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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

AS DICOTOMIAS PESO/LEVEZA E
FORMA/IDEIA NA ESCULTURA:

A desmaterialização progressiva do objecto artístico

Andreia Pinelas

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Carlos Pereira

Mestrado em Escultura

Especialização em Estudos de Escultura

2015
Dedico esta tese à minha mãe que
sempre me apoiou em todas as minhas
escolhas e, sem ela, nada seria possível.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Dr. José Carlos Pereira toda a dedicação,


gentileza e partilha de todo o seu vasto conhecimento.

Quero agradecer aos Professores António Matos, João Castro


Silva, João Duarte, Andreia Pereira que, cada um à sua maneira,
me foram mostrando as diversas atitudes na escultura.

Um muito obrigado às pessoas que tiveram muita paciência, ao


longo de vários meses de trabalho árduo, e que se mostraram
compreensivas. Igualmente agradeço todos os incentivos às idas
aos cafés e aos lanches que foram adoçando o novo regresso à
escrita.

Um especial agradecimento ao Pedro, que sempre ouviu os meus


desabafos, as minhas vitórias e as minhas decepções, assim como,
sempre me apoiou, ano após ano, nesta longa jornada da minha
vida.
RESUMO

As dicotomias Peso /Leveza e Forma/Ideia enformavam a teoria e a prática da


Arte, existindo uma correspondência entre elas. O peso existe graças à existência de uma
forma que é constituída de matéria; por sua vez, a leveza devém da ideia que está sempre
presente quando existe uma criação. Estas dicotomias andaram sempre interligadas ao
longo dos séculos, sendo que existem variações quanto ao grau de relevância da forma
e/ou ideia. Na tradição da escultura o peso físico era uma realidade indispensável, e a ideia
da escultura, sem o lado imaterial encontrava-se subjacente à forma. No decorrer dos
séculos, foram nascendo e renascendo novas abordagens artísticas focadas na efemeridade,
leveza e ideia do objecto artístico, facto que veio anular a noção clássica de obra de arte. O
conceito de imagem passou então a ser o foco da experiência estética do sujeito, o que, por
si só, se tendeu a consubstanciar o próprio objecto artístico. Do mesmo modo que a leveza,
quando levada ao extremo, e em detrimento da materialidade tridimensional do objecto,
passou a relacionar a arte com a própria acção do corpo, o gesto do artista, elevando-se
ambos ao estatuto de arte.

Palavras-chave: Escultura, Forma, Peso, Leveza, Ideia, Desmaterialização.

IN SHORT

The dichotomies Weight/Lightness and Form/Idea formed the theory and the
practice of Art, existing a correspondence between them. The weight exists thanks to the
existence of a form that is made of matter; in the other hand, the lightness comes from the
idea that is always present when the creation exists. This dichotomies were always
interconnected during the centuries, and there are variations in relevancy of form and/or
idea. In sculpture´s tradition, the physical weight was a essential reality, and the idea of
sculpture, without the immaterial side was underlined to the form. During the centuries,
new artistic approaches were born and re-born focused on the frailty, lightness and idea of
the artistic object, fact that came to cancel the classic notion of work of art. The concept of
image became the focus of the esthetical experience of the subject, which alone, tended to
substantiate the artistic object itself. In the same way that lightness, when taken to the
extreme, and despite the tridimensionality materiality of the object, begun to relate the art
with the own action of the body, the gesture of the artist, rising both to the status of art.

Key-words: Sculpture, Form, Weight, Lightness, Idea, Desmaterialization.


ÍNDICE

INTRODUÇÃO 7
Escultura, Peso e Forma 12
Escultura, Leveza e Ideia 18
CAPÍTULO 1 – O PESO DA MATÉRIA 28
A transcendência da obra de arte 28
As imagens na Arte Medieval 28
A Escultura Medieval 35
Alberti e Miguel Ângelo: Teorias da Arte no Renascimento 41
O Barroco e a obra de Bernini 52
O Êxtase de Santa Teresa 57
CAPÍTULO 2 – A ESCULTURA E O CORPO NO SÉCULO XX 61
A permanência da Escultura Comemorativa 61
Alberto Giacometti 74
L´Homme qui marche 77
CAPÍTULO 3 – A ESCULTURA NO “CAMPO EXPANDIDO” 85
A geneologia do campo expandido 85
Construtivismo Russo 89
Alexander Calder (Mobile Art) 100
Arte Conceptual 105
Joseph Kosuth 112
Dan Graham 118
Sol Lewitt 126
Arte Minimal 134
Donald Judd 150
Carl Andre 157
Richard Serra 163
Land Art 170
Fotografia e Escultura 184
A dimensão escultórica na obra dos Becher 184

CAPÍTULO 4 - A ACÇÃO NO SÉCULO XX 190


A acção no século XX 190
As modalidades da acção 198
A acção performativa na Escultura 202
CAPÍTULO 5 – A IMAGEM COMO ARTE 210
A arte e a imagem na sociedade 210
Rui Chafes 216
Durante o sono 225
Comer o coração 229
Pedro Cabrita Reis 235
CONCLUSÃO 247
BIBLIOGRAFIA 260
REFERÊNCIAS DA INTERNET 264
BIBLIOGRAFIA DAS IMAGENS 265
INTRODUÇÃO

Esta dissertação pretende tratar a dicotomia Peso/Leveza na relação com a


dicotomia Forma/Ideia. Estas dicotomias iniciam-se numa análise da matéria e da ideia que
pressupõem um objecto tridimensional, na sua essência escultórica, e progressivamente se
converte na sua própria desmaterialização, isto é, na predominância da ideia e,
consecutivamente, da leveza, a partir das abordagens artísticas no século XX.

A escultura pressupõe a realização de obras tridimensionais, obtidas a partir duma


matéria preexistente. Sendo uma das artes visuais, constitui uma arte mimética que
pressupunha a representação, segundo a temática do corpo humano, desde as
representações mais idealizadas da Idade Média, às mais realistas do Renascimento e à
aplicação do Pathos nas representações do Barroco, como poderemos constatar mais
adiante.

No primeiro capítulo, as imagens da Idade Média e, posteriormente a obra barroca


de Bernini são exemplos da materialidade aliada à emoção, aos sentimentos e sobretudo à
transcendência, sendo evidente a vertente imaterial da Ideia, e a vertente emocional
aplicada à escultura, que influencia a sua desmaterialização enquanto objecto físico.

A concepção da Ideia no Renascimento teve duas fases. Por um lado, para Alberti,
a Ideia significa o resultado final de uma experiência exterior, isto é, o artista só pode criar
uma obra mais bela que tudo o que existe na natureza, observando a própria natureza, mas,
como iremos averiguar em Miguel Ângelo, a Ideia passou a significar, como na concepção
Neoplatónica, uma representação interior, em que o artista alcança uma beleza superior à
da natureza.

No segundo capítulo, procede-se à análise da visão sequencial do pensamento


humano sobre o corpo e o modo de o representar. A obra de Alberto Giacometti constitui
um dos marcos fundamentais na escultura do século XX, e no modo de representar o
corpo, nomeadamente pela busca da leveza na escultura e a passagem e conjugação das
tecnologias tradicionais da escultura para as mais modernas. A escultura reduziu-se à perda
de corporalidade, estilizando a figura humana, retirando-lhe peso, alongando e estilizando
as proporções, ao ponto das esculturas darem a sensação de um desvanecimento.

7
A significativa diminuição da representação do corpo humano na produção artística
passou a ser uma realidade. Para Rosalind Krauss (1941), o termo escultura era constituído
por normas internas que pressupunham a sua tridimensionalidade, a representação
(figurativa) do corpo humano, a verticalidade e a presença do pedestral. O desvanecimento
da lógica de Monumento, a partir do século XIX, constitui um marco dessa transição,
visível na Estátua de Balzac de Auguste Rodin. Por outro lado, Brancusi foi considerado um
precursor da Arte Abstracta. O artista estava envolvido em dois mundos: o mundo material
e o mundo das ideias e vivia dessa relação, no sentido de que só a captação desta primeira
realidade torna possível a segunda - a Arte.

No século XX, a abstracção que dominou a representação do corpo humano


tornou-se na génese de muitas abordagens artísticas e manifestos, que serão abordadas no
terceiro capítulo. A própria lógica da escultura passou a desenvolver-se no plano horizontal
(queda do pedestral), em vez do vertical, acrescentando-lhe a impermanência da escultura
num determinado local.

O Construtivismo Russo, apesar de ter sido um movimento vanguardista,


ideológico e revolucionário, internacionalizou-se e inovou na componente técnica. A
escultura construtivista habitava num espaço sem gravidade, continha uma leveza visual,
que ia de encontro à própria leveza da ideia, relacionada com o espaço, a linha e o plano
que caracterizavam a estética construtivista. Vladimir Tatlin, Naum Gabo e Alexander
Rodchencko são três artistas construtivistas incontornáveis que desenvolveram a escultura
de uma forma abstracta e geometrizada. As esculturas de Rodchencko eram suspensas de
modo assimétrico, e eram encaradas, em alguns casos, como os primeiros mobiles que foram
desenvolvidos de forma mais intensa por Alexander Calder. Os mobiles representaram a
leveza, maleabilidade e flexibilidade, isto é, o movimento físico da escultura, um
movimento espontâneo devido ao mero deslocamento do ar, estando também interligado à
acção do próprio corpo do espectador.

O progressivo desaparecimento do corpo na produção artística potenciou outras


linguagens formais e, sobretudo, conceptuais – nas quais o conceito e a ideia prevalecem
sobre a própria forma, furtando-se à representação. A Arte Conceptual, a partir do legado
de Marcel Duchamp, encarou o objecto como um mero instrumento de desencadeamento
de ideias, a partir do momento em que é considerado arte, substituíndo a concepção de
obra de arte tradicional; existiu uma mudança de origem do significado da escultura, neste
caso, para o exterior, uma profunda articulação fenomenológica com o espectador. Os

8
trabalhos de Joseph Kosuth, Dan Graham e Sol Lewitt estão inseridos nesta prática
artística, que veio a influenciar toda a Arte na Pós-Modernidade.

No contexto da Arte Minimal, Donald Judd, Carl Andre e Richard Serra


deslocaram a interioridade da obra de arte para a exterioridade dos objectos. A ausência de
projecção psicológica, ou excessiva subjectividade, era o objectivo, no qual o que se vê é “o
que lá está”, de modo a terminar com o interior da obra e do sujeito (individual) e com o
carácter singular, privado e inacessível, da experiência. Os objectos específicos vieram ditar o
fim da dimensão expressiva do artista, e dar destaque à experiência estética do espectador,
potenciada pela encenação espacial dos objectos. Pretende-se uma experiência desligada da
atribuição de significados ou interpretações a partir de uma morfologia geométrica e
universal destes objectos.

A escultura na Pós-Modernidade, como defende Krauss, enfrentou uma crise de


identidade, particularmente porque não era fácil identificá-la. A sua identificação assentava
num processo de negação, de modo a objectivar uma definição de escultura. Nos anos de
1960, tornou-se mais complexo a clarificação desta definição, caracterizada por dois pares
de combinações, a saber, arquitectura/não-arquitectura e paisagem/não-paisagem. Deste
modo, criaram-se três tipologias para as quais a escultura se tinha expandido: estruturas
axiomáticas (espaço real da arquitectura), local específico ou site-specific e Marked Sites. A
Land Art insere-se na tipologia dos Marked Sites que englobam intervenções no espaço da
paisagem, utilizando materiais do local selecionados pelo artista, conferindo-lhe um carácter
efémero através das marcas não-permanentes. A obra de Robert Smithson, Christo e
Jeanne Claude e Richard Long são exemplos nos quais a captação e apresentação da
experiência se realizada através da fotografia e, no caso de Smithson e Long, por meio da
simultânea apresentação de elementos materiais retirados do espaço e apresentados na
galeria.

Quanto ao papel da fotografia, o casal Becher considerava-a como algo que podia
transformar num material estético autónomo, elevando-o ao estatuto de escultura. O
debate do conceito de desmaterialização do objecto artístico pelos historiadores e críticos,
que se tem vindo a acentuar na arte contemporânea, a partir da década de 1970, constitui o
foco do quarto capítulo. O esbatimento das fronteiras tradicionalmente traçadas entre as
várias artes e, em simultâneo, as potencialidades das novas tecnologiasm impulsionaram as
novas abordagens artísticas baseadas no corpo - o tema primordial da escultura durante

9
vários séculos. A arte já nao se restringia a um objecto, podia ser imaterial, algo tão
temporário que poderia ser visto apenas durante um curto período de tempo.1

A exaltação da espontaneidade e do individualismo na criação, e/ou anti-criação,


como defendiam as declarações dos dadistas de non sense e antiarte, e os ready-mades de
Marcel Duchamp, legitimaram a concepção da arte que engloba tudo o que o artista faz e
afirma como tal.

A fotografia e o vídeo tornaram-se, muitas vezes, na própria obra de arte, e os


artistas escolheram trabalhar quase exclusivamente com meios tecnológicos, a partir dos
quais os objectos tendiam a anular a sua tridimensionalidade. O conceito de arte deixou de
se restringuir ao objecto, e o acto criativo tornou-se, muitas vezes, a própria obra. A body
art, happening e performance englobam esta vertente efémera e sobretudo a anulação do
objecto tridimensional. As performances de Joseph Beuys são um dos exemplos mais
significativos, pois aliou a escultura a uma vertente simbólica, espiritual e mística, na qual o
corpo se tornou um objecto escultórico documentado e apresentado ao espectador através
de meios como a fotografia e o vídeo, que se tornaram mediuns priveligiados da escultura.
Richard Serra aliou as suas esculturas, com centenas de toneladas, à tecnologia do vídeo
que documentava as suas performances.

Por fim, no quinto capítulo, será abordada a imagem no contexto da arte. Nos anos
de 1990, e a partir da utilização da fotografia e do vídeo que as tornou nas duas formas de
expressão, a imagem suportada nessas novas tecnologias visuais e audiovisuais, passou a
influenciar a escultura. Estas inovações tecnológicas e artísticas, acompanham as
metamorfoses da própria sociedade, reflectidas nas formas de abordar a arte, a partir da
imagem que permitiu a possibilidade da existência de cópias e reproduções. Neste sentido,
Walter Benjamin defende que a reprodução das obras de arte despojam-nas da sua aura,
autenticidade e verdade. A reprodução das obras de arte, executadas por Marcel Duchamp,
assim como, a apropriação, simulação e o movimento Pop, reproduziram obras ou
ícones/imagens, ao ponto de viverem da sua imagem artificial e fictícia, simulando mundos.
A imitação da exterioridade apenas captava a sua morfologia, deixando escapar o sentido,
significado e essência original, que constitui a verdadeira totalidade da obra.

No caso da escultura portuguesa contemporânea, a obra de Rui Chafes evidencia,


neste aspecto, uma negação do corpo e da própria matéria, negando-se a ela própria,

1 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental. Lisboa
: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1092.

10
assumindo-se como imagem, a partir de uma profunda desmaterialização do objecto. Neste
contexto, a escultura, passou a viver da sua imagem. A forma e a existência material das
esculturas perderam relevância e destaque. Por esse motivo, as esculturas são negras,
anulam a sua própria forma, de modo a que o espectador absorva apenas uma “ideia-
lembrança”, funcionando o objecto como uma “imagem”, num processo estético semelhante
ao da imagem sacra.

Na obra de Pedro Cabrita Reis a imagem é fundamental enquanto ponto de partida


da produção artística, visto que o seu processo assenta num pensamento visual totalizador:
sendo a vida uma passagem do tempo e o meio onde se cultiva a memória (imagem), a que
dá origem à arte, neste caso à reconstituição das suas vivências/memórias. Essa imagem é
uma imagem mental, e vivencial, transposta para a escultura a partir de uma grelha
simbólica/metafórica e conceptual, desenvolvida pelo espectador na experiência estética,
por meio dos “modelos ficcionais”. A dicotomia peso/leveza fundamenta-se no peso
material inevitável dos seus “modelos ficcionais”, aliados à vertente imagética,
relacionando-se com uma encenação desses modelos que evocam, muitas vezes, momentos
cruciais da própria História da Arte.

11
Escultura, Peso e Forma

Para Cícero (106 a.C – 43 a.C), filósofo e escritor romano, Arte designa uma
maneira de ser ou de agir, a habilidade adquirida através do estudo ou da prática, um
conhecimento de natureza técnica. Daqui advém a ideia de Arte, de “trabalho” e de
“obra”.2

Especificamente, a Escultura é uma forma artística em que os materiais são


transformados em obras de arte tridimensionais.3 Assim, “Do latim sculptura,
etimologicamente significa talhar, gravar em função da realização de obras tridimensionais,
obtidas a partir duma matéria preexistente a que vulgarmente se chama bloco, sobretudo
quando se trata da pedra.”4

A Escultura pressupõe a organização de massas ou volumes, tendo em


consideração os planos, contornos, luz, sombra e texturas.5 Abrange a estatuária (escultura
de vulto) e o relevo, que é inseparável da Arquitectura, dividindo-se em alto e baixo-relevo.6

Com um valor cultural intrínseco, caracterizava-se por ser uma arte mimética, que
pressupunha a representação, segundo a temática do corpo humano, proporcionando uma
visão sequencial do pensamento sobre o corpo e o modo de o representar 7, e, deste modo,
o conhecimento e o estudo anatómico constituía a base ou o alfabeto da escultura.8

O antigo termo grego mimesis traduz a noção de imitação e, mais do que a “fiel
reprodução da natureza”, ou “cópia fiel da realidade”9, revela-se também equivalente às
noções de criação, “representação” e “expressão”.10 Ainda assim, como cópia, a imitação
consiste numa reprodução da realidade natural, do objecto “tal como ele é”.11

2 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 30.
3 ROGERS, Leonard R. - Sculpture in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/530179/sculpture>[consulta em 05.11.2014].
4 PEREIRA, José Fernandes - Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,

p. 227.
5 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967. p. 3.
6 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e

gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 167.


7 PEREIRA, José Fernandes - Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,

p. 227.
8 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 10.
9 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa

da Moeda, 2000, p. 14.


10 Ibid., p. 16.
11 Ibid., p. 12.

12
Para Aristóteles (384 a.C – 322 a.C), a imitação é o congénito do Homem e, de
todos os seres, o Homem é o mais imitador. Através da imitação adquire-se conhecimento.
Deste modo, a Arte rege-se pelo princípio da imitação, que num processo de
aprendizagem, um bom imitador é um bom artista, no sentido em que quanto melhor for a
imitação do real, melhor é o artista. Mais do que a verdade, a Arte deveria procurar a
verosimilhança (obra que parece o objecto representado), visto que o que é verosímil é mais
verdadeiro que o próprio objecto, pela coerência, boa execução e
convencimento/reconhecimento de quem observa. A maneira de representar contribui
para a evolução do conceito de belo e, se estiver bem executado e o mais fiel possível,
acaba por transformar qualquer tema ou representação desagradável numa coisa agradável
pela apreciação e, sobretudo, pelo consequente reconhecimento, que pressupõe o
referente.12 O artista e a sua habilidade tornam-se mediadores essenciais na transformação
da matéria em algo agradável aos nossos olhos. Neste contexto, o artista não produz uma
pura e simples réplica do objecto, mas, sim, um equivalente “diagramático” ou
“estrutural”.13 Isto significa que, como Aristóteles defendeu, que se reúne num único
objecto o que se encontra disperso em vários, no sentido de atinguir o belo, neste caso, o
Belo Reunido. Assim se desenvolve a noção de mimesis grega, dentro da qual o artista não é
um simples copiador ou imitador da natureza, mas também o seu “adversário”, corrigindo,
pelo seu poder criador, as inevitáveis imperfeições da natureza.14 A noção de escala
também se relaciona com a noção de belo visto que, para Aristóteles, a escala adequada é a
humana, pois, fora dela, o nosso olhar perde a noção do conjunto, já que os olhos não a
conseguem apreender.

A sua incontornável tridimensionalidade faz com que a escultura se afirme como


uma arte visual que, graças à presença da matéria, originava estímulos tácteis.15 Escultura é
sobretudo matéria, peso e espaço ocupado.

A Matéria, antes de mais, consiste na substância material/palpável que constitui o


universo observável e a base de todos os fenómenos objectivos.16 Os materiais disponíveis
para uso do escultor são muitos e incluem uma grande variedade de substâncias orgânicas.

12 YEBRA, Valentín García - Poética de Aristóteles. 5ª ed. Madrid : Editorial Gredos, 201, p. 503.
13 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
da Moeda, 2000, p. 12.
14 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 20.
15 PEREIRA, José Fernandes - Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,

p. 227.
16 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Matter in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em

WWW:<http://www.britannica.com/EBchecked/topic/369668/matter >[consulta em 05.11.2014].

13
Existem dois grupos de materiais: os permanentes (pedra e madeira, que se esculpe
directamente até obter a forma final; e metal – no caso da fundição) e os impernanentes
(que são alterados na forma ou destruídos como os plásticos e cera, habitualmente para
moldes). Cada substância tem a sua cor individual, textura e dureza, e possui capacidades e
limitações, determinadas pelas suas características físicas.17

Os escultores começaram a trabalhar em barro, argila, ou cera, isto é, em materiais


muito flexíveis, e passaram depois a trabalhar em madeira, marfim e, posteriormente, em
pedra.18 Os materiais utilizados na escultura são substâncias geralmente duras e, muitas
vezes, com bastante peso,19 visto que a escultura era sinónima de durabilidade e
posteridade.

Peso, do latim pondus, define um corpo de qualquer peso determinado.20 É uma


consequência da lei da gravidade universal e é o produto da massa de um objecto.21
Aplicado à escultura, o peso da matéria sólida é uma afirmação do volume, do efeito de
massa que gera equilíbrios, sem os quais a obra perde o seu sentido e, materialmente, se
esvai. O peso estava adjacente ao material da escultura que, por sua vez, pressupõe a
técnica. A produção escultórica relaciona-se precisamente como acto de tornar visível e
observável, o que implica sempre a presença de matéria e de algum peso.22

As esculturas eram produzidas pelo processo de modelação ou pelo acto de


esculpir,23 e o grande escultor tanto esculpia como modelava.24 A técnica de modelação
implicava o acrescento de matéria e de peso, enquanto o método clássico de esculpir
pressupunha o retirar de matéria, o retirar do bloco maciço o que está a mais, e, desse
modo, retirar-lhe peso.25 Ainda assim, apesar de retirar peso à matéria, com a técnica da
subtracção, a escultura ainda possuía muito peso, graças às suas características,
particularmente no caso da pedra. Como afirmava Miguel Ângelo (1475-1564), e segundo a

17 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 3.
18 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e
gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 168.
19 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 4.
20 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e

gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 293.


21 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Weight in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/638947/weight>[consulta em 05.11.2014].
22 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional

Casa da Moeda, 2004, p. 114.


23 PEREIRA, José Fernandes - Tecnologias da Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :

Caminho, 2005, p. 571.


24 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 5.
25 PEREIRA, José Fernandes - Tecnologias da Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :

Caminho, 2005, p. 571.

14
teoria neoplatónica, era retirado o que estava a mais da matéria e deixava-se o suficiente
para a forma estar completa e perceptível. O Peso, enquanto característica da matéria, é o
que faz a forma existir. Deste modo, estabelece-se uma relação de dependência entre
matéria e forma, na qual o peso é o ponto intermédio.

A palavra Forma, do latim forma, consiste na vista, aparência, disposição ou feição


exterior de um corpo. Os filósofos consideram a forma como sinónimo de essência. Em
escultura, a forma é tangível, visível, e o principal elemento da organização.26 Na linguagem
das Belas Artes, aplica-se principalmente à figura humana, e é comum a todos os ramos do
desenho.27 Deste modo, “A matéria de qualquer composto não é activa senão pela rasão da
forma”.28 A forma, enquanto manifestação sob a matéria da escultura, incidia no corpo
humano, sobre o qual recaiam as mais atentas observações e representações. Neste sentido,
segundo Machado de Castro (1731 – 1822), as formas extraídas da natureza são as mais
belas que existiam.29

Foi ainda Aristóteles (384 a.C -322 a.C) o primeiro a distinguir matéria e forma.
Cada objecto sensível contém matéria e forma, sendo que não pode existir uma sem a
outra. A matéria é o elemento primordial, na doutrina da “potência” e do “acto”, e é a
partir dela que as coisas se desenvolvem. Quando uma coisa existe, é matéria, e a forma é o
arranjo ou organização desse elemento, o seu resultado exterior; isto é, a matéria é algo que
potencialmente se pode tornar outra coisa, e é a forma que determina aquilo em que se
pode tornar. A matéria é um determinado objecto, que efectivamente só se torna objecto
quando lhe é dada a forma concreta.30 Aristóteles interessa-se pela natureza e pelos seus
processos físicos e, apesar de se apoiar na razão, valoriza também os sentidos, o que faz
com que a realidade também seja o que percepcionamos ou sentimos. Ademais, o que está
na alma dos homens é apenas o reflexo da natureza. Deste modo, a forma artística está
deduzida nas mãos do artista, pois o que concede a originalidade é o conhecimento manual,
isto é, o acto de fazer e de se relacionar com a matéria e com a própria natureza.

Para o filósofo, tudo é produto do suporte e da forma, o que significa que o


produto da natureza, ou da mão do homem, provém de uma forma específica, que penetra

26 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Form in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].
27 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e

gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 189.


28 Ibid., p. 335.
29 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 61.
30 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Form in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].

15
numa matéria determinada. A única diferença entre as obras de arte e as produções da
natureza é que a sua forma, antes de penetrar na matéria, reside na alma humana: “É um
produto da arte tudo aquilo cuja forma reside na alma.”31

É sob a influência dessa definição aristotélica da Arte que se operou livremente a


identificação da representação artística e da Ideia, uma vez que Aristóteles aplicou a
denominação platónica “eidos” à “forma” e, mais particularmente, à “forma interior”,
presente na alma do artista e, depois, transferida para a matéria, graças à sua actividade.32
Por outras palavras, a forma da obra de arte preexiste na alma do seu criador, antes de
penetrar na matéria.

Para Aristóteles, a forma pura que reside na alma é indivisível, em contraposição à


forma encarnada na matéria, isto é, tudo o que é constituído de forma e de matéria
decompõe-se em elementos materiais; por sua vez, o que não está unido à matéria não se
decompõe. Assim, a forma representa algo de melhor e de mais divino, em relação à
matéria.33 Apesar disso, recusa-se a considerar a matéria como um mal, visto que tem
potencialmente uma aptidão à perfeição da enformação, assim como o “eidos” detém, em
“acto”, a perfeição da forma. Deste modo, a matéria atrai a forma como o seu
complemento.34 A técnica de “subtracção”, em que se retira o que é excessivo da matéria-
até que subsista apenas a forma na sua aparência-, provavelmente tem raízes na doutrina
aristotélica da “potência” e do “acto”.35 Queremos com isto dizer que a estátua já existe em
“potência” no bloco, antes do artista começar a trabalhá-lo, tal como a ideia do artista
existe também em “potência” no bloco sendo que, o que o artista faz ao esculpir, é
simplesmente descobrir o que já estava contido na pedra, dando peso e visibilidade à sua
ideia. Dito de outro modo, a Ideia da obra preexiste “em acto” no artista, como a obra de
arte está contida “em potência” na pedra.36

O artista é o que trabalha numa arte, na qual o génio e a mão devem concorrer. 37 O
génio era um dom natural ou divino38, ou uma designação de um artista quando o seu

31 Aristóteles Cit. por PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins
Fontes, 1994, p. 22.
32 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 23.
33 Ibid., p. 28.
34 Ibid., p. 29.
35 Ibid., p. 172.
36 Ibid., p. 117.
37 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional

Casa da Moeda, 2004, p. 66.


38 Ibid., p. 87.

16
produto é exemplar e merece ser imitado, como afirma Immanuel Kant (1724 – 1804).39
No fim da Idade Média, mais do que ao “nascimento do artista”, assiste-se à concepção de
artista na sua qualidade de intelectual. Os artistas não pretenderam impor-se directamente
como categoria social, mas conseguiram-no através de uma nova definição de Arte, e da
obra de arte, encarada agora na junção da sua relação manual com a do espírito.40

No pensamento da Antiguidade, concebiam-se duas ideias relativamente à Arte. Por


um lado, concebia-se que a obra de arte era inferior à natureza, uma vez que não fazia mais
do que imitá-la na matéria, alcançando, na melhor das hipóteses, a sua ilusão; por outro, a
obra de arte era superior à natureza, uma vez que, corrigindo as falhas das produções da
natureza, a obra de arte opunha, com plena independência, uma imagem renovada de
beleza,41 aplicada através do Belo Ideal ou Reunido. Neste contexto, “a imaginação é mais
artista que a imitação”, visto que, tal como afirmou Cícero, a imitação representa o que vê e
a imaginação o que não vê.42

Desde o início, a Arte surge como uma modalidade específica do tratamento do real
através do simbólico, no qual a componente imaginativa e ideológica estavam activas,43 do
mesmo modo que a técnica e a forma sempre foram meios relevantes na criação da obra de
arte.

Actualmente, todos esses termos, e os restantes relacionados com a produção


escultórica, deixaram de ter o mesmo significado e a mesma aplicação na escultura. Deixou
de ser um termo fixo e com limites estabelecidos, visto que mudou e ampliou
continuamente a gama das suas actividades e, com o desenvolvimento de novas linguagens,
que iniciam a ruptura com o conceito de obra de arte, as esculturas passam à denominação
de objectos,44 alterando os temas, o modo de representar, os materiais e,
consequentemente, o seu peso. O predomínio da intelectualidade na produção dos
objectos, a forma e a técnica tradicional passaram a ser meios, de certa forma irrelevantes,
no que diz respeito à essência da finalidade dos próprios objectos. O objecto da produção
artística foi-se modificando de uma realidade exterior e perceptível para uma representação

39 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 141.
40 Ibid., p. 84.
41 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 18.
42 Ibid., p. 21.
43 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional

Casa da Moeda, 2004, p. 62.


44 ROGERS, Leonard R. - Sculpture in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em

WWW:< http://www.britannica.com/EBchecked/topic/530179/sculpture>[consulta em 05.11.2014].

17
interior e mental, interligando-se com a filosofia, que se mostrou igualmente disposta a
reconduzir cada vez mais o princípio do conhecimento à Ideia.45

Escultura, Leveza e Ideia

Durante a História da Arte, o apuro técnico ou a qualidade de execução foram


frequentemente considerados como os aspectos mais importantes para avaliar a qualidade
da obra de arte e, nesse sentido, a qualidade definia-se pela técnica, apesar de que a
Escultura exigiu sempre vastíssimos estudos teóricos e práticos.46 No começo do século
XX, a escultura foi-se questionando a si própria e à sua linguagem. Conceitos como beleza,
qualidade e originalidade, deixaram de estar vinculadas a figuras de mármore, de
proporções perfeitas, mas também às ideias relacionadas com o seu suposto conteúdo,
assim como à avaliação do êxito da comunicação visual desse mesmo conteúdo.47

Com o Abstraccionismo, a percepção e representação do corpo alteraram-se


profundamente. Em meados do século XX, a orientação espacial da escultura, rendida à
horizontalidade, a diminuição da sua escala, que a aproximou do observador e,
posteriormente, a eliminação do seu carácter maciço, alcançaram uma linguagem plástica,
dinâmica e, sobretudo, técnica e inovadora. Com a conceptualidade, a arte focou-se na
Ideia e no conceito. Abrangeu não só a produção artística, como também a própria
comunicação com o observador; este passa a ter um papel mais “activo”, activando a
dimensão inteligível da arte. A partir desta concepção, o papel do observador começa a
alterar-se significativamente.

Com o Minimalismo, a comunicação do objecto com o observador, foca-se numa


experiência estética, activa, que faz antever todas as concepções Pós-Modernistas, desde a
Land Art até às práticas artísticas actuais. A própria desmaterialização, desde a II Guerra
Mundial, foi evidenciada pelas Artes Performativas na substituição do objecto pelo gesto,
como veículo da significação expressiva.48

Neste contexto, novos géneros artísticos questionaram e alterara m o conceito


histórico de escultura, que não dispensava o acto de fazer, mas também o de pensar, cuja

45 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 21.
46 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 43.
47 PEREIRA, José Fernandes - Tecnologias da Escultura in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :

Caminho, 2005, p. 571.


48 SCHAD, Robert - Da Leveza da Matéria. Porto: Fundação de Serralves, 1997. p. 22.

18
importância foi gradualmente inserida e contrabalançada na Arte Contemporânea. O acto
de pensar e a Ideia passaram a ser fundamentais. Por outras palavras, a Arte já não ocupa o
lugar que ocupava antes, visto que a reflexão tomou o primeiro lugar e transformou-a num
puro tema mental.49 Tem havido uma preocupação maior com a Ideia do que com as
realidades da produção,50 que contrasta drasticamente com o passado, visto que desde
sempre foi dada relevância à “mão que fazia a arte”.51 A Arte deixa-se definir como
conceito, não tanto pelos seus objectos e produtos, mas, sobretudo, pelas regras e
processos artísticos, pela prática e especulação que lhe são próprias. Deste modo, a filosofia
substitui o fundamento na obra-prima, que demonstra a habilidade (mental) do seu autor.52
Comparativamente com o peso “bruto” da matéria, a leveza do pensamento tornou-se na
base da Arte Conceptual, da Arte Processual, e até das Artes Performativas, como a Body
Art, a Performance e o Happening. Fotografias, vídeos e esculturas “efémeras” evidenciaram a
leveza, e até a instantaneidade, que contrastava com o peso da matéria e com a
“eternidade” das esculturas clássicas.

Ideia, do latim Idea, em rigoroso sentido filosófico, quer dizer, simples


representação de alguma coisa no espírito, a noção que o espírito forma dessa coisa. Em
sentido mais lato, e artístico, significa modelo, desenho, pensamento, projecto de uma obra
de arte, quer seja apenas imaginada, e concebida no espírito, ou esteja delineada sobre papel
ou representada em vulto.53

Idealismo consiste em qualquer visão que destaca o papel central do ideal ou do


espiritual na interpretação da experiência. O mundo, ou a realidade existem essencialmente
como espírito ou consciência, em que as abstracções e as leis são mais importantes do que
as coisas sensoriais. O idealismo defende que um assunto pode ser explicado através das
ideias que residem na mente, mas que a mente não pode ser explicada pela matéria. Em
sentido metafísico, o idealismo é oposto ao materialismo, que sustenta a visão de que a
substância básica do mundo é a matéria, conhecida pelas suas formas e processos.54 Em
Belas Artes, há dois sistemas que dividem os artistas: os que adoptam uma concepção da
Arte conforme o seu modo de ver e de sentir, e subjectivamente, chamam-se

49 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 15.
50 Ibid., p. 47.
51 Ibid., p. 51.
52 Ibid., p. 43.
53 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e

gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 220.


54 ROBINSON, Daniel - Idealism in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em

WWW:<http://www.britannica.com/EBchecked/topic/281802/idealism>[consulta em 05.11.2014].

19
genericamente idealistas; e os que escolhem seguir a Arte segundo a verdade da natureza,
ou, objectivamente, adoptando uma posição mais ou menos realista.55

Na obra de Marco Túlio Cícero, a Ideia não se pode atingir pela experiência, mas,
pelo espírito. A ideia não pode ser apreendida pelo olhar na sua perfeição total, mas existe
como uma simples imagem mental, na interioridade do artista. Por isso, refere que
podemos imaginar esculturas mais belas que as de Fídias, que, no seu género, “são o que há
de mais perfeito”; é no espírito que reside a representação sublime de beleza; isto quer
dizer que fixa no espírito uma forma de uma Beleza superior, da qual a sua mão procura
reproduzir a semelhança, tornando-a um modelo pelo qual se direcciona a Arte.56 Assim,
esse escultor imitou mais a Ideia do que a natureza.57 Aplicado também à Pós-
Modernidade, o espectador não podia deter-se apenas no que o objecto suscita, e deve ir
para além dele, ir até à própria ideia, que reside, ou mais adequadamente, no espírito.

Para Platão (428 a.C - 348 a. C.), a Ideia é aquilo para que o artista olha, com o fim
de executar a obra que projectou, mas é indiferente que esse modelo seja exterior a ele, e
que ele possa dirigir-lhe o seu olhar, ou, ao contrário, que lhe seja interior, como algo que
ele próprio concebeu e produziu.58

A designação de Forma foi explorada diversamente na História da Filosofia e da


Estética. O conceito Platónico da Forma foi derivado da teoria de Pitágoras, em que as
estruturas inteligíveis, e não os elementos materiais, dão aos objectos o seu carácter
distintivo. Deste modo, a desvalorização do corpo, enquanto impureza, e dos sentidos
enganadores, conduziam ao acorrentamento da alma na “prisão corpórea”, em contraste
com as imutáveis essências ideais, as quais constituem uma espécie de purificação.59 Platão
desenvolveu a sua teoria assente no conceito de “forma eterna” (eidos), pela qual a essência
imutável só pode ser participada por coisas materiais ou sensíveis; considerou que a “forma
eterna” constitui a realidade, por oposição ao conhecimento sensível.60 Deste modo, a
realidade para Platão está no que pensamos, e o que vemos na natureza é um reflexo do
que existe no mundo das Ideias, que reside na alma dos homens. Por outras palavras, as

55 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e


gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 221.
56 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, pp. 15-16.
57 Ibid., p. 146.
58 Ibid., p. 25.
59 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa

da Moeda, 2000, p. 122.


60 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Form in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].

20
Ideias perfeitas são o extracto da realidade, enquanto que o sensível, ligado aos sentidos, e
que nos é dado pelo corpo, sendo, no entanto, um elemento que dá acesso ao
conhecimento das Ideias puras, através da teoria da amnese, em que a alma através da
verosimilhança entre a imagem e a forma realiza o processo gnoseológico.

Neste sentido, existem dois mundos, segundo Platão: o mundo das Ideias, onde a
Ideia tem uma existência eterna, pura e perfeita, e se encontra contida apenas na Razão que
conduz ao conhecimento, e o mundo sensível, onde os sentidos apreendem as coisas
materiais, apenas parcialmente, visto que não permanecem muito tempo num único e
mesmo estado,61 “turvando” as Ideias puras das coisas. A harmonia entre corpo e espírito
não existe para Platão (sob influência da teoria órfica) e este último, quanto mais livre
estiver dos sentidos, mais será capaz de contemplar as Ideias Puras; isto é, defende a busca
de uma vida que não valorize excessivamente os sentidos, libertando o espírito para a
contemplação das Ideias, sendo que tudo o que está abaixo das Ideias, e do mundo ideal, é
falso. A crítica platónica censura as Artes, por fixarem continuamente o olhar interior do
homem nas imagens sensíveis, que lhe impedem a contemplação do mundo das Ideias;
enquanto imitações do mundo sensível, as obras de arte são desprovidas de uma
significação mais elevada, espiritual, ou, se preferirmos, simbólica; enquanto manifestações
da Ideia, elas estão privadas da sua finalidade e da sua autonomia próprias, e tudo se passa
como se a teoria das Ideias, para não ter de abandonar o ponto de vista metafísico, que é o
seu, se visse obrigada, em ambos os casos, a refutar a obra de arte.62 Por exemplo, a obra de
Rui Chafes, escultor contemporâneo, parece ainda assentar neste ideal da beleza e do
sublime, recuperando a beleza, enquanto realidade imaterial, ou sentimento despertado pelo
objecto, a partir do qual se dá essa ascensão de uma dimensão material a uma dimensão
imaterial.

A Arte supõe uma forma de inteligência, e de razão, paradoxalmente ligadas à


mimesis, como defendeu Platão na República. Para Platão, a Arte é imitação, implicando
uma fraude, visto que as artes imitativas apenas produzem imagens, e não “autênticas
63
realidades”. Uma imagem para ser imagem não pode “reproduzir tudo tal e qual aquilo
que imita”, porque nada se pode representar em plenitude; não faz sentido afirmar que
existem as mesmas propriedades entre imagem e objecto imitado, visto que, imitar, no

61 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 16.
62 Ibid., pp. 33-34.
63 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional

Casa da Moeda, 2004, p. 33.

21
sentido de “fazer imagens de [alguma coisa]” não consiste em reproduzir, em “duplicar”.64
Se as coisas do mundo sensível são cópias das “ideias”, e o artista é um imitador destas
coisas, encontra-se a dois graus de distância da verdade. A mimesis é, então, considerada
uma transposição da natureza, na forma da representação artística, como uma transposição
inadequada, no sentido de uma relação de valor descendente, do modelo à cópia.65

Na cultura helenístico-romana começou a despontar a Ideia de uma beleza


residente na mente do artista e, deste modo, a Arte não era imitação de factos e objectos
externos, mas da pura forma Ideal. Já para os Gregos do Período Arcaico, a noção de
mimese não indicava a reprodução e o reflexo do real, mas era concebida com referência a
um conjunto de “valores sabidos”, geralmente partilhados, conhecidos ou magicamente
pressupostos. A imitação devia superar o modelo, suprir as suas imperfeições e
insuficiências, e formar, na matéria, uma cópia correspondente à forma pura ou essência
ideial, presente na alma do artista.66

A imagem interior ideal, inscrita na mente do escultor, vai de acordo com o


Neoplatonismo, que pressupõe que o termo imitação é a imitação da Ideia, de uma pura
imagem interior e não da natureza. Para Platão, a imitação de um objecto real não pode
produzir nada de Belo, já que os “corpos” do mundo material constituem a mais imperfeita
emanação do “Primeiro Princípio” do Universo; por sua vez, a imitação da Ideia, realizará a
Beleza, enquanto participação no mundo das puras essências imutáveis. Esta tendência
depois foi seguida por Agostinho, na medida em que a beleza não pertence tanto às coisas,
mas tem a sua sede no espírito do artista, que a transpõe para a matéria.67

A capacidade da Arte de superar a natureza, corrigindo as imperfeições dos


objectos reais, foi evidenciada na tradição Renascentista como no Classicismo, e demonstra
a inferioridade da Arte, perante um modelo interior ideal,68 assim como demonstra a
imitação sábia da natureza reunida.69 Neste sentido, a beleza artística é superior à beleza
natural, visto que é mais “selectiva” e “correctiva”.70 Machado de Castro referiu no seu
Dicionário de Escultura que não há um indivíduo que, em todas as suas configurações, seja

64 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
da Moeda, 2000, p. 18.
65 Ibid., p. 17.
66 Ibid., p. 23.
67 Ibid., p. 13.
68 Ibid., p. 14.
69 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 49.
70 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa

da Moeda, 2000, p. 14.

22
totalmente perfeito, de modo que os artistas escolhiam e esboçavam, em diversos pontos
de vista, as partes que eram mais belas de cada corpo, para, depois, encontrar as partes
restantes noutro corpo que se complementem e, assim, proceder ao seu registo. Este
método denominou-se de “Bello-Ideal ou Bello Reunido”71, que é um fruto do espírito.72 Para
Platão, o artista não é o imitador do mundo sensível, visto que é enganador e falso;73 o
artista é aquele cujo espírito encerra um modelo prestigioso de beleza, para o qual ele pode,
como verdadeiro criador, voltar ao seu olhar interior e, embora a perfeição total desse
modelo não possa passar para a obra no momento da criação, deve revelar uma beleza que
é algo mais que a simples cópia de uma “realidade”.74

Para Giovanni Pietro Bellori, as primeiras formas são as Ideias, tanto que cada
designação foi expressa a partir dessa primeira Ideia, e assim formou-se o “tecido das coisas
criadas”75. Os escultores, formam nos seus espíritos, um modelo de beleza superior e, sem
afastá-lo dos olhos, emendam ou corrigem a natureza. Assim, a noção de Ideia está
animada pela imaginação, torna-se na origem da Arte e da medida da mão que executa, para
além de dar vida às imagens. Deste modo, a Ideia constitui a perfeição da beleza natural,
rivalizando e ultrapassando até mesmo a natureza, visto que as obras Belas são realizadas
num determinado ponto que a natureza nunca atinge.76

Do mesmo modo, para Imanuel Kant, filósofo alemão, a forma era uma
propriedade da mente, considerando que a forma é derivada da experiência e é imposta
pelo indivíduo sobre o objecto material77, sendo a forma uma condição a priori da
experiência.78 As faculdades requeridas pelas Belas Artes, a imaginação, o intelecto e a alma
encontram no gosto, a sua união, sendo o talento natural do artista constituído pela
imaginação, pelo intelecto e pela alma.79 A imaginação é criadora e põe em movimento a
faculdade das ideias intelectuais (a razão)80: “[…] Funciona através da promoção de
“imagens” mentais que repetem a experiência já vivida e organizam ou antecipam o que

71 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, pp. 32-33.
72 LIMA, Henrique Ferreira de - Joaquim Machado de Castro, escultor conimbricense : notícia
bibográfica e compilação dos seus escritos dispersos. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925, p. 232.
73 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 16.
74 Ibid., p. 17.
75 Ibid., p. 143.
76 Ibid., p. 144.
77 SAFRA, Jacob E. (dir.) - Form in Encyclopedia Britannica. 2014. [Em linha] Disponível em WWW:<

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/213675/form>[consulta em 05.11.2014].
78 KANT, Immanuel – Crítica da Faculdade do Juízo. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998,

pp. 211-215 (§46-48).


79 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa

da Moeda, 2000, p. 130.


80 Ibid., p. 129.

23
não é experimentável ou não foi ainda experimentado.”81 Só na união entre intelecto e
sensibilidade é que é possível determinar os objectos, que pressupõem uma forma.82 Por
outro lado, a actividade do génio requer um processo de aperfeiçoamento destinado a
adequar a forma ao conceito sem prejudicar as faculdades da alma.83 Para Kant, o génio ou
a “sensibilidade artística activa” é um talento com duas faces, que vai buscar à natureza a
predisposição inata para conciliar a imaginação e o intelecto, segundo um “impulso
harmónico” e, através do gosto, sem perder de vista o conceito do que deve ser a obra, esta
é adequada a “condições socioculturais”, capaz de garantir a sua comunicabilidade
universal.84 Defende também que as faculdades da imaginação e do intelecto são próprias
da experiência estética.85 O acesso à ideia, cujo próprio nome remete para o acto de ver,
como escreveu Starobinski,86 também se interliga com a Imagem.

A definição de Imagem, do latim imago, é uma figura, representação, semelhança,


ordinariamente de forma humana, desenhada, pintada, esculpida, gravada ou fundida em
metal. Por imagem, entende-se alguma figura ou objecto de culto. A Igreja Católica sempre
conservou as imagens, dando-lhes o culto que lhes é devido, honrando-as e venerando-as.
Em física, chama-se imagem à representação de um corpo.87

Para Miguel Ângelo, a “imagem” designa a representação “que procede de outra


coisa”,88 isto é, reproduz um objecto pré-existente. Esta expressão é apresentada no sentido
puramente ontológico de um ser derivado, mas não no sentido estético de um ser que seria
captado conforme o natural. O que se requer para a definição da imagem é precisamente a
origem. A imagem de uma obra pré-existe na faculdade criadora, na qual a imagem reside
na razão do artista que, depois, a materializa conforme essa mesma imagem, e do modo
que desejar. Como afirma Aristóteles, na sua formulação teórica“, é um produto da Arte
tudo aquilo cuja forma reside na alma”89, e esta forma não é mais do que a própria imagem
da forma.

81 GIL, Fernando (coord.) - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa
da Moeda, 2000, p. 50.
82 Ibid., p. 128.
83 Ibid., p. 129.
84 Ibid., p. 130.
85 Ibid., pp. 400 - 401.
86 Ibid., p. 243.
87 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e

gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 222.


88 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 115.
89 Ibid., pp. 185-186.

24
A imagem da forma, que reside no espírito, para ser visível aos outros, tem de ser
materializada aos nossos olhos. Neste sentido, o desenho é uma acção sobre um
determinado objecto,90 ou até Ideia, na medida em que o torna visível aos outros. O
desenho faz com que a Pintura, Escultura ou Arquitectura sejam vivificados,91 isto é, o
desenho dá-lhes vida, principalmente quando a Ideia ainda está na mente, e é tornada
visível para o homem, tornando-se eterna92: não é mais que tornar a exprimir em imagem o
que reside na mente. Neste contexto, Machado de Castro refere-se ao desenho como uma
faculdade “d´Alma”. A semelhança entre o Homem e Deus está no espírito, e Machado de
Castro encara o desenho enquanto expressão do espiritual, no qual reside o sublime. 93

A palavra desenho deriva do substantivo latino designo, e tem como conteúdo


semântico “desenhar” e “designar”.94 Consiste na base de grande realização escultural, e um
meio de registrar impressões e desenvolver conceitos. Para Machado de Castro, o desenho
devia ser dirigido com bom gosto, na imitação da natureza. Passou de época em época,
desde o Egipto à Grécia, e sucessivamente.95 E todas as antigas e opulentas cortes
investiram no progresso do Desenho. Aplicado em benefício de várias áreas, como na
Arquitectura, Geometria, Perspectiva, na Física e na História Natural, na Medicina,
Anatomia e Botânica, e até na Geografia,96 ainda foi utilizado no auxílio dos desenhos
engenhosos para a construção de máquinas.97 No ramo artístico, o desenho foi utilizado no
domínio da mimesis, para um conhecimento perfeito das estátuas, dos ídolos, dos baixos-
relevos, das moedas, com o objectivo de os registar.98

Em 1541, Francisco de Holanda (1517-1585) traça uma metodologia faseada da


criação artística na qual, segundo os pressupostos neoplatónicos, o artista parte da Ideia,
sendo a segunda etapa preenchida precisamente pelo desenho. O primeiro desenho é o

90 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 39.


91 LIMA, Henrique Ferreira de - Joaquim Machado de Castro, escultor conimbricense : notícia
bibliográfica e compilação dos seus escritos dispersos. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925, p. 218.
92 Ibid., p. 220.
93 Ibid., p. 225.
94 PEREIRA, José Fernandes - Desenho in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,

p. 196.
95 LIMA, Henrique Ferreira de - Joaquim Machado de Castro, escultor conimbricense : notícia

bibográfica e compilação dos seus escritos dispersos. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925, p. 213.
96 Ibid., pp. 215-216.
97 Ibid., p. 219.
98 Ibid., p. 217.

25
chamado esquisso, designado como as primeiras linhas ou traços, o qual, sendo um
desenho não estruturado, é muito próximo da imaterialidade da Ideia.99

No dicionário de Escultura de Machado de Castro, este refere que a Arte da


Escultura tem três estados: o primeiro, o exercício do desenho; o segundo, a modelação e o
terceiro, o acto de esculpir.100 A nível da técnica da escultura, constata-se que o desenho é
fundamental, uma vez que, este procedimento também serve para diminuir os riscos
envolvidos na talha directa, visto que, muitas esculturas primeiramente são desenhadas em
papel e outras são esboçadas diretamente sobre o bloco de pedra ou madeira, para
organizar as formas e a composição antes de começar a esculpir.101

Para Vasari, o desenho produz, a partir de uma multiplicidade de coisas, um


julgamento universal, comparável a uma Forma ou a uma Ideia. O desenho é nada mais do
que a criação de uma forma intuitivamente clara, e correspondente ao conceito que o
espírito contém e se representa, e do qual a ideia é de certo modo o produto.102 Por outras
palavras, o desenho, como expressão visível do conceito formado no espírito, é respeitado
por ser como o “olhar interior” do espírito, e a escultura tem a missão de realizar
tridimensionalmente.103 Do mesmo modo que, para Federico Zuccari (1542 – 1609), a
produção das Ideias, também chamado de “Desenho interior”, tem a propriedade de trazer
ao espírito humano a luz, o movimento e a vida, mas também receber as suas percepções
sensíveis.104

A partir do século XX, o desenho começa a ser apresentado em exposições de


Escultura, em catálogos, em que o artista o apresenta enquanto percurso gráfico do seu
trabalho, ou até mesmo enquanto génese de um determinado conceito.105 Isto significa que
deixa de estar no plano mimético da representação, e aproxima-se do plano conceptual. 106

O Desenho, na obra de Pedro Cabrita Reis, por exemplo, estabelece uma


interligação com as suas esculturas que, para além de possuirem um carácter [bidimensional
enquanto] de “imagens”, também são desenhadas mentalmente num primeiro momento e,

99 PEREIRA, José Fernandes - Desenho in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,
p. 197.
100 CASTRO, Machado de - Dicionário de Escultura. Lisboa : Livraria Coelho, 1937, p. 13.
101 RICH, Jack C. - The Materials and Methods of sculpture. New York: Oxford University, 1967, p. 9.
102 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 61.
103 Ibid., p. 80.
104 Ibid., p. 89.
105 PEREIRA, José Fernandes - Desenho in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005,

p.195.
106 Ibid., p. 201.

26
depois, materialmente, a partir dos materiais. As suas esculturas são “desenhos fora do
papel”, reduzindo-se, no limite, a desenhos no espaço, nas quais não existe espacialidade
nem interioridade, isto é, não permitem que o espectador circule no “interior” do objecto.
A própria ideia de desenho consiste numa posição negativa face à espacialidade, e à própria
instalação, a qual acaba por se negar a si mesma, quando se verifica, frequentemente, que a
tridimensionalidade é apenas uma “simulação”, diríamos, mesmo, uma encenação, que
reforça o carácter imagético profundo das esculturas.

Por outro lado, os materiais da escultura, que eram realmente pesados e sujeitos à
gravidade, são substituídos por outros, muitas vezes reciclados, reforçando a componente
mental inerente ao trabalho de Pedro Cabrita Reis.

A própria matéria da escultura, quando se converte no simples gesto, seja a


performance ou a body art, sendo incorpórea, e sem peso, existe apenas como uma espécie de
“miragem”, que se relaciona com a leveza da própria acção registada pelo vídeo ou
fotografia, tecnologias que atingiram um estatuto relevante na produção escultórica.
Richard Serra é um exemplo da “materialização” do gesto, que é muito leve, e que, ao atirar
chumbo a uma parede, congela o movimento corporal que executou, efectuando um
desenho no espaço.

