho. Évora : Fundação Eugénio de Andrade, 2006, p. 4.
415 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, pp. 472-473.
416 VALLÈS-BLED, Maithé - Forma e sonho. Évora : Fundação Eugénio de Andrade, 2006, p. 3.
417 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 263.
101
Em Quatro sistemas vermelhos, de 1960, Calder baseou-se nos contornos dinâmicos de
Magnelli e nas formas das folhas de Miró, enfiando-as em fios de arame de ferro, e
suspendendo-as como contrapesos, em relação a placas mais pesadas. Todos os
pormenores, desde o contorno, tamanho, espessura, comprimento, são relevantes para a
execução do mobile, no que diz respeito à harmonia e ao contrabalanço de pesos. A
escultura é muito delicada, parece quase joalharia. [Fig. 15] A leveza do mobile lembra a
dança e até a música.418 O mobile é
reduzido a elementos mínimos e parece
um desenho construído no espaço;
coabita com ele e redefine o espaço
quando se move. Tal como acontece no
Construtivismo, o papel do espaço era
relevante, mas aqui de modo diferente:
o mobile possui uma espacialidade muito
maior, visto que graças ao seu
movimento real estabelece um contacto
maior e diversificado com o espaço,
como já visto na obra de Rodchenko.
102
contrabalanço entre cada elemento é fundamental, transparecendo a harmonia, a leveza e
subtileza enquanto objecto uno; apesar dos mobiles serem construídos parte por parte, como
na maioria das esculturas construtivistas, no final transparece a noção de unidade, pela
relação de dependência que possuem em relação ao seu todo.
Os grandes stabiles são o ponto fulcral na obra amadurecida de Calder, pois formam
um contraste perfeito com a arquitectura urbana, e são um dos exemplos de arte urbana. 420
“ [...] e quando eu uso duas ou mais chapas de metal cortadas em formas e montadas em
ângulos por outra ordem, eu sei que existe uma forma sólida, talvez côncava, talvez
convexa, preenchendo os ângulos diedros entre eles. Eu não tinha uma ideia definida de
que iria ser assim, eu apenas o senti e ocupei-me com as formas que na realidade vemos.”421
420 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 473.
421“...and when I use two or more sheets of metal cut into shapes and mounted at angles to each other, I fedd
that there is a solid form, perhaps concave, perhaps convex, filling in the dihedral angles between them. I do
not have a definite idea of what this would be like, I merely sense it and ocuppy myself with the shapes one
actually sees.” In CALDER, Alexander - Stabiles. New York : M. Knoedler & Co., Inc., 1983, p. 1.
103
mobile é expandido a uma espécie de volume virtual, uma espécie de desenho mental no
espaço, traçado a partir do movimento. A “tecnologia” do movimento real incutiu-lhe um
factor de inovação e "modernidade". A temporalidade é um factor que é inaugurado na sua
verdadeira essência, na medida em que existe um tempo de duração em que o mobile está
em movimento. Como já referido em Rodchenko, a componente quase teatral introduz
uma nova visão na escultura, que será debatida por Michael Fried no contexto do
Minimalismo. O teatro é uma arte diferente da escultura, visto que na escultura o
espectador assume uma outra actividade corporal, isto é, tem o espaço e o corpo como
pólos de interacção. A arte cinética e a luz têm lugar no tempo, um processo ou curso em
que a acção é experienciada em tempo real, à semelhança do teatro que termina e
recomeça.
104
Arte Conceptual
Foi Marcel Duchamp, que colocou pela primeira vez a questão da função da arte e,
como consequência deste facto, a arte adquiriu uma identidade. Com a utilização de um
objecto quotidiano e massificado, colocado num contexto artístico, com a sua assinatura,
surgue a noção de ready-made.426 Existiu um processo de desmaterialização, sendo que a
totalidade e génese da escultura assenta no seu conceito,427 e não nos seus valores
morfológicos. O objecto artístico é um mero instrumento de desencadeamento de ideias, a
partir do momento em que o objecto é considerado arte, passando de uma mudança da sua
aparência para a sua concepção.428
422
WOOD, Paul - Arte Conceptual. Lisboa : Editorial Presença, 2002, p. 8.
423 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 21.
424 Ibid., p. 23.
425 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
105
sendo objectos da vida quotidiana, do comércio ou indústria, em que, em alguns exemplos,
nenhuma alteração foi feita.429 Neste domínio, surgue a questão: Pode-se fazer obras que
não sejam obras de arte? Duchamp defende que, ao nomear que um objecto é arte, este
passa a ser arte. O artista escolhe um objecto e denomina-o como arte, e/ou coloca-o em
tal contexto, de modo que o objecto, em si, exige ser chamado de arte.430 Deste modo,
criou um novo pensamento para os objectos e
inaugurou a questão do nominalismo e
intencionalidade do artista, assim como um
novo processo artístico.431
429 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 94.
430 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 312.
431 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
106
consequência do ready-made, mas, sim, a sua condição.433 A inversão da sua posição original,
colocando-o em cima de um plinto, potenciou uma transformação que foi interpretada
metafisícamente.434 Este gesto proporciona ao espectador um acto de deslocamento,
executado por Duchamp, no qual um objecto foi retirado do seu contexto industrial e, por
isso, funcional, para o campo da arte. A atitude de Duchamp parece estar interligada com
uma noção de acto performativo, visto que, o que caracteriza aquele objecto, no contexto
da execução ou intervenção, é precisamente o gesto de inverter a posição do urinol, que, de
certo modo, quer parecer um objecto distinto do inicial. No entanto, o título nega o
objecto e o objecto o título, no sentido em que o objecto não corresponde ao título
atribuído e, deste modo, o objecto é sempre um urinol invertido. É de evidenciar que a
presença do espectador é que activa o objecto enquanto arte; mas, a par disso, existem duas
activações: a primeira, como já dissémos, é pelo espectador que activa o objecto, e a
segunda, pelo título, a Fonte, em que o espectador observa o urinol e a partir do título
deveria ver uma fonte, o que, na verdade, não acontece.
O que é o que "faz" a obra de arte? – Esta questão é a metáfora deste objecto, que
significa que o acto de transformação feito pelo artista é a essência do trabalho criativo, que
se resumiu a uma deslocação de sentido e alteração da orientação do objecto pelo gesto do
artista. No entanto, a metáfora da Fonte parece ser produzida pelo espectador, em vez de
ser produzida por Duchamp. A estratégia do artista centrava-se na examinação do próprio
acto de transformação estética,435 e isso só podia ser feito pelo espectador. Neste sentido, a
relação activa entre a arte e o espectador tornou-se evidente, ou seja, arte e juízo estético
tendem a subsumir-se. A arte com a abordagem de Duchamp, nunca antes vista,
relacionou-se com a categoria da experiência estética e, neste contexto, qualquer coisa
podia ser experimentada, esteticamente, e qualquer coisa que possa ser experimentada
esteticamente também pode ser experimentada como arte, querendo isto dizer que a arte e
a estética coincidem.436
433 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, pp. 290-291.
434 KRAUSS, Rosalind - Passages : une histoire de la sculpture de Rodin à Smithson. Paris : Éditions Macula,
1997, p. 83.
435 Ibid., p. 85.
436 DUVE, Thierry du –- Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 293.
107
relação diferente com a arte. Já não está relacionada somente com a observação da
fisicalidade da escultura, pois a Arte Conceptual não está realmente focada no objecto. A
experiência estética relaciona-se com os aspectos não-físicos entre o espectador e objecto,
isto é, relaciona-se com a ideia ou componente mental que estabelece, na experiência, um
437
diálogo com um determinado contexto e espaço. Neste contexto, a experiência estética
da Arte Conceptual exige mais participação do espectador, visto que começa com a
impressão do objecto, que é absorvida pela sua fisicalidade, e, posteriormente, a “leitura”
conceptual que se envolve com o factor tempo; o tempo, ao “lermos” um trabalho de cariz
conceptual, é maior, do que a observar algo mais directo e detalhado, sem a componente
intelectual e reflexiva. Esta temporalidade é psicológica,438 e o objectivo é "ler sobre" o
objecto, ao invés de "olhar arte" e, por isso, o objecto é um meio, e não um fim em si
mesmo; quando os objectos, como as palavras, são sinais que transmitem ideias, eles não
são coisas, em si, mas símbolos ou representantes de coisas. Neste sentido, a arte é
experienciada, a fim de extrair uma ideia ou esquema intelectual subjacente, para além da
percepção da sua essência formal,439 existindo, sobretudo, um processo de
desmaterialização do objecto em ideia.
437 KRAUSS, Rosalind - Passages : une histoire de la sculpture de Rodin à Smithson. Paris : Éditions Macula,
1997, p. 83.
438 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
108
considerado, pelo artista, um veículo de ideias. A Arte Conceptual não é sobre ideias, é
sobre o grau de abstração das ideias. Assim sendo, a consciência retirada de referências
externas está além do espaço e do tempo, e a conceptualidade está além do espaço e do
tempo, visto que o espaço e o tempo não estão relacionados com a natureza da
consciência, são sobrepostos. A Arte Conceptual mostra uma realidade sem dimensão,441 e
uma forma sem forma,442 é como se a forma do objecto não existisse, na sua finalidade.
441 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 415.
442 Ibid., p. 54.
443 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 300.
444 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 303.
445 Ibid., p. 310.
446 Ibid., pp. 301-303.
109
indeterminável e inútil para o conhecimento, sendo, ao mesmo tempo, válido para todos.447
Com o ready-made, a noção de gosto não existe, isto é, não existe uma apreciação sobre a
beleza, visto que, o artista já não procura a beleza na forma escultórica; a arte já não está na
escultura, mas, sim, na ideia, no próprio jogo mental, no espectador. Existe um objecto que
é diluído, sendo que se transforma em ideia na mente no espectador, ficando, assim, a
fisicalidade do objecto dissolvida. Deste modo, o juízo “isto é belo” é substituído pelo
julgamento "isto é arte". Kant apresenta uma postura universal que foi reajustada após
Duchamp da seguinte forma: cada mulher, cada homem, cultos ou não, qualquer que seja a
sua cultura, língua, raça, origem social, classe, têm ideias estéticas que são, ou podem ser,
ideias simbólicas e artísticas.448 A frase "isto é arte", pelo qual um ready-made é produzido
como uma obra de arte, embora considerado um “objecto”, deveria ser lido como um juízo
reflexivo estético com a pretensão da universalidade, no estrito sentido kantiano.449
447 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, pp. 308-309.
448 Ibid., p. 316.
449 Ibid., p. 320.
110
conceito de arte,450 consistindo em categorias do dicionário, tratando das múltiplas
vertentes da ideia de alguma coisa. Kosuth, um dos conceptualistas “puros”, será
apresentado mais adiante, como interlocutor priveligiado desta corrente. Visto que as
quatro primeiras invariantes de Umberto Eco já foram abordadas, o ponto cinco parece-me
ser fundamental ser contextualizado, visto que representa uma nova abordagem artística e,
sobretudo, porque a destruição material do objecto passa a ser uma constante na
intencionalidade do artista e na própria experiência estética.
450 BATTCOCK, Gregoy - La idea como arte : documentos sobre el arte conceptual. Barcelona :
Gustavo Gili, 1977, p. 60.
451 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
111
modo a suprimir, em si mesma, as emoções, expressões e representações tradicionais.
Radica as pesquisas num plano analítico-descritivo, com uma redução significativa da teoria
e da prática da arte, na vertente crítico-convencionalista, que constitui a base do
pensamento moderno. Daí a insistência da dimensão sintáctica da linguagem e a sua
tentativa de formalização da arte, desenvolvidas pela linha analítica da Arte Moderna, mas
também da filosofia.
A Arte Conceptual envolveu-se com termos como “não arte” e “anti-arte”,454 não
só pela questão objectual de Duchamp, mas, também, pelo desenvolvimento de meios
efémeros, a partir dos quais se desenvolveram várias abordagens artísticas. Depois da arte
ser ideia, a arte passou a ser acção, com a performance, body art, happening, a fotografia, o
vídeo, afastando-se radicalmente da artística tradição volumétrica.
Joseph Kosuth
A ideia torna-se uma “máquina” que faz a arte,457 existindo uma conexão
conceptual entre arte e estética.458 Uma “obra de arte”, agora denominada de objecto, é
uma tautologia na medida em que é uma apresentação da intenção do artista, ou seja, o
artista afirma que uma determinada obra de arte é arte, o que significa que é uma definição
454 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
University of California, 1997, p. xix.
455 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 305.
456 KOSUTH, Joseph - Para Joseph Kosuth, maior artista conceitual vivo, “arte não é sobre beleza”.
Entrevista por Audrey Furlaneto in O Globo. 2 de Agosto de 2013. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://oglobo.globo.com/cultura/para-joseph-kosuth-maior-artista-conceitual-vivo-arte-nao-sobre-beleza-
9320102#ixzz2ztWiBIk6> [consulta em 25.04.2014].
457 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
112
de arte,459 ou seja, que é arte.460 Sem intenção artística, não há arte, para além dessa intenção
ser uma característica da autenticidade461 e da auto-reflexividade.462
Neste contexto, a arte é um jogo mental, a partir da tautologia (cuja teoria vem da
economia), isto é, surge um jogo mental, a partir da ideia que já está contida no objecto.
Como afirma Wittgenstein, na matemática e na lógica, o processo e o resultado são
equivalentes,463 e na arte parece ser a mesma coisa, no sentido em que o mais importante na
arte conceptual é a ideia concebida e desenvolvida no próprio processo, o que implica a
desmaterialização do objecto, por parte do espectador. É de evidenciar a influência de
Duchamp no trabalho de Kosuth, no sentido nominalista, isto é, o título Fonte, do ready-
made correspondente, é que permite o jogo mental que pretende transformar o urinol
numa fonte; no caso de Kosuth, o jogo mental é impulsionado pela relação literal das
palavras, das imagens e do seu significado. Também é importante evidenciar a condição
objectual que surgiu com Duchamp, e que trouxe para a escultura materiais não orgânicos,
isto é, sintéticos, que se reflectiram nos objectos de Kosuth.464
459 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 165.
460 Ibid., p. 523.
461 Ibid., p. 465.
462 Ibid., p. 522.
463 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.
321.
113
ideia deve necessariamente ser concluída na mente; o objecto é entendido como um
condutor da mente do artista para o espectador, mas pode nunca atingir o espectador, ou
pode não sair da mente do artista. Utilizava-se uma linguagem universal, ou pretendia-se
que assim fosse, de modo a ser perceptível por todas as pessoas; já o Minimal tentou
universalizar-se, mas apesar dos artistas procurarem a ausência de significado, era uma
contradição porque existe sempre algum significado ou ideia subjacente. Neste sentido, o
trabalho de Kosuth, é uma reflexão sobre a linguagem466 e parece situar-se entre a pintura e
a escultura, como irá ser desenvolvido na Arte Minimal.
Um dos trabalhos conceptuais mais famosos deste artista é Uma e Três Cadeiras, de
1965, e assenta numa tautologia. A definição de Tautologia consiste numa proposição dada
pelo artista como explicação, mas que, na realidade, apenas repete, em termos idênticos ou
equivalentes, o que já foi dito.467 O trabalho tem como objectivo apresentar três formas de
representação de um conceito e, deste modo, estimular o espectador com a ideia física,
representativa e verbal do objecto, a cadeira. O trabalho consiste na presença da cadeira
física, uma fotografia dessa
cadeira, e o texto de uma
definição do dicionário da
palavra “cadeira”. A cadeira de
madeira, seleccionada pelo
artista, é um exemplo comum,
tirado do seu contexto usual, e
recolocado no ambiente de um
museu, estalecendo uma relação
com o processo de
deslocamento de Duchamp. Fig.17 – Uma e Três Cadeiras – Joseph Kosuth.
1965
Assim, a cadeira é privada da Cadeira de dobrar de madeira, reprodução fotográfica da mesma cadeira
e ampliação fotográfica da entrada de dicionário do termo “cadeira”;
sua função utilitária e ganha cadeira 82,2 x 37,8 x 53 cm; painel fotográfico 91,5 x 61 cm; painel de
texto 61 x 62,2 cm.
um novo significado. A Museu de Arte Moderna, Nova Iorque.
fotografia a preto e branco é
uma representação da cadeira real presente no espaço e tem a função de despertar
questionamentos importantes a respeito da verdade e da imitação de um objecto,
466 LYOTARD, Jean François - Foreword: after the words in GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and
After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth. Cambridge : The MIT Press, 1991, p. xv.
467 (s.a.) - Tautologia in Dicionário da Língua Portuguesa. 2015. [Em linha] Disponível em WWW:<
114
abordando também uma nova abordagem da fotografia na década de 1960. Por sua vez, a
definição do conceito de cadeira é afixada na mesma parede que a fotografia e possui o
poder de criar conhecimento e entendimento, sobretudo pela maneira como estão
apresentadas. [Fig. 17] Quando se lê a definição do dicionário para a palavra “cadeira”,
talvez essa seja rapidamente relacionada com uma das figuras disponíveis para apreciação -
a foto ou a própria cadeira.
A maioria da apresentação dos seus trabalhos tem uma relação com a pintura; são
quase sempre fixos à parede, e este não é excepção. Serão imagens presentes no espaço
museológico, tal como a pintura? Parece ser uma apresentação de ideias nos seus
respectivos suportes, ou melhor, de acordo com Kosuth, eram modelos ou anti-objectos;470
são denominados objectos que não possuem tridimensionalidade, com excepção da
468 KOSUTH, Joseph - Para Joseph Kosuth, maior artista conceitual vivo, “arte não é sobre beleza”.
Entrevista por Audrey Furlaneto in O Globo. 2 de Agosto de 2013. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://oglobo.globo.com/cultura/para-joseph-kosuth-maior-artista-conceitual-vivo-arte-nao-sobre-beleza-
9320102#ixzz2ztWiBIk6> [consulta em 25.04.2014].
469 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
115
presença da cadeira. São, portanto, anti-objectos, que se negam na sua fisicalidade, não só
pela ausência das três dimensões no espaço real, como também na sua conversão em ideia.
museológica, no sentido em que defende Fig.18 – Guests & Foreigners: Three Faces of a Correspondence –
Joseph Kosuth.
ideias que diferem da essência do museu e 2003
Letras;
da relação do observador com a obra de Museu Isabella Stewart Gardner, Estados Unidos.
arte, a qual sofreu uma reformulação
conceptual. Guests & Foreigners: Three Faces of a Correspondence, de 2003, é um exemplo.
Consiste numa instalação, num espaço museológico que contém frases escritas na parede
471 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
University of California, 1997, p. 25.
472 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.
116
que entram em diálogo com as obras de arte, nomeadamente as pinturas que já existiam no
espaço expositivo.
As frases na parede são como se fossem pensamentos, muito leves. São a leveza do
pensamento. Como já vimos, a arte está na ideia, e quem apreende a ideia é o espectador,
logo a arte está no espectador. A arte torna-se um juízo estético analítico, que parte da
desmaterialização do objecto, e que tem como antecedente o processo de Duchamp de
diluição do objecto, em função do raciocínio, sendo que, tudo se centra exclusivamente
num jogo mental. Neste caso, o objecto já está desmaterializado, porque não existe; apenas
existem as frases, os pensamentos, as ideias escritas na parede, reduzindo a ideia à sua
essência. [Fig. 18]
Para Kosuth, a arte é literalmente a linguagem,474 como podemos verificar. O seu trabalho
explora o papel do significado na arte e nesta instalação utiliza uma variedade de formas de
apresentação de texto. A exposição de Kosuth reflectiu sobre a história do Museu Isabella
Stewart Gardner nos Estados Unidos, com especial atenção para as relações do Fundador
com dois indivíduos que ajudaram a desenvolver a intelectualidade do seu tempo: James
McNeill Whistler e Bernard Berenson. Kosuth seleccionou frases e re-contextualizou-as,
convidando o espectador a construir o significado, tanto do próprio texto como do
contexto em que se insere, activando a relação do espectador com o processo de atribuição
de significado. O surgimento de um novo significado foi, inevitavelmente, determinado
pela identidade do espectador, pelos valores e pelo contexto cultural.475
474 KOSUTH, Joseph - October 1969 in GALE, Peggy – Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the
Nova Scotia College of Art and Design, 2004, p. 5.
475 HAWLEY, Anne (dir.) - Joseph Kosuth: Artist, Curator, Collector: James McNeill Whistler, Bernard Berenson and
Isabella Stewart Gardner—Three Locations in the Creative Process in Isabella Stewart Gardner Museum [Em
linha]. Disponível em
WWW:<http://www.gardnermuseum.org/contemporary_art/exhibitions/past_exhibitions/artist_curator_co
llector?filter=exhibitions:2277> [consulta em 20.01.2015].
117
Um texto é, por natureza, diferente de uma pintura e, neste caso, existe um
contraste entre a leveza das palavras, e das ideias, e o peso da pintura que é material. Neste
contexto, é evidente que não é necessário ter um objecto para ter uma “obra de arte”, mas
tem sempre de existir algum elemento visual.476 O que a arte mostra numa manifestação
linguística é, de facto, o modo como ela funciona; o papel da linguagem no trabalho de
Kosuth, a partir de 1965, era precisamente dar a conhecer os jogos da linguagem da arte,
que possibilitam não apenas uma reflexão sobre o jogo em si, mas uma dupla reflexão
indirecta sobre a natureza da linguagem, através da arte, e da própria cultura.477
Dan Graham
476 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.
Cambridge : The MIT Press, 1991, p. 249.
477 Ibid., p. 247.
478 KOSUTH, Joseph – October 1969 in GALE, Peggy – Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the
118
identificadas com os escritos de Roland Barthes, em 1960, e de Michel Foucault e
Manfredo Tafuri, em 1970.479 A influência da Escola de Frankfurt, mas particularmente de
Walter Benjamin, é evidente nas conexões que estes autores fazem entre os seus objectos
de estudo específicos e os efeitos psicossociais desses objectos,480 para além de lhe
interessar o uso da transparência dos objectos de Donald Judd, no contexto do
Minimalismo.481
Quanto aos seus trabalhos de vídeo, giram em torno dos confrontos entre o pessoal
e o tecnológico, enquanto os seus pavilhões - como as suas esculturas eram chamadas -
483
relacionam-se com as problemáticas do espaço público em situações urbanas. As
abordagens de Dan Graham relacionam-se com vídeo e com a teoria da arquitectura
aplicada à escultura, desenvolvendo “modelos comportamentais funcionais”, utilizando
vidro e espelho.484 A parede de vidro foi pioneira, centralmente, por Mies van der Rohe
(1886-1969) e foi um elemento primordial da produção escultórica de Graham. O vidro,
inerente à estrutura de aço, foi um produto do progresso tecnológico e de modernidade
aplicada à escultura. A leveza visual do vidro, expressa valores espirituais com os slogans de
Mies “quase nada” e “menos é mais”.485 Ao longo de 1970, concentrou-se no
comportamento das pessoas, nomeadamente na performance.486 As performances de Graham,
feitas durante a primeira década da sua carreira, estabeleceram as estruturas de raciocínio
espacial e perceptual que influenciaram toda a sua obra posterior. Nos seus primeiros
479 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 508.
480 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 35.
481 LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 100.
482 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 41.
483 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação
119
vídeos, Graham documentou os seus próprios movimentos frente a uma audiência487 e,
progressivamente, foi inserindo elementos tridimensionais, como um pavilhão de vidro na
dimensão performativa, como em Body Press, de 1972, em que dois corpos estão no interior
de uma estrutura de metal e com espelho, de costas um para o outro, e filmam o seu
próprio corpo. Nas várias performances de Graham, é muito frequente a presença da camara
de vídeo, que capta o público em geral, o público inserido em determinado ambiente ou,
simplesmente, a imagem reflectida do corpo.
487 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 20.
488 DUVE, Thierry de - Dan Graham and the critique of artistic autonomy in KITNICK, Alex – Dan Graham.
120
dimensão teatral desta performance490 vai ser relevante para a teatralidade presente na
experiência estética dos seus pavilhões: Graham estava em frente a uma plateia a realizar a
performance, como se fosse um actor num palco. Além disso, estava a tentar combinar o
behaviorismo (psicologia do comportamento) e a fenomenologia,491 enquanto filosofia que
defendia uma outra concepção de constituição intencional e apreensão da realidade.
Fig.19 – Public Space/two adiences – Dan Graham. sala ao lado. Com a presença dos
1976
Vidro e pessoas; espectadores, existia uma
Herbert Collection (Documentos).
sobreposição de imagens
reflectidas parcialmente no vidro. [Fig. 19] O objectivo de Graham era colocar o
espectador em interacção com o trabalho, numa espécie de experimentação sociológica, em
que dois grupos aprendiam a interagir e conviver.492 O espectador podia ver-se a si mesmo,
assim como ver os outros na outra sala. Esta abordagem revelou o modo como o
comportamento público e privado é condicionado e contextualizado pela arquitectura.493
Graham queria entender como é que, para além das reacções perceptivas e psicológicas,
uma pessoa reage aos estímulos sociais e políticos, provocados pela arquitectura de vidros
transparentes e, neste contexto, o espectador acabou por se ver envolvido num contexto
performativo no espaço da arquitectura. O autor queria capturar as complexidades de e no
próprio acto de olhar e, neste sentido, a arquitetura tornou-se o instrumento óptico, a par
490 BUCHLOH, Benjamin H. D. - Moments of History in the work of Dan Graham in KITNICK, Alex – Dan
Graham. Cambridge : The Mit Press, 2011, p. 19.