A Ideia é, em si, portadora de uma profunda leveza, visto que só existe nessa
condição de “imagem” na mente. A Ideia constitui uma forma imaterial, a qual ganha peso
e corpo, aquando da sua materialização. Quando a Ideia ganha um corpo, no vídeo e na
fotografia, a leveza continua a existir, até na própria natureza do suporte.

27
CAPÍTULO 1 – O PESO DA MATÉRIA

A transcendência da obra de arte

As imagens na Arte Medieval

O paradigma artístico cultural da Idade Média foi inventado no Renascimento, e


situa-a cronologicamente entre o século V e XV, subdividindo-a em Alta Idade Média (do
século V ao XI com o estilo Românico) e Baixa Idade Média (do século XI ao XV com o
estilo Gótico).

A Europa Ocidental albergou diversas culturas após a Queda de Roma. Com o


desaparecimento das estruturas clássicas, as migrações e invasões eram comuns e os povos
germânicos migrantes fixaram-se maioritariamente em Itália, e no Sul de França,
miscigenando-se com os habitantes locais, e adoptando vários dos costumes tradicionais.
Esta miscigenação cultural desenrolou-se sob o modelo das tradições romanas do
Cristianismo, assentando não só na sua mensagem espiritual, mas também na estrutura que
impunha a uma sociedade fragmentada em tempos de turbulência. A Igreja emergiu com
uma força de importância vital para a unificação europeia, desenvolvendo-se
posteriormente o feudalismo, sistema de organização política que desembocou no
desenvolvimento económico e político de toda a Europa. Assim, o abandono do culto
pagão, e a conversão à nova religião, já não eram necessariamente uma decisão do
indivíduo, mas, sim, da sociedade, visto que, quando um líder pagão decidia converter-se ao
Cristianismo, os seus súbditos acompanhavam-no.107 No entanto, existia um ambiente de
guerra, medo e instabilidade, assim como divergências religiosas, fruto da conversação,
comunicação e relacionamento com as pessoas que provinham de outros locais, com outras
mentalidades e outras religiões.

Contextualizada na Alta Idade Média, a palavra “Românico” significa, literalmente


“à maneira romana”, sendo um termo estilístico que designa a grande parte das produções
artísticas dos séculos XI e XII. Recorreu-se ao modelo romano para reformar uma
linguagem formal e expressiva, buscando também inspiração na arte carolíngia e otoniana,

107 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 321.

28
assim como influência nas tradições paleocristãs, bizantinas, germânicas, celtas e
islâmicas.108

A Arte, resultante destes intercâmbios culturais,109 combinou novos métodos,


materiais e tradições artísticas, que foram conjugados com os costumes que predominavam
nas regiões onde as diversas tribos se fixaram. A Igreja, dada a sua progressiva hegemonia
espiritual e política, veio a assumir uma importância crescente como comitente de obras de
arte, o que causou alterações no tipo de concepção e produção artísticas. Ademais,
construiu e embelezou várias casas destinadas ao culto, fundando ainda um grande número
de comunidades monásticas.110 Apesar disso, no seio da própria Igreja existiam divergências
doutrinárias, que não deixavam de reflectir-se na crença e prática religiosa cristã.

A controvérsia iconoclasta, por exemplo, consistiu numa “luta” pelo poder entre a
Igreja e o Estado, e foi iniciada com a promulgação de um édito, em 726, por Leão III,
Imperador Bizantino, que excomungava as imagens religiosas. O ícone religioso, da palavra
grega eikon, que significa “imagem”, forneceu outro tema para a representação artística. Os
ícones apresentavam normalmente as figuras de Cristo, da Madona ou de santos como
modelos principais, e eram objectos, simultaneamente, de culto pessoal e de veneração
pública. Estas imagens sagradas eram consideradas as fontes para imagens posteriormente
executadas por artistas, permitindo uma corrente de sucessivas cópias, e cópias de cópias,
no interior das igrejas. Enquanto imagens “vivas” tinham o objectivo de instruir e inspirar
o crente, porque se acreditava que a própria presença da figura invocada residia na
imagem.111 Deste modo, os ícones eram objectos de veneração, e porque eram a
encarnação do sagrado, a representação das figuras através dos ícones devia obedecer a um
conjunto de regras estritas, com padrões iconográficos fixos e repetitivos, visto que a sua
grande maioria se tornava notável pelo rigor de execução, e não pela invenção artística.112

No debate do Concílio de Niceia existiam duas divergências: os Iconoclastas e os


Iconófilos. Os destruidores das imagens, os Iconoclastas, liderados pelo Imperador,
insistiam na interpretação literal da proibição bíblica antiga contra imagens gravadas, uma
vez que o seu uso poderia conduzir à idolatria. Deus era um Ser imaterial, sem forma e não
faria sentido representá-lo de que forma fosse, já que, enquanto Ser divino, e antes da Nova

108 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 357.
109 Ibid., p. 355.
110 Ibid., pp. 321-322.
111 Ibid., p. 272.
112 Ibid., p. 282.

29
Aliança, jamais foi visto sob a forma material. Assim, só seria atingido pela razão, oração,
meditação e não pela sua representação corporal, pela sua dimensão “carnal” e consequente
apreensão pelos sentidos, nomeadamente pela visão, que é o sentido que apreende as
imagens. Plínio (23 a.C – 79 a.C), na sua Enciclopédia da História Natural, não utiliza
nenhuma imagem, pois apresenta-se como um defensor da ausência das imagens, pelo
facto de serem enganosas e falsas. Deste modo, os Iconoclastas desejavam reduzir a arte
religiosa a símbolos abstractos e a formas de plantas ou animais, isto é, filomórficas ou
zoomórficas.

Os seus opositores, os Iconófilos, que eram liderados pelos monges, defendiam as


imagens no interior das igrejas, pois não valiam por aquilo que são, no seu sentido material,
mas por aquilo que representam, nomeadamente a recordação presentificada de um santo
que passou para o mundo espiritual. Não é o seu sentido material que é valorizado, mas a
sua vertente simbólica e evocativa da representação de um santo, dos episódios da Biblía
ou da hagiografia, entre outros. Os Iconófilos tinham adjacente à sua posição um
argumento neoplatónico de grande peso, que defende que Cristo e a sua imagem são
inseparáveis, sendo a honra concebida à imagem transferida para Ele, ou seja, defendiam
que existia uma articulação entre o humano e o divino na pessoa de Cristo. 113 Para além
disso, as imagens continham um valor pedagógico, pois poderiam tornar presente aos fiéis
a história do Cristianismo. A expansão dos ideais cristãos aos fiéis, por meio das imagens,
tornava-se assim compreensível; era, no fundo, a Bíblia dos que não sabiam ler. S.João
Damasceno (676 d.C. - 749 d.C.) foi defensor das imagens, e baseou-se na teoria platónica
para as justificar: a essência está na ideia como um universal e, igualmente na imagem como
um universal.

S.Teodoro, o Estudita (759 d.C. - 826 d.C.) foi um defensor dos Ícones, contra os
Iconoclastas; alguns dos seus argumentos reflectem a teoria neoplatónica, exposta por
Plotino, de que o mundo dos sentidos está relacionado com o divino por emanação, isto é,
os seres dimanam ou fluem do Uno, que fora interpretado como equivalente semântico de
Deus. Para São Basílio, o Grande (329 d.C. -379 d.C.), Cristo é idêntico ao Seu pai em
divindade, e à sua mãe na humanidade; e justifica que aquilo que é venerado não é a
essência da imagem, mas a forma do protótipo que é impressa sobre ele, uma vez que a
essência da imagem não é venerável, não sendo sequer o material que é venerado. Por

113 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 274.

30
outro lado, argumenta que cada corpo tem uma sombra, tal como Cristo tem uma imagem,
que é visível enquanto protótipo.114

No final do Concílio, a vitória foi atribuída aos Iconófilos, e as imagens


permaneceram no interior das igrejas como difusoras do Cristianismo. Esta decisão trouxe
inúmeras alterações na arte da Idade Média, que fora considerada um retrocesso em relação
à Antiguidade Clássica, pela sua perda de autonomia.

A Arte Românica fora uma arte predominantemente rural e monástica; a arte gótica,
pelo contrário, tornou-se cada vez mais cosmopolita115, sendo que, com a reabertura das
rotas comerciais, estimulou-se o florescimento da vida urbana. No decorrer das migrações
e das invasões que atravessaram a Alta Idade Média, onde predomina o estilo Românico, as
cidades europeias tinham ficado reduzidas em dimensões e em população.116 No entanto, as
cidades recuperaram a sua importância na Baixa Idade Média, e os novos centros urbanos
despontavam por toda a parte, tornando-se independentes. O crescimento populacional e
os novos povoados estimularam a construção de edifícios por toda a parte, muitos dos
quais destinados ao culto cristão.117 Neste contexto, iniciam-se as peregrinações a Roma e a
Santiago de Compostela, nas quais as pessoas comunicavam em pé de igualdade,
intensificando o sentido de comunidade.118 No contexto do surgimento dos novos
aglomerados urbanos, a arquitectura desempenhou um papel fundamental na formação do
estilo gótico, não só nos edifícios religiosos, como também em obras da arquitectura
secular: castelos, palácios, entre outros, sendo que a reconstrução da Abadia de St.Denis foi
fundamental para o surgimento e difusão do estilo Gótico.

A Arte Bizantina surgiu na cidade grega de Bizâncio, rebaptizada de


Constantinopla, hoje Istambul.119 Influenciou o estilo gótico nos nichos semicirculares do
deambulatório, nas superfícies decoradas, na abertura de grandes janelas, na estrutura e
sustentação verticais permitindo a luz no interior do edifício, na planta basilical, no espaço
central cupulado, alto e luminoso, e na articulação estrutural que é enquadrada com todos
os restantes elementos para a uniformização na decoração.120 Por outro lado, a Arte
Islâmica também mostrou ter influência no estilo gótico, nomeadamente no aparecimento

114 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 275.
115 Ibid., p. 399.
116 Ibid., p. 358.
117 Ibid., p. 359.
118 Ibid., p. 361.
119 Ibid., p. 244.
120 Ibid., p. 268.

31
das torres, (os chamados minaretes nas mesquitas que eram o local de chamada dos fiéis
para a oração,121 a geometria, os variados tipos de arcos (em ferradura, quebrados) e a
predominância na decoração.

Quando se fala de arte gótica, incontornavelmente se procede à análise da


reconstrução da Igreja da Abadia de Saint-Denis, em Paris. A reconstrução entre 1137 e
1144 pelo seu abade, Suger (1081 – 1151), forjou a aliança entre a Monarquia e a Igreja. A
ambição de Suger era elevar a abadia enquanto centro espiritual de França,122 tornando-a a
igreja mais bela de França.123

O Abade Suger, enquanto “chefe” e “reorganizador” da abadia de St.Denis, desde


1122 até à sua morte, em 1151, pretendia fortalecer o poder da Coroa de França e a
grandeza à Abadia de St.Denis.124 A reconstrução foi uma tarefa dispendiosa que exigiu
investimentos do Estado e da Igreja. Foram reunidos fundos para a reconstrucção e, com
as ampliações e remodelações da abadia, Suger tornou a Abadia de St.Denis a mais
esplendorosa do mundo ocidental.125 Suger pretendia acolher o maior número possível de
fiéis, por isso foi necessário uma igreja maior;126 a antiga estrutura foi reconstruída e
ampliada, sendo que foram triplicadas as entradas principais, as portas e foram construídas
torres altas.127

Comparativamente com o estilo românico, a nível arquitectónico, foram efectuadas


modificações drásticas. As inovações arquitectónicas de suporte e sustentação como os
contrafortes permitiram o aumento da verticalidade do edifício, e com os arcobotantes, a
sua expansão lateral para outros elementos. A leveza do edifício gótico distingue-se do
românico, pois as formas arquitectónicas parecem graciosas, quase sem peso, comparadas
com a solidez maciça da arquitectura românica. O seu peso e solidez foram ocultados, o
que conflui na criação de um espaço desmaterializado, em que a génese estava
precisamente na imaterialidade e interioridade. A planta, embora com influência bizantina,
tornou-se mais expansiva e complexa. A utilização do arco ogival assim como o
cruzamento de ogivas, trouxeram inovação nos tectos, e, sobretudo, nos alçados. Ao

121 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 292.
122 Ibid., p. 400.
123 PANOFSKY, Erwin - El Abade Suger: Sobre la abadia de saint-denis y sus tesoros artísticos. Madrid:

Ediciones Cátedra, 2004, p. 30.


124 Ibid., p. 18.
125 Ibid., p. 31.
126 Ibid., p. 30.
127 Ibid., p. 61.

32
contrário do Românico, as novas conquistas da arquitectura, como os arcobotantes e os
restantes elementos de estruturação, permitiram a presença de grandes janelas com vitrais e
rosáceas, criando, assim, a simbologia da entrada abundante da luz para o interior do
edifício. Assim surge a teoria de Suger, de que Deus é Luz. Com esta entrada de luz para o
interior, a escultura, que no Românico apenas tinha lugar no exterior e dependia do local
que a arquitectura lhe reservava, onde tinha luz para ser vista, ganhou maior independência,
marcando presença no interior, e, multiplicado em número, aparece com maior frequência.

Suger estava apaixonado pela beleza e esplendor das formas, isto é, pelo
embelezamento material128 no interior da igreja, como potes de ouro adornados com
pérolas e pedras preciosas, candeeiros de ouro e painéis de altar, esculturas e vitrais,
mosaicos e esmaltes, indumentárias brilhantes e tapeçarias. Guiado pela teologia neo-
platónica, sabia que as coisas materiais constituem a plataforma para chegar às coisas
espirituais. Neste sentido, propunha para o seu mosteiro o valor da riqueza e da beleza
como homenagem à fé, para fazer realçar a claridade e o brilho da luz divina.129

A igreja de St.Denis, reformada por Suger, era muito diferente do que imaginava
S.Bernardo de Claraval (1090-1153), monge de Cister. A ostentação nos embelezamentos
da igreja era deplorada por S.Bernardo. As descrições de Suger, registadas entre 1144-1149,
sugerem o amor sensual dos materiais preciosos, mas também a crença de que estes
materiais podiam transportar o venerador para um estado superior de consciência
espiritual.130 No entanto, para S.Bernardo, não se tolerava nos espaços religiosos pintura
nem escultura figurativa, com excepção dos crucifixos de madeira; as pedras preciosas,
pérolas, ouro e seda eram proíbidos; as indumentárias deviam ser de linho, os candeeiros e
incensários de ferro e só os cálices poderiam ser de prata pura ou banhada de ouro. 131
Neste contexto, S.Bernardo escreveu diversas cartas, condenando a opulência, a
intemperança nas comidas e bebidas, nas vestes e roupas de dormir, nos apetrechos de
cavalgar e na construção de edifícios.132 A Apologia, de 1124-25, um tratado de
espiritualidade monástica, dirigida sobretudo aos monges clunianences, contém essas

128 PANOFSKY, Erwin - El Abade Suger: Sobre la abadia de saint-denis y sus tesoros artísticos. Madrid:
Ediciones Cátedra, 2004, p. 30.
129 PACHECO, Maria Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação

Eng.António de Almeida, 1997, p. 14.


130 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 402.


131 PANOFSKY, Erwin - El Abade Suger: Sobre la abadia de saint-denis y sus tesoros artísticos. Madrid:

Ediciones Cátedra, 2004, p. 30.


132 PACHECO, Maria Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação

Eng.António de Almeida, 1997, p. 47.

33
informações, e procura fazer a diferença entre as duas ordens da Regra de S.Bento: Cluny e
Cister.133

A ordem de Cluny representava a exterioridade, a opulência, a decoração, figurada e


simbólica, para realçar o esplendor da casa de Deus na abadia de St.Denis,em Paris.134 A
ordem de Cister, em contrapartida, priveligiava a interioridade, o recolhimento, a
austeridade, enquanto princípios que guiam o monge no itinerário espiritual à procura do
conhecimento de si mesmo, para chegar ao conhecimento de Deus. Esta procura através
de elementos simbólicos e arquitecturais, sem as mediações decorativas das artes, mas num
ambiente retirado e humilde, que dispensava a mediação das realidades materiais. Bastava a
nudez das igrejas, a harmonia dos volumes, a simplicidade das linhas, a elegência das
proporções, a esbelteza dos arcos, a pureza das paredes caiadas, o claro-escuro da luz para
se elevarem para Deus. Para S.Bernardo, os elementos materiais não suscitavam o amor de
Cristo nem a oração:

“Tão grande e tão admirável aparece por toda a parte a variedade das formas que mais
apetece ler nos mármores que nos códices, gastar todo o dia a admirar estas coisas que a
meditar na lei de Deus […] .”135

Deste modo, o belo era admirado em vez de se venerar o sagrado, e a grande


variedade de formas levava à preferência dos monges de lerem no mármore, em vez de
lerem nos livros, e gastarem o dia fantasiando sobre cada uma destas figuras em vez de
meditar na lei de Deus.136 Por esse facto, S.Bernardo preferia a simplicidade da luz e das
sombras do claustro e da igreja.137 O critério subjacente a esta vertente ideológica não é
artístico, mas, sim, ético. A arte deveria elevar o espírito, libertá-lo e favorecer a
contemplação da mente, e não seduzir a apetência dos sentidos.

133 PACHECO, Maria Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação
Eng.António de Almeida, 1997, p. 9.
134 Ibid., p. 14.
135 DIAS, Geraldo J.A.Coelho - Bernardo de Clavaral: Apologia para Guilherme, Abade in PACHECO, Maria

Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação Eng.António de Almeida, 1997,
p. 67.
136 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 370.


137 PACHECO, Maria Cândida Monteiro (dir.) - Mediaevalia: Textos e Estudos. Porto: Fundação

Eng.António de Almeida, 1997, p. 15.

34
A Escultura Medieval

A historiografia Medieval relaciona as perspectivas ideológica e social.138 Porém,


quando se fala de Idade Média, mais do que a uma época histórica, referimo-nos a um
modo de pensar a escultura,139 que tende a transcender-se a si mesma, graças à criação de
um sistema de ideias e a uma devoção espiritual destinados a transformar a materialidade
em imaterialidade.140

Em cada presentificação do belo, enquanto manifestação imediatamente superior, a


beleza visível representa apenas o reflexo de uma beleza invisível, sendo esta, por sua vez, o
reflexo da Beleza Absoluta. Esta concepção, de acordo com as próprias características do
“espírito simbólico”, pelo qual as artes da baixa Antiguidade se distinguem das da
Antiguidade Clássica, foi retomada pela filosofia paleocristã.141

O conceito de imitação teve grande importância na cultura cristã na grande difusão


dos temas de Cristo e nas temáticas da vida espiritual. O figurativo aparece, mas no seu
sentido imagético, muito distante das concepções clássicas. Como afirmou Assis Rodrigues,
“Os esculptores gothicos deram-se mais aos desvarios da sua imaginação do que ao estudo
da natureza.”142 A imitação existe, assim, no contexto de um fenómeno psíquico e
intencional, que reproduz um fenómeno psíquico.143 Esta ideia de imitação poderá estar
interligada com uma “cópia”, que não é retirada de um original da natureza, mas da sua
imagem encerrada na alma, como se o processo imitativo consistisse numa espécie de
projecção de uma imagem interior sobre a matéria.144 Neste sentido, Ernst Gombrich
(1909-2001) defende que o artista medieval figura não o que vê, mas o que sabe das coisas,
e imita a partir de esquemas pré-existentes que vão sendo adoptados, sendo esse esquema
uma imagem, puramente ligada a uma abstracção intelectual. 145 No entanto, como defende

138 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 1984, p. 35.
139 PEREIRA, José Fernandes - Teoria da Escultura: O Sistema Medieval in Dicionário de Escultura

Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, p. 580.


140 GIL, Fernando - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1984, p. 117.


141 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 35.
142 RODRIGUES, Assis - Diccionario technico e historico de pintura, esculptura, architectura e

gravura. Lisboa : Impr. Nacional, 1875, p. 168.


143 GIL, Fernando - Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1984, p. 11.


144 Ibid., p. 13.
145 Ibid., p. 32.

35
o Mestre Eckhart (1260 – 1328), a imagem, a forma e a figura são uma única e a mesma
coisa, pois existe na alma uma imagem, isto é, a forma ou a figura de algo.146

A Arte Medieval sofreu, em geral, uma grande alteração no processo de retratar a


partir do modelo real, e a capacidade de reproduzir as aparências pareceu contar muito
pouco147, segundo o novo modelo espiritual que se impunha. A tendência era passar da
“figura” à “escrita” (no sentido pedagógico), da representação individual bem definida à
representação esquemática de formas rígidas e convencionais. Este factor é verificável nos
desenhos de Villard de Honnecourt, onde é visível um verdadeiro método expiditivo de
desenho da arte figurativa medieval aplicada à escultura, que parte de esquemas
geométricos elementares que ignoram a forma orgânica do corpo e a sua estrutura
natural.148

A Teoria da Escultura enquanto expressão autónoma é praticamente inexistente,149


visto que é integrada na arquitectura e zela pelo conteúdo simbólico dos elementos
figurativos. Esta mudança de paradigma artístico abandona o legado da mimesis clássica,
centrando-se nas mutações de ordem religiosa, e abraça programas artísticos, sobretudo
conceptuais, já que as artes deveriam submeter-se às directrizes eclesiásticas, segundo a
espiritualidade e a doutrina cristã vigentes. Aceitavam uma escala de valores, que insistia no
elemento espiritual em detrimento do material, que era proporcionado pelo mundo
“exterior”; deste modo, não podiam pretender que o artista imitasse o mundo exterior. O
dever do artista era criar os símbolos mais apropriados para comunicar os ensinamentos
morais e religiosos da Igreja.150 Como Miguel Ângelo afirmou, só quando as imagens eram
bem representadas traziam a contemplação e as lágrimas dos devotos, provocando uma
grande reverência e evidenciando a relação fundamental com as noções da iconografia e da
hagiografia dos santos.151

A iconografia do grego Eykon (imagem) e grafia (descrição, escrita), é uma forma de


linguagem visual que utiliza imagens para representar determinado tema, isto é, uma
descrição de imagens. A iconologia, do grego Eykon (imagem) e logos (discurso) era a

146 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994. p. 43.
147 GIL, Fernando – Criatividade/Visão in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da
Moeda, 1984, p. 30.
148 Ibid., p. 31.
149 PEREIRA, José Fernandes – Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :

Caminho, 2005, p. 238.


150 BLUNT, Anthony – La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 13.
151 PEREIRA, José Fernandes – Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,

2005, p. 343.

36
linguagem das imagens, a significação das figuras alegóricas ou a sua interpretação. Os
escultores sempre tiveram profundas e legítimas preocupações iconográficas durante o
desenvolvimento do seu trabalho.152 As representações não eram consideradas verdadeiras
esculturas no sentido artístico do termo, mas, sim, imagens de devoção, que apresentam
necessariamente os seus correctos atributos iconográficos. As preocupações iconográficas
residiam numa lógica de representação, no rigor da imagem e na correcta definição do
tema.153 As representações tinham códigos narrativos, que visavam uma espécie de
aculturação das populações em fase de cristianização, quer isto dizer que a linguagem
plástica foi substituída pela linguagem escrita,154 visto que as representações eram
puramente narrativas, e o que prevalecia era precisamente a moral dessa narração
enquadrada numa função pedagógica. Deste modo, tanto a escultura como a pintura
queriam-se directas, correctas e de fácil entendimento, falando-se, por isso, em imagens e
não em escultura.155 O privilégio da iconografia e da imagem levou a que os “artistas”
fossem simples artífices, a quem era exigido apenas habilidade, sabedoria manual e
tecnológica, de modo a que fosse materializado de forma simples o repertório
iconográficoque lhes era pedido.156

As imagens eram tendencialmente estáticas, escondendo sempre o corpo humano


sob indumentárias pesadas, provocando, assim, a anulação da anatomia, pois a concepção
de corpo sofrera grandes alterações adento a doutrina cristã. Privilegiou-se a madeira e o
barro, dado que eram materiais de fácil modelação, e se cruzavam com a história sagrada,
visto que a cruz de Cristo era de madeira, e Deus havia criado o homem a partir do barro,
tornando-se matérias religiosamente puríssimas. Ainda assim, a matéria pouco contava
perante o valor iconográfico da imagem. 157

A componente conceptual e espiritual eram fundamentais neste domínio: Deus era


o centro do mundo, e tornou-se o autor das obras de arte produzidas pelos meros artesãos,
que só podiam representar as Ideias como conteúdos da consciência divina.158 Como
pensava Santo Agostinho, Deus é o criador dos objectos; a Beleza que passa da alma para

152 PEREIRA, José Fernandes – Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,
2005, p. 344.
153 Ibid., p. 343.
154 PEREIRA, José Fernandes – Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :

Caminho, 2005, p. 239.


155 PEREIRA, José Fernandes – Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,

2005, p. 346.
156 Ibid., p. 347.
157 Ibid., p. 347.
158 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 38.

37
as mãos do artesão provém daquela Beleza que está em cima das nossas almas, isto é, de
Deus.159 Dotado de sabedoria, Deus partilhava a sua dávida com o artesão, que apenas era a
mão executável e interferia com a matéria, ou seja, tinha apenas a perícia técnica, estando o
resto na mão de Deus.160 O artesão rendia-se à sua humildade, e a obra não era assinada –
era uma forma de agradecimento.

A teoria das Ideias que se apresentava como uma filosofia da razão humana,
converte-se, de certa forma, numa espécie de lógica do pensamento divino. É neste sentido
que a Teoria das Ideias platónica se manteve durante toda a Idade Média, ainda que
sofrendo uma adequação à verdade revelada. As Ideias estavam em Deus, constituíndo-se
parte de toda a realidade. Tomás de Aquino (1225 – 1274), numa explicação sobre o
conceito de Ideia, de matriz agora aristotélica, que serviu de modelo para a posteridade,
refere que o mundo não é o produto do acaso, mas, ao contrário, foi criado por Deus e
pela acção do seu espírito, sendo necessário obrigatoriamente que haja uma forma no
espírito divino, cujo modelo criou o mundo; e é nisso que consiste a essência conceptual de
Ideia.161 Deste modo, ultrapassando a cisão ontológica platónica, entre Ideia e Matéria,
S.Tomás utiliza o hilemorfismo aristotélico.

A Ideia, neste contexto, já não se enquadrava com sentido propriamente artístico. A


produção das Ideias tornou-se uma espécie de privilégio do espírito divino, e quando essas
imagens, produzidas e encerradas em Deus, são geralmente consideradas em relação ao
homem, é para serem mais o objecto de uma visão mística, do que um conhecimento
lógico, ou uma criação representativa.162 Somente uma alma que se santificou e purificou, e
não uma alma estritamente racional é que é capaz dessa visão. Naturalmente todas essas
concepções remontam, no fundo, ao Neoplatonismo e, finalmente, a Platão, sem prejuízo
do neoaristotelismo que virá a informar o pensamento ocidental na Baixa Idade Média. As
Ideias transformam-se num conhecimento puramente conceptual, e esses “modelos
inteligíveis”, contidos no pensamento divino, deixam “como traços impressos por eles no
nosso espírito, as semelhanças das realidades inteligíveis”.163

Para o pensamento medieval, o artesão criava formas inspirando-se na


representação de uma Forma, interior ao próprio, mas mesmo que o artesão não possua a

159 AGOSTINHO, Santo - Confissões. 12º Edição. Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1990, p. 277.
160 PEREIRA, José Fernandes – Teoria da Escultura: O Sistema Medieval in Dicionário de Escultura
Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, p. 581.
161 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 41.
162 Ibid., p. 40.
163 Ibid., p. 181.

38
Ideia como tal, visto que esta é cedida por Deus, pode-se pensar que ele está na posse de
uma “quase Ideia”.164 Esta expressão de Tomás de Aquino reflecte a interpretação que a
filosofia medieval fez da criação artística, sem promover a arte, mas, sim, fazer
compreender mais facilmente a essência do Cristinanismo e a eficácia do espírito divino.165

As Ideias, segundo as concepções platónicas que culminam em Sto. Agostinho,


transformaram-se nos conteúdos de um espírito criador do mundo, e posteriormente nos
pensamentos de um Deus pessoal.166 Agostinho (354 d.C -430 d.C) estabelecera uma
concepção para toda a Idade Média: “As Idéias são as formas ou os princípios originários
das coisas; elas são imóveis e incorruptíveis, e não obtêm forma de si mesmas; são portanto
eternas, conservam constantemente o mesmo estado e estão encerradas no espírito divino;
e, embora elas próprias não nasçam nem morram, tudo o que nasce e morre é modelado a
partir delas.”167 Agostinho reconhece que a arte permite contemplar um tipo de beleza, que
reside no espírito do artesão, que a transfere para a matéria. Essa beleza tornada visível é
apenas uma débil parábola da Beleza invisível. O artesão enquanto mediador entre Deus e
o mundo material traz na sua alma a admiração pelas formas do belo antes de torná-las
visíveis na sua obra. Essa admiração é situada “para além das almas” e as “coisas belas”,
aquelas que o artesão pode conceber no seu espírito, e tornar visíveis, pelo trabalho das
suas mãos, são derivados dessa Beleza que não podemos venerar nas obras de arte, mas
unicamente além delas.168 Assim, o foco não se apresentava nos próprios objectos, mas nas
suas imagens, isto é, imagens das coisas sensíveis que remetem ao pensamento que as
recorda.169

A dimensão específica da arte, como recta ratio factibilium, expande-se a outros níveis,
nomeadamente na Alta Idade Média, no período Românico, no qual a escultura se torna
subsidiária da arquitectura, “abrigando-se e quase escondendo-se no único local
possível.”170 Por outras palavras, a arquitectura mantém uma primazia sobre a escultura,
que só aparece no local que lhe é destinado pela arquitectura (a chamada Lei do Quadro),
como seja no portal principal, portais laterais, capitéis e tímpanos, onde a escultura era

164 PANOFKSY, Erwin – Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 41.
165 Ibid., p. 40.
166 Ibid., p. 38.
167 Ibid., pp. 37-38.
168 Ibid., p. 36.
169 AGOSTINHO, Santo - Confissões. 12º ed. Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1990, p. 248.
170 PEREIRA, José Fernandes - Iconografia in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa : Caminho,

2005, p. 347.

39
adossada.171 A composição escultórica acaba por se evidenciar, moldada pela própria
arquitectura, para além da escultura monumental ter desaparecido, a partir do século V, e se
ter limitado quase inteiramente ao ornamento arquitectónico, implicando relevos de
pequeno formato.172

O local da própria escultura era circunscrito ao exterior das igrejas românicas,


situadas dentro dos mosteiros, no meio rural e campestre. As igrejas possuiam paredes
grossas, robustas e sem a presença de janelas, no geral. A escultura só era colocada onde
havia luz para ser vista, sendo a sua presença restrita, surgindo maioritariamente no exterior
do edifício, e em relativamente pouca quantidade. No interior seria uma impossibilidade
existir escultura, já que não seria observada pelos visitantes, dada a escuridão que
predominava, a qual presentificava a mentalidade das pessoas da época. Esse ambiente era
um reconforto numa época de insegurança, instabilidade e medo, sendo, por isso, a
ausência de janelas, um modo de protecção, além de criarem o ambiente adequado ao
contacto com Deus, por via da oração e da meditação. As representações escultóricas eram
simplificadas, esquematizadas, sem recurso a medições ou noções de anatomia. Não havia
expressividade, naturalidade, dinamismo, e o que prevalecia era o método expeditivo de
desenho, o contorno das figuras, e a representação mais singela do corpo humano
restringuido à representação da cabeça, tronco e membros. As figuras, em geral, apareciam
sempre vestidas, com o corpo coberto, onde apenas se via o rosto e as mãos. O que
interessava não era a representação correcta do corpo, mas, sim, a aculturação das
populações e a passagem da mensagem e da narrativa, como referido acima.

Na Baixa Idade-Média, com o estilo gótico, a preocupação será a mesma,


acrescentando-lhe um pouco mais de rigor e autonomia. O panejamento torna-se mais
curvilíneo, o que faz com que a posição do corpo dê a sensação de estar mais inclinado e os
gestos são mais humanizados. O símbolo dá lugar a um crescente naturalismo, e a escultura
volta a ganhar autonomia em relação à arquitectura.173 A perspectiva artística sofre
alteração, mercê da concentração da população nos espaços urbanos, assistindo-se ao
aparecimento das catedrais góticas. Uma alteração ideológica, estética e artística dominam
esta última fase da Idade Média, em que o espírito e a mentalidade das pessoas são

171 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
Caminho, 2005, p. 239.
172 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 277.


173 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :

Caminho, 2005, p. 240.

40
renovados. A catedral tornou-se no centro da cidade, e símbolo de poder dos homens que
contribuiram para a execução das mesmas, mas assinalando a grandeza do poder de Deus, e
do poder da cidade. As inovações arquitectónicas do arco ogival (articulação e encaixe),
juntamente com os arcobotantes, permitiram a construção das catedrais com o objectivo de
atinguir a máxima verticalidade possível, como simbologia de elevação do espírito a Deus.
Outra grande mudança assenta na teoria de Suger, que defende que Deus é Luz. Esta teoria
permitiu a colocação de enormes vitrais nas janelas, que por sua vez permitiram à catedral
ganhar luminosidade no seu interior. A anatomia não é ainda uma ciência formadora do
pensamento artístico,174 mas a escultura autonomiza-se gradualmente, pois poderia estar
presente no interior e exterior da catedral com uma expressão mais humanizada, natural,
com movimentos corporais mais sinuosos e um tratamento mais cuidado dos
panejamentos.

Em suma, o pensamento medieval no âmbito da criação artística negava


fundamentalmente o sujeito e o objecto (o artista e a escultura), no sentido em que a arte
era apenas a realização numa matéria de uma forma, ou mais especificamente de uma
imagem, que não estava ligada à manifestação de um objecto real, e não era produzida pela
actividade de um sujeito real, mas, antes, preexistia enquanto “imagem prévia” no espírito
do mero artesão, graças ao dom divino.175 Como diz Dante, “A arte encontra-se em três
níveis: no espírito do “artista”, no instrumento que ele utiliza e na matéria que recebe sua
forma da arte.”176 Por outras palavras, isto significa que Deus está em todos os lugares e em
todas as coisas.

Alberti e Miguel Ângelo: Teorias da Arte no Renascimento

Os últimos vestígios do Gótico desapareceram, e um novo estilo emergiu, expoente


de um novo modo de entender o mundo através da ciência, impulsionado pelo optimismo
Humanista e a confiança nos métodos da Razão, apanágio dos homens eruditos da
época.177 Com o nome inicial de rinascimento (em italiano, significa segundo nascimento),
este período foi definitivamente conhecido com o nome francês Renaissance, ou

174 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Medieval in Dicionário de Escultura Portuguesa. Lisboa :
Caminho, 2005, p. 241.
175 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 51.
176 Ibid., p. 44.
177 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 13.

41
Renascimento em português, definido como o regresso do conhecimento, da literatura e
das artes da Antiguidade Clássica,178 expurgados agora de uma interpretação teológica
hegemónica. O estudo do legado do passado, não só a nível intelectual, como também
artístico, elevou o estatuto do artista enquanto intelectual e autor das suas obras.179 A
concepção da Ideia no Renascimento perde a validade metafísica, ou pelo menos, a
validade a priori que tinha até então.180 A Ideia passa a significar o resultado final de uma
experiência exterior mas, como iremos averiguar em Miguel Ângelo, a Ideia passou a
significar, como na concepção da Idade Média e do Neoplatonismo - que a teoria italiana
da arte só iria herdar mais tarde na época do Maneirismo -, uma representação
completamente interior.181

Na escultura, floresce o naturalismo baseado no estudo científico do mundo


exterior graças aos novos meios da perspectiva e, sobretudo, da anatomia.182 Esta atitude
diferente da que a precedera, essencialmente representa o mundo exterior de acordo com
os princípios da razão humana. Leon Battista Alberti (1404 - 1472), arquitecto e humanista,
foi uma das mais importantes figuras do Renascimento que tem uma grande obra sobre a
teoria artística relacionada com a arquitectura, pintura e escultura.

Nascido em Génova, estudou direito no Norte de Itália, em Bolonha. O resto da


vida de Alberti decorreu em Florença, principalmente na Corte do Papa, onde permaneceu
como secretário entre 1432 e 1464, convivendo nos círculos papais com os ideais
humanistas.183 Apesar desse convívio com os Papas, as suas definições das artes não
contêm nenhuma referência explícita à religião, visto que, são concebidas em termos
exclusivamente humanistas.184 Os seus escritos enunciaram com clareza e coerência
questões ponderadas por pessoas que o precederam, como Cennino Cennini (1370 – 1440)
e Lorenzo Ghiberti (1378 – 1455).185 Alberti escreveu três tratados: um sobre Arquitectura,
De re aedificatoria, outro sobre pintura, De pictura e outro sobre escultura, De Statua, sendo
este último o mais relevante neste contexto, não só pelo tema, mas também pelas

178 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p.517.
179 Ibid., p. 518.
180 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 55.
181 Ibid., p. 121.
182 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 13.
183 Ibid., p. 16.
184 Ibid., p. 23.
185 Ibid., p. 15.

42
descrições sobre os instrumentos e métodos de medição da figura humana como o
exempeda186 e o finitorium187.

Alberti defendeu que o homem devia esforçar-se por alcançar a bondade espiritual
e não ser escravo dos seus sentidos e paixões, devendo elevar-se para além de uma
concepção material do mundo. Por outro lado, considerava que a falta de emoção era
desumana e o que o homem necessitava moderar os seus sentimentos e desfrutar dos bens
terrenos sem ser escravo deles. O marco mais significativo e frequente na doutrina de
Alberti reside no facto da moderação ser alcançada através da Razão, conduzindo à
serenidade do espírito, significando uma conduta ideal de vida. Neste aspecto, a visão
racional que se baseava na filosofia antiga é a característica dominante da concepção da
vida.188

O conhecimento da Antiguidade era agora mais muito profundo, e de um modo


muito mais científico, com a cultura arqueológica.189 Alberti tinha uma grande admiração
pela Antiguidade Clássica, fonte determinante do Humanismo renascentista.190 Assim, o
artista deveria dominar os princípios fundamentais da sua arte, por meio da Razão, e devia
estudar as melhores obras dos artistas das gerações anteriores à sua, de modo a poder
formular preceitos para a prática artística, a qual deve ser combinada com a experiência.191

O conceito da Ideia da Beleza para Alberti conservava algo da sua aura metafísica e
dependia da experiência.192 Antes de mais, acusava os artistas que se julgavam capazes de
fazer uma obra bela sem estudar a natureza; a Ideia da beleza escapa ao espírito
inexperiente e, mesmo os mais versados, dificilmente são capazes de a reconhecer.193 A
potência infinita do génio do artista, bem como o acto de dispensar a experiência exterior
(natureza), foi utilizada para alertar o artista contra a sua própria subvalorização, e para

186 “The size of the chosen figure, we divide it into six equal parts which we call feet; and this is why we give
this ruler its name, from the number of feet. exempeda is used to measure a standing man, we set it up beside
him and note for each of the limbs, the height from the sole of the foot, the distance from the next limb, how
many inches or minutes, say, up to the knee, the navel, the collar-bone, and so on.” - ALBERTI, Leon
Battista - On Painting and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, pp. 125-126.
187 “The operation of the finitorium is based on the relationship between the central median perpendicular

dropped through the figure from the top of the head to the ground, and the cylinder described around its
centre by the plumb-line at the point of furthest lateral extension.” - ALBERTI, Leon Battista - On Painting
and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, p. 141.
188 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 18.
189 Ibid., p. 19.
190 Ibid., p. 24.
191 Ibid., p. 23.
192 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 60.
193 Ibid., p. 57.

43
reconduzir à contemplação da natureza. Alberti acredita que a faculdade de receber em
espírito a beleza só podia ser adquirida pela experiência e pelo exercício.194

A natureza, enquanto artista soberana na invenção das formas, era sempre o seu
modelo, sendo os seus princípios qualitativos a concepção da harmonia, da proporção e da
simetria, sendo ideias já formadas por Aristóteles ou Vitrúvio.195 Para Alberti, os melhores
modelos eram os antigos, mas imitá-los cegamente, não alegrava o artista “moderno”.196
Ainda que a função primordial seja a imitação da natureza, incutia-se ao artista outro dever
mais importante: que a sua obra seja tão Bela como precisa, sendo que a Beleza não
procede necessariamente de uma imitação exacta, até porque a Beleza não é uma qualidade
de todos os objectos naturais.197 Deste modo, o triunfo da Arte sobre a natureza realizou-se
graças à “imaginação”, cuja liberdade criadora pôde modificar as aparências ao afastar-se
das possibilidades e das variantes presentes na natureza.

As artes que tentaram criar imagens e procuraram a semelhança de organismos


produzidos pela natureza, tinham origem na observação e no estudo dessas coisas, para ver
se não poderiam acrescentar, tirar ou não fornecer o que parecia faltar para efectuar e
completar a verdadeira semelhança.198 O artista devia esforçar-se para introduzir o máximo
de beleza e o mínimo de fieldade possível, deixando de lado todas as imperfeições de um
modelo199 para se elevar à representação da beleza. Como afirma Alberti, o artista não deve
obter uma semelhança total, deve acrescentar-lhe a beleza pois esta é tão agradável como
indispensável.200 Deveria escolher cuidadosamente entre os diferentes modelos, as partes
mais belas ou mais estimadas entre os corpos mais belos, com o objectivo de combiná-las.
Sintetizando, escolhia-se da natureza o que ela tinha de mais belo,201 o chamado Bello-Ideal
ou Bello Reunido. Nunca se encontrava a beleza perfeita num único corpo, visto que estava
repartida e dispersa entre diferentes corpos. Esta teoria está desenvolvida no livro De

194 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 58.
195 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 30.
196 Ibid., p. 24.
197 Ibid., pp. 25-26.
198 ALBERTI, Leon Battista - On Painting and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, p. 121.
199 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 28.
200 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 47.
201 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 27.

44
Statua, no qual explica a escolha das partes belas de vários corpos, o levantamento das
medidas e proporções, estabelecendo depois a medida proporcional. 202

Deste modo, a beleza era atingida sempre que o artista escolhia uma “bela
invenção”, evitava “inconveniências” e “incompatibilidades”, e conferia às aparências a
harmonia que era racionalmente determinada nas relações entre os volumes. A importância
deste factor foi evidenciada na teoria das proporções, isto é, de saber como determinar essa
harmonia e o prazer que dela resulta.203 Para Alberti, a beleza consiste numa harmonia e
num acordo das partes com o todo, segundo determinações de número, de
proporcionalidade e de ordem. Por isso, os diferentes elementos devem ser harmoniosos
entre si, desde que se relacionem pelo tamanho, pela disposição, pelo motivo, pela cor, e
por outras propriedades semelhantes, para uma única e mesma beleza. Neste sentido, a
harmonia das proporções e das qualidades sensíveis são reconhecidos para os teóricos do
Renascimento como a própria essência de beleza,204 traduzida nos conceitos de
“Concinnitas” e no de “Venustas”.

Apesar da beleza ser uma certa harmonia regular entre todas as partes do objecto, e
constituir uma certa ordem, tal como o princípio da simetria, que é a lei mais elevada e
perfeita da Natureza, para Alberti, as coisas mais belas provinham de uma inspiração
racional do espírito ou da mão do artista.205 Causavam prazer à vista e Alberti acreditava
que o Homem conhecia a beleza não só por gosto, mas por uma faculdade racional comum
a todos os homens que permitiu decidir quais as obras de arte que mereceriam a
qualificação de belas.

Os conceitos das funções da Arte e da natureza em Alberti são semelhantes aos de


Aristóteles.206 Alberti simplificou as concepções de Artistóteles, chegando a um estereótipo
de beleza, através de um processo de redução à medida, mais ou menos aritmética.207
Demonstra até que ponto estava distante de qualquer concepção idealista ou neoplatónica,
visto que pensa que o artista pode criar uma obra mais bela que tudo o que existe na

202 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 29.
203 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 50.
204 Ibid., p. 53.
205 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 27.
206 ALBERTI, Leon Battista - On Painting and On Sculpture. London : Phaidon, 1972, p. 140.
207 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 29.

45
natureza embora, só seja possível, mantendo contacto estrito com a natureza, sem
necessidade de recorrer à imaginação, discordando com Artistóteles neste aspecto.208

Nos últimos anos da sua vida, de 1464 a 1472, com o poder dos Médicis em
Florença, a vida tornou-se mais opulenta e a filosofia dos homens também mudou, no
sentido em que os neoplatónicos dominaram a cultura do final do Quattrocento. Um bom
número de ideias filosóficas de Alberti teve origem nos escritos dos primeiros seguidores
humanistas de Platão: como a sua fé no homem, e na vontade humana, e a sua doutrina da
conformidade com a natureza. Lourenço de Médicis, el Magnífico, favorece uma nova
abordagem do neoplatonismo místico, em certa medida por razões políticas, em que se
insistia muito mais na vida contemplativa. Alberti não simpatizava muito com os métodos
de Lourenço, nem com a nova abordagem do misticismo neoplatónico.209

Em suma, Alberti destacou-se pelo racionalismo, classicismo, método científico e


pela fé na natureza, que são espelho dos ideais da época. A ausência do conceito de
imaginação nos seus textos é uma realidade pois, para ele, tudo procede da razão, do
método, da imitação, da medida, sem ter presente a faculdade criadora. No século seguinte,
as doutrinas do neoplatonismo ganharam força e concentraram-se de forma notável em
Miguel Ângelo, que se formou no círculo de Lourenço de Médicis, no qual o artista se
converte pela primeira vez em “O Divino”.210

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, mais conhecido simplesmente como


Miguel Ângelo ou Michelangelo nasceu em Caprese, Florença, e morreu em Roma.
Escultor, pintor, arquitecto e poeta, exerceu uma influência sem paralelo na Arte Ocidental,
sendo considerado o “pai do Barroco”.211 Tornou-se aprendiz aos 13 anos, aprendendo
com o pintor mais proeminente de Florença, Domenico Ghirlandaio (1449-1494). O
ensino ficou definido por um período de três anos, mas Miguel Ângelo saiu no primeiro
ano, porque não tinha mais nada a aprender,212 e anos mais tarde transformou-se no
arquétipo do Génio.213 Viveu até uma idade muito avançada e as suas opiniões estiveram

208 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 30.
209 Ibid., p. 32.
210 Ibid., p. 33.
211 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 17.
212 SOUSA, Pio (dir.) - Miguel Ângelo morreu há 450 anos in Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

2014. [Em linha] Disponível em WWW:<


http://www.snpcultura.org/miguel_angelo_morreu_450_anos.html>[consulta em 01.12.2014].
213 Se outrora, as Ideias eram a garantia de validade e beleza objectivas para a obra de arte, passa a adquirir

todas as características da inspiração que se coloca ao dispor de uma concepção romântica do Génio, que
reconhece o sinal do verdadeiro génio artístico não na verdade nem beleza das suas obras, mas na plenitude

46
constantemente a desenvolver e alterar como vamos poder observar na passagem de uma
fase na crença da beleza visível para uma beleza espiritual, que é expressa nas suas últimas
esculturas, como também nas suas poesias inspiradas na metafisica neoplatónica, que nos
clarificam a sua visão do mundo. Este caminho do seu pensamento foi indirectamente
influenciado pelo convívio com as obras de Dante e Petrarca e, directamente, através da
influência dos círculos humanistas florentinos e romanos.214 As primeiras obras que
executou em Roma são tipicamente do Alto Renascimento, mas antes da sua morte o
Maneirismo estava firmemente consolidado.

A inicial concepção artística de Miguel Ângelo estava relacionada com o


Humanismo no Alto Renascimento. La Pietá, de 1498, da Basílica de São Pedro, é um
exemplo de uma obra desta fase215 e concedeu-lhe uma grande fama e reputação com 24 ou
25 anos, ultrapassando os seus contemporâneos.216 Realizou o que ninguém mais teria
conseguido na época: o domínio do movimento, as linhas torneadas e a união natural dos
corpos, na qual Maria segura o seu Filho sem ser esmagada pelo seu peso. A posição de
Cristo com o ombro levantado e a cabeça tombada para trás dá-lhe uma aura de
sofrimento. Por sua vez, a figura de Maria é bela e não se encontra atormentada,
aparentando um aspecto jovem intencional como simbologia da eterna castidade.217 No
entanto, o gesto de Maria é surpreendente pois os seus antecessores tinham representado o
rosto marcado pelas lágrimas, reflectindo a dor e até o desfalecimento, mas, para Migual
Ângelo, a Mãe de Deus não devia chorar como uma mãe terrena. Assim, as feições
permanecem imóveis e, somente a mão esquerda, a pender para baixo, entreaberta,
acompanha a dor que é sentida. Estas características reflectem já o modo de sentir do
próprio Cinquecento.218

Na sua juventude sentiu que a conquista da beleza dependia, em grande parte, do


conhecimento da natureza. Combinou facilmente a observação da natureza que aprendeu
na oficina de Ghirlandaio, com a doutrina da beleza enraizada na cidade de Lourenço de

infinita de uma criação que propõe sempre algo de único e de inédito. PANOFKSY, Erwin - Idea: A
evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 121.
214 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 111.
215 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 76.
216 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 581.


217 Ibid., p. 582.
218 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, pp. 56-57.

47
Médicis.219 Os poemas de Miguel Ângelo permitiram uma dedução do que para ele consistia
a beleza. Inicialmente, a sua fé na beleza do mundo material era muito profunda. Os seus
primeiros poemas de amor reflectem este sentimento, expressão de uma paixão fortemente
emotiva e muitas vezes física, e dirigida tanto à beleza visível como à beleza espiritual, de
que falavam os platónicos.220 Para Miguel Ângelo, tanto a Razão estricta e fria de
florentinos, como Alberti, como o neoplatonismo do final do Quattrocento, eram duas
formas de fé igualmente sinceras; embora nos últimos anos da sua vida se tenha
evidenciado a sua apologia pela devoção apaixonada, quando se tornou membro fiel da
Igreja Católica e sofre a influência da atmosfera do neoplatonismo de Marsilio Ficino221
(1433-1499) que entrega-se à beleza, mais que à verdade científica, como iremos averiguar
mais adiante.

Em 1530, a intenção papal de criar um Estado secular poderoso em Itália fracassou.


A Reforma dividiu a Igreja e debilitou a posição do Papa. As desordens financeiras
aumentavam a confusão, e toda a estrutura social da arte humanista do Alto Renascimento
ficou fragilizada. Os humanistas e os homens da época de Miguel Ângelo sentiram que a
Igreja romana necessitava de uma reforma, aceitando parte dos elementos paulinos da
teologia de Lutero e, posteriormente, o apoio oficial de Paulo III. Neste contexto, Miguel
Ângelo tornou-se um seguidor rigoroso destas ideias e, desde então, a sua religiosidade
tornou-se muito maior, tendo influência na sua arte.222 Deixou de actuar directamente sobre
a beleza visível do mundo das coisas físicas, visto que a beleza física e a recriação do
mundo real deixaram de lhe interessar pelo facto de ver o corpo como uma prisão da
alma;223 embora posteriormente tenha utilizado a beleza física, isto é, o corpo humano
enquanto símbolo tradicional do Renascimento,224 como meio de comunicar ou revelar um
estado espiritual, enquanto expressão do catolicismo espiritualizado.

Os seus contemporâneos contaram que Miguel Ângelo nesta nova fase não se
contentava em observar a natureza, apesar de durante toda a sua vida a ter estudado
cientificamente, sobretudo nos estudos de anatomia. Deste modo, não acreditava na

219 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 76.
220 Ibid., p. 78.
221 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 581.


222 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 81.
223 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 581.


224 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 82.

48
imitação exacta da natureza porque aborrecia-lhe executar uma imagem que se parecesse a
um modelo vivo, a menos que este modelo tivesse uma extraordinária beleza.225 Deste
modo, o artista alcançava uma Beleza superior à da natureza só mediante a imaginação,
reafirmando uma idealidade de feição neoplatónica. Assim, a beleza é um reflexo do divino
no mundo material, sendo o corpo humano a forma particular em que a Beleza divina se
manifesta de maneira, mais evidente226 (materialização), visto que o fundamento da arte
residia na admiração da beleza do corpo humano.227

Para Miguel Ângelo, a beleza do mundo visível suscitava no seu espírito uma
imagem interior. A ideia de “Beleza”, constituída desta forma, é superior à beleza material,
pois o espírito transforma as imagens que recebe e faz com que se aproximem muito às
ideias que existem no espírito, e que provêm directamente de Deus.228 Porém, a beleza
física pode ser o vestígio externo da Beleza espiritual, como afirmou nos seus poemas
dirigidos a Tommasso de Cavalieri (1509-1587), a partir de 1532.229 O período da sua vida
em que escreveu estes poemas evidencia a influência dos elementos mais místicos do
neoplatonismo. A intensa paixão física dos primeiros poemas de amor cede lugar às
doutrinas segundo as quais o amor é a contemplação de uma beleza incorpórea,
equivalendo à forma de religião espiritualizada que Miguel Ângelo adoptou nos anos de
1530 e 1540.230 No entanto, é de evidenciar a relação de dependência entre a beleza física e
espiritual,231 na qual a imagem interior depende da existência da beleza no mundo exterior,
Beleza essa que o espírito transforma em algo mais nobre. Neste contexto, o amor à beleza
física é um engano, ao contrário do amor verdadeiro – a beleza espiritual – que satisfaz
plenamente, e não se extingue com o tempo elevando, deste modo, o espírito à
contemplação do divino.

As representações religiosas, mais especificamente as imagens que eram


devidamente bem executadas, potenciavam a devoção dos devotos levando-os à
contemplação e às lágrimas, e a sua beleza austera inspirava-lhes uma reverência profunda.
Na fase final da sua vida, remeteu-se à imaginação e à inspiração individuais, e

225 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 78.
226 Ibid., p. 79.
227 Ibid., p. 76.
228 Ibid., p. 79.
229 Ibid., p. 83.
230 Ibid., p. 85.
231 Ibid., p. 80.

49
232
ultrapassando os cânones fixos de beleza. A obra mais representativa deste período, la
Pietá Rondanini (1552-1564), que deixaria inacabada, privou os símbolos humanos da sua
qualidade corpórea, comunicando directamente uma ideia puramente espiritual.
Abandonou os temas clássicos, mas os temas religiosos que trabalha não são os mesmos
pelos quais mostrava maior predilecção na juventude, visto que a sua aproximação ao
mundo e às artes é ainda mais espiritualizada, e, em simultâneo, mais especificamente cristã,
sendo que o seu sentimento religioso, combina com a concepção mística do
neoplatonismo.233

Deus era a fonte de toda a Beleza, logo a inspiração artística seria, necessariamente,
de carácter divino. A arte era um dom que o artista recebia e, graças a ele, podia dar vida à
pedra em que esculpia a sua estátua. Sendo a pedra a parte material da obra, a mesma é
inútil e está morta até que a imaginação tenha actuado sobre ela, como referido nos seus
poemas. 234

A característica essencial da escultura para Miguel Ângelo consistia em retirar a


forma pura da pedra, isto é, o artista começava a talhar um bloco de mármore até descobrir
nela a estátua, o que constituí um símbolo de “purificação”, ou mesmo de um
renascimento.235 Esta estátua equivale àquela que o artista tem na sua própria mente, aliás, a
estátua já existia, em potência, no bloco, antes do artista começar a trabalhá-lo, tal como a
ideia na mente do artista existia também em potência no bloco, ou seja, o que o artista fez,
ao esculpir o bloco de pedra, foi simplesmente descobrir a sua ideia. Esta teoria segundo a
qual a Ideia da obra preexiste “em acto” no artista é tão aristotélica quanto a concepção de
que a obra de arte esteja contida “em potência” na pedra.236 Este “duplo nascimento”
corresponde aos métodos deste escultor.237 Isto quer dizer que o interesse do artista se
centrava quase exclusivamente numa imagem mental, e interna, que ultrapassa tudo o que
pode encontrar-se no mundo visível.238 Por outras palavras, a ideia presente na mente do
artista é mais bela que a obra final, sendo esta um reflexo da primeira. Segundo Ascanio
Condivi (1525 – 1574), Miguel Ângelo tinha uma imaginação poderosa, e isso explicava a

232 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 90.
233 Ibid., p. 92.
234 Ibid., p. 87.
235 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 113.
236 Ibid., p. 117.
237 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 88.
238 Ibid., p. 86.

50
sua insatisfação constante, substimando sempre as suas obras, já que, na sua opinião, nunca
podia realizar as ideias que o seu espírito tinha concebido.239

Em suma, se Alberti procedia de acordo com uma estricta eleição racional, já


Miguel Ângelo procurava o belo de modo espiritual.240 Para Alberti, o artista depende por
completo, no seu trabalho, da natureza, e só pode diminuir esse facto se se trata de
representar os tipos que a natureza pretende executar. Para Miguel Ângelo, ao contrário, o
artista, directamente inspirado na natureza, deve representar o que vê na natureza
conforme o cânone ideal do seu espírito.241 Admitia, no entanto, que a obra de arte não
consistia apenas em reproduzir algo exterior, mas, sim, também realizar uma Ideia interior.
Deste modo, não pensava que essa realização material devesse estar necessariamente
afastada em relação à “Ideia interior” na alma.242

As teorias do Renascimento, de acordo com os ideais de Alberti, pela sua admiração


pela natureza e a sua confiança, trataram a Arte em geral, e o belo em particular, como
noções empíricas e dadas a posteriori. Graças à estética do Maneirismo, que estabelece
igualmente uma relação com Miguel Ângelo, essas duas noções reencontraram-se mas por
pouco tempo. O a priori metafísico caracteriza ambas as posições, uma por referência à
escolástica peripatética, a outra por referência à filosofia neoplatónica, recuperando os
pensamentos ou as representações de inteligências supraterrestres, nas quais o homem só
participa pela intervenção directa da graça divina. Separado da natureza, o espírito humano
refugia-se em Deus, num sentimento de triunfo e de despojamento, cujo triste orgulho se
reflecte nos rostos e nas atitudes das representações maneiristas.243

Para essa nova sensibilidade, o mundo visível não é mais do que o símbolo de
significações invisíveis e espirituais, e a oposição do sujeito e do objecto, da qual o
pensamento teórico tomava consciência, só pode resolver-se por referência a Deus. Assim,
as obras de arte desta época procuraram exprimir frequentemente, para além dos seus
conteúdos simplesmente visíveis, todo um conjunto de pensamentos cujo sentido é
alegórico ou simbólico.244 Neste sentido, existe relação profunda entre o Maneirismo e a

239 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,
1990, p. 87.
240 Ibid., p. 79.
241 Ibid., p. 81.
242 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 117.
243 Ibid., p. 98.
244 Ibid., p. 97.

51
Idade Média, na qual o próprio conceito de Ideia se tornou o objecto de uma representação
alegórico-simbólica.245

A teoria das artes permanece ainda intensamente ligada ao postulado da “harmonia


das proporções”, embora na prática esse princípio apareça formulado de diversos modos. 246
O Maneirismo manifesta-se contra a rigidez das regras, e particularmente das regras
matemáticas, assim como rompe e curva as formas equilibradas e universalmente aceitas do
Classicismo, em proveito de um sistema mais intenso de expressões.247

O estilo de Miguel Ângelo remete para a configuração compacta, maçica e densa,248


sendo através do seu contributo que a desarmonia ingressou no Renascimento, fazendo
uso consciente e maciço da dissonância.249 O desenvolvimento das suas ideias segue, em
consequência, de uma época a outra, e prepara o caminho da arte e das doutrinas do
desenvolvimento do Maneirismo250 para um novo estilo, o Barroco.

O Barroco e a obra de Bernini

O século XV isolou a obra de arte do seu contexto arquitectónico, apreciando o


belo em si, independentemente do lugar onde se encontrasse.251 No Maneirismo, o espaço
harmonioso e a proporção estética tornam-se conceitos que entraram rapidamente em
desuso. A Arte perdeu os vínculos com a natureza e o corpo reduz-se a uma máquina
esquemática de articulações e músculos, segundo uma erudição anatómica. Por outro lado,
a textura, a sensibilidade à maciez da pele parece ter-se extinguido.252 A Arte caminhava
para a sua morte e não conseguia rejuvenescer. Depois do Maneirismo, é no Norte
Germânico da Itália que se encontra um novo naturalismo.253

A mudança não atingiu apenas o meio em que o Homem vive, a sua arquitectura e
o seu vestuário, mas até a própria corporeidade do ser humano se modificou e é

245 PANOFKSY, Erwin - Idea: A evolução do Conceito de Belo. São Paulo : Martins Fontes, 1994, p. 239.
246 Ibid., p. 73.
247 Ibid., p. 74.
248 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 55.
249 Ibid., p. 56.
250 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600). 6ª ed. Madrid: Ediciones Cátedra,

1990, p. 96.
251 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 221.
252 Ibid., p. 235.
253 Ibid., p. 237.

52
precisamente neste novo modo de sentir o corpo, na nova maneira de mantê-lo e compor
os seus movimentos, que reside o verdadeiro cerne de um estilo.254

O Barroco foi identificado como o “estilo do absolutismo”, reflexo artístico de um


Estado centralizado, governado por um autocrata de poderes ilimitados. Na arquitectura, a
ênfase foi dada ao tamanho, teatralidade, iluminação, decoração de interiores e nos
materiais luxuosos. O poder do Papa e a sua autoridade foram recuperados e consolidados
pela Contra-Reforma. O poder absolutista sugere um estilo que avassala e infunde respeito
no observador, sendo essa a arte que caracteriza o Barroco.255

É bastante influenciado pelo apogeu dos estudos arqueológicos256 no século XVII,


em Itália, e alastrou-se por toda a Europa. Pronunciado também como Idade Moderna, não
foi apenas o resultado de evoluções religiosas, políticas, intelectuais ou sociais: o reforço da
fé católica, o Estado absolutista, a recém-criada ciência, e os alvores do mundo moderno,
mas também a reavaliação da Humanidade e da sua relação com o Universo.

Miguel Ângelo pronunciara as palavras que se haveriam de tornar importantes


durante o século todo, quando afirma que, para além da forma humana, não existia outra
beleza.257

A Arte Barroca visava a representação do corpo humano de acordo com os


cânones clássicos, adicionando-lhe a retórica dos sentidos: a exacerbação expressionista e o
Pathos, termo grego que se refere ao sentimento e à exteriorização das emoções e
sensibilidades no indivíduo. A influência dos estados emocionais, apelando aos sentidos do
observador e da persuasão, por vezes de forma teatral, fizera do Barroco um estilo de
grande riqueza sensual, exuberância, tensão e movimento.258 As emoções fortes passam a
ocupar o primeiro plano,259 e a sensibilidade torna-se receptiva a tudo o que é essencial: as
emoções humanas.260 A expressão das emoções intensas caracteriza a fisionomia deste
século,261 que demonstrara um interesse crescente pelos mecanismos da psique humana.

254 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 269.
255 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 676.
256 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 294.
257 Ibid., p. 71.
258 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 675.


259 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 242.
260 Ibid., p. 243.
261 Ibid., p. 246.

53
Depreende-se então que a absorção dos temas representados não devia realizar-se
apenas através da mente, mas também deviam ser vividas pelo coração, por meio dos
sentidos.262 Os artistas, de forma consciente, opunham-se ao intelecto, dando agora menos
importância à Razão. Antonio Possevino (1533-1611) completa esta ideia, afirmando que o
artista devia experimentar o sentimento de horror se queria comunicá-lo ao observador.
Isto parece quase uma aplicação directa dos métodos dos exercícios espirituais à prática das
artes,263 nos quais o artista teria de sentir e “vivenciar” na realidade o que iria representar.

Neste contexto, a expressão dos olhos das esculturas recuperaram a sua antiga
firmeza e intensidade,264 visto que a face humana era um espelho da alma.265 Por outro lado,
o movimento do corpo possibilitava a tradução dos sentimentos humanos e, desse modo,
os movimentos tornam-se mais intensos e o sentimento pulsa mais profundamente,
observando-se uma exaltação geral da natureza humana.266 Como já vimos, essa exaltação é
evidenciada nas emoções e movimentos intensos, e foi aplicada ao contexto religioso,
como, por exemplo, nas cenas idílicas do nascimento de Cristo, onde deveria reinar a mais
absoluta serenidade.

Tudo dava a impressão que estava em movimento,267 existindo uma progressão das
formas duras do Renascimento até às formas suaves, das linhas rectas até às linhas
curvas.268 Com o efeito de massa e movimento, o estilo pretendia alcançar o
acontecimento, a expressão de um determinado movimento do corpo.269 Neste sentido, o
corpo transforma-se em força,270 em tensão,271 visto que tende a dar a impressão de um
instante.272 A escultura possuiu uma concepção completamente nova da matéria, em que a
representação tão expressiva do corpo, dava uma sensação extremamente realista, que
convertia a pedra em carne “tenra e saborosa”273, possuíndo uma consistência menor no

262 BLUNT, Anthony - La Teoria de las Artes in Italia (del 1450 a 1600) – Madrid: Ediciones Cátedra, p.
140.
263 Ibid., p. 141.
264 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 272.
265 Ibid., p. 32.
266 Ibid., p. 305.
267 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 64.
268 Ibid., p. 80.
269 Ibid., p. 63.
270 Ibid., p. 85.
271 Ibid., p. 100.
272 Ibid., p. 39.
273 Ibid., p. 49.

54
âmbito da matéria. No estilo Barroco não interessava o ser perfeito, mas, sim, a intensidade
do movimento. 274

O movimento do corpo humano libertou-se por completo, visto que se movimenta


com maior vitalidade, o que dá a impressão de que as formas mudam a cada instante,275
sendo os olhos do observador estimulados para uma actividade mais intensa, isto é, os
olhos são atraídos pelos novos aspectos que despertam a sua atenção.276 Por exemplo, o
corpo humano era representado ao ponto de se tratar de figuras sem movimento e
dinamismo, e estas serem completamente enriquecidas a nível formal.277 O enriquecimento
das direcções, e do movimento nas composições, estabeleceu uma relação com a
descoberta do espaço,278 no sentido em que existe uma proporção simétrica entre as partes
anterior e posterior da pose do corpo.279 Por sua vez, o tratamento das vestes era
determinado pelo objectivo de produzir grandes contrastes nas superfícies,280 conferindo a
afirmação do movimento, tal como a sombra e a luz que lhe conferem movimento e
tridimensionalidade.281

Nesta época considera-se inadmissível que os olhos estejam desatentos um instante


que seja. Assim, a unificação das várias artes num mesmo espaço: a escultura, pintura e
arquitectura marcaram as composições barrocas, estando o local das estátuas precisamente
definido, visto serem emolduradas e integradas no seu contexto pré-determinado.282 Assim,
espera-se que a composição se imponha como um conjunto para possibilitar a visualização
simultânea de todas as partes, isto é, a capacidade de reunir de modo uniforme os múltiplos
elementos que integram a composição.283 Este ponto de vista domina a organização
interior das igrejas,284 na qual os edifícios começam a “pesar” mais no sentido visual.285

Assim sendo, procurava-se não um efeito de massas, mas, sim, um espaço


infinito,286 e uma impressão do conjunto, isto é, menos percepção, mais atmosfera. Neste

274 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 73.
275 Ibid., p. 30.
276 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 253.
277 Ibid., p. 315.
278 Ibid., p. 325.
279 Ibid., p. 318.
280 Ibid., p. 282.
281 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 31.
282 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 339.
283 Ibid., p. 295.
284 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 118.
285 Ibid., p. 47.
286 Ibid., p. 35.

55
contexto, o efeito da luz adquire maior importância que a forma,287 sendo a luz considerada
como um factor essencial para criar essa atmosfera.288 O propósito do Barroco reside em
procurar os efeitos de iluminação em que a magia da luz cai das alturas das cúpulas,289
sendo a finalidade das mesmas fazer penetrar na igreja o raio de luz essencial ao carácter
sagrado do lugar.290

Nas composições da escultura importava captar a expressão momentânea do fluir


dinâmico da vida. Este espírito, de um respeito maior pela dignidade humana, passou a
determinar a concepção e representação das personagens celestes.291 A arte encontrou a
formulação para uma Beleza superior e a Igreja passou a exigir uma dignidade maior para as
figuras principais da fé cristã,292 aproximando os fiéis das experiências físicas e espirituais de
Cristo e dos santos. Por este motivo, o Barroco foi chamado um “estilo de persuasão”, útil
à Igreja Católica na comunicação com os fiéis e na divulgação do espírito da Contra-
Reforma. Este processo de reafirmação da Igreja deu origem a uma ordem de
canonizações, que se prolongaram até meados do século XVIII, e que abrangeram os
heróis religiosos e figuras de grande devoção e caridade293 da Contra-Reforma, como
Teresa de Ávila, Francisco Xavier, entre outros.

Em suma, a escultura barroca é definida pela vitalidade, energia e dinamismo, que


sugerem acção e profundidade das emoções. Os efeitos de luz e sombra, o efeito teatral
persuadiam pelo deslumbramento, recorrendo a uma autêntica retórica dos sentidos e
também à alegoria na qual se relacionam o mundo terrestre e celeste, conduzindo à
imaginação e recondução da matéria para o espírito. A obra onde todos estes aspectos
melhor se exprimiram foi a de Bernini, na qual a Antiguidade não era mais do que um
ponto de partida para a sua própria inventiva e criatividade.

Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), escultor activo em Florença, Nápoles e Roma,


evoluiu a partir da escultura maneirista, e destacou-se pelo seu carácter único e
revolucionário, de que o artista deu indícios no começo da sua carreira. Considerado um
brilhante artista protegido por praticamente todos os papas, foi pintor, arquitecto e um
grande escultor do período Barroco, influenciado por Giovanni Bologna (1529-1608),

287 WÖLFFLIN, Henrich - Renacimiento y Barroco. Barcelona: Ediciones Paidós, 1986, p. 92.
288 Ibid., p. 125.
289 Ibid., p. 70.
290 Ibid., p. 125.
291 WÖLFFLIN, Henrich - A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1990, pp. 254-255.
292 Ibid., p. 266.
293 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 675.

56
escultor maneirista. 294 Bernini era apaixonado pelo teatro e desenvolveu efeitos teatrais nas
obras de carácter religioso e místico, estendendo e contaminando a arte religiosa por essa
dimensão dramatúrgica, na qual a própria arte religiosa se tornou teatral. Criou um mundo
supra-real em que as transições parecem divagar entre o espaço real e o imaginário, o
passado e o presente, fenómenos ideais e existência real, a vida e a morte.295 Uma das suas
mais famosas esculturas religiosas, o Êxtase de Santa Teresa, não fugiu à regra, na qual a
acção, a vitalidade e a emoção da composição teatralizada e complexa são evidentes.

O Êxtase de Santa Teresa

Em meados da década de 1640, quando Bernini ainda não trabalhava para o Papa,
foi convidado a criar uma obra para a família Cornaro no transepto da Igreja de Santa
Maria della Vittoria, em Roma. Os seus patronos eram o cardeal Federigo Cornaro e o filho
do Doge de Veneza, Giovanni Cornaro.296 Esta obra-prima, localizada na Capela da familia
Cornaro, na Igreja de Santa Maria della Vittoria, apela aos sentidos e às emoções, enquanto
obra do período barroco, mesmo tratando-se de um tema religioso.

A escultura, de carácter evocativo, representa a visão experienciada no século XVI


por SantaTeresa. Uma das grandes santas da Contra-Reforma, foi uma figura importante da
Igreja Católica a nível internacional. Fundou uma ordem de freiras, as Carmelitas
Descalças, com dezesseis mosteiros em Espanha até ao momento da sua morte, em 1582, e
foi canonizada pelo Papa Gregório XV, em 1622.297

Sta.Teresa teve visões de Cristo e de anjos, mas lutou contra essas visões,
desconfiando que pudessem ter sido enviadas pelo diabo. Assim, usou todo o poder da sua
razão para combater ou explicá-las mas, ainda assim, foi muito confrontada por elas. Por
vezes, em público, diante de testemunhas que afirmaram ter observado o fenómeno, ela foi
vítima de levitação, permanecendo em suspensão no ar por longo tempo. A visão de Santa
Teresa, descrita numa autobiografia, na qual ela detalhou muitas das suas visões, incluindo

294 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, pp. 699-700.
295 WITTKOWER, Rudolf - Bernini: the sculptor of the roman baroque. London : Phaidon, 1997, p. 159.
296 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.

144.
297 AVERY, Charles - Bernini: genius of the Baroque. Boston : Little, Brown and Company, 1997, p. 146.

57
esta, é interpretada, por vezes, erradamente segundo conotações sexuais.298 Bernini
transforma as palavras da visão da Santa em mármore como descrito pela mesma:

"I saw an angel close by me, on my left side, in bodily form. This I am not accustomed
to see, unless very rarely... He was not large, but small of statue, and most beautiful... I saw in
his hand a long spear of gold, and at the iron´s point there seemed to be a little fire. He
appeared to me to be thrusting it at times into my heart, and to pierce my very entrails; when
he drew ir out, he seemed to draw them out also, and to leave me all on fire with a great love
of god. The pain was so great that it made me moan; and yet so surpassing was the sweetness
of this excessive pain, that I could not wish to be rid of it. The soul is satisfied now with
nothing less than God. The pain is not bodily, but spiritual; […] It is a caressing of love so
sweet which now takes place between the soul and God, that I pray God of His goodness to
make him experience it who may think I am lying." 299

Esta é a visão particular que Bernini escolheu para ilustrar - ou melhor, para se
basear na escultura para a Capela da família Cornaro, que é composta por elementos
arquitectónicos, onde a conjugação entre pintura e escultura, factor tão característico do
período barroco, articula as diversas artes no mesmo espaço.

Retornando à escultura, na sua composição aparecem as duas figuras, Sta. Teresa e o anjo
na sua nuvem flutuante, que apesar de não terem uma escala natural, possuíam um sentido
de grandiosidade, quase uma escala monumental.300 A captação do momento de êxtase de
Santa Teresa evoca um estado emocional de arrebatamento íntimo, um transporte de
exaltação mística, sendo possuída por uma força intensa, experimentando um transe que a
levaria para junto da divindade. De carácter místico e religioso, os sentimentos e as
sensações que regulam a acção convertem-se numa exaltação espiritual, na qual um
momento único se transforma em êxtase, através dos movimentos do corpo, que são
espelho dos movimentos da alma. A personagem principal sentiu não uma dor física, mas
espiritual, que também lhe tocou no corpo, quando a lança foi retirada. Assim, totalmente
consumida pelo grande amor de Deus, essa dor, desejada eternamente, foi a mais doce
carícia oferecida por Deus à sua alma. O que surge referido neste contexto é o amor de

298 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.
144.
299 “Eu vi um anjo perto de mim, do meu lado esquerdo, na sua forma corpórea. Isto não é algo que esteja

acostumada a ver, a não ser muito raramente... Ele não era grande, mas de pequena estatura, e muito bonito...
Eu vi na sua mão uma longa lança de ouro, e na ponta do ferro aparentava haver um pequeno fogo. Ele
pareceu empurrar-ma às vezes para o meu coração, e para perfurar as minhas próprias entranhas; quando ele
a removeu, pareceu que as tinha removido também, para me deixar em chamas com o grande amor de Deus.
A dor era tanta que me fez gemer; e ainda tão insuperável era a doçura desta excessiva dor, que não podia
desejar livrar-me dela. A alma está satisfeita agora com não mais que Deus. A dor não é corpórea, mas
espiritual; […] É uma carícia de amor tão doce que agora tem lugar entre a alma e Deus, e peço a Deus da sua
divindade para o fazer experienciá-la, que pode pensar que estou a mentir.” In WALLACE, Robert - The
World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p. 144.
300 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 699.

58
Deus, que não é só direccionado para Santa Teresa, mas também para toda a
humanidade.301

Bernini transformou a sua experiência visionária numa obra de sensualidade visto


que, no século XVII, era comum os artistas expressarem o amor espiritual em termos
sensuais. Por outro lado, os contrastes entre a rugosidade das nuvens (ou rochedos) e a
agitação dos panejamentos, integram o espaço real numa dimensão mística. As expressões
faciais e os panejamentos captavam a luz e projectavam sombras, visando um efeito de
profundidade e efeito teatral.302 [Fig. 1] Como descrito por Bernini, o santo êxtase afunda
de volta para uma nuvem, com os olhos
quase fechados e os lábios entreabertos
num suave gemido, revelando a
importância do Pathos na manifestação do
incorpóreo e imaterial na época barroca.

No altar, na zona superior, existe


uma pintura que representa os anjos no
céu que desviam as nuvens para que a luz
do Espírito Santo simbolicamente caia sob
a “terra”, neste caso sob a composição
escultórica, numa combinação de nuvens
pintadas e estucadas, anjos pintados e
outros esculpidos, reunindo pedra,

pintura, luz e cor.303 A luz celestial, que Fig.1 – O Êxtase de Santa Teresa - Bernini.
1645-1652
também devém da zona superior, desce Igreja de Santa Maria della Vitoria, Capela Cornaro, Roma.
para o mundo terrestre. Estes raios de
luz celestial são captados e interagem com a escultura de Santa Teresa, descendo sobre a
composição, pelo que as figuras parecem quase desmaterializadas. A sua natureza divina é
sugerida precisamente pelos raios dourados, provenientes da parte superior do altar. Toda a
escultura é portadora de um intenso realismo, que ocupa um espaço real que nos

301 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.
145.
302 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 699.


303 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.

145.

59
transcende. Esta explosão celestial acentua o ímpeto da seta angelical e confere
credibilidade total ao êxtase de Santa Teresa.304

Para que a ilusão fosse total, Bernini providenciou um público para este seu
“palco”. Nas laterais da capela encontram-se varandins que se assemelham a camarotes de
teatro, ocupados por figuras de mármore que representam os oito membros da família
Cornaro como testemunhas da visão. Apesar de apenas um deles estar vivo na altura, todos
eles são representados, movendo-se, como pertencentes ao mundo actual.
Presumivelmente, como os homens num camarote de um teatro, eles estão a observar e
comentar o milagre que está a acontecer na cena principal e central.305

Em suma, a escultura de Bernini, como já vimos, é combinada com a arquitectura,


escultura e pintura, as quais se fundiram surpreendentemente para sugerir uma existência
espiritual. Os artistas, com toda a certeza, incluindo Bernini, estavam conscientes da sua
missão de educadores, e vale a pena referir que eles se expressavam com termos
compreensíveis para os homens comuns.306 Bernini enquanto católico devoto, acreditava,
como Miguel Ângelo que recebia a sua inspiração directamente de Deus. A sua escultura
religiosa tinha como objectivo ajudar o contemplador a “sentir” os acontecimentos
milagrosos, exercendo assim uma forte impressão sobre os sentidos. Foi um artista
profundamente enraizado no humanismo renascentista, e na sua escultura o gesto e a
expressão são fundamentais como artíficios emocionais, comuns ao Renascimento, embora
Bernini os utilize com uma liberdade que parece anti-clássica. Para o escultor, a
Antiguidade mais não era do que um ponto de partida para a sua própria inventiva e
criatividade.307 No entanto, o realismo psicológico, a credibilidade das acções, e das
emoções, eram apenas uma parte da concepção da escultura de Bernini.

304 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 701.
305 WALLACE, Robert - The World of Bernini : 1598-1680. 6ª ed. Amsterdam : Time - Life Books, 1983, p.

144.
306 Ibid., p. 145.
307 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 702.

60
CAPÍTULO 2 – A ESCULTURA E O CORPO NO SÉCULO XX

A permanência da Escultura Comemorativa

Rosalind Krauss define o termo escultura, enquanto convenção, como um conjunto


de normas aceites e constituídas pela tradição da escultura. Não constitui uma verdade
absoluta e universal, mas tem a sua própria lógica interna e não pode modificar-se
demasiado, isto é, não pode afastar-se da norma.308

A prática da escultura sempre foi regida por princípios básicos, nomeadamente a


sua incontornável tridimensionalidade, afirmando-se como arte visual graças à presença da
matéria que lhe conferia peso. Caracterizava-se como uma arte mimética, que pressupunha
a representação e cuja temática maior era a figura e o corpo humanos. Com um valor
intrínseco, formado na cultura ocidental, a escultura proporcionava uma visão sequencial
do pensamento humano sobre o corpo e o modo de o representar.309 A lógica interna da
escultura pressupõe que esta seja figurativa, vertical e que tenha um pedestral como
intermediário entre o lugar em que está implantada, o signo que representa e a relação
maioritariamente frontal com o sujeito. Krauss defende que a lógica da escultura é
inseparável da lógica do Monumento, pois ambas interligam-se na representação
comemorativa e na dimensão simbólica a ela inerentes.310

Na história da escultura, o percurso de Auguste Rodin (1840-1917) é fundamental


não só pela prática de escultura comemorativa e simbólica, como tinha sido praticada até
então, mas, sobretudo, pela nova linguagem da Modernidade, que manifesta, em particular,
com a estátua de Balzac. Rodin nasceu em Paris, e inicialmente não foi aceite como aluno
na Escola de Belas Artes de Paris, frequentando a Petit École, especializada em artes
decorativas.311 Em 1875, foi para Itália dois meses, e estudou as obras de Donatello e
Miguel Ângelo. O contacto com estes dois mestres confirmou o interesse muito particular
em Miguel Ângelo, que mostrava a angústia interior e os sentimentos através dos gestos do
corpo.312 A primeira grande oportunidade chegou em 1880, ao ganhar um concurso para a

308 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 292.
309 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 414.
310 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza

Editorial, 2006, p. 292.


311 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 952.


312 BINDMAN, David - European sculpture from Bernini to Rodin. London : Studio Vista, 1970, p. 142.

61
execução das Portas do Inferno, embora o projecto não se tenha vindo a concretizar,
trabalhou nele até à sua morte.

As Portas do Inferno constituem um legado incontornável para a contextualização na


tradição da escultura simbólica e comemorativa. A obra consiste num portal esculpido, que
foi encomendado em 1880, para ser instalado no Cour de Comptes, no Museu de Artes
Decorativas de Paris, mas não foi concluída devido à sua morte. Executada em bronze, tem
mais de cento e oitenta figuras, com dimensões que variam de 15 cm a mais de um metro.
A temática do Inferno da Divina Comédia de Dante Alighieri (1265 – 1321), onde a obra O
Beijo parece ter sido inspirada, assim como as
Flores do Mal, de Charles Baudelaire (1821 –
1867), foram inspirações para Rodin.313 Nesta
obra são aplicadas as convenções do relevo e
das grandes portas do Renascimento,
especialmente a Porta do Paraíso, de Lorenzo
Ghiberti, para a Catedral de Florença,
constituindo-se o maior modelo inspirador
para esta composição.

Neste portal, Rodin decidiu seguir


sobretudo a sua imaginação, o seu próprio
senso de movimento e composição. O portal
apresenta uma congregação de grupos,
estando dividido em três partes principais.

Nas composições religiosas medievais e


Fig.2 – Portas do Inferno - Rodin.
1880-1900 renascentistas existia a simetria mas,
Gesso; 552 x 400 x94 cm.
Musée d’Orsay, Paris. sobretudo, a disposição hierárquica da direita
e da esquerda, da parte superior e inferior, constituindo meios tangíveis para expressar a
ordem do céu e da terra, a sua separação formal e simbólica. 314 Deste modo, o portal tem
uma divisão superior horizontal e duas inferiores verticais. Esta divisão parece ter implícita
a forma da cruz de Cristo, que, neste caso, enquanto intersecção do mundo material e
transcendental, pode estar relacionada com a simbologia de união entre estes dois mundos,
podendo enfatizar o facto de que o que é praticado na terra (mundo material) tem
313 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 952.
314 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 41.

62
influência no final da vida e na passagem para o Paraíso ou para o Inferno,
respectivamente.

As Portas do Inferno narram a queda dos homens no Inferno, numa espécie de


precipício, após a sua morte, face aos seus pecados no mundo terreno, reflectindo a
instabilidade do homem moderno e a sua falta de espiritualidade.315 [Fig. 2] Representando
a futilidade da vida, a incapacidade de satisfazer as paixões mais desgorvenadas,
corresponde ao destino dos pecadores no segundo círculo do Inferno de Dante. O
significado do Portal é certamente simbólico e de forte pendor moral, no qual o corpo é
anfitrião do desespero, da ausência de energia e da fadiga interminável, que relata a
impotência e a punição a que no Inferno se está sujeito. Neste sentido, os sentimentos ou
as açcões da maioria das personagens estão interligadas, e são reflexo da sua própria
interioridade. A parte superior do portal contém o Pensador, que parece que se destinava a
representar Dante.316 Esta figura surge sentada e com o corpo impulsionado para a frente,
estando um cotovelo apoiado na perna, com uma expressão facial muito rica, como quem
está a pensar e, de certa forma, a observar o que se passa no compartimento inferior do
portal. Esta escultura, na posição central e superior em que se encontra, parece substituir
Cristo no trono do juízo final,317 enquanto símbolo da interioridade do homem, ligada ao
pensamento, que, posteriormente, se vai tornar o foco da criação artística e símbolo da
época.

O registo formal do movimento e dos gestos das outras figuras reflectem o possível
horror que os corpos passam no Inferno, sendo que certas figuras estão irremediavelmente
condenadas, sendo representado o drama e a expressão corporal de um momento de
sofrimento, despertando o pathos. Graças ao movimento intenso, todo o conjunto é fluído,
com os corpos a cair no fundo do Inferno: uns tentam ceder, e outros já se deram por
vencidos.318 Para além disso, todas as personagens da composição possuem uma
componente narrativa, desde o contexto geral da composição até ao mais particular, como
o Pensador.

No que diz respeito ao tratamento do corpo nú das figuras, Rodin fez


representação de modelo vivo para uma expressão mais individual em cada figura, embora

315 BINDMAN, David - European sculpture from Bernini to Rodin. London : Studio Vista, 1970, p. 152.
316 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 952.
317 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 41.
318 Ibid., p. 40.

63
se apresentem numa escala inferior ao tamanho natural. O corpo da maioria das
personagens são característicos de um tratamento intenso de musculatura, torção e
movimento, que pretende exprimir não só a fisicalidade do acontecimento, mas também o
contexto psicológico das figuras condenadas. Deste modo, Rodin expressou a componente
sentimental das figuras que se fixaram maioritariamente no mundo material.

Este portal, em comparação com outras obras de Rodin, possui apenas um único
ponto de vista, o frontal, mas, apesar disso, contém uma expressividade tão acentuada, ao
ponto de algumas representações do corpo darem a sensação que estão em intenso
movimento e sensação de queda. Por sua vez, a representação do rosto da maioria das
figuras não são uma prioridade, visto que é dada mais expressão aos movimentos corporais.
Por outro lado, existe uniformidade entre corpo e rosto, em termos de modelação, no caso
particular do Pensador, o que lhe confere uma unidade expressiva admirável. Esta figura do
Portal foi reproduzida em tamanho maior e enquanto escultura independente.

O Pensador recupera algumas das suas


conotações mórbidas das Portas do Inferno, o que
em si pode reflectir uma visão menos optimista
sobre a vida após a morte. Rodin parece nunca
ter indicado, especificamente, o objecto de
pensamento desta figura. Pouco antes da sua
morte, discutindo a escultura com um repórter
de um jornal, mostrou a sua preocupação com a
expressividade do acto de pensar.
Para ele, as narinas inalam, o coração bate, os
pulmões respiram, o ser enquanto complexo
corpo/mente pensa e sente, tem dores e

alegrias, ambições, paixões e emoções; o Fig.3 – O Pensador - Rodin.


1879-1887
pensador não pensa apenas com o seu Bronze.
Museu Rodin, Paris.
cérebro, com a sua testa franzida, as narinas
dilatadas e os lábios comprimidos, mas com todos os músculos dos seus braços, costas e
pernas e com o punho cerrado.319

319 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 52.

64
Guiado pela primeira inspiração para as Portas do Inferno, Rodin concebeu outro
pensador, com a mesma posição, sentado, em vulto perfeito, nú, em que o pensamento se
desenvolve no seu cérebro. O pensador está sentado, com o corpo impulsionado para a
frente, estando o cotovelo direito apoiado na perna esquerda e o braço esquerdo apoiado
no joelho esquerdo. Possui os músculos corporais bem definidos, assim como uma
expressão facial muito intensa, e rica, a nível simbólico: as sobrancelhas estão franzidas, os
músculos da testa contraídos, apoiando as falanges da mão no queixo. [Fig. 3]

Devido ao facto de Rodin não ter anunciado aquilo que a figura estaria a pensar,
deu azo a várias interpretações; uma delas defende que o Pensador não é sonhador, mas, sim,
criador. Seria, assim, uma projeção pessoal do artista, do seu pensamento profundo
indicativo do esforço exigido pela criação. No entanto, nas Portas do Inferno, é um dos
expedidos para o Inferno. Rodin pode ter sugerido que, na ausência de um juíz supremo, o
pensador poderia ser, ironicamente, o prisioneiro da sua própria humanidade.320
Neste contexto, pode apropriadamente ser inscrito a proposição: Penso, logo eu sou
maldito, no sentido em que é através do pensamento que os homens se tornam conscientes
do poder e da consequência das paixões, que infligem a autocrucificação sobre a
humanidade. Será a presença de um homem pensador na Porta do Inferno, uma ida para o
Inferno e uma sentença de morte? Será a morte do homem comum ou do homem criador?
Ou será da própria Arte, como os artistas a conheciam até então?

Para Rodin, este tipo de temas desperta a imaginação do espectador, dando-lhes a


liberdade de interpretação que, consistia no papel da Arte.
Desde a sua ampliação e isolamento das Portas do Inferno, o pensador tem sido muito
referenciado, visto que se tornou um símbolo universal atemporal. Constituiu um marco
significativo no meio artístico, visto que despertou os homens para o acto de pensar. De
actividade que se regia pela imitação, passa doravante a focar-se no pensamento do artista e
no conceito da própria criação. Esta obra pode ser o novo Homem que irá nascer no
século XX e intensificar-se até aos nossos dias.

320 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 53.

65
Por sua vez, O Beijo foi retirado de um dos estudos das Portas do Inferno, e executada
em escultura de vulto. Pensa-se que foi criada entre 1882 e 1889. Executada em mármore,
representa um casal nú sentado que está a beijar-se apaixonadamente. O homem está numa
posição direita, mas com uma torção para o seu lado esquerdo, onde está a mulher. A sua
mão toca na coxa dela, enquanto ela, levanta ligeiramente a sua perna direita, deixa-se cair
para o seu lado direito nos braços do amado, e com o seu braço esquerdo contorna o
pescoço do mesmo. A sensualidade é evidente na forma como os corpos foram compostos
e na forma como estão a sugerir o beijo. [Fig. 4] O contraste evidente entre as superfícies
polidas, neste caso os corpos, e as superfícies
rugosas, isto é, a base onde os corpos assentam,
parece ter uma ligação com a escultura de
Bernini, nomeadamente o contraste que existia
entre o tratamento superficial do corpo humano
e a base de onde a escultura provinha, como no
Êxtase de Santa Teresa, em que as nuvens são
rugosas e dão um destaque tremendo à própria
representação do anjo e de Santa Teresa. No
caso do Beijo, os corpos ficam destacados e
valorizados, dando a sensação de que não são
feitos de pedra, mas, sim, de pura carne.

O material é tradicional, assim como a

Fig.4 – O Beijo - Rodin.


abordagem e o modo de esculpir. Desta
1882 escultura, tal como no Monumento a Balzac, que
Mármore; 81.5 x 112.5 x 117 cm.
Museu Rodin, Paris. será contextualizado mais adiante, foram feitas
várias cópias para poderem ser implementadas em vários locais. A impermanência da
escultura num determinado lugar passou a ser uma realidade e, para além disso, a escultura
alterou a sua relação com a própria representação da natureza, e abriu caminho à
abstracção. Numa linha de continuidade temática, apresento uma outra obra titulada O
Beijo, de Constantin Brancusi.

Brancusi (1876-1957) estudou na Escola de Artes e Ofícios em Craiova (Roménia)


e, de seguida, na Escola Nacional de Belas Artes de Bucareste (Roménia) até ir para Paris

66
em 1904.321 Trabalhou brevemente no estúdio de Rodin como ajudante322 e num processo
de simplificação da realidade, ou de transfiguração do real, insere-se, e foi considerado
precursor da Arte Abstracta. A realidade da vida não é anulada, visto que o artista é
envolvido em dois mundos, e vive dessa relação, no sentido de que só a captação desta
primeira realidade torna possível a segunda - a arte. A transformação da matéria inerte em
matéria “formada” é determinante no carácter da obra de arte que relaciona a realidade e a
idealidade, adoptando um cariz primitivo. Brancusi “vive” a pedra ou a madeira que corta,
visto que o que é relevante é a própria acção e não as teorias.323 No espírito de Brancusi
está presente uma depuração absoluta, que revela a sua essência. De certo modo, e
salvaguardando a sua especificidade, parece ter uma certa relação com o platonismo, no
sentido da sua busca da essência e da “forma
pura”, procurando o essencial da matéria.

A obra, O Beijo, de Brancusi, datada de


1909-1910, é executada num material puramente
tradicional, a pedra. Esta escultura está
implementada no Cemitério de Montparnasse,
em Paris, comemorando o triunfo do amor
sobre a morte.324 Consiste num homem que
abraça o pescoço de uma mulher, enquanto a
mulher vai na direcção oposta para abraçar o
pescoço do homem. Estas são as únicas linhas
ascendentes da escultura, que parecem ter uma
ideia de simetria, que na parte inferior da
composição é interrompida verticalmente pela Fig.5 – O Beijo - Brancusi.
1909
projecção do peito da mulher. Na parte Calcário.
Cemitério de Montparnasse, Paris.
inferior da obra, as pernas estão dobradas, os
joelhos estão a repousar um sobre o outro e, os pés assentes no chão.

Os rostos não são detalhados, assim como o corpo. A forma é reduzida às suas
linhas gerais, de forma que nos seja possível percepcionar e reconhecer o que está presente
na morfologia. O todo consiste num paralelepípedo, um volume maciço do qual se

321 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 9.
322 DUFRÊNE, Thierry - Six leading sculptors and the human figure : Rodin, Bourdelle, Maillol,
Brancusi, Giacometti, Moore. Atenas : Cultural Olympiad, 2004, p. 44.
323 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 19.
324 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 22.

67
desenvolve a forma, que é quase “anti-forma”, no sentido em que a representação apenas
parece enaltecer o desenho dos corpos. A tridimensionalidade é um factor que nesta
composição aparenta estar ausente, dado que a obra está mais relacionada com a própria
técnica do relevo. [Fig. 5] A escultura parece que é trabalhada quase exclusivamente numa
vista frontal e, talvez, traseira, quase como se de uma imagem se tratasse. Neste sentido,
apresenta-se muito leve e o volume concreto parece diluir-se no espaço, apenas como um
potenciador do reconhecimento, para posteriormente ser apreciada a vertente espiritual.
Esta relação da escultura com o seu carácter quase bidimensional relaciona-se com uma
componente imagética, e até espiritual, pura e sem corpo, que Brancusi tanto procurou, e
que estabelece relação com a própria geneologia das imagens medievais, retirando-lhe o
carácter religioso.

Tal como na Idade Média, a escultura de Brancusi não é derivada da observação e


representação da natureza, neste caso do corpo de um modelo; esse facto é evidente nesta
escultura, visto que os pormenores do corpo são anulados: as volumetrias dos músculos, a
própria anatomia e a representação do corpo, como ele é, são inexistentes, o que significa
que existe uma abstracção da morfologia e fisionomia do corpo. O próprio bloco de pedra
dá quase a ideia de ter sido intocado, no sentido do corpo ter as mesmas faces planas do
bloco de pedra inicial. Os corpos são lisos, a anatomia é anulada e apenas é visível um
desenho sintético do corpo que faz lembrar os desenhos de Villard de Honnecourt na
Idade Média, em que a representação do corpo era reduzida a formas elementares, pelo
facto do lado espiritual ser o mais relevante. Neste caso, a escultura de Brancusi relacionava
a vertente espiritual (acção interior) e a do sensível (acção material).325 Brancusi não
destacou a inteligência ou o conhecimento entre o espectador e a obra, mas, segundo ele,
criou uma ligação entre os sentidos e a mente. Assim, uma obra abstracta reflecte as
percepções conceptuais de um artista,326 isto é, do que reside na sua mente, sendo que a
morfologia que nos é dada a percepcionar pelos sentidos manifesta um afastamento da
realidade. Perante a abstracção, o título é um aspecto importante do trabalho de Brancusi.
Embora nunca considerando a sua escultura inteiramente abstracta, utiliza o título para
contextualizar a forma e o ignificado, descrevendo um estado de ser, sem cair na narrativa,
e o título acaba por indicar o sentido da escultura.327

325 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 13.
326 GIMÉNEZ, Carmen - GALE, Matthew - Constantin Brancusi : the essence of things. London : Tate
Publishing, 2004, p. 53.
327 Ibid., p. 55.

68
Comparativamente ao Beijo de Rodin, podemos constatar que existe uma mudança
muito evidenciada. Brancusi estava a romper com o que os críticos admiravam, sobretudo,
no trabalho de Rodin: o aspecto ilusionista do material, que permitiu que a figura de
mármore e a sua base de pedra se misturassem numa unidade perfeita; o que tinha sido
praticado por Miguel Ângelo: a figura inacabada embutida no mármore e, parecendo
emergir da rocha, torna-se um método na escultura de Rodin, em que o mesmo pedaço de
mármore pudesse ser semelhante à carne.328 A mudança é manifestada a vários níveis; para
além do tratamento de superfície, que em Rodin é cuidado e em Brancusi não apresenta
nenhum tratamento, apresentando-se em bruto, o método de representação é
completamente distinto, sendo que Rodin se insere na escultura figurativa e Brancusi na
escultura de carácter mais abstractizante; o cariz formal da escultura de Rodin aposta numa
dimensão realista, enriquecendo a escultura com o pormenor; já Brancusi limpa a forma de
pormenores, sintetizando-a e depurando-a, visto que não concede relevância à forma
exterior, mas, sim, à captação da essência;329 a tridimensionalidade, que em Rodin se
manifesta em todos os ângulos, parece ser negada por Brancusi, que destaca apenas um
ponto de vista. A nível de dinamismo formal, Rodin apresenta uma posição dinâmica,
enquanto Brancusi enfatiza uma posição estática e unificada dos corpos, constituíndo um
repensar em termos de um todo, de uma totalidade, visto que os dois personagens da
escultura são literalmente um só corpo, ao contrário da de Rodin, em que se observam
nitidamente dois corpos separados e distintos, que estão unidos pelo beijo.

A escultura de Brancusi pertence a outro mundo, de formas simples, primitivas, que


são parte de um universo psicológico. O papel da arte, para este artista, assenta na
percepção da conexão entre as formas visíveis e a realidade essencial, numa dimensão
espiritual. Neste domínio, a simplicidade não é o objectivo da arte, mas, sim, conseguir
alcançá-la, quando há uma aproximação ao verdadeiro sentido das coisas.330 Por sua vez, a
escultura de Rodin pertence ao mundo real, da observação directa da natureza, que implica
uma correcta representação de anatomia, um grande dinamismo formal e até uma
componente simbólica, e até comemorativa, no que diz respeito à inseparabilidade da lógica
da escultura do monumento, como referido por Rosalind Krauss. A expressividade na
modelação, e a ligação da escultura à componente psicológica do personagem, ou figura da

328 GIMÉNEZ, Carmen - GALE, Matthew - Constantin Brancusi : the essence of things. London : Tate
Publishing, 2004, p. 52.
329 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 68.
330 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 1000.

69
obra, que vai desenvolver, por exemplo, no Monumento a Balzac, vai demonstrar uma
aproximação a um universo psicológico significativo para a escultura na Modernidade.

O historicismo é um factor que interliga a escultura ao Monumento. No século


XIX o desvanecimento da lógica do Monumento constitui um marco de transição para o
Modernismo. A estátua de Balzac, de Auguste Rodin, datada de 1897, foi concebida como
Monumento. Em 1891, recebeu um financiamento para
executar uma escultura de um escritor francês, Honoré de
Balzac, para ser colocado à frente do Palácio Real. Balzac
tinha morrido em 1850 e foi encomendado ao escultor a
recriação de uma personalidade com a qual ele não teve
contacto. Balzac foi um dos fundadores da Societé des
Gens de Lettres, em Paris, assim como o segundo
presidente da organização e, após a sua morte, em 1850,
manifestou-se o interesse na criação de uma estátua
comemorativa.

Fez cerca de quarenta estudos, sendo que os mais


significativos foram desenvolvidos pela sua imaginação e
por uma descrição de Alphonse de Lamartine (1790-
1869), que nos dizia que Balzac tinha cabelo despenteado,
que nunca fora cortado, que tocava no colarinho e nas
bochechas; tinha uma cabeça grande, um corpo colossal,
grande e robusto; demonstrava na sua acção um carácter
vincado e os seus braços curtos gesticulavam com
Fig.6 – Monumento a Balzac - facilidade.331 Os estudos de Rodin variaram entre retratos
Rodin.
1897 de figuras nuas, musculadas, e idosos, juntamente com
Gesso; 300 x 120 x 120 cm.
Museu Rodin, Paris. representações bem-humoradas e distorcidas. Rodin
estudou repetidamente o manto, bem como as diferentes características faciais, derivadas
das suas pesquisas e das referências fisionómicas algo limitadas.

A escultura, em questão, consiste num corpo masculino, de pé e coberto por um


panejamento. A posição do corpo não se apresenta de modo puramente frontal, havendo
uma torção para a sua direita, que o rosto acompanha. A noção do corpo parece anulada
com o panejamento que Balzac possui. Aliás, dá a ideia de ser um casaco que lhe está a

331 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 101.

70
cobrir o corpo, não estando completamente vestido. Ainda assim, percebe-se que tem
corpo porque há algum cuidado de fazer antever o que está por baixo do panejamento,
embora através da sua mera sugestão subtil. De todas as suas versões, Rodin escolheu uma
das que menos se pode remeter para a realidade. [Fig. 6] Parece que existe uma relação com
a escultura da Idade Média, no sentido em que se usava o panejamento até aos pés, de
forma a anular a noção do corpo que era irrelevante para a mundividência espiritual da
época; no entanto, aos rostos era dada uma importância que o corpo não tinha. Assim, na
escultura de Balzac, o corpo está mais limpo e depurado, quase inexistente, em comparação
com o rosto, em que foi muito trabalhada a expressão facial, que reflecte o carácter da
personalidade. Este factor transmite toda a força criativa de Rodin, mostrando um homem
no fluxo da sua vida interior, tendendo para uma representação mais psicológica.

As proporções e distorções físicas, que foram muito criticadas, fizeram com que o
Monumento a Balzac fosse um símbolo das aberrações da mentalidade do fim do século. O
ataque público chocou o artista, que defendera que, em comparação com outras obras suas,
como acontece em O Beijo, o entrelaçamento da obra é bonita, mas não fez nenhuma
descoberta, visto que é um tema tratado de acordo com a tradição académica, uma
escultura completa em si mesma e, artificialmente, separada do mundo. A estátua de
Balzac, ao contrário, pela sua postura e aparência, faz imaginar o ambiente em que ele viveu
assim como o seu pensamento. Por outras palavras, a arte ia além do modelo e requeria a
imaginação para recompor o trabalho.332 No entanto, o gosto do público tem sido marcado
pelo hábito de fazer uma “cópia” do modelo, para o qual está habituado, mas Rodin
pretendeu captar na escultura algo que ultrapassa a imitação ou captação física da
personagem, visto que a escultura não era uma fotografia. 333

Como consequência, Balzac representa uma ruptura com a lógica de Monumento


pelo seu grau excessivo de subjectividade fomal, mas, sobretudo, por não ter sido colocada
no local para o qual foi executada, por ter sido reproduzida inúmeras vezes para ser exposta
em vários museus de várias partes do mundo. A escultura evidenciou uma perda de lugar,
por outras palavras, autonomizou-se do lugar de implantação, passando a ser nómada e a
sua permanência deixou de ser uma das suas características.

Em suma, a escultura e o corpo no século XX sofreram rupturas face à sua tradição


académica. A ausência do factor comemorativo enquanto monumento, a autonomização da

332 ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 102.
333 Ibid., p. 103.

71
escultura do pedestral, que a elevava e afastava do observador, assim como a negação no
modo de representar fielmente o corpo humano, foram passos fundamentais para o
nascimento da escultura enquanto ideia do artista, para a sua aproximação do corpo do
observador e para o desenvolvimento da escultura de carácter abstracto. Neste sentido, a
obra de Brancusi, O Beijo, de carácter abstracto, apresenta visualmente a ruptura radical
com a tradição académica da escultura.

Rodin evidenciou simultaneamente conservadorismo e modernidade. Com o Beijo,


recebe muitos elogios da crítica, enquanto obra de arte no sentido académico. Nas Portas do
Inferno começa a pensar em esculturas que “pensam” com o próprio corpo, como O
Pensador, que depois realiza em vulto completo. Anos mais tarde, com Monumento a Balzac,
rompe com a tradição da representação da escultura e com o próprio conceito de
monumento. Esta representação de carácter subjectivo, como foi acusada, representou o
corpo de uma forma grotesca e o rosto com uma expressidade que não atribuía à escultura
uma noção relacional de uniformidade. Rodin foi a expressão do espírito moderno.
Embora nunca tenha pensado em termos completamente abstractos, potenciou a dimensão
arbitrária do artista e a sua expressividade, como ocorre, depois de 1900, nas obras de
Brancusi, Duchamp, entre outros. Rodin deu aos artistas jovens um precedente para o
estabelecimento de critérios que foram baseados na expressividade auto-suficiente do
artista, na capacidade da escultura ser ainda mais reduzida, até se tornar fragmento, sem
perder a sua essência, libertando-a de uma vinculação muito estreita à tradição.

Com Brancusi, concebe-se uma nova consciência do espaço, a ideia do espaço


como absorção do ser. A ideia de espaço leva directamente à origem e à essência da obra de
arte.334 Por isso, sente-se atraído pela consciência do espaço infinito, em que o artista sente
a necessidade de uma forma absoluta.335 Assim, o espaço para ele é, ao mesmo tempo, uma
vivência interior e forma universal, isto é, são vivências no absoluto.

Já a obra de Alberto Giacometti (1901-1966) traduz a evidência e a longa pesquisa


do criador à procura do absoluto. Neste sentido, a perda de corporalidade torna-se uma
figura de estilo que, paradoxalmente, dá uma estabilidade visual às suas esculturas. No meu
entender, possui características tradicionais da escultura a nível material, mas, em
simultâneo, contrasta drasticamente com aquelas pela perda de massa na representação do
corpo humano, quase reduzido ao seu próprio esqueleto, à sua estrutura, que nos dá uma

334 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 33.
335 Ibid., p. 35.

72
enorme sensação de leveza. Trabalhando de memória e observavando o modelo à distância,
para ter uma visão global, reduziu as esculturas à sua génese, a partir da interpretação
psicológica da forma, reduzindo-os quase a um traço. O domínio da abstracção estava
anunciado.