491 GORDON, Kim - Interview with Graham on their collaborations and music in LLES, Chrissie ; SIMPSON,
Bennett - Dan Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 169.
492 FRANCIS, Mark - Graham's Public Space/Two Audiences in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
121
do espectador e do performer.494 Enquanto a galeria era um local de exposição de obras de
arte, agora é um lugar propício à experiência estética e fenomenológica entre os
espectadores e os dispositivos, o vidro e o espelho.495
494 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 195.
495 ALBERRO, Alexander - Specters of Utopia in KITNICK, Alex – Dan Graham. Cambridge : The Mit Press,
2011, p. 179.
496 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 46.
497 HEIDEGGER, Martin - Construir, Habitar, Pensar in HEIDEGGER, Martin – Ensaios e Conferências.
122
diálogo explícito com a longa história de pavilhões de arquitetura.501 Mies é o arquitecto
que mais claramente influenciou o seu trabalho, no sentido da arquitetura como uma
máquina de visão, e, também, pela própria ideia de pavilhão. Mies, na construção do
pavilhão alemão para a exposição internacional em Barcelona, afirmou que nada seria
exibido, e que o próprio pavilhão seria a exposição; assim, o pavilhão de Barcelona tornou-
se uma exposição sobre a exposição. Tudo o que foi exibido foi uma nova maneira de
olhar, e, nos pavilhões de Mies e de Graham, os visitantes são, eles próprios, a exposição.502
O Pavilhão é simplesmente um espaço em que as pessoas se encontram, um espaço de
reflexão, visual e conceptual.
Quando cria os seus pavilhões num espaço exterior, os efeitos de reflexão dos
materiais utilizados são potenciados e tornam-se mais ricos, no contacto com o contexto
urbano. Nos seus pavilhões ao ar livre combinou materiais industriais que resumem a
arquitectura pós-Bauhaus – vidro e aço inoxidável – e que estão ligados também ao
Construtivismo no que diz respeito à componente prática: Graham construiu modernas
estruturas nas quais o espectador pode circular pelo interior e exterior das construções. A
transparência do vidro, o espelho e os efeitos de luz têm resultados diferentes, quando
observados do interior ou do exterior. As próprias estruturas parecem tornar-se máquinas
fotográficas, fotografando aquilo que as rodeia, isto é, captam o ambiente de um
determinado espaço, porque o vidro, assim como o espelho, captam o que está ao seu
redor. Os pavilhões tornam-se, pela sua estrutura, parte de um discurso arquitectónico, que
ecoa nas formas geométricas simples da arquitetura moderna, os materiais que aludem às
fachadas de espelho e vidro dos edifícios corporativos modernos.503 A movimentação do
espectador e o seu modo explícito de circulação, é também relevante neste sentido, pois as
paredes do pavilhão direccionam e orientam a vivência corporal do espectador. No
entanto, apesar destes factores, difere da arquitectura,504 porque, mesmo sendo habitável,
não é possível “habitar”, visto que não foi executado para tal função, e difere
absolutamente dos padrões frequentes de uma habitação.
501 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 203.
502 Ibid., p. 193.
503 ALBERRO, Alexander - Specters of Utopia in KITNICK, Alex – Dan Graham. Cambridge : The Mit Press,
2011, p. 189.
504 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
123
Two adjacent pavilions é um exemplo de um pavilhão no espaço exterior, e foi
construído num parque, na Holanda, no Kröller-Müller Museum, em 1981.505 A ideia de
pavilhão num jardim estabelece
uma relação com os pavilhões
Rococó do século XVIII, com
janelas e espelhos.506 O trabalho
consiste em dois pavilhões, em
forma de paralelepípedo, com as
mesmas dimensões, de planta
quadrangular, que contêm duas
faces de vidro e duas de espelho.
A ideia de ligação que existe entre
arte e natureza, entre a paisagem
Fig.20 – Two adjacente pavilions – Dan Graham.
e os vidros ou espelhos do 1978-81
Vidro, espelho e aço;
pavilhão, parece estabelecer uma Kröller-Müller Museum's sculpture park, Holanda.
505 WALL, Jeff – Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 73.
506 DUVE, Thierry de - Dan Graham and the critique of artistic autonomy in KITNICK, Alex – Dan Graham.
Cambridge : The Mit Press, 2011, p. 86.
507 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 57.
124
aparência da fisionomia do pavilhão quase imaterial. Deste modo, a iluminação artificial,
que produz imagens no espelho, é uma reminiscência da teatralidade.508
A escala interna dos pavilhões torna-se uma forma de repensar a escala urbana,509
que neste caso é adaptada à escala humana; não precisa de ser muito maior do que isso,
visto que a experiência estética é focada no espectador, e deve ser feita à sua escala. O
trabalho é sempre sobre o espectador e a temporalidade. Isto é muito importante, porque
todo o seu trabalho é uma crítica da Arte Minimal, da sua estaticidade,510 no sentido em que
já se falava da teatralidade no contexto minimal, mas, no entanto, não possibilitava uma
vivência verdadeiramente corporal e “habitacional”. Os pavilhões transmitem a ideia de
leveza, e até de imaterialidade, pelas imagens reflectidas nos vidros. Como já vimos, a
teatralidade está prevista na experiência estética. A escultura, depois do Construtivismo,
interligou-se com a arquitectura, ao ponto dos pavilhões de Graham terem a sua génese no
ramo da arquitectura, porque a escultura passa a ser vivida com o corpo, passa a haver uma
interacção que, na escultura tradicional maciça, não era possível, aliás, havia sempre uma
barreira física entre o observador e a obra. Neste contexto, a proximidade cada vez maior
da escultura com o corpo do espectador, fez com que a escultura se expandisse para outros
meios e territórios. A performance, o vídeo ou a fotografia, como documentação, tornaram-se
meios válidos na escultura, e mais do que estarem próximos do corpo, são executados com
o corpo, como no caso da performance, em tempo real. A presença dos pavilhões nos
espaços urbanos foram “pedagogizando” o espectador, que explora com curiosidade o
pavilhão que o convida a entrar e a experienciar corporalmente.
508 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 59.
509 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 198.
510 GRAHAM, Rodney - interview with Graham on jokes and humor in art in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett -
125
Em suma, aquilo que Graham faz desde o início com as suas performances é,
precisamente, captar a imagem do público ou do corpo inserido num determinado
ambiente, seja inicialmente no espaço da galeria ou, posteriormente, nos espaços públicos,
em contacto com a natureza. O papel da câmara de vídeo era precisamente captar o
momento real, e depois reproduzir aquela imagem; com os seus pavilhões acontece o
mesmo: a imagem em tempo real é “captada” e transferida para as paredes de vidro ou
espelho do pavilhão, que faz com que o espectador se esteja a ver em tempo real, como na
performance Two Consciousness Projection(s), de 1972, em que temos um espectador em frente a
um ecrã, a observar a sua própria imagem que está a ser filmada, atrás do ecrã, por outra
pessoa. Nesta performance existiam três pontos essenciais: a câmara, o ecrã e o espectador.
No caso dos pavilhões desenvolvidos posteriormente com este mesmo mecanismo, temos
dois pontos: o espectador e o pavilhão que desempenha o papel de câmara e de ecrã, que
reproduz, por sua vez, uma imagem do acontecimento real. Graham queria juntar o papel
do performer activo e do espectador passivo numa única pessoa.511
Sol Lewitt
511 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 204.
512 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 66.
126
arte não é utilitária e, quando a arte tridimensional começa a assumir algumas das
características da arquitectura, como a formação de áreas de utilitários, enfraquece as suas
funções como arte,513 como desenvolveu Graham. Declarou que a aparência da obra de arte
não é muito importante, afirmando que os estudos, desenhos, textos, etc são mais
importantes e interessantes que o objecto final, pelo facto de mostrar o seu processo de
concepção e realização. Qualquer ideia é melhor estabelecida em duas dimensões do que
em três, visto que o desenho está mais perto da ideia. Nos seus trabalhos em série, o
conceito ou ideia subjacentes assumem uma importância primordial, no sentido em que a
arte era assumida como pensamento. O objectivo era fazer pensar o espectador e, neste
sentido, a forma, era entendida como a visualização ou suporte de uma ideia,514 isto é, não
importa tanto o objecto final, apenas a ideia, que é o ponto de partida do artista e da
própria arte.515 A execução e o objecto final eram algo superficial, e a ideia tornou-se uma
máquina que faz arte.516 As ideias são descobertas pela intuição, e a matéria é só uma forma
de comunicar a ideia, sendo o artista obrigado a trabalhar com a matéria. A terceira
dimensão é algo físico mas a Arte Conceptual é feita na mente do espectador. Não é uma
ilustração de filosofia, nem está relacionada com matemática ou outra disciplina mental;
cada pessoa vai perceber o trabalho de maneira diferente. Defende, ainda, que a ideia não
precisa de ser complexa, aliás, as ideias simples criam os melhores objectos conceptuais. Os
intervalos de espaço que existem no trabalho são muito importantes, isto é, os objectos
como já não são maçicos, contêm espaços no interior, e esse espaço é muito importante, tal
como era também nos construtivistas; o ar ocupa espaço mas não o conseguimos ver.517 A
forma é apresentada como a gramática de todo o trabalho, sendo aparentemente
contraditório, visto que a forma é só um meio para alcançar um fim, que se foca na ideia,
numa componente imaterial, isto é, concede-se privilégio à ideia e não à forma.
513 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 15.
514 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 21.
515 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
369-371.
518 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
127
o branco é uma ausência de cor. Utiliza elementos neutros como a linha, o quadrado, e,
sobretudo, o cubo. Rejeita a tradição do ilusionismo e o expressionismo,519 no sentido em
que não existe qualquer vestígio de representação ou expressão, ou, até, da marca da mão
do homem, pelo facto dos objectos serem produzidos industrialmente.
Wall Structure – five models with one cube, de 1965, consiste num objecto, mais
especificamente numa estrutura geométrica linear, com
cinco quadrados, sendo que um deles se desenvolve para
um cubo. Constitui um exemplo do modo inicial da
multiplicação racional de linhas que começam a construir
quadrados, e depois um deles se desenvolve para um
cubo. [Fig. 21] A sua configuração parece fazer uma
alusão a um desenho, como se fosse a génese da ideia da
repetição do módulo (processo) que será fundamental no
desenvolvimento dos objectos de Lewitt. A própria
sombra também faz alusão à própria multiplicação do
cubo. A sua colocação na parede parece-me ir de encontro
à ideia de “desenho espacial”, que se apresenta como um
precursor daquele método formal de serialismo. A
estrutura é executada em metal, sendo que a sua
construção é muito limpa; não há vestígios da técnica de
519 KEMMERER, Allison N. - Sol Lewitt : twenty-five years of wall drawings, 1968-1993. Andover :
Addison Gallery of American Art, 1993, p. 38.
520 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 20.
128
um “ar” de imaterialidade.521 É importante referir que os seus objectos são reduções; só a
estrutura é visível. O desenho era fundamental no seu processo de construção e no
desenvolvimento das estruturas, que se foram complexificando.
129
pessoas e objectos em movimento, revelando uma serialidade, e Lewitt desenvolveu estas
ideias,525 aplicando-as à escultura. [Fig. 22] As formas repetidas, por serem vazadas,
parecem estabelecer uma ligação com o Construtivismo, na relação com o espaço, no
sentido em que a escultura penetra o espaço e o espaço a escultura; emana também uma
ideia de interior da escultura, isto é, um desenvolvimento do interior para o exterior, como
se a “obra” fosse o interior, o esqueleto da mesma; a fabricação industrial é um cenário de
produção que se mantém do Construtivismo, e contrasta com a produção manual, da
marca do fazer humano, a que a escultura se manteve fiel na sua tradição. Os intervalos e as
medições nas estruturas de Lewitt são importantes no processo de construção de uma
simetria harmoniosa. O espaço regular e repetitivo também pode ser um elemento de
tempo métrico, uma espécie de ritmo regular;526 qualquer volume ocupa espaço, e mesmo
um cubo vazado, que no seu interior contém ar, e não pode ser visto, também tem uma
“espacialidade”, estabelecendo uma relação entre o material e o espaço negativo ou
intervalos de espaço.
Uma vez dada a fisicalidade do objecto, este está convergido para a percepção do
espectador. A palavra "percepção", significa a apreensão dos dados dos sentidos, a
compreensão objectiva da ideia e, simultaneamente, uma interpretação subjectiva de
ambos.527 No trabalho de Lewitt, é fundamental o seu processo, no qual a forma é uma
consequência do processo mental, que conflui na conceptualidade. As suas estruturas
dependem do espectador para tornar visíveis os suportes conceptuais invisíveis.528 Por
outras palavas, o espectador é que percepciona o conceito, que pode corresponder, ou não,
ao pensamento do artista.
525 GARRELS, Gary - Sol Lewitt: a retrospective. New Haven ; London: Yale University Press, 2000, p. 25.
526 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 15.
527 Ibid., p. 13.
528 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação
130
autor, e preservando as características mecânicas. A pintura era indicial, visto que Warhol
“pintava” as imagens ou ícones de consumismo, e que eram reconhecidos por todas as
pessoas, portanto não se pretendia, por parte do espectador, um processo de pensamento,
mas sim, imediatez no reconhecimento. 530 A simulação envolve um esforço repetido, para
que o modelo reproduzido seja como o modelo real.531 Michel Foucault (1926-1984)
defende que a máquina não representa, ela imita, ou talvez mais exatamente: ela simula. E
Warhol fazia o mesmo, imitava a máquina.532 Quando reproduz inúmeras vezes a imagem
da Sopa Campbell, ele está não a tentar representar, visto que a pintura não é referencial
nesse sentido, mas está mecanicamente a simular a imagem, com base no modelo e no
próprio processo industrial de produção em série.
Como já sabemos, Lewitt replica um módulo industrial, produzido pela máquina,
inúmeras vezes, até formar um conjunto formal.533 Como Warhol, Lewitt referencia e imita
o processo de trabalho industrial.534 Baseiam-se no processo industrial que repete as
mesmas acções e os mesmos modelos, que têm como foco primordial a máquina. Tal como
Lewitt afirmou, a ideia é uma máquina que faz arte, podendo estabelecer uma ligação com a
génese da Arte Conceptual que se foca na ideia e o objecto é produzido, maioritariamente,
por máquinas da indústria.
530 FLATLEY, Jonathan - Art Machine In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.
Hartford : Wadsworth Atheneum Museum of Art, 2001, p. 88.
531 Ibid., p. 91.
532 Ibid., p. 88.
533 Ibid., p. 93.
534 Ibid., p. 97.
535 Ibid., p. 98.
131
Incomplete open cubes, de 1968, consiste numa estrutura de um cubo que permanece
incompleta, como o título sugere. Este objecto é relevante, no sentido em que possui uma
forma universal incompleta e pressupõe que seja a percepção do espectador a “completar”
a forma na sua mente. Este objecto está entre as duas e as três dimensões, e é o espectador,
que já conhece a forma, e já a tem interiorizada, que a vai completar. Esta percepção
encaixa na génese da conceptualidade, visto que o objecto é apenas um meio para se chegar
a um fim, que não se retém na vertente material, mas, sim, numa vertente intelectual. O
espectador ao completar a forma na sua mente, fica com a ideia de objecto, que não é
focada na materialidade. Neste contexto, da forma incompleta, Nicholas Baume fala deste
facto como a metáfora do esquecimento, não enquanto amnésia, mas enquanto um acto de
negação; é como se a estrutura estivesse a desaparecer, depois de ser completa, isto é,
“retornar ao grau zero” 536 ou como se ainda estivesse a ser construída. A forma altera
segundo o ângulo de visão; quando o cubo era completo, as vistas eram praticamente
sempre iguais, constituíndo uma forma simétrica.537 Neste caso, os ângulos potenciam
diversas vistas distintas. Lewitt fez um desenho ou plano dos cubos incompletos, no qual
podemos ver desenhos lineares, e numerados, das 122 possíveis variações;538 o artista
apresentava e dava relevância a estes desenhos, dos projectos, como serão apresentados
também pelos artistas da Land Art, que apresentam os mapas, ou até fotografias,
localizando as intervenções e os respectivos locais, visto que a arte, no contexto da galeria,
estava agora sem “lugar”.
O trabalho de Lewitt parece ser anti-monumental, visto que engloba uma relação
mais próxima com o espectador, a escala é humana e, por isso, mantém uma relação
corporal com o espectador, ao contrário da tradição monumental da escultura Neste caso,
existe uma aproximação, sobretudo pela sua horizontalidade e pela inexistência do plinto,
mas a relação corporal, que no seu expoente máximo é ligada à ideia de performatividade e
teatralidade, como vimos nos pavilhões de Graham, tem uma visualidade mínima.
Para além dos seus objectos escultóricos, fez vários desenhos de parede e parecem
alguns deles estar relacionados com uma espécie de musicalidade,539 ritmo e, em alguns
casos, repetição. Uns eram desenhados a grafite e outros desenhados a branco sobre fundo
536 BAUME, Nicholas - The music of forgetting In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.
Hartford : Wadsworth Atheneum Museum of Art, 2001, p. 20.
537 FLATLEY, Jonathan - Contradiction In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.
132
negro. Predominava uma noção de geometria, sendo que eram frequentes as linhas rectas e
curvas, paralelas e perpendiculares. Seria quase como ver as suas estruturas como desenhos
lineares no espaço. As composições enchiam a parede completa do museu, mas faziam a
parede “respirar” visto que o desenho tinha alguns espaçamentos que lhe incutiam alguma
leveza, assim como o traço que era muito fino, fazendo uma alusão à mão do homem, à
manufactura. Arcos, diferentes tracejados, até linhas diagonais compunham o repertório
formal do desenho.540 Os desenhos entraram no mercado da arte e vieram, de certa forma,
substituir o lugar das pinturas que as câmaras fotográficas trataram de ocupar, na sua
função de retratar ou captar a realidade, segundo John Berger (1926), com referência
a Walter Benjamin (1892-1940), na obra The Work of art in the age of mechanical reproduction.541
Lewitt tinha assistentes, que faziam os desenhos nas paredes dos museus, que constituiam
uma instalação permanente, até serem destruídos.542 Os desenhos determinados por Lewitt
com antecedência, eram realizados por outros, sejam eles artistas, assistentes treinados, ou
voluntários inexperientes, com base nas suas instruções. LeWitt comparou o seu papel ao
de um compositor, que cria uma matriz que pode ser executada por músicos das gerações
seguintes.543
Wall Drawing#260, de
1975, consiste num desenho
com linha branca sob fundo
negro. Em cada desenho
geométrico, segundo um
estudo preparatório de Lewitt,
isto é, o esboço inicial em
papel, podemos observar que
os arcos estão dentro de
540 GARRELS, Gary - Sol lewitt : an introduction in KEMMERER, Allison N. - Sol Lewitt : twenty-five years of
wall drawings, 1968-1993. Andover : Addison Gallery of American Art, 1993, p. 43.
541 Ibid., p. 45.
542 GARRELS, Gary - Sol Lewitt: a retrospective. New Haven ; London: Yale University Press, 2000, p.
375.
543 LOWRY, Glenn D. (dir.) – Focus: Sol Lewitt in MoMa [Em linha]. Disponível em WWW:<
133
base da sua escultura, o quadrado, que não consta na parede do desenho final, mas, sim, no
desenho preparatório e, por isso, as linhas arqueadas talvez sejam aquilo que não vemos na
sua escultura rectilínea. [Fig. 23] O desenho é o elemento mais imaterial, associado
sobretudo à ideia, como elemento se o autor desenhasse a parte imaterial das suas
esculturas, as suas reacções mentais, já que as esculturas têm, ainda assim, de ter
físicalidade.
Em suma, o trabalho de Lewitt relaciona a conceptualidade com características
formais do Minimalismo. As suas estruturas brancas têm ligação com as técnicas e materiais
do Construtivismo, que, aliás, influenciaram toda a produção artística desde que surgiram.
A relação espacial das estruturas também está relacionada com a ideia construtivista de que
a escultura penetra o espaço, porque existe no espaço, e o espaço também penetra a
escultura porque não é maciça. Deste modo, os objectos aparentam uma leveza visual que,
juntamente com a produção industrial que está livre das marcas da mão do homem e a
atribuição da cor branca, incutem uma ideia de desmaterialização, no sentido em que o
objecto branco depurado é instalado, ou encenado, num espaço de galeria, que possui as
paredes brancas, na generalidade; o objecto quase que se camufla no espaço. A dimensão
temporal está associada à própria execução das estruturas, que pelo método da repetição ou
multiplicação do cubo, vão constituíndo a forma.
Ainda é de evidenciar a importância dos estudos iniciais, dos desenhos, dos textos
que o artista vai executando ao longo do processo e que estão inteiramente relacionados
com o objecto, os quais vão ganhando uma importância cada vez maior. Na Land Art, os
documentos do processo, que pode incluir vídeo ou fotografia, são fundamentais para a
exposição ao público, tal como na performance, body art ou happening, em que o vídeo ou a
fotografia tem uma componente documental, que capta a própria acção do corpo que é
apresentado à posteriori, quando não é assistido em tempo real.
Arte Minimal
544 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 123.
134
uma arte que baseia o seu significado na ilusão como metáfora daquele momento
psicológico priveligiado, porque privado.545 Os minimalistas deslocaram a interioridade da
obra de arte para a exterioridade dos objectos. A ausência de divagação era um objectivo,
no qual o que se vê é “o que lá está”, de modo a terminar com o interior da obra e do
sujeito (individual) e com o carácter singular, privado e inacessível da experiência.
O termo “Arte Minimal” foi usado pela primeira vez pelo filósofo de arte inglês
Richard Wollheim, em 1965.548 A maioria das tentativas para definir a Arte Minimal baseou-
se numa análise das características formais comuns, como, por exemplo, um reduzido
vocabulário formal, serialismo, técnicas de composição não-relacionais, a utilização de
novos materiais - produzidos industrialmente, e processos de produção industrial.549 O
minimalismo nunca foi um estilo, e é melhor definido enquanto modelo de produção de
arte, aliado a princípios específicos.550
545 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, pp. 308-
309.
546 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 124.
547 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
135
incluíndo a participação do espectador, tamanho, escala, superfície e o nosso foco, a
Gestalt.553 Para Morris, uma obra deveria dar-se como uma Gestalt - como uma forma
autónoma, específica, imediatamente perceptível - que era alcançada através de sólidos
geométricos simples, que poderiam ser formalmente apreendidos quase imediatamente, a
partir de qualquer ponto de vista;554 o espectador não precisava mover-se em torno do
objecto para ter a noção da sua totalidade, e para que a Gestalt ocorra. Defendeu ainda que
o facto de algumas formas serem menos familiares, do que as formas geométricas regulares,
não afecta a formação de Gestalt,555 assim como a simplicidade da forma, não corresponde
necessariamente à simplicidade da experiência. Para Morris, o valor mais importante da
escultura é a forma,556 e o seu tamanho específico era uma condição dos objectos
minimalistas que, graças à escala humana, permitia uma aproximação e vivência corporais,
que as antigas esculturas clássicas não permitiam.557 O espectador muda a forma
constantemente pela sua mudança de posição em relação ao objecto e, neste contexto,
existem dois termos distintos: o conhecido (forma realizada na mente-forma conhecida,
estereotipada), e a variável experiente (factores literais e reais que podem variar com a
experiência). A forma conhecida (estereotipada) não ocorre num bronze figurativo do
período Barroco, que é diferente em todos os lados. Nos objectos minimalistas, apenas um
aspecto do trabalho é imediato: a apreensão da Gestalt que pressupõe uma experiência que
existe, necessariamente, no tempo. Morris defende que a sua intenção é diametralmente
oposta ao cubismo, com a sua preocupação com as vistas simultâneas num plano;558 neste
caso, esta afirmação não está de acordo com o procedimento. Apesar de cada plano
funcionar como um plano individual na forma minimal, consegue-se alcançar a totalidade
da forma a partir de uma face, e não é tão diferente daquilo que os cubistas praticavam:
concentravam todos os planos, de várias vistas, numa superfície e, no caso dos
minimalistas, a apreensão da Gestalt, da forma total, é praticada na mente do espectador,
que reconhece no objecto a sua forma “universal”. Assim, o movimento minimalista
propôs objectos com formas excessivamente simples, geralmente simétricas, objectos
reduzidos à forma “minimal” de uma Gestalt instantânea, e perfeitamente reconhecível pelo
espectador. Como questiona Georges Didi-Huberman: estaremos numa estética da
553 MORRIS, Robert - Notes on Sculpture in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 222.
554 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
136
tautologia?559 A resposta parece afirmativa, visto que o artista não nos fala senão do
“óbvio”.560 O próprio lema do minimal What you see is what you see é uma demonstração disso
mesmo. O objecto que está perante nós é o que é, é o que mostra, nada mais para além dele
próprio.
559 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 34.
560 Ibid., p. 35.
561 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
137
ilusionismo em toda a pintura modernista que incluísse, pelo menos, duas cores, e bastava
que fossem apresentadas duas cores para que uma “avançasse” e a outra “recuasse”,
desencadeando de imediato todo o jogo do insuportável ilusionismo espacial.565 Nos seus
objectos, nomeadamente nas colunas de caixas, analisadas posteriormente, isso acontecia, o
que aparenta ser uma contradição, já que ao produzir objectos específicos que procuram negar o
ilusionismo, com este procedimento, acaba por produzi-lo através da utilização das duas
cores.