73
Alberto Giacometti

Alberto Giacometti nasceu, em 1901, em Borgonovo, na Suíça, e morreu, em 1966,


em Coire. Filho de Giovanni Giacometti, um pintor suíço neo-impressionista, desenvolve
desde cedo habilidades de representação, encorajado pelo pai. Em 1906, a família muda-se
para Stampa, na Suíça, onde Giacometti irá desenvolver o seu trabalho artístico
direccionado para a escultura, pintura e desenho, depois da morte do seu pai. Interessava-se
por livros e reproduções de arte que encontrava no atelier do seu pai, sobretudo sobre
Durer, Rembrandt, Van Eyck, e começou a copiar as suas obras através do desenho,
actividade que praticou ao longo da sua vida, e que foi significativa para o desenvolvimento
da sua obra.

Formou-se em Escultura, em Paris, no início dos anos de 1920 e, passado cinco


anos, ocupa o seu primeiro atelier. Interessava-se por todas as obras do passado, mas
sobretudo pelo Barroco, pelos mosaicos bizantinos, Egípcios e pelas obras da Idade Média.

A influência de Jacques Lipchitz (1891-1973), e de Constantin Brancusi, vão ser


fundamentais na sua obra.336 A influência de Jacques Lipchitz, escultor cubista, parece estar
relacionada com a abstratização do corpo na escultura, que tem origem no interior do
artista, e na sua componente mental e imaginativa. O corpo na maioria das suas obras é
interpretado com planos e formas geométricas. As formas da realidade eram decompostas,
e afastavam-se da fiel relação com a natureza, desestruturando o corpo no sentido realista,
isto é, como o percepcionamos. Deste modo, a representação, no sentido clássico, é
superada, e apenas é sugerida a estrutura parcialmente reconhecível dos corpos, que
mistura e sobrepõe os vários pontos de vista, simultaneamente. Por sua vez, a influência de
Constantin Brancusi parece também interligar-se com a abstração e, sobretudo, com o seu
essencialismo, que se concentra em formas básicas e de simplicidade absoluta,
aproximando-o de uma génese formal. Sendo uma figura central do Modernismo, e um dos
pioneiros da Abstracção, a sua influência parece-me, do mesmo modo, interligada com as
esculturas A Coluna sem Fim e Pássaro no espaço, as quais analisaremos em contraponto com a
obra de Giacometti.

A Coluna sem Fim, datada de 1937-1938, foi implementada em Târgu Jiu, na


Roménia e, enquanto escultura de exterior, tem uma relação com a paisagem. É constituída

336 REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A, 1998, pp. 78-79.

74
por dezasseis elementos, em forma de losangos.337 Tal como as figuras de Giacometti, a
coluna apresenta-se bastante delgada e adopta uma verticalidade, embora, no caso de
Brancusi, a coluna seja quase infinita, dando a sensação que é interminável. [Fig. 7] A
dimensão monumental de 30 metros, reporta
a forma ao infinito, como símbolo de
libertação e transcendência. Apresenta uma
grande simetria, e até expressividade, no
sentido em que parte de um módulo, que se
repete, atribui expressão à silhueta do
conjunto. Assente no chão, a coluna não tem
a necessidade de uma base, sendo evidente,
neste caso, a anulação completa do pedestral,
estando a coluna em contacto directo com o
espaço do observador. O simbolismo da
coluna tem um profundo significado
espiritual, assentando na comunicação entre
a terra e o céu, em que o homem pode
Fig.7 – A Coluna sem fim - Brancusi.
comunicar com os poderes celestiais, 1937/1938
Ferro forjado e aço; 3000 x 120 x 120 cm.
direccionando-se para o divino. Brancusi Târgu Jiu, Roménia.

destacou o simbolismo da ascensão e de transcendência, ao mesmo tempo que possui uma


dimensão espiritual da forma pura, o diálogo com o mundo e a busca do absoluto.338

Por sua vez, em Pássaro no espaço, de 1928, Brancusi tenta materializar, num gesto
muito simples, o movimento do voo, isto é, concentra-se no movimento do pássaro e não
nos seus atributos físicos; as asas e a sua textura são eliminadas, dando lugar a um corpo
alongado e vertical que culmina na cabeça e no bico reduzidos a um plano oval inclinado.
[Fig. 8] Esta escultura evidencia a oposição à concepção da arte como uma imitação ou
reprodução fiel da natureza, para o sucesso da escultura não-figurativa.339 A escultura é
completamente polida, parecendo atingir uma neutralidade formal, indo de encontro à
procura da síntese e da essência da forma patentes na obra deste artista. A verticalidade, a
abstracção e a síntese do corpo humano, como o entedemos na obra destes artistas,
buscam a noção de decomposição ou desestruturação da escultura desenvolvida por
Giacometti, ao ponto de eliminar os pormenores do corpo humano, sintetizando a forma e
337 IONEL, Jianou - Introduction à la sculpture de Brancusi. Paris : Arted-Éditions d'Art, 1976, p. 68.
338 Ibid., pp. 70-71.
339 Ibid., p. 42.

75
registando o movimento; isto é, a procura da essência da forma mental, que torna o corpo
delgado e particularmente leve.

Tal como Brancusi, Giacometti interessava-se pela arte africana e primitiva, para
além da arte da Oceânia e das estatuetas das Cíclades.340

Começa com a representação tradicional a partir do


modelo, mas, para este artista, este modo de representar
não era apropriado, dada proximidade entre o escultor e o
modelo. Necessitava de espaço, de distância do corpo, para
não se focar nos pormenores e captar uma figura no seu
conjunto. Esta sensação de impossibilidade levou
Giacometti a renunciar ao trabalho de representação com
modelo natural, aproximando-se das teses cubistas e
surrealistas. Para o escultor, existia uma relação concreta
entre a arte e realidade: a arte é válida só quando recria uma
duplicação da realidade, entendida como a revelação da
verdade mais profunda do ser.341 Deste modo, abandonou
a realidade e realizou construções imaginárias ou
transposições estilizadas da figura humana, na tentativa de
realizar, de memória, a realidade de um corpo342, isto é,
uma interpretação psicológica da forma. A própria
escultura tradicional, que tem a sua origem na Arte Grega,
enquanto realista, não era uma duplicação da realidade,
visto que se baseava em cânones artificiais, nomeadamente
no Belo Ideal ou Belo Reunido. Neste sentido, a obra de

Fig.8 – Pássaro no espaço - Brancusi.


Giacometti também se baseia numa realidade oriunda do
1928
Bronze; 137,2 x 21,6 x 16,5 cm.
interior do artista, uma espécie de ideal, ou melhor, uma
The Museum of Modern Art, Nova
Iorque.
“ideia” da ideia do corpo, à semelhança dos escultores
gregos.

Assim, Giacometti esculpia a distância que o separava da forma, passou a esculpir


imagens que eram conseguidas através da distância face ao modelo, e não da sua

340 DUFRÊNE, Thierry - Six leading sculptors and the human figure: Rodin, Bourdelle, Maillol, Brancusi,
Giacometti, Moore. Atenas : Cultural Olympiad, 2004, p. 58.
341 REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A, 1998, p. 43.
342 Ibid., pp. 78-79.

76
observação directa. Foi o primeiro a esculpir o homem como ele aparece, ou seja, a partir
de uma distância.343 Esta distância possibilita a manifestação da ideia, do “surreal”, do
interior do próprio artista que realizava as “representações” de memória. Assim, as figuras
alongadas, delgadas, estilizadas e aparentemente frágeis eram passadas a um material
tradicional, como o bronze, mas com uma fisicalidade e percepção completamente
diferentes, que correspondem à concepção da realidade do artista.

Nos anos de 1930, adere oficialmente ao Surrealismo, participando nas actividades


do grupo e, em 1932, expõe individualmente pela primeira vez na Galeria Pierre Colle, em
Paris. Depois de ser expulso do grupo surrealista pelo facto de querer retornar à
representação com modelo, apercebeu-se acidentamente da fragilidade das suas esculturas,
e era esse o argumento que procurava no seu trabalho. As suas esculturas tornam-se
progressivamente mais pequenas e delgadas. Até 1945, retomando o seu trabalho de
memória, as figuras nuas evidenciavam-se minúsculas, quase desaparecem.344 A partir desta
data, as suas esculturas aumentaram de tamanho, e mantêm a mesma sensação de
fragilidade.

Em 1948, retoma o seu trabalho escultórico, deixa de diminuir o tamanho das


esculturas, e continua a alongá-las e adelgaçá-las, de modo a obter figuras alongadas e
filiformes, as únicas que correspondem à sua visão da realidade. Despojadas de peso, era
esse o resultado que o artista procurava transmitir na sua obra, a leveza e o movimento. 345
Na Galeria Pierre Matisse, em Nova Iorque, ganha notoriedade, multiplicando o número
de exposições pela Europa e na América, sendo convidado para a Bienal de Veneza, em
1956, obtendo o Grande Prémio em 1962.

L´Homme qui marche

Giacometti trabalhava de memória, e observava o modelo à distância, para ter uma


visão global, reduzindo as esculturas ao que considerava ser a sua génese. Com a obra
L´Homme qui marche, em bronze, de 1960, a representação do corpo humano, que constitui
uma técnica tradicional, assim como a permanência de um material tradicional, como o
bronze, não invalidam a abstracção que existe nas esculturas deste artista. Apesar da

343 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 185.
344 REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A, 1998, p. 81.
345 Ibid., p. 82.

77
representação com modelo vivo, a observação foi feita à distância, para que fosse possível
ter uma visão global, e não ficar preso aos pormenores, ao contrário da norma da
representação da escultura com modelo. Neste contexto, o método tradicional da
observação atenta, próxima e pormenorizada do corpo, deixou de fazer sentido para
Giacometti. No sentido de contextualizar esta alteração, para além da própria abstracção, a
obra L´Homme qui marche, de Auguste Rodin, tendo a mesma temática, torna-se alvo de
análise.

A versão L'Homme Qui Marche, de Auguste Rodin, permite uma reflexão sobre a
passagem da escultura figurativa, que pressupõe a representação do corpo de uma forma
realista e pormenorizada, para a abstractização do mesmo que, neste caso, se aplica à obra
L'Homme Qui Marche, de Giacometti. A
obra de Rodin consiste num homem nú,
que está de pé, a caminhar, em que o
tronco se inclina para a frente e com uma
ténue torção para a esquerda. Não foi uma
modelação executada de uma só vez, mas
é o resultado de um conjunto de vários
estudos e componentes de outras
esculturas que foram unificados,
combinando um torso com umas pernas
que têm diferenças óbvias tanto na dureza
como na suavidade das suas superfícies,
assim como no pormenor.346 A escultura
foi concebida depois de 1900, fundida em
1914, utilizando estudos de S. João

Batista, datados de 1878. Apesar das


Fig.9 – L'Homme Qui Marche - Rodin.
diferenças destes elementos, Rodin 1907
Bronze; 213,5 x 71,7 x 156,5 cm.
montou-os no final de 1890.347 Decidiu Museu Rodin, Paris.

combinar as pernas da escultura de


S.João Batista, com um torso de barro de 1888, encontrado em desenhos e modelos de
Miguel Ângelo. O tronco é modelado por Rodin, e possui uma superfície irregular e
346ELSEN, Albert Edward - Rodin. New York : The Museum of Modern Art, 1963, p. 32.
347CHEVILLOT, Catherine (dir.) - Auguste Rodin (1840 -1917) The Walking Man in Musée Rodin. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.musee-rodin.fr/en/collections/sculptures/walking-man>[consulta em
24.01.2015].

78
expressiva, criando um efeito dinâmico de luz. Deste modo, este torso serviu de base para a
obra L'Homme Qui Marche, que faz uma referência directa à Antiguidade. [Fig. 9] A ausência
dos braços reforça os efeitos pretendidos pelo artista, que rompeu com a tradição
académica da figura completa. Esta escultura mostra não só o seu grau de expressividade, a
sua fascinação com os fragmentos da escultura antiga, mas também o seu interesse pela
representação escultórica do corpo humano em movimento sequencial. Ao representar os
dois pés firmemente assentes no chão, o escultor não tentou captar uma representação
realista de um homem a caminhar mas, em vez disso, os movimentos no início e no final
do acto, produzindo a impressão de um movimento que, de facto, leva vários momentos
para realizar.348

A expressividade é uma característica que une estes dois escultores. Com Rodin,
parece que conseguimos observar as marcas dos dedos do artista nas esculturas, fazendo-
nos sentir presentes no momento da criação; os corpos realistas que esculpia continham
sempre um alto nível de expressividade. Giacometti, por sua vez, procurava um sentido
expressivo do “eu”, apenas encontrado na sua mente. Até mesmo nas suas esculturas, a
superfície rugosa e expressiva dos corpos aparenta a visualização de milhares de dedadas do
artista à procura da forma e da expressão.

A verticalidade de ambas as esculturas estabelece uma concordância com as normas


da escultura figurativa, retirando o facto de, na obra de Giacometti, o pedestral, que era
tradicionalmente utilizado para elevar a escultura, ter sido reduzido a uma base de
sustentação. Em algumas obras de Brancusi, por exemplo, o pedestral fazia parte da
escultura e era trabalhado e enquadrado nesse domínio. Neste caso, Giacometti executou
apenas uma base alargada para sustentar a escultura, que está em contacto directo com o
observador e estabelece uma relação com o espaço circundante, surgindo uma dimensão de
monumentalidade, independente das dimensões da obra. A solução da base de sustentação
parece relacionada com as bases alargadas das esculturas do Egipto, para além da própria
posição frontal da escultura de Giacometti, com os braços adossados ao corpo, e que se
encontra numa posição que dá a ideia que vai começar a caminhar, com o pé direito à
frente do outro, embora, na escultura do Egipto, a posição dos pés seja contrária. A figura
é apresentada nua e aparenta uma escala real, numa confrontação directa com a escala
humana.

348ROBINSON, Louise - The Walking Man (L´Homme Qui Marche) in The Metropolitan Museum of Art.
1940. [Em linha] Disponível em WWW:<http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-
online/search/198565>[consulta em 24.01.2015].

79
A mudança mais significativa na obra de Giacometti, no âmbito da escultura
figurativa, era a sua própria aparência e concepção. A presença de um modelo na
representação do corpo, a utilização do material e a verticalidade constituíam normas
tradicionais. Porém, a fuga da realidade para um mundo interior, do artista, tornou-se o
centro da produção artística. Na sua procura de descobrir um outro mundo, o escultor
investigou a semelhança e a verdade do Outro, à procura da sua essência.349

Giacometti descarnava a matéria, e traduzia a longa busca do criador à procura do


absoluto.350 “Ao trabalhar a matéria, retira-lhe densidade, peso: escava, “arranha”, raspa até
ao osso, no próprio osso.” 351 A perda de corporalidade tornava-se uma figura de estilo que,
paradoxalmente, concedia uma estabilidade visual à sua escultura. O paradoxo consiste no
seu peso material, através dos quilos de bronze
da escultura, que contrasta com a sua
morfologia, a qual remete para uma ideia de
leveza, exprimindo o momento extremo em
que tudo irá desaparecer, isto é, o limit e da
dissolução. No entanto, a figura mantem-se de
pé, por mais delgada e frágil que aparente ser,
apresenta-se a caminhar, apesar de, a nível
anatómico e fisiológico, não ser possível estar
em movimento, visto que, o corpo não possui
músculo; é tudo estrutura corporal, o que faz
com que o caminhar seja tão leve. [Fig. 10]
Neste sentido, consiste numa obra que se auto-
Fig.10 – L'Homme Qui Marche I - Giacometti.
1960 destrói: não era uma estátua que existia num
Bronze; 182,5 x 26,5 x 96,5 cm.
Fundação Maeght, França. determinado espaço, mas era imagem, uma
espécie de aparência de um vulto ou projecção
do corpo, das quais a distância da realidade fazia parte, definindo o espaço entre a obra e o
espectador, que culmina no próprio artista. A própria modelação emprega um modo
clássico de tornar as superficies fluídas, vibrantes e potentes, evidenciando o seu caráter

349 PRAT, Jean-Louis - in REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António Coelho Dias, S.A,
1998, p. 6.
350 Ibid., p. 9.
351 POMAR, Júlio - Sempre a mesma coisa in REGO, Ivone (coord.) - Alberto Giacometti. Lisboa : António

Coelho Dias, S.A, 1998, p. 11.

80
expressivo.352 Na nossa percepção, cada parte da modelação aparenta um acrescento de
matéria de um modo delicado, sendo até possível percepcionar cada dedada do artista,
acrescentando, pouco a pouco, o mínimo de matéria possível para que torne a escultura
visível e palpável.

Embora as figuras de Giacometti sejam estilizadas e sem pormenor, possuem o


rosto e os olhos expressivos, ainda que subtilmente. Por um lado, a figura espelha uma
realidade perceptiva (tendo em conta que sempre foi observada à distância), e, por outro, é
como se, para Giacometti, o olhar fosse a porta da entrada para a alma, tornando a
353
elaboração pormenorizada do corpo desnecessária. Esta obra constitui uma visão
metafísica do corpo humano, reduzido à sua energia vital e à sua condição de imagem
perante o caminhar leve. Para Jean Genet (1910-1986), a obra de arte é uma oferenda aos
mortos e, neste sentido, a escultura de Giacometti, embora presente, pertence à morte, e
vem direito ao observador.354 As estátuas parecem que foram corroídas pela eternidade que
lhe subjaz.355

Para além de ser uma das várias obras que realizou com esta temática, também
constitui e reflecte formalmente o auge da escultura de Giacometti, sendo desenvolvida
esta linguagem em várias esculturas ao longo de vários anos.

L´Homme qui marche simboliza, por si só, a própria natureza do século; centra-se
numa permanente procura do ”eu”; existem perspectivas existencialistas e essencialistas
quanto a este contexto; dentro do espírito que o aproximou do existencialismo do filósofo
Jean-Paul Sartre (1905-1980), a obra L´Homme qui marche reflete uma visão intemporal,
ambígua, da condição humana, estabelecendo noções sartreanas como a sublimação da
causalidade. Sartre, conhecido como representante do existencialismo, acreditava que os
intelectuais tinham de desempenhar um papel activo na sociedade, e defendia que, no ser
humano, a existência precede a essência, visto que o homem primeiro existe, e depois
define-se, ou é, na medida em que existe. Assim, no existencialismo, o homem é o tema
central da reflexão filosófica e minimiza as ideias abstractas, os conceitos universais (as
essências), a favor das realidades concretas e individuais (as existências). Por sua vez, o
essencialismo propõe, como seu objecto, as essências e não os seres existentes. Ao

352 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
Taschen, 2010, p. 488.
353 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 33.
354 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 21.
355 Ibid., p. 38.

81
avaliarmos as esculturas de Giacometti, a componente física é ultrapassada pela psíquica; a
fisicalidade das figuras são aparências de um ser que existe no mundo real, e que não é
representado de acordo com a sua verdadeira fisicalidade, mas de acordo com a visão
interior do artista, nomeadamente a aparência do homem, o movimento na precaridade do
próprio tempo. As esculturas constituem uma visão da aparência,356 que esconde a essência
do homem, ou seja, sendo o que resta fisicamente dessa aparência, isto é, do que está para
além do visível, da matéria e da sua própria corporalidade.

Existe uma aproximação e uma distância simultâneas nas esculturas de Giacometti:


distância enquanto aparência, e aproximação na observação da marca dos dedos do artista,
da mão que cria:357 as obras, mesmo quando estão longe, vêm ao encontro do observador,
fundem-se com ele, como constatava Genet nas suas idas ao seu estúdio.358 No entanto, as
esculturas deviam ser observadas à distância,359 pois só com distância se retém a sua
aparência e o vestígio de corpo. Qualquer das suas obras de escultura, ou desenho, podiam
intitular-se “objecto invisível”, visto que a verdadeira leitura está na sua invisibilidade, isto
é, parecem retiradas do nosso mundo e refugiadas num local secreto, mais precioso que o
resto do mundo,360 como num templo, como referido por Genet.361 Esta afirmação vai de
encontro à visão sacralizada de Giacometti que respiritualizou a escultura, englobando as
noções de pureza e alma, sendo que o artista reduz o físico para além do “físico”. As suas
esculturas já se apresentavam prontas na sua mente, quando via mentalmente a ideia ganhar
forma; por isso, quando tinha de materializá-las, sentia um grande “aborrecimento” ao ter
de executá-las.362

Os seus desenhos são outra demonstração de “essência”, no sentido em que a


elegância e o próprio sentido estão nos espaços em branco e não no traço. Giacometti
procurou tornar presente, e real, o que costuma estar ausente: o branco ou a folha de papel.
Isto significa que a folha branca sem o traço não teria existência,363 mas a sua essência
reside, precisamente, na negatividade do desenho, dos espaços em branco, que ganham
espacialidade e volumetria.364

356 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 17.
357 Ibid., p. 37.
358 Ibid., p. 40.
359 Ibid., p. 46.
360 Ibid., p. 59.
361 Ibid., p. 21.
362 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 135.
363 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 49.
364 Ibid., p. 62.

82
A vertente da imaterialidade relaciona-se com o sentimento de Giacometti, quanto
à matéria. Todo o pó dos vidros das janelas e de todos os objectos do seu atelier/estúdio,
não deveriam ser limpos.365 Era como uma visualização do comportamento da matéria face
ao tempo:366 uma acumulação de partículas de matéria que estão reduzidas ao seu mínimo,
quase como as suas esculturas, que possuem o mínimo de matéria possível.

Para Jean-Paul Sartre, o absoluto era dissolvido num número infinito de aparências.
Para Giacometti, não é relevante a dimensão estatuária, mas apenas os esboços, que lhe
direcionam a sua procura pelo absoluto.367 Assim, esta escultura, enquanto esboço, captou
o ser a partir da aparência, que consistiu numa infinidade de aparências, atinguindo, desta
forma, o absoluto.368 Em cada uma das figuras, o escultor, revela-nos o homem como ele é
visto, como ele é para os outros homens, como ele surge em ambientes inter-humanos;
cada uma delas evidencia o que o homem é, o seu ser, cuja essência é a sua existência para
os outros.369 Giacometti estava interessado no acto da percepção, e de como vemos as
pessoas através do espaço, restaurando um espaço imaginário e indivisível. A realidade de
uma pessoa foi, assim, representada no sentido existencialista, no sentido de que, nessa
pessoa, existem outras pessoas.370

As cópias executadas por Giacometti, ao longo da sua vida, converteram-se numa


constante do seu trabalho artístico. Serviram para se aproximar da representação, a partir
de um arquétipo, a procura do domínio da realidade e um exercício documental no qual
copiou o antigo e o moderno. O desejo imediato de copiar as obras, que mais o atraíam,
fez com que o artista nunca mais abandonasse este hábito de copiar, a partir da técnica do
desenho. Para o artista, a obra de arte presente nao poderia separar-se da do passado,371 no
sentido em que o antigo era uma fonte, um motivo de inspiração para a obra.

Giacometti voltou a colocar em discussão os temas principais da escultura


tradicional, avaliando as inovações presentes na sua obra escultórica: a relação entre o
vasamento e a escultura, o conceito de monumentalidade, independente das medidas da
obra, mas, criado pela relação entre a obra e o espaço circundante, a meditação sobre a

365 GENET, Jean - O estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa : Assirio & Alvim, 1988, p. 39.
366 Ibid., p. 42.
367 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 182.


368 Ibid., p. 186.
369 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 33.
370 Ibid., p. 32.
371 CASANOVA, Maria (coord.) - En diálogo con la historia del Arte - Alberto Giacometti. Valencia :

IVAM Institut Valencià d´Art Modern, 2000, p. 17.

83
percepção visual, a presença da distância entre modelo e artista e, portanto, da escultura e
do observador.

Em suma, a obra de Giacometti conjuga duas oposições, a saber, o peso do material


e a leveza da morfologia, tal como a representação do corpo a partir de um modelo real e a
sua própria abstratização, que se inicia na mente do artista; esta perspectiva mental vai
adoptar dimensões significativas para a arte pós-Modernista. Para além da ruptura, na
aparência da forma da escultura, o que a distanciava do observador entrou em desuso; o
pedestral deixou de ser uma característica ou uma norma da escultura, que passou a ser
nómada e autónoma, estabelecendo uma relação de proximidade com o observador que,
mais tarde, irá ser espectador, tornando-se o centro dessa mesma relação. O espaço em
redor dos objetos tornou-se um atributo dos próprios objectos,372 na relação com o
espectador; este facto, interferindo directamente vem afirmar-se posteriormente com mais
intensidade no campo expandido da escultura.

372 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 31.

84
CAPÍTULO 3 – A ESCULTURA NO “CAMPO EXPANDIDO”

A geneologia do campo expandido

A escultura deixou de estar ligada à sua essência tradicional. A partir das ideias
modernistas, que mudaram e radicalizaram a produção artística, a escultura explorou outros
domínios artísticos com os quais passou a desenvolver estreitas relações que se
interpenetraram.

O “campo expandido” é uma expressão de Rosalind Krauss que engloba as


vertentes artísticas na época moderna, em pleno século XX, embora a origem desta
expansão provenha do século XIX, com Rodin. Até ao século XIX, a escultura era
comemorativa e didáctica, mas, a partir do início do século XX, os escultores abandoram a
essência da escultura tradicional. As novas abordagens artísticas alteraram o conceito
histórico da representação do corpo humano em escultura,373 e deste modo, a “abstracção”
do corpo humano de Balzac de Rodin, da obra de Brancusi e de Giacometti foram
sinónimas de ruptura da representação directa e realista da Natureza.

A ideia de escultura como objecto surgiu, de alguma forma, com Brancusi,374


quando relacionaou as obras e o espaço, sobretudo quando fotografa as obras em
conjunto, no atelier, e procura realçar influências que o espaço pode exercer sobre elas, tais
como a incidência da luz, a cor das paredes e o espaço entre elas; Brancusi estava
precisamente a criar uma “encenação” no modo de organizar as esculturas no espaço;
porém, só com as vanguardas artísticas, a noção de objecto passou a ser significativa, na
produção e na relação com o espectador, que deixa de ser simplesmente um mero
observador/contemplador. A fragilidade da lógica do Monumento, evidenciada na perda
do pedestral, que o elevava e afastava do observador, obriga a outra relação entre ambas.
Na verdade, o espectador parece emancipar-se e, desse modo, passa a participar mais
activamente no processo estético, no seguimento, aliás, do legado kantiano.

A escultura passou a desenvolver-se no plano horizontal, em vez do vertical,


furtando-se à representação do corpo humano, consagrando a abolição do pedestal,

373 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 414.
374 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. xix.

85
utilizando materiais não nobres e aproximando cada vez mais a escultura ora de um jogo
mental, ora de uma encenação espacial, onde o corpo é mais ou menos pressuposto.

A produção escultórica moderna, a nível técnico-formal, é de evidenciar duas


vertentes que privilegiam a abstracção: a primeira com a abstracção que permanece fiel às
técnicas da escultura e à presença do corpo humano, embora não realista, reuniundo as
obras de Constantin Brancusi, esculpidas em materiais como madeira, pedra e mármore,
pensando a escultura como volume, desenvolvida em formas orgânicas, curvilíneas e
maçicas; a segunda o Construtivismo, que apelou à tecnologia e ao modernismo mais
avançado, e artistas como Moholy-Nagy, Anton Pevsner, Naum Gabo e Tatlin,
trabalharam de um modo geral, com linhas, fios e planos, utilizando os materiais mais
inovadores para a época tais como metais, plásticos e vidros. A tendência construtiva
concebe a escultura como estrutura, e utiliza formas geométricas;esta nova técnica de
conceber a escultura, por meio da construção foi fundamental para o desenvolvimento da
escultura moderna.

A relação com o espaço é uma marca importante da passagem da linguagem da


escultura Oitocentista para a da Arte Moderna. Na escultura tradicional figurativa, a relação
com o espaço era “tímida”; havia muitos detalhes que procuravam reter a atenção do olhar
e fazer com que o observador ficasse preso à contemplação de figuras maçicas e texturadas.
Na passagem para o objecto escultórico, a sua envolvência e a sua relação com o espaço,
ganha uma nova importância. Esses objectos já não são detalhados ou materialmente
maçicos, mas são volumes simples, depurados, que constituem formas compactas ou
vazadas, como acontece no Construtivismo, em que as estruturas são constituídas por
linhas e planos, ou no Minimalismo em que os objectos são formas geométricas reduzidas
ao seu mínimo, redução que vai influenciar todas as outras concepções e formas artísticas.
Outras linguagens formais e, sobretudo, conceptuais, foram fundamentais para a mudança
da relação entre o objecto e espectador. A Arte Conceptual, por exemplo, aboliu a
representação, e o conceito ou a ideia prevaleceram sob a própria forma, o que implica que
é a partir dessa dimensão que o objecto existe e pode ser interpretado. O espectador,
através da experiência estética, possui um papel activo e uma relação de grande
proximidade, e o objecto sendo o intermediário da sua completude, a partir das ideias e
apreensões de sentido,375 que aquela implica.

375WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. xxviii.

86
Segundo Rosalind Krauss, em determinada altura, a escultura, cujo alcance se
tornou uma denominação difícil de clarificar, visto que, a sua linguagem técnico-formal e o
seu contexto, eram confundíveis e equiparados com a arquitectura e com a paisagem. Deste
modo, a escultura passou a ser definida pelo que não era, isto é, passou a ser afirmada e
reconhecida pela sua negatividade, ou seja, como uma combinação de exclusões.
Doravante, a escultura era o que estava sobre ou em frente a um edifício, mas não era o
edifício, interferia directamente na paisagem, mas não era paisagem.376 Nos finais da década
de 1960, estas definições representadas num esquema que tomou como modelo os estudos
do Grupo de Klein, precisou a noção de escultura afirmando pela sua positividade, ou seja,
o termo não-arquitectura é outra forma de expressar paisagem e arquitectura, um outro
modo de expressar uma não-paisagem.377

Mas será este esquema esclarecedor? Este esquema não consistiu mais do que situar
extremos para, de certa forma, orientar o núcleo das hipóteses do que poderia ser definido
como escultura.

Com o surgimento de novas práticas, a escultura expandiu-se significativamente,


alargando o esquema, englobando três modalidades: estruturas axiomáticas – intervenções
no espaço real da arquitectura, local específico378 ou site-specific – criação de escultura para
um espaço em particular, não podendo ser movida ou retirada para outro local; como
exemplo Title Arc, de Richard Serra, e, por último, os locais demarcados379 ou assinalados, –
englobando intervenções no espaço da paisagem, utilizando materiais do local, ou
selecionados pelo artista, conferindo-lhe um carácter efémero através das marcas não-
permanentes; Spiral Jetty de Robert Smithson é um desses exemplos.380

Na modalidade do site-specific, a escultura é concebida e integrada num local em


particular, sendo que o local define os parâmetros e é, em parte, a razão da escultura.381 A
Arte Conceptual relaciona-se por vezes com esta dimensão do site-specific, estendendo-se
aliás, a vários movimentos e artistas.

376 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 295.
377 Ibid., p. 296.
378 Site construction em inglês original.
379 Marked Sites em inglês original.
380 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza

Editorial, 2006, p. 300.


381 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 385.

87
Por sua vez, a possível combinação de paisagem e não paisagem foi explorada pelos
lugares demarcados, inseridos na Land Art, consistindo em intervenções de carácter
efémero em espaços naturais; o artista elege um espaço para executar a intervenção,
havendo a possiblidade de se articular com outro, com as mesmas marcas que poderão
constituir o chamado Marked Site.382 Por norma, esses locais são longínquos e inacessíveis
ao público, como acontece na Spiral Jetty, de Robert Smithson; deste modo, a captação e
apresentação da experiência ao público no espaço da galeria, passa a ser através da
fotografia, que ganhou aqui o estatuto documental. Com esta modalidade, a linguagem da
escultura alargou-se e, diversificou-se ainda mais, sobretudo através da utilização de
materiais retirados da paisagem, isto é, de um espaço exterior, as quais são, por vezes, de
carácter efémero, e não implicam uma grande execução técnica, visto que, a matéria
recolhida era apenas transportada e recontextualizada no espaço da galeria, enquanto
potenciadora da experiência estética, assim como a documentação que retrata a
intervenção.

A enorme variedade de materiais e formas, que foram apresentados como escultura


nesse período, deixa claro que a escultura não tem sido considerada como um conceito
estável com fronteiras fixas, que permaneceram intocadas. Desde 1945, as novas
abordagens da escultura, demonstraram um interesse particular pelas outras artes, ou
disciplinas (paisagem, teatro, arquitetura, novos media), “quebrando” as fronteiras entre as
artes. Como afirmou Rosalind Krauss, a escultura na Pós-Modernidade assenta sobre um
conjunto de termos culturais para as quais se pode utilizar qualquer meio,383 utilizando para
a sua análise e caracterização um conjunto de operações lógicas.

A performance, a body art e o happening, que surgiram no desenvolvimento da junção


das artes plásticas com o teatro, reduziram o conceito de arte, e, consecutivamente, os
objectos artísticos, à dimensão imaterial da acção; a fotografia torna-se arte, por via de uma
dimensão escultórica, assim como o vídeo, que, em muitos casos, documenta as acções ou
as intervenções de carácter efémero, apresentando-as por essa via aos espectadores.

A técnica sempre foi um valor essencial, um modo autêntico de expressão da


criatividade do homem.384 A técnica passou a fundir-se ou difunfir-se no próprio material,
dando ênfase ao processo, intervenção/abordagem, ou projecto, quais ganharam uma

382 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 297.
383 Ibid., pp. 301-302.
384 USCATESCU, Jorge - Brancusi y el arte del siglo. Madrid : Reus, 1976, p. 75.

88
relevância notória na produção artística; os novos meios de produzir escultura, no que diz
respeito à matéria, tornaram-se significativamente leves, comparativamente à tradição da
matéria da escultura. Meios tão ténues como a fotografia, o vídeo, e, mais ainda, como a
simples acção do corpo, tornaram-se arte, através da sua conversão em objecto.

Construtivismo Russo

O Construtivismo Russo, movimento vanguardista e revolucionário, nasceu na


Rússia, em 1919, assentando as suas bases ideológicas na Revolução Soviética de 1917. O
Construtivismo, cujo início tinha sido especificamente russo, expandiu-se e tornou-se num
movimento internacional, com muitas vertentes e variantes.385 Influenciou a arquitectura
moderna, e toda a arte ocidental, inclusive o design. Neste âmbito, a arquitectura e a
escultura uniram-se numa linguagem construtiva, num exercício de Arte e Técnica, como
metáfora da construção de uma sociedade socialista soviética.

A técnica da construção surge com os novos materiais, como o ferro, o aço, o


betão, entre outros, e graças à Industrialização no século XIX, despontando o surgimento
de novas técnicas inseridas na construção – construir, fabricar, armar - que permitiram a
construção de estruturas, e o surgimento de uma nova linguagem na escultura;386 este facto
implica um corte radical com a representação fiel da Natureza, substituíndo a sua estética
pela estética da linha e do plano, da luz, do volume, da cor e do espaço, na qual é
valorizado o cariz industrial associado à “era da máquina”. O espaço torna-se um elemento
determinante da linguagem plástica, unindo arte e técnica, numa estrutura da linguagem
construtiva. Neste âmbito, a polarização entre os protótipos industriais da Bauhaus e a
espiritualidade mística de Malevich (1878-1935) e de Mondrian (1872 – 1944) constituiram
o horizonte da contextualização da escultura construtivista.

Kazimir Malevich foi o fundador do Suprematismo, cujo movimento na pintura


nega qualquer relação com o mundo objectivo e figurativo, recorrendo a formas simples e
geométricas, tendo como foco a vertente mimética da própria formação da matéria. As
formas geométricas eram como que unidades elementares pictóricas, sujeitas ao domínio da
cor. Para este artista, o mais importante é a sensibilidade, pois é através dela que a arte

385 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 451.
386 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 303.

89
atinge a sua expressão pura, sem representação. Isto quer dizer que o valor da obra de arte
reside exclusivamente na sensibilidade, sendo, através dela que a arte atinge a representação
sem “objectos”, isto é, é a partir da ausência da figuração, do que se vê na Natureza. A
Geometria do Suprematismo não se relaciona com uma dimensão racionalista, mas remete
para uma espiritualidade por meio de um processo intuitivo.387

A obra Quadrado Negro, foi apresentada ao público na “Exposição 0,10”, em


Petrogrado, em 1915. O quadrado negro sob o fundo branco constituía uma reacção contra
o repertório formal de tradição artística e, no limite da abstracção, encontrava-se o acto
puro da criação. O quadrado simbolizava a sensibilidade, e o fundo branco, o “nada”, o
que está fora da sensibilidade. O preto face ao branco tem um peso visual mais forte, e
talvez seja por isso que o preto possa constituir a sensibilidade, mesmo se na escultura tem
uma índole subtil, que anula a superfície dos objectos, na pintura, é algo manifestável e,
sobretudo, destacável do “nada”, que corresponde ao branco. Neste contexto, esta pintura
vai de encontro à pura noção da sensibilidade.

Com a obra Quadrado branco sob quadrado branco, de 1918, a linguagem suprematista
atinge o seu expoente máximo, visto que era uma expressão da energia espiritual, e uma
forma de atingir um estado de consciência superior, capaz de “apreender” o invisível.
Criado por uma "razão intuitiva", esta pintura parece transmitir a pureza em estado
extremo, o equilíbrio entre o “nada” e o branco, transformando-se numa sensação pura. A
Abstracção geométrica, de pureza plástica é quase “minimalista”. O quadrado parece querer
“camuflar-se” no fundo, apresentando-se quase escondido, dando a ideia da invisibilidade.
A ideia de individualidade também está presente, no sentido da interpretação, que é um
domínio bastante presente nesta pintura abstracta, e “subjectiva” para o público.

Por sua vez, Mondrian criou o Neoplasticismo, uma linguagem abstracta e racional,
regida pela geometria, sem aparente emotividade. Possuía uma vertente geométrica, sendo
priveligiada a “acção” da cor. Chegou à abstracção através do processo de depuração da
forma, decompondo imagens em planos e fragmentos lineares até atingir uma síntese de
formas puras e cores primárias. Composition with Red, Yellow, and Blue, de 1921, consiste numa
pintura que é contrastada numa rede de linhas horizontais e verticais, cruzadas em ângulos
rectos. O seu vocabulário assenta na utilização da linha vertical, que simbolizava o
espiritual/masculino, e a linha horizontal, o material/feminino; os planos de cores
primárias (vermelho, amarelo e azul) e os planos sem cor: o branco como fundo, e o preto

387 MILIA, Gabriela de - Kazimir Malevic : Suprematismo. Milano : Abscondita, 2000, p. 147.

90
como forma linear. Mondrian concebeu uma plástica distante dos valores tradicionais da
pintura de figura-fundo. De carácter universal, esta vertente plástica foi desenvolvida
depois para as três dimensões na arquitectura, fazendo lembrar os projectos de Théo van
Doesburg (1883-1931), com planos geométricos pintados de azul, outros de vermelho,
amarelo, preto e branco. O Construtivismo procurou princípios universalmente aplicáveis,
que podiam variar da imagem para a escultura, para o design e para a construção. Neste
sentido, a escultura é apenas uma faceta desse espectro alargado.388 A ligação entre a
escultura e arquitectura e a busca de modelos para reconstruir a relação da arquitectura com
a sociedade, era uma característica inicial do construtivismo russo.389

A nova morfologia sofre a influência do Futurismo e do Cubismo, apesar das suas


semelhanças, e da influência mutuamente exercida, ou seja, na geometrização e/ou na
abstracção, embora defendendo valores completamente diversos. 390 O Futurismo foi um
movimento vanguardista, fundado, em Itália, por Filippo Marinetti (1876 – 1944). O
objectivo deste movimento era romper com a tradição da História da Arte, enfatizando os
novos valores relacionados com as inovações industriais do século XIX. Ao analisarmos o
Futurismo, particularmente uma escultura de Umberto Boccioni (1882-1916), Formas Únicas
de Continuidade no Espaço, de 1913, podemos observar o movimento congelado do homem.
Esta escultura representa o espírito futurista e parece fazer uma alusão à era da máquina,
especificamente à era da Industrialização que trouxe consigo a velocidade, a força, o
movimento. A figura traz representada no seu corpo todo esse dinamismo do movimento e
velocidade, constituíndo um tipo de homem-máquina. A representação do homem
caminha para um carácter geometrizado, não só nos panejamentos, como também no
próprio rosto. Independentemente do material ser bronze, e, deste modo, maçico e muito
pesado, a escultura pretende, de certa forma, libertar-se do seu peso material, e dar ênfase
ao deslocamento da figura.

Por sua vez, o Cubismo é um movimento artístico que surgiu no século XX, tendo
como principais fundadores Georges Braque (1882-1963) e Pablo Picasso (1881-1973). A
abstratização do corpo que tem origem na componente mental e imaginativa do artista,
apresenta-se através de planos e formas geométricas que decompunham as formas reais.

388 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 451.
389 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 41.
390 NASH, J. M - O cubismo, o futurismo e o construtivismo. Barcelona : Labor, 1976, pp. 3-4.

91
A escultura de Pablo Picasso, denominada de La estatua de Picasso, de 1967, em
Chicago, dá-nos a sensação de querer dar o volume a partir do plano, e a presença da linha
enquanto elemento escultórico é, de facto, inovadora. Estas formas elementares enquanto
planos bidimensionais presentes nesta escultura, serão desenvolvidas mais tarde pelos
construtivistas. Neste exemplo, não observamos o movimento propriamente dito, mas, ao
invés da escultura futurista, que era bastante pesada a nível material, esta linguagem é muito
leve, quase parece que a escultura paira no ar, e com ele convive, isto é, a leveza transferiu-
se da materialidade para o próprio domínio visual. Aparentemente, um cavalo nas
representações clássicas transparecia força e peso, algo que nesta linguagem se atenua
completamente, sendo uma representação bastante subtil, sem grandes pormenores, senão
apenas os necessários, visto que não era esse o objectivo que interessava evidenciar na
escultura em pleno século XX. Com estas esculturas, podemos constatar que a morfologia
escultórica é sempre determinada pelo material.

O grupo dos construtivistas era formado por vinte jovens artistas e teóricos, que
criaram o termo, mas também por um grupo de trabalho no Instituto da Cultura Artística
de Moscovo (Inkhuk), onde expuseram, em conjunto, em Maio de 1922.

Os seus objectivos foram enunciados em 1920 pelos irmãos Naum Gabo (1890-
1977) e Antoine Pevsner (1886-1962) no Manifesto Realista, que consiste num documento na
história da arte tridimensional, em que argumentam que, no mundo moderno, a energia da
escultura foi expressa não em massa, ou formas fechadas, mas pela linha que passa pelo
espaço.391 O Manifesto relaciona o significado do Cubismo e do Futurismo, identificando
os problemas envolvidos, e defende que o espaço e o tempo são as únicas formas em que a
vida se constrói, sendo que a arte deverá também ser construída desta forma;392 foi
planeado para servir de trampolim às artes construtivistas, mesmo que as suas ideias
inicialmente fossem direccionadas para o campo da arquitectura;393 posteriormente,
surgiram na escultura moderna a óptica da construcção matemática, a estrutura linear e a
precisão da engenharia.394

Os elementos específicos do trabalho operado pelos construtivistas são a tectónica


– tanto a estrutura do comunismo como a exploração efectiva da matéria industrial - a

391 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 41.
392 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 451.
393 MIKKOLA, Kirmo - Forma e estrutura : o construtivismo na arte moderna, na arquitectura e nas

artes aplicadas Finlandesas. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p. 15.


394 Ibid., p. 16.

92
construção - que implica a organização das formas e, por último, a factura – matéria
escolhida e utilizada com toda a efectividade, sem que se crie obstáculos à sua construção e
à sua tectónica. Na técnica da construção, são relevantes as propriedades e qualidades dos
materiais, assim como as relações e as inter-relações dos seus elementos (linha, plano,
volume, espaço), que resultarão num objecto que procura valer por si mesmo - autónomo.
Na construção, não existe autosuficiência e independência de cada parte, sendo que cada
elemento só tem sentido se relacionado com os restantes. A sua lógica de construção
dirigia-se simetricamente, a partir do centro para fora, ou seja, havia sempre uma ideia que
vinha do interior, do núcleo do qual emanava a escultura,395 constituíndo uma forma de
apresentar visualmente o poder criativo do
pensamento que constituia uma meditação e
desenvolvimento da ideia. A lógica formal das
construções, consiste numa adição de
matéria, que traduz uma estrutura leve,
reduzida da macicez da matéria, sendo
promulgada pelos minimalistas quarenta anos
mais tarde.396 Esta adição de matéria, que
corresponde à adição dos elementos como
planos ou linhas que vão compondo a forma,
remete para a acção dos construtivistas,
nomeadamente na imitação da natureza, ou
seja, na acumulação de camadas de matéria
que se sucedem ao longo do tempo. Os
artistas contrutivistas como Tatlin (1885- Fig.11 – Projecto para Monumento à Terceira Internacional -
Tatlin.
1953), Naum Gabo ou Alexander 1919-1920
Madeira, Ferro e Vidro; Altura de 610 cm.
Rodchenko (1891-1956) baseiam-se neste Destruído; fotografia da época. Na posse de herdeiros
de Vladimir Tatlin.
fenómeno industrial, e constroem a forma
abolindo a representação realista do corpo, dos sentimentos ou estados emotivos e
expressivos, apesar de, no caso de Rodchencko, a representação do corpo ainda se manter,
ainda que mais abstractizada.

Por seu turno, Tatlin explorou os requisitos da forma, de acordo com as suas
qualidades naturais dos materiais. O seu modelo para o Monumento à Terceira Internacional é

KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 303.
395

FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
396

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 178.

93
um exemplo do seu processo artístico. Foi encomendada no início de 1919, e o modelo foi
revelado em Petrogrado, na Rússia, no dia 8 de novembro de 1920.397 Esta obra consiste
numa visão utópica, localizada entre a arquitectura e a engenharia, um cruzamento entre
um edifício governamental, um organismo social e um símbolo enfático do progresso
destinado ao Organismo da Internacional Comunista, que seria o emblema da União
Soviética. Se fosse executada na realidade, com 300 metros de altura, a ideia seria que cada
uma das suas componentes girasse sobre o seu eixo a velocidades diferentes: o parlamento
alojado no cilindro demoraria um ano a girar, o governo que estaria no cone levaria um
mês e, no topo, o departamento de informação e propaganda ocuparia o cubo, e demoraria
um dia, colocando as instâncias políticas num grande ciclo cósmico.398 Esta proposta para
um edifício de arquitectura foi inovador, tanto no que diz respeito a novos materiais de
construção, como na tipologia construtiva, visto que, normalmente a força da arquitectura
residia no aspecto visual “maciço”, quando se observava do exterior. Neste caso em
particular, é como se o edifício fosse “penetrado pelo próprio ar e pelo espaço” que circula
por entre os elementos construtivos. A espiral que abraça todo o complexo central da
junção do cilindro, do cone e do cubo, apresenta-se sob inclinação, interferindo com a
noção de equilíbrio, dando a impressão de que vai cair. [Fig. 11] Toda a estrutura do
edifício pretendia enfatizar o movimento e a tecnologia, sendo que o núcleo central,
destinado à circulação de pessoas, era suposto girar, em tempos diferentes, e também a
estrutura principal, a espiral, parece mover-se incessantemente.

Naum Gabo, com formação em engenharia e um conhecimento da física moderna,


afirmava que a energia e vitalidade são produto não da massa, mas de partículas de energia
invisível, que passam pelo espaço, em que a linha é uma analogia visual.399 Enquanto um
dos fundadores do movimento construtivista na Rússia, manteve-se um propagandista
internacional de ideias e procedimentos construtivistas ao longo da sua vida.400 A adopção
da secção dourada, do equilíbrio das relações entre linha e plano e a restrição às cores

397 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 175.
398 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 447.
399 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 41.
400 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 136.

94
primárias, ou a preto e branco, delimitou um marco na estética construtivista.401 Ainda
assim, nas suas obras, ainda é possível visualizar, embora de forma abstractizada, o corpo.

Em Cabeça de uma mulher, de 1917-1920, são reconhecíveis as expressões de um


rosto construído através de planos facetados. Parece que Gabo utilizou o mínimo de
planos, e colocando-os no respectivo local, de acordo com a anatomia e a fisionomia, de
modo a delinear o rosto. Na verdade, parece fazer sentido apreender o rosto enquanto
volume construído pelo espaço livre, isto é, pelo espaço cercado pelos planos; é como se
esse espaço fosse realmente o volume completo do rosto. Essa apreensão é feita pela nossa
mente, como se num conjunto de planos, que originalmente são bidimensionais,
visualizássemos o que está no interior da delimitação espacial, que é efectuada através da
união dos planos que cortam/seccionam o espaço; é como se os planos fossem a superfície
onde o volume assenta e circula. [Fig. 12] Os próprios efeitos de luz e sombra dão algum
ênfase à própria volumetria. A noção de
escultura, como a entendíamos, já não existe,
existem planos que dão a noção desse
volume que outrora era maçico; a noção de
escultura, parece estar agora, precisamente,
no espaço que não é visívelmente ocupado
ou seccionado por planos.

O espaço interessou, de facto, os


constructivistas. Por norma, o espaço rodeia
os volumes, mas os construtivistas
consideram os espaços a partir de um ponto
de vista totalmente diferente, isto é, como

Fig.12 – Cabeça de uma mulher – Naum Gabo. um elemento escultórico absoluto, lançado a
1917-1920
Celulóide e Metal; 62 x 49 cm. partir de qualquer volume maçico;402 apenas
The museum of Modern Art, Nova Iorque.
está lá a estrutura da escultura, o volume da
forma é o espaço virtual; o espaço tornou-se um elemento material maleável, e os artistas
trabalhavam directamente sobre ele; circulava pelo interior vazio das esculturas, fazia parte
das mesmas, e era um elemento da própria composição ou construção. Era maleável, no
sentido em que, quando se trabalha com a matéria, e se coloca um plano numa direcção ou
401 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 450.
402 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex – Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 139.

95
posição, está-se, em simultâneo a moldar o espaço, visto que, efectivamente, introduzimos
um elemento que interfere ou coabita com ele. O espaço denomina-se como “espaço-
ideia”, visto ser o espaço que dá a ideia da volumetria completa na escultura. Se o espaço
era o que existia em redor da escultura maçica, no constructivismo, o espaço faz parte da
escultura, porque para além de dialogar directamente com os elementos construtivos, ainda
se centra nele uma “invisibilidade volumétrica” que nos é dada através de uma percepção
do complemento da forma, através dos planos visíveis no espaço. Deste modo, não
podemos medir ou definir o espaço com massas sólidas, só podemos definir o espaço pelo
espaço. A massa mantém a sua solidez, e o espaço a sua extensão403 e, deste modo, a
escultura penetra o espaço, e o espaço a escultura. Na escultura, intimamente relacionada
com o espaço, temos o tempo:

“A escultura construtivista não é apenas tridimensional, é quadrimensional já que nos


esforçamos por incorporar nela o elemento tempo. Por tempo, eu entendo movimento, ritmo:
o movimento real mas também o ilusório, cada um deles perceptível pela indicação do fluxo e
das linhas e formas na escultura ou na pintura. Na minha opinião, o ritmo numa obra de arte é
tão importante como o espaço e a estrutura e a imagem [...].”404

Como podemos constatar, existe uma afinidade entre o espaço e o tempo, sendo
que o tempo na escultura é sinónimo de
movimento. O movimento só foi apresentado
em formas ilusórias, já que o movimento real
não existe. A sensação de espaço no
construtivismo, como vimos anteriormente, e
agora a de tempo, constituem uma ilusão, e
existem apenas na nossa mente; aquilo que não
é visível, mas que requer uma apreensão,
implica a sua criação e apreensão pela nossa
mente. Para trazer o tempo como uma

realidade à nossa consciência, para torná-lo Fig.13 – Translucent Variation on a Spheric theme –
Naum Gabo.
activo e perceptível, precisamos do 1937 (Reconstruído em 1951)
Perspex; 56.8 x 44.8 x 44.8 cm.
movimento real no espaço.405 Porém, neste Solomon R. Guggenheim Museum, Nova Iorque.
contexto, isso não existe porque as esculturas

403 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex – Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 140.
404 BOCCIONI, Umberto Cit. por RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte

do Século XX. [s.l.] : Taschen, 2010, p. 452.


405 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 141.

96
são estáticas, mas na obra de Rodchenko e, posteriormente de Alexander Calder, o
movimento e a mutação tornam-se aliados do factor tempo.

O trabalho de Gabo tem sido descrito como construção, o que faz justiça à sua
técnica, mas não é um substituto para a palavra escultura.406 Na tradição da escultura, a
técnica e os materiais é que caracterizam a forma. Neste caso, a ideia construtiva na arte
remete para o início do volume. A escultura é definida pela forma absoluta, que não
depende do material, através de elementos escultóricos como o espaço, como Gabo afirma
no Manifesto Realista. O espaço, como já vimos, é que completa o volume através dos
planos, que apenas oferecem a “base” onde o espaço “assenta”. Neste domínio, as
esculturas feitas em plexiglas são alvo de análise, pois parecem demonstrar, ainda mais, a
vontade de retirar peso visual à escultura, podendo ter acesso ao núcleo central da mesma.
Translucent Variation on a Spheric theme, de 1951, é um exemplo. As formas ondulantes
diferem da geometria planimétrica, mas os planos, ao serem transparentes, dão a ideia de
que estão pousados sobre o espaço, para além de conviverem com ele, embora na
volumétrica virtual, como já vimos acima e podemos observar na Fig. 13. A forma parece
ser uma única dimensão, sendo a totalidade uma característica da escultura que está assente
numa base, onde desenvolve uma relação de maior proximidade com o espectador, face ao
monumento. A presença das linhas, muitas vezes paralelas, em alguns destes trabalhos,
anuncia a criação de planos, reduzidos neste caso a várias linhas. Este processo de
“reconhecimento”, e até de intencionalidade, sucede-se a nível mental, sempre com base na
escultura; nesse sentido, Gabo concebe a escultura como a encarnação de uma ideia
racional que poderia apelar diretamente para a mente do espectador, e ser lido como uma
imagem da consciência.407 Também é de evidenciar a simplicidade formal, a noção de
simetria da escultura e sobretudo, a limpeza visual que é dada pelo material transparente. A
anti-monumentalidade presente, no contexto do construtivismo, constitui um corte radical
com a tradição da escultura monumental e, grande parte da escultura, desvincula-se da sua
tradição comemorativa e pedagógica. A escolha do material e o tempo de execução
também estão envolvidas neste aspecto, sendo que o material utilizado reflecte a própria
leveza dos materiais industriais, que pressupõem também uma execução mais rápida.

CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 43.
406

FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
407

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 288.

97
Entre 1920/21, Rodchenko criou e desenvolveu construções suspensas que
incluíam figuras geométricas, como o círculo, o triângulo e o hexágono, colocados e
fixados de forma concêntrica. As suas esculturas, suspensas de modo assimétrico, são
encaradas, em alguns casos, como os primeiros mobiles. A noção de mobile remete para uma
ideia de mobilidade, ligada inevitavelmente ao movimento. A Construção suspensa nº12, de
1919, apresenta uma construção metálica
com formas repetidas, de diferentes
tamanhos, fixadas umas às outras, sendo o
conjunto suspenso a partir do tecto. As
formas circulares, unidas umas às outras,
com o movimento de rotação, fazem uma
espécie de desenho espacial. [Fig. 14] É
como se a escultura estivesse a desempenhar
uma coreografia no espaço, que depois é
projectada na parede, através de jogos de luz.
Neste contexto, a luz tem um papel
importante, no sentido em que apresenta o

Fig.14 – Construção Suspensa nº12 - Rodchenko.


movimento de um modo muito limpo, quase
1919
Contraplacado pintado e arame; 83,5 x 58,5 x 43,3 cm.
como que um teatro de sombras. Esta
The George Costakis Collection (Art Co.Ltd).
construção é uma estrutura leve e móvel, que
penetra, e é penetrada pelo espaço. Parece
haver ligação com o mundo do espectáculo, no sentido em que existe toda uma preparação
para a futura “instalação” da escultura, desempenhando após esse momento, a sua
“função”. Nas outras esculturas construtivistas, de Gabo por exemplo, o movimento era
um elemento escultórico que aparecia a partir do factor tempo, mas que não era mais do
que uma mera ilusão potenciada pela mente. No caso de Construção Suspensa de Rodchenko,
existe um movimento real, assim como uma noção de tempo real. O espaço continua a ser
virtual, no sentido em que não existe um volume espacial maciço visível, e a construção, de
minuto a minuto desempenha uma ocupação espacial distinta, que é projectada na parede,
como se fosse uma captação imediata da sua “dança” ou coreografia. Este tipo de
construções, em que a escultura é autónoma, pelo menos em determinado período de
tempo, nomeadamente quando se está a movimentar, parece ter uma ligaçãocom a
teatralidade, isto é, estabelecer uma relação com o teatro, já que a escultura está a
desempenhar toda uma “apresentação” em tempo real; a tendência do objecto artístico para

98
extrapolar a noção de objecto contemplativo para “objecto em desempenho”, ou “objecto
em acção”, aproxima-se, deste modo, do teatro. Lázló Moholy-Nagy (1895 – 1946) na
estrutura Modulador de espaço-luz, apresentada, em 1930, na exposição do Westbund, em
Paris, e originalmente concebida como uma maquinaria de teatro, é um exemplo desse
pensamento que sintetiza várias experiências de vanguarda da época. Em suma, o
Construtivismo representou um corte radical com a tradição da escultura, que era
constituída pela macicez das representações. A nível técnico-formal, o modo de construir
inovou e alterou completamente a produção de escultura desde que surgiram os novos
materiais, desde o século XIX até à actualidade, facto que, por sua vez, influenciou o
desenvolvimento da história da escultura e também da arquitectura modernista e
contemporânea.

A escultura esteve sempre relacionada com a técnica, ao ponto do material, que


pressupõe sempre uma técnica específica, alterar a morfologia da escultura. A génese de
uma escultura é determinada pelo seu material e, por isso, todos os materiais flexíveis,
como o ferro, plástico, entre outros, ditaram a nova e leve morfologia da escultura
constructivista. O construtivismo constituiu a base da técnica e das abordagens que se
desenvolvem posteriormente. A técnica da construção foi eleita pelos artistas e, também,
pelas fábricas que produziam algumas esculturas, como irá acontecer na Arte Conceptual e
no Minimalismo. A leveza material, e visual, e a metodologia construtiva de formas
geométricas invadiram a produção escultórica, enriquecendo o modo de pensar e de fazer
escultura. O espaço e o tempo tornaram-se elementos escultóricos a par da morfologia. O
espaço tornou-se uma parte da forma e do volume mas agora alcançado através de uma
componente mental, visto que o espaço não é materializado; temos a noção da existência
do espaço, mas não o vemos quando observamos o objecto. O volume é incorpóreo, sem
peso, e existe apenas opticamente como uma “miragem", percepcionada pela mente, numa
genealogia idealizada408 da escultura. A ideia de que a escultura penetra o espaço, e o espaço
penetra a escultura, tornou-se profíqua para entender precisamente o elemento espacial na
obra construtivista; é uma relação mútua, que, efectivamente, só acontece na realidade, a
penetração ou presença da escultura no espaço. No que diz respeito ao tempo, tal como o
espaço, tem uma componente ilusória; o tempo pressupõe movimento, e a escultura
construtivista parece conter a noção de movimento na forma, a que não passa de uma

FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
408

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 470.

99
ilusão de movimento que só se parece realizar com a obra de Rodchenko, transformando o
que tinha permanecido estático, em valores dinâmicos e vivos.

Alexander Calder (Mobile Art)

Foi Lázló Moholy-Nagy, professor da Bauhaus que se apresentou como um


pioneiro da arte cinética de luz que alargou o conceito de escultura, para nela incluir o
movimento, reformulando a relação entre espaço, tempo, material e luz, emancipando o
instrumento mecânico, e elevando-o ao estatuto da arte.409

A intensa produção de esculturas cinéticas que se desenvolveu na década de 1960


baseia-se na utilização do movimento com o objectivo de dotar o objecto de qualidades
animadas pelo espectador, tornando-se igualmente numa característica do trabalho de
Alexander Calder (1898 – 1976).410 Uma das invenções mais determinantes para a arte do
século XX foi, precisamente, conferir movimento físico à escultura, um movimento
espontâneo devido ao mero deslocamento do ar.411 Calder atribuiu leveza, maleabilidade e
flexibilidade às suas esculturas,412 e fez da mobilidade e da mutação o lema estético que
identificou como a poesia inerente ao simbolismo universal, integrando no complexo da
escultura moderna, que Rosalind Krauss descreveu como “ballet mecânico”.

Engenheiro de formação, chegou a Paris vindo de Filadélfia, em 1926. Começou


por fazer esculturas dominadas e formadas pela linha desenhada no espaço. A origem dos
móbiles de Calder remonta aos pequenos brinquedos de arame construídos pelo artista para
o seu “circo”, pouco depois da sua chegada a Paris, em 1927, cujas apresentações atraíam
multidões de artistas e músicos para o seu quarto em Montparnasse.413 A família de Latão,
de 1929, constitui um exemplo desta fase e consiste num conjunto de figuras, reduzidas a
um desenho linear, que formam uma composição no espaço. As figuras demonstram pleno
equilíbrio nas diversas posições ou acrobacias aéreas que estão a desempenhar, as quais
requerem uma correcta conciliação com todos os elementos da composição. Nesta
escultura, o corpo apresenta-se inequivocamente leve, sendo representado em síntese

409 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 454.
410 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 255.
411 VALLÈS-BLED, Maithé - Forma e sonho. Évora : Fundação Eugénio de Andrade, 2006, p. 4.
412 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 473.
413 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 262.

100
linear, através de fio de arame, atribuíndo uma enorme leveza à própria escultura. A
posição de cada figura parece ter sido pensada ao pormenor, no sentido do equilíbrio de
forças e pesos. A figura mais próxima do chão é maior do que as que estão no topo,
existindo uma ideia de dimensão decrescente, de baixo para cima e do centro para a
periferia; isto é, os elementos centrais da escultura são maiores, face aos elementos dos
extremos esquerdo e direito, e também no topo. Estas noções são confluentes no
predomínio do equilíbrio e das forças da gravidade e, nesse sentido, esta escultura parece-
me um desenho, mais especificamente um esboço ou projecto do trabalho que Calder vem
a desenvolver mais tarde.

O abandono da figuração a favor da abstracção pode observar-se muito claramente


nos anos de 1930 devido à visita que realizou ao estúdio de Piet Mondrian.414 Calder
desenvolveu uma série de esculturas em movimento e suspensas, cujos componentes
balançavam e giravam em mútua dependência. A influência de Alberto Magnelli (1888-
1971) e Joan Miró (1893-1983) ajudou a esbater a geometria inicial, aumentando o toque de
movimento energético e curvas orgânicas.415 “O significado formal subjacente à sua obra
era o sistema do Universo, ou pelo menos, parte dele. [...]“416 A sua obra era baseada num
retorno sereno às origens das formas e das cores primárias e o futuro da humanidade reside
num mundo baseado nas leis minímas da Natureza, segundo Calder.

A palavra mobile, e a atribuição do nome às esculturas de Calder pertence à autoria


de Marcel Duchamp (1887-1968); além de designar algo que se move, também significa
“motivo”, em francês.417 Inicialmente os mobiles foram executados com accionamento
motor, e a velocidade e determinação com que resolveu os problemas estéticos deste novo
género, desenvolvendo um lirismo válido e acessível, fez com que toda a arte cinética inicial
ganhasse um estatuto de experiências preparatórias e periféricas. Calder abandonou o
accionamento motor, assim como os círculos e rectângulos que derivaram da influência de
Mondrian. Os mobiles de Calder, iniciados em 1932, atinguem um equilíbrio delineado de
modo a serem movimentados pelo vento, por correntes de ar que percorrem o ambiente
em que estão suspensos ou pelo toque do espectador.

414 VALLÈS-BLED, Maithé - Forma e sonho. Évora : Fundação Eugénio de Andrade, 2006, p. 4.
415 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, pp. 472-473.
416 VALLÈS-BLED, Maithé - Forma e sonho. Évora : Fundação Eugénio de Andrade, 2006, p. 3.
417 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 263.

101
Em Quatro sistemas vermelhos, de 1960, Calder baseou-se nos contornos dinâmicos de
Magnelli e nas formas das folhas de Miró, enfiando-as em fios de arame de ferro, e
suspendendo-as como contrapesos, em relação a placas mais pesadas. Todos os
pormenores, desde o contorno, tamanho, espessura, comprimento, são relevantes para a
execução do mobile, no que diz respeito à harmonia e ao contrabalanço de pesos. A
escultura é muito delicada, parece quase joalharia. [Fig. 15] A leveza do mobile lembra a
dança e até a música.418 O mobile é
reduzido a elementos mínimos e parece
um desenho construído no espaço;
coabita com ele e redefine o espaço
quando se move. Tal como acontece no
Construtivismo, o papel do espaço era
relevante, mas aqui de modo diferente:
o mobile possui uma espacialidade muito
maior, visto que graças ao seu
movimento real estabelece um contacto
maior e diversificado com o espaço,
como já visto na obra de Rodchenko.

Face à escultura construtivista, os Fig.15 – Quatro Sistemas Vermelhos – Alexander Calder.


1960
mobiles são muito mais reduzidos em Metal pintado e arame; 195 x 180 x 180 cm.
Louisiana Museum of Modern Art, Dinamarca.
termos da presença de matéria, para
que se possa mover, e para que seja
possível contrabalançar o peso que existe. A cada movimento de cada elemento do mobile, é
criada uma relação com o espaço; o espectador interliga-se nessa relação, visto que em
determinadas situações é o espectador que lhe confere o movimento.

O cálculo do equilíbrio de dois pontos pressupõe uma consideração de peso de


cada elemento, isto é, há um determinado peso que é contrabalançado pelo seu
comprimento real e pela força mecânica adicional, que consiste num disco metálico fixado
à sua extremidade livre com a finalidade de obter o conjunto de contrapesos para realizar a
construção e sobretudo extensão dos mobiles.419 Esta técnica está muito ligada à própria
engenharia, que trabalha com cálculos muito precisos. A expansão do mobile é originada a
partir de uma forma lógica de organizar os vários elementos entre si. A relação e

418 PETER, Bellew - Calder. Barcelona : Polígrafa, 1969, p. 13.


419 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 258.

102
contrabalanço entre cada elemento é fundamental, transparecendo a harmonia, a leveza e
subtileza enquanto objecto uno; apesar dos mobiles serem construídos parte por parte, como
na maioria das esculturas construtivistas, no final transparece a noção de unidade, pela
relação de dependência que possuem em relação ao seu todo.

Na história da escultura, o artista sempre procurou congelar um momento do


movimento da figura humana. Calder, por sua vez, apesar dos seus mobiles serem de cariz
abstracto, procurou dar “vida” ao movimento, e tornou o movimento uma experiência do
espectador em tempo real, enfatizando a dimensão da temporalidade. O leve movimento
do ar actua como o elemento de mudança activo no mobile, assim como o movimento
provocado pelo espectador, que pode interagir directa e fisicamente com a escultura,
dentro dessa experiência activa. O movimento tem a particularidade de mostrar um novo
ponto de vista formal da escultura, ao estar em rotação sob o seu eixo. O seu movimento é
real, mas descreve volumes virtuais, isto é, o movimento no espaço cria volumes que não
existem enquanto matéria, mas, sim, enquanto um volume que é processado mentalmente,
como no construtivismo.

O mobile em movimento, girando lentamente em torno dos seus pontos de conexão,


evoca no espectador uma espécie de volume virtual; esse volume faz dos mobiles uma
metáfora do corpo ao deslocar-se no espaço, convertendo-se numa imagem enquanto
resposta do corpo à gravidade.

Os grandes stabiles são o ponto fulcral na obra amadurecida de Calder, pois formam
um contraste perfeito com a arquitectura urbana, e são um dos exemplos de arte urbana. 420
“ [...] e quando eu uso duas ou mais chapas de metal cortadas em formas e montadas em
ângulos por outra ordem, eu sei que existe uma forma sólida, talvez côncava, talvez
convexa, preenchendo os ângulos diedros entre eles. Eu não tinha uma ideia definida de
que iria ser assim, eu apenas o senti e ocupei-me com as formas que na realidade vemos.”421

Em suma, enquanto outros artistas produziam a sensação do movimento, Calder


tornou o movimento uma realidade na escultura, que passa a estar em constante mutação
graças ao movimento do ar ou da própria acção do espectador. O espaço real ocupado pelo

420 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 473.
421“...and when I use two or more sheets of metal cut into shapes and mounted at angles to each other, I fedd

that there is a solid form, perhaps concave, perhaps convex, filling in the dihedral angles between them. I do
not have a definite idea of what this would be like, I merely sense it and ocuppy myself with the shapes one
actually sees.” In CALDER, Alexander - Stabiles. New York : M. Knoedler & Co., Inc., 1983, p. 1.

103
mobile é expandido a uma espécie de volume virtual, uma espécie de desenho mental no
espaço, traçado a partir do movimento. A “tecnologia” do movimento real incutiu-lhe um
factor de inovação e "modernidade". A temporalidade é um factor que é inaugurado na sua
verdadeira essência, na medida em que existe um tempo de duração em que o mobile está
em movimento. Como já referido em Rodchenko, a componente quase teatral introduz
uma nova visão na escultura, que será debatida por Michael Fried no contexto do
Minimalismo. O teatro é uma arte diferente da escultura, visto que na escultura o
espectador assume uma outra actividade corporal, isto é, tem o espaço e o corpo como
pólos de interacção. A arte cinética e a luz têm lugar no tempo, um processo ou curso em
que a acção é experienciada em tempo real, à semelhança do teatro que termina e
recomeça.

Com a intervenção no espaço público, as criações delicadas e elegantes dos mobiles


evoluiram para as mais grosseiras e estáticas, os stabiles, através da utilização de material
mais pesado e apropriado para exterior, e da fixação completa da escultura. Os stabiles
vieram ganhar peso e mais resistência, perdendo a sensação de fragilidade e, sobretudo, o
movimento característico dos mobiles.

104
Arte Conceptual

Contextualizada no Pós-modernismo, após 1960, o termo Arte Conceptual foi


utilizado pela primeira vez em 1961, pelo escritor e músico Henry Flynt no contexto das
actividades relacionadas com o grupo Fluxus de Nova Iorque. Escreveu um ensaio
publicado posteriormente na Anthology do Fluxus, afirmando que a Arte Conceptual é, antes
de mais, uma arte em que o material se reduz a conceitos que se encontram estreitamente
relacionados com a linguagem, isto é, uma arte em que o material se reduz à linguagem.422

A Arte Conceptual consiste numa manifestação e análise linguísticas, relacionando-


se com a vertente projectual e com a efemeridade da “obra de arte”, agora encarada como
objecto. Brecht (1898-1956), quando propôs renunciar ao conceito de obra de arte,
confirmou uma situação já existente, e que fora imposta á arte pelo mercantilismo,
evidenciando a ausência da definição tradicional de obra de arte.423 Neste contexto, também
Marcel Mauss (1872-1950) teve o cuidado de falar de objectos e não de obras de arte.424 As
questões relacionadas com o gosto na escultura foram substituídas por questões de diversas
índoles: ontológicas como: “O que é a Arte?”, epistemológicas, “Como sabemos o que é
Arte?” e instituicionais “Quem determina isso?” 425

Foi Marcel Duchamp, que colocou pela primeira vez a questão da função da arte e,
como consequência deste facto, a arte adquiriu uma identidade. Com a utilização de um
objecto quotidiano e massificado, colocado num contexto artístico, com a sua assinatura,
surgue a noção de ready-made.426 Existiu um processo de desmaterialização, sendo que a
totalidade e génese da escultura assenta no seu conceito,427 e não nos seus valores
morfológicos. O objecto artístico é um mero instrumento de desencadeamento de ideias, a
partir do momento em que o objecto é considerado arte, passando de uma mudança da sua
aparência para a sua concepção.428

Duchamp fez o seu primeiro ready-made na América, em 1915. As suas apropriações


de objetos manufacturados, intitulados de ready-mades relacionam-se com a sua origem,

422
WOOD, Paul - Arte Conceptual. Lisboa : Editorial Presença, 2002, p. 8.
423 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 21.
424 Ibid., p. 23.
425 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 128.


426 WOOD, Paul - Arte Conceptual. Lisboa : Editorial Presença, 2002, p. 11.
427 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1015.


428 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.

Cambridge : The MIT Press, 1991, p. 18.

105
sendo objectos da vida quotidiana, do comércio ou indústria, em que, em alguns exemplos,
nenhuma alteração foi feita.429 Neste domínio, surgue a questão: Pode-se fazer obras que
não sejam obras de arte? Duchamp defende que, ao nomear que um objecto é arte, este
passa a ser arte. O artista escolhe um objecto e denomina-o como arte, e/ou coloca-o em
tal contexto, de modo que o objecto, em si, exige ser chamado de arte.430 Deste modo,
criou um novo pensamento para os objectos e
inaugurou a questão do nominalismo e
intencionalidade do artista, assim como um
novo processo artístico.431

A Fonte de Duchamp, de 1917, um ready-


made por excelência, consistia num urinol
invertido, assinado pelo artista, e colocado em
cima de um plinto, numa exposição,
potenciando, assim, uma descontextualização
do objecto. [Fig. 16] Esta atitude radical
representa um corte significativo com a tradição
da produção artística e escultórica, que
pressupunha a autenticidade e, sobretudo, a
Fig.16 – Fonte - Duchamp.
1917 integridade do acto de fazer e dos materiais da
Urinol de porcelana; 61 x 48 x 36 cm.
Galeria Schwarz, Milão. escultura, interligados pela técnica. O ready-made,
posicionado como arte e apresentado numa instituição artística, não mantém qualquer
relação com Duchamp, visto que é um objecto impessoal, e apesar de conter a assinatura
do artista, a autoria é descentrada, assim como a produção do objecto, pelo facto de não ter
sido executado por ele. Neste sentido, as barreiras entre "arte" e "não-arte" foram muito
reflectidas e discutidas desde o ready-made.432 Perante o contexto de um ready-made, não há
qualquer diferença técnica entre fazer arte e apreciá-la, visto que, ambas se focam na
componente mental que recai sobre aquele objecto e contexto. Deste modo, o ready-made
colocou no mesmo patamar artístico o artista e o espectador, sendo que o espectador
simplesmente repete o julgamento da ideia do artista, não sendo este facto uma

429 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 94.
430 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 312.
431 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 129.


432 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 223.

106
consequência do ready-made, mas, sim, a sua condição.433 A inversão da sua posição original,
colocando-o em cima de um plinto, potenciou uma transformação que foi interpretada
metafisícamente.434 Este gesto proporciona ao espectador um acto de deslocamento,
executado por Duchamp, no qual um objecto foi retirado do seu contexto industrial e, por
isso, funcional, para o campo da arte. A atitude de Duchamp parece estar interligada com
uma noção de acto performativo, visto que, o que caracteriza aquele objecto, no contexto
da execução ou intervenção, é precisamente o gesto de inverter a posição do urinol, que, de
certo modo, quer parecer um objecto distinto do inicial. No entanto, o título nega o
objecto e o objecto o título, no sentido em que o objecto não corresponde ao título
atribuído e, deste modo, o objecto é sempre um urinol invertido. É de evidenciar que a
presença do espectador é que activa o objecto enquanto arte; mas, a par disso, existem duas
activações: a primeira, como já dissémos, é pelo espectador que activa o objecto, e a
segunda, pelo título, a Fonte, em que o espectador observa o urinol e a partir do título
deveria ver uma fonte, o que, na verdade, não acontece.

O que é o que "faz" a obra de arte? – Esta questão é a metáfora deste objecto, que
significa que o acto de transformação feito pelo artista é a essência do trabalho criativo, que
se resumiu a uma deslocação de sentido e alteração da orientação do objecto pelo gesto do
artista. No entanto, a metáfora da Fonte parece ser produzida pelo espectador, em vez de
ser produzida por Duchamp. A estratégia do artista centrava-se na examinação do próprio
acto de transformação estética,435 e isso só podia ser feito pelo espectador. Neste sentido, a
relação activa entre a arte e o espectador tornou-se evidente, ou seja, arte e juízo estético
tendem a subsumir-se. A arte com a abordagem de Duchamp, nunca antes vista,
relacionou-se com a categoria da experiência estética e, neste contexto, qualquer coisa
podia ser experimentada, esteticamente, e qualquer coisa que possa ser experimentada
esteticamente também pode ser experimentada como arte, querendo isto dizer que a arte e
a estética coincidem.436

O testemunho de Duchamp tornou-se uma base da Arte Conceptual, expandindo-


se até aos nossos dias. Neste sentido, o método gerador da criação artística é a redução de
um objecto a um conceito, no qual o processo de pensamento é o mais relevante. A
experiência do mero observador, denominado posteriormente espectador, envolve uma

433 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, pp. 290-291.
434 KRAUSS, Rosalind - Passages : une histoire de la sculpture de Rodin à Smithson. Paris : Éditions Macula,
1997, p. 83.
435 Ibid., p. 85.
436 DUVE, Thierry du –- Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 293.

107
relação diferente com a arte. Já não está relacionada somente com a observação da
fisicalidade da escultura, pois a Arte Conceptual não está realmente focada no objecto. A
experiência estética relaciona-se com os aspectos não-físicos entre o espectador e objecto,
isto é, relaciona-se com a ideia ou componente mental que estabelece, na experiência, um
437
diálogo com um determinado contexto e espaço. Neste contexto, a experiência estética
da Arte Conceptual exige mais participação do espectador, visto que começa com a
impressão do objecto, que é absorvida pela sua fisicalidade, e, posteriormente, a “leitura”
conceptual que se envolve com o factor tempo; o tempo, ao “lermos” um trabalho de cariz
conceptual, é maior, do que a observar algo mais directo e detalhado, sem a componente
intelectual e reflexiva. Esta temporalidade é psicológica,438 e o objectivo é "ler sobre" o
objecto, ao invés de "olhar arte" e, por isso, o objecto é um meio, e não um fim em si
mesmo; quando os objectos, como as palavras, são sinais que transmitem ideias, eles não
são coisas, em si, mas símbolos ou representantes de coisas. Neste sentido, a arte é
experienciada, a fim de extrair uma ideia ou esquema intelectual subjacente, para além da
percepção da sua essência formal,439 existindo, sobretudo, um processo de
desmaterialização do objecto em ideia.

A desmaterialização no dicionário Inglês Oxford é definida como a privação de


qualidades materiais, que são uma forma especializada de energia que contêm atributos de
massa e extensão no tempo, e com o qual nos familiarizamos através dos nossos sentidos
corporais. Os objectos da Arte Conceptual podem não ser as obras de arte como as
entenderíamos no sentido material, mas, na verdade, o “estado da matéria” dos objectos é
que se altera. Isto significa que, em vez de os objectos estarem centralizados na matéria
sólida, como acontecia com a obra de arte, focam-se no uso metafórico da
desmaterialização, uma espécie de metáfora anti-matéria,440 visto que, na experiência
estética, a ideia deriva sempre da matéria, e os objectos não podem deixar de ter
propriedades visuais; a apreensão da ideia na experiência estética não podia ser
completamente imaterial, sobretudo porque a ideia devém de um objecto físico, que já foi
materializada pelo artista, logo, é como se fosse uma transformação da matéria, que
pretende que a ideia, posteriormente, volte ao seu estado inicial, e se proceda a um
“desligamento” do objecto. Neste sentido pode-se afirmar que o objecto conceptual era

437 KRAUSS, Rosalind - Passages : une histoire de la sculpture de Rodin à Smithson. Paris : Éditions Macula,
1997, p. 83.
438 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, pp. 46-47.


439 Ibid., p. 49.
440 Ibid., p. 53.

108
considerado, pelo artista, um veículo de ideias. A Arte Conceptual não é sobre ideias, é
sobre o grau de abstração das ideias. Assim sendo, a consciência retirada de referências
externas está além do espaço e do tempo, e a conceptualidade está além do espaço e do
tempo, visto que o espaço e o tempo não estão relacionados com a natureza da
consciência, são sobrepostos. A Arte Conceptual mostra uma realidade sem dimensão,441 e
uma forma sem forma,442 é como se a forma do objecto não existisse, na sua finalidade.

A Arte Conceptual manifesta-se anti-monumentalista, na medida em que apresenta


um corte radical com a tradição da escultura monumental. A escultura “desceu do plinto”
para o plano horizontal, onde desenvolveu uma relação mais activa e de maior proximidade
com o espectador; já não comemora nenhum acontecimento histórico, ou representa uma
personalidade de uma determinada época. A escolha do material e o tempo de execução
também estão envolvidos neste ponto, sendo que o material nobre, o bronze, por
excelência, deixou de ser utilizado a favor da leveza dos materiais industriais, que
pressupunham, também, uma execução mais rápida, e até pragmática, em sentido técnico.

A passagem da aparência formalista à concepção impulsionou a Arte Conceptual.


Toda a arte (após Duchamp) é conceptual (por natureza), na medida em que a arte só existe
conceptualmente. Os materiais industriais, para além da sua utilização no Construtivismo,
foram também usados por Marcel Duchamp, pois não têm um significado tradicional, e são
objectos de uso, e não veículos de expressão que permanecem inexoravelmente externos –
aqui surge a ideia de exterioridade.443 Com o ready-made, no entanto, a mudança do juízo
clássico para o juízo estético moderno é abordado, com a substituição da frase “é belo”
para a frase “é arte”.444 Para Kant, o juízo de gosto é o resultado subjectivo e pessoal,445
com a finalidade de distinguir se algo é belo ou não. Interligado com a representação, foca-
se no sujeito446 e relaciona-se com os sentidos, mas não com o objectivo de determinar um
conceito deles para a compreensão e, por isso, não é um juízo cognitivo, mas estético, sem
qualquer outra finalidade. É, portanto, apenas um julgamento privado, baseado num
conceito, uma representação singular/invidual percebida intuitivamente, a partir do qual
nada pode ser conhecido e provado em relação ao objecto, porque é, em si mesmo,

441 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 415.
442 Ibid., p. 54.
443 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 300.
444 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 303.
445 Ibid., p. 310.
446 Ibid., pp. 301-303.

109
indeterminável e inútil para o conhecimento, sendo, ao mesmo tempo, válido para todos.447
Com o ready-made, a noção de gosto não existe, isto é, não existe uma apreciação sobre a
beleza, visto que, o artista já não procura a beleza na forma escultórica; a arte já não está na
escultura, mas, sim, na ideia, no próprio jogo mental, no espectador. Existe um objecto que
é diluído, sendo que se transforma em ideia na mente no espectador, ficando, assim, a
fisicalidade do objecto dissolvida. Deste modo, o juízo “isto é belo” é substituído pelo
julgamento "isto é arte". Kant apresenta uma postura universal que foi reajustada após
Duchamp da seguinte forma: cada mulher, cada homem, cultos ou não, qualquer que seja a
sua cultura, língua, raça, origem social, classe, têm ideias estéticas que são, ou podem ser,
ideias simbólicas e artísticas.448 A frase "isto é arte", pelo qual um ready-made é produzido
como uma obra de arte, embora considerado um “objecto”, deveria ser lido como um juízo
reflexivo estético com a pretensão da universalidade, no estrito sentido kantiano.449

Voltando à Arte Conceptual, como já vimos, o conceito universal prevalecia sobre


o objecto, isto é, o processo de criação era executado a partir do conceito que anula o
objecto, e que pode ser entendido, ou não, visto ser uma arte para a elite, no sentido em
que, nem sempre a sua compreensão era ou é alcançada. Segundo Umberto Eco (1932), a
ideia da Arte Conceptual comporta cinco invariantes:

1. Redução de um objecto a um conceito – o objecto é eliminado a favor do


conceito, deixando de ser o foco central passando a ser o conceito o gerador da operação
artística. Remete-nos para a definição/ideia de signo, significado e significante. O significante é
a imagem e o significado, o conceito.
2. Redução de um enunciado a uma tautologia (redundância) em que o objecto se
apresenta e nomeia a si próprio, o chamado nominalismo. O conceito é manipulado de uma
forma científica.
3. Introdução do referente na obra – Redução do conceito das várias representações
possíveis desse mesmo conceito que se reflectem em múltiplas formas de denotar o conceito.
(Exemplo: Uma e Três Cadeiras de Joseph Kosuth – presença do referente – cadeira, o seu signo
icónico – fotografia, e o seu signo linguístico – a definição do dicionário).
4. Contexto em que se ordenam as obras conceptuais, nomeadamente no tempo e
no espaço e até da própria redução.
5. Vai da redução à destruição material do objecto, no caso das performances, hapenning,
body art, nas quais a duração e permanência fisica da obra são incontestavelmente limitadas.
Posto isto, apenas permanece o conceito, a documentação e a pesquisa.

Para os artistas conceptuais, a arte resume-se a uma tautologia e, como afirma


Joseph Kosuth (1945), a definição mais pura de Arte Conceptual assenta na investigação do

447 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, pp. 308-309.
448 Ibid., p. 316.
449 Ibid., p. 320.

110
conceito de arte,450 consistindo em categorias do dicionário, tratando das múltiplas
vertentes da ideia de alguma coisa. Kosuth, um dos conceptualistas “puros”, será
apresentado mais adiante, como interlocutor priveligiado desta corrente. Visto que as
quatro primeiras invariantes de Umberto Eco já foram abordadas, o ponto cinco parece-me
ser fundamental ser contextualizado, visto que representa uma nova abordagem artística e,
sobretudo, porque a destruição material do objecto passa a ser uma constante na
intencionalidade do artista e na própria experiência estética.

Na Arte Conceptual, a “destruição” ou desmaterialização do objecto já existia,


embora de forma metafórica. No desenvolvimento das performances, happenings, ou body art,
essa destruição material é literal, no sentido em que não existe um objecto tridimensional; o
objecto da intervenção é o corpo que naquele contexto existe durante algum tempo. O
objecto constitui-se a acção a “acontecer” que, em muitos casos, é filmada ou fotografada,
em simultâneo, para produzir um registo documental daquele momento, uma espécie de
“re-vivência” da intervenção, direccionado sobretudo para o sujeito. Deste modo, o
objecto torna-se efémero e, materialmente, apenas existe em vídeo ou fotografia, o que faz
com que a tridimensionalidade da escultura tenha sido reconceptualizada.

Em suma, os ready-mades de Marcel Duchamp acentuam o carácter conceptual dessa


tendência da escultura moderna de desvincular-se da tradição e aproximar-se do objecto.
Duchamp trouxe objectos que não foram considerados como arte, e colocou-os na galeria
para provar, dialecticamente, que é a galeria que dá legitimidade aos ready-mades enquanto
arte, assim como a nomeação do artista e a sua activação pelo espectador. Essencialmente,
Duchamp tentou questionar a função aristocrática da arte, e da galeria de arte como
instituição.451 Como afirmou por Donald Judd (1928-1994), em 1965, “se alguém chama de
arte, é arte”, visto que tudo gira em torno da questão do nome.452 A sentença “isto é arte”,
é o meio pelo qual os ready-mades foram produzidos, expressando um juízo estético, no
sentido kantiano.453

A essência da Arte Conceptual assenta num conceito e desenvolve uma abordagem


focada na ideia e não no objecto. Deste modo, a abordagem é simples a nível formal, sendo
que a complexidade reside no “conteúdo”. Utiliza um modelo de linguagem científica de

450 BATTCOCK, Gregoy - La idea como arte : documentos sobre el arte conceptual. Barcelona :
Gustavo Gili, 1977, p. 60.
451 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 420.


452 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 297.
453 Ibid., p. 301.

111
modo a suprimir, em si mesma, as emoções, expressões e representações tradicionais.
Radica as pesquisas num plano analítico-descritivo, com uma redução significativa da teoria
e da prática da arte, na vertente crítico-convencionalista, que constitui a base do
pensamento moderno. Daí a insistência da dimensão sintáctica da linguagem e a sua
tentativa de formalização da arte, desenvolvidas pela linha analítica da Arte Moderna, mas
também da filosofia.

A Arte Conceptual envolveu-se com termos como “não arte” e “anti-arte”,454 não
só pela questão objectual de Duchamp, mas, também, pelo desenvolvimento de meios
efémeros, a partir dos quais se desenvolveram várias abordagens artísticas. Depois da arte
ser ideia, a arte passou a ser acção, com a performance, body art, happening, a fotografia, o
vídeo, afastando-se radicalmente da artística tradição volumétrica.

Joseph Kosuth

Joseph Kosuth, artista conceptual americano, foi um dos primeiros a investigar a


natureza linguística na produção artística enraizada na psicanálise de Freud, no Marxismo e
na Teoria da Linguagem de Wittgenstein (1889-1951). O seu trabalho investiga a natureza
linguística das proposições da arte, sendo a condição da arte “um estado conceptual”,455
visto que a “arte não é sobre beleza, mas sobre conceito”,456 e tem como objectivo colocar
a arte como fonte conceptual, e não como concepção estética, como defende Kosuth.
Neste sentido, a arte começa onde a fisicalidade (do objecto) termina.

A ideia torna-se uma “máquina” que faz a arte,457 existindo uma conexão
conceptual entre arte e estética.458 Uma “obra de arte”, agora denominada de objecto, é
uma tautologia na medida em que é uma apresentação da intenção do artista, ou seja, o
artista afirma que uma determinada obra de arte é arte, o que significa que é uma definição

454 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
University of California, 1997, p. xix.
455 DUVE, Thierry du - Kant after Duchamp. Cambridge : The MIT Press, 1998, p. 305.
456 KOSUTH, Joseph - Para Joseph Kosuth, maior artista conceitual vivo, “arte não é sobre beleza”.

Entrevista por Audrey Furlaneto in O Globo. 2 de Agosto de 2013. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://oglobo.globo.com/cultura/para-joseph-kosuth-maior-artista-conceitual-vivo-arte-nao-sobre-beleza-
9320102#ixzz2ztWiBIk6> [consulta em 25.04.2014].
457 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 160.


458 Ibid., p. 162.

112
de arte,459 ou seja, que é arte.460 Sem intenção artística, não há arte, para além dessa intenção
ser uma característica da autenticidade461 e da auto-reflexividade.462

O artista produz um objecto com um determinado conteúdo, que é absorvido pelo


espectador que tem um papel activo, no que diz respeito à componente mental,
nomeadamente na transformação do objecto em ideia, como acontecia com os ready-mades
de Duchamp.

Neste contexto, a arte é um jogo mental, a partir da tautologia (cuja teoria vem da
economia), isto é, surge um jogo mental, a partir da ideia que já está contida no objecto.
Como afirma Wittgenstein, na matemática e na lógica, o processo e o resultado são
equivalentes,463 e na arte parece ser a mesma coisa, no sentido em que o mais importante na
arte conceptual é a ideia concebida e desenvolvida no próprio processo, o que implica a
desmaterialização do objecto, por parte do espectador. É de evidenciar a influência de
Duchamp no trabalho de Kosuth, no sentido nominalista, isto é, o título Fonte, do ready-
made correspondente, é que permite o jogo mental que pretende transformar o urinol
numa fonte; no caso de Kosuth, o jogo mental é impulsionado pela relação literal das
palavras, das imagens e do seu significado. Também é importante evidenciar a condição
objectual que surgiu com Duchamp, e que trouxe para a escultura materiais não orgânicos,
isto é, sintéticos, que se reflectiram nos objectos de Kosuth.464

Os objectos de Kosuth só fazem sentido se a arte for problematizada, isto é, se


houver um questionamento sobre o que é a arte. Existiu uma mudança no artista, que agora
é intelectual e desenvolve as suas capacidades de escrita. Neste sentido, o artista enquanto
pensador, vê-se na condição de questionar, transferindo esse momento para o espectador,
quando aplicado ao contexto da arte. Existe uma mudança de origem do significado de
uma escultura ou objecto para o exterior (espectador). Deste modo, a arte passou a “estar”
no espectador, isto é, na sua experiência, tornando-se no foco da arte.465 No entanto, a Arte
Conceptual tem uma linguagem que só chega a algumas pessoas. Por outras palavras, uma

459 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 165.
460 Ibid., p. 523.
461 Ibid., p. 465.
462 Ibid., p. 522.
463 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.

Cambridge : The MIT Press, 1991, p. 248.


464 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :

University of California, 1997, p. 24.


465 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, pp. 319-

321.

113
ideia deve necessariamente ser concluída na mente; o objecto é entendido como um
condutor da mente do artista para o espectador, mas pode nunca atingir o espectador, ou
pode não sair da mente do artista. Utilizava-se uma linguagem universal, ou pretendia-se
que assim fosse, de modo a ser perceptível por todas as pessoas; já o Minimal tentou
universalizar-se, mas apesar dos artistas procurarem a ausência de significado, era uma
contradição porque existe sempre algum significado ou ideia subjacente. Neste sentido, o
trabalho de Kosuth, é uma reflexão sobre a linguagem466 e parece situar-se entre a pintura e
a escultura, como irá ser desenvolvido na Arte Minimal.

Um dos trabalhos conceptuais mais famosos deste artista é Uma e Três Cadeiras, de
1965, e assenta numa tautologia. A definição de Tautologia consiste numa proposição dada
pelo artista como explicação, mas que, na realidade, apenas repete, em termos idênticos ou
equivalentes, o que já foi dito.467 O trabalho tem como objectivo apresentar três formas de
representação de um conceito e, deste modo, estimular o espectador com a ideia física,
representativa e verbal do objecto, a cadeira. O trabalho consiste na presença da cadeira
física, uma fotografia dessa
cadeira, e o texto de uma
definição do dicionário da
palavra “cadeira”. A cadeira de
madeira, seleccionada pelo
artista, é um exemplo comum,
tirado do seu contexto usual, e
recolocado no ambiente de um
museu, estalecendo uma relação
com o processo de
deslocamento de Duchamp. Fig.17 – Uma e Três Cadeiras – Joseph Kosuth.
1965
Assim, a cadeira é privada da Cadeira de dobrar de madeira, reprodução fotográfica da mesma cadeira
e ampliação fotográfica da entrada de dicionário do termo “cadeira”;
sua função utilitária e ganha cadeira 82,2 x 37,8 x 53 cm; painel fotográfico 91,5 x 61 cm; painel de
texto 61 x 62,2 cm.
um novo significado. A Museu de Arte Moderna, Nova Iorque.
fotografia a preto e branco é
uma representação da cadeira real presente no espaço e tem a função de despertar
questionamentos importantes a respeito da verdade e da imitação de um objecto,

466 LYOTARD, Jean François - Foreword: after the words in GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and
After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth. Cambridge : The MIT Press, 1991, p. xv.
467 (s.a.) - Tautologia in Dicionário da Língua Portuguesa. 2015. [Em linha] Disponível em WWW:<

http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/tautologia >[consulta em 15.01.2015].

114
abordando também uma nova abordagem da fotografia na década de 1960. Por sua vez, a
definição do conceito de cadeira é afixada na mesma parede que a fotografia e possui o
poder de criar conhecimento e entendimento, sobretudo pela maneira como estão
apresentadas. [Fig. 17] Quando se lê a definição do dicionário para a palavra “cadeira”,
talvez essa seja rapidamente relacionada com uma das figuras disponíveis para apreciação -
a foto ou a própria cadeira.

Kosuth ao expôr as várias ideias e possíveis representações de cadeira, clarifica que


o trabalho é literalmente o que diz que é. Consiste numa arte para ler, mais do que para
olhar, e através da leitura do título é despertado um impulso mental, que esclarece ou
desperta certos significados. O título comunica a mensagem que o objecto, em si,
transmite, isto é, o conjunto da cadeira, fotografia e a definição; como afirma Kosuth, “[...]
perdi a fé em qualquer forma tradicional de arte, sentia que a tarefa do artista era reflexiva.
Arte não é sobre beleza, embora um trabalho, uma pessoa ou uma mesa possam ser belos.
É um aspecto possível, mas não essencial. Se queremos que a obra seja importante para o
nosso tempo, não podemos fazer arte decorativa ou simplesmente entretenimento visual.
[...] As questões da arte devem ser abordadas com subtileza e complexidade, mesmo
quando os meios são simples. A minha “Uma e três cadeiras” é muito simples, mas o que
mostra é complexo. Arte é uma atividade especializada.”468

Como já vimos, os modelos potenciavam a reflexão sobre eles mesmos (auto-


reflexivos) e sobre a arte em geral. A espacialidade, neste contexto, está presente numa
espécie de “espaço psicológico” que desenvolve uma reflexão da relação dos vários
suportes e da sua relação como um todo.469

A maioria da apresentação dos seus trabalhos tem uma relação com a pintura; são
quase sempre fixos à parede, e este não é excepção. Serão imagens presentes no espaço
museológico, tal como a pintura? Parece ser uma apresentação de ideias nos seus
respectivos suportes, ou melhor, de acordo com Kosuth, eram modelos ou anti-objectos;470
são denominados objectos que não possuem tridimensionalidade, com excepção da

468 KOSUTH, Joseph - Para Joseph Kosuth, maior artista conceitual vivo, “arte não é sobre beleza”.
Entrevista por Audrey Furlaneto in O Globo. 2 de Agosto de 2013. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://oglobo.globo.com/cultura/para-joseph-kosuth-maior-artista-conceitual-vivo-arte-nao-sobre-beleza-
9320102#ixzz2ztWiBIk6> [consulta em 25.04.2014].
469 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 342.


470 Ibid., p. 510.

115
presença da cadeira. São, portanto, anti-objectos, que se negam na sua fisicalidade, não só
pela ausência das três dimensões no espaço real, como também na sua conversão em ideia.

Os modelos consistem numa aproximação visual de um objecto de arte particular


que o artista tem em mente, e que transfere a sua ideia para um objecto. Neste contexto,
não importa quem realmente faz o modelo, nem onde o modelo acaba;471 não existe um
ofício de escultura como era tão característico na tradição escultórica, mas, sim, conceitos
aplicados aos objectos que, neste caso, são apropriados. Não lhe interessa os objectos, mas,
sim, proposições. Deste modo, o artista é separado do objecto: já não expressa nada e nem
sequer o produz; é um objecto produzido industrialmente ou apropriado do contexto
quotidiano (objectos funcionais), sendo,
por isso, considerado um trabalho
racionalista. Quando a arte passa a ser uma
experiência analítica, e a estar focada na
ideia e no espectador, a produção do artista
entra em desuso. O jogo mental acontece
graças à forma e ao conteúdo, que estão
inseparavelmente ligados,472 porque é
sempre necessário ver “algo”, embora o
que prevaleça seja a ideia. Assim, quando o
espectador se aproxima do objecto (forma)
está a aproximar-se da ideia.473

Kosuth possui uma postura anti-

museológica, no sentido em que defende Fig.18 – Guests & Foreigners: Three Faces of a Correspondence –
Joseph Kosuth.
ideias que diferem da essência do museu e 2003
Letras;
da relação do observador com a obra de Museu Isabella Stewart Gardner, Estados Unidos.
arte, a qual sofreu uma reformulação
conceptual. Guests & Foreigners: Three Faces of a Correspondence, de 2003, é um exemplo.
Consiste numa instalação, num espaço museológico que contém frases escritas na parede

471 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
University of California, 1997, p. 25.
472 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.

Cambridge : The MIT Press, 1991, p. 249.


473 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 461.

116
que entram em diálogo com as obras de arte, nomeadamente as pinturas que já existiam no
espaço expositivo.

As frases na parede são como se fossem pensamentos, muito leves. São a leveza do
pensamento. Como já vimos, a arte está na ideia, e quem apreende a ideia é o espectador,
logo a arte está no espectador. A arte torna-se um juízo estético analítico, que parte da
desmaterialização do objecto, e que tem como antecedente o processo de Duchamp de
diluição do objecto, em função do raciocínio, sendo que, tudo se centra exclusivamente
num jogo mental. Neste caso, o objecto já está desmaterializado, porque não existe; apenas
existem as frases, os pensamentos, as ideias escritas na parede, reduzindo a ideia à sua
essência. [Fig. 18]

Para Kosuth, a arte é literalmente a linguagem,474 como podemos verificar. O seu trabalho
explora o papel do significado na arte e nesta instalação utiliza uma variedade de formas de
apresentação de texto. A exposição de Kosuth reflectiu sobre a história do Museu Isabella
Stewart Gardner nos Estados Unidos, com especial atenção para as relações do Fundador
com dois indivíduos que ajudaram a desenvolver a intelectualidade do seu tempo: James
McNeill Whistler e Bernard Berenson. Kosuth seleccionou frases e re-contextualizou-as,
convidando o espectador a construir o significado, tanto do próprio texto como do
contexto em que se insere, activando a relação do espectador com o processo de atribuição
de significado. O surgimento de um novo significado foi, inevitavelmente, determinado
pela identidade do espectador, pelos valores e pelo contexto cultural.475

As frases são longas, e são escritas em todas as paredes, preenchendo o espaço da


parede, em redor das obras de arte já existentes. O tamanho de letra das frases é variável,
de modo que se cria uma espécie de dinamismo através da forma como foram organizadas.
Temos frases sublinhadas, com fundo destacado, e apenas escritas no fundo cinzento da
parede. As frases acabam por unir todas as pinturas que existem naquela sala, visto que, as
frases atravessam as paredes da sala por completo, e passam por detrás das pinturas, como
se fossem as linhas das ideias que unem todas as pinturas.

474 KOSUTH, Joseph - October 1969 in GALE, Peggy – Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the
Nova Scotia College of Art and Design, 2004, p. 5.
475 HAWLEY, Anne (dir.) - Joseph Kosuth: Artist, Curator, Collector: James McNeill Whistler, Bernard Berenson and

Isabella Stewart Gardner—Three Locations in the Creative Process in Isabella Stewart Gardner Museum [Em
linha]. Disponível em
WWW:<http://www.gardnermuseum.org/contemporary_art/exhibitions/past_exhibitions/artist_curator_co
llector?filter=exhibitions:2277> [consulta em 20.01.2015].

117
Um texto é, por natureza, diferente de uma pintura e, neste caso, existe um
contraste entre a leveza das palavras, e das ideias, e o peso da pintura que é material. Neste
contexto, é evidente que não é necessário ter um objecto para ter uma “obra de arte”, mas
tem sempre de existir algum elemento visual.476 O que a arte mostra numa manifestação
linguística é, de facto, o modo como ela funciona; o papel da linguagem no trabalho de
Kosuth, a partir de 1965, era precisamente dar a conhecer os jogos da linguagem da arte,
que possibilitam não apenas uma reflexão sobre o jogo em si, mas uma dupla reflexão
indirecta sobre a natureza da linguagem, através da arte, e da própria cultura.477

Em suma, o seu processo artístico é semelhante ao processo de Duchamp,


enquanto jogo mental, que articula o regime plástico e o regime verbal, com maior ou
menor prevalência de um ou de outro, dependendo dos casos. A arte é um jogo de
conceitos, por isso, as frases eram muito leves nas paredes do museu, estando relacionadas
com a própria ideia. Os objectos reduziram-se a frases, consistindo a linguagem a activação
e a materialização do jogo mental.

Antes de Duchamp, tanto a pintura como a escultura tinham determinadas


características morfológicas. Duchamp muda esse factor,478 quando redirecciona a arte para
a ideia, por via da desmaterialização do objecto e não apoiando-se em tipologias artísticas.
Tudo fica uniformizado, visto que tudo parte da ideia.

A arte de Kosuth possui uma dimensão antropológica e linguística, e, neste sentido,


os seus escritos coligidos em “Art after Philosophy” contam com a influência da filosofia e
da linguagem, sendo que a arte assenta na continuação da filosofia, rejeitando, desta
maneira, o formalismo plástico.

Dan Graham

Dan Graham (1942) é um artista americano, nascido em 1942, em Urbana, Illinois,


EUA. Construiu uma obra com base no conceptualismo e nas convenções da arquitectura
como forma de interacção social. As áreas do seu pensamento são mais diretamente

476 GUERCIO, Gabriele - Art After Philosophy and After: Collected Writings, 1966-1990 / Joseph Kosuth.
Cambridge : The MIT Press, 1991, p. 249.
477 Ibid., p. 247.
478 KOSUTH, Joseph – October 1969 in GALE, Peggy – Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the

Nova Scotia College of Art and Design, 2004, p. 4.

118
identificadas com os escritos de Roland Barthes, em 1960, e de Michel Foucault e
Manfredo Tafuri, em 1970.479 A influência da Escola de Frankfurt, mas particularmente de
Walter Benjamin, é evidente nas conexões que estes autores fazem entre os seus objectos
de estudo específicos e os efeitos psicossociais desses objectos,480 para além de lhe
interessar o uso da transparência dos objectos de Donald Judd, no contexto do
Minimalismo.481

Desde meados de 1960, o trabalho de Graham consistiu numa interrogação crítica


do discurso proposto pela Arte Minimal,482 no sentido em que era evidente uma resistência
ao significado, que Graham contraria, visto que tudo no seu trabalho tem significado como
a escolha dos materiais, a configuração formal dos pavilhões e a sua localização. Para além
disso, o trabalho de Graham tem espacialidade, que difere da Arte Minimal, que, muitas
vezes, tinha uma relação mais próxima da pintura, parecendo até negar a teatralidade que
Michael Fried apontou no discurso minimal. Graham apresenta uma abordagem
multidisciplinar em relação à produção artística: produziu vídeo, fotografia e escultura.

Quanto aos seus trabalhos de vídeo, giram em torno dos confrontos entre o pessoal
e o tecnológico, enquanto os seus pavilhões - como as suas esculturas eram chamadas -
483
relacionam-se com as problemáticas do espaço público em situações urbanas. As
abordagens de Dan Graham relacionam-se com vídeo e com a teoria da arquitectura
aplicada à escultura, desenvolvendo “modelos comportamentais funcionais”, utilizando
vidro e espelho.484 A parede de vidro foi pioneira, centralmente, por Mies van der Rohe
(1886-1969) e foi um elemento primordial da produção escultórica de Graham. O vidro,
inerente à estrutura de aço, foi um produto do progresso tecnológico e de modernidade
aplicada à escultura. A leveza visual do vidro, expressa valores espirituais com os slogans de
Mies “quase nada” e “menos é mais”.485 Ao longo de 1970, concentrou-se no
comportamento das pessoas, nomeadamente na performance.486 As performances de Graham,
feitas durante a primeira década da sua carreira, estabeleceram as estruturas de raciocínio
espacial e perceptual que influenciaram toda a sua obra posterior. Nos seus primeiros

479 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 508.
480 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 35.
481 LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 100.
482 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 41.
483 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação

Calouste Gulbenkian, 1989, p. 20.


484 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 45.
485 Ibid., p. 49.
486 Ibid., p. 45.

119
vídeos, Graham documentou os seus próprios movimentos frente a uma audiência487 e,
progressivamente, foi inserindo elementos tridimensionais, como um pavilhão de vidro na
dimensão performativa, como em Body Press, de 1972, em que dois corpos estão no interior
de uma estrutura de metal e com espelho, de costas um para o outro, e filmam o seu
próprio corpo. Nas várias performances de Graham, é muito frequente a presença da camara
de vídeo, que capta o público em geral, o público inserido em determinado ambiente ou,
simplesmente, a imagem reflectida do corpo.