565 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 31.
566 Ibid., p. 33.
567 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, pp. 311-
312.
568 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 38.
138
além de serem vistos pelo que são.569 Os artistas criaram uma barreira contra a
vertente/análise psicológica, que se opõe ao simbolismo e à interpretação do espectador.
What you see is what you see - eis a forma tautológica que constitui o dilema. A tautologia
institui-se sobre a questão do visual, que pretende que o espectador olhe apenas o objecto e
não o interprete. Neste contexto, Judd e Fried sonharam ambos com um olho puro, um
olho sem sujeito,570 de modo a ver apenas o objecto, sem a atribuição de significados. Isto
quer dizer que o objecto não é legitimado pelo arbítrio do sujeito; os artistas procuraram
que o objecto, por si só, se autolegitime fora da projecção psicológica do sujeito. Na minha
perspectiva, há que evidenciar que existe sempre alguma interpretação, embora o que se
pretenda é que a interpretação não envolva a nossa bagagem cultural e vivencial, ao
contrário do Expressionismo Abstracto, em que, num registo não-representacional e,
portanto, abstracto, muitas vezes atribuímos significados e simbolismos individuais às
formas, legitimados pela nossa experiência pessoal enquanto sujeitos. No contexto da Arte
Minimal, a presença das formas geométricas elementares parece ser um modo desta
interpretação pessoal não acontecer, visto que é menos provável ver num cubo qualquer
relação com uma vivência pessoal, do que em formas mais orgânicas, mais próximas da
linguagem do corpo.
569 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 30.
570 Ibid., p. 57.
571 Ibid., p. 35.
139
produção, à temporalidade da sua produção, parece reduzir-se a um processo repetitivo e
serial. Assim, abreviaram o tempo nas suas obras, por meio da redução da variação a uma
simples variável lógica, ou mesmo tautológica, de modo que, o mesmo vai dar ao mesmo.572
Tal como afirma Morris, perante o volume de Judd, não haveria nada a ver senão a
sua própria volumetria, a sua natureza de paralelepípedo, que apenas se representa a si
próprio, por meio da captura imediata. A sua própria simetria, essa possibilidade virtual de
rebater qualquer uma das suas partes sobre outra – é um modo de tautologia, como declara
Judd. Nestas obras ver-se-à o que sempre se viu: a mesma coisa. Nem mais nem menos, é
isto que se denomina “objecto específico”. Na óptica de Huberman, poder-se-ia denominá-
lo de objecto visual tautológico.
Por outro lado, os valores físicos dos objectos específicos como vimos, manifestam-se a
nível da experiência estética. No ensaio “Art and Objecthood” (Arte e Objectualidade) o
historiador de arte e crítico Michael Fried (1939) critica a teatralidade da Arte Minimal, isto
é, a sua dependência da activa participação do espectador para além do aspecto
estritamente visual. A diferença entre a resposta de uma audiência à presença com uma
duração de tempo – e o “estar presente” – um momento instantâneo de graça – era um
factor crucial na análise de Fried.573
572 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 36.
573 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 18.
574 GREENBERG, Clement - Recentness of Sculpture in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical
191.
140
escultura tornou-se mais ténue, o que quer dizer que as fronteiras entre a bi e a tridimensão
foram quebradas; Já para Fried, os objectos não são específicos, e não se apresentam
objectivos, no sentido em que não são nem pintura nem escultura, mas um intervalo
definido como a ilusão de que as barreiras entre as diferentes expressões artísticas estão a
desmoronar-se.
577 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 116.
578 Ibid., p. 118.
579 Ibid., pp. 144-145.
580 Ibid., p. 119.
581 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 50.
141
teórico mas visualmente perceptível, nomeadamente no que toca à sua ausência de
significado.582
Mas o que quer dizer forma e presença? O que é uma forma com presença? Refere-
se à escala ou à dimensão humana. Esta questão de escala é fundamental. Era preciso
“confrontar”, nos primeiros objectos minimalistas, o homem com o problema da sua
própria estatura, e não com a representação figurativa. Os objectos por mais “abstractos”
que fossem, tentavam, de certo modo, a proximidade insistente da escala humana.583 O
nosso “tamanho” permite um envolvimento corporal, que permite à estatura do objecto
colocar-se diante de nós com a força visual de uma dimensão que nos olha, de um outro ser, outro
sujeito, que nos assemelha, ainda que o objecto nada dê a ver para além de si, da sua forma,
da sua cor e da sua materialidade.584 Neste contexto, Fried rejeita a “presença” visto que o
minimalismo surgirá como a “perda da presença”, mas George Steiner (1929) reivindica a
“presença” visto que, na sua óptica, o minimalismo afigurar-se-á contrário à afirmação de
Fried.585 Uma outra perspectiva é a de Derrida (1930-2004), em que a forma seria somente
uma afirmação de algo já demonstrado pela palavra presença e todos os conceitos pelos quais
se pôde traduzir e determinar eidos ou morphe remetem para o tema da presença em geral.586 No
entanto, cremos que os objectos têm presença, visto que são elementos tridimensionais,
que existem num espaço e assumem um espaço. A presença neste contexto é encarada na
sua vertente existencial.
582 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 51.
583 Ibid., p. 103.
584 Ibid., p. 106.
585 Ibid., p. 176.
586 Ibid., p. 182.
587 Ibid., p. 109.
142
do espectador, define algo que repete a humanidade, residindo aí o seu carácter
antropomórfico. É uma imagem na sua condição pura, sem significados ou simbolismos
adjacentes, apenas a imagem, na sua condição “memorativa”. Quando Huberman nos diz
que “ver é perder”, refere-se precisamente a essa perda física do objecto, quando o
espectador o desloca, enquanto imagem, para a mente, sendo um processo que Rui Chafes
irá desenvolver no contexto da arte contemporânea portuguesa.
Esta imagem, embora possa ser pura e desprovida de simbolicidade, acaba sempre
por estar interligada com uma interioridade, a interioridade do sujeito. Michael Fried
censurava as obras minimalistas por “terem um interior”, tipicamente biomórfico ou
antropomórfico – quando este interior é sempre apresentado sob a espécie de um vazio, de
uma “ausência de ver” (ainda que frontalmente exposto).588 Este “antropomorfismo”
silencioso, assim como os silêncios e os vazios eram característicos dos objectos
minimalistas, e este procedimento é trabalhado por vários artistas americanos. O trabalho
de Richard Serra (1939) pode ser visto como uma síntese de todas estas questões de
volumes e vazios, através das suas placas de aço colocadas na vertical, que sinuosamente
delineavam um espaço; Sol Lewitt esvaziava os cubos de variadas maneiras ou fazia-os
incompletos; todas as caixas abertas e coloridas de Judd apresentava uma especificidade
que residia no seu próprio valor concreto ou teórico, de buraco, de vazio; a thing is a hole in a
thing it is not, dizia Carl Andre; nos non-sites de 1968, de Robert Smithson, a noção de vazio
apelava dialecticamente à de terraplanagem ou de escavação. Todas as obras destes artistas
implicavam o vazio enquanto processo, enquanto esvaziamento, sendo um processo de
natureza dialéctica.589 Isto quer dizer que, apesar da utilização do vazio, existem sempre
significados ou ideias adjacentes ao processo.
A ausência de ver ou o vazio, eram explicados pela “distância” que existia entre o
objecto e o espectador, pela sua linguagem formal afastada da morfologia humana, assim
como o distanciamento do simbolismo e da individualidade de cada sujeito. Era
precisamente a distância crítica que Michael Fried não suportava nessas obras, quando
evocava que os objectos aproximavam-se e afastavam-se simultaneamente, podendo ser a
experiência fenomenológica suscitada por eles, comparada à experiência “de ser afastado
ou invadido pela presença silenciosa de outra pessoa”.590 A especificidade dos objectos, que
tanto se referiu como sendo contraditória, deslocou-se do objecto para a relação com o
588 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
112.
589 Ibid., p. 111.
590 Ibid., p. 139.
143
espectador (specific relation), tratando-se da relação entre o objecto e o seu lugar, e o
591
espectador. Neste sentido, cremos que, o objecto não é específico, mas a relação do
objecto com o espaço e com o espectador é que é específica, graças à encenação espacial
que veremos mais adiante. Deste modo, o objecto é um dos termos da relação, que inclui o
controlo de toda a situação, que engloba diversas variáveis – luz, objecto, espaço e corpo
humano. Como Huberman defendia, o objecto não é suficiente por si só. 592 O modo como
o objecto se torna uma variável na situação, é uma maneira de se constituir como quase-
sujeito – um outro ser, outro sujeito que tem uma identidade e estabelece uma relação com o
mundo exterior - o que poderia ser uma definição minimal do actor ou do duplo,593
inserindo estes objectos na sua facticidade e na teatralidade das suas apresentações
diferenciais.594
Assim como Fried, Morris também declarou que a experiência do trabalho existia
necessariamente no tempo. A preocupação com o tempo literal, mais precisamente com a
duração da experiência, era paradigmaticamente teatral: como se confronta quem vê teatro,
e que no fundo, remete sempre a um sentimento de temporalidade.595 Esta questão
temporal é teatral no sentido em que os minimalistas não defendiam uma experiência
duradoura que implicasse interpretações ou significados. No entanto, a experiência estética
do espectador engloba o factor tempo, pelo facto de existir sempre algum significado nos
objectos, embora Morris defendesse a apreensão instantânea da forma, o que implica quase
a não-existência do factor temporal.
591 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 44.
592 Ibid., p. 45.
593 Ibid., p. 46.
594 Ibid., p. 47.
595 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
144
pejorativamente, um teatro. O teatro designa a associação “impura” de um objecto fictício
adentro uma fenomenologia inteiramente voltada para a palavra presença; o objecto seria
“específico na sua própria presença”,596 tendo em conta os factores objectuais e espaciais.
O objecto que se transforma em “presença”, em quase-sujeito, contraria a própria negação
dos minimalistas quanto à relação individualidade/interioridade. Se o objecto se transforma
em quase-sujeito, vai possuir uma identidade, uma individualidade. Assim, a presença do
objecto é encarada como teatral, visto que o objecto não se transforma em quase-sujeito; é
um objecto como sempre foi e “quer” ser visto pelo que é; e ao ser denominado como
quase-sujeito está a ser-lhe atribuída uma individualidade, identidade e, consequentemente,
uma interioridade, sendo, assim, uma oposição. Nesse caso, Fried denuncia o ilusionismo
teatral nos objectos minimalistas, que impõem ao espectador a sua “presença” numa
relação encenada entre objectos e olhares. A presença em questão, era justamente um jogo,
ou por outras palavras, uma fábula.597
Por último, Fried afirma que o que está errado com o trabalho literalista é que o
significado e, igualmente, a ocultação do seu antropomorfismo são teatrais. 598 Para além
deste factor espacial da experiência estética que é “teatralizado”, a ocultação do significado
596 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
101.
597 Ibid., p. 140.
598 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
145
e do antropomorfismo, que estão relacionados com a interioridade, são também alvo da
teatralidade. Ou seja, existe antropomorfismo e significado, mas são camuflados de um
modo teatral. O significado e o antropomorfismo focalizam-se na própria interioridade. A
sua ocultação é teatral, no sentido em que a interioridade existe sempre, de alguma forma:
existe sempre algum significado por parte do espectador. A sua ocultação acaba por ser
uma medida defendida pelos minimalistas de modo a não obter significados e
interpretações pessoais sobre os objectos e as experiências, em ruptura face à tradição
artística, e, sobretudo, ao Expressionismo Abstracto, como já vimos; daí a utilização de
formas geométricas, formas limpas e distantes de qualquer ligação emocional e relacional
que o espectador pudesse sentir. Essa ocultação acaba por ser uma ilusão, ou ilusionismo
teatral, porque como já afirmámos, existe sempre algum significado, nem que seja
direccionado para as características físicas do objecto, da presença de ritmo, por exemplo.
Rosalind Krauss dá um exemplo de certas obras de Giacometti, nomeadamente os retratos,
que eram executados a partir de uma ausência, de uma humanidade por ausência,599 no
sentido em que a essência do desenho e da representação estava nos espaços sem desenho,
que se apresentavam em branco, e aparentavam ser muito leves, confluindo num “jogo de
percepção”que, posteriormente, aproximavam e faziam o espectador reconhecer o seu
carácter antropomórfico. Do mesmo modo, parece existir uma ligação com os objectos
minimalistas que evidenciam a ausência do corpo humano, até ao ponto do surgimento da
experiência estética, que pressupõe sempre a presença de um corpo, nem que seja, como é
óbvio, exterior ao objecto, mas que pressupõe, igualmente, para além de um corpo, uma
mente, uma ideia ou um significado.
Deste modo, a interioridade estará numa dialéctica visual que é produzida pelo
espectador, visto que no objecto não existe nada que remeta para uma interioridade, e esta
dialéctica visual é percepcionada por meio de uma dupla distância. A dupla distância pode
ser relacionada com a distância real: a distância física do espectador face ao objecto e vice-
versa; e a distância psicológica: a noção psicológica (sem significado) do espectador em
relação ao objecto e vice-versa. A distância é sempre dupla e virtual e é uma forma espácio-
temporal do sentir.600 A distância não é simplesmente a forma espácio-temporal do sentir, é
também a forma espácio-temporal do movimento do espectador, incluindo, deste modo, o
factor psicológico e físico. Para Merleau Ponty (1908-1961), a percepção interna e a
percepção externa do próprio corpo variam em conjunto, porque são duas facetas de um
599 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
116.
600 Ibid., p. 133.
146
mesmo acto. Nós somos o nosso corpo; estamos no mundo através do nosso corpo que é
um objecto de percepção.601 Estas proposições foram rearticuladas na Fenomenologia da
Percepção, em que a questão do espaço se vê referida ao paradigma da profundidade. O
espaço é profundo, permanece inacessível, por excesso ou defeito, mesmo estando sempre
em torno ou perante nós602 e está implicado nos objectos.
A experiência por si só é o que importa, como afirma Fried. Esta foi considerada
por Smith como acessível a todas as pessoas605 pela universalidade da morfologia dos
objectos que, construídos com formas geométricas, geram uma apreensão universal da
forma. Deste modo, a possibilidade de ter uma experiência universal é maior, do que se
estivéssemos perante formas orgânicas abstractas, dado o seu grau de subjectividade. Como
já vimos, What you see is what you see é a base da percepção e da experiência minimal que se
centra na fenomenologia,606 cuja implicação é a de apenas ver no objecto o que lá está.
601 PONTY, Merleau - The Theory of the body is already a theory of perception, 1945 in MEYER, James -
Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 197.
602 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
135.
603 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
147
Morris assumiu o carácter fenomenológico, o carácter de experiência subjectiva que as
esculturas geravam, por mais específicas que fossem.607
607 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 43.
148
compositivos do Minimalismo (uma coisa a seguir à outra, a sua localização entre o espaço
de exposição da escultura e da pintura); os artistas criavam uma ambiência espacial com os
objectos, intencionalmente encenada, não só enquanto ruptura com a tradição artística, mas
enquanto meio possibilitador de uma experiência estética “específica”. A teatralidade, neste
sentido, consistia na encenação intencional de valores espaciais e objectuais para um
determinado efeito espacial. A colocação e a preparação do espaço de exposição era como
preparar um palco para um espectáculo que iria decorrer, sendo a presença do espectador
um factor muito importante. No encontro entre o espectador e o objecto, surge outro
factor, que é teatralizado: a “presença” do objecto. Na “interacção” entre o objecto e o
espectador, o objecto torna-se um quase-sujeito, no sentido em que vai ter uma identidade/
individualidade que se relaciona conosco, enquanto espectadores. No entanto, esta relação
é encenada, e claro, teatral, pois o objecto não se transforma em quase-sujeito: é um
objecto como sempre foi, e que é para ser visto pelo que é, nada mais para além dele
próprio.
FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
608
149
Donald Judd
Donald Judd nasceu nos Estados Unidos da América e mudou-se para Nova
Iorque em 1948. Frequentou o curso de História de Arte e Filosofia na Columbia
University, e, em 1962, fez Mestrado em História de Arte. Produziu algumas pinturas, mas
em 1962 abandonou a pintura, preferindo o trabalho com objectos tridimensionais. No seu
famoso artigo “Specific Objects”, Judd quis empregar uma arte verdadeiramente abstracta
para usar e definir o espaço real.609 Iremos averiguar as ideias deste texto, mas aplicadas à
sua escultura, começando, particularmente com a obra Untitled, de 1962, que está
relacionada com as frustrações de Judd com a pintura, no início da sua carreira, pelo facto
de uma pintura ou relevo serem vistos de uma perspectiva
frontal610 e não se poder observar uma tridimensionalidade, que
faz com que algo “habite” o mesmo espaço que o nosso corpo.
Esta frustração vai ser manifestada no seu artigo, onde afirma
que os objectos específicos não são nem pintura nem escultura.
O principal problema da pintura era que consistia num plano
rectangular colocado contra a parede. Segundo Judd, o uso das
três dimensões é uma alternativa que tende a negar a sua
condição de escultura ou pintura; o desinteresse na pintura e na
150
tábuas são a própria tela, e o ferro é um elemento tridimensional que sai do plano da
pintura; Este efeito de “sair” alguma forma de um determinado plano, nomeadamente
paralelipípedos que parecem sair do plano da parede, vai ser desenvolvido por Judd nas
esculturas da década de 1960, repetindo-as ao longo da sua carreira.
Esta solução que, segundo Judd, não está nem no ramo da escultura, nem no da
pintura, parece ir de encontro às definições, pelo menos parciais e independentemente da
contradição, do que vem a ser o “objecto específico”, nomeadamente a unificação da
forma: a superfície pintada de vermelho unifica o trabalho, apesar de ainda serem evidentes
as marcas do tempo, da própria madeira, e do homem, por exemplo na soldadura. O facto
de ser uma forma simples, e a uniformização dos diversos materiais pela pintura dos
mesmos, faz com que a relação entre os materiais e a forma seja uniforme e sublime; parece
estar de acordo com a forma “limpa”, sem pormenores e reduzida à própria fisionomia do
material.
A sua escala parece estar de acordo com a escala dos objectos minimalistas, que se
desenvolveram nos anos seguintes; estabelece uma relação de proximidade com o corpo
humano, o que faz com que o campo da interacção seja possível, embora nos objectos
minimalistas não se destaque esta questão, em comparação com os pavilhões de Graham,
por exemplo.
Como descrito em “Specific Objects”, o uso de três dimensões fez com que fosse
possível utilizar todos os tipos de materiais e cores. A maior parte do trabalho envolve
novos materiais, ou invenções recentes, como os materiais e técnicas, industriais oriundas
do Construtivismo;613 Judd mostrou-se insatisfeito com a aparência dos primeiros trabalhos
executados por ele, e, em 1964, começou a explorar o potencial das técnicas da produção
industrial, encomendando, a uma firma familiar, o fabrico dos seus objectos,614 que serão
combinados em múltiplas e progressivas variações. Untitled, de 1974, neste contexto, é um
exemplo desta nova fase de Judd, e consiste numa instalação com vários elementos. A
forma primordial desta instalação é o cubo. Estabelece uma relação formal com a produção
artística na Modernidade e Pós-Modernidade, que se “rendeu” à morfologia “reduzida” da
escultura. Este trabalho consiste em seis cubos fechados, uns a seguir aos outros, todos
cobertos de espelho. Estão assentes sobre o chão, reflectindo o espaço envolvente; é quase
como uma expansão do espaço real para o objecto. Pela capacidade de absorção das
613 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.5. [Em linha].
Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].
614 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 60.
151
imagens que o espelho tem, a forma dos objectos parecem, de algum modo, camufladas no
espaço; como se a sua fisicalidade fosse anulada. [Fig. 25] Este processo de “camuflagem”
relaciona-se com as estruturas de Sol Lewitt, que eram pintadas de branco e colocadas no
espaço branco da galeria. Judd parece serguir este princípio, mas com outro material. Com
a presença do espectador, que se verá reflectido no espelho, desperta a lembrança das
performances ou dos pavilhões de Graham, em que o espectador se via reflectido no espelho
ou a sua imagem reflectida no vidro.
Como já dito no contexto da Arte Minimal, com estes objectos, não havia lugar
para expressionismos ou individualizações: os objectos não tinham a marca do homem, da
sua mão ou dos seus sentimentos, assim como as formas utilizadas eram de cariz
geométrico e universal. Assim sendo, pretendia-se que a experiência do espectador com
152
este objecto, que contém vários elementos, fosse afastada de interpretações ou de
significados pessoais.
Ao mesmo tempo, e como defendeu Judd, o objecto (conjunto dos vários cubos) é
uno, tal como os ready-mades de Duchamp e outros objectos dadaístas, que também eram
vistos de uma só vez, e não parte por parte, como na tradição da escultura, em que era
executada por adição, num processo
lento.615 O processo de Judd era um
processo “rápido”, no sentido em que a
execução da forma era pragmática, e
com o material no seu estado original.
Em 1964, Judd começou a utilizar
plexiglas, e, juntamente com a utilização
simultânea do alumínio, iniciou um jogo
entre volumes fechados e abertos,
reflexos e transparências, que iam de
encontro à simplicidade que Judd tanto
almejava.616
615 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.3. [Em linha].
Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].
616 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 56.
617 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.6. [Em linha].
153
Untitled (Bernstein 78-69), de 1978, é um dos exemplos maiores. Judd criou o
primeiro objecto deste género em 1965, e continuou a desenvolver esta forma ao longo da
sua carreira. Consistem, geralmente, em dez unidades (paralelipípedos) colocadas
verticalmente na parede, com uma configuração precisamente ordenada. As caixas de Judd
são de cariz geométrico e repetitivo, estabelecendo, mais uma vez, uma relação com Lewitt,
pela repetição de um módulo. Um menor número de unidades podia ser usado se o espaço
tivesse uma altura baixa, como neste caso em análise. [Fig. 26] Os intervalos entre
paralelipípedos consistem na medida dos mesmos, isto é, a altura dos paralelipípedos
servem de medida de intervalo, como se fosse possível encaixar outro paralelipípedo nos
espaços vazios, pelo facto de terem a medida exacta. A continuidade formal tão comum
nos objectos de Judd devém da expressão “uma coisa depois da outra”, que rege o modo
de organização ou “encenação” no espaço, como acusava Fried; consiste numa ordem que
não é racionalista e subjacente, mas é simplesmente ordem, como a de continuidade.619
Todos os objectos de Judd eram simétricos, e queriam distanciar-se dos efeitos da
composição, e a maneira mais óbvia de fazer isso foi torná-los simétricos.620
619 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.4. [Em linha].
Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].
620 BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California
154
completa a forma do objecto; acontece que, neste exemplo de Judd, o espectador
reconstitui a forma que previsívelmente seria igual em todos os seus lados, mas sucede-se
uma surpresa, visto que as faces não são iguais na sua condição material. Segundo os
minimalistas, como já vimos, não existe significado, mas parece que o processo mental
deste objecto é relacionável com os cubos incompletos de Lewitt: o espectador mentalmente vê
sempre a forma completa, apesar de ter partes inexistentes ou transparentes, neste caso.
Seja como for, Judd queria negar e renunciar à própria forma completa, como uma
metáfora para o “vazio de conteúdo”, e também tem como objectivo produzir um objecto
específico que fosse simples, isto é, fácil de entender visualmente.622
155
que partilham o jogo. Em diferentes culturas, o significado das palavras muda. Ora, se os
objectos minimais tinham como objectivo romper com a tradição artística, significa que o
trabalho dos artistas iria confrontar os espectadores com novos métodos com os quais não
estavam familiarizados, obrigando o espectador a “aprender” essa linguagem para a poder
partilhar. Isso de facto aconteceu: os artistas defendiam nesse jogo de linguagem a ausência
de significado que, como já vimos, não é coerente; existe sempre significado, porque os
objectos captados, dentro de um jogo linguístico, são proposições ou palavras que estão em
constante comunicação com o espectador.
156
precisamente a silhueta ou forma física do mesmo;626 mesmo que não exista significado, o
que resta é a fisicalidade do objecto, e mesmo que seja depois transferido para uma
imagem, essa imagem é sempre criada a partir de uma fisicalidade. O trabalho pode estar
associado à ideia de vazio, de negativismo, de ausência de conteúdo, mas não podemos
defender que a experiência não transcende o objecto físico627; uma imagem pode surgir da
fisicalidade do objecto, mas quando se transforma em imagem, mesmo que seja uma
duplicação do objecto real, essa transformação é um processo individual, que se pode
tornar subjectivo, a partir do momento em que sai do alcance do artista e fica na “posse”
do espectador. Assim sendo, defendo que a experiência conflui numa interligação entre a
fisicalidade do objecto e a componente mental, com tudo o que essa palavra implica.
Carl Andre
Após a sua mudança para Nova Iorque, em 1956, Carl Andre (1935) passou alguns
anos, até 1959, em áreas como a poesia, o desenho e a concepção de pequenas esculturas
em plexiglas, e outros materiais encontrados. Em 1958, conheceu Frank Stella, e a partir daí
concentrou-se principalmente na escultura. Rapidamente ficaram amigos e partilharam o
mesmo estúdio na West Broadway. Foi aí que nasceram as duas primeiras grandes
esculturas Last Ladder (1959) e Pyramid (1959).
A primeira consiste numa coluna formada por uma trave de madeira, com um
módulo que é repetido ao longo da coluna vertical. Aponta para um interesse pela escultura
de Brancusi, em particular a Endless Column, de 1937/38, que também implica a repetição de
um módulo geométrico, parecendo também que vai de encontro ao termo “uma coisa a
seguir à outra”, e à orientação vertical. Na coluna de Brancusi, o módulo era uma forma
completa que podia ser vista a 360º; neste caso da coluna de Carl André, o módulo é uma
figura geométrica, o quadrado, que está gravado em baixo-relevo na madeira. Este módulo
podia ser visualizado de um ponto de vista frontal ou a três quartos. Não contém nenhuma
base, e estabelece uma relação com os outros minimalistas que colocavam as suas
esculturas directamente no chão.
626 SMITHSON, Robert - Donald Judd, 1965 in MEYER, James – Minimalism. London : Phaidon, 2000, p.
211.
627 KRAUSS, Rosalind - Allusion and Illusion in Donald Judd, 1966 in MEYER, James – Minimalism. London :
157
A segunda, em contraste, parece reflectir a influência duradoura dos quadros de
Frank Stella. As duas pirâmides, colocadas uma sob a outra, vértice com vértice, derivam de
traves de madeira idênticas, que representam uma transferência da técnica modular de
Stella para a escultura. A repetição de um módulo que vai criando figuras geométricas e até
um efeito óptico, tornou-se a base para o desenvolvimento desta escultura, que dá uma
certa sensação de movimento, pura ilusão visual, tal como acontecia nos quadros de Stella.
A nível técnico, esta escultura implica uma
construção complexa de encaixe entre cada ripa
de madeira, que estabelece uma relação de união
com as restantes. A técnica da primeira
escultura, que consistia em desbastar na madeira
a forma pretendida, era mais simples do que esta
técnica de construção que, na sua componente
prática, divide a escultura em partes, isto é, em
várias linhas horizontais. As componentes
individuais de Pyramid não foram trabalhados
por André para alcançar outra forma, mas,
contrariamente, aos seus últimos trabalhos,
encaixam-se uns nos outros, ficando unidos.
Este método será decisivo e aplicado nos seus
trabalhos futuros. Fig.27 – Lever – Carl Andre.
1966
Tijolos; 9m de comprimento.
Como já vimos, a obra de Carl Andre Solomon R. Guggenheim Museum, Nova Iorque.
apresenta influências das esculturas em
madeira, sob influência de Brancusi, das black paintings de Frank Stella e, mais tarde, pelo
trabalho pioneiro dos construtivistas russos; por essa razão, manteve o termo “escultura”
para designar o seu trabalho, sem qualquer tipo de dúvida ou hesitação.628 No entanto,
existiu uma mudança na sua produção de escultura que abdicou da verticalidade a favor da
horizontalidade.
Em 1966, criou Lever, que consiste numa linha com cerca de 9 metros de
comprimento, em que uma das pontas terminava encostada a uma parede. Composta por
137 tijolos, foi especialmente concebida para a exposição “Primary Structures”, para uma
área específica. Carl André “colocou” a coluna infinita de Brancusi no chão, em vez de
158
estar direccionada para o céu.629 Foi a primeira escultura a relacionar-se com o pavimento, e
a fazer emanar o seu efeito para o resto da sala, trabalhando, neste sentido, a espacialidade
e o seu contexto encenado, típico do trabalho minimalista. [Fig. 27] O local era redefinido
com a sua presença, apesar deste trabalho estar privado de uma das características até então
consideradas como essenciais da escultura: o volume. Assim, o volume deste objecto não é
observável a 360º, visto que o objecto está colocado no chão, e o espectador até pode
passar por cima dele. Numa primeira visão global da sala, haverá um risco do espectador
não visualizar de imediato o objecto, visto que estaria habituado a observar a sala a uma
altura intermédia e não a uma altura nula. Deste modo, deixou de haver uma posição ideal
para observar estas novas esculturas.
Carl Andre não só faz um corte com a tradição da escultura de aço americana feita
à mão, mas também com a ideia de que a escultura deve transcender os materiais e ser lida
pelo espectador em termos puramente pictóricos e figurativos. 8 Cuts, de 1967 – uma
instalação da sua autoria, torna-se um bom exemplo para análise, de modo a tomar-se
consciência da evolução das suas primeiras esculturas e do seu processo de trabalho.
629 BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California
Press, 1995, p. 104.
630 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 14.
159
“O meu trabalho é ateístico, materialístico e comunístico. É ateístico porque não tem forma
transcendental, nem qualidade espiritual ou intelectual. Materialístico porque é feito dos seus próprios materiais
sem pretensão a outros materiais. E comunístico porque a forma é igualmente acessível a todos os homens.” 631
Esta afirmação está claramente ligada ao Minimalismo, que defendia que o objecto
era o que era, sem referências a nada, sem significado, e, portanto, afastado das
interpretações possíveis do espectador. O material existia enquanto material, e não como
uma fonte interpretativa, e a forma pretendia-se universal, possibilitando o conhecimento
de todas as pessoas.
631ANDRE, Carl Cit pot MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 30.
632BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California
Press, 1995, p. 103.
160
Como já vimos, no seu trabalho, o material é o que é, sem pretensões de ser outra
coisa para além disso.633 Os materiais industriais, neste caso a placa de aço, incute ao
objecto uma “limpeza” e um nivelamento uniforme, ao ponto das placas parecerem quase
o próprio chão, camuflarem-se nele. A baixa espessura das placas concede uma
tridimensionalidade mínima ao objecto. Neste contexto, podemos fazer a pergunta: Será
que devemos chamar escultura a este objecto? Praticamente não tem tridimensionalidade; é
como se as características da escultura fossem inexistentes: ausência de representação, de
tridimensionalidade, do trabalho de execução manual, de materiais nobres e tradicionais…
Parece não haver denominação possível para escultura, perante esta instalação.
Conhecendo o percurso de Carl Andre, podemos afirmar que é uma redução de matéria
que se vem a acentuar ao longo da sua carreira, até chegar ao próprio plano do chão. O
objecto é apenas um nível para atingir/potenciar a experiência estética do espectador.
Como afirma Andre, a Arte é o que acontece (“Art is what happens”).634 Em comparação
com Judd, para quem a arte era o que nós vemos, para Andre é o que ocorre na experiência
estética do espectador.
Este objecto de Carl Andre parece estar relacionado com o trabalho modular de Sol
Lewitt, que, antes de repetir um módulo cúbico, desenvolve a forma do seu módulo a partir
do quadrado, tal como Andre inicia o processo a partir do quadrado, apesar de não o
desenvolver para uma dimensão tridimensional. Neste sentido, para Andre, um espaço
vazio é, em nenhum sentido, um vazio.635 O seu objecto está presente no espaço, embora a
sensação que aparentemente possamos ter da sala seja que ela está vazia, mas não está,
existe espaço na sala, existe um objecto.
161
Andre não estava interessado nas ideias, visto que a chave para a Arte consistia na
sua experiência e na sua proximidade. Para este artista, a intenção é uma ordem para os
materiais, e não uma ideia,636 refutando a componente mental. Deste modo, considerava-se
um anti-platonista, visto que não há mediação entre a componente física e mental,637
demonstrando ser contra a “Ideia”, e a favor da experiência real.
636 ANDRE, Carl - December 1969 in GALE, Peggy - Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the Nova
Scotia College of Art and Design, 2004, p.14.
637 Ibid., p. 17.
638 SONTAG, Susan - Contra a Interpretação. Lisboa : Gótica, 2004, p. 24.
639 Ibid., p. 26.
640 Ibid., p. 28.
641 Ibid., p. 32.
162
Voltando a Carl Andre, os seus objectos constituem-se tautologias, assim como os
de Judd, visto que o objecto existe enquanto objecto, é o que é, nada mais para além disso.
Mas existe uma grande diferença entre Andre e Judd; para além dos objectos de Andre não
terem volume, em contraste com os de Judd, a Arte para Andre era focada na experiência
real do espectador no seu aspecto físico e táctil; já para Judd a Arte é o que nós vemos.
Não se pretende que estes objectos concedam lugar a uma ideia, como se passava na Arte
Conceptual; por essa razão, Andre era contra as ideias, e a favor da experiência, que se
focava apenas no objecto, na sua condição objectual específica. O seu processo de trabalho
centrou-se na “desmaterialização” da volumetria, tão característica da escultura, ao ponto
do objecto se limitar a uma espessura mínima de volume. O objecto artístico, cada vez
mais, foi perdendo a sua morfologia enquanto forma massificada ou mesmo enquanto
mera estrutura espacial. A escultura foi reduzida a um mínimo, ao ponto de questionarmos
se ainda estamos perante escultura, como já referimos, parecendo mais viável, apelidarmo-
los de objectos.
Richard Serra
163
Como afirma Serra, a Arte é sempre ideológica, por isso o seu trabalho tem uma
componente ideológica,643 tal como tem uma interligação com a componente conceptual.
Apesar de Serra ser muito ligado à estética minimalista, este ponto de vista contrasta com
as suas teorias. No entanto, a teatralidade que o espectador experiencia é muito mais
evidenciada, tal como no caso de Graham, em que o espectador tem uma relação e uma
experiência muito corporal com os pavilhões ou esculturas. Numa abordagem
contemporânea, a componente ideológica do artista manifesta-se na dicotomia
peso/leveza, sendo que a obra de Serra pressupõe uma técnica “pesada”, que produz a
forma, aparentemente, leve. Esculturas com centenas de toneladas apoiam-se num jogo
formal de extrema leveza, sustentados em estudos de engenharia e de auto-sustentação.
Mais importante que isso, Serra tranformou o peso, a massa e a gravidade em qualidades
escultóricas, aliando o conceito, a matéria e a tecnologia.644 Criou formas visualmente leves,
desafiando a gravidade e a percepção expressiva do peso, numa experiência estética que é
mais física que mental, dado que o peso do metal é um valor explícito, interligado a uma
conotação industrial e tecnológica. O peso é uma qualidade que é negada, e quando a
estrutura é verdadeiramente equilibrada, subtrai visualmente o peso.645 A gravidade sempre
foi uma problemática na escultura,646 e Serra utilizava a gravidade como um princípio de
construção, tirando partido desse princípio para dar a ilusão de que um conjunto de placas
de aço poderão apresentar-se visualmente “leves”, quase como folhas de papel. Ao que
parece, Serra admirava a escultura de Giacometti, e parece haver uma ligação com o seu
trabalho escultórico, nomeadamente nas aparentes formas maleáveis, na dialética da
gravidade e no gesto.647
643 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 354.
644 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
Kynaston; COOKE, Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The
Museum of Modern Art,2007, p. 45.
164
interessados nos “efeitos” dos materiais, isto é, nas suas particularidades dos materiais,
visto que fazer a mesma forma em vidro, em ferro ou em espelho é muito diferente.648
Placas de aço empilhadas, criada por Serra em 1969, é um excelente exemplo deste
factor. A nível formal, a escultura consiste em várias placas empilhadas verticalmente,
embora as do topo comecem a inclinar-se ligeiramente. O material utilizado é o aço, ou
derivados, que é sempre eleito para a execução das suas esculturas, mas este resultado
plástico é diferente do Titled Arc, e até do Splashing, como veremos de seguida; constatamos
que é sempre o mesmo material, mas transformado de modo diferente.
648 MCSHINE, Kynaston - A Conversation about Work with Richard Serra in MCSHINE, Kynaston; COOKE,
Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The Museum of Modern
Art,2007, p. 28.
649 KRAUSS, Rosalind - Os caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 328.
650 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
165
espectador, Serra estava interessado particularmente em desenvolver a categoria de site-
specific,651 e a escolha das estruturas que definem o contexto do espaço em questão,652
englobando, claro, a adequada composição formal das esculturas, que assumiam como
pressuposto fulcral, a relação corporal com o espectador.
651 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 348.
652 Ibid., p. 353.
653 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 88.
654 MCSHINE, Kynaston - A Conversation about Work with Richard Serra in MCSHINE, Kynaston; COOKE,
Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The Museum of Modern
Art,2007, p. 30.
655 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 88.
166
removida em 1985. Neste contexto, Serra insistiu que a remoção da escultura seria
equivalente à destruição da mesma,656 estando a definir um parâmetro extremamente
importante na tipologia do site-specific. Esta escultura levantou novas questões sobre o que
seria a escultura pós-minimal, e a sua relação com o espectador, particularmente avaliando
este caso, no contexto da arte, em espaço público.657
656 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 343.
657 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 216.
658 RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
167
Splashing é outro exemplo fundamental. Consiste numa instalação de elementos em
chumbo, realizados através de uma performance, que consistia no lançamento de chumbo
contra uma parede, estando esta obra igualmente inserida na tipologia do site-specific. Este
trabalho está relacionado com a Arte Processual, na qual a acção da solificação do material,
durante o acto criativo, constitui-se a própria obra, apresentando também uma ligação com
a fenomenologia da gravidade, que foi explorada por Jackson Pollock nas suas Action
Paitings. O chumbo é um material pesado, mas, ao mesmo tempo mole e maleável,
relativamente fácil de derreter, sendo que quando está em estado líquido, pode ser
apanhado com uma espátula e lançado para endurecer, em gotas ou salpicos, por meio da
acção do homem e da gravidade. Em 1968, no armazém da galeria Leo Castelli, Serra
começou a aquecer e a lançar chumbo líquido nos cantos de uma sala, na tentativa de
explorar a fisicalidade do acto criativo, bem como de investigar as possibilidades que
surgem quando o metal é libertado do seu estado sólido. As formas de chumbo (em forma
de L), não eram só a evidência física do seu acto, mas também o seu substituto escultural.659
A forma reflecte os actos de lançamento, fluídez, arrefecimento e solidificação, originados
pelo gesto do próprio escultor. [Fig. 31] A própria técnica, por si só, constitui um gerador
das formas artísticas.660 Para Serra, a sua acção concentra-se na formação de uma escultura
através de um processo repetitivo.661
Posteriormente, dispôs no
chão, o resultado da solidificação, na
ordem pela qual os elementos tinham
sido executados. Os elementos foram
dispostos no espaço, tendo como
referência de alinhamento a parede e
foram dispostos um a seguir ao
outro, estabelecendo uma ligação
Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The Museum of Modern
Art, 2007, p. 25.
168
onde foi executada a acção, e o local actual onde ela é instalada, estão ligados de forma
permanente, tal como veremos nos Site/Non-Site de Robert Smithson, nos quais as
esculturas levam consigo as marcas, os vestígios do espaço onde foram criadas,
independentemente de serem expostas noutro local, levam sempre a identidade do
primeiro, isto é, e a este estão sempre ligadas. Esta intervenção alterou a relação entre o
estúdio do artista e a galeria de arte, visto que a acção – a criação decorreu no mesmo
espaço da exposição; o estúdio era visto como o local por excelência de criatividade, como
um lugar essencialmente privado, onde os artistas trabalhavam de um modo individual e no
seu próprio tempo.662 Neste caso, o armazém da galeria Castelli foi aberto ao público,
expondo a arte acabada de “nascer”.
O trabalho de Serra tem uma relação literal com o corpo. A Arte Minimal não; esta
não tem uma ligação tão directa como a obra de Serra, que é baseada na sua fisicalidade, a
qual interage literalmente com o corpo do espectador quando circula pela área que a
escultura delimita, através da sua configuração formal. No que diz respeito ao significado, é
similar aos Minimalistas, porque não existe uma atribuição de significado, por parte do
espectador, para além do que lá está; o objecto é o que é. Parece que Serra, tal como Carl
Andre, atribui uma elevada relevância à própria experiência real do espectador. Por isso,
Serra proporciona ao corpo do espectador um confronto fenomenológico com um
objecto.664 A questão da experiência é “naturalmente” ligada a uma vertente
fenomenológica, para além da vertente perceptiva (da ideia e da forma), inerente às
esculturas que se relaciona com a dicotomia peso/leveza.
662 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 135.
663 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 536.
664 Ibid., p. 537.
169
Os termos pós-minimalismo e desmaterialização são construções com significado
próprio, dentro de uma regressão infinita de negação,665 nomeadamente a negação da
importância da materialidade de um objecto. O vídeo e a performance, que Serra desenvolveu,
são exemplo dessa “negação” da materialidade, embora na performance exista sempre um
registo da acção (quando não é apresentado algo material), e esse registo assume-se como a
própria “obra”, que situa o espectador no momento exacto da realização, e torna-o
“presente” no momento.
Land Art
Neste contexto, é relevante falar do esquema de Rosalind Krauss, que defende que
a escultura passou a ser definida pelo que não era, por outras palavras, pela exclusão de
possibilidades. No contexto da Land Art, definia-se a escultura por aquilo que estava na
paisagem e não era paisagem.669 O desenvolvimento do seu esquema estrutural, ou
diagrama, cujo ponto de origem era a definição de escultura, expandiu-se, para além do
conjunto de negações, para outras possibilidades estruturadas de diferentes maneiras. A
possível combinação de paisagem e não paisagem foi explorada com termos como os
lugares identificados, que se inserem na tipologia da Land Art. O artista elege um espaço
665 KRAUSS, Rosalind - Semse and Sensibility: Reflection on Post’ 60s Sculpture , 1973 in MEYER, James –
Minimalism. London : Phaidon, 2000, pp. 254-255.
666 BEARDSLEY, John - Earthworks and Beyond: contemporany art in the landscape. 4ªed.Nova
170
para a colocação da obra, havendo a possiblidade de ser noutro local com as mesmas
características, o chamado Marked Site.670
Surgiram nos Estados Unidos, perto dos finais da década de 1960, intervenções
escultóricas de carácter efémero de alguns artistas que começaram a surgir fora dos espaços
das galerias e museus. A maioria dos artistas americanos envolvidos com a Land Art,
tinham estado ligados ao Minimalismo, e não deixou de haver uma relação com este
movimento. A Land Art torna a paisagem no principal meio de criação, e as obras ficam
expostas às condições climatéricas, sendo realizadas em espaços naturais e longínquos do
espaço urbano. Estas intervenções são esculpidas com materiais como terra, neve,
realizando vulcões, utilizando relâmpagos ou em áreas submarinas, muitas vezes de difícil
acesso, obrigando à realização de registos em fotografia, vídeo e/ou desenhos. A expansão
da Land Art, que foi de curta duração, tornou a paisagem, a (de)formação do terreno, o
horizonte, o tempo e a erosão materiais autênticos na produção escultórica.671
Como exemplo temos as obras de Robert Smithson, da dupla formada por Christo
(1935) e Jean Claude (1935 - 2009) e Richard Long (1945), entre outros.
670 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 297.
671 RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 543.
672 BOETTGER, Suzaan - In the Yucatan: Mirroring presence and absence in MARK, Lisa - Robert Smtihson. Los
171
elementos industriais, como no caso de Smithson, com os recipientes instalados na galeria,
para colocar pedras ou outros materiais trazidoss dos locais das intervenções.
675 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 181.
676 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips. Porto : Museu
Serralves, 2002, p. 15.
677 Ibid., pp. 15-16.
172
pessoa,678 e, neste sentido, Smithson interessa-se também pela erosão no cosmos, onde
havia harmonia e ordem, mas também desordem. Para Smithson, não há como escapar da
matéria pesada nem da fisicalidade, assim como da componente mental: os dois estão em
rota de colisão constante, é uma espécie de catástrofe tranquila de espírito e matéria. A
entropia surge, neste contexto, como o nome do processo desenvolvido por Smithson. A
ciência utiliza a palavra em termos de existência; a arte utiliza em termos de inexistência; a
ciência luta contra a entropia, e os artistas parecem aceitar a entropia,679 que se relaciona
com o comportamento da natureza, permanentemente em transformação; não tem uma lei
definida e racional, e Smithson tentava imitar a entropia, o comportamento da própria
natureza. Como dizia Heraclito, “As coisas lançadas ao acaso, o arranjo mais belo, o
cosmos.”, fragmento que Smithson utilizou como ponto de partida da sua participação em
“Field Trips”, e que acaba por ser um dos termos do seu trabalho.
678 CROW, Thomas - Cosmic exile: prophetic turns in the life and art of Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert
Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 50.
679 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
173
Como intermediária, a fotografia é uma forma de “focar” o espectador no local. As
intervenções da Land Art são compreendidas pela forma como são fotografadas, mais do
que a maioria da escultura; a escultura é tridimensional, e as fotografias de escultura são
sempre interpretáveis, de um modo que, a fotografia de uma pintura não o é. A fotografia
aérea é útil para locais que requerem algum mapeamento, mas nunca pode dar uma
apreensão e compreensão completas.681 As fotografias são uma redução a um plano, a um
quadrado, e isso fascinava Smithson.682
681 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 176.
682 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 289.
683 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 545.
684 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips. Porto : Museu
174
Cristo é perfurada nos pés e nas mãos; as espirais estão no lugar das feridas e do sangue,685
que significam a posterior transformação de Cristo, que ressuscitou; deste modo, parece ser
um símbolo do trabalho de Smithson, que se relaciona com a própria transformação. [Fig.
33] A Espiral com cor branca constrasta com a água vermelha do lago, e o sal unifica a
forma da espiral, constituíndo uma das bases da matéria da espiral, tal como as rochas. 686
Como já sabemos, o artista tinha um interesse permanente em geologia e cristalografia, e
antecipou claramente o efeito que a deposição natural de cristais de sal teria sobre o
trabalho como um todo. Neste sentido, o sal constitui um índice de material da passagem
do tempo,687 que inicialmente se apresenta como pequenos grãos; posteriormente, com a
junção com as rochas, e sobretudo com a água, o sal ganha uma outra aparência.
685 CROW, Thomas - Cosmic exile: prophetic turns in the life and art of Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert
Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, pp. 37-38.
686 ROBERTS, Jennifer L. - The Taste of Time: Salt and Spiral Jetty in MARK, Lisa - Robert Smtihson. Los
175
o espaço transcendental, que pertencia a outro mundo, simbolicamente o céu, em que era
estabelecido o contacto por meio da fé do crente, numa componente que ultrapassa a
fisicalidade do que vemos ou sentimos.
690 LINDER, Mark - Towards “ A new type of building”: Robert Smithson’s architectural criticismo in MARK, Lisa -
Robert Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 192.
691 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 155.
692 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998. p. 92.
693 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
176
caixas, com as pedras, estava relacionada com o modo como os mapas e fotografias eram
expostos na sala: podemos observar que a caixa tem a mesma configuração formal que as
fotografias e o mapa fixados na parede. [Fig. 34] As pedras, que eram removidas do seu
local original, e colocadas no compartimento, conectam o site com o non-site. Um site será
definido numa exposição de uma fotografia, enquanto um non-site será um recipiente de
material deslocado a partir do site. Em termos espaciais, Smithson descreveu o local e não-
local dialecticamente, e apontou a convergência entre os pólos opostos. Assim, um site tem
limites em aberto e um non-site em fechado; um site é uma série de pontos, um non-site uma
matriz de matéria; um site dispersa informações, um non-site contém informações; um site é
um lugar (físico), um non-site é abstrato.695
O non-site pode ser entendido como uma "janela", não no sentido metafórico, mas
literal,696 que nos mostra, de um modo parcial, o que existe lá fora. Algumas obras tentam
dar a impressão de que são ilimitadas num espaço interior, numa sala, mas é apenas uma
impressão, porque não têm qualquer validade fora da sala em si (a galeria é que lhe confere
o estatuto de arte), tanto que, não se verifica qualquer aumento real da escala, porque,
efectivamente, são materiais espalhados dentro da sala; existe uma grande diferença entre o
que está fora e dentro da sala. O que está realmente confrontado com o non-site é a ausência
do site, ainda que estejam presentes alguns fragmentos do lugar. Smithson fascinava-se com
a não existência de material real, muito sólido, e com a impossibilidade de conhecê-lo; neste
sentido, o espectador depara-se com algo que é inexplicável;697 deste modo, o envolvimento
com o lugar acaba por ser abstracto, visto que não o visitamos, e o que vemos dele é por
meio de fotografias ou materiais de registo, conhecendo o local parcialmente. Na Arte
Minimal, os objectos específicos também se tornaram abstractos: eram defendidos
enquanto uma ausência de significados, mas as interpretações acabavam por existir; os non-
sites tornaram-se mapas que apontavam para locais fora da galeria que, na ausência do seu
conhecimento total, ganhariam uma tendência abstrata; assim, mesmo que os espectadores
visitassem o espaço, sentiriam que, estando mais perto da intervenção, seriam confrontados
com a intangibilidade de algo que parece ser bastante tangível.
695 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 179.
696 LINDER, Mark - Towards “ A new type of building”: Robert Smithson’s architectural criticismo in MARK, Lisa -
Robert Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 193.
697 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
177
primeiro aspecto relevante, enquanto o segundo se consubstancia no tempo que uma
intervenção dura.698 Um terceiro aspecto do tempo surge relacionado com o non-site, em
que o interesse de Smithson era realmente um retorno às “origens” do material, uma
espécie de “desmaterialização” da matéria;699 pretendia-se a desmaterialização da matéria, e
uma “visita” ao site de um modo imaginativo, criando um diálogo entre o espaço de
exposição interior e o local exterior, sendo que o que interessa é o ponto de origem.700
698 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 180.
699 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
University of California, 1997, p. 87.
700 Ibid., p. 88.
701 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 170.