Em Performer/audience/mirror, de 1977, Graham adicionou apenas um espelho real na


performance e envolveu o público. Graham ficou de pé, à frente de uma plateia sentada e,
num primeiro momento, olhando parcialmente para o público, descreveu os seus próprios
movimentos. Em seguida, vira-se para o espelho e descreve os seus movimentos e as
reações do público, influenciado pela imagem virtual que viu no reflexo do espelho. 488
Quando Graham se virou para o espelho, a sua descrição era a mesma reflexão a que o
público estava a assistir, que corresponde a uma experiência mais instantânea de tempo; e o
oposto ocorreu, quando Graham se descreveu a si mesmo.489 O artista tentou combinar
várias ideias de tempo, a partir da perspectiva renascentista. No Renascimento,
nomeadamente na representação, havia dois tempos: o presente, onde a obra exisitia, e o
passado; a pintura, por exemplo, era uma janela para o mundo de uma outra temporalidade.
No caso da performance de Graham, existem quatro tempos: o performer, de frente para o
público, descrevendo a sua própria aparência e comportamento; o performer de frente para o
público, descrevendo a sua aparência e comportamento; o autor de frente para o espelho,
descrevendo a sua aparência e comportamento; e, por último, de frente para o espelho,
descreve a aparência e o comportamento do público. Esta relação faz lembrar a posição
dos padres nas missas, antes do II Concílio do Vaticano, que celebravam a missa de costas
voltadas para os fiéis, porque estavam de frente para o altar-mor, isto é, para a presença de
Deus. Depois do século XX, a posição do padre inverteu-se e passou a estar de costas para
o altar, virado para os fiéis, correspondendo a uma alteração teológica, quanto a essa
presença. Esta rotação faz alusão à alteração da posição do corpo de Graham, sendo que o
foco, o dispositivo, é o espelho, e, no exemplo religioso, é Deus. Graham funcionava como
espelho para o público, descrevendo-o e, assim, o público também se via no espelho. A

487 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 20.
488 DUVE, Thierry de - Dan Graham and the critique of artistic autonomy in KITNICK, Alex – Dan Graham.

Cambridge : The Mit Press, 2011, p. 19.


489 LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 70.

120
dimensão teatral desta performance490 vai ser relevante para a teatralidade presente na
experiência estética dos seus pavilhões: Graham estava em frente a uma plateia a realizar a
performance, como se fosse um actor num palco. Além disso, estava a tentar combinar o
behaviorismo (psicologia do comportamento) e a fenomenologia,491 enquanto filosofia que
defendia uma outra concepção de constituição intencional e apreensão da realidade.

Public Space/two adiences, de 1976, foi um trabalho desenvolvido numa galeria, e


consiste numa sala dividida em duas partes por um vidro transparente, sendo que o fundo
de uma das partes tinha um
espelho. O espectador entrava
numa das salas disponíveis, e não
ouvia nada do outro lado, visto
que o vidro tinha isolamento de
som, e apenas permitia que se
vissem os outros espectadores, na

Fig.19 – Public Space/two adiences – Dan Graham. sala ao lado. Com a presença dos
1976
Vidro e pessoas; espectadores, existia uma
Herbert Collection (Documentos).
sobreposição de imagens
reflectidas parcialmente no vidro. [Fig. 19] O objectivo de Graham era colocar o
espectador em interacção com o trabalho, numa espécie de experimentação sociológica, em
que dois grupos aprendiam a interagir e conviver.492 O espectador podia ver-se a si mesmo,
assim como ver os outros na outra sala. Esta abordagem revelou o modo como o
comportamento público e privado é condicionado e contextualizado pela arquitectura.493
Graham queria entender como é que, para além das reacções perceptivas e psicológicas,
uma pessoa reage aos estímulos sociais e políticos, provocados pela arquitectura de vidros
transparentes e, neste contexto, o espectador acabou por se ver envolvido num contexto
performativo no espaço da arquitectura. O autor queria capturar as complexidades de e no
próprio acto de olhar e, neste sentido, a arquitetura tornou-se o instrumento óptico, a par

490 BUCHLOH, Benjamin H. D. - Moments of History in the work of Dan Graham in KITNICK, Alex – Dan
Graham. Cambridge : The Mit Press, 2011, p. 19.
491 GORDON, Kim - Interview with Graham on their collaborations and music in LLES, Chrissie ; SIMPSON,

Bennett - Dan Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 169.
492 FRANCIS, Mark - Graham's Public Space/Two Audiences in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan

Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 185.


493 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação

Calouste Gulbenkian, 1989, p. 20.

121
do espectador e do performer.494 Enquanto a galeria era um local de exposição de obras de
arte, agora é um lugar propício à experiência estética e fenomenológica entre os
espectadores e os dispositivos, o vidro e o espelho.495

Estes dois trabalhos evidenciam a utilização de vidro num espaço interior e a


própria génese do trabalho de Graham que se direcciona para uma dimensão conceptual e
performativa por parte do espectador, isto particularmente no Public Space/two adiences, já
que no caso do Performer/audience/mirror, o performer era o próprio artista. O contexto da
instalação, ou das estruturas que eram executadas para a execução das performances, tornara-
se um foco do seu trabalho na vertente tridimensional do meio urbano, ganhando o
estímulo da construção, e, de certo modo, centrando a “performance” na experiência estética
do espectador,496 que se direcciona para a teatralidade. É de evidenciar que o verbo
construir tem como finalidade, habitar. Os pavilhões de Graham, como as suas esculturas
eram chamadas, são construções e não habitações, visto que não se trata de arquitectura.
Construir não é apenas um meio para habitação, visto que construir já é, em si mesmo,
habitar;497 isto quer dizer que construir é produzir espaços que, posteriormente,
pressupõem a presença humana, a sua habitabilidade, visto que a essência do construir
significa originariamente habitar.498 Neste sentido, os pavilhões construídos de Graham
influenciam o comportamento através da sua posição no espaço,499 estabelecendo uma
relação com a arquitectura, e dando lugar a uma componente mais interactiva com o
espectador; isto implica que a relação entre o homem e o espaço consiste num habitar
pensado de maneira essencial.500

O trabalho de construção de Graham passou por novas influências, particularmente


de Daniel Buren (geometria), Michael Asher (criação de estruturas que dividiam um espaço)
e Gordon Matta-Clark (círculos abertos nas superfícies). Os pavilhões de Graham são
paralelos ao desenvolvimento da arquitectura moderna, sendo que parecem estar em

494 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 195.
495 ALBERRO, Alexander - Specters of Utopia in KITNICK, Alex – Dan Graham. Cambridge : The Mit Press,

2011, p. 179.
496 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 46.
497 HEIDEGGER, Martin - Construir, Habitar, Pensar in HEIDEGGER, Martin – Ensaios e Conferências.

Petrópolis : Editora Vozes, 2001, p. 126.


498 Ibid., p. 127.
499 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Ar, 2007, p. 45.
500 HEIDEGGER, Martin - Construir, Habitar, Pensar in HEIDEGGER, Martin – Ensaios e Conferências.

Petrópolis : Editora Vozes, 2001, p. 137.

122
diálogo explícito com a longa história de pavilhões de arquitetura.501 Mies é o arquitecto
que mais claramente influenciou o seu trabalho, no sentido da arquitetura como uma
máquina de visão, e, também, pela própria ideia de pavilhão. Mies, na construção do
pavilhão alemão para a exposição internacional em Barcelona, afirmou que nada seria
exibido, e que o próprio pavilhão seria a exposição; assim, o pavilhão de Barcelona tornou-
se uma exposição sobre a exposição. Tudo o que foi exibido foi uma nova maneira de
olhar, e, nos pavilhões de Mies e de Graham, os visitantes são, eles próprios, a exposição.502
O Pavilhão é simplesmente um espaço em que as pessoas se encontram, um espaço de
reflexão, visual e conceptual.

Quando cria os seus pavilhões num espaço exterior, os efeitos de reflexão dos
materiais utilizados são potenciados e tornam-se mais ricos, no contacto com o contexto
urbano. Nos seus pavilhões ao ar livre combinou materiais industriais que resumem a
arquitectura pós-Bauhaus – vidro e aço inoxidável – e que estão ligados também ao
Construtivismo no que diz respeito à componente prática: Graham construiu modernas
estruturas nas quais o espectador pode circular pelo interior e exterior das construções. A
transparência do vidro, o espelho e os efeitos de luz têm resultados diferentes, quando
observados do interior ou do exterior. As próprias estruturas parecem tornar-se máquinas
fotográficas, fotografando aquilo que as rodeia, isto é, captam o ambiente de um
determinado espaço, porque o vidro, assim como o espelho, captam o que está ao seu
redor. Os pavilhões tornam-se, pela sua estrutura, parte de um discurso arquitectónico, que
ecoa nas formas geométricas simples da arquitetura moderna, os materiais que aludem às
fachadas de espelho e vidro dos edifícios corporativos modernos.503 A movimentação do
espectador e o seu modo explícito de circulação, é também relevante neste sentido, pois as
paredes do pavilhão direccionam e orientam a vivência corporal do espectador. No
entanto, apesar destes factores, difere da arquitectura,504 porque, mesmo sendo habitável,
não é possível “habitar”, visto que não foi executado para tal função, e difere
absolutamente dos padrões frequentes de uma habitação.

501 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 203.
502 Ibid., p. 193.
503 ALBERRO, Alexander - Specters of Utopia in KITNICK, Alex – Dan Graham. Cambridge : The Mit Press,

2011, p. 189.
504 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan

Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 207.

123
Two adjacent pavilions é um exemplo de um pavilhão no espaço exterior, e foi
construído num parque, na Holanda, no Kröller-Müller Museum, em 1981.505 A ideia de
pavilhão num jardim estabelece
uma relação com os pavilhões
Rococó do século XVIII, com
janelas e espelhos.506 O trabalho
consiste em dois pavilhões, em
forma de paralelepípedo, com as
mesmas dimensões, de planta
quadrangular, que contêm duas
faces de vidro e duas de espelho.
A ideia de ligação que existe entre
arte e natureza, entre a paisagem
Fig.20 – Two adjacente pavilions – Dan Graham.
e os vidros ou espelhos do 1978-81
Vidro, espelho e aço;
pavilhão, parece estabelecer uma Kröller-Müller Museum's sculpture park, Holanda.

relação com o trabalho de


Robert Smithson (1938-1973), quando colocava espelhos na paisagem, no âmbito da Land
Art. A relação espacial entre os dois pavilhões parece ter relação com o termo minimalista
one thing after another, visto que existe uma relação de continuidade e de sequência. Um dos
pavilhões tem um tecto de vidro transparente e o outro é todo fechado com material
opaco. O primeiro, com o tecto transparente de vidro, potencia o reflexo e a entrada de luz
do exterior para o interior; com muita presença de luz a partir do topo, as mudanças entre
transparência e reflectividade, nas “paredes” do pavilhão, dependem da quantidade de luz
solar e, portanto, da hora do dia. A imagem reflectida no vidro, ou no espelho, é uma
imagem artificial e a natureza torna-se uma mera ilusão óptica. [Fig. 20] A imagem
reflectida parece ser uma forma de separação entre o espectador e o objecto real, sendo
apresentados vários panoramas intangíveis.507 Estes mecanismos de opticalidade são
condensados no vidro, que criam um jogo de reflexão e de transmissão de luz de acordo
com a luz do dia. As mudanças na direção, qualidade e intensidade da luz do dia, criam
vários jogos e efeitos nas paredes do pavilhão, de que o espectador faz parte, tornando a

505 WALL, Jeff – Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 73.
506 DUVE, Thierry de - Dan Graham and the critique of artistic autonomy in KITNICK, Alex – Dan Graham.
Cambridge : The Mit Press, 2011, p. 86.
507 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 57.

124
aparência da fisionomia do pavilhão quase imaterial. Deste modo, a iluminação artificial,
que produz imagens no espelho, é uma reminiscência da teatralidade.508

A experiência do espectador inicia-se assim que se movimenta no espaço do


pavilhão, sendo “implicado” nas suas múltiplas reflexões, visto que se sobrepõem as
imagens do espectador e do meio envolvente. Os seus pavilhões combinam espelho e
vidro, exploram o enigma de que o vidro não é realmente transparente, visto que reflecte
várias imagens sobrepostas do mundo exterior, perdendo a noção de transparência total, já
que os vidros com a luz adequada, evidenciam uma imagem, que é possível graças à
presença do espectador. O espectador vê-se inserido na paisagem, e a paisagem e o
espectador inseridos, respectivamente, no pavilhão.

A escala interna dos pavilhões torna-se uma forma de repensar a escala urbana,509
que neste caso é adaptada à escala humana; não precisa de ser muito maior do que isso,
visto que a experiência estética é focada no espectador, e deve ser feita à sua escala. O
trabalho é sempre sobre o espectador e a temporalidade. Isto é muito importante, porque
todo o seu trabalho é uma crítica da Arte Minimal, da sua estaticidade,510 no sentido em que
já se falava da teatralidade no contexto minimal, mas, no entanto, não possibilitava uma
vivência verdadeiramente corporal e “habitacional”. Os pavilhões transmitem a ideia de
leveza, e até de imaterialidade, pelas imagens reflectidas nos vidros. Como já vimos, a
teatralidade está prevista na experiência estética. A escultura, depois do Construtivismo,
interligou-se com a arquitectura, ao ponto dos pavilhões de Graham terem a sua génese no
ramo da arquitectura, porque a escultura passa a ser vivida com o corpo, passa a haver uma
interacção que, na escultura tradicional maciça, não era possível, aliás, havia sempre uma
barreira física entre o observador e a obra. Neste contexto, a proximidade cada vez maior
da escultura com o corpo do espectador, fez com que a escultura se expandisse para outros
meios e territórios. A performance, o vídeo ou a fotografia, como documentação, tornaram-se
meios válidos na escultura, e mais do que estarem próximos do corpo, são executados com
o corpo, como no caso da performance, em tempo real. A presença dos pavilhões nos
espaços urbanos foram “pedagogizando” o espectador, que explora com curiosidade o
pavilhão que o convida a entrar e a experienciar corporalmente.

508 WALL, Jeff - Selected Essays and Interviews. New York : The Museum of Modern Art, 2007, p. 59.
509 COLOMINA, Beatriz - Graham's architectural pavilions in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett - Dan
Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 198.
510 GRAHAM, Rodney - interview with Graham on jokes and humor in art in LLES, Chrissie ; SIMPSON, Bennett -

Dan Graham : beyond. Cambridge : The Mit Press, 2009, p. 96.

125
Em suma, aquilo que Graham faz desde o início com as suas performances é,
precisamente, captar a imagem do público ou do corpo inserido num determinado
ambiente, seja inicialmente no espaço da galeria ou, posteriormente, nos espaços públicos,
em contacto com a natureza. O papel da câmara de vídeo era precisamente captar o
momento real, e depois reproduzir aquela imagem; com os seus pavilhões acontece o
mesmo: a imagem em tempo real é “captada” e transferida para as paredes de vidro ou
espelho do pavilhão, que faz com que o espectador se esteja a ver em tempo real, como na
performance Two Consciousness Projection(s), de 1972, em que temos um espectador em frente a
um ecrã, a observar a sua própria imagem que está a ser filmada, atrás do ecrã, por outra
pessoa. Nesta performance existiam três pontos essenciais: a câmara, o ecrã e o espectador.
No caso dos pavilhões desenvolvidos posteriormente com este mesmo mecanismo, temos
dois pontos: o espectador e o pavilhão que desempenha o papel de câmara e de ecrã, que
reproduz, por sua vez, uma imagem do acontecimento real. Graham queria juntar o papel
do performer activo e do espectador passivo numa única pessoa.511

Embora haja algumas dúvidas quanto à designação do seu trabalho entre o


contexto da Arte Conceptual ou Minimal, a sua prática não pode pertencer ao
Minimalismo, à partida, porque tem significado e espacialidade, embora possua as formas
provenientes da estética minimal. A utilização de espelho no exterior dos pavilhões, que
reflectem o meio envolvente, camuflam os pavilhões que parecem querer anular-se; este
factor estabelece uma relação com Donald Judd, quando coloca os seus cubos espelhados
no espaço da galeria. Apesar disso, todo o seu processo artístico conceptual é evidente
desde os seus primeiros trabalhos, que vão desde o objecto tridimensional à performance e
instalação.

Sol Lewitt

Lewitt nasceu em Hartford, em 1928, e faleceu em 2007, em Los Angeles.


Conhecido por ser um artista minimal, em 1966 abandonou o discurso da Arte Minimal,
em cuja existência, porém, nunca havia acreditado, e tornou-se um dos primeiros artistas
conceptuais a trabalhar em Nova Iorque.512
Um ano depois, publicou o primeiro manifesto de Arte Conceptual “Paragraphs on
Conceptual Art”, definindo os princípios do seu próprio trabalho. Lewitt defendeu que a

511 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 204.
512 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 66.

126
arte não é utilitária e, quando a arte tridimensional começa a assumir algumas das
características da arquitectura, como a formação de áreas de utilitários, enfraquece as suas
funções como arte,513 como desenvolveu Graham. Declarou que a aparência da obra de arte
não é muito importante, afirmando que os estudos, desenhos, textos, etc são mais
importantes e interessantes que o objecto final, pelo facto de mostrar o seu processo de
concepção e realização. Qualquer ideia é melhor estabelecida em duas dimensões do que
em três, visto que o desenho está mais perto da ideia. Nos seus trabalhos em série, o
conceito ou ideia subjacentes assumem uma importância primordial, no sentido em que a
arte era assumida como pensamento. O objectivo era fazer pensar o espectador e, neste
sentido, a forma, era entendida como a visualização ou suporte de uma ideia,514 isto é, não
importa tanto o objecto final, apenas a ideia, que é o ponto de partida do artista e da
própria arte.515 A execução e o objecto final eram algo superficial, e a ideia tornou-se uma
máquina que faz arte.516 As ideias são descobertas pela intuição, e a matéria é só uma forma
de comunicar a ideia, sendo o artista obrigado a trabalhar com a matéria. A terceira
dimensão é algo físico mas a Arte Conceptual é feita na mente do espectador. Não é uma
ilustração de filosofia, nem está relacionada com matemática ou outra disciplina mental;
cada pessoa vai perceber o trabalho de maneira diferente. Defende, ainda, que a ideia não
precisa de ser complexa, aliás, as ideias simples criam os melhores objectos conceptuais. Os
intervalos de espaço que existem no trabalho são muito importantes, isto é, os objectos
como já não são maçicos, contêm espaços no interior, e esse espaço é muito importante, tal
como era também nos construtivistas; o ar ocupa espaço mas não o conseguimos ver.517 A
forma é apresentada como a gramática de todo o trabalho, sendo aparentemente
contraditório, visto que a forma é só um meio para alcançar um fim, que se foca na ideia,
numa componente imaterial, isto é, concede-se privilégio à ideia e não à forma.

Na Arte Conceptual, as ideias têm a aparência da simplicidade.518 Assim é a


morfologia dos objectos de Lewitt. O seu vocabulário formal resume-se a linhas, formas
geométricas e à utilização da cor branca, que pode também ser sem cor, no sentido em que

513 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 15.
514 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 21.
515 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :

University of California, 1997, p. 29.


516 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 12.


517 GARRELS, Gary - Sol Lewitt: a retrospective. New Haven ; London: Yale University Press, 2000, pp.

369-371.
518 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 13.

127
o branco é uma ausência de cor. Utiliza elementos neutros como a linha, o quadrado, e,
sobretudo, o cubo. Rejeita a tradição do ilusionismo e o expressionismo,519 no sentido em
que não existe qualquer vestígio de representação ou expressão, ou, até, da marca da mão
do homem, pelo facto dos objectos serem produzidos industrialmente.
Wall Structure – five models with one cube, de 1965, consiste num objecto, mais
especificamente numa estrutura geométrica linear, com
cinco quadrados, sendo que um deles se desenvolve para
um cubo. Constitui um exemplo do modo inicial da
multiplicação racional de linhas que começam a construir
quadrados, e depois um deles se desenvolve para um
cubo. [Fig. 21] A sua configuração parece fazer uma
alusão a um desenho, como se fosse a génese da ideia da
repetição do módulo (processo) que será fundamental no
desenvolvimento dos objectos de Lewitt. A própria
sombra também faz alusão à própria multiplicação do
cubo. A sua colocação na parede parece-me ir de encontro
à ideia de “desenho espacial”, que se apresenta como um
precursor daquele método formal de serialismo. A
estrutura é executada em metal, sendo que a sua
construção é muito limpa; não há vestígios da técnica de

soldadura nem da mão do homem, visto que o objecto foi


Fig.21 – Wall Structure – five models
with one cube – Sol Lewitt. produzido numa fábrica, num contexto industrial. Esta
1965
Aço lacado; 341 x 73 x 30 cm. “limpeza” era propositada. Para além de ser fruto das
Staatliche Museen zu Berlin, Berlim.
inovações tecnológicas, no contexto do Construtivismo,
vai de encontro à característica da Arte Conceptual, que defende que o objecto não é
relevante, mas, sim, a ideia. No entanto, parece que existe uma preocupação, a nível
objectual, de não deixar visível qualquer marca técnica, porque iria direccionar o espectador
para esse pormenor. A limpeza visual, como já referimos há pouco constitui-se pela
estrutura, “o esqueleto” e a cor branca dos objectos, que evidenciam uma tendência para a
desmaterialização. A estrutura de alumínio, sem as marcas de soldadura, e pintada de
branco, pretende minimizar os efeitos do material.520 Possui uma aparência de esqueleto,

519 KEMMERER, Allison N. - Sol Lewitt : twenty-five years of wall drawings, 1968-1993. Andover :
Addison Gallery of American Art, 1993, p. 38.
520 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 20.

128
um “ar” de imaterialidade.521 É importante referir que os seus objectos são reduções; só a
estrutura é visível. O desenho era fundamental no seu processo de construção e no
desenvolvimento das estruturas, que se foram complexificando.

A escultura 1 2 3 4 5 4 3 2 1 Cross and Tower, de 1984, partindo da linha, de


quadrados e cubos, evolui para um grupo escultórico, em que repete sempre o mesmo
módulo, o cubo; o módulo do cubo parece ter a escala de uma mão humana e, na junção de
vários cubos, cria uma forma total com a escala humana. A morfologia dos seus volumes
têm como processo a repetição, em
que as formas-padrão se tornam
módulos.522 É de evidenciar o
aspecto de grelha, elemento
fundamental da composição
modernista, que produz complexos
padrões visuais e efeitos espaciais,
quase sublimes, a partir de volumes
simples,523 fazendo lembrar as
grelhas de Mondrian. O sistema de
composição envolve rotação,
inversão e justaposição do módulo;
as estruturas parecem ter Fig.22 – 1 2 3 4 5 4 3 2 1 Cross and Tower – Sol Lewitt.
movimento, se pensarmos no 1984
Madeira pintada; 182.9 × 304.8 × 304.8 cm.
processo de multiplicação do Yale University Art Gallery, Estados Unidos.

elemento inicial da composição, o quadrado. Sucede-se uma multiplicação de elementos


que pressupõem o factor temporal.
A noção de sequência é fundamental na execução dos objectos, como já vimos. Os
módulos repetitivos são inspirados em estudos de tempo e de movimento do fotógrafo
inglês Eadweard Muybridge (1830-1904). Isto é, a repetição de um módulo, na escultura de
Lewitt, parece surguir da fotografia, na tentativa de captar uma sucessão de movimento, só
possível através de várias fotos ao lado umas das outras, estabelecendo relações de
continuidade, pressupondo uma narrativa.524 O fotógrafo fez sequências de fotografias de

521 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 66.


522 Ibid., p. 64.
523 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação

Calouste Gulbenkian, 1989, p. 18.


524 KEMMERER, Allison N. - Sol Lewitt : twenty-five years of wall drawings, 1968-1993. Andover :

Addison Gallery of American Art, 1993, p. 39.

129
pessoas e objectos em movimento, revelando uma serialidade, e Lewitt desenvolveu estas
ideias,525 aplicando-as à escultura. [Fig. 22] As formas repetidas, por serem vazadas,
parecem estabelecer uma ligação com o Construtivismo, na relação com o espaço, no
sentido em que a escultura penetra o espaço e o espaço a escultura; emana também uma
ideia de interior da escultura, isto é, um desenvolvimento do interior para o exterior, como
se a “obra” fosse o interior, o esqueleto da mesma; a fabricação industrial é um cenário de
produção que se mantém do Construtivismo, e contrasta com a produção manual, da
marca do fazer humano, a que a escultura se manteve fiel na sua tradição. Os intervalos e as
medições nas estruturas de Lewitt são importantes no processo de construção de uma
simetria harmoniosa. O espaço regular e repetitivo também pode ser um elemento de
tempo métrico, uma espécie de ritmo regular;526 qualquer volume ocupa espaço, e mesmo
um cubo vazado, que no seu interior contém ar, e não pode ser visto, também tem uma
“espacialidade”, estabelecendo uma relação entre o material e o espaço negativo ou
intervalos de espaço.

Uma vez dada a fisicalidade do objecto, este está convergido para a percepção do
espectador. A palavra "percepção", significa a apreensão dos dados dos sentidos, a
compreensão objectiva da ideia e, simultaneamente, uma interpretação subjectiva de
ambos.527 No trabalho de Lewitt, é fundamental o seu processo, no qual a forma é uma
consequência do processo mental, que conflui na conceptualidade. As suas estruturas
dependem do espectador para tornar visíveis os suportes conceptuais invisíveis.528 Por
outras palavas, o espectador é que percepciona o conceito, que pode corresponder, ou não,
ao pensamento do artista.

O trabalho de Lewitt parece estar ligado ao de Andy Warhol (1928-1987), no


processo de repetição e serialidade. Ambos estavam interessados na máquina e no contexto
do trabalho industrial.529 A pintura de Warhol era semelhante a uma máquina pela técnica
de serigrafia, que emprega um método repetitivo, mecânico e que se baseia numa imagem
derivada de uma fotografia que é mecanicamente reproduzida como um modelo. O
processo é automático, previsível e mediado tecnologicamente, eliminando o traço do

525 GARRELS, Gary - Sol Lewitt: a retrospective. New Haven ; London: Yale University Press, 2000, p. 25.
526 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT
Press, 1999, p. 15.
527 Ibid., p. 13.
528 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação

Calouste Gulbenkian, 1989, p.2 0.


529 FLATLEY, Jonathan - Art Machine In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.

Hartford : Wadsworth Atheneum Museum of Art, 2001, p. 84.

130
autor, e preservando as características mecânicas. A pintura era indicial, visto que Warhol
“pintava” as imagens ou ícones de consumismo, e que eram reconhecidos por todas as
pessoas, portanto não se pretendia, por parte do espectador, um processo de pensamento,
mas sim, imediatez no reconhecimento. 530 A simulação envolve um esforço repetido, para
que o modelo reproduzido seja como o modelo real.531 Michel Foucault (1926-1984)
defende que a máquina não representa, ela imita, ou talvez mais exatamente: ela simula. E
Warhol fazia o mesmo, imitava a máquina.532 Quando reproduz inúmeras vezes a imagem
da Sopa Campbell, ele está não a tentar representar, visto que a pintura não é referencial
nesse sentido, mas está mecanicamente a simular a imagem, com base no modelo e no
próprio processo industrial de produção em série.
Como já sabemos, Lewitt replica um módulo industrial, produzido pela máquina,
inúmeras vezes, até formar um conjunto formal.533 Como Warhol, Lewitt referencia e imita
o processo de trabalho industrial.534 Baseiam-se no processo industrial que repete as
mesmas acções e os mesmos modelos, que têm como foco primordial a máquina. Tal como
Lewitt afirmou, a ideia é uma máquina que faz arte, podendo estabelecer uma ligação com a
génese da Arte Conceptual que se foca na ideia e o objecto é produzido, maioritariamente,
por máquinas da indústria.

Como Warhol, Lewitt reapropriou-se do modo de funcionamento do mundo


industrial, e aplicou-o num uso diferente. Será que podemos falar em descontextualização?
Aquele objecto surge de um contexto industrial e fabril, e apresenta-se afastado do
caminho que a arte tradicional tinha seguido; para além disso, o objecto industrial é
inserido no contexto artístico, num espaço de uma galeria, o que faz com que o objecto
tenha sido deslocado do seu meio industrial e recontextualizado no contexto artístico. Os
trabalhos de ambos são uma confluência de sistematicidade e mecanicidade,535 assim como
da ideia e experiência da universalidade. No entanto, também existem oposições na
finalidade da experiência do espectador, no sentido em que Lewitt dá primazia à ideia e ao
processo de pensamento, e Warhol priveligia a imediatez e o reconhecimento, dispensando
o processo de pensamento.

530 FLATLEY, Jonathan - Art Machine In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.
Hartford : Wadsworth Atheneum Museum of Art, 2001, p. 88.
531 Ibid., p. 91.
532 Ibid., p. 88.
533 Ibid., p. 93.
534 Ibid., p. 97.
535 Ibid., p. 98.

131
Incomplete open cubes, de 1968, consiste numa estrutura de um cubo que permanece
incompleta, como o título sugere. Este objecto é relevante, no sentido em que possui uma
forma universal incompleta e pressupõe que seja a percepção do espectador a “completar”
a forma na sua mente. Este objecto está entre as duas e as três dimensões, e é o espectador,
que já conhece a forma, e já a tem interiorizada, que a vai completar. Esta percepção
encaixa na génese da conceptualidade, visto que o objecto é apenas um meio para se chegar
a um fim, que não se retém na vertente material, mas, sim, numa vertente intelectual. O
espectador ao completar a forma na sua mente, fica com a ideia de objecto, que não é
focada na materialidade. Neste contexto, da forma incompleta, Nicholas Baume fala deste
facto como a metáfora do esquecimento, não enquanto amnésia, mas enquanto um acto de
negação; é como se a estrutura estivesse a desaparecer, depois de ser completa, isto é,
“retornar ao grau zero” 536 ou como se ainda estivesse a ser construída. A forma altera
segundo o ângulo de visão; quando o cubo era completo, as vistas eram praticamente
sempre iguais, constituíndo uma forma simétrica.537 Neste caso, os ângulos potenciam
diversas vistas distintas. Lewitt fez um desenho ou plano dos cubos incompletos, no qual
podemos ver desenhos lineares, e numerados, das 122 possíveis variações;538 o artista
apresentava e dava relevância a estes desenhos, dos projectos, como serão apresentados
também pelos artistas da Land Art, que apresentam os mapas, ou até fotografias,
localizando as intervenções e os respectivos locais, visto que a arte, no contexto da galeria,
estava agora sem “lugar”.
O trabalho de Lewitt parece ser anti-monumental, visto que engloba uma relação
mais próxima com o espectador, a escala é humana e, por isso, mantém uma relação
corporal com o espectador, ao contrário da tradição monumental da escultura Neste caso,
existe uma aproximação, sobretudo pela sua horizontalidade e pela inexistência do plinto,
mas a relação corporal, que no seu expoente máximo é ligada à ideia de performatividade e
teatralidade, como vimos nos pavilhões de Graham, tem uma visualidade mínima.

Para além dos seus objectos escultóricos, fez vários desenhos de parede e parecem
alguns deles estar relacionados com uma espécie de musicalidade,539 ritmo e, em alguns
casos, repetição. Uns eram desenhados a grafite e outros desenhados a branco sobre fundo

536 BAUME, Nicholas - The music of forgetting In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.
Hartford : Wadsworth Atheneum Museum of Art, 2001, p. 20.
537 FLATLEY, Jonathan - Contradiction In BAUME, Nicholas - Sol Lewitt : incomplete open cubes.

Hartford : Wadsworth Atheneum Museum of Art, 2001, p. 95.


538 Ibid., p. 96.
539 KEMMERER, Allison N. - Sol Lewitt : twenty-five years of wall drawings, 1968-1993. Andover :

Addison Gallery of American Art, 1993, p. 43.

132
negro. Predominava uma noção de geometria, sendo que eram frequentes as linhas rectas e
curvas, paralelas e perpendiculares. Seria quase como ver as suas estruturas como desenhos
lineares no espaço. As composições enchiam a parede completa do museu, mas faziam a
parede “respirar” visto que o desenho tinha alguns espaçamentos que lhe incutiam alguma
leveza, assim como o traço que era muito fino, fazendo uma alusão à mão do homem, à
manufactura. Arcos, diferentes tracejados, até linhas diagonais compunham o repertório
formal do desenho.540 Os desenhos entraram no mercado da arte e vieram, de certa forma,
substituir o lugar das pinturas que as câmaras fotográficas trataram de ocupar, na sua
função de retratar ou captar a realidade, segundo John Berger (1926), com referência
a Walter Benjamin (1892-1940), na obra The Work of art in the age of mechanical reproduction.541
Lewitt tinha assistentes, que faziam os desenhos nas paredes dos museus, que constituiam
uma instalação permanente, até serem destruídos.542 Os desenhos determinados por Lewitt
com antecedência, eram realizados por outros, sejam eles artistas, assistentes treinados, ou
voluntários inexperientes, com base nas suas instruções. LeWitt comparou o seu papel ao
de um compositor, que cria uma matriz que pode ser executada por músicos das gerações
seguintes.543

Wall Drawing#260, de
1975, consiste num desenho
com linha branca sob fundo
negro. Em cada desenho
geométrico, segundo um
estudo preparatório de Lewitt,
isto é, o esboço inicial em
papel, podemos observar que
os arcos estão dentro de

quadrados que, Fig.23 – Wall Drawing#260 – Sol Lewitt.


1975
efectivamente, no desenho na Giz na parede pintada; dimensões variáveis.
Museu de Arte Moderna, Nova Iorque.
parede, não estão presentes.
É quase como se ele desenhasse na parede o que não está nas suas esculturas, ou seja, a

540 GARRELS, Gary - Sol lewitt : an introduction in KEMMERER, Allison N. - Sol Lewitt : twenty-five years of
wall drawings, 1968-1993. Andover : Addison Gallery of American Art, 1993, p. 43.
541 Ibid., p. 45.
542 GARRELS, Gary - Sol Lewitt: a retrospective. New Haven ; London: Yale University Press, 2000, p.

375.
543 LOWRY, Glenn D. (dir.) – Focus: Sol Lewitt in MoMa [Em linha]. Disponível em WWW:<

http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/305> [consulta em 23.02.2015].

133
base da sua escultura, o quadrado, que não consta na parede do desenho final, mas, sim, no
desenho preparatório e, por isso, as linhas arqueadas talvez sejam aquilo que não vemos na
sua escultura rectilínea. [Fig. 23] O desenho é o elemento mais imaterial, associado
sobretudo à ideia, como elemento se o autor desenhasse a parte imaterial das suas
esculturas, as suas reacções mentais, já que as esculturas têm, ainda assim, de ter
físicalidade.
Em suma, o trabalho de Lewitt relaciona a conceptualidade com características
formais do Minimalismo. As suas estruturas brancas têm ligação com as técnicas e materiais
do Construtivismo, que, aliás, influenciaram toda a produção artística desde que surgiram.
A relação espacial das estruturas também está relacionada com a ideia construtivista de que
a escultura penetra o espaço, porque existe no espaço, e o espaço também penetra a
escultura porque não é maciça. Deste modo, os objectos aparentam uma leveza visual que,
juntamente com a produção industrial que está livre das marcas da mão do homem e a
atribuição da cor branca, incutem uma ideia de desmaterialização, no sentido em que o
objecto branco depurado é instalado, ou encenado, num espaço de galeria, que possui as
paredes brancas, na generalidade; o objecto quase que se camufla no espaço. A dimensão
temporal está associada à própria execução das estruturas, que pelo método da repetição ou
multiplicação do cubo, vão constituíndo a forma.

Ainda é de evidenciar a importância dos estudos iniciais, dos desenhos, dos textos
que o artista vai executando ao longo do processo e que estão inteiramente relacionados
com o objecto, os quais vão ganhando uma importância cada vez maior. Na Land Art, os
documentos do processo, que pode incluir vídeo ou fotografia, são fundamentais para a
exposição ao público, tal como na performance, body art ou happening, em que o vídeo ou a
fotografia tem uma componente documental, que capta a própria acção do corpo que é
apresentado à posteriori, quando não é assistido em tempo real.

Arte Minimal

O Minimalismo surgiu, em parte, de um sentimento de necessidade (articulado por


Judd) para rejeitar a arte do passado e o Expressionismo Abstrato,544 criticando a noção do
eu individual que supõe personalidade/individualização, emoção e significado, repudiando

544 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 123.

134
uma arte que baseia o seu significado na ilusão como metáfora daquele momento
psicológico priveligiado, porque privado.545 Os minimalistas deslocaram a interioridade da
obra de arte para a exterioridade dos objectos. A ausência de divagação era um objectivo,
no qual o que se vê é “o que lá está”, de modo a terminar com o interior da obra e do
sujeito (individual) e com o carácter singular, privado e inacessível da experiência.

Apresenta influências do Construtivismo pela referência ao objecto fabricado; e de


Brancusi, que produzia uma escultura não-volumétrica e linear,546 para além da depuração
formal, que revela a sua essência, buscando a “forma pura”, que se reflecte na redução
progressiva da forma. Outro factor importante foi o modo como começou a relacionar as
suas esculturas com o espaço do seu atelier, que vamos poder observar nos objectos
minimalistas. Recentemente, a forma de caixa ou cubo tem sido muito utilizada dentro do
contexto da arte. O uso do formulário de caixa, ou cubo, ilustra muito bem a afirmação de
que um objecto só é arte quando colocado no contexto da arte,547 estabelecendo uma
relação com Duchamp, quando afirma que a galeria ou museu incute a designação de arte
aos objectos; quando o objecto não está na galeria, é uma mera caixa, produzida
industrialmente.

O termo “Arte Minimal” foi usado pela primeira vez pelo filósofo de arte inglês
Richard Wollheim, em 1965.548 A maioria das tentativas para definir a Arte Minimal baseou-
se numa análise das características formais comuns, como, por exemplo, um reduzido
vocabulário formal, serialismo, técnicas de composição não-relacionais, a utilização de
novos materiais - produzidos industrialmente, e processos de produção industrial.549 O
minimalismo nunca foi um estilo, e é melhor definido enquanto modelo de produção de
arte, aliado a princípios específicos.550

A apreensão das formas simples criavam sensações poderosas de Gestalt.551 Robert


Morris (1931) em Notes on Scupture, estabelece as condições do minimalismo, que foram
publicados na Artforum, entre 1966 e 1969.552 Morris reflectiu sobre alguns factores,

545 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, pp. 308-
309.
546 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 124.
547 ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake - Conceptual art : a critical anthology. Cambridge : The MIT

Press, 1999, p. 168.


548 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 6.
549 Ibid., p. 7.
550 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 122.
551 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 33.
552 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 472.

135
incluíndo a participação do espectador, tamanho, escala, superfície e o nosso foco, a
Gestalt.553 Para Morris, uma obra deveria dar-se como uma Gestalt - como uma forma
autónoma, específica, imediatamente perceptível - que era alcançada através de sólidos
geométricos simples, que poderiam ser formalmente apreendidos quase imediatamente, a
partir de qualquer ponto de vista;554 o espectador não precisava mover-se em torno do
objecto para ter a noção da sua totalidade, e para que a Gestalt ocorra. Defendeu ainda que
o facto de algumas formas serem menos familiares, do que as formas geométricas regulares,
não afecta a formação de Gestalt,555 assim como a simplicidade da forma, não corresponde
necessariamente à simplicidade da experiência. Para Morris, o valor mais importante da
escultura é a forma,556 e o seu tamanho específico era uma condição dos objectos
minimalistas que, graças à escala humana, permitia uma aproximação e vivência corporais,
que as antigas esculturas clássicas não permitiam.557 O espectador muda a forma
constantemente pela sua mudança de posição em relação ao objecto e, neste contexto,
existem dois termos distintos: o conhecido (forma realizada na mente-forma conhecida,
estereotipada), e a variável experiente (factores literais e reais que podem variar com a
experiência). A forma conhecida (estereotipada) não ocorre num bronze figurativo do
período Barroco, que é diferente em todos os lados. Nos objectos minimalistas, apenas um
aspecto do trabalho é imediato: a apreensão da Gestalt que pressupõe uma experiência que
existe, necessariamente, no tempo. Morris defende que a sua intenção é diametralmente
oposta ao cubismo, com a sua preocupação com as vistas simultâneas num plano;558 neste
caso, esta afirmação não está de acordo com o procedimento. Apesar de cada plano
funcionar como um plano individual na forma minimal, consegue-se alcançar a totalidade
da forma a partir de uma face, e não é tão diferente daquilo que os cubistas praticavam:
concentravam todos os planos, de várias vistas, numa superfície e, no caso dos
minimalistas, a apreensão da Gestalt, da forma total, é praticada na mente do espectador,
que reconhece no objecto a sua forma “universal”. Assim, o movimento minimalista
propôs objectos com formas excessivamente simples, geralmente simétricas, objectos
reduzidos à forma “minimal” de uma Gestalt instantânea, e perfeitamente reconhecível pelo
espectador. Como questiona Georges Didi-Huberman: estaremos numa estética da

553 MORRIS, Robert - Notes on Sculpture in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 222.
554 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 235.


555 MORRIS, Robert - Notes on Sculpture in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.

Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 226.


556 Ibid., p. 228.
557 Ibid., p. 231.
558 Ibid., p. 234.

136
tautologia?559 A resposta parece afirmativa, visto que o artista não nos fala senão do
“óbvio”.560 O próprio lema do minimal What you see is what you see é uma demonstração disso
mesmo. O objecto que está perante nós é o que é, é o que mostra, nada mais para além dele
próprio.

No contexto da especificidade dos objectos, o texto de Donald Judd, Specific objects,


torna-se, necessariamente, alvo de análise. Os objectos específicos de Donald Judd, distantes da
tradição da escultura, não eram classificados nem como pintura nem como escultura, de
modo que o foco de interesse deslocou-se para a “negação” do objecto, da sua sua
colocação no espaço e para o espectador.561 Deste modo, a pintura era negada enquanto
uma prática voltada para o ilusionismo. Neste contexto, como se fabrica um objecto visual
desprovido de todo e qualquer ilusionismo espacial? A resposta de Judd aponta para a
necessidade de fabricar um objecto espacial, um objecto em três dimensões, produtor da
sua própria espacialidade “específica”; um objecto que ultrapassasse o iconografismo da
escultura tradicional, assim como o ilusionismo da pintura modernista. Os objectos específicos,
da autoria de Judd, consistiam em objectos “pictóricos” que tinham descido da parede para
se tornarem tridimensionais, estando situados no enquadramento da pintura. A vista da
pintura modernista como tendendo para objectividade está implícita na observação de
Judd, “O novo [isto é, literalista] trabalho, obviamente, assemelha-se a escultura mais do
que à pintura, mas é, mais perto, pintura”;562 e é neste ponto de vista que a sensibilidade
literalista, em geral, é fundamentada. Segundo Judd, seria necessário fabricar um objecto
que não se apresentasse (nem representasse), a não ser através da sua própria volumetria –
um paralelipípedo por exemplo, um objecto que não inventasse nem tempo nem espaço,
para além de si mesmo.563

Era eliminado todo e qualquer pormenor, e os objectos deveriam ser


compreendidos como totalidades indivisíveis, indecomponíveis, e assim classificados como
“não relacionais”.564 A rejeição acabaria por aplicar-se, não só, aos modos tradicionais do
“conteúdo” – conteúdo figurativo ou iconográfico, por exemplo - mas também aos modos
de opticalidade da pintura abstracta de Pollock na década de 1950. Judd denunciava o

559 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 34.
560 Ibid., p. 35.
561 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. xxxiii.


562 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.

Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 136.


563 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 32.
564 Ibid., p. 33.

137
ilusionismo em toda a pintura modernista que incluísse, pelo menos, duas cores, e bastava
que fossem apresentadas duas cores para que uma “avançasse” e a outra “recuasse”,
desencadeando de imediato todo o jogo do insuportável ilusionismo espacial.565 Nos seus
objectos, nomeadamente nas colunas de caixas, analisadas posteriormente, isso acontecia, o
que aparenta ser uma contradição, já que ao produzir objectos específicos que procuram negar o
ilusionismo, com este procedimento, acaba por produzi-lo através da utilização das duas
cores.

Judd radicalizava a exigência da especificidade ou de “literalidade de espaço”. 566 O


antropomorfismo não existia na Arte Minimal, visto que os artistas criaram uma ruptura
com o passado, com a representação figurativa do homem, na sua fisicalidade, e com o
conteúdo, a interioridade, isto é, com a leitura psicologista e o arbítrio do espectador. Neste
contexto, não há necessidade de haver uma relação entre o objecto minimal e a matriz
psicológica de onde provém, estabelecendo uma relação com Marcel Duchamp, já que, no
caso da Fonte, esta relação entre objecto e artista é inviável porque não foi feita pelo artista,
mas selecionada por ele; não há vestígios de expressão no urinol, estabelecendo-se uma
distância entre o sujeito e a personalidade de cada um.567 Este factor direccionava-se para o
reencontro da “especificidade” do objecto, no sentido em que o objecto era o que era, sem
subjectividades ou interpretações individuais; por isso, inventavam formas capazes de
renunciar às imagens interpretativas, isto é, a formas que fossem relacionáveis com
memórias ou vivências do espectador, evitando a atribuição de significado e impedindo a
crença perante o objecto. 568

Na exclusão da interioridade nos objectos minimalistas, aquele recuo e aquela


reserva de que falara Heidegger (1889-1976), ao questionar-se sobre o sentido da obra de
arte: exclui-se o tempo; logo também o ser, restando apenas um objecto, um objecto específico.
Exclui-se o recuo, logo também o mistério. Exclui-se a aura. Neste contexto já nada se
exprime, visto que nada provém de nada, pois já não há lugar para um depósito de sentido.
Eram volumes que não indicam outra coisa senão eles próprios e que renunciam a toda e
qualquer ficção de um tempo que os modificasse. Eram volumes sem sintomas e latências:
objectos tautológicos. Tratava-se de, em primeiro lugar, eliminar significado e conteúdo, e
toda a ilusão, para impor objectos ditos específicos, que não exigissem outra coisa para

565 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 31.
566 Ibid., p. 33.
567 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, pp. 311-

312.
568 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 38.

138
além de serem vistos pelo que são.569 Os artistas criaram uma barreira contra a
vertente/análise psicológica, que se opõe ao simbolismo e à interpretação do espectador.
What you see is what you see - eis a forma tautológica que constitui o dilema. A tautologia
institui-se sobre a questão do visual, que pretende que o espectador olhe apenas o objecto e
não o interprete. Neste contexto, Judd e Fried sonharam ambos com um olho puro, um
olho sem sujeito,570 de modo a ver apenas o objecto, sem a atribuição de significados. Isto
quer dizer que o objecto não é legitimado pelo arbítrio do sujeito; os artistas procuraram
que o objecto, por si só, se autolegitime fora da projecção psicológica do sujeito. Na minha
perspectiva, há que evidenciar que existe sempre alguma interpretação, embora o que se
pretenda é que a interpretação não envolva a nossa bagagem cultural e vivencial, ao
contrário do Expressionismo Abstracto, em que, num registo não-representacional e,
portanto, abstracto, muitas vezes atribuímos significados e simbolismos individuais às
formas, legitimados pela nossa experiência pessoal enquanto sujeitos. No contexto da Arte
Minimal, a presença das formas geométricas elementares parece ser um modo desta
interpretação pessoal não acontecer, visto que é menos provável ver num cubo qualquer
relação com uma vivência pessoal, do que em formas mais orgânicas, mais próximas da
linguagem do corpo.

Como já vimos, os artistas minimais são a favor da “não-subjectividade”, e contra a


emoção. No entanto, os objectos minimalistas despertam algum sentimento que tem
projecção no sujeito, nem que seja o sentimento de equilíbrio, ou de ritmo que já se
encontra fisicamente no objecto, com o seu modo compositivo - “Uma coisa depois da
outra”. É quase impossível olharmos para um objecto e não retirarmos de lá nada. Mesmo
quando Donald Judd faz um objecto sobre a fórmula matemática de Leonardo Fibonacci,
acaba sempre por ter um significado, não pessoal, mas universal.

A tentativa de eliminar toda a temporalidade nesses objectos, de modo a impô-los


como objectos que devem ser vistos sempre imediatamente, sempre exactamente como
são,571 protege-os de mudanças de sentido ou, simplesmente, de marcar a passagem do
tempo. São objectos estáveis, porque se apresentam insensíveis às marcas do tempo, sendo
fabricados com materiais industriais: ou seja, materiais do tempo presente (de modo a
criticar os materiais tradicionais e nobres da estatuária clássica), mas, também, com
materiais feitos precisamente para resisitir ao tempo (resistentes). O índice da sua

569 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 30.
570 Ibid., p. 57.
571 Ibid., p. 35.

139
produção, à temporalidade da sua produção, parece reduzir-se a um processo repetitivo e
serial. Assim, abreviaram o tempo nas suas obras, por meio da redução da variação a uma
simples variável lógica, ou mesmo tautológica, de modo que, o mesmo vai dar ao mesmo.572

Tal como afirma Morris, perante o volume de Judd, não haveria nada a ver senão a
sua própria volumetria, a sua natureza de paralelepípedo, que apenas se representa a si
próprio, por meio da captura imediata. A sua própria simetria, essa possibilidade virtual de
rebater qualquer uma das suas partes sobre outra – é um modo de tautologia, como declara
Judd. Nestas obras ver-se-à o que sempre se viu: a mesma coisa. Nem mais nem menos, é
isto que se denomina “objecto específico”. Na óptica de Huberman, poder-se-ia denominá-
lo de objecto visual tautológico.

Por outro lado, os valores físicos dos objectos específicos como vimos, manifestam-se a
nível da experiência estética. No ensaio “Art and Objecthood” (Arte e Objectualidade) o
historiador de arte e crítico Michael Fried (1939) critica a teatralidade da Arte Minimal, isto
é, a sua dependência da activa participação do espectador para além do aspecto
estritamente visual. A diferença entre a resposta de uma audiência à presença com uma
duração de tempo – e o “estar presente” – um momento instantâneo de graça – era um
factor crucial na análise de Fried.573

Clement Greenberg (1909–1994), um influente crítico de arte dos Estados Unidos,


ligado ao Modernismo, também critica o minimal no texto Recentness of Sculpture, e aponta
para uma escultura que se tornou marcadamente clean, desenhada e geométrica, muito
parecida com maquinaria.574 Como quase tudo, os objectos minimais são legíveis como arte,
- incluíndo uma porta, uma mesa, ou uma folha de papel em branco: esse era o problema,
visto que a Arte Minimal permaneceu numa vertente “ideológica”, e Greenberg era contra
as ideas; Michael Fried também denunciou a “ideologia” no minimalismo. Greenberg
defendeu que a simplicidade geométrica e modular poderia anunciar e significar uma
distância a nível artístico575 porque, como defende Huberman, uma forma, será, antes de
mais, apreendida pela sua “factura”, que significa textura e materialidade,576 e só depois é
que poderá entrar a componente “ideológica”. Para Greenberg, a linha entre a pintura e a

572 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 36.
573 KIRSHNER, Judith Russi - Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 18.
574 GREENBERG, Clement - Recentness of Sculpture in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical

Anthology. Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 182.


575 Ibid., p. 184.
576 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.

191.

140
escultura tornou-se mais ténue, o que quer dizer que as fronteiras entre a bi e a tridimensão
foram quebradas; Já para Fried, os objectos não são específicos, e não se apresentam
objectivos, no sentido em que não são nem pintura nem escultura, mas um intervalo
definido como a ilusão de que as barreiras entre as diferentes expressões artísticas estão a
desmoronar-se.

Como já vimos, a Arte Minimal é, em grande parte, “ideológica”.577 Refuta a pintura


pelo seu carácter relacional, a omnipresença e a inevitabilidade virtual da ilusão pictórica. A
pintura é vista como uma arte à beira da exaustão e a resposta óbvia é a de desistir de
578
trabalhar no plano bidimensional, a favor das três dimensões. Voltando a Fried, a
experiência em questão persiste no tempo, e a apresentação da imensidão que, foi alegado
por ele, é central para a arte literalista, e a teoria é essencialmente uma apresentação de
infinito, ou indeterminada duração.579 Neste sentido, parece ser a experiência que suscita a
sensibilidade literalista, que os “artistas literais” procuram objetivar no seu trabalho pela
repetição de unidades idênticas nos seus modelos compositivos (“uma coisa depois da
outra”), que remetem para a possibilidade de multiplicação até ao infinito.580 Este modo de
composição pretendeu reflectir a aleatoriedade. As esculturas clássicas eram unas e a forma
ocupava uma determinada área “fechada”, que não era circulável pelo mero observador.
Apesar dos objectos minimalistas também procurarem a totalidade das composições e as
formas indivisíveis, a nível visual, as formas estão fisicamente separadas, existindo um
determinado espaço entre cada uma, demonstrando serem contra a ideia de centro na
escultura que, como sabemos, apresenta uma longa tradição.

Michael Fried debruçou-se sobre a Arte Minimal, chamada arte literalista;


debruçou-se sobre a contradição entre “especificidade” e “presença”: a contradição da
“especificidade” do objecto, que não é nem pintura nem escultura, e uma “presença” de
acordo com a concepção tautológica da visão (what you see is what you see), em que o
objecto no contexto expositivo é aquilo que vemos e nada mais para além disso.581 Deste
modo, Fried detecta o paradoxo inerente aos objectos minimalistas, que não é apenas

577 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.
Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 116.
578 Ibid., p. 118.
579 Ibid., pp. 144-145.
580 Ibid., p. 119.
581 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 50.

141
teórico mas visualmente perceptível, nomeadamente no que toca à sua ausência de
significado.582

Mas o que quer dizer forma e presença? O que é uma forma com presença? Refere-
se à escala ou à dimensão humana. Esta questão de escala é fundamental. Era preciso
“confrontar”, nos primeiros objectos minimalistas, o homem com o problema da sua
própria estatura, e não com a representação figurativa. Os objectos por mais “abstractos”
que fossem, tentavam, de certo modo, a proximidade insistente da escala humana.583 O
nosso “tamanho” permite um envolvimento corporal, que permite à estatura do objecto
colocar-se diante de nós com a força visual de uma dimensão que nos olha, de um outro ser, outro
sujeito, que nos assemelha, ainda que o objecto nada dê a ver para além de si, da sua forma,
da sua cor e da sua materialidade.584 Neste contexto, Fried rejeita a “presença” visto que o
minimalismo surgirá como a “perda da presença”, mas George Steiner (1929) reivindica a
“presença” visto que, na sua óptica, o minimalismo afigurar-se-á contrário à afirmação de
Fried.585 Uma outra perspectiva é a de Derrida (1930-2004), em que a forma seria somente
uma afirmação de algo já demonstrado pela palavra presença e todos os conceitos pelos quais
se pôde traduzir e determinar eidos ou morphe remetem para o tema da presença em geral.586 No
entanto, cremos que os objectos têm presença, visto que são elementos tridimensionais,
que existem num espaço e assumem um espaço. A presença neste contexto é encarada na
sua vertente existencial.

Quanto ao antropomorfismo, Didi-Huberman (1953) afirma que o


“antropomorfismo” das esculturas minimalistas acaba por revelar a sua capacidade de auto-
destruição, ou de auto-alteração: acabando por ser considerado como a própria subversão
do que pensava Fried, um teatralismo psicológico, para alcançar o registo mais subtil,
metapsicológico,587 ou seja, da transformação do objecto numa imagem. Os objectos
específicos surgem no espaço real enquanto objectos, na sua fisicalidade, mas,
posteriormente, após a sua observação, perdemos o objecto na sua dimensão física, e
ganhamos mentalmente uma imagem do mesmo, acabando por ser uma imagem derivada
do objecto, mas criada pelo homem, uma imagem “antropomórfica”, como defende
Huberman. A noção da imagem, de um objecto que é duplicado da realidade para a mente

582 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 51.
583 Ibid., p. 103.
584 Ibid., p. 106.
585 Ibid., p. 176.
586 Ibid., p. 182.
587 Ibid., p. 109.

142
do espectador, define algo que repete a humanidade, residindo aí o seu carácter
antropomórfico. É uma imagem na sua condição pura, sem significados ou simbolismos
adjacentes, apenas a imagem, na sua condição “memorativa”. Quando Huberman nos diz
que “ver é perder”, refere-se precisamente a essa perda física do objecto, quando o
espectador o desloca, enquanto imagem, para a mente, sendo um processo que Rui Chafes
irá desenvolver no contexto da arte contemporânea portuguesa.

Esta imagem, embora possa ser pura e desprovida de simbolicidade, acaba sempre
por estar interligada com uma interioridade, a interioridade do sujeito. Michael Fried
censurava as obras minimalistas por “terem um interior”, tipicamente biomórfico ou
antropomórfico – quando este interior é sempre apresentado sob a espécie de um vazio, de
uma “ausência de ver” (ainda que frontalmente exposto).588 Este “antropomorfismo”
silencioso, assim como os silêncios e os vazios eram característicos dos objectos
minimalistas, e este procedimento é trabalhado por vários artistas americanos. O trabalho
de Richard Serra (1939) pode ser visto como uma síntese de todas estas questões de
volumes e vazios, através das suas placas de aço colocadas na vertical, que sinuosamente
delineavam um espaço; Sol Lewitt esvaziava os cubos de variadas maneiras ou fazia-os
incompletos; todas as caixas abertas e coloridas de Judd apresentava uma especificidade
que residia no seu próprio valor concreto ou teórico, de buraco, de vazio; a thing is a hole in a
thing it is not, dizia Carl Andre; nos non-sites de 1968, de Robert Smithson, a noção de vazio
apelava dialecticamente à de terraplanagem ou de escavação. Todas as obras destes artistas
implicavam o vazio enquanto processo, enquanto esvaziamento, sendo um processo de
natureza dialéctica.589 Isto quer dizer que, apesar da utilização do vazio, existem sempre
significados ou ideias adjacentes ao processo.

A ausência de ver ou o vazio, eram explicados pela “distância” que existia entre o
objecto e o espectador, pela sua linguagem formal afastada da morfologia humana, assim
como o distanciamento do simbolismo e da individualidade de cada sujeito. Era
precisamente a distância crítica que Michael Fried não suportava nessas obras, quando
evocava que os objectos aproximavam-se e afastavam-se simultaneamente, podendo ser a
experiência fenomenológica suscitada por eles, comparada à experiência “de ser afastado
ou invadido pela presença silenciosa de outra pessoa”.590 A especificidade dos objectos, que
tanto se referiu como sendo contraditória, deslocou-se do objecto para a relação com o
588 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
112.
589 Ibid., p. 111.
590 Ibid., p. 139.

143
espectador (specific relation), tratando-se da relação entre o objecto e o seu lugar, e o
591
espectador. Neste sentido, cremos que, o objecto não é específico, mas a relação do
objecto com o espaço e com o espectador é que é específica, graças à encenação espacial
que veremos mais adiante. Deste modo, o objecto é um dos termos da relação, que inclui o
controlo de toda a situação, que engloba diversas variáveis – luz, objecto, espaço e corpo
humano. Como Huberman defendia, o objecto não é suficiente por si só. 592 O modo como
o objecto se torna uma variável na situação, é uma maneira de se constituir como quase-
sujeito – um outro ser, outro sujeito que tem uma identidade e estabelece uma relação com o
mundo exterior - o que poderia ser uma definição minimal do actor ou do duplo,593
inserindo estes objectos na sua facticidade e na teatralidade das suas apresentações
diferenciais.594

Fried criticou o Minimalismo pela sua teatralidade, que se expandiu a várias


vertentes: o factor tempo, a “presença” dos objectos, o espaço e a ocultação do
antropomorfismo e do significado. Tal como Fried, Greenberg criticava o teatro no sentido
em que o teatro não era arte, isto é, escultura e pintura, e quem recorria ao teatro, não
estava a fazer arte.

Assim como Fried, Morris também declarou que a experiência do trabalho existia
necessariamente no tempo. A preocupação com o tempo literal, mais precisamente com a
duração da experiência, era paradigmaticamente teatral: como se confronta quem vê teatro,
e que no fundo, remete sempre a um sentimento de temporalidade.595 Esta questão
temporal é teatral no sentido em que os minimalistas não defendiam uma experiência
duradoura que implicasse interpretações ou significados. No entanto, a experiência estética
do espectador engloba o factor tempo, pelo facto de existir sempre algum significado nos
objectos, embora Morris defendesse a apreensão instantânea da forma, o que implica quase
a não-existência do factor temporal.

Neste contexto, equiparado ao teatro, o volume era o próprio actor, um volume


específico de um simples objecto. Neste sentido, o objecto era capaz de se transformar em
“presença”, em “quase-sujeito”, na perspectiva de que o objecto tem uma identidade e
existe uma “interacção” entre o objecto e o sujeito. Michael Fried denominou-o,

591 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 44.
592 Ibid., p. 45.
593 Ibid., p. 46.
594 Ibid., p. 47.
595 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.

Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, pp. 144-145.

144
pejorativamente, um teatro. O teatro designa a associação “impura” de um objecto fictício
adentro uma fenomenologia inteiramente voltada para a palavra presença; o objecto seria
“específico na sua própria presença”,596 tendo em conta os factores objectuais e espaciais.
O objecto que se transforma em “presença”, em quase-sujeito, contraria a própria negação
dos minimalistas quanto à relação individualidade/interioridade. Se o objecto se transforma
em quase-sujeito, vai possuir uma identidade, uma individualidade. Assim, a presença do
objecto é encarada como teatral, visto que o objecto não se transforma em quase-sujeito; é
um objecto como sempre foi e “quer” ser visto pelo que é; e ao ser denominado como
quase-sujeito está a ser-lhe atribuída uma individualidade, identidade e, consequentemente,
uma interioridade, sendo, assim, uma oposição. Nesse caso, Fried denuncia o ilusionismo
teatral nos objectos minimalistas, que impõem ao espectador a sua “presença” numa
relação encenada entre objectos e olhares. A presença em questão, era justamente um jogo,
ou por outras palavras, uma fábula.597

No que diz respeito ao espaço, este é “organizado” segundo uma concepção


encenada; a teatralidade, neste sentido, consistia na encenação de valores espaciais e
objectuais, que se focam na experiência estética do espectador. Os objectos colocados no
espaço são organizados intencionalmente para um determinado resultado ou efeito
espacial. Os módulos dos paralelipípedos de Judd, que se regiam pela expressão
composicional, “Uma coisa a seguir à outra” eram colocados na vertical e na parede; num
outro objecto de Judd, os módulos dos cubos foram colocados no chão, uns a seguir aos
outros, sob a mesma orientação compositiva. Claramente, a relação espacial com o
primeiro objecto é muito diferente da do segundo. O segundo objecto, estando a ocupar o
espaço que o espectador ocupa e no qual circula, vai potenciar uma relação mais corporal e
específica, comparativamente com o primeiro. Isto quer dizer que, a colocação e a
preparação do espaço de exposição, era como preparar um palco para um espectáculo que
iria decorrer, sendo um factor muito importante que posteriormente se reflecte na
experiência estética do espectador.

Por último, Fried afirma que o que está errado com o trabalho literalista é que o
significado e, igualmente, a ocultação do seu antropomorfismo são teatrais. 598 Para além
deste factor espacial da experiência estética que é “teatralizado”, a ocultação do significado

596 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
101.
597 Ibid., p. 140.
598 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.

Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 130.

145
e do antropomorfismo, que estão relacionados com a interioridade, são também alvo da
teatralidade. Ou seja, existe antropomorfismo e significado, mas são camuflados de um
modo teatral. O significado e o antropomorfismo focalizam-se na própria interioridade. A
sua ocultação é teatral, no sentido em que a interioridade existe sempre, de alguma forma:
existe sempre algum significado por parte do espectador. A sua ocultação acaba por ser
uma medida defendida pelos minimalistas de modo a não obter significados e
interpretações pessoais sobre os objectos e as experiências, em ruptura face à tradição
artística, e, sobretudo, ao Expressionismo Abstracto, como já vimos; daí a utilização de
formas geométricas, formas limpas e distantes de qualquer ligação emocional e relacional
que o espectador pudesse sentir. Essa ocultação acaba por ser uma ilusão, ou ilusionismo
teatral, porque como já afirmámos, existe sempre algum significado, nem que seja
direccionado para as características físicas do objecto, da presença de ritmo, por exemplo.
Rosalind Krauss dá um exemplo de certas obras de Giacometti, nomeadamente os retratos,
que eram executados a partir de uma ausência, de uma humanidade por ausência,599 no
sentido em que a essência do desenho e da representação estava nos espaços sem desenho,
que se apresentavam em branco, e aparentavam ser muito leves, confluindo num “jogo de
percepção”que, posteriormente, aproximavam e faziam o espectador reconhecer o seu
carácter antropomórfico. Do mesmo modo, parece existir uma ligação com os objectos
minimalistas que evidenciam a ausência do corpo humano, até ao ponto do surgimento da
experiência estética, que pressupõe sempre a presença de um corpo, nem que seja, como é
óbvio, exterior ao objecto, mas que pressupõe, igualmente, para além de um corpo, uma
mente, uma ideia ou um significado.

Deste modo, a interioridade estará numa dialéctica visual que é produzida pelo
espectador, visto que no objecto não existe nada que remeta para uma interioridade, e esta
dialéctica visual é percepcionada por meio de uma dupla distância. A dupla distância pode
ser relacionada com a distância real: a distância física do espectador face ao objecto e vice-
versa; e a distância psicológica: a noção psicológica (sem significado) do espectador em
relação ao objecto e vice-versa. A distância é sempre dupla e virtual e é uma forma espácio-
temporal do sentir.600 A distância não é simplesmente a forma espácio-temporal do sentir, é
também a forma espácio-temporal do movimento do espectador, incluindo, deste modo, o
factor psicológico e físico. Para Merleau Ponty (1908-1961), a percepção interna e a
percepção externa do próprio corpo variam em conjunto, porque são duas facetas de um

599 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.
116.
600 Ibid., p. 133.

146
mesmo acto. Nós somos o nosso corpo; estamos no mundo através do nosso corpo que é
um objecto de percepção.601 Estas proposições foram rearticuladas na Fenomenologia da
Percepção, em que a questão do espaço se vê referida ao paradigma da profundidade. O
espaço é profundo, permanece inacessível, por excesso ou defeito, mesmo estando sempre
em torno ou perante nós602 e está implicado nos objectos.

Como clarifica Fried, a experiência da arte literalista é de um objecto numa situação


que, virtualmente, por definição, inclui o espectador.603 Pode parecer paradoxal, mas a
referência da presença humana, apesar das formas não-figurativas, é uma das principais
preocupações da escultura não-figurativa, quando o plinto foi eliminado e o espaço da
escultura é o mesmo que o do espectador,604 apresentando uma relação com o o corpo do
mesmo, visto que, existiu uma aproximação da escala dos objectos à do espectador.
Constata-se, então, que deixou de haver representação do corpo, mas que ele continua
presente e a ser fundamental na arte, principalmente na experiência estética: o corpo
enquanto união da componente mental e física. Neste contexto, detecta-se um paradoxo na
negação da representação do corpo e da sua presença na escultura, que acaba por
estabelecer uma relação entre os objectos e o corpo do espectador; o corpo pode não estar
representado fisicamente nos objectos, mas acaba por se relacionar com eles, e por torná-
los presente graças à própria experiência corporal do espectador que é intencionalmente
provocada no domínio da teatralidade a que os objectos são submetidos.

A experiência por si só é o que importa, como afirma Fried. Esta foi considerada
por Smith como acessível a todas as pessoas605 pela universalidade da morfologia dos
objectos que, construídos com formas geométricas, geram uma apreensão universal da
forma. Deste modo, a possibilidade de ter uma experiência universal é maior, do que se
estivéssemos perante formas orgânicas abstractas, dado o seu grau de subjectividade. Como
já vimos, What you see is what you see é a base da percepção e da experiência minimal que se
centra na fenomenologia,606 cuja implicação é a de apenas ver no objecto o que lá está.

601 PONTY, Merleau - The Theory of the body is already a theory of perception, 1945 in MEYER, James -
Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 197.
602 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.

135.
603 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.

Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 125.


604 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 119.
605 FRIED, Michael - Art and Objecthood in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology.

Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 131.


606 LEEPA, Allen - Minimal Art and Primary Meanings in BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical

Anthology. Berkeley [etc.] : University of California Press, 1995, p. 205.

147
Morris assumiu o carácter fenomenológico, o carácter de experiência subjectiva que as
esculturas geravam, por mais específicas que fossem.607

Em suma, o Minimalismo surgiu da rejeição da arte do passado e, sobretudo, da


negação da interioridade e subjectividade do Expressionismo Abstracto. Os objectos
específicos de Judd, pretendem ser específicos e objectivos, para não dar lugar a
subjectividades; a especificidade dos objectos acaba por ser contraditória, visto que os
objectos não são específicos a não ser na sua vertente formal (materiais e formas) e no
modo de os compor no espaço (Uma coisa depois da outra); quanto à sua tipologia, não se
inserem nem na área da pintura nem da escultura, assim como a experiência estética que
não propiciam uma experiência objectiva.

Como defendia Robert Morris, a apreensão instantânea das formas (Gestalt)


constituiu uma tautologia, visto que as formas geométricas e simétricas dos objectos
constituiam uma repetição e multiplicação, ou seja, era dizer a mesma coisa com as mesmas
formas, mas numa perspectiva espacial diferente. As formas eram iguais dos vários lados,
precisamente para facilitar a apreensão da Gestalt. What you see is what you see clarifica esta
questão: apenas se pretendia que o espectador visse nos objectos o que lá estava, e nada
mais para além disso. No entanto, sabemos que existe sempre algum significado nem que
este seja retirado de meras características físicas, sendo que o espectador cria sempre uma
imagem mental do objecto que define algo que devém da sua humanidade, podendo aí
residir o seu carácter antropomórfico, que os minimalistas queriam negar. Outro factor que
foi “ocultado” pela teatralidade, defendida por Fried, foi o factor tempo, nomeadamente na
preocupação com o tempo da duração da experiência; se defendiam uma experiência que
pressupunha uma apreensão instantânea das formas, sem lugar a significados e
interpretações, supomos que o factor tempo era reduzido ou quase inexistente; os artistas
“facilitavam a apreensão formal” do espectador, quando as formas eram iguais de todos os
lados e, deste modo, bastava ver apenas de um lado; era tudo percepcionado com mais
rapidez e instantaneidade. Como já vimos, a ausência de significado não era de todo
possível, o que constitui uma contradição nesta metodologia. O próprio espaço era um
“palco” repleto de intencionalidades que se focavam na experiência estética do espectador.
O foco já não incidia somente no objecto, mas direccionava-se também para o contexto
espacial em que o objecto é colocado e, consequentemente, para a experiência estética. O
objecto é contextualizado num espaço de uma forma encenada, tendo em conta os valores

607 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 43.

148
compositivos do Minimalismo (uma coisa a seguir à outra, a sua localização entre o espaço
de exposição da escultura e da pintura); os artistas criavam uma ambiência espacial com os
objectos, intencionalmente encenada, não só enquanto ruptura com a tradição artística, mas
enquanto meio possibilitador de uma experiência estética “específica”. A teatralidade, neste
sentido, consistia na encenação intencional de valores espaciais e objectuais para um
determinado efeito espacial. A colocação e a preparação do espaço de exposição era como
preparar um palco para um espectáculo que iria decorrer, sendo a presença do espectador
um factor muito importante. No encontro entre o espectador e o objecto, surge outro
factor, que é teatralizado: a “presença” do objecto. Na “interacção” entre o objecto e o
espectador, o objecto torna-se um quase-sujeito, no sentido em que vai ter uma identidade/
individualidade que se relaciona conosco, enquanto espectadores. No entanto, esta relação
é encenada, e claro, teatral, pois o objecto não se transforma em quase-sujeito: é um
objecto como sempre foi, e que é para ser visto pelo que é, nada mais para além dele
próprio.

O minimalismo, passados alguns anos, esteve na base do surgimento de outras


práticas artísticas – Arte Processual, Performance, Body Art, Instalação e Site-Specific. Algumas
delas expandiram os princípios minimais, mas a maioria surgiu em reacção a esses
princípios. No entanto, todas estas práticas trabalharam directamente sobre a questão da
materialidade da obra de arte,608 que foi perdendo o seu peso, tornando cada vez mais
importante a presença do espectador.

FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
608

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 534.

149
Donald Judd

Donald Judd nasceu nos Estados Unidos da América e mudou-se para Nova
Iorque em 1948. Frequentou o curso de História de Arte e Filosofia na Columbia
University, e, em 1962, fez Mestrado em História de Arte. Produziu algumas pinturas, mas
em 1962 abandonou a pintura, preferindo o trabalho com objectos tridimensionais. No seu
famoso artigo “Specific Objects”, Judd quis empregar uma arte verdadeiramente abstracta
para usar e definir o espaço real.609 Iremos averiguar as ideias deste texto, mas aplicadas à
sua escultura, começando, particularmente com a obra Untitled, de 1962, que está
relacionada com as frustrações de Judd com a pintura, no início da sua carreira, pelo facto
de uma pintura ou relevo serem vistos de uma perspectiva
frontal610 e não se poder observar uma tridimensionalidade, que
faz com que algo “habite” o mesmo espaço que o nosso corpo.
Esta frustração vai ser manifestada no seu artigo, onde afirma
que os objectos específicos não são nem pintura nem escultura.
O principal problema da pintura era que consistia num plano
rectangular colocado contra a parede. Segundo Judd, o uso das
três dimensões é uma alternativa que tende a negar a sua
condição de escultura ou pintura; o desinteresse na pintura e na

escultura consistia na ruptura com a tradição artística e com as


Fig.24 – Untitled- Donald Judd.
1962 respectivas designações técnicas.611
Madeira e ferro; 122 x 84 x 54.6
cm.
Post war and contemporany Voltando a Untitled, de 1962, foi feito manualmente
evening sale, Nova Iorque.
por Judd e consiste em duas placas de madeira unidas que
formam um canto, que conta com um elemento de ferro, um tubo, que é fixado às placas
de madeira.

Colocado no chão, encontra-se numa posição vertical, e possibilita uma vista de


360º, como as esculturas de vulto. Este objecto existe no espaço real, mas supomos que, se
estivesse encostado à parede, passaria a estar mais relacionado com o plano pictórico da
pintura.612 [Fig. 24] O tubo é um elemento que articula o volume cúbico entre as tábuas
planas perpendiculares, podendo fazer-se uma alusão à pintura, no sentido em que as

609 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 17.


610 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 60.
611 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.1. [Em linha].

Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].


612 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 60.

150
tábuas são a própria tela, e o ferro é um elemento tridimensional que sai do plano da
pintura; Este efeito de “sair” alguma forma de um determinado plano, nomeadamente
paralelipípedos que parecem sair do plano da parede, vai ser desenvolvido por Judd nas
esculturas da década de 1960, repetindo-as ao longo da sua carreira.

Esta solução que, segundo Judd, não está nem no ramo da escultura, nem no da
pintura, parece ir de encontro às definições, pelo menos parciais e independentemente da
contradição, do que vem a ser o “objecto específico”, nomeadamente a unificação da
forma: a superfície pintada de vermelho unifica o trabalho, apesar de ainda serem evidentes
as marcas do tempo, da própria madeira, e do homem, por exemplo na soldadura. O facto
de ser uma forma simples, e a uniformização dos diversos materiais pela pintura dos
mesmos, faz com que a relação entre os materiais e a forma seja uniforme e sublime; parece
estar de acordo com a forma “limpa”, sem pormenores e reduzida à própria fisionomia do
material.

A sua escala parece estar de acordo com a escala dos objectos minimalistas, que se
desenvolveram nos anos seguintes; estabelece uma relação de proximidade com o corpo
humano, o que faz com que o campo da interacção seja possível, embora nos objectos
minimalistas não se destaque esta questão, em comparação com os pavilhões de Graham,
por exemplo.

Como descrito em “Specific Objects”, o uso de três dimensões fez com que fosse
possível utilizar todos os tipos de materiais e cores. A maior parte do trabalho envolve
novos materiais, ou invenções recentes, como os materiais e técnicas, industriais oriundas
do Construtivismo;613 Judd mostrou-se insatisfeito com a aparência dos primeiros trabalhos
executados por ele, e, em 1964, começou a explorar o potencial das técnicas da produção
industrial, encomendando, a uma firma familiar, o fabrico dos seus objectos,614 que serão
combinados em múltiplas e progressivas variações. Untitled, de 1974, neste contexto, é um
exemplo desta nova fase de Judd, e consiste numa instalação com vários elementos. A
forma primordial desta instalação é o cubo. Estabelece uma relação formal com a produção
artística na Modernidade e Pós-Modernidade, que se “rendeu” à morfologia “reduzida” da
escultura. Este trabalho consiste em seis cubos fechados, uns a seguir aos outros, todos
cobertos de espelho. Estão assentes sobre o chão, reflectindo o espaço envolvente; é quase
como uma expansão do espaço real para o objecto. Pela capacidade de absorção das

613 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.5. [Em linha].
Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].
614 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 60.

151
imagens que o espelho tem, a forma dos objectos parecem, de algum modo, camufladas no
espaço; como se a sua fisicalidade fosse anulada. [Fig. 25] Este processo de “camuflagem”
relaciona-se com as estruturas de Sol Lewitt, que eram pintadas de branco e colocadas no
espaço branco da galeria. Judd parece serguir este princípio, mas com outro material. Com
a presença do espectador, que se verá reflectido no espelho, desperta a lembrança das
performances ou dos pavilhões de Graham, em que o espectador se via reflectido no espelho
ou a sua imagem reflectida no vidro.

O objecto, em relação à escala humana, é muito pequeno, e a dimensão da


teatralidade parece ser pequena. Existe uma
encenação no espaço, no intervalo que existe
entre cada cubo, e na colocação específica (Uma
coisa depois da outra), mas, em termos de
relação corporal com o espectador, parece que
não tem a mesma visualidade que nos pavilhões
de Graham, em que o espectador entrava e saía
da estrutura, tendo alguma relação com a
arquitectura, não no sentido funcional, mas, sim,
na possibilidade de “habitar”. Este cubo é
apenas para observar, não implicando uma

vivência corporal absoluta.


Fig.25 – Untitled- Donald Judd.
1974
Existe a ideia de continuidade, que é Espelho; dimensões variáveis.
Galeria Nacional, Austrália.
percepcionada pela sucessão de formas iguais,
estabelecendo uma ligação com o trabalho de Sol Lewitt no método de repetição serial de
um módulo ou forma, neste caso o cubo; a diferença reside na morfologia do cubo de
Lewitt, que era reduzido a uma estrutura, ao seu esqueleto formal, e o cubo de Judd é uma
forma fechada que, na sua génese material, parece querer diluir-se no espaço; são métodos
diferentes, mas com a mesma ideia e intencionalidade; não é por acaso que a Arte Minimal
representava uma redução a nível formal.

Como já dito no contexto da Arte Minimal, com estes objectos, não havia lugar
para expressionismos ou individualizações: os objectos não tinham a marca do homem, da
sua mão ou dos seus sentimentos, assim como as formas utilizadas eram de cariz
geométrico e universal. Assim sendo, pretendia-se que a experiência do espectador com

152
este objecto, que contém vários elementos, fosse afastada de interpretações ou de
significados pessoais.

Ao mesmo tempo, e como defendeu Judd, o objecto (conjunto dos vários cubos) é
uno, tal como os ready-mades de Duchamp e outros objectos dadaístas, que também eram
vistos de uma só vez, e não parte por parte, como na tradição da escultura, em que era
executada por adição, num processo
lento.615 O processo de Judd era um
processo “rápido”, no sentido em que a
execução da forma era pragmática, e
com o material no seu estado original.
Em 1964, Judd começou a utilizar
plexiglas, e, juntamente com a utilização
simultânea do alumínio, iniciou um jogo
entre volumes fechados e abertos,
reflexos e transparências, que iam de
encontro à simplicidade que Judd tanto
almejava.616

A forma simples dos objectos


implica uma redução, visto que a sua
forma é “reduzida” ao seu mínimo, no
Fig.26 – Untitled (Bernstein 78-69 – Donald Judd. limite, a planos rectos sem
1978
Aço inoxidável e plexiglas vermelho; 22.9 x 101.6 x 78.7 cm. complexidades formais; estes novos
Mnuchin Gallery, Estados Unidos.
objectos parecem ser uma redução, em
que as novas técnicas e os novos materiais vieram contribuir para esta mudança.617 A cor é
agora um elemento integrante do respectivo material, inseparavelmente fundida com a sua
superfície, que difere do primeiro objecto de Judd. As suas caixas de metal fixadas à parede
em intervalos equivalentes, formando uma coluna vertical,618 constituíram o estereótipo do
objecto específico que Judd mais desenvolveu.

615 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.3. [Em linha].
Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].
616 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 56.
617 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.6. [Em linha].

Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].


618 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 18.

153
Untitled (Bernstein 78-69), de 1978, é um dos exemplos maiores. Judd criou o
primeiro objecto deste género em 1965, e continuou a desenvolver esta forma ao longo da
sua carreira. Consistem, geralmente, em dez unidades (paralelipípedos) colocadas
verticalmente na parede, com uma configuração precisamente ordenada. As caixas de Judd
são de cariz geométrico e repetitivo, estabelecendo, mais uma vez, uma relação com Lewitt,
pela repetição de um módulo. Um menor número de unidades podia ser usado se o espaço
tivesse uma altura baixa, como neste caso em análise. [Fig. 26] Os intervalos entre
paralelipípedos consistem na medida dos mesmos, isto é, a altura dos paralelipípedos
servem de medida de intervalo, como se fosse possível encaixar outro paralelipípedo nos
espaços vazios, pelo facto de terem a medida exacta. A continuidade formal tão comum
nos objectos de Judd devém da expressão “uma coisa depois da outra”, que rege o modo
de organização ou “encenação” no espaço, como acusava Fried; consiste numa ordem que
não é racionalista e subjacente, mas é simplesmente ordem, como a de continuidade.619
Todos os objectos de Judd eram simétricos, e queriam distanciar-se dos efeitos da
composição, e a maneira mais óbvia de fazer isso foi torná-los simétricos.620

O seu modo de construir industrialmente torna evidente a sua intenção de eliminar


qualquer referência ao indivíduo, à mão do homem, e qualquer expressão emocional. Judd
refere-se a eles como objetos específicos, obras tridimensionais que não são “nem pintura
nem escultura”.621 Face à tipologia do objecto, parece que é um objecto que tanto tem de
escultura como de pintura; está fixo na parede, por isso na zona destinada à pintura, mas a
sua tridimensionalidade faz com que convivam parcialmente no espaço da escultura.

Existe uma conciliação entre materiais opacos, como o ferro ou alumínio, e os


transparentes, no caso do acrílico ou plexiglas. Existe um contraste entre uma forma que se
observa do ponto de vista frontal e que quer ter visualidade pela utilização de um material
opaco, e as bases transparentes que essas mesmas formas contêm, que são visíveis quando
se muda de perspectiva: as formas que frontalmente são opacas e aparentam ser iguais em
todos os lados, têm as bases transparentes; quase como se as formas, que aparentemente
são opacas, na realidade não tivessem peso, isto é, não são formas completas na sua
opacidade. Os cubos incompletos de Lewitt estabelecem uma relação com este objecto, em que
o espectador, por ter a noção das formas universais geométricas, reconstitui mentalmente e

619 JUDD, Donald - Specific Objects in The Art, Technology, and Culture Colloquium, p.4. [Em linha].
Disponível em WWW:<http://atc.berkeley.edu/201/readings/judd-so.pdf> [consulta em 7.03.2015].
620 BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California

Press, 1995, p. 150.


621 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 86.

154
completa a forma do objecto; acontece que, neste exemplo de Judd, o espectador
reconstitui a forma que previsívelmente seria igual em todos os seus lados, mas sucede-se
uma surpresa, visto que as faces não são iguais na sua condição material. Segundo os
minimalistas, como já vimos, não existe significado, mas parece que o processo mental
deste objecto é relacionável com os cubos incompletos de Lewitt: o espectador mentalmente vê
sempre a forma completa, apesar de ter partes inexistentes ou transparentes, neste caso.
Seja como for, Judd queria negar e renunciar à própria forma completa, como uma
metáfora para o “vazio de conteúdo”, e também tem como objectivo produzir um objecto
específico que fosse simples, isto é, fácil de entender visualmente.622

Como todos sabemos, os objectos minimais não tinham conteúdo e resistiam ao


significado. No entanto, este trabalho faz lembrar uma sucessão de gavetas, sendo que no
contexto quotidiano servem para conter algo no interior. Adaptando ao contexto do
objecto em análise, na verdade são gavetas sem fundo, porque são transparentes; quase
como se fosse a anulação da possibilidade do conteúdo no interior da gaveta. Aquilo que
acabámos de fazer foi precisamente atribuir um significado ao objecto; tal como fizemos,
os restantes espectadores farão o mesmo, embora exista uma contextualização profunda da
nossa parte sobre estes objectos, logo a nossa interpretação ou significado terá sempre
como base o que sabemos sobre os objectos e, aliás, todo o conhecimento previamente
adquirido. Estas questões prendem-se sempre à linguagem e à sua partilha. Como estamos
familiarizados com o contexto da criação dos objectos, consiguimos “entendê-los”; uma
pessoa que nunca tenha ouvido falar nestes termos, nesta linguagem, a comunicação
poderá ter mais probabilidades de existir. Ludwig Wittgenstein defende precisamente a
ideia de que quando duas pessoas têm linguagens distintas, não existe comunicação, pelo
facto da existência de uma linguagem privada, isto é, haver códigos e jogos de linguagem
que apenas os seres falantes podem partilhar.

Num jogo de linguagem, o indivíduo contém o jogo e atribui significado e sentido


às palavras. Num contexto diferente, esse significado pode não ser o mesmo, dependendo
sempre do orador e do ouvinte. Mas o que importa é realmente se o ouvinte consegue
compreender o que o orador está a dizer. Deste modo, a linguagem do orador é sempre
adaptada à linguagem do ouvinte, para existir uma comunicação e uma correcta
compreensão da linguagem. Os jogos da linguagem são fruto da comunidade que as
partilha. Um termo ou uma palavra vai ganhando o seu significado pela aceitação daqueles

622 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 60.

155
que partilham o jogo. Em diferentes culturas, o significado das palavras muda. Ora, se os
objectos minimais tinham como objectivo romper com a tradição artística, significa que o
trabalho dos artistas iria confrontar os espectadores com novos métodos com os quais não
estavam familiarizados, obrigando o espectador a “aprender” essa linguagem para a poder
partilhar. Isso de facto aconteceu: os artistas defendiam nesse jogo de linguagem a ausência
de significado que, como já vimos, não é coerente; existe sempre significado, porque os
objectos captados, dentro de um jogo linguístico, são proposições ou palavras que estão em
constante comunicação com o espectador.

Em suma, Judd utilizou formas geométricas, ”frias” do ponto de vista emocional,


para não potenciar a contradição dos objectos, no que diz respeito à atribuição de
significados ou interpretações. Os objectos eram uma espécie de tautologia, que não saíam
do mesmo círculo de informações, como referiu Huberman; não eram mais do que eles
próprios, e, para além deles, não havia nada, a não ser eles mesmos. Os seus volumes eram
apresentados como objectos sem jogos de significação: objectos tanto de certeza visual,
como conceptual ou semiótica. Perante os objectos, nada haveria a crer ou imaginar, visto
que eles eram transparentes. A Arte Minimal era esvaziada de toda e qualquer conotação,
até esvaziada de toda e qualquer emoção,623 um anti-expressionismo, anti-psicologismo,
uma crítica à interioridade, à maneira de Wittgenstein, se nos lembrarmos de como ele
reduzia ao absurdo a existência de uma linguagem privada624 na primeira fase do seu
pensamento, ou seja, do Tratactus Lógico-Philosophicus. A Arte Minimal parece ser agora uma
linguagem privada, se é que lhe podemos chamar linguagem, visto que os seus parâmetros
de comunicação são “fechados”, ou, neste caso, os artistas pretendem que a relação entre
espectador e objecto seja “objectiva”, embora saibamos que no contexto de uma linguagem
nova, isto é, uma linguagem que não é familiar, a atribuição de significados ou
interpretações é sempre activada, dentro do jogo, o que implica agora a segunda fase do
pensamento de Wittgenstein, ou seja, o das Investigações Filosóficas.

As formas, a unidade, a ordem e a cor são específicas, e transparecem a ideia de um


ritmo através do serialismo e repetição. Para Judd, a Arte é algo que nós olhamos,625
defendendo, assim, a vertente física da experiência estética do espectador, e reflectindo a
intenção do espectador se focar no que vê realmente, e não nas suas interpretações ou
significados. O objecto minimalista, quando é duplicado em imagem para a mente, traz
623 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 37.
624 Ibid., p. 38.
625 BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California

Press, 1995, p. 164.

156
precisamente a silhueta ou forma física do mesmo;626 mesmo que não exista significado, o
que resta é a fisicalidade do objecto, e mesmo que seja depois transferido para uma
imagem, essa imagem é sempre criada a partir de uma fisicalidade. O trabalho pode estar
associado à ideia de vazio, de negativismo, de ausência de conteúdo, mas não podemos
defender que a experiência não transcende o objecto físico627; uma imagem pode surgir da
fisicalidade do objecto, mas quando se transforma em imagem, mesmo que seja uma
duplicação do objecto real, essa transformação é um processo individual, que se pode
tornar subjectivo, a partir do momento em que sai do alcance do artista e fica na “posse”
do espectador. Assim sendo, defendo que a experiência conflui numa interligação entre a
fisicalidade do objecto e a componente mental, com tudo o que essa palavra implica.

Carl Andre

Após a sua mudança para Nova Iorque, em 1956, Carl Andre (1935) passou alguns
anos, até 1959, em áreas como a poesia, o desenho e a concepção de pequenas esculturas
em plexiglas, e outros materiais encontrados. Em 1958, conheceu Frank Stella, e a partir daí
concentrou-se principalmente na escultura. Rapidamente ficaram amigos e partilharam o
mesmo estúdio na West Broadway. Foi aí que nasceram as duas primeiras grandes
esculturas Last Ladder (1959) e Pyramid (1959).

A primeira consiste numa coluna formada por uma trave de madeira, com um
módulo que é repetido ao longo da coluna vertical. Aponta para um interesse pela escultura
de Brancusi, em particular a Endless Column, de 1937/38, que também implica a repetição de
um módulo geométrico, parecendo também que vai de encontro ao termo “uma coisa a
seguir à outra”, e à orientação vertical. Na coluna de Brancusi, o módulo era uma forma
completa que podia ser vista a 360º; neste caso da coluna de Carl André, o módulo é uma
figura geométrica, o quadrado, que está gravado em baixo-relevo na madeira. Este módulo
podia ser visualizado de um ponto de vista frontal ou a três quartos. Não contém nenhuma
base, e estabelece uma relação com os outros minimalistas que colocavam as suas
esculturas directamente no chão.

626 SMITHSON, Robert - Donald Judd, 1965 in MEYER, James – Minimalism. London : Phaidon, 2000, p.
211.
627 KRAUSS, Rosalind - Allusion and Illusion in Donald Judd, 1966 in MEYER, James – Minimalism. London :

Phaidon, 2000, p. 211.

157
A segunda, em contraste, parece reflectir a influência duradoura dos quadros de
Frank Stella. As duas pirâmides, colocadas uma sob a outra, vértice com vértice, derivam de
traves de madeira idênticas, que representam uma transferência da técnica modular de
Stella para a escultura. A repetição de um módulo que vai criando figuras geométricas e até
um efeito óptico, tornou-se a base para o desenvolvimento desta escultura, que dá uma
certa sensação de movimento, pura ilusão visual, tal como acontecia nos quadros de Stella.
A nível técnico, esta escultura implica uma
construção complexa de encaixe entre cada ripa
de madeira, que estabelece uma relação de união
com as restantes. A técnica da primeira
escultura, que consistia em desbastar na madeira
a forma pretendida, era mais simples do que esta
técnica de construção que, na sua componente
prática, divide a escultura em partes, isto é, em
várias linhas horizontais. As componentes
individuais de Pyramid não foram trabalhados
por André para alcançar outra forma, mas,
contrariamente, aos seus últimos trabalhos,
encaixam-se uns nos outros, ficando unidos.
Este método será decisivo e aplicado nos seus
trabalhos futuros. Fig.27 – Lever – Carl Andre.
1966
Tijolos; 9m de comprimento.
Como já vimos, a obra de Carl Andre Solomon R. Guggenheim Museum, Nova Iorque.
apresenta influências das esculturas em
madeira, sob influência de Brancusi, das black paintings de Frank Stella e, mais tarde, pelo
trabalho pioneiro dos construtivistas russos; por essa razão, manteve o termo “escultura”
para designar o seu trabalho, sem qualquer tipo de dúvida ou hesitação.628 No entanto,
existiu uma mudança na sua produção de escultura que abdicou da verticalidade a favor da
horizontalidade.

Em 1966, criou Lever, que consiste numa linha com cerca de 9 metros de
comprimento, em que uma das pontas terminava encostada a uma parede. Composta por
137 tijolos, foi especialmente concebida para a exposição “Primary Structures”, para uma
área específica. Carl André “colocou” a coluna infinita de Brancusi no chão, em vez de

628 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 12.

158
estar direccionada para o céu.629 Foi a primeira escultura a relacionar-se com o pavimento, e
a fazer emanar o seu efeito para o resto da sala, trabalhando, neste sentido, a espacialidade
e o seu contexto encenado, típico do trabalho minimalista. [Fig. 27] O local era redefinido
com a sua presença, apesar deste trabalho estar privado de uma das características até então
consideradas como essenciais da escultura: o volume. Assim, o volume deste objecto não é
observável a 360º, visto que o objecto está colocado no chão, e o espectador até pode
passar por cima dele. Numa primeira visão global da sala, haverá um risco do espectador
não visualizar de imediato o objecto, visto que estaria habituado a observar a sala a uma
altura intermédia e não a uma altura nula. Deste modo, deixou de haver uma posição ideal
para observar estas novas esculturas.

Os trabalhos de 1967/68, completam uma redefinição de escultura, que se ergue do


próprio objecto, descrita por André como: “O percurso do desenvolvimento:/ Escultura
como forma/ Escultura como estrutura/ Escultura como lugar.”630 A utilização do material
remete para uma divisibilidade do mesmo, isto é, só “Uma coisa depois da outra” ilustra
precisamente a ideia de continuidade que o objecto incute no espaço, tal como se fazia nos
procedimentos minimalistas, que criavam um determinado efeito espacial. A posição que o
objecto tinha no espaço, interferia naturalmente com o percurso do espectador.

Carl Andre não só faz um corte com a tradição da escultura de aço americana feita
à mão, mas também com a ideia de que a escultura deve transcender os materiais e ser lida
pelo espectador em termos puramente pictóricos e figurativos. 8 Cuts, de 1967 – uma
instalação da sua autoria, torna-se um bom exemplo para análise, de modo a tomar-se
consciência da evolução das suas primeiras esculturas e do seu processo de trabalho.

A instalação consiste em várias placas de aço, em forma quadrangular, que são


compostas no chão, umas a seguir às outras, sem espaço entre elas. As placas de aço
existem no chão como um facto tangível, como o próprio chão, que pode ser pisado em
qualquer ponto, demonstrando um novo uso, ou talvez não-uso do espaço. Através da
disposição das placas, o artista define o campo de visão; mas o observador traz o seu
próprio sentido de visão, toque e direcção. Neste sentido, André afirma:

629 BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California
Press, 1995, p. 104.
630 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 14.

159
“O meu trabalho é ateístico, materialístico e comunístico. É ateístico porque não tem forma
transcendental, nem qualidade espiritual ou intelectual. Materialístico porque é feito dos seus próprios materiais
sem pretensão a outros materiais. E comunístico porque a forma é igualmente acessível a todos os homens.” 631

Esta afirmação está claramente ligada ao Minimalismo, que defendia que o objecto
era o que era, sem referências a nada, sem significado, e, portanto, afastado das
interpretações possíveis do espectador. O material existia enquanto material, e não como
uma fonte interpretativa, e a forma pretendia-se universal, possibilitando o conhecimento
de todas as pessoas.

Voltando à referida instalação e à sua geometria predominante, os quadrados são


colocados lado a lado sem qualquer espaçamento, estabelecendo uma relação com o modo
compositivo dos minimalistas – “Uma coisa a seguir à outra”, que consistia na repetição de
um módulo. [Fig. 28] No seu conjunto, criam uma superfície no chão que muitas vezes
enche uma sala. Era a escala humana que determinava a escala da escultura. 632 Por outro
lado, a sua colocação no chão faz com que o espectador esteja literalmente sobre o objecto,
em vez de o observar de um ponto de vista exterior; agora o espectador está contido no
objecto; parece quase uma metáfora da importância e ligação do espectador ao objecto
artístico; está quase contido nele.

Podemos constatar que, para


além da superfície composta pelas
placas, Andre apresenta um interesse e
executa volumes negativos, ao deixar
determinadas partes sem
preenchimento, isto é, sem volume;

Fig.28 – 8Cuts – Carl Andre.


temos placas compostas em cima do
1967
Placas com capeamento de betão; 5 x 20 x 41 cm – 1472
chão, e outras áreas que não têm
unidades.
Dwan Gallery, Los Angeles.
preenchimento. Podem ser vistas
como volumes negativos, mas parecem
ter uma ligação com os contra-relevos. São formas que são esculpidas a baixo do nível da
superfície, são formas cavadas, que não deixam de ser escultura.

631ANDRE, Carl Cit pot MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 30.
632BATTCOCK, Gregory - Minimal Art : a Critical Anthology. Berkeley [etc.] : University of California
Press, 1995, p. 103.

160
Como já vimos, no seu trabalho, o material é o que é, sem pretensões de ser outra
coisa para além disso.633 Os materiais industriais, neste caso a placa de aço, incute ao
objecto uma “limpeza” e um nivelamento uniforme, ao ponto das placas parecerem quase
o próprio chão, camuflarem-se nele. A baixa espessura das placas concede uma
tridimensionalidade mínima ao objecto. Neste contexto, podemos fazer a pergunta: Será
que devemos chamar escultura a este objecto? Praticamente não tem tridimensionalidade; é
como se as características da escultura fossem inexistentes: ausência de representação, de
tridimensionalidade, do trabalho de execução manual, de materiais nobres e tradicionais…
Parece não haver denominação possível para escultura, perante esta instalação.
Conhecendo o percurso de Carl Andre, podemos afirmar que é uma redução de matéria
que se vem a acentuar ao longo da sua carreira, até chegar ao próprio plano do chão. O
objecto é apenas um nível para atingir/potenciar a experiência estética do espectador.
Como afirma Andre, a Arte é o que acontece (“Art is what happens”).634 Em comparação
com Judd, para quem a arte era o que nós vemos, para Andre é o que ocorre na experiência
estética do espectador.

A montagem, que esta instalação pressupõe, interliga-se com uma espécie de


“encenação”, que o artista põe em prática. O objecto é montado, ou instalado, segundo
determinadas características ou indicações, previamente pensadas pelo artista, que pretende,
deste modo, potenciar a experiência corporal do espectador. Esta “encenação” está
relacionada com a teatralidade, embora no caso de Carl Andre seja, ou pretenda ser, apenas
uma visualidade mínima de teatralidade, tal como nos objectos de Donald Judd.

Este objecto de Carl Andre parece estar relacionado com o trabalho modular de Sol
Lewitt, que, antes de repetir um módulo cúbico, desenvolve a forma do seu módulo a partir
do quadrado, tal como Andre inicia o processo a partir do quadrado, apesar de não o
desenvolver para uma dimensão tridimensional. Neste sentido, para Andre, um espaço
vazio é, em nenhum sentido, um vazio.635 O seu objecto está presente no espaço, embora a
sensação que aparentemente possamos ter da sala seja que ela está vazia, mas não está,
existe espaço na sala, existe um objecto.

633 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 13.


634 ANDRE, Carl - December 1969 in GALE, Peggy - Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the Nova
Scotia College of Art and Design, 2004, p. 13.
635 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :

University of California, 1997, p. 43.

161
Andre não estava interessado nas ideias, visto que a chave para a Arte consistia na
sua experiência e na sua proximidade. Para este artista, a intenção é uma ordem para os
materiais, e não uma ideia,636 refutando a componente mental. Deste modo, considerava-se
um anti-platonista, visto que não há mediação entre a componente física e mental,637
demonstrando ser contra a “Ideia”, e a favor da experiência real.

Em suma, o trabalho de Carl Andre tem características minimalistas,


nomeadamente a repetição de um módulo, e o modo de compor os elementos do objecto
no espaço (Uma coisa a seguir à outra), assim como a encenação espacial que constitui um
à priori da experiência estética do espectador, centrada na experiência e na proximidade do
objecto, que antes não era possível. De acordo com o que os minimalistas defendem, não
há lugar para ideias ou interpretações, e neste caso esse factor mantém-se, embora
saibamos que a eficácia desse factor possa deixar algumas dúvidas.

Na mesma ordem de pensamento dos minimalistas, e como defende Susan Sontag,


a interpretação é a vingança do intelecto contra a Arte.638 A interpretação é, na verdade, a
maneira moderna de compreender as coisas e aplica-se a obras de qualquer valor,639 mas a
interpretação acaba por substituir a realidade, encontrando um seu equivalente, fazendo
com que a arte se torne um objecto de uso, nomeadamente no enquadramento por meio de
um esquema mental, encontrando aí a autora uma violação da arte. Neste sentido, grande
parte da Arte Contemporânea consiste numa fuga à interpretação, de modo a evitá-la.
Voltemos ao Minimalismo: não havendo conteúdo, não pode haver interpretação, segundo
a lógica de Sontag. A Pop Art usa o método oposto para conseguir o mesmo resultado e,
ao recorrer a um conteúdo tão óbvio, como “aquilo que é”, acaba por ser ininterpretável.640
De acordo com os minimalistas, a nossa tarefa não é descobrir num objecto o máximo de
conteúdo, e ainda menos espremer mais conteúdo do que aquele que já lá está: é reduzir o
conteúdo de modo a podermos ver realmente o que lá está.641 No entanto, sabemos que
estas ideias não passam de uma radical intenção teórica, visto que acaba sempre por existir,
inevitavelmente alguma interpretação.

636 ANDRE, Carl - December 1969 in GALE, Peggy - Artists Talk 1969-1977. Canadá : The Press of the Nova
Scotia College of Art and Design, 2004, p.14.
637 Ibid., p. 17.
638 SONTAG, Susan - Contra a Interpretação. Lisboa : Gótica, 2004, p. 24.
639 Ibid., p. 26.
640 Ibid., p. 28.
641 Ibid., p. 32.

162
Voltando a Carl Andre, os seus objectos constituem-se tautologias, assim como os
de Judd, visto que o objecto existe enquanto objecto, é o que é, nada mais para além disso.
Mas existe uma grande diferença entre Andre e Judd; para além dos objectos de Andre não
terem volume, em contraste com os de Judd, a Arte para Andre era focada na experiência
real do espectador no seu aspecto físico e táctil; já para Judd a Arte é o que nós vemos.
Não se pretende que estes objectos concedam lugar a uma ideia, como se passava na Arte
Conceptual; por essa razão, Andre era contra as ideias, e a favor da experiência, que se
focava apenas no objecto, na sua condição objectual específica. O seu processo de trabalho
centrou-se na “desmaterialização” da volumetria, tão característica da escultura, ao ponto
do objecto se limitar a uma espessura mínima de volume. O objecto artístico, cada vez
mais, foi perdendo a sua morfologia enquanto forma massificada ou mesmo enquanto
mera estrutura espacial. A escultura foi reduzida a um mínimo, ao ponto de questionarmos
se ainda estamos perante escultura, como já referimos, parecendo mais viável, apelidarmo-
los de objectos.

Richard Serra

No começo do século XX, conceitos como Beleza, qualidade e originalidade já não


se referiam exclusivamente a figuras de mármore de proporções perfeitas, mas também às
ideias no conteúdo e na avaliação do êxito na comunicaçao visual desse mesmo conteúdo.
Richard Serra, um dos escultores mais importantes do pós-minimalismo americano,
conjuga o peso da matéria com a técnica complexa de execução, que sempre estiveram
interligados na tradição da escultura.

Depois de estudar na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em Santa Barbara,


Richard Serra graduou-se, em 1961, com um bacharelato em Literatura Inglesa. Para se
sustentar, começou a trabalhar nas fundições de aço. Depois do Mestrado em Belas Artes,
em 1964, passou dois anos em viagem pela europa e, em 1966, mudou-se para Nova
Iorque, onde ainda vive e trabalha. Muito do seu trabalho tem origem na acção directa do
artista sobre um material escolhido, para explorar as possibilidades de transformação,
deformação, perda de integridade física ou equilíbrio. O aço corten, usado na construção,
ou chumbo derretido, são os materiais de eleição no seu trabalho.642

642 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 86.

163
Como afirma Serra, a Arte é sempre ideológica, por isso o seu trabalho tem uma
componente ideológica,643 tal como tem uma interligação com a componente conceptual.
Apesar de Serra ser muito ligado à estética minimalista, este ponto de vista contrasta com
as suas teorias. No entanto, a teatralidade que o espectador experiencia é muito mais
evidenciada, tal como no caso de Graham, em que o espectador tem uma relação e uma
experiência muito corporal com os pavilhões ou esculturas. Numa abordagem
contemporânea, a componente ideológica do artista manifesta-se na dicotomia
peso/leveza, sendo que a obra de Serra pressupõe uma técnica “pesada”, que produz a
forma, aparentemente, leve. Esculturas com centenas de toneladas apoiam-se num jogo
formal de extrema leveza, sustentados em estudos de engenharia e de auto-sustentação.
Mais importante que isso, Serra tranformou o peso, a massa e a gravidade em qualidades
escultóricas, aliando o conceito, a matéria e a tecnologia.644 Criou formas visualmente leves,
desafiando a gravidade e a percepção expressiva do peso, numa experiência estética que é
mais física que mental, dado que o peso do metal é um valor explícito, interligado a uma
conotação industrial e tecnológica. O peso é uma qualidade que é negada, e quando a
estrutura é verdadeiramente equilibrada, subtrai visualmente o peso.645 A gravidade sempre
foi uma problemática na escultura,646 e Serra utilizava a gravidade como um princípio de
construção, tirando partido desse princípio para dar a ilusão de que um conjunto de placas
de aço poderão apresentar-se visualmente “leves”, quase como folhas de papel. Ao que
parece, Serra admirava a escultura de Giacometti, e parece haver uma ligação com o seu
trabalho escultórico, nomeadamente nas aparentes formas maleáveis, na dialética da
gravidade e no gesto.647

O material, é muito importante na escultura de Serra. Neste contexto, o trabalho de


Carl Andre é importante para Serra, por via das propriedades dos materiais. A relação com
o material na escultura de Serra também se interliga com a escultura de Judd: ambos estão

643 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 354.
644 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 539.


645 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 346.


646 Ibid., p. 347.
647 BUCHLOH, Benjamin H.D. - Richard Serra’s Early Work: Sculpture between Labor and Spectable in MCSHINE,

Kynaston; COOKE, Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The
Museum of Modern Art,2007, p. 45.

164
interessados nos “efeitos” dos materiais, isto é, nas suas particularidades dos materiais,
visto que fazer a mesma forma em vidro, em ferro ou em espelho é muito diferente.648

Placas de aço empilhadas, criada por Serra em 1969, é um excelente exemplo deste
factor. A nível formal, a escultura consiste em várias placas empilhadas verticalmente,
embora as do topo comecem a inclinar-se ligeiramente. O material utilizado é o aço, ou
derivados, que é sempre eleito para a execução das suas esculturas, mas este resultado
plástico é diferente do Titled Arc, e até do Splashing, como veremos de seguida; constatamos
que é sempre o mesmo material, mas transformado de modo diferente.