702 Ibid., p. 93.
178
sublinhar um ritmo ondulante das colinas e a estruturá-lo numa sequência.703 [Fig. 35] A
barreira é construída a partir de uma estrutura preparada para a inserção do tecido, que é
divisível em partes. Duas semanas depois, a paisagem volta a ganhar o aspecto anterior e os
materiais são reciclados.704
Este tipo de materiais teve sempre na presença significativa na História da Arte:
“Desde os tempos mais antigos até ao presente, o tecido – formando pregas, plissados
e drapeados – tem tido um papel importante na pintura, nos frescos, nos relevos e nas
esculturas feitas em madeira, pedra ou bronze. A utilização de tecido no Reichstag segue essa
tradição clássica. O tecido, como as roupas e a pele, é muito frágil e expressa a qualidade única
do transitório.” 705
703 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, pp. 547-548.
704 Ibid., p. 548.
705 Christo & Jeanne-Claude Cit por. RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte
179
non-sites de Smithson, quando eram apresentados no espaço da galeria, e continham uma
fotografia do local, umas amostras do material daí retirado e as plantas. [Fig. 36]
706RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 546.
180
Posteriormente, começou a
expor as suas marcas em museus e
exposições, em forma de figuras
geométricas básicas, cuja universalidade
e acessibilidade, deixa para trás a
experiência pessoal na paisagem.707 O
seu material de eleição são as pedras,
dos mais variados formatos, com as
quais compunha formas geométricas e
universais: círculos, quadrados, espirais
e linhas rectas. O seu trabalho inicia
numa experiência pessoal e privada,
mas, posteriormente, é universalizada
quando possível.
Tal como a Historiadora de Arte Antje von Graevenitz descreveu, o seu trabalho na
paisagem tinha que ser “(re)construído” na imaginação do observador,709 quase como
707 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 547.
708 BEARDSLEY, John - Earthworks and Beyond: contemporany art in the landscape. 4ªed.Nova
2010, p. 591.
181
imagens ou um acontecimento que sabemos que foi real e que reconstruímos na nossa
mente como um vídeo. Deste modo, é destacada a importância para Long das ideias e do
processo, juntamente com o resultado final.
A relação que o artista tinha ou criava com o espaço, onde iria intervir, é que ditava
a própria intervenção. A relação com cada local acabava por ser particular e privada,
estabelecendo uma relação com a tipologia do site-specific, no qual a instalação derivava
directamente do espaço, e da relação
deste com o artista, e da sua
criatividade. As condições e
características específicas do local,
muitas vezes, é que ditavam o tipo
de instalação, ou escultura, que iria
ser instalada. No caso da Land Art, a
paisagem escolhida acaba por ser
Fig.38 – Five Paths – Richard Long também um sítio específico
2004
Dimensões variáveis; destruído. escolhido pelo artista.
Galeria Mário Sequeira, Braga, Portugal.
Enquanto Smithson tentava
imitar os processos da natureza - a partir da lei da entropia, Long imita ou recria a sua
própria acção na galeria, nomeadamente através da colocação das pedras. A sua acção
sobre a natureza, ou os seus elementos, é que é refeita no espaço expositivo. Richard Long
apresenta uma ligação com Carl Andre, visto que as suas intervenções também estão ao
nível do solo, assim como a percepção do objecto ou intervenção no local, no caso de
Long, muitas vezes não era óbvia. As pedras utilizadas por Long não são idênticas na
forma às placas utilizadas por Andre, e são uma espécie de exemplares existentes num
determinado espaço, como acontecia em Smithson.
O trabalho de Long não tem uma componente pública, visto que o seu processo de
apresentação ao espectador consiste em representar uma experiência pessoal na paisagem
numa galeria de arte.710 Deste modo,o trabalho de Long é descrito como privado, porque as
intervenções em lugares remotos não permitem presença do espectador, excepto através
das fotografias, ou porque as mudanças que ele faz na paisagem podem ser muito leves e,
em alguns casos, imperceptíveis.
710 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 182.
182
Em suma, as intervenções de Land Art acabam por ser, nestes três casos, desenhos
sobre a paisagem, que depois são reapresentados sob outro formato no espaço da galeria.
Estes artistas andavam de campo em campo, dia a dia, tempestade a tempestade,
experiência a experiência, desenvolvendo os seus projectos e intervindo directamente na
natureza com os materiais encontrados no local. A experiência era a chave das intervenções
e, por isso, no momento de exposição na galeria, o processo era todo apresentado, por
vezes de forma esquemática, como no caso de Smithson. A acção destes artistas sobre a
matéria tornou-se o objecto da arte, cada vez mais efémera, não só pela durabilidade das
intervenções no espaço, mas, também, pelos meios utilizados para a apresentação da
intervenção, no espaço da galeria. A fotografia e o vídeo, obviamente não são meios
efémeros, pois captam momentos efémeros, mas, comparativamente aos objectos
construídos ou às obras de arte, para além de possuírem uma leveza física que os outros
não detinham, estão ligados à efemeridade, principalmente o vídeo, porque tem uma
duração determinada de visualização. Estes factores demonstram precisamente a atenção
prestada à acção artística e não ao “objecto”, que na Land Art é inexistente.
183
Fotografia e Escultura
711 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 670.
712 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
713 Ibid.
184
Embora seguissem a tradição da fotografia industrial de Albert Renger-Patzsch
(1897-1966), no início não obtiveram grande aceitação.714 A “Escola Becher”,
aparentemente sem pretensões artísticas, produziu fotógrafos como Thomas Struth (1954),
Andreas Gursky (1955) ou Candida Höfer (1944) que nos seus trabalhos particulares
conquistaram notoriedade internacional como artistas. Graças aos Becher, a fotografia na
Alemanha voltou a ter o estatuto que tinha tido anteriormente nos anos de 1920.715
714 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, pp. 670-671.
715 Ibid., pp. 678-679.
716 Ibid., p. 674.
717 Ibid., p. 671.
718 Ibid., p. 674.
719 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
185
construídos: encarnavam um certo “espírito do tempo”, ou de uma determinada
mentalidade. Para os artistas tratava-se de poder transportar estes objectos através da
fotografia, sendo reduzidos e transformados em imagens. Quando fotografavam os
objectos, sentiam o fascínio e o sentimentalismo; depois colocavam as imagens por ordem.
Faziam familiarizações/conjuntos formais; primeiramente reuniram as formas-base, e,
depois, entenderam que as formas incluiam variedades e variantes; assim criaram tipologias
de grupos de 9, 12 ou 15 tipologias, nas quais existia correspondência entre cada objecto no
sentido vertical, horizontal e diagonal, que concedia uma espécie de harmonia
composicional e estética à tipologia.720
Como já vimos, o âmbito do projecto dos Becher era o mundo industrial. Viam as
formas e estruturas nos complexos industriais, e selecionavam determinado local para
fotografar. Muitas vezes deslocavam-se várias vezes aos locais, até encontrarem as
720 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
721 BECHER, Hilla in LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips.
186
condições metereológicas favoráveis, ou seja, esperavam por um dia de nevoeiro, para que
o fundo desaparecesse, visto que não queriam manipular as imagens.723 Rigorosamente
factuais, as imagens continham uma iluminação absolutamente neutra e um enquadramento
estereotipado; eram fotografadas a distâncias calculadas com precisão e com ângulos
fixos,724 centrando sempre o objecto fotografado.
723 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
724 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 671.
725 Ibid., p. 676.
187
Os tempos de exposição são relativamente longos; em primeiro lugar, pelo formato
que requer grande precisão na superfície da imagem, e, segundo, trabalhar quase sempre
com o céu encoberto, com muita pouca luz.726 A máquina capta o que não é empírico,
nomeadamente o resultado de um acto artístico intencional tendo em vista a
representação.727
Em suma, a sua imersão nas paisagens desvalorizadas, e tidas por inestéticas, da era
industrial, baseia-se no desejo de envolver o observador na mentalidade de uma
determinada época – a Era da produção industrial massiva.728 Os Becher tornaram o tempo
mais lento, queriam que não nos limitássemos a observar a singularidade de cada objecto,
mas, sim, que pegássemos neles, lhes tomássemos o seu peso para, através deles, sentirmos
o próprio peso do tempo.729 O seu trabalho quebrou com as regras da fotografia,
caracterizado por um conjunto de elementos num plano, e podia englobar pessoas e
paisagem. O objectivo do trabalho era eliminar a profundidade, a noção de paisagem e,
sobretudo, de escala dos objectos. Todo o seu processo constitui uma obra de paciente
construção, nomeadamente na transformação de elementos arquitectónicos, e objectos
industriais, em elementos escultóricos, em oposição à obra de Smithson que pressupõe a
desconstrução.
726 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
727 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 676.
728 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips, p. 12.
729 Ibid., p. 17.
730 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
188
Andre, gerando a recepção minimalista do seu trabalho e sua canonização no contexto do
minimalismo e da escultura pós-minimalista.732
FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
732
189
CAPÍTULO 4 - A ACÇÃO NO SÉCULO XX
A acção no século XX
733 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 288.
734 Ibid., p. 289.
735 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 259.
736 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
190
contrasta com o peso real do objecto. Os Dadaístas surgiram em Zurique, durante os anos
da I Guerra Mundial (1914 – 1918), e deram voz a um protesto “anti-arte”, e non sense,
transferindo as suas actividades artísticas dos estúdios para as editoras e para o palco.
Entraram na arena pública com textos provocatórios, caricaturas irónicas, slogans e pseudo-
anúncios em jornais que eles próprios publicavam. Em contraposição à censura, vendiam
estas publicações que incluiam elementos teatrais, poéticos e de acção nas suas exposições.
Muitos artistas desistiram de pintar para trabalhar na “produção de arte”, utilizando a
fotografia, tipografia e os filmes.
738 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 244.
739 Ibid., p. 247.
740 Ibid., p. 248.
741 Ibid., pp. 250-251.
742 Ibid., p. 255.
191
neste caso, o movimento real e físico que se sustentou nas bases da engenharia, mas que
contava sempre com a acção do espectador sobre o mobile.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a superação da noção de que a arte
deveria ter uma relação muito próxima da realidade deu lugar à autonomia da arte, encarada
como uma liberdade pessoal, desiderato que foi levado ao extremo na Action Painting. No
auge da arte informal, Jackson Polock (1912 – 1956), registava com tintas o desenho
corporal da sua acção em torno da tela. O termo Action Painting qualifica a técnica pictórica
e uma corrente artística associada ao movimento do Expressionismo Abstracto,
desenvolvido desde os inícios da década de 1940, nos Estados Unidos da América e na
Europa, onde também se tornou conhecido por Informalismo. Designada como pintura
gestualista, tem as suas origens mais directas no movimento surrealista e no desenho
automático, e aplica-se à preferência pela pintura através do dripping - técnica que consistia
em deixar pingar a tinta sobre uma tela, geralmente de grandes dimensões, colocada sobre
o chão. A pintura, sempre abstracta, realiza-se através da acção e do gesto, que adquire um
carácter coreográfico. Esta acção livre, espontânea e sem obstáculos intelectuais, era o foco
primordial do seu processo artístico.743 O gesto espontâneo do artista expressa o seu estado
emocional no momento da concepção, no qual o artista e a obra, corpo e matéria se
fundem num só corpo, o que enaltece não uma morfolofogia, mas uma intervenção que foi
documentada num vídeo. Jackson Pollock’51 regista o processo criativo de Pollock, dando a
conhecer o que acontecia para além da tela pintada, apresentada ao público, que não
pressupunha estudos prévios, constituindo um processo espontâneo.
Pollock estendia a tela no chão, onde poderia aceder-lhe por todos os lados,
deixando pingar a tinta sob a tela. Maioritamente utilizava um pau ou uma faca para pingar
a tinta do ar, sem tocar na tela com as mãos, diminuíndo significativamente o uso do
pincel. Na mão segurava uma lata de tinta e avançava para a tela atirando ou pingando tinta
para a superfície horizontal. A aplicação da tinta era ponderada, pressupondo um
conhecimento do grau de viscosidade, da espessura, da textura, bem como no controlo do
movimento do dripping. Os movimentos de “dança” que Pollock fazia durante o processo
de pintura foram descritos como sendo animadores de um fluxo livre de imagens
inconscientes e da sua comunicação imediata com a tela. Deste modo, Pollock ultrapassou
743 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1071.
192
a fronteira entre espaço pictórico e espaço real, visto que estes dois estavam em diálogo
directo. Segundo Pollock, o seu objectivo era exprimir os tempos em que vivia:
“Parece-me que o pintor moderno não pode exprimir esta era, o avião, a bomba
atómica, a rádio, com a velha forma renascentista, nem com outra cultura passada. Cada era
encontra a sua própria técnica. […] O artista moderno, parece-me, está a trabalhar e a exprimir
um mundo interior – por outras palavras – a exprimir a energia, o impulso e outras forças
interiores […] O artista moderno trabalha com o tempo e o espaço, e exprime os seus
sentimentos, mais do que os ilustra.” 744
Nos anos 50, John Cage (1912-1992), nos Estados Unidos, desenvolveu
experiências que conjugavam várias expressões artísticas, desde o teatro à dança, da música
ao vídeo, à fotografia, entre outros, abarcando novos territórios de pesquisa e de
experimentação. O compositor organizava sons e eventos teatrais multi-sensoriais,
tornando-se numa figura dominante no despontar de várias formas de arte. Foi considerada
a fonte das muitas “artes da acção”745, conhecidas como Happenings e Fluxus. Cage exprimiu
as suas concepções musicais num manifesto intitulado O futuro da música, e baseava-se na
ideia de que “onde quer que estejamos, o que ouvimos é basicamente ruído, seja o som de
um camião a 80km/h, da chuva, ou da estática entre estações de rádio. Cage pretendia
apreender e controlar esses sons,e usá-los. As pessoas chamam-lhe barulho, Cage chamava-
lhe música.746 A sua obra silenciosa intitulada 4’33, consiste numa peça em 3 movimentos
em que nenhum som é produzido intencionalmente, abandonando totalmente a
intervenção do músico: estava um músico sentado a um piano que ia mexendo os dedos e
os braços, mas não era emitido nenhum som e as pessoas poderiam apreender que aquilo
era “música”. O som preferido de Cage era o que ouvimos sempre, se estivermos em
silêncio.747 Esta abordagem já expressava as linhas directoras de um acontecimento que tem
como base a acção e a presença do público.
744 Jackson Pollock Cit. por EMMERLING, Leonhard - Pollock, Colónia [etc.] : TASCHEN
PÚBLICO,2003 p. 22.
745 RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
193
à música, dança, happening e a certas actuações pessoais que anteciparam a performance.
Oferecia concertos compostos por sequências de acústica simples, e autocontida, assim
como actos visuais apelidados de eventos, ou actividades. Podiam ser apresentados, com ou
sem os seus produtores e, maioritariamente, perante uma audiência. Alguns eventos eram
humorísticos e espirituosos, outros, chocantes, mas, sobretudo, espontâneos, pela sua
dependência dos participantes e dos materiais, presentes e ausentes. O Fluxus passou a ser
demasiado abrangente, e indefinido, para se poder localizar num sector da História da Arte.
Como afirmou Emmett Williams, o Fluxus ainda não foi inventado, talvez pela
impossibilidade de registar um fenómeno que é um “estado de alma”.
749 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 162.
750 Ibid., p. 166.
751 BLISTÈNE, Bernard - What’s happening, man? in BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro sem Teatro.
194
segundo Jean Jacques Lebel. 754 No entanto, todas as definições de happening são parciais e
redutoras. Ao contrário do que acontece no teatro, os participantes do happening não eram
designados para uma função, seja a de autor… no caso do autor, encenador, actor,
cenógrafo, mas actuavam segundo uma relação apaixonada, a partir de um projecto
elaborado e realizado de forma colectiva; deste modo, eram convidados todos os
interessados que quisessem participar.755
O teatro é uma forma artística de uma ligação imediata entre a forma temporal (o
presente) e a forma espacial (a presença num lugar de um público). Esta noção de
participação (do espectador) junta-se a um tema na história das vanguardas: a ideia de uma
arte que já não se apresentaria como arte, mas que manteria com a vida uma relação de
continuidade, ganhando uma capacidade de intervenção activa. Apagar as fronteiras entre
as artes, para apagar mais fundamentalmente as fronteiras entre a arte e a vida: é a isto que
a performance aspira, quando coloca no cerne do acto artístico a presença física do performer e
o próprio processo da performance, apreendido no prolongamento da experiência comum.758
754 BLISTÈNE, Bernard - What’s happening, man? in BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro sem Teatro.
Lisboa : Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, 2007, p. 41.
755 Ibid., p. 39.
756 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 100.
757 BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro da Operação: Uma Conversa entre Alain Badiou e Elie During in
195
Por outro lado, o espaço vazio, noção criada por Peter Brook, ganha um estatuto de
forma teatral, e está relacionado com as acções dos happenings e das performances. O espaço
vazio é relacionado com um espaço de possibilidades, com um palco “nú”, em que é
necessário apenas um actor e um espectador para que um acto de teatro aconteça; é como
se o teatro fosse a extensão da sala.759 Não existe cenário, apenas existe acção; o espaço é
vazio, é um espaço para o imaginário. A vacuidade pode conter tudo, e só no vazio, o
movimento se torna possível. Deste modo, as acções num espaço vazio podem ser
pensadas enquanto conjunto de imagens dominadas pela improvisação, que se tornou o
método principal de criação artística, apesar de conter sempre um cariz conceptual. O
objectivo era negar as convenções e explorar o jogo entre o espectador e o actor; já não
existia uma actuação com um texto estudado ou decorado, do início ao fim, mas, sim, uma
actuação improvisada, o que fez com que também o actor fosse vazio: vazio de conteúdos
específicos, e cheio de sentimentos, sobrevalorizando os sentidos, tornando um espaço de
sensações que contrasta com a Arte Conceptual, Minimal ou a Land Art.
Na Land Art, Robert Smithson com a dialéctica site/nonsite parece ter uma ligação
com essa relação “encenada”. A acção passa-se em tempo real, no site, e o espectador
“presencia” o nonsite na galeria, que lhe dá uma noção da “acção” no site, o qual através dos
elementos retirados do local, e da apresentação da mesma em fotografias ou vídeo. Isto é,
existia uma relação com o “não-local”, onde existia a acção, ou intervenção do artista, e o
local da galeria. Existia sempre um deslocamento (imaginário e produzido pelo espectador)
da acção que ocorreu num espaço para outro, sendo que a acção era a geradora da
intervenção artística.
759 BROOK, Peter – Cit. por ELIAS, Larissa – Sobre as Formações Conceituais do Espaço Vazio de
Peter Brook. Rio de Janeiro : Escola de Belas Artes, 2012, p. 10.
760 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 244.
196
Em suma, a acção apresentada nas performances e happenings estava ligada ao contexto
do teatro, e tornou-se o foco principal da produção artística. Os termos teatro sem teatro e o
espaço vazio acabam por indicar que a modalidade teatral, inserida nas modalidades da acção,
contempla a representação e a acção, mas não no sentido literal que o teatro requeria, como
a memorização dos textos, o tratamento da sala do espectáculo (cenografia), os ensaios, etc.
Por outro lado, podemos confirmar que o próprio jogo mental dos readymades de
Duchamp e da Arte Conceptual era teatral, visto que existia uma preparação objectual para
um determinado efeito e finalidade, que se centrava na ideia.761 A ideia continua a existir,
como sempre existiu, sendo que está sempre presente um conteúdo nas produções
artísticas. O processo do artista mudou; agora é maioritaria e significativamente produzido
em tempo real, não precedendo doravante a experiência do espectador.762
Até então, as tipologias artísticas, muito bem definidas e até separadas, passaram a
conviver num elevado grau de aproximação, no qual o ponto em comum passa a ser a
produção e a acção que eram potenciadoras da criação artística. As artes visuais
relacionadas agora com a dança, a música, a literatura, o teatro, perderam a pureza das
disciplinas artísticas; como dizia Clement Greenberg – a importância da pintura ser
pictórica e da escultura ser escultórica – deixou de apresentar essa nitidez.
197
As modalidades da acção
A ideia de que a arte é o acto de fazer, não o objecto realizado, constitui uma das
tendências emergentes no século XX. Os artistas parecem ter-se apercebido de que o
mundo é uma obra de arte, interligando a vida e a arte de um modo directo.763
Na body art, o artista recorre ao corpo como suporte e referência da sua intervenção,
na qual é reduzido à essência da obra plástica. Surge a partir da década de 1960, e deriva do
esquematismo herdado do teatro e da dança, assumindo-se na cultura contemporânea
como um processo crítico
do artista relativamente à
sociedade, que neste
contexto pode qualificar-se
como passivo e/ou activo.
Decorre em tempo real, na
presença do espectador,
assumindo, no entanto, um
carácter efémero, exigindo
que a sua apresentação
posterior a outro público,
Fig.40 – Antropometrias – Yves Klein
1960 se documenta por meio da
Tinta, papel e corpo.
Galeria Internacional de Arte Contemporânea, Paris. fotografia ou do vídeo.
Além de Duchamp, pode ser considerado precursor da body art o francês Yves Klein, que
nas já citadas Antropometrias, de 1960, realizada na Galeria de Arte Contemporânea, em
Paris, utilizou, durante uma cerimónia solene e perante uma audiência de convidados e
acompanhada por uma orquestra, três corpos femininos cobertos de tinta azul,
metaforizados em pincéis “vivos”. [Fig. 40] Os corpos, em movimento constante, quando
763 KAPROW, Allan - La Educación del des-artista. Madrid : Árdora Ediciones, 2007, p. 106.
198
tocavam no papel que estava no chão deixam a sua marca corporal. Segundo Klein, o
objectivo era levar ao extremo a Action Painting de Jackson Pollock.764 Algo tão leve como o
gesto do corpo tornou-se o meio de expressão que possibilita posteriormente as
significações do espectador.765
764 GLUSBERG, Jorge - El arte de la performance. Argentina : ediciones de arte gaglianone, 1987, p. 31.
765 JONES, Amelia, STEPHENSON, Andrew - Performing the body: Performing the text. London :
Routledge, 1999, p. 178.
766 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 280.
767 Ibid., p. 282.
199
surpreender o espectador.768 Neste sentido, os happenings evitaram conscientemente
materiais e procedimentos identificados com a arte (tradicional), incluíndo a experiência e a
duração como parte do seu formato estético.
768 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 277.
769 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 195.
770 GLUSBERG, Jorge - El arte de la performance. Argentina : ediciones de arte gaglianone, 1987, p. 58.
771 Ibid., pp. 40-41.
772 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 203.
773 Ibid., p. 17.
774 Ibid., p. 29.
200
futurista.775 Os futuristas voltaram-se para a performance como o meio mais directo de
“obrigar” o público a conhecer e a participar das suas ideias.776
775 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 18.
776 Ibid., p. 20.
777 Ibid., p. 63.
778 Ibid., p. 63.
779 Ibid., p. 97.
780 Ibid., p. 114.
781 Ibid., p.125.
782 Ibid., p.126.
783 Ibid., p. 128.
784 Ibid., p. 136.
201
apresentada uma única vez, ou várias vezes, e seguir, ou não, um guião, por isso, tanto
pode ser improvisada, ou ensaiada durante vários meses.785
A utilização do vídeo tornou possível realizar esta prática sem a limitação de tempo
e de lugar ou mesmo sem uma assistência, pelo que foi possível trabalhar os processos de
espaço/corpo, concebendo performances apenas para a câmara.786 A partir de 1968, o corpo
também passou a ser usado como escultura, encenando-se sequências de movimentos para
vídeos. Richard Serra, inspirado pelos movimentos experimentais dirigidos pela bailarina
Yvone Rainer (1934), fez uma série de filmes, como já referido no capítulo anterior.
202
determinada hora, e é um acto único que, como sabemos, poderá ser depois apresentada
através de vídeo.
Como já referido, utilizava nas suas esculturas ou nas suas performances, materiais
metafóricos. A utilização de materiais, como por exemplo, o feltro e a gordura animal,
devem-se ao facto do artista ter sido salvo por um grupo de Tártaros nómadas, que o
cobriram desses mesmos materiais, após um acidente de avião, em 1943, na Crimeia. Deste
modo, tornaram-se materiais de eleição na escultura de Beuys.792
787 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 139.
788 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 187.
789 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 141.
790 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
203
A utilização desses materiais, em Fat Chair, é um exemplo notório. Consiste numa
cadeira de madeira, descontextualizada do seu contexto inicial (quotidiano), coberta com
gordura na zona do assento. [Fig. 41] A escultura estabelece uma relação com o corpo, pelo
facto de ser uma cadeira, uma peça de mobiliário que tem uma utilidade para o corpo, e
também porque como o próprio Beuys afirmou, as partes da anatomia humana mais
próximas da cadeira estão relacionadas com a digestão, excreção, e sexualidade, que são
representados pela gordura que sofreu uma transformação de forma e substância.793
CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 140.
793
BEARDSLEY, John - Earthworks and Beyond: contemporany art in the landscape. 4ªed.New York:
794
204
com Smithson, no contexto da Land Art, visto que também utilizava os próprios materiais
da terra, tendo uma componente ecológica adjacente. No entanto, é curioso que Beuys
utilize objectos industriais e, ao mesmo tempo, utilize materiais orgânicos, defendendo uma
perspectiva ecológica. Para Beuys, o artista é um xamã que cataliza as forças da natureza; o
homem funde-se com a natureza, e sente em si as forças desta, que se consubstanciam num
sentimento, como acontecia no romantismo.
Beuys estava interessado na história e nas origens do homem, e sobre ambos tinha
uma sensação de uma unidade perdida, defendendo a necessidade de reconciliação entre o
norte e o sul, o homem e o seu passado, o homem e a natureza.795 Talvez por isso as suas
esculturas remetessem para algum acontecimento da sua vida, que o marcou de alguma
forma, fazendo lembrar os modelos de Pedro Cabrita Reis, apresentados adiante, que eram
baseados nas memórias da sua vida que pressupunham a perda das vivências que eram
reactivadas na construção dos “modelos ficcionais”.
795 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 141.
796 Ibid., p. 143.
205
como vimos anteriormente, e todos têm acesso a ela. Para Beuys, a vida em si, era um
processo de aprendizagem, sendo a conversa entre as pessoas um exemplo,797 pela troca de
conhecimentos e experiências.798 Neste sentido, realizou várias conferências, em que falava
com várias pessoas sobre diversos temas, sendo que considerava a linguagem a primeira
forma de escultura.799A definição de artista total, em Beuys, parece ir de encontro a uma
dimensão quase religiosa.
Beuys afirmou que as pessoas pensavam que o trabalho manual era anti-intelectual,
sem espírito. Por sua vez, a experiência de Beuys é precisamente a contrária: que o trabalho
feito com a cabeça é muito mas anti-intelectual que o manual; precisamente porque
fossiliza, isto é, prende-se a conhecimentos e formas de pensar antiquadas, sobretudo
quando se torna excludente.800 Neste sentido, parece que Beuys organizava os materiais,
compondo a morfologia dos objectos, de um modo intuitivo e não demasiado racional.
Beuys faz assentar a sua arte numa dialéctica entre a produção do objecto e a
performatividade.801 Como já vimos, os seus objectos estavam impregnados da sua
experiência pessoal, de sofrimento, felicidade, expressão e, na sua linguagem corporal, e nas
suas “acções” performativas acontecia o mesmo. A partir de meados de 1960, voltou-se
para os mass media.
Numa das suas performances, em 1965, passou horas sozinho na Galeria Schmela, em
Düsseldorf, na Alemanha, com o rosto coberto de mel e folhas de ouro, carregando nos
braços uma lebre morta, a quem comentava detalhes sobre pinturas. Como Explicar Quadros
a uma Lebre Morta constitui uma afirmação do artista de que uma lebre morta tem mais
sensibilidade e compreensão instintiva que alguns homens presos a uma obsessiva
racionalidade.802 Beuys movia a boca silenciosamente como se explicasse a uma lebre
morta, aninhada nos seus braços, os quadros pendurados na parede. Deixou a pata do
animal tocar nas obras e depois sentou-se e explicou as obras à lebre. Em cada sola do seu
sapato foi preso uma tira de feltro e outra de ferro, no qual a primeira representava o “calor
espiritual” e a segunda a “razão dura”, sendo que ambos eram acessórios fabricados com
carácter de objecto. A sua cabeça estava coberta de mel e folhas de ouro, fazendo alusão a
797 BEUYS, Joseph - Cada homem um artista. Porto : Guide Artes Gráficas, 2010, p. 73.
798 Ibid., p. 116.
799 Ibid., p. 21.
800 Ibid., p. 114.
801 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
206
um xamã que recorre à magia para curar os males, sendo que o mel representa uma força
vital.
Por outro lado, a obra já analisada de Richard Serra é um exemplo das várias
abordagens: escultura, performance/instalação e vídeo num só trabalho. Os novos meios,
803 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 189.
207
frutos da tecnologia, foram entrelaçados no contexto de criação artística, acompanhando,
naturalmente, as evoluções e necessidades na sociedade, do mundo paralelo ao universo
artístico. A obra de Rui Chafes, que será analisada, está também inserida neste contexto,
contemplando os vários meios de produção escultórica: desenho, vídeo, performance e
objectos.
“Beuys rompe com a dualidade entre vida e arte, natureza e espírito, ao substituir a
relação mimética com a arte num sentido que contribui para a consciência da realidade. [...] O
seu objectivo era a recriação integral das qualidades humanas que não pretendiam salvar a arte
sem fundamentá-la na fórmula criativa de uma estética do ser antropológico.” 807
Por outro lado, explorou as novas manifestações artistícas que se centram no corpo
como atributo plástico, como a performance, incutindo-lhe uma mensagem e uma
simbolicidade. A acção que implicava a construção dos seus objectos passou a ser em
tempo real, quando executava as suas performances, para além de ter deixado de existir um
804 ADRIANI, Gotz - Joseph Beuys. Madrid : Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 1994, p. 14.
805 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 59.
806 Ibid., p. 141.
807 ADRIANI, Gotz - Joseph Beuys. Texto Nada está escrito todavia de Heiner Bastian. Madrid : Museo
208
objecto, apenas restando fotografias ou vídeos do momento. A união que existiu entre
corpo, espectador e tempo real, cria uma ligação directa entre a arte e a vida, dentro de uma
acção totalizante.
809BASTIAN, Heiner – in ADRIANI, Gotz – Joseph Beuys. Madrid : Museo Nacional Centro de Arte
Reina Sofia, 1994, p.16.
209
CAPÍTULO 5 – A IMAGEM COMO ARTE
Walter Benjamin, autor que trabalhou o conceito, defende que a obra de arte
sempre foi reprodutível, mas não em todas as vertentes. Os gregos através dos processos
de fundição e de cunhagem reproduziam moedas, bronzes e terracotas, mas as restantes
obras mantinham-se originais.817 No que diz respeito à sua utilidade e finalidade, a
reprodução das terracotas eram benéficas, enquanto objecto funcional. O mesmo não se
810 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 229.
811 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 107.
812 Ibid., p. 110.
813 BENJAMIN, Walter - Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa : Relógio d´Água, 1992, p.
88.
814 Ibid., p. 92.
815 Ibid., p. 82.
816 Ibid., p. 100.
817 Ibid., p. 75.
210
passa com as obras de escultura. A experiência do público com a obra era única e autêntica,
justamente pela sua aura, singularidade, valor de culto e autonomia. Era um objecto
associado à religiosidade e à contemplação, estabelecendo um parâmetro transcendental. O
que sucede com a estátua de Vénus resume-se à sua aura, singularidade e autenticidade, que
está presente na obra, e que é captada mais tarde, pelo facto de não ser uma reprodução.
Por sua vez, o Simulacionismo, partiu de uma teoria de Jean Baudrillard (1929-
2007), em que o objecto vale não pelas suas qualidades intrínsecas ou significado, mas pela
sua imagem artificial. O objecto perde a sua função, e vive da sua imagem artificial, que
simula mundos fictícios, despojados de verdade, emoldurado por uma atitude publicitária.
Os artistas recorreram a temas mundanos e consumistas da sociedade de consumo, levando
os objectos para o museu, simulando um mundo que podia provocar o sujeito, na medida
em que lhe desperta desejo, ou outro sentimento, e acaba por cumprir a função da
publicidade e do marketing: algo que é feito em série, e para aludir a “outros mundos”.
818 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 242.
819 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 490.
820 Ibid., p. 491.
821 JONES, Amelia, STEPHENSON, Andrew - Performing the body: Performing the text. London :
211
A fotografia, em si, era uma imagem referencial ou simuladora, tal como os
objectos de Warhol.822 Na Art Pop, os objectos simulados eram feitos com materiais reais e
à escala do mundo real,823 mas mantinham-se picturais, isto é, pareciam pertencer à técnica
da pintura.824 Deste modo, a arte de Warhol é mais teatral do que histórica,825 no sentido de
um testemunho histórico, porque pressupõe uma cópia ou simulação da realidade, que
tenta ser a própria realidade, ou seja, uma reprodução. Mas, afinal, não foi isso que a
escultura tentou sempre fazer ao longo do tempo? Ser o mais fiel possível à realidade?
822 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 486.
823 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 100.
824 Ibid., p. 101.
825 JONES, Amelia, STEPHENSON, Andrew - Performing the body: Performing the text. London :
212
retirados da sociedade de consumo, fazendo uma referência deliberada à massificação
cultural. A Lata de Sopa Campbell foi retirada do seu contexto original, e reproduzida em
serigrafia, elevando a lata à categoria de fetiche, ao ponto de ser disputada por um preço
bastante elevado pela burguesia.826 No entanto, este produto foi pensando e concebido para
ser reproduzido em massa para a sociedade de consumo; não foi pensado enquanto obra de
arte, ou seja, já nasceu sem aura; não foi criado com um objectivo artístico, nem como
escultura, não pressupondo um valor de culto e de autenticidade porque nunca o teve. [Fig.
43]
826 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 111.
827 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 245.
828 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
124.
213
O objecto que veio substituir a obra parecia ter dominado a vida das pessoas da
época, precisamente na altura em que passou a ser comprado, consumido, gasto em função
de outra coisa. Este factor é o que separa o objecto da sociedade pré-industrial do da
sociedade industrial. O consumo torna-se algo irrepreensível, porque se baseia numa falta,
como afirma Baudrillard. Assim, os objectos da época são a mais visível e assinalável
manifestação dessa falta, e logo dessa privação e ausência, em oposição ao objecto da
civilização pré-industrial, que se constituía acabamento, suficiência, integridade e
presença.829 Agora são tudo ausências. Ausência de massa na escultura, de peso, de
representação… Inclusive, na própria experiência estética, já não permanece a morfologia
da escultura, que perde o seu protagonismo para a “Ideia”. Neste contexto, e muitos anos
depois da Idade Média, voltámos ao estatuto da imagem que prevalece sob a escultura,
neste caso, o objecto.
829 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 111.
830 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
119.
831 Ibid., p. 149.
832 Ibid., p. 145.
833 Ibid., p. 172.
834 Ibid., p. 207.
835 Ibid., p. 208.
214
Segundo Hans Belting (1935), no próprio conceito de imagem, reside já o duplo
sentido de imagens interiores e exteriores, isto é, imagens mentais e materiais.836 Ocorre
uma metamorfose quando as imagens vistas se transmutam em imagens recordadas.
Aristóteles defendeu que as imagens vistas são percebidas como formas puras, despojadas
da sua materialidade pelo nosso olhar.837 Só nas imagens nos libertamos, por substituição,
dos nossos corpos, que assim podemos olhar à distância.838 A experiência medial das
imagens baseia-se na consciência de que utilizamos o nosso próprio corpo como meio para
receber imagens exteriores e gerar imagens interiores: imagens que surgem no nosso corpo,
como as imagens oníricas, mas que percepcionamos como se elas utilizassem o nosso
corpo apenas como um meio; isto quer dizer que a medialidade das imagens é uma
expressão da nossa experiência corpórea.839 Por outras palavras, o corpo é um suporte da
imagem, um meio.840 Platão abordou a questão das imagens,841 separando a imagem física
da mental. As “cópias” impuras duplicavam a aparência do mundo dos sentidos, enquanto
os “arquétipos” puros se tornavam modelos imateriais e imóveis. Nesta visão
contrapunham-se, por um lado, as imagens que se limitavam à aparência da aparência
(como cópias do mundo empírico) e, por outro, Ideias, que são mais do que imagens,
porque nada copiam,842 destacando-se os universais de Beleza, de Bondade e da Verdade.
836 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 33.
837 Ibid., p. 34.
838 Ibid., p. 37.
839 Ibid., p. 43.
840 Ibid., p. 79.
841 Ibid., p. 181.
842 Ibid., p. 239.
843 PEREIRA, José Fernandes - Teoria da Escultura: O Sistema Contemporâneo in Dicionário de Escultura
215
A “ideologia” surge sempre a partir da componente material do objecto, porque
tem de haver uma comunicação com o espectador, convertendo-se seguidamente numa
imagem mental, que se relaciona com a ideia. A experiência estética tornou-se a base desta
transformação, em que “ver” o objecto significa “perdê-lo”, no seu sentido material, dando
lugar a uma imagem.
A leveza da imagem tornou-se uma procura por parte dos artistas, relacionada com
a ideia-lembrança, que fez com que a arte contemporânea se desenvolvesse nesses moldes. A
obra de Rui Chafes e Pedro Cabrita Reis são um exemplo desta transformação na
experiência estética do espectador.
Rui Chafes
216
A introdução do ferro no meio artístico, que surgiu no modernismo, com Julio
González e Pablo Picasso, aplicava-se na construção de esculturas construídas por partes,
que eram soldadas umas às outras, deixando à vista do espectador o processo de
construção.846 Este novo método e técnica de unir diversas partes metálicas permitiu um
estilo formal mais linear e que possuía uma leveza formal, em relação às esculturas maciças.
Deste modo, este material tornou possível a ausência de peso, assim como a técnica de
representação do “vazio”, de tornar presente o ausente, isto é, os espaços vazios são
definidos ou delimitados por placas, tiras ou redes de ferro.847 Por outro lado, as esculturas
parecem ter formas que reconhecemos. Estabelecem uma relação com a linguagem de
Chafes, em que parece haver uma abstracção, que insinua uma presença figurativa, e
embora não procure representar nada, faz sempre lembrar alguma coisa,848 dando a ligeira
sensação de reconhecimento. Estes dois autores eram formalistas, ao contrário de Chafes,
que não acredita sequer nos objectos. No entanto, parece-me que a apreensão da forma é
fundamental para a criação de uma imagem no interior do espectador. Por muito que Chafes
negue o objecto, sabe que o objecto precisa existir para activar o espectador e vice-versa.
O ferro é uma máscara que dá origem à forma, fundamental para a sua obra, pelo
facto do ferro actuar num processo de ilusão e ser pesado, mesmo simulando leveza.
Chafes assume uma forma que supera a sua objectualidade;849 neste sentido, surge como se
fossem fotogramas de um filme, sublinhando o processo fluído de transformação
“imagética” na sua obra.850 Na sua essência, as suas esculturas superam-se enquanto objecto
através da combinação da inevitabilidade do material com a magia da imagem num mesmo
objecto.851
846 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 60.
847GABNER, Hubertus - The unknown masterpiece in GABNER, Hubertus - Rui Chafes : Harmonia. Porto :
p. 14.
217
O Romantismo alemão constitui uma forte influência no pensamento de Rui
Chafes. De acordo com o Romantismo, Chafes defende que não é a arte que imita a vida,
mas a vida que imita a arte. No pensamento romântico, a beleza produz a verdade. Deste
modo, o romântico vive em busca constante da beleza que emerge do seu interior,852
portador de verdade. Nos objectos de Chafes, é necessária uma determinada intimidade
entre observador e a escultura, em que a activação do objecto artístico só é possível através
do sentimento do sujeito, de um sujeito que se valida através desse mesmo sentimento.
Para Rui Chafes, o objecto está no seu devir, isto é, ele não existe, não está presente no
mesmo espaço que nós; é um objecto ausente,853 que só encontra a sua essência no interior
do espectador.
Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, com o pseudónimo Novalis, foi um dos
mais importantes representantes do romantismo alemão. O amor que Novalis sentiu por
Sophie, o seu grande amor,consistiu num amor platónico, depois da sua morte. Hardenberg
morreu metaforicamente, dando vida a Novalis. Handenberg já não poderia alcançar
Sophie, de modo que renasceu Novalis.855 A Flor Azul, de Novalis, um dos símbolos do
Romantismo Alemão, constitui um dos pontos de referência para Chafes. A flor azul
parece ter um carácter divino, ou místico, e pode ser a definição de diversas coisas: o
símbolo da profunda fonte de inspiração, que não deixa de ser uma metáfora do amor;856 o
852 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 29.
853 Ibid., p. 30.
854 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : SerSilito, Lda., 2003,
p. 17.
855 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
218
símbolo de tudo o que é inefável, por exemplo a importância do sonhar, que tem enorme
importância para os românticos. A flor azul é também um símbolo que representa a luta
metafísica pelo infinito e o inalcançável, e sentimentos como a gratidão, a admiração e o
amor platónico. A flor azul não é alcançável fisicamente porque é de outra natureza, mas o
nosso coração e a nossa alma podem fazer com que a flor azul exista através de atitudes,
gestos e sentimentos; a flor existirá para os que têm a capacidade de sonhar, acreditar e ver.
Para Chafes, a flor azul é a poesia, a arte, a forma, a ideia e o vazio; consiste naquilo em que
acredita, sendo que o resto é pó, cinza e lixo.857
Para Novalis, a humanidade dormia um sono profundo. Na Idade Média, assim como
no romantismo, o sono profundo refere-se precisamente ao facto do indivíduo viver
demasiado preso às coisas mundanas, à matéria. Defende também que estamos mais perto
da vida quando estamos a sonhar, porque a vida que vivemos é na realidade a morte, no
sentido em que viemos a este mundo para morrer. Deste modo, a vida importante reside
no reino do espírito, alcancável pela morte, como princípio romântico da vida. Para o
romântico a morte é um início, uma passagem para outra vida, uma vida espiritual, onde
não existe o peso do corpo.858
857 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 35.
858 Ibid., p. 36.
219
e de sentir; por esse motivo, alguns objectos são “agressivos” se relacionados com o corpo
e a fruição normalmente associada à experiência estética. No entanto, a imagem medieval
constitui uma referência na obra do escultor, pelo paralelismo que existe na transformação
da matéria em imagem, e em algo em que se acredita, numa verdade interior.
859 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 46.
860 Ibid., p. 48.
861 Ibid., p. 49.
220
dela, e ao que ela dá acesso. A imagem torna-se, assim, uma condição de possibilidade
dessa experiência interior.
O único sentido válido nas esculturas de Chafes é a visão, tal como na Idade Média,
em que se perdia o corpo para afirmar o espírito. Deste modo, os objectos de Chafes são
instrumentos para ver, que pretendem despertar o sujeito através do sentimento, ou do
sonho, ao contrário da escultura medieval, que pretende despertar o “sujeito” pela fé.862
Para Chafes a arte é um caminho para dentro de nós próprios, e, neste sentido, a
interpretação de uma obra de arte é sempre individual.863
Segundo palavras de Chafes, Tilman fazia uma arte transcendental, sendo o rigor e
a sobriedade um veículo para atingi-la. A transcendência mostra ou pressente algo que não
está aqui e, neste sentido, a redução na obra de Chafes, vai de encontro à ideia de
transcendência.865 No entanto, para Chafes só houve, até hoje, um artista capaz do
assombro de captar esse preciso segundo da transformação da pedra em vento: Bernini.
Não se trata somente de um prodígio técnico, nem é só o prodígio visual, mas o prodígio
de transformar a pedra, a matéria, em emoção, em energia, em leveza que contraria o peso,
em vento.866 É nesse balanço entre peso e leveza, que os objectos de Chafes se situam. A
862 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 39.
863 Ibid., p. 40.
864 CHAFES, Rui – Entre o Céu e a Terra (A história da minha vida) in Secretariado Nacional da Pastoral da
Cultura. Intervenção no ciclo "100 lições", no centenário da Universidade de Lisboa, 2011. [Em linha].
Disponível em WWW:< http://www.snpcultura.org/rui_chafes_entre_o_ceu_e_a_terra.html. >[consulta em
6.8.2015].
865 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria
Cultura. Intervenção no ciclo "100 lições", no centenário da Universidade de Lisboa, 2011. [Em linha].
Disponível em WWW:< http://www.snpcultura.org/rui_chafes_entre_o_ceu_e_a_terra.html. >[consulta em
6.8.2015].
221
ilusão que existe nos seus objectos, e que faz com que estes aparentem ser portadores de
leveza é quase barroca, como afirma o escultor.
Chafes procura que os seus objectos funcionem como caracteres de escrita,867 como
um estímulo para a própria interioridade e pensamento do sujeito. As esculturas são negras,
como se fossem caracteres de escrita, como uma letra negra numa folha de papel; ao ler-se
um texto, não se vê a cor da tinta, mas retemo-nos nas ideias, no conteúdo.868 É isso que
Chafes pretende. Mais ainda do que caracteres de escrita, são sombras, e não objectos em
sentido rigoroso. A sombra é o meio através do qual os corpos manifestam a sua forma;869
a sombra como extensão e projecção do corpo; a sua presença é prova visível da presença
de um corpo, sem o qual não pode surgir nem permanecer.870 Neste sentido, e de acordo
com as ideias de Platão, os seus objectos são uma sombra, uma cópia do que existe num
mundo perfeito de formas puras, em que não existe matéria nem corpo, visto que o corpo
é uma jaula, como referiu Hubertus GaBner.871 Essas formas ao caírem no “nosso mundo”
caem com a maldição da matéria, que tem a utilidade de nos tornar visível para,
posteriormente, nos fazer abstrair dela e nos focarmos no nosso interior, nas nossas ideias,
sentimentos e lembranças, que são o que existem de mais puro, segundo o escultor
português. O objecto pretende ser uma sombra que nos surge ao olhar quase de “raspão”,
ou como um flash que depois desaparece. Por esta razão, Rui Chafes afirma que nenhuma
das suas esculturas é a decisão final. O importante é a radiação, a energia que um objecto
possui, e que depois se transforma numa outra natureza. Deste modo, considera a arte uma
transmissão de energias, que desperta no Homem forças escondidas e não explicadas
racionalmente. A arte é como um catalisador que transforma as suas esculturas em módulos
de pensamento, sendo que não existe arte sem transformação.872
Para Joseph Beuys, a transmissão de energia era fundamental nos seus objectos,
assim como para Rui Chafes. Por outro lado, Beuys pretendia educar e curar o espectador e
as pessoas em geral. De igual modo, podemos encontrar na obra de Chafes uma vontade de
curar o indivíduo. O xamanismo está relacionado com a morte, e o xamã é um
867 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria
Graça Brandão, 2003, p. 244.
868 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria Graça
222
intermediário entre este mundo e o outro. A escultura de Chafes, por si só, também é
mediadora entre este mundo e o outro.873
Chafes recupera uma afirmação de Jean Genet quando visita Giacometti e escreve
sobre a sua escultura, quando defende que a arte é para os mortos, visto que considera, que
a arte é uma coisa morta: é sempre um território da morte.874 Como afirma Jean Genet:
“Nunca, nunca, a obra de arte se destina às novas gerações. Ela é oferenda ao inúmero
povo dos mortos. Que a acolhem. Ou rejeitam.”.875
Neste contexto, Chafes defende que a morte é o que nos mantém acordados; a
consicência da morte, a consciência da ferida mantém-nos em vida, deixa-nos despertos;
por outro lado, defende que não existe Beleza sem as marcas da morte, da separação e da
ferida; a separação de um mundo talvez muito antigo e, neste sentido, o seu trabalho
poderá ser considerado melancólico, porque fala de morte e separação.876 Do mesmo modo
que Chafes foi influenciado pelas ideias de Genet, Alberto Giacometti constitui uma das
inspirações dos escritos de Genet. A influência de Giacometti, face à escultura de Chafes,
consiste na redução da forma escultórica: as suas figuras eram estilizadas e reduzidas ao
mínimo de matéria possível para que pudessem ser visualizadas. Os objectos de Chafes
também possuíam o mínimo de matéria possível para comunicar; aparecem como uma
imagem de algo que nos surgue como identificável, mas que se desvanece depois de nos
captar a atenção, transformando-se numa outra imagem; é um objecto que se reduz a uma
imagem; é uma materialidade que se desmaterializa. Como defende Chafes, deve converter-
se em pensamento através da emoção, porque só a emoção pode tocar as pessoas, e é
justamente aí que surgue ou se encontra a beleza.
873 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 70.
874 Ibid., p. 74.
875 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria Graça
223
da “transformação” na arte. O deslocamento do objecto do seu contexto inicial,
recontextualizado num espaço de exposição, pressupõe uma inversão, isto é, um transporte
do mundo comum para o domínio da arte, isto é, para uma outra “realidade”. O mesmo
acontece com as esculturas de Rui Chafes, que querem transportar o espectador para uma
outra realidade, que se encontra para além do objecto.878
878 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 64.
879 Ibid., p. 51.
880 Ibid., p. 52.
881 Ibid., p. 54.
224
escultura composta por desenho e palavras, sendo estes dois elementos o que poderá haver
de mais leve também em arte.
Durante o sono
LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
882
225
efabulada de um balão que está suspenso no ar, e que arrasta langorosamente os fios.883 Isto
é, num primeiro momento, tem-se a sensação de que é algo muito leve como uma sombra,
confundindo os sentidos, mas entende-se que o que se apresenta aos sentidos não é igual à
realidade, mas um jogo visual de uma escultura que implica um mobilizar da atenção.884
[Fig. 44] Esta estratégia do olhar e da atenção é a estratégia da lentidão, uma estratégia da
transferência,885 como defende o artista.
O sono, por si só, é uma metáfora para os seus objectos, visto que no sono se passa
de um estado a outro, sai-se do próprio corpo e se pensa para além dele. Como já
dissemos, a transformação estética do espectador deixa de estar relacionada com o mundo
material do objecto para se relacionar com um mundo onde só existem as formas puras das
imagens, “desligadas” do corpo. Neste sentido, o sono parece constituir o presente, isto é, o
sono que a matéria arrasta consigo no seu mundo sujo e mal construído, em que todos habitamos
corporalmente;886 ou o sono que o indivíduo arrasta consigo, ao ficar “preso” às existências
materiais. Quando o indivíduo se desprende da materialidade, o invisível manifesta-se
quando o visível cede o lugar à ausência - ausência do corpo. A ideia de que a humanidade
estava num sono profundo pertence a Novalis, demonstrando a sua influência directa neste
objecto.
Para Rui Chafes interessa-lhe “a alma” de um objecto, que transcende a sua própria
condição material; o objecto deverá devir ideia, pois se assim não for, é sujo e errado. Chafes
assume a forma tridimensional do objecto, a qual é superada na sua objectualidade, pela
divergência entre alma e corpo e, sobretudo pela transformação estética do espectador, que
“desmaterializa” o objecto em imagem mental. A desmaterialização progressiva, a que a obra
escultórica abre caminho, assume uma relação com os limites “conceptuais” do objecto.
Para este artista, e, segundo Platão, a matéria é um testemunho inequívoco do mal que se
instalou no mundo e portanto, é suja e errada. A existência de um objecto, por sua vez,
requer a presença de um corpo, dada a sua condição material; este paradoxo levará o
escultor a afirmar que, no limite, não há objecto, mas apenas a “esperança do objecto”.
883 CHAFES, Rui - Conversa entre Marcio Doctors e Rui Chafes, realizada em Lisboa, em Julho de 2007 in
DOCTORS, Marcio - Rui Chafes : Nocturno/ Breathing. Rio de Janeiro : Fundação Eva Klabin, 2008, p.
162.
884 Ibid., p. 166.
885 Ibid., p. 172.
886 PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,
p. 173.
226
Os objectos de Rui Chafes são um testemunho da prisão da matéria que ilide uma
ausência do mundo ferido pela queda. Tímidos e envergonhados pelo facto de estarem
presos a um corpo, alguns deles “escondem-se” na natureza. O mundo, neste contexto,
apresenta-se como palco da morte, onde apenas a lembrança se torna provável a partir da
ausência que habita os objectos, enquanto “existências em fuga”. Não podem figurar o
mundo, nem a eles próprios, constituíndo imagens que são captadas através da sua
aparência, através do sujeito. Deste modo, a experiência estética opera-se no sujeito por via
do objecto, o qual, por sua vez, activa um sentimento no sujeito convertendo-se em ideia
(devir ideia): a ideia-sentimento, que provém da própria condição do sujeito e que remeterá a
um “antes da queda”, antes da infecção e do mal, que é e está na matéria; revela-se como um
território de transformação, que se desloca a partir da matéria.
Voltando à escultura em análise, poderá ser vista como o que antecede a “aurora”,
que ele próprio, enquanto objecto, subitamente instala no sujeito, quando o objecto se
transforma em imagem, e aí surge o início da transformação. Esta simultânea presença e
ausência estão em vez de “algo”, que apenas a intencionalidade do sujeito capta a partir da
luz que dele dimana, provocando a conversão em ideia-sentimento. Um olhar mais atento verá
que se trata de imagens e de luz quando o sujeito está perante este objecto,887 o que
pressupõe uma “resposta” à escuridão e à matéria. Deste modo, demonstra uma dimensão
religiosa, íntima e espiritual, onde a verdade e a beleza se entrelaçam numa experiência
singular.
Como o artista afirma, o tempo é o seu único amigo, com o qual pode sempre
contar.888 O tempo também cria distância, ao ponto de lhe parecer alheia uma escultura,
como se não tivesse sido feita por ele. A obra, em si, é uma máscara, porque esconde o
887 PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,
p. 174.
888 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria
227
material e trabalha com a ilusão.889 O escultor elimina as marcas da mão humana, da
execução técnica das esculturas, isto é, elimina as marcas da soldadura, para que os objectos
não sejam ligados ao fazer manual do artista. A escultura, para além de não ter marcas de
soldadura, também elimina a possibilidade da ferrugem, visto que este elemento provoca a
memória sentimental e emocional do tempo que já passou; por fim, é pintada de negro,
com o fim de uniformizar e neutralizar a forma e, e nesse caso, há a preocupação do artista
de converter este objecto, que procura perder peso, em sombra, enquanto cópia do que
existe num mundo não visível; ao evolar-se no horizonte de uma experiência
fenomenológica, este pequeno talismã (embora as suas dimensões e as centenas de quilos
que possui sejam uma aparente contradição), recusa qualquer dimensão monumental,
sequer espacial.
A dimensão espacial também é negada por este artista, pois está englobada não
apenas na experiência estética como também na dimensão formal. O espaço íntimo onde se
forma a ideia e a lembrança do sujeito consiste num espaço “fora da realidade”, da matéria,
nega precisamente a materialidade e o próprio espaço como os conhecemos. A nível
formal, lembra a filosofia platónica da negação da matéria, ao ponto das suas esculturas
serem ocas no seu interior. Anti-monumentais e pintadas de negro, depois de apagadas as
marcas oficinais do trabalho escultórico da soldadura, que evidenciam a marca do homem,
tornam-se neutras, ao ponto de se converterem em sombra, negando a sua espacialidade
enquanto objecto tridimensional, enquanto escultura.
Deste modo, a leveza, pode ser um caminho de sabedoria mas apenas se for
estudada e construída como um caminho de extrema atenção e extrema compreensão do
mundo. As suas obras estão marcadas pela dicotomia peso/leveza sendo que, essa leveza, é
elevada a uma desmaterialização - a uma presença que se torna uma ausência, à matéria que se
torna cinza (evidenciando uma descrença no objecto e na matéria) - que se interliga e
direcciona à experiência estética do sujeito por intermediário de uma ideia,890 uma imagem,
uma lembrança, que transforma o sujeito e, deste modo, garante a validez das esculturas. O
processo interno de Rui Chafes inaugura, uma outra temporalidade, sendo a
impermanência uma das características mais marcantes da sua obra, pois opta por trabalhar
no território “entre”, no espaço em que uma coisa deixa de ser para ser outra coisa.
889 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria
Graça Brandão, Lda., 2003, p. 251.
890 GABNER, Hubertus - The unknown masterpiece in GABNER, Hubertus - Rui Chafes : Harmonia. Porto :
228
A função das esculturas de Chafes consiste na libertação espiritual do espectador.891
A libertação espiritual procura proporcionar, do mesmo modo que a filosofia de Nietzsche,
a criação de espíritos livres e fortes, que pensam por si próprios. A arte apresenta-se como
a “salvação” do espectador, e proporciona uma viagem para dentro de si mesmo. O ferro é
apenas um catalisador. A escultura de Chafes pretende restaurar o esquecimento da
dimensão espiritual do indivíduo, pretende a recordação de uma Beleza que está antes e
depois de nós, sendo a escultura esse caminho para esse antes e esse depois.
Comer o coração
A escultura consiste em duas grandes bolas de ferro negro abertas em baixo com
dois assentos unidos por um estreito corredor, com a bailarina Vera Mantero suspensa num
deles. Duas construções similares, altas e finas, organizadas simetricamente, elevam-se a
891 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 124.
892 DRATHEN, Doris von - Diálogo com o outro lado in LEITÃO, Paula (coord.) – Comer o Coração/ Eating
229
sete metros de altura, na qual coexiste uma superação da sua objectualidade e
monumentalidade que, como em todos os seus objectos, deixam de ser objectos para se
tornarem imagem. À semelhança de todas as suas esculturas, evoca a ideia de um vazio,
representa o que desapareceu, neste caso, o assento vazio que apela à sensação de ausência.
[Fig. 45]
"Quiz que a minha escultura, que costuma ser sempre congelada, pudesse coabitar com
um corpo que não é um corpo, mas um momento de energia. Por isso, a criatura feita pela
Vera não é um corpo, mas um momento da escultura que se revela contra o estatismo da
894 MELO, Alexandre - "Comer o Coração", criação de Vera Mantero e Rui Chafes, no Festival Internacional de
Salamanca in Jornal de Notícias. 2 de Junho de 2008, p.1. [Em linha] Disponível em
WWW:< http://www.jn.pt/PaginaInicial/Desporto/Interior.aspx?content_id=953173> [consulta em
22.12.2013].
230
morte, ao passo que o resto da escultura é estático e mais próximo da gravidade, da Terra e da
morte."895
Comer o coração é um título do escultor que provém da ideia de Robert Edler von
Musil que “é preciso comer o coração da mãe para entender a linguagem dos pássaros“896 .
Era uma ideia mesmo de comer o coração, de comer o coração da escultura – e é o que a
dançarina faz, “comendo-se a si própria” e o interior da peça.897 A ideia está relacionada
visualmente com as gravuras do
século XIX, de Odilon Redon,
neste caso, um céu sépia e um
balão a voar como um olho divino
que se eleva sobre o mundo. Essa
criatura, interpretada por Vera,
seria uma personagem ambígua,
assexuada, com um corpo muito
895 CHAFES, Rui - Entrevista por Nuno Crespo e Vanessa Rato - Uma dança de ferro contra a morte, 2004 in
CHAFES, Rui - O silêncio de…. Lisboa: Assírio & Alvim, 2005, p. 166.
896 Ibid., p. 168.
897 Ibid., p. 169.
898 DRATHEN, Doris von - Diálogo com o outro lado in LEITÃO, Paula (coord.) - Comer o Coração/ Eating
231
espaço. Move-se, mas não tenta atravessar a ponte para o outro tripé. Fica impaciente, mas
não se inquieta com o que se passa em seu redor.899A voz consiste na sua deslocação, física
e imaginária, para outros lugares, remetendo para uma interioridade. Para o escultor, Comer
o Coração evoca de forma muito dramática, a ausência de Vera. A sua desmaterialização,
transporta aquele corpo para fora da realidade humana e transforma aquele corpo utópico
num desenho vivo e num processo plástico, como o resto da escultura.
A obra aborda a problemática entre a escultura e o tempo, visto que esta performance
foi apresentada num primeiro momento numa fracção de tempo real, no qual Vera está a
desempenhar a acção e, o segundo, no qual a peça está vazia e apenas é apresentado o
vídeo da performance, no qual vai permanecer uma ausência, pois é uma tentativa de
apresentar algo que já não lá está, isto é, uma impossibilidade. Neste sentido, a escultura é
considerada um falhanço, um fracasso, pois como afirma Rui Chafes, quanto mais tempo
passa, mais fracassada será a escultura, pois evoca uma apresentação directa do nosso
destino - a morte, que é evocada pela ausência de Vera Mantero.901
899 INVERNO, Helena – Comer o coração [Registo Vídeo]. Lisboa : Instituto das Artes, 2004. 1 DVD
(14:07 min.).
900 CHAFES, Rui - Entrevista por Nuno Crespo e Vanessa Rato - Uma dança de ferro contra a morte, 2004 in
CHAFES, Rui - O silêncio de…. Lisboa: Assírio & Alvim, 2005, p. 165.
901 Ibid., p. 170.
232
qualidades materiais da escultura (a textura, a ferrugem), mas vê nas imagens de Pedro
Costa essa textura, ferrugem, materialidade e considera, nesse contexto, de uma extrema
beleza ter imagens muito pesadas, granulosas e texturadas.902
A escultura Vê como Tremo, consiste em seis “cabines” individuais, ao lado uma das
outras, com seis cadeiras, apenas de um lado, que fazem lembrar os confessionários das
igrejas, não só pela morfologia mas também pelos orifícios presentes nas placas de ferro,
que separam os dois lados, o lado do pecador e o do confessor.
No contexto da instalação no Centro de Arte Moderna, na Fundação Calouste
Gulbenkian, em 2014, a escultura, pintada de negro, quase é anulada pela visão do conjunto
formal visto que o espectador entra numa sala escura, e está praticamente no espaço da
escultura, “dentro dela”, apercebendo-se de que existe alguma coisa pelos orifícios, que
possibilitam a visualização do vídeo de Pedro Costa. O vídeo é para ser visto através da
escultura, sintuando-se a forma escultórica entre o espectador e as imagens do vídeo.
Parece haver uma alusão ao próprio processo de transformação estética em que o fim é
precisamente a imagem criada a partir do objecto. Apesar dos trabalhos não estarem juntos,
estão em constante diálogo, e o modo como estão instalados implica uma unidade.
A leveza existe na escultura e nas imagens e, sobretudo, no som, por detrás das
imagens de Pedro Costa. Como afirma Chafes, a coisa mais sensível e mais delicada dos
filmes o cineasta é o som, e o som tanto pode ser uma gota de água a cair, como uma voz a
sussurrar, como um martelo pneumático a demolir uma parede. O que lhe interessa nessa
conjugação é o facto dos murmúrios, das vozes debéis, muito subtis e delicadas, se
reflectirem nas paredes de ferro granuloso. Chafes queria atingir, com a exposição, os
olhares sobre a escultura e ouvir, nas suas paredes de ferro, essas vozes e esses murmúrios,
que são a base do trabalho de Pedro Costa, visto que a escultura de Chafes também é sobre
a voz, o falar, sobre essa voz que atravessa uma barreira, ou melhor, a separação entre duas
vozes.903
Todo o trabalho de Chafes se movimenta entre exterior e interior, entre o corpo e o
lugar do corpo. Em muitas das suas esculturas existem cadeiras vazias; no entanto, o
escultor afirma nunca ter feito nenhuma obra figurativa, nem, ao mesmo tempo, qualquer
obra abstracta; são sempre esculturas que falam de outra coisa, de outros movimentos, de
outras imagens.904
902 GONÇALVES, Cláudia (coord.) - Fora ! Pedro Costa, Rui Chafes out !. Porto : Fundação de Serralves,
2007, p. 61.
903 Ibid., p. 101.
904 Ibid., p. 85.
233
Burning in the forbidden sea, de 2011, consiste numa instalação em que, tal como a
anterior, existe uma escultura de Chafes e um ficheiro sonoro, neste caso, de Orla Barry.
No centro de uma sala branca, com luz esverdeada vemos suspensa a obra do escultor,
acompanhada pelo ambiente sonoro e pelo texto criado por Barry. A escultura consiste
numa pequena esfera radiada por elementos metálicos que se apresentam agressivos para o
corpo, como se de garras se tratassem. O
som que preenche toda a sala parece devir
da escultura, que está lentamente a
movimentar-se. A cada “rotação”, a
escultura vai alterando a nossa percepção
em relação à sua forma. Apresenta-se uma
forma portadora de leveza, como se o
peso apenas estivesse no elemento
esférico central. Apesar de termos a noção
da existência deste objecto, a instalação no
seu conjunto parece ser quase um vídeo. Fig.47 – Burning in the forbidden sea – Rui Chafes
2011
Tem som, imagem (do objecto e do Ferro e instalação sonora de Orla Barry.
Col. do artista.
contexto da sala) e movimento. Estas
três características parecem ter-se unido numa única componente de imagens em tempo
real em movimento.
Como já vimos, não existe arte sem transformação: a transformação da sua própria
natureza numa outra. Acaba por ser também uma revelação do que está escondido, tal
como na instalação de Chafes e Pedro Costa, em que as imagens do vídeo estavam para lá
do objecto consangrando, no fundo, o fundamental na obra de Chafes: a transformação do
objecto em imagem. Em arte, o que está escondido é sempre maior e mais importante do
que aquilo que se mostra, e a arte deve provocar o deslumbramento do primeiro olhar;905
por esse motivo as suas esculturas devem olhar-se apenas num primeiro olhar.
Em suma, o primeiro olhar deve captar a sombra do objecto, para depois se desligar
dele, dando origem a uma imagem-sentimento, ou imagem-lembrança, que emana do interior do
sujeito. O objecto acaba por ser um catalisador que potencia essa transformação no sujeito.
Enquanto objecto, traz consigo a maldição da matéria, que depois é desmaterializada. O
artista está consciente de que o objecto existe apenas para potenciar essa transformação
905GONÇALVES, Cláudia (coord.) - Fora ! Pedro Costa, Rui Chafes out !. Porto : Fundação de Serralves,
2007, p. 155.
234
interior, visto que, sem transformação, não há arte. De acordo com Platão, a matéria era
corrompível, suja e errada, de modo que, os objectos de Chafes acabam por ser “anti-objectos”
ou “anti-esculturas”, porque tendem a desmaterializar-se. Nesse sentido, os seus objectos
contêm uma dicotomia visual de peso/leveza, visto que aparentam ser muito leves, pairam
no ar, mas, no entanto, possuem o peso incontornável do ferro. Chafes é o artista que faz
escultura com poesia, como se fossem caracteres de escrita, em que apenas se retira deles o
“conteúdo”, ultrapassando a forma. Deste modo, o ofício de escultor, como todos
conhecemos, deixou de existir, e Rui Chafes parece apresentar-se como um demiurgo que
trabalha com o fogo, e com os respectivos poderes alquímicos e “mágicos” atribuídos ao
ferreiro.906
906PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,
p. 172.
235
A teoria que fundamenta a sua obra comporta uma vertente puramente simbólica e
conceptual, no sentido em que parte das memórias/vivências da sua vida, e lhe é
introduzida uma componente ideológica, na qual o pensamento é fundamental. Cabrita
Reis é um construtor, criador ou produtor de imagens, retiradas de uma espécie de diário
traduzido em símbolo. O artista sente sempre a necessidade de rever, reviver e retornar a
esses momentos efémeros, por via da arte, retirando desse processo uma percepção
mental.907 Essa percepção mental da obra coincide com o olhar, “habitando” um espaço
interior.
Numa perspectiva existencialista, a relação que existe entre arte e vida faz com que
todos os momentos do seu dia-a-dia, da sua vida, sejam um ponto de desenvolvimento e de
conexão entre a sua vida e a escultura. A dimensão histórica e temporal convertem-se na
vontade de “vencer o tempo”, sendo esse o grande motivo desta obra, na medida em que a
auto-consciência do artista, e a consequente melancolia, são o que movem e fundamentam
a origem do processo artístico, baseado nas memórias, emoções e reflexões. A obra abarca
uma dualidade entre a lembrança e o esquecimento, existindo no seu trabalho uma vincada
dimensão antropológica assente nos valores da vida, onde avulta o valor de alteridade.
Viver é esqueçer e perder o outro e a perda que o tempo implica, gera um sentimento
melancólico que origina a produção de “modelos ficcionais”, nos quais são reactivadas as
memórias do artista, enquanto tentativa de superação da inexorabilidade do tempo. Estes
modelos recuperam, de algum modo, a sua vivência passada, “repondo” o tempo perdido,
actualizando a memória de uma vivência temporal que se perdeu. Assim se estabelece a
relação fundamental entre arte e vida na obra de Cabrita Reis. Estes factores influenciam-se
mutuamente na medida em que a arte só pode nascer da vida e esta se constitui sempre a
fonte da arte. A arte é a única forma de lutar contra o tempo que pressupõe uma perda,
constituindo a arte uma resistência à efemeridade e à própria finitude. Para Cabrita Reis,
fazer arte é lembrar, actualizar o acontecimento, sendo o seu processo baseado nas
passagens e relações processuais, e evolutivas, da relação Vida-Arte-Vida. A sua concepção
artística baseia-se na observação de tudo o que o rodeia, particularmente o “deslizar” do
olhar é muito importante, e todos os momentos da sua vida são propícios para a criação de
um novo objecto. O processo artístico, de certa forma “romântico”, nasce a partir do que o
artista sentiu, da substância que resta dessa vivência recuperada pelo olhar – como uma
907MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita – Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 2. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
236
imagem que intercede entre a vida e a arte, e que legitima a dimensão imagética da sua obra.
A passagem ou deslocação da realidade (experiência vivencial) para um “modelo ficcional”
(falso) que recupera a vivência através da escultura, sendo originada a partir da vertente
simbólica e metafórica, aliada a uma forte dimensão conceptual.
O símbolo está para além da razão, e é descodificado pelo espectador, dada a sua
universalidade. A componente simbólica é contextualizada na relação entre arte e vida,
legitimando-se através dos “modelos ficcionais”, isto é, de ficções (memórias da vida do
908MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. p. 9.
237
artista que já foram reais). A melancolia que se metaforiza na referida obra, surge como
conceito central do próprio pensamento plástico. No entanto, existe uma dualidade na
medida em que o artista “revive” as experiências passadas através dos “modelos ficcionais”,
construíndo uma outra verdade; daí a denominação de “ficcional”, uma criação que, de
certa forma, codifica o que o artista viveu em símbolos. Por muito que as memórias do
artista sejam particulares, universalizam-se por via metafórica nesses modelos, nos quais o
espectador reconhece essa vivência. A melancolia manifesta-se também no desequilíbrio e
na contraposição entre o mundo da natureza, criado, e o mundo construído, o nosso.909 A
vertente simbólica assenta sobre os elementos da vida/natureza: terra, ar, fogo e água,
dentro de uma axiologia em que surge também os arquétipos da água e do fogo. Dentro de
uma dimensão simbólica, o vivido no espaço é mais importante que esse mesmo espaço,
considerado em sentido físico. Aparentemente surge uma dualidade: as obras estabelecem
uma relação vital com o espaço em que são instaladas, mas num sentido profundamente
simbólico. São obras que se apropriam e metamorfoseiam esse espaço, para o qual são
projectadas e, deste modo, as memórias de determinado lugar são fundamentais na sua
obra, na medida em que o artista refunda outro lugar através do processo artístico. O
espaço que já existe, é um elemento integrante da obra, na medida em que o seu significado
simbólico é o mais importante; acima da sua fisicalidade, Cabrita Reis realça e confirma a
sua simbolicidade, por via do que nele foi celebrado. Um exemplo concreto deste
processso encontra-se no aproveitamento dos materiais encontrados em determinado lugar,
aí começando a construção como, por exemplo, a primeira exposição no Museu de
Serralves, em que aproveitou os materiais que foram deixados durante o tempo da
construção do espaço do museu, como cartões, fitas e papelão, invocando na reconstrução
simbólica do próprio museu. A visualidade da construção é plenamente assumida e
evidenciada pelo facto dos vestígios do trabalho não serem “apagados”. O que foi usado
para a construcção é deixado à vista: as fixações e os elementos de montagem, e as suas
próprias funções não foram escondidas, visto que fazem parte do objecto escultórico.910 A
construção na obra de Cabrita Reis interliga-se com a ideia de construir/projectar/habitar
um lugar com os mesmos valores simbólicos da origem e, como o artista afirma, as ideias
constroem-se, não se revelam.
909 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita – Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 4. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
910 SCHWARZ, Dieter - Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 5. [Em linha]
238
A casa, por exemplo, é um arquétipo e uma “oficina” permanente no seu trabalho,
uma referência maior da sua obra. A casa é simbolo de afectividade, de família, da
comunhão entre os homens e, por isso, as relações efectivas que lá se estabelecem, e o que
nelas se enleia são de extrema relevância para o artista. É na casa que se criam laços, onde
se celebra a vida, onde se come, onde os homens se reunem à volta da lareira, é o centro da
vida e das suas relações, construída seja por meio das palavras, emoções ou silêncios. Neste
contexto, A Casa do Esquecimento, de 1990, é um exemplo em que a lareira, enquanto fonte
de calor (aquecimento afectivo), e centro simbólico do lar, simboliza a alteridade, a
presença do outro, para além de ser também metáfora da vida, enquanto partilha. A eleição
de formas primordiais, evidenciadas nos arquétipos, assim como a ocupação e a habitação
do espaço, bem, como, a produção das condições da sua apropriação humana são, talvez, o
tema genérico mais importante da obra de Cabrita Reis.911
911 MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. p. 10.
912 Ibid., p. 10.
913 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita - Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 5. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
239
estabelecendo-se a ligação entre eles através de relações de pararelismo/proximidade, não
só na sua posição no espaço, mas também na transposição do mesmo módulo para um
outro contexto, ganhando um novo sentido, seja da realidade para dentro da prática
artística ou excluisivamente dentro desta. É possível identificar momentos/semelhanças
que remetem para obras anteriores, visto que o seu percurso artístico é narrado como
projecção do passado, assim como uma permanente invocação dos grandes mestres da
História da Arte.
A maioria das formas nos anos 1990 e, esta não é excepção, reportam-se ao
elemento da água, canais de irrigação que evocam a cultura e a paisagem do Mediterrâneo.
O tema do seu trabalho, como já sabemos, é a vida, com as suas energias, circulações,
memórias, mas, neste caso, estabelece uma relação simbólica e metafórica da passagem da
vida (factor temporal) através daágua e da história: os rios que transportam a vida.915 A ideia
de ligação é constante nos seus objectos, nos quais as várias componentes dos modelos
914 MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. p. 13.
915 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita - Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 4. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
240
ficcionais são “ligadas” por outros elementos que remetem para a ideia de memória e
alteridade: a ideia de irrigação metaforizada e, esculturas cujas condutas formalmente não
levam a lado nenhum, simbolizando os intervalos, as cisões e os silêncios que caracterizam
as coisas e as relações do Homem com o mundo. Não há ligação, no “modelo ficcional”,
visto que o acontecimento já passou, enquanto metáfora de perda, seria possível afirmar
que a existência por vezes parece não ter ligação, dada a persistência do ruído, visto que a
comunicação com os outros é improvável. A incomunicabilidade é metáfora da
imperfeição, porque há sempre algo que se esquece, que se parte, que não passa, que
assinala a diferença, demonstrando a fragilidade mas ao mesmo tempo a admirável
condição humana. Essa separação entre os elementos parece relacionar-se com o que o
espectador apreende da obra, na medida em que tem acesso aos “pontos-chave” através de
símbolos e formas arquetipais, as quais parece refazer essa experiência, ou o que da
vivência dela retém.
916MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. pp. 7-8.
241
mesmo).917 Convocado pelas esculturas, o espectador,contribui para circuitar os fluxos de
energia geradas entre a obra e a memória, entre a arte e a natureza, entre a sua fruição e
uma vivência interior; isto é, os materiais nao são reduzidos àsua pura presença fisica, mas
constituem abordagens visuais plurissignificativas. A aproximação do espectador à obra
modifica-a, pois a criação de pontos de vista origina um excesso de “imagens” que
ultrapassa o que nos é dado ver “materialmente” no objecto.918 Por exemplo, na experiência
do espectador será possível acolher as suas próprias experiências particulares permitindo
reconstituir na sua memória e subjectividade um processo semelhante ao do autor, com
mais “eficácia” quando a obra contém um texto descritivo.919 A visualização, a progressiva
idealização e a imaginação permitem tais pontos de vista, em que a obra excede o artista,
mas revela no espectador o que ele não conhece em si, reactivando um processo
interpretativo, o qual, ao modo ricoeuriano se constitui um modo de ser.
917 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita - Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 8. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
918 SCHWARZ, Dieter - Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 6. [Em linha]
1994. p. 8.
242
A plasticidade da obra de Cabrita Reis e a sua concepcão espacial caracteriza-se
pelas qualidades dos materiais com
os quais na experiência estética o
observador entra em contacto
directo na experiência estética e, por
outro lado, a forma como esses
materiais são dispostos no espaço.
Os modelos seguem princípios de
uma plasticidade visual, uma vez que
não se destinam a uma experiência
Fig.48 – A Casa da família – Pedro Cabrita Reis táctil ou corporal.920 A ideia de uma
1990
Madeira, gesso e “porron” com água; 147 x 1000 x 250 cm. “essência” de imagem, enquanto
Col. do artista (projecto); Destruído.
potência poética que nasce da
escolha e da ordenação do material na obra fundamentam o modo “bidimensional” como
as obras estao colocadas no espaço, enquanto imagens da memória por via das supostas
construções que sustentam o modelo ficcional. A ideia de uma espécie de um palco
“elevado” (chão sobre o chão) é observado na maioria dos seus modelos ficcionais, como
em A casa da pobreza, de1989, em que esse “palco” tende a separar “o espaço” do objecto
do espectador, o que, à partida parece excluir o estatuto da instalação. Parece existir uma
espécie de possibilidade de acesso ao interior da escultura, como na obra A casa da família,
de 1990, mas acabamos por assistir a uma simulação, onde o corpo não pode realmente
aceder, apenas sendo convocada a sua ausência. [Fig. 48] Não há espacialidade e nem há
instalação na obra de Cabrita Reis. Algumas esculturas penduradas na parede são outra
demonstração do carácter de imagem,921 de um simulacro, pois não podemos acedê-las com
o corpo; assim como as suas obras do uso permamente da luz, anunciando paisagens e
desenhos que só podem habitar uma memória, memória essa situada entre a génese da obra
e a sua experiência.
920 SCHWARZ, Dieter – Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 6. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
921 PERNES, Fernando - Olhar sobre a arte contemporânea portuguesa. Lisboa : Secretaria de Estado da
243
instalacional, ou seja, esse carácter parece evocar-se, mas, depois nega-se a si mesmo
quando a tridimensionalidade assenta no seu cariz simulado. Deste modo, a ideia de “arte-
ambiente” aplica-se neste caso, pois Cabrita Reis cria uma “ambiência” a partir dos
materiais e das formas, anulando a própria espacialidade, simulando apenas o volume como
num desenho.
A luz inserida
no seu trabalho
actualmente também está
na génese da criação
desse “ambiente”,
reforçando essa
dimensão de imagens-
ambiente. A ambição
clássica do artista poderá
seer vista na permanente
invocação do desenho,
Fig.49 – Nomes ausentes – Pedro Cabrita Reis
considerado a mãe de 2003
Alumínio pintado, luzes flourescentes; 400 x 1000 x 600 cm.
todas as artes para além Magazzino d'Arte Moderna, Roma.
922SCHWARZ, Dieter - Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 3. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
244
Em suma, as concepções estéticas de Pedro Cabrita Reis assentam numa
apropriação da arte, a partir de uma estética pós-minimal na repetição e na modulação,
ligada, ao mesmo tempo a um universo de sentido Mediterrânico, enfatizando técnicas
variadas, como a modelação, a construção, utilizando materiais pobres e pré-fabricados. A
sua produção rompe fronteiras entre expressões artísticas consideradas de modo
autónomo, inscrevendo-se num território de objectos que expandem a sua condição e
estatuto. Fazer arte é resistir ao tempo é e, neste contexto, Pedro Cabrita Reis luta contra o
próprio tempo, através dos “modelos ficcionais” que refazem e actualizam a experiência do
artista. No entanto, as obras acabam por ser a “verdadeira realidade” para quem as vê, e
provavelmente, para o artista, pela materialização da sua memória a qual pressupõe a
visualização e activação da vivência passada, efémera, e o que fica é esse “registo”, essa
substituição assente na dualidade lembrança/esquecimento, que a partir do que se gera o
sentimento de melancolia, como elemento activador de toda a génese e apreensão da obra.
245
do artista para o espectador, por meio da metáfora, e do simbolismo, imprimindo uma
conceptualidade à experiência estética.923
923
SCHWARZ, Dieter – Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 6. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
246
CONCLUSÃO
247
obra mais bela do que as obras criadas pela natureza, embora apenas através do seu estudo,
sem necessidade de recorrer à imaginação. A ausência do conceito de imaginação deve-se à
sua crença de que tudo procede da razão, do método, da imitação, da medida, sem ter
presente a leveza da faculdade criadora, apresentando um registo puro de imitação do
mundo exterior. No entanto, cremos que apesar do foco estar centrado na representação, a
componente da ideia está sempre presente em qualquer concepção artística, em maior ou
menor peso relativamente ao peso material das obras. Por sua vez, Miguel Ângelo, via o
corpo humano como meio de comunicar ou revelar um estado espiritual; o artista defendia
uma beleza superior à da natureza, mediante a imaginação, reafirmando uma idealidade
neoplatónica; deste modo, a beleza do mundo visível suscitava no seu espírito uma imagem
interior. A ideia de “Beleza”, constituída desta forma, era superior à beleza material, pois o
espírito transforma as imagens que recebe, e faz com que se aproximem das ideias que
existem no espírito, e que provêm directamente de Deus. No entanto, é de evidenciar a
relação de dependência entre a beleza física e a espiritual, na qual a imagem interior
depende da existência da beleza no mundo exterior; este facto implica que a realização de
uma obra de arte não consistia apenas em reproduzir algo exterior, mas, sim, também
realizar uma Ideia interior; o artista quando esculpia o bloco de pedra, estava simplesmente
a descobrir a sua ideia, que já estava em potência no bloco. Esta concepção de ideia ultrapassa
qualquer beleza encontrada na natureza, sendo que a ideia presente na mente do artista é
mais bela que a obra final, sendo esta um reflexo da primeira.
248
Neste âmbito, a escultura barroca potenciava a relação da mente com os sentidos, que
estavam intimamente ligados.
249
corpo, apresenta uma semelhança com os escultores gregos, nomeadamente a partir dos
conceitos de Belo Ideal ou Belo Reunido. Deste modo, as suas esculturas já se apresentavam
prontas na sua mente, quando via mentalmente a ideia ganhar forma. O artista representa
um corpo abstracto, distante da realidade, no sentido morfológico e anatómico, como se
fosse reduzido à sua percepção enquanto uma aparência, uma imagem, no limite, um traço.
Existe um paradoxo do peso material, nomeadamente através dos quilos de bronze da
escultura, que contrasta com a sua morfologia, a qual remete para uma ideia de leveza, de
um corpo que se está a desmaterializar. Ademais, o pedestral deixa de constituir-se um
intermediário entre o público e a escultura, possibilitando uma relação mais próxima que
levará mais tarde a que o espectador ganhe uma importância crescente nessa relação.
O “nascimento” de uma nova escultura abstracta, e de cariz geométrico, desligada
das suas características tradicionais, nomeadamente o peso e a gravidade, utilizou novos
materiais e, por consequência, novas concepções técnicas. No Construtivismo, os materiais
industriais ditaram o esvaziamento da macicez da escultura, permitindo que a morfologia
construtivista fosse constituída por planos, linhas e espaço, e apresentasse uma leveza
significativa. O espaço circula pelo interior vazio das esculturas, faz parte das mesmas, e é
um elemento da própria composição. A própria técnica da adição de planos consiste em
moldar o espaço, ao colocar um plano numa determinada posição. Deste modo, a escultura
penetra o espaço, e o espaço a escultura. No entanto, o espaço denomina-se como
“espaço-ideia”, visto ser o espaço que dá a ideia da volumetria completa na escultura, sendo
esta constituída por elementos bidimensionais como os planos e as linhas. A sensação de
espaço e de tempo no Construtivismo constituem uma ilusão, e existem apenas na nossa
mente, visto que somente está presente a estrutura da escultura, sendo o volume da forma
um espaço virtual. Por sua vez, o tempo na escultura pressupõe movimento, sendo por isso
à semelhança do espaço, apresentado como uma ilusão. O movimento só foi apresentado
em formas ilusórias, já que o movimento real não existe, porque as esculturas são estáticas,
apesar de, em alguns casos, darem a sensação de movimento, como no Projecto da 3ª
internacional, de Tatlin; mas é na obra de Rodchenko e, posteriormente de Alexander Calder,
que o movimento e a mutação se tornam aliados do factor tempo, conferindo movimento
em tempo real na escultura. O movimento aproximou o espectador da escultura, criando
uma relação directa entre eles, pelo facto do espectador interagir literalmente com a forma
da escultura, que se modifica a cada segundo, quando está em movimento. A forma deixou
de ser algo estático, sendo a escultura, neste caso, encarada com um “actor mecânico”.
250
A desmaterialização do objecto inicia-se acentuada e, de certo modo, literalmente,
com a Arte Conceptual, quando o seu foco se centra na ideia, na tautologia, no conceito,
enquanto redução de um objecto a um conceito, a qual se reduz o objecto, e no qual este se
torna exclusivamente um meio para atingir um pensamento/ideia. A ideia e o conceito
eram de cariz universal e inteligível, estando a nova denominação de objecto artístico
desvinculado da obra de arte tradicional. No ready-made, o gesto da descontextualização do
urinol de Duchamp, apresentado como Fonte, evidencia a importância e a predominância da
ideia do objecto que, neste caso, nem foi produzido pelo artista, e é activado como arte
pela sua presença numa galeria, pela intenção e gesto do artista e, por último, pelo jogo
mental do espectador. Derivada da filosofia, a Arte Conceptual é um jogo mental que parte
de um objecto que se desmaterializa em ideia ou num jogo de linguagem, como no caso da
obra de Kosuth, despertando uma relação intelectual ou inteligível no espectador. A arte é
um jogo mental, a partir da tautologia, sendo o seu processo artístico semelhante ao
processo de Duchamp, isto é, um jogo mental. Para Kosuth, os seus objectos não possuem
tridimensionalidade, com excepção da presença, e, desse modo, são modelos, ou anti-
objectos, que se negam enquanto tal, não só pela ausência das três dimensões no espaço
real, visto que são apresentados enquanto pintura – encostados à parede – enquanto uma
arte para ler, como também na sua conversão absoluta em ideia. Para Kosuth, a arte é
literalmente linguagem e pensamento, resumindo-se às várias possibilidades de
representação de um conceito, utilizando várias proposições, de modo a suprimir as
emoções, as expressões, no limite, a experiência estética clássica. Neste sentido, a arte é
experienciada com o fim de extrair uma ideia ou esquema intelectual subjacentes, existindo,
sobretudo, um processo de desmaterialização do objecto em ideia.
251
temporal, pelo método da repetição ou multiplicação do cubo, que parecem incutir
movimento à forma. Deste modo, referencia e imita o processo de trabalho industrial da
máquina, e a reprodução em série, quando pensa os objectos.
252
zona destinada à pintura, mas a tridimensionalidade faz com que convivam parcialmente no
espaço da escultura; produzidos na indústria, estes objectos transparecem uma ideia de
continuidade, no método de repetição serial de uma forma no espaço, que não implicava
uma vivência corporal absoluta, sendo um objecto apenas para observar. Existe também
uma conciliação entre materiais opacos, como o ferro ou o alumínio, e os transparentes, no
caso do acrílico ou plexiglas, dão uma grande sensação de leveza visual ao objecto.
253
destacar-se nos seus vídeos. O gesto do artista, filmado a apanhar placas de chumbo que
caem de cima, contrasta com as imagens do vídeo que, na sua “fisicalidade” são leves. O
acto de atirar chumbo derretido contra uma parede é outra acção, embora, neste caso,
existe um objecto material, enquanto registo do momento; a forma que resultou daquele
acto acaba por reflectir a expressividade do movimento do corpo ao desempenhar a acção,
num determinado contexto criativo, passando a ser muito valorizado e praticado pelos
artistas. Este registo do momento, quando exposto numa galeria, remete para um processo
de deslocamento, quando o espectador, ao ver a expressividade do gesto de Serra no
chumbo, imagina o momento em tempo real, em que tudo aconteceu.
254
relevante não só na sua componente documental, assim como foi elevada ao estatuto de
arte. A obra fotográfica dos Becher demonstra como a fotografia se pode converter num
meio escultórico, que destaca as formas industriais que morfologicamente foram elevadas a
objectos de escultura, desligadas do espaço original em que existem na realidade, surgindo
enquanto imagem.
A acção apresenta agora uma relação com o teatro; a acção é, em si, teatral, porque
está a ser representada, e apresentada em tempo real, pressupondo uma preparação, uma
actuação, uma encenação e um “palco”. No fundo, era um teatro sem teatro, visto que a
noção de teatro não era no seu sentido literal, como a memorização dos textos, o
tratamento da sala do espectáculo (cenografia), os ensaios, etc. Neste sentido, a ideia de
palco passa a ser o lugar da escultura, sendo que o processo do artista mudou pois é agora
produzido maioritariamente em tempo real; sem actuar num contexto literalmente teatral,
podemos confirmar que o próprio jogo mental dos ready-mades de Duchamp era teatral,
visto que o urinol encenava ser uma fonte, mas não era, sendo essa encenação baseada
numa ideia, num jogo mental, que possibilita a intenção de querer tornar real uma relação
que é teatralizada. As esculturas minimalistas também se destinavam a “teatralizar” o
espaço em que eram expostas, e sobretudo em “teatralizar” a experiência do espectador,
através da organização espacial dos objectos. Robert Smithson, com a dialéctica site/nonsite,
parece também apresentar uma ligação com essa relação “encenada”, na sala da galeria,
quando organizava a matéria e os registos da acção, cujas fotografias ou vídeo fazem com
255
que exista um deslocamento (imaginário e produzido pelo espectador) do espaço da galeria,
para o espaço onde foi executada a intervenção. Deste modo, a fotografia, em si, é um
teatro, no sentido em que retrata ou representa, no caso da Land Art, uma paisagem,
deslocando para o espaço onde está exposta, esse referente inicial. É como se encenasse a
presença do espaço fotografado para o local onde está apresentada.
Já o processo de criação de Joseph Beuys baseia-se numa acção totalizante que vai
muito para além do atelier, focando-se na experiência ou vivência, tal como os artistas da
Land Art. Joseph Beuys relacionava a vida com a arte, ao ponto de criar os seus objectos a
partir de acontecimentos da sua vida, imbuíndo a sua arte de valores espirituais; a arte só
existia por meio da vida e do sentimento interior do indivíduo que se fundia com a
natureza, apresentando aqui influências românticas. Realizou diversos objectos simbólicos,
mas também executou performances, utilizando materiais insólitos e associando-os a
conceitos, ideias e valores enraizados numa concepção mistérica e xamânica da vida,
ficando documentadas em imagem. Algo tão leve como o gesto do corpo tornou-se o meio
de expressão, em que o objecto se desmaterializa em imagem, em acção, em imagens em
movimento.
Na sociedade, a imagem tornou-se uma realidade que foi transposta para a arte,
fruto da evolução da tecnologia. Para além dos objectos minimais, que eram fabricados e
produzidos em série, a fotografia podia reproduzir inúmeras vezes a mesma imagem, e o
vídeo poderia fazer-nos reviver um acontecimento que experienciamos em tempo real,
criando um simulacro.
256
Neste sentido, a obra de Pedro Cabrita Reis assenta numa dimensão conceptual, tal
como a de Chafes, em que os seus objectos, ou “modelos ficcionais”, como o artista
prefere apelidá-los, são uma lembrança das memórias da sua vida, as quais se foram
perdendo no tempo, gerando um sentimento de melancolia. Os modelos são, assim,
tridimensionais, mas parecem funcionar como simulacros, visto que não existe
espacialidade nesses modelos, aparecendo “encenados”, negando, à partida, o acesso
corporal às suas esculturas; a estas deve aceder-se com os “olhos da mente” e não tanto
com os “olhos do corpo”. Para o espectador, a verdadeira realidade que existe, é o próprio
objecto, neste caso “modelo ficcional”, que é o vestígio palpável do que o artista viveu e
cujo percurso o espectador deve “refazer” por via do pensamento.
Esta ideia de simulacro relaciona-se com o trabalho de Andy Warhol que
reproduzia as imagens e ícones da sociedade na sua exterioridade, isto é, enquanto
simulacros do mundo real. Cabrita Reis, quando se apropria de objectos do contexto
quotidiano, é como se tivesse a apresentar um simulacro da vida real, quando os converte
em objectos artísticos, os quais procuram, posteriormente, elevar-se a um estatuto de
imagem, ou, no limite, estatuto de desenho.
O simulacro, enquanto cópia e reprodução relaciona-se com o simulacionismo e o
apropriacionismo, centrados na “imagem” de um objecto, copiada ou reproduzida, no caso
da simulação, e “reciclada”, no caso da apropriação. A partir da imagem copiada, ou
apropriada, os objectos aproximam-se das massas, convertida agora em arte, fazendo
alusão a outros significados massivamente definidos. No entanto, no caso das obras de
arte, a substituição da unicidade, pela serialidade, graças à reprodutibilidade técnica, elimina
a autenticidade e a aura da obra de arte, através da sua reprodução em massa, alterando a
relação do público com a arte, como defendeu Walter Benjamin.
Neste contexto, podemos concluir que a escultura é formada por dois pólos: a
forma e a ideia. Ambos convivem e são inseparáveis enquanto obra de arte. É impossível e
inconcebível expressar e alcançar uma obra verdadeira, estando a imitar apenas a sua
superfície, a sua forma exterior (morfologia). O seu sentido, significado e essência, que
constituem a sua verdade, perdem-se com a reprodução. Deste modo, a escultura não se
resume somente à sua forma, mas, também, à ideia, isto é, ao conjunto das ideias, noções e
conceitos subjacentes, sendo que a complementaridade destes dois factores constitui as
qualidades da escultura, na sua totalidade. A ideia surge sempre a partir da componente
material do objecto, porque tem de haver uma comunicação com o espectador,
convertendo-se seguidamente numa imagem mental, que se relaciona com a própria forma,
257
visto que ideia também é forma. A experiência estética tornou-se a base desta
transformação, em que “ver” o objecto significa “perdê-lo”, no seu sentido material, dando
lugar a uma imagem.
É relevante salientar que a ideia é o que existe de mais leve no contexto da arte. A
ideia surge-nos enquanto imagem, posteriormente materializada em desenho, possuindo
ainda um elevado grau de leveza, que se perde totalmente quando é construído ou
executado um objecto. A matéria é o elemento que contém mais peso, mas, no entanto,
acaba por ser necessária enquanto intermediária entre o espectador e o artista.
258
A representação do corpo humano foi o tema mais desenvolvido durante séculos.
No entanto, um motivo antigo, quando era trabalhado, era sempre fruto de
transformações, apesar da base ser a mesma; ao longo dos séculos trabalhou-se sempre
sobre o mesmo referente, alterando, no entanto, o modo e os meios. Mesmo quando não
se reproduzia o corpo, este era o centro da experiência estética, da relação fenomenológica
que ocorre na arte. Neste sentido, a imagem deixou de ser um fenómeno manifestamente
exterior, como na Idade Média, e passou a ser interior, sendo o corpo um suporte/meio da
imagem, originado na mente, a qual, doravante, constitui um dos activadores da própria
experiência estética e do sentido e alcance dos próprios objectos artísticos.
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Artsy. | [Em linha].[Consult. 17 Maio. 2015]. Disponível em WWW:<URL:
https://www.artsy.net/artwork/sol-lewitt-1-2-3-4-5-4-3-2-1-cross-and-tower.
Fig-.23 - Artists Rights Society (ARS), Nova Iorque. Foto © Jason Mandella in MoMa. | [Em
linha].[Consult. 20 Maio. 2015]. Disponível em
WWW:<URL:http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/305.
Fig.24 – Autor desconhecido in © Christie’s The art people. | [Em linha].[Consult. 7 Junho. 2015].
Disponível em WWW:<URL: http://www.christies.com/lotfinder/lot/donald-judd-untitled-1988-
4705650-details.aspx?intObjectID=4705650.
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Fig.25 – Autor desconhecido in National Galery of Australia. | [Em linha].[Consult. 18 Junho.
2015]. Disponível em WWW:<URL:
http://nga.gov.au/International/Catalogue/Detail.cfm?IRN=14962&ViewID=2&GalID=ALL.
Fig.26 - Autor desconhecido in Mnuchin gallery. | [Em linha].[Consult. 30 Junho. 2015].
Disponível em WWW:<URL: http://www.mnuchingallery.com/exhibitions/donald-judd.
Fig.27 – Autor desconhecido in MEYER, James – Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 96.
Fig.28 - Autor desconhecido in MEYER, James – Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 98.
Fig.29 - © David Aschkenas 1985 in Culture Shock. | [Em linha].[Consult. 5 Julho. 2015].
Disponível em WWW:<URL:
http://www.pbs.org/wgbh/cultureshock/flashpoints/visualarts/tiltedarc_big1.html.
Fig.30 – © Richard Serra in RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] –
Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] : Taschen, 2010, p.606.
Fig.31 - © Jasper Johns in RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte
do Século XX. Vol.2. [s.l.] : Taschen, 2010, p.543.
Fig.32 - Foto © George Steinmetz in Robert Smithson. | [Em linha].[Consult. 5 Agosto. 2015].
Disponível em WWW:<URL: http://www.robertsmithson.com/earthworks/Spiral_Jetty_03.htm.
Fig.33 – Desenho de Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert Smtihson. Los Angeles : The
museum of Contemporany Art, 2004, p.61.
Fig.34 – Foto © Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert Smtihson. Los Angeles : The museum
of Contemporany Art, 2004, p.157.
Fig.35- © Wolfgang Volz in Christo & Jeanne-Claude | [Em linha].[Consult. 2 Maio. 2014].
Disponível em WWW:<URL: http://www.christojeanneclaude.net/projects/running-fence.
Fig.36 - Autor desconhecido in Arch Daily. | [Em linha].[Consult. 12 Agosto. 2015]. Disponível em
WWW:<URL:http://www.archdaily.com.br/br/01-35977/arte-e-arquitetura-christo-and-jeanne-
claude/arte-y-arquitectura_christo-y-jeanne-claude_1325047600-artwork-1270657755508.
Fig.37 - © Richard Long in National Galleries. [Em linha].[Consult. 22 Agosto. 2015]. Disponível
em WWW:<URL:http://www.nationalgalleries.org/whatson/past/richard-long/highlights-3783.
Fig.38 – Autor desconhecido in Richard Long. [Em linha].[Consult. 2 Setembro. 2015]. Disponível
em WWW:<URL:http://www.richardlong.org/Exhibitions/2011exhibitupgrades/fivepaths.html.
Fig.39 - © Bernd e Hilla Becher in RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred
[et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen, 2010, p. 671.
Fig.40 – Autor desconhecido in RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.]
– Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] : Taschen, 2010, p.581.
Fig.41 – Autor desconhecido in RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.]
– Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] : Taschen, 2010, p.553.
Fig.42 – Autor desconhecido in RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.]
– Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] : Taschen, 2010, p.577.
Fig.43 - © Andy Warhol Foundation for the Visual Arts/Artists Rights Society (ARS), Nova Iorque
in DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: A Tradição Ocidental. 9ª
ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1082.
Fig.44 – Autor desconhecico in CAM. [Em linha].[Consult. 13 Setembro. 2015]. Disponível em
WWW:<URL:http://cam.gulbenkian.pt/cam/pt/Exposicoes/Arquivo/Exposicao?a=71889.
Fig.45 – Autor desconhecido in Uma dança de ferro contra a morte. [Em linha].[Consult. 5 Jan.
2014]. Disponível em WWW:<URL:http://umalbum.blogspot.pt/2008/02/uma-dana-de-ferro-
contra-morte-rui.html>.
Fig.46 - © Jorge Gonçalves in PUBLICO. [Em linha].[Consult. 5 Outubro. 2015]. Disponível em
WWW:<URL: http://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/arqueologia-de-um-corpo-em-crise-
24206621.
Fig.47 – Autor desconhecido in Arte Capital. [Em linha].[Consult. 5 Outubro. 2015]. Disponível em
WWW:<URL:http://artecapital.net/exposicao-408-rui-chafes-o-peso-do-paraiso.
Fig.48 – Autor desconhecido in REIS, Pedro Cabrita – Pedro Cabrita Reis. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992, p. 27.
Fig.49 - © Pedro Cabrita Reis in Magazzino Arte Moderna. [Em linha].[Consult. 5 Outubro. 2015].
Disponível em WWW:<URL:http://www.magazzinoartemoderna.com/pedro-cabrita-reis/.
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