O uso das propriedades evidentes do material determina a própria escultura,


nomeadamente onde a sua composição termina; ou seja, a própria composição fomal
termina no ponto em que o acréscimo de uma única placa ao conjunto acarretaria o
desequilíbrio e a destruição da escultura.”649 Apesar de ser construída com material da
indústria pesada, a escultura dá a sensação que é feita de um material muito leve, fazendo
lembrar uma espécie de fole que está em movimento de abertura.

Para além de instalar as suas esculturas de grandes dimensões em espaços públicos,


interferindo directamente na paisagem, explora o espaço estético latente entre a obra, o
espaço e o corpo do observador. Serra tem interesse no espectador e esta perspectiva
deriva de discussões do Minimalismo de meados de 1960, por exemplo, por Robert Morris,
em termos fenomenológicos, ou por Carl Andre, numa perspectiva marxista. Morris e
Andre tinham tendência em trabalhar dentro de galerias ou em ambientes privados; já
Serra, por contraste, desenvolveu mais o seu trabalho na vertente da instalação pública,650
apesar de também ter feito exposições em galerias de arte.

Rosalind Krauss escreveu que na escultura recente, como a de Robert Morris e


David Smith, altera-se a relação com o espectador, porque uma mudança no espectador
fornece uma alteração no objecto: o espaço do espectador torna-se parte do espaço do
objecto; dizendo de outro modo, o observador e o objecto ocupam e partilham o mesmo
espaço. Este conceito foi desenvolvido por Brancusi em Tirgu Jiu, e continuou ao longo do
século XX, sendo também evidente nesta escultura. Para além desta relação com o

648 MCSHINE, Kynaston - A Conversation about Work with Richard Serra in MCSHINE, Kynaston; COOKE,
Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The Museum of Modern
Art,2007, p. 28.
649 KRAUSS, Rosalind - Os caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 328.
650 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 343.

165
espectador, Serra estava interessado particularmente em desenvolver a categoria de site-
specific,651 e a escolha das estruturas que definem o contexto do espaço em questão,652
englobando, claro, a adequada composição formal das esculturas, que assumiam como
pressuposto fulcral, a relação corporal com o espectador.

Titled Arc, de 1981, na


Federal Plaza, em Nova Iorque, é
um exemplo de site-specific, dentro
da esfera da escultura pública.
Consistia numa placa de aço, de
doze metros de altura, inclinada e
instalada ao longo de uma praça.
O público podia caminhar em
redor e através das placas de Fig.29 – Titled Arc – Richard Serra.
1981
aço unidas entre si, dando a Aço;
Destruído, Nova Iorque.
sensação que o trabalho poderia
cair a qualquer momento, de tão fina que a placa aparentava ser. A curvatura do aço
aparece como uma apara de metal ou, mesmo, uma folha de papel, que ironicamente
impede a passagem de um lado para o outro da praça. [Fig. 29] Serra pretendia uma
dialéctica entre a percepção do lugar na sua totalidade e a relação do indivíduo com o
campo escultórico enquanto caminhasse;653 Serra interessava-se pela elevação na paisagem,
isto é, a relação do corpo com o plano da paisagem.654 Quer isto dizer que não estava
interessado em esculturas que se definissem unicamente pelas suas relações internas;655
sendo valorizada a relação exterior com o espectador.

Após a convivência com a escultura, o público sentiu-se ofendido pela austeridade e


massividade da escultura e manifestou o desagrado, pouco depois da sua implementação no
local: Titled Arc foi amplamente condenado por perturbar linhas de visão, abstruir câmeras
de vídeo, obrigando as pessoas a andar mais do que o necessário para cruzar a praça e
perturbando a sua segurança. Decorreram várias audiências públicas até que a escultura foi

651 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 348.
652 Ibid., p. 353.
653 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 88.
654 MCSHINE, Kynaston - A Conversation about Work with Richard Serra in MCSHINE, Kynaston; COOKE,

Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The Museum of Modern
Art,2007, p. 30.
655 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 88.

166
removida em 1985. Neste contexto, Serra insistiu que a remoção da escultura seria
equivalente à destruição da mesma,656 estando a definir um parâmetro extremamente
importante na tipologia do site-specific. Esta escultura levantou novas questões sobre o que
seria a escultura pós-minimal, e a sua relação com o espectador, particularmente avaliando
este caso, no contexto da arte, em espaço público.657

No desenvolvimento do Pós-Minimal, surgue a Arte Processual, a Body Art e a Land


Art, que apresentaram novas questões sobre a sua provisoriedade e acabamento, tempo de
execução e tempo de duração, o papel da fotografia, o equilíbrio entre o trabalho fora e
dentro da galeria. A escultura já não era necessariamente um objecto. O corpo humano
aparece como meio, como objecto, e encontra-se ligado à transgressão do convencional e à
manifestação de um corpo reconstituído e totalizado pela acção artística, na qual uma
empatia é estabelecida entre o corpo activo do artista e o corpo estático do espectador.

Mão apanhando chumbo, de 1968, exprime


uma acção de Richard Serra, na qual utiliza o
chumbo e as suas próprias mãos como foco de um
vídeo de 3 minutos:

“Bocados de chumbo caem com pequenos


intervalos e são visíveis como um movimento
desfocado em cinzento. A mão tem apenas tempo para
fechar e voltar a abrir-se. Se Serra consegue apanhar o
chumbo que cai, deixa-o logo cair para ter a mão livre
para apanhar o próximo bocado. A tensão constante
vai cansando a mão o que lhe causa cãibras e o tempo
de reacção torna-se mais lento até que pára
completamente.”658

O corpo transmite mensagens através dos


seus movimentos e gestos, possuíndo uma

Fig.30 – Mão apanhando chumbo – Richard


dimensão mágica e poética, captada pelo vídeo, e
Serra. que se eleva a um carácter escultórico. [Fig. 30]
1968
Filme a preto e branco, mudo, 210 min.; Neste exemplo, a acção tornou-se o foco da
Bochum Galerie, Alemanha.
produção artística e a própria repetição do gesto
confirma a dimensão estética e compositiva que vinha já do minimalismo.

656 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 343.
657 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 216.
658 RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 606.

167
Splashing é outro exemplo fundamental. Consiste numa instalação de elementos em
chumbo, realizados através de uma performance, que consistia no lançamento de chumbo
contra uma parede, estando esta obra igualmente inserida na tipologia do site-specific. Este
trabalho está relacionado com a Arte Processual, na qual a acção da solificação do material,
durante o acto criativo, constitui-se a própria obra, apresentando também uma ligação com
a fenomenologia da gravidade, que foi explorada por Jackson Pollock nas suas Action
Paitings. O chumbo é um material pesado, mas, ao mesmo tempo mole e maleável,
relativamente fácil de derreter, sendo que quando está em estado líquido, pode ser
apanhado com uma espátula e lançado para endurecer, em gotas ou salpicos, por meio da
acção do homem e da gravidade. Em 1968, no armazém da galeria Leo Castelli, Serra
começou a aquecer e a lançar chumbo líquido nos cantos de uma sala, na tentativa de
explorar a fisicalidade do acto criativo, bem como de investigar as possibilidades que
surgem quando o metal é libertado do seu estado sólido. As formas de chumbo (em forma
de L), não eram só a evidência física do seu acto, mas também o seu substituto escultural.659
A forma reflecte os actos de lançamento, fluídez, arrefecimento e solidificação, originados
pelo gesto do próprio escultor. [Fig. 31] A própria técnica, por si só, constitui um gerador
das formas artísticas.660 Para Serra, a sua acção concentra-se na formação de uma escultura
através de um processo repetitivo.661

Posteriormente, dispôs no
chão, o resultado da solidificação, na
ordem pela qual os elementos tinham
sido executados. Os elementos foram
dispostos no espaço, tendo como
referência de alinhamento a parede e
foram dispostos um a seguir ao
outro, estabelecendo uma ligação

com o processo de montagem e Fig.31 – Splashing – Richard Serra.


1968
compositivo, tendo o Minimalismo Chumbo; 268 x 272 x 47,5 cm.
Colecção Jasper Johns, Nova Iorque.
como referência – “uma coisa a
seguir à outra” - e também com a própria “encenação” no espaço da instalação. O local

659 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 86.


660 KRAUSS, Rosalind - Os caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 331.
661 MCSHINE, Kynaston - A Conversation about Work with Richard Serra in MCSHINE, Kynaston; COOKE,

Lynne; RAJCHMAN, John - Richard Serra Sculpture: Forty Years. New York : The Museum of Modern
Art, 2007, p. 25.

168
onde foi executada a acção, e o local actual onde ela é instalada, estão ligados de forma
permanente, tal como veremos nos Site/Non-Site de Robert Smithson, nos quais as
esculturas levam consigo as marcas, os vestígios do espaço onde foram criadas,
independentemente de serem expostas noutro local, levam sempre a identidade do
primeiro, isto é, e a este estão sempre ligadas. Esta intervenção alterou a relação entre o
estúdio do artista e a galeria de arte, visto que a acção – a criação decorreu no mesmo
espaço da exposição; o estúdio era visto como o local por excelência de criatividade, como
um lugar essencialmente privado, onde os artistas trabalhavam de um modo individual e no
seu próprio tempo.662 Neste caso, o armazém da galeria Castelli foi aberto ao público,
expondo a arte acabada de “nascer”.

Em suma, Serra manteve a categoria de escultura, embora a tenha redefinido como


uma relação entre "o campo escultórico" e o espectador colocado em movimento
temporal, dentro do campo escultórico. Assim, desenvolveu os processos específicos de
engenharia, fabricação e aparelhamento, especialmente nas esculturas públicas, de modo a
não divulgar apenas as propriedades inerentes aos materiais como o chumbo (peso,
densidade, rigidez), mas também para demonstrar os “princípios axiomáticos”da escultura
como edifício,663 ou dentro de uma componente arquitectónica, no sentido em que, tal
como os pavilhões de Graham, delimita e define o espaço circulável pelo espectador.

O trabalho de Serra tem uma relação literal com o corpo. A Arte Minimal não; esta
não tem uma ligação tão directa como a obra de Serra, que é baseada na sua fisicalidade, a
qual interage literalmente com o corpo do espectador quando circula pela área que a
escultura delimita, através da sua configuração formal. No que diz respeito ao significado, é
similar aos Minimalistas, porque não existe uma atribuição de significado, por parte do
espectador, para além do que lá está; o objecto é o que é. Parece que Serra, tal como Carl
Andre, atribui uma elevada relevância à própria experiência real do espectador. Por isso,
Serra proporciona ao corpo do espectador um confronto fenomenológico com um
objecto.664 A questão da experiência é “naturalmente” ligada a uma vertente
fenomenológica, para além da vertente perceptiva (da ideia e da forma), inerente às
esculturas que se relaciona com a dicotomia peso/leveza.

662 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 135.
663 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 536.
664 Ibid., p. 537.

169
Os termos pós-minimalismo e desmaterialização são construções com significado
próprio, dentro de uma regressão infinita de negação,665 nomeadamente a negação da
importância da materialidade de um objecto. O vídeo e a performance, que Serra desenvolveu,
são exemplo dessa “negação” da materialidade, embora na performance exista sempre um
registo da acção (quando não é apresentado algo material), e esse registo assume-se como a
própria “obra”, que situa o espectador no momento exacto da realização, e torna-o
“presente” no momento.

Land Art

Depois de 1960, em que a cultura era essencialmente urbana, houve um corte em


1970, e a paisagem tornou-se uma “fonte de materiais” e um local para a escultura. A
paisagem, no seu sentido tradicional, era um lugar onde um artista podia sentir um
aumento da sensação de origem, de pertença espiritual, e o lado primitivo (a procura da
harmonia com o mundo natural, que supomos ser a característica dos povos anteriores,
fornecendo uma ligação para a cultura da pré-história),666 ou, por outro lado, de um novo
começo, pela distância da cidade.667 “Earth Art” foi, no entanto, o título de uma exposição
colectiva em 1968, na Dawn Gallery em Nova Iorque, e no ano seguinte o título
“earthworks” foi adoptado para um evento internacional no Andrew Dickson White
Museum, da Cornell University.668

Neste contexto, é relevante falar do esquema de Rosalind Krauss, que defende que
a escultura passou a ser definida pelo que não era, por outras palavras, pela exclusão de
possibilidades. No contexto da Land Art, definia-se a escultura por aquilo que estava na
paisagem e não era paisagem.669 O desenvolvimento do seu esquema estrutural, ou
diagrama, cujo ponto de origem era a definição de escultura, expandiu-se, para além do
conjunto de negações, para outras possibilidades estruturadas de diferentes maneiras. A
possível combinação de paisagem e não paisagem foi explorada com termos como os
lugares identificados, que se inserem na tipologia da Land Art. O artista elege um espaço

665 KRAUSS, Rosalind - Semse and Sensibility: Reflection on Post’ 60s Sculpture , 1973 in MEYER, James –
Minimalism. London : Phaidon, 2000, pp. 254-255.
666 BEARDSLEY, John - Earthworks and Beyond: contemporany art in the landscape. 4ªed.Nova

Iorque: Abbeville Press, 2006, p. 59.


667 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 169.
668 Ibid., p. 172.
669 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza

Editorial, 2006, p. 295.

170
para a colocação da obra, havendo a possiblidade de ser noutro local com as mesmas
características, o chamado Marked Site.670

Surgiram nos Estados Unidos, perto dos finais da década de 1960, intervenções
escultóricas de carácter efémero de alguns artistas que começaram a surgir fora dos espaços
das galerias e museus. A maioria dos artistas americanos envolvidos com a Land Art,
tinham estado ligados ao Minimalismo, e não deixou de haver uma relação com este
movimento. A Land Art torna a paisagem no principal meio de criação, e as obras ficam
expostas às condições climatéricas, sendo realizadas em espaços naturais e longínquos do
espaço urbano. Estas intervenções são esculpidas com materiais como terra, neve,
realizando vulcões, utilizando relâmpagos ou em áreas submarinas, muitas vezes de difícil
acesso, obrigando à realização de registos em fotografia, vídeo e/ou desenhos. A expansão
da Land Art, que foi de curta duração, tornou a paisagem, a (de)formação do terreno, o
horizonte, o tempo e a erosão materiais autênticos na produção escultórica.671

Como exemplo temos as obras de Robert Smithson, da dupla formada por Christo
(1935) e Jean Claude (1935 - 2009) e Richard Long (1945), entre outros.

Smithson começou na Arte Minimal, com o uso de espelhos e cubos “empilhados”.


O diálogo da terra com os espelhos e a sua inserção no espaço expositivo contrasta com a
galeria de paredes brancas e joga com as dualidades espelho/reflexão, presença/ausência,
tempo/intemporal, existência/morte.672 A presença da terra parece ser um símbolo do
fluxo interminável, ou "açcão", que prevalece na natureza: fragmentação, corrosão,
decomposição ou avalanches,673 assim como faculta ao espectador uma característica do
espaço onde foi retirada. A intervenção é importante, mas o seu processo de realização
também tem significado; isto quer dizer que todo o processo até apresentação na galeria é
importante, incluíndo a documentação do processo que passa a fazer parte do conteúdo em
“exposição”,674 como iremos ver mais adiante. As exposições no contexto da Land Art
eram caracterizadas pelo uso de materiais da natureza, apesar de usarem ainda alguns

670 KRAUSS, Rosalind - La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid : Alianza
Editorial, 2006, p. 297.
671 RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 543.
672 BOETTGER, Suzaan - In the Yucatan: Mirroring presence and absence in MARK, Lisa - Robert Smtihson. Los

Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 204.


673 CROW, Thomas - Cosmic exile: prophetic turns in the life and art of Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert

Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 53.


674 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 172.

171
elementos industriais, como no caso de Smithson, com os recipientes instalados na galeria,
para colocar pedras ou outros materiais trazidoss dos locais das intervenções.

Articulou a formulação da dialéctica site/non site, enfatizando a fé no poder mítico


do lugar. O não-lugar é caracterizado pela ausência de um lugar, que é presentificado por
fotos ou mapas, que documentam esse local fora da galeria, frequentemente
complementado com pedaços de minério, bocados de rocha ou minerais do local original.
Smithson trabalha no próprio referente, na natureza, enquanto os artistas clássicos
trabalhavam sobre e a partir do referente, quando o representavam.

Smithson trabalhava sobre o tempo e a natureza. Tinha uma obsessão pelas


estruturas e pelo colapso inevitável, pela entropia que caracteriza a natureza. O seu
interesse pelo “tempo geológico” evoca os extractos de tempo, que o grande historiador
francês Fernand Braudel descreveu, como coexistindo no presente. Smithson queria não só
observar o tempo “geológico”, mas também imitar a sua vastidão e a sua profundidade.
Começou a fazer desenhos de fenómenos como desabamentos de terra, avalanches e
erupções. Interessava-lhe a aparência de caos e a forma como os tractores e escavadoras
transformavam o terreno, tornando o local repleto de destroços. Esses processos de
construção pesada parecem assinalar uma dimensão de grandeza primordial, e que são, em
muitos aspectos, mais surpreendentes que o projecto acabado. Smithson estava interessado
no processo de mudança e, deste modo, a arte era uma forma de intervenção,
necessariamente efémera.675

Neste contexto, Smithson assumiu a identidade de um agente geológico, em que o


homem se torna parte desse processo.676 Representava a força irreversível da entropia e
queria franquear esse limiar e simular ele próprio esse poder. As fotografias de habitats
humanos destruídos fascinavam Smithson, como por exemplo, casas arrasadas por lava ou
lama, aldeias destruídas por terramotos ou desmoreonamentos de terra, interessando-lhe as
texturas da natureza e o efeito/acção do tempo na matéria. Este factor é visível na sua
obra, que só se completava após o seu desabamento, a sua destruição. Smithson equiparou
a desconstrução física e a descontrução mental, no sentido em que a mente e a terra
encontram-se num permanente estado de erosão.677 A Arte é um cosmos, não uma

675 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 181.
676 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips. Porto : Museu
Serralves, 2002, p. 15.
677 Ibid., pp. 15-16.

172
pessoa,678 e, neste sentido, Smithson interessa-se também pela erosão no cosmos, onde
havia harmonia e ordem, mas também desordem. Para Smithson, não há como escapar da
matéria pesada nem da fisicalidade, assim como da componente mental: os dois estão em
rota de colisão constante, é uma espécie de catástrofe tranquila de espírito e matéria. A
entropia surge, neste contexto, como o nome do processo desenvolvido por Smithson. A
ciência utiliza a palavra em termos de existência; a arte utiliza em termos de inexistência; a
ciência luta contra a entropia, e os artistas parecem aceitar a entropia,679 que se relaciona
com o comportamento da natureza, permanentemente em transformação; não tem uma lei
definida e racional, e Smithson tentava imitar a entropia, o comportamento da própria
natureza. Como dizia Heraclito, “As coisas lançadas ao acaso, o arranjo mais belo, o
cosmos.”, fragmento que Smithson utilizou como ponto de partida da sua participação em
“Field Trips”, e que acaba por ser um dos termos do seu trabalho.

O trabalho de Smithson é sobre a interacção entre mente e matéria. Assenta numa


ideia dualista, que torna o trabalho impuro, visto que está saturado com a matéria; não há
qualquer forma de
escapar da fisicalidade,
como já vimos. No
entanto, pode-se dizer
que o seu trabalho é
como uma catástrofe
tranquila de espírito e
matéria.680 Para
Smithson, a Arte
Fig.32 – Spiral Jetty – Robert Smithson. Conceptual só lida com a
1970
Rocha, sal, cristais, terra, algas e água; 47500 x 450 cm. mente, e deveria lidar
Utah, Great Salt Lake; Destruído.
com o material também;
às vezes, não é nada mais do que um gesto, que conflui numa performance, body art ou
happening. O gesto na Land Art também é muito importante, visto que, tudo se forma a
partir de um gesto construtivo na paisagem e depois “reconstruído” no espaço da galeria,
maioritariamente com documentos ou registos.

678 CROW, Thomas - Cosmic exile: prophetic turns in the life and art of Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert
Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 50.
679 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 293.


680 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :

University of California, 1997, p. 89.

173
Como intermediária, a fotografia é uma forma de “focar” o espectador no local. As
intervenções da Land Art são compreendidas pela forma como são fotografadas, mais do
que a maioria da escultura; a escultura é tridimensional, e as fotografias de escultura são
sempre interpretáveis, de um modo que, a fotografia de uma pintura não o é. A fotografia
aérea é útil para locais que requerem algum mapeamento, mas nunca pode dar uma
apreensão e compreensão completas.681 As fotografias são uma redução a um plano, a um
quadrado, e isso fascinava Smithson.682

As intervenções de Smithson na paisagem culminam com Spiral Jetty, de 1970, uma


das suas abordagens mais conceituadas e inovadoras. Consistiu numa espiral de cristais de
sal, rochas e água. [Fig. 32] O crescimento orgânico representado pela espiral, contraria a
esterilidade perpétua e geológica, assim como a
decadência entrópica.683 Robert Smithson
queria que a sua obra abrangesse o processo de
entropia, queria “brincar” com o tempo, lutar
com ele, acelerá-lo ou desacelerá-lo ao ponto da
desintegração do espaço e da matéria. Projectou
a sua intervenção nas extensões maiores do
tempo, até ao ponto em que nada poderia ser
diferenciado e tudo deixaria de ter forma,684
projectou, afinal, a sua destruição.

Smithson elaborou desenhos desta


intervenção, todos eles construtivos, isto é,
desenhos técnicos que exploravam o modo de
fazer. No entanto, desenvolveu um conjunto Fig.33 – Feet of Christ - Robert Smithson.
1961
de pinturas, em 1961, onde surgue a forma da Desenhos a aguarela.

espiral. A forma baseava-se nas pinturas que


representavam Cristo, de um modo quase esquemático e até ligeiramente geométrico, visto
que o corpo é representado com formas geométricas, onde predominam o vermelho, preto
e branco, e a espiral aparece como um elemento destacado no ponto onde a carne de

681 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 176.
682 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore
Institute. 2007, p. 289.
683 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 545.
684 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips. Porto : Museu

Serralves, 2002, p. 17.

174
Cristo é perfurada nos pés e nas mãos; as espirais estão no lugar das feridas e do sangue,685
que significam a posterior transformação de Cristo, que ressuscitou; deste modo, parece ser
um símbolo do trabalho de Smithson, que se relaciona com a própria transformação. [Fig.
33] A Espiral com cor branca constrasta com a água vermelha do lago, e o sal unifica a
forma da espiral, constituíndo uma das bases da matéria da espiral, tal como as rochas. 686
Como já sabemos, o artista tinha um interesse permanente em geologia e cristalografia, e
antecipou claramente o efeito que a deposição natural de cristais de sal teria sobre o
trabalho como um todo. Neste sentido, o sal constitui um índice de material da passagem
do tempo,687 que inicialmente se apresenta como pequenos grãos; posteriormente, com a
junção com as rochas, e sobretudo com a água, o sal ganha uma outra aparência.

A escala da espiral é colossal e se esta intervenção fosse alvo de visitas, o espectador


poderia caminhar sobre ela até ao seu centro. Se esta experiência física do espectador fosse
possível, a teatralidade seria muito evidenciada neste projecto. No entanto, a apresentação
dos trabalhos de Smithson tornou-se numa das suas estratégias artísticas, usando
fotografias, planos, filmes e esquemas como intermediários, transferindo fragmentos, do
“local” de concretização do trabalho para o espaço de exposição, activando, deste modo, a
dialética site/non-site. A espiral despontou com exclusividade a imaginação do público, pela
sua posição primordial entre uma paisagem deserta e uma extensão aberta de água. A
distância reduz a obra de arte a uma unidade perceptiva, em vez de uma descoberta fisica
dentro do tempo real688 e o espectador vê a intervenção num outro tempo, que não o real.
A fotografia dá uma pista para o que o espectador procura, já que é importante para as
pessoas irem ver os locais.689 Avaliando a escolha específica do espaço na paisagem, a
tipologia do site-specific, também existe na Land Art: a paisagem escolhida é um sítio
específico. As intervenções de Smithson, por exemplo, variam feomenologicamente entre
dois locais: o local e o não-local, em que este último está sempre ligado ao primeiro. Os
elementos naturais trazidos do local levam consigo parte da identidade (daquele local), mas
é o espectador que, ao ver os elementos naturais assim como os mapas ou fotografias, vai
concebê-lo na sua “imaginação”, apesar de não o ter visitado. É um processo que parece
ter uma ligação com a Idade Média, em que existiam dois espaços: o espaço físico e real, e

685 CROW, Thomas - Cosmic exile: prophetic turns in the life and art of Robert Smithson in MARK, Lisa - Robert
Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, pp. 37-38.
686 ROBERTS, Jennifer L. - The Taste of Time: Salt and Spiral Jetty in MARK, Lisa - Robert Smtihson. Los

Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 102.


687 Ibid., p. 97.
688 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 215.
689 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 290.

175
o espaço transcendental, que pertencia a outro mundo, simbolicamente o céu, em que era
estabelecido o contacto por meio da fé do crente, numa componente que ultrapassa a
fisicalidade do que vemos ou sentimos.

Voltemos ao non-site, Line of Wreckage, de 1968 é alvo de análise. Como já vimos,


Smithson estava interessado em capturar o sentido de expansão e o afastamento fora do
espaço da galeria. Cada non-site representa um local real, que consiste em três partes:
documentos (mapas,
fotografias, texto descritivo)
do local; amostras de
minerais (areia, rochas,
escória) retirados e
deslocados do local; e um
contentor fabricado, que
"contém" as amostras.
Primeiro, Smithson
selecionou um lugar real,
viajou para lá, reuniu as
Fig.34 – Line of Wreckage – Robert Smithson.
amostras e posteriormente 1968
Alumínio pintado, mapa e fotografias; estrutura de alumínio:149.86 × 177.8
instalou os documentos e as × 31.75 cm; painéis: 9.53 × 124.46 cm.
Bayonne, Nova Jersey.
amostras numa galeria.690
Os non-sites de smithson são instalações escultóricas, numa localização muito longe da
galeria, que pretende dar ao espectador a sua noção de existência. Assim, o site é
representado pelo non-site.691 A arte é inseparável da localização.692 Por isso, Smithson, nos
seus non-sites, recolhia os materiais naturais, e levava-os para o museu ou galeria, colocando-
os dentro de caixas, localizando nos mapas o seu local de extracção ou origem. Os sites
remetem para os non-sites e os non-sites retornam aos sites. é uma via dupla.693 Os non-sites, dito
de outro modo, eram um modo de dar o conhecer o lugar: eram a acumulação de pedras
encontradas nas suas explorações fora do espaço da galeria, que eram trazidas para o
interior, documentadas com mapas situando os seus locais na natureza.694 A morfologia das

690 LINDER, Mark - Towards “ A new type of building”: Robert Smithson’s architectural criticismo in MARK, Lisa -
Robert Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 192.
691 MEYER, James - Minimalism. London : Phaidon, 2000, p. 155.
692 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998. p. 92.
693 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 295.


694 MARZONA, Daniel - Minimal Art. Köln : Taschen, 2005, p. 92.

176
caixas, com as pedras, estava relacionada com o modo como os mapas e fotografias eram
expostos na sala: podemos observar que a caixa tem a mesma configuração formal que as
fotografias e o mapa fixados na parede. [Fig. 34] As pedras, que eram removidas do seu
local original, e colocadas no compartimento, conectam o site com o non-site. Um site será
definido numa exposição de uma fotografia, enquanto um non-site será um recipiente de
material deslocado a partir do site. Em termos espaciais, Smithson descreveu o local e não-
local dialecticamente, e apontou a convergência entre os pólos opostos. Assim, um site tem
limites em aberto e um non-site em fechado; um site é uma série de pontos, um non-site uma
matriz de matéria; um site dispersa informações, um non-site contém informações; um site é
um lugar (físico), um non-site é abstrato.695

O non-site pode ser entendido como uma "janela", não no sentido metafórico, mas
literal,696 que nos mostra, de um modo parcial, o que existe lá fora. Algumas obras tentam
dar a impressão de que são ilimitadas num espaço interior, numa sala, mas é apenas uma
impressão, porque não têm qualquer validade fora da sala em si (a galeria é que lhe confere
o estatuto de arte), tanto que, não se verifica qualquer aumento real da escala, porque,
efectivamente, são materiais espalhados dentro da sala; existe uma grande diferença entre o
que está fora e dentro da sala. O que está realmente confrontado com o non-site é a ausência
do site, ainda que estejam presentes alguns fragmentos do lugar. Smithson fascinava-se com
a não existência de material real, muito sólido, e com a impossibilidade de conhecê-lo; neste
sentido, o espectador depara-se com algo que é inexplicável;697 deste modo, o envolvimento
com o lugar acaba por ser abstracto, visto que não o visitamos, e o que vemos dele é por
meio de fotografias ou materiais de registo, conhecendo o local parcialmente. Na Arte
Minimal, os objectos específicos também se tornaram abstractos: eram defendidos
enquanto uma ausência de significados, mas as interpretações acabavam por existir; os non-
sites tornaram-se mapas que apontavam para locais fora da galeria que, na ausência do seu
conhecimento total, ganhariam uma tendência abstrata; assim, mesmo que os espectadores
visitassem o espaço, sentiriam que, estando mais perto da intervenção, seriam confrontados
com a intangibilidade de algo que parece ser bastante tangível.

A temporalidade surge na Land Art de diferentes maneiras: se o planeamento é


considerado como parte integrante do trabalho, o tempo envolvido na construção é o

695 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 179.
696 LINDER, Mark - Towards “ A new type of building”: Robert Smithson’s architectural criticismo in MARK, Lisa -
Robert Smtihson. Los Angeles : The museum of Contemporany Art, 2004, p. 193.
697 WOOD, Jon; HULKS, David; POTTS, Alex - Modern Sculpture Reader. Leeds: The Henry Moore

Institute. 2007, p. 288.

177
primeiro aspecto relevante, enquanto o segundo se consubstancia no tempo que uma
intervenção dura.698 Um terceiro aspecto do tempo surge relacionado com o non-site, em
que o interesse de Smithson era realmente um retorno às “origens” do material, uma
espécie de “desmaterialização” da matéria;699 pretendia-se a desmaterialização da matéria, e
uma “visita” ao site de um modo imaginativo, criando um diálogo entre o espaço de
exposição interior e o local exterior, sendo que o que interessa é o ponto de origem.700

De uma forma mais radical do que o Minimalismo, Smithson parece defender a


teatralidade que Fried criticou, existindo uma relação encenada entre o espectador e o local
original da intervenção. Existiu uma inversão da relação tradicional entre o espectador e o
objecto; na Land Art já não existe objecto, existe uma intervenção que é dada a conhecer de
um modo parcial e, de certo modo, imaginativo.701

Dentro deste âmbito, podemos encontrar outro exemplo no trabalho de Christo e


Jeanne Claude, que estendeu a integração na paisagem, em geral, ou na paisagem urbana,
não intervindo somente em lugares
inacessíveis. Utilizavam frequentemente
paredes de tecido e cortinas, como
potenciadores de diferentes percepções
espaciais e visuais, e intervieram na
esfera da Arte Pública, agindo sobre o
espaço público.702
A barreira corrediça, de 1976,
cobre cerca de 40km, através das
colinas da Califórnia. Vista de perto,
parece uma vela com formas côncavas e
convexas enfunada pela brisa marítima Fig.35 – Barreira corrediça – Christo & Jeanne-Claude.
1976
e, à distância, lembra um Tecido.
Califórnia.
levantamento topográfico, como que a

698 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 180.
699 LIPPARD, Lucy R. - Six years : the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Berkeley :
University of California, 1997, p. 87.
700 Ibid., p. 88.
701 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 170.
702 Ibid., p. 93.

178
sublinhar um ritmo ondulante das colinas e a estruturá-lo numa sequência.703 [Fig. 35] A
barreira é construída a partir de uma estrutura preparada para a inserção do tecido, que é
divisível em partes. Duas semanas depois, a paisagem volta a ganhar o aspecto anterior e os
materiais são reciclados.704
Este tipo de materiais teve sempre na presença significativa na História da Arte:

“Desde os tempos mais antigos até ao presente, o tecido – formando pregas, plissados
e drapeados – tem tido um papel importante na pintura, nos frescos, nos relevos e nas
esculturas feitas em madeira, pedra ou bronze. A utilização de tecido no Reichstag segue essa
tradição clássica. O tecido, como as roupas e a pele, é muito frágil e expressa a qualidade única
do transitório.” 705

Os tecidos incutem à paisagem uma presença particular, que está sempre em


transformação e mudança, pela intensidade e direcção do vento; formavam uma espécie de
mancha na paisagem, que era contrastante pela sua cor branca ao longo de vários metros,
sendo que o processo de repetição de um segmento parece prolongar-se desde a estética
minimalista. As suas intervenções pareciam pintura na paisagem, e significavam um grande
investimento monetário; para além da quantidade enorme de materiais que eram
necessários, devido à sua escala superior à escala humana, havia ainda que instalá-los no
espaço, ou diversos espaços, como neste caso.
Christo e Jeanne Claude também envolviam monumentos ou edifícios
arquitectónicos, alterando a percepção e a relação do espectador com a construção e a
paisagem em redor. A proposta para o Reichstag, em 1995, no qual o edifício do
Parlamento Alemão foi coberto com mais de 100 mil m2 de tecido, e 15km de corda, é um
exemplo. A intervenção manteve-se no local para ser vista durante três semanas, por mais
de cinco milhões de pessoas. Perante uma intervenção que não tem grande durabilidade,
comparativamente às obras de arte clássicas, são os desenhos, as fotografias, isto é, a
documentação do processo que é vendido, financiando as suas intervenções. Neste sentido,
o casal compunha numa mesma imagem um desenho a cores da intervenção, que ocupava
grande parte do espaço inferior, em cima, do lado esquerdo, uma fotografia do local e, do
lado direito, um desenho do edifício ou, em outros casos, um mapa do local. Esta técnica
de “montagem”, que demonstra todas as fases do processo, parece ter uma ligação com os

703 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, pp. 547-548.
704 Ibid., p. 548.
705 Christo & Jeanne-Claude Cit por. RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte

do Século XX. [s.l.] : Taschen, 2010, p. 550.

179
non-sites de Smithson, quando eram apresentados no espaço da galeria, e continham uma
fotografia do local, umas amostras do material daí retirado e as plantas. [Fig. 36]

Fig.36 – Projecto de Christo & Jeanne-Claude, 1993.

Comparando a escala com que os artistas americanos intervieram na paisagem, o


trabalho de Richard Long é muito “mais minimalista”. O seu trabalho não é monumental,
mas, sim, transitório e passageiro, sobretudo efémero: “Já em 1967, quando ainda era
estudante, tinha caminhado para a frente e para trás, calcando um atalho na erva e foi
documentando a situação em fotografias.”706 Richard Long não parou de caminhar, através
do campo, até que as suas pegadas tivessem traçado um caminho bem visível. A Line made
by Walking, de 1967, foi o seu primeiro trabalho escultórico “caminhando” [Fig. 37] e para
o apresentar ao público teve de o fotografar. Mostrou a mesma sensibilidade ao marcar
traçados na paisagem, que assinalam os seus últimos passeios épicos nos Himalaias, Andes,
Austrália, Japão e Islândia. As marcas que o escultor deixava nos lugares eram círculos de
pedras, quadrados de relva ou espirais de algas marinhas que fotografava e, deste modo, as
apresentava ao público.

706RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 546.

180
Posteriormente, começou a
expor as suas marcas em museus e
exposições, em forma de figuras
geométricas básicas, cuja universalidade
e acessibilidade, deixa para trás a
experiência pessoal na paisagem.707 O
seu material de eleição são as pedras,
dos mais variados formatos, com as
quais compunha formas geométricas e
universais: círculos, quadrados, espirais
e linhas rectas. O seu trabalho inicia
numa experiência pessoal e privada,
mas, posteriormente, é universalizada

na galeria, onde Long expõe os


Fig.37 – A Line made by Walking – Richard Long
materiais trazidos do local, e recria a 1967
Dimensões desconhecidas;
distância que percorreu a caminhar,708 Destruído.

quando possível.

Five Paths, de 2004, é um exemplo em que Long desloca a sua experiência da


paisagem, e a recria no espaço da galeria, mantendo a mesma configuração formal. Esta
intervenção parece conter várias acções seguidas, já que existem diversos caminhos ou
linhas sulcadas. O espaço, sem pedras, consiste no espaço por onde o artista circulou, tal
como em A Line made by Walking, a linha está abaixo da cota do chão, porque se foi
desgastando o solo com a passagem do corpo. Note-se que estas passagens pelo espaço
não são regulares, são em formas ondulantes, criando um ritmo sinuoso na composição.
[Fig. 38] Todos os gestos ou passos de Long, foram relevantes na formação da composição
no chão que ocupa toda a sala, deixando apenas uma área limitada ao redor da composição
para a circulação do espectador.

Tal como a Historiadora de Arte Antje von Graevenitz descreveu, o seu trabalho na
paisagem tinha que ser “(re)construído” na imaginação do observador,709 quase como

707 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 547.
708 BEARDSLEY, John - Earthworks and Beyond: contemporany art in the landscape. 4ªed.Nova

Iorque: Abbeville Press, 2006, p. 42.


709 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 591.

181
imagens ou um acontecimento que sabemos que foi real e que reconstruímos na nossa
mente como um vídeo. Deste modo, é destacada a importância para Long das ideias e do
processo, juntamente com o resultado final.

A relação que o artista tinha ou criava com o espaço, onde iria intervir, é que ditava
a própria intervenção. A relação com cada local acabava por ser particular e privada,
estabelecendo uma relação com a tipologia do site-specific, no qual a instalação derivava
directamente do espaço, e da relação
deste com o artista, e da sua
criatividade. As condições e
características específicas do local,
muitas vezes, é que ditavam o tipo
de instalação, ou escultura, que iria
ser instalada. No caso da Land Art, a
paisagem escolhida acaba por ser
Fig.38 – Five Paths – Richard Long também um sítio específico
2004
Dimensões variáveis; destruído. escolhido pelo artista.
Galeria Mário Sequeira, Braga, Portugal.
Enquanto Smithson tentava
imitar os processos da natureza - a partir da lei da entropia, Long imita ou recria a sua
própria acção na galeria, nomeadamente através da colocação das pedras. A sua acção
sobre a natureza, ou os seus elementos, é que é refeita no espaço expositivo. Richard Long
apresenta uma ligação com Carl Andre, visto que as suas intervenções também estão ao
nível do solo, assim como a percepção do objecto ou intervenção no local, no caso de
Long, muitas vezes não era óbvia. As pedras utilizadas por Long não são idênticas na
forma às placas utilizadas por Andre, e são uma espécie de exemplares existentes num
determinado espaço, como acontecia em Smithson.

O trabalho de Long não tem uma componente pública, visto que o seu processo de
apresentação ao espectador consiste em representar uma experiência pessoal na paisagem
numa galeria de arte.710 Deste modo,o trabalho de Long é descrito como privado, porque as
intervenções em lugares remotos não permitem presença do espectador, excepto através
das fotografias, ou porque as mudanças que ele faz na paisagem podem ser muito leves e,
em alguns casos, imperceptíveis.

710 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 182.

182
Em suma, as intervenções de Land Art acabam por ser, nestes três casos, desenhos
sobre a paisagem, que depois são reapresentados sob outro formato no espaço da galeria.
Estes artistas andavam de campo em campo, dia a dia, tempestade a tempestade,
experiência a experiência, desenvolvendo os seus projectos e intervindo directamente na
natureza com os materiais encontrados no local. A experiência era a chave das intervenções
e, por isso, no momento de exposição na galeria, o processo era todo apresentado, por
vezes de forma esquemática, como no caso de Smithson. A acção destes artistas sobre a
matéria tornou-se o objecto da arte, cada vez mais efémera, não só pela durabilidade das
intervenções no espaço, mas, também, pelos meios utilizados para a apresentação da
intervenção, no espaço da galeria. A fotografia e o vídeo, obviamente não são meios
efémeros, pois captam momentos efémeros, mas, comparativamente aos objectos
construídos ou às obras de arte, para além de possuírem uma leveza física que os outros
não detinham, estão ligados à efemeridade, principalmente o vídeo, porque tem uma
duração determinada de visualização. Estes factores demonstram precisamente a atenção
prestada à acção artística e não ao “objecto”, que na Land Art é inexistente.

É notável que a escolha do espaço na paisagem na Land Art se relaciona com a


tipologia do site-specific, visto que a paisagem escolhida acaba por ser, também, um sítio
específico, escolhido pelo artista e que deriva da relação que é estabelecida entre os dois, a
partir das condições e características específicas do local. Por outro lado, o non-site de
Smithson, que pretende remeter novamente para o site, consiste precisamente em outro
local em que é presentificado através de determinados elementos que remetem para o site.
Esta espécie de jogo espacial parece estar ligado à Idade Média, nomeadamente na
existência de dois espaços ou lugares: a Terra e o Céu. Os fiéis só conheciam a Terra, onde
habitavam e poderiam conhecer o que nela existisse; mas, no entanto, era no Céu que se
centravam as suas atenções e orações. No caso do non-site acontece um processo
semelhante que se pretendia que o espectador conhecesse o site a partir do non-site existindo,
entre eles, uma relação de profunda dependência.

183
Fotografia e Escultura

A dimensão escultórica na obra dos Becher

No século XX os museus e galerias cada vez faziam mais exposições e constituíam


as suas colecções, enquanto numerosas universidades americanas instalavam museus de
fotografia. Enquanto captação de um momento efémero, a fotografia tornou-se um meio
de observação nas galerias e museus. Nos anos 90, a fotografia com o outro “novo
medium”, o vídeo, atingiu um estatuto crescente na Arte Contemporânea. O mercado da
Arte descobriu e apoiou fotógrafos e retratistas, para além da fotografia artística ser
promovida através dos fenómenos efémeros como os happenings, performances, o movimento
Fluxus, Land Art e Arte Conceptual, independentemente do interesse original destes
movimentos em registar o momento em que a intervenção ou objecto é executado ou
finalizado.711

Nestas circunstâncias, o trabalho de Hilla e Bernd Becher (1934) adquiriu relevância


e reflectiu as mudanças que estavam a decorrer. Hila e Bernd Becher nasceram em 1931 e
1934 respectivamente. Hilla tinha estudado fotografia e o seu marido, Bernd, pintura. Em
1958, tiraram as primeiras fotografias juntos. Fizeram um reconhecimento de todos os
complexos industriais da zona, começando a fotografar na zona mineira em redor de
Siegen (onde Bernd passou a sua infância), no início dos anos 60.

Depois de fotografarem em Siegen, foram para a bacia de Ruhr, e depois para as


regiões industriais do centro da França. Em 1965, foram para Inglaterra, principalmente no
Sul do país de Gales, e a partir de 1972, trabalharam nos E.U.A, nomeadamente a
Pensilvânia, região tipicamente industrial. 712

A temática do seu trabalho é a indústria pesada, englobando as minas de carvão,


siderurgia e indústria do calcário. Nas fábricas, escolhiam edifícios fortemente marcados
pela sua forma, particularmente torres de extracção, altos fornos, fornos de calcário, torres
de refrigeração, depósitos de água e recuperadores de calor, visto que lhes interessavam
estes objectos que seguem um verdadeiro fio condutor na evolução histórica.713

711 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, p. 670.
712 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00

min.).
713 Ibid.

184
Embora seguissem a tradição da fotografia industrial de Albert Renger-Patzsch
(1897-1966), no início não obtiveram grande aceitação.714 A “Escola Becher”,
aparentemente sem pretensões artísticas, produziu fotógrafos como Thomas Struth (1954),
Andreas Gursky (1955) ou Candida Höfer (1944) que nos seus trabalhos particulares
conquistaram notoriedade internacional como artistas. Graças aos Becher, a fotografia na
Alemanha voltou a ter o estatuto que tinha tido anteriormente nos anos de 1920.715

Na Bienal de Veneza de 1933, os Becher foram agraciados com o prémio de


Escultura. Abandonaram a representação no seu sentido mais tradicional em favor de uma
forma reveladora, onde a aparência da fotografia é efecutada através de linhas imperfeitas e
rupturas na noção de paisagem. Neste contexto, os paradigmas da fotografia são alterados.
Os Becher consideravam a fotografia como algo que podiam, com a sua intervenção
artística, ser transformado em material estético autónomo.716 Começaram a surgir em
exposições e catálogos de Arte Conceptual, conquistando, assim, a possibilidade da
fotografia ser exibida como um veículo de expressão artística autónoma, sendo aceite no
mundo da arte, enquanto tal.717 As suas obras estavam associadas à Arte Conceptual, sendo
englobadas na representação do objecto visível, que era uma abordagem que pertencia à
escultura.718

Os Becher são considerados os “mestres” dos minimalistas. Impressionados pelos


depósitos de água, fornos e outros objectos industriais, o tema do seu trabalho é a Indústria
pesada, desenvolvida em regiões industriais como a Alemanha e a Inglaterra. Apesar dos
complexos industriais poderem ser alvo de um tratamento paisagístico, os Becher
trabalharam esse referente através da fotografia, mais a um nível de “objecto” e não de
paisagem. O fotógrafo alemão, August Sander (1876-1964), constitui uma influência chave
para os Becher.719 Podemos observar numa série de fotografias de Sander em que o foco
está nas figuras humanas que estão a ser fotografadas e não no fundo da imagem em
questão. Apresentam uma individualidade que também veremos nas tipologias dos Becher.

Os objectos eram testemunhos de uma época, associados à economia industrial.


Para os Becher, estes objectos transmitiam a maneira de pensar da época em que foram

714 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,
2010, pp. 670-671.
715 Ibid., pp. 678-679.
716 Ibid., p. 674.
717 Ibid., p. 671.
718 Ibid., p. 674.
719 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 521.

185
construídos: encarnavam um certo “espírito do tempo”, ou de uma determinada
mentalidade. Para os artistas tratava-se de poder transportar estes objectos através da
fotografia, sendo reduzidos e transformados em imagens. Quando fotografavam os
objectos, sentiam o fascínio e o sentimentalismo; depois colocavam as imagens por ordem.
Faziam familiarizações/conjuntos formais; primeiramente reuniram as formas-base, e,
depois, entenderam que as formas incluiam variedades e variantes; assim criaram tipologias
de grupos de 9, 12 ou 15 tipologias, nas quais existia correspondência entre cada objecto no
sentido vertical, horizontal e diagonal, que concedia uma espécie de harmonia
composicional e estética à tipologia.720

Deste modo, os objectos estavam organizados por famílias de formas, em


sequências destinadas a realçar o modo como as formas tinham evoluído, em resposta a
diferentes necessidades e inovações tecnológicas. Estavam mais interessados em mostrar
como uma forma se relacionava com outra, abstraíndo-se da sua funcionalidade. Como
afirmou Hilla Becher, “só se vêem as diferenças entre os objectos quando eles se
encontram muito próximos, porque a maior parte das vezes elas são extremamente subtis.
Todos os objectos da mesma família se parecem uns com os outros, são semelhantes. Mas
também possuem uma individualidade muito especial.” 721 “Mostramos objectos de carácter
predominantemente instrumental, cujas formas são o resultado do cálculo e cujos
processos de desenvolvimento são opticamente evidentes. Trata-se em geral, de edifícios
cujo anonimato é tido como o seu estilo. As suas características particulares existem [...] por
causa da ausência de design.”722

Legitimadas no campo escultórico, as suas fotografias, a preto e branco, são


portadoras de um carácter escultórico, pela abstratização com que captam o referente e
retiram a profundidade e o carácter paisagístico. [Fig. 39] Por outras palavras, as suas séries
de fotografias de edifícios industriais, dos mais variados géneros, cruzam a fotografia com a
escultura.

Como já vimos, o âmbito do projecto dos Becher era o mundo industrial. Viam as
formas e estruturas nos complexos industriais, e selecionavam determinado local para
fotografar. Muitas vezes deslocavam-se várias vezes aos locais, até encontrarem as

720 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
721 BECHER, Hilla in LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips.

Porto : Museu Serralves, 2002, pp. 11-12.


722 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips. Porto : Museu

Serralves, 2002, p. 11.

186
condições metereológicas favoráveis, ou seja, esperavam por um dia de nevoeiro, para que
o fundo desaparecesse, visto que não queriam manipular as imagens.723 Rigorosamente
factuais, as imagens continham uma iluminação absolutamente neutra e um enquadramento
estereotipado; eram fotografadas a distâncias calculadas com precisão e com ângulos
fixos,724 centrando sempre o objecto fotografado.

Transformavam os referentes em imagens, eliminando a linha do horizonte, e


“arrancando” os elementos do espaço, porque, sem a linha, para além de se tornarem
objectos, ficariam mais valorizados e
destacados, contando com a margem
na fotografia em cima, em baixo e nos
lados. A objectividade no seu trabalho
é evidente, avaliando o modo de
fotografar segundo uma certa ordem,
tendo em conta valores de composição,
luz e enquadramento. Como já
afirmámos, criaram tipologias nas suas
instalações, que estabeleciam entre si
uma correspondência horizontal,
vertical ou diagonal, criando ritmo
visual. Repetiam os mesmos
elementos/referentes, alterando o
próprio ângulo da fotografia,
estabelecendo uma relação com o acto Fig.39 – Tipologias das Casas de Ripas – Bernd e Hilla Becher
1959-1974
de fotografar uma escultura ou Impressão a gelatina de prata, cada 40 x 31 cm, dispostas em 4
painéis de 148,3 x 108 cm.
elemento/referente escultórico, que Museum Ludwig, Alemanha.

carece de várias fotografias de


diversos pontos de vista. O seu método de fotografar consiste na espera do momento, ou
seja, da luz adequada, segundo as condições atmosféricas, já que não havia trabalho de
edição.725

723 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
724 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 671.
725 Ibid., p. 676.

187
Os tempos de exposição são relativamente longos; em primeiro lugar, pelo formato
que requer grande precisão na superfície da imagem, e, segundo, trabalhar quase sempre
com o céu encoberto, com muita pouca luz.726 A máquina capta o que não é empírico,
nomeadamente o resultado de um acto artístico intencional tendo em vista a
representação.727

Em suma, a sua imersão nas paisagens desvalorizadas, e tidas por inestéticas, da era
industrial, baseia-se no desejo de envolver o observador na mentalidade de uma
determinada época – a Era da produção industrial massiva.728 Os Becher tornaram o tempo
mais lento, queriam que não nos limitássemos a observar a singularidade de cada objecto,
mas, sim, que pegássemos neles, lhes tomássemos o seu peso para, através deles, sentirmos
o próprio peso do tempo.729 O seu trabalho quebrou com as regras da fotografia,
caracterizado por um conjunto de elementos num plano, e podia englobar pessoas e
paisagem. O objectivo do trabalho era eliminar a profundidade, a noção de paisagem e,
sobretudo, de escala dos objectos. Todo o seu processo constitui uma obra de paciente
construção, nomeadamente na transformação de elementos arquitectónicos, e objectos
industriais, em elementos escultóricos, em oposição à obra de Smithson que pressupõe a
desconstrução.

Este tipo de projecto fotográfico continuou a preocupar os Becher, e foi marcado,


desde o início, por uma dialética particular: a luta entre, por um lado, uma vontade quase
obsessiva por um registo exaustivo, um desejo de registar a tipologia de arquitectura
industrial e, por outro, um profundo sentimento de perda, a visão melancólica que o
desaparecimento espacial e temporal daqueles objectos suscita. 730 Outra qualidade que
colocou os Becher no contexto não só do minimalismo, mas também, do conceptualismo
foi a conversão das estruturas materiais em escultura através da fotografia, particularmente
nos alinhamentos em série.731 Os Becher no contexto da estética minimalista, e pós-
minimalista, deram ênfase à repetição e à serialidade, o que despertou a atenção de Carl

726 KLEIN, William – Provas de Contacto [Registo Vídeo]. Lisboa : Midas Filmes, 2009. 3 DVD (15:00
min.).
727 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] – Arte do Século XX. [s.l.] : Taschen,

2010, p. 676.
728 LINGWOOD, James - Bernd & Hilla Becher/ Robert Smithson: Field Trips, p. 12.
729 Ibid., p. 17.
730 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 521.


731 Ibid., p. 524.

188
Andre, gerando a recepção minimalista do seu trabalho e sua canonização no contexto do
minimalismo e da escultura pós-minimalista.732

FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
732

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 523.

189
CAPÍTULO 4 - A ACÇÃO NO SÉCULO XX

A acção no século XX

A dependência do teatro fez com que se rompesse com as tradições do Classicismo


ainda enraizadas no século XX, no Futurismo, no Construtivismo e nas suas extensões
tecnológicas. Nos anos de 1960 ficou evidenciado que a teatralidade e a actuação poderiam
produzir uma divisão operacional entre o objecto escultural e as pré-concepções acerca do
conhecimento que o observador poderia ter do objecto, e de si mesmo. 733 Ao tentar
descobrir a essência da escultura, utilizou-se do teatro e a sua relação com o contexto do
observador como uma ferramenta para destruir, investigar e reconstruir.734

A figura humana re-emerge como assunto, na década de 1980, expandida a várias


possibilidades.735 A acção tornou-se o núcleo da criação artística, evidenciada em várias
vanguardas e abordagens artísticas do século XX. Foram rejeitadas as concepções
anteriores, e adoptados os novos media, como a fotografia e o vídeo enquanto ferramentas
criativas e modos de comunicação no território digital: “Os futuristas foram os primeiros a
reconhecer o atraso das artes relativamente às alterações científicas e tecnológicas que
tinham afectado a vida contemporânea”736. Em 1933, Marinetti e Pino Masnata (1901-1968)
escreveram no Manifesto Futurista que a televisão era “a síntese perfeita dos sonhos
sinestésicos”, e a rádio como sendo simplesmente um estado transitório no processo. A
televisão significava ver as imagens em movimento, cujo factor se expandiu ao mundo da
arte.

Marcel Duchamp considerou a exibição da Fonte, em 1917, um veículo de ideias no


qual um urinol é invertido, assinado e colocado numa galeria, potenciando uma
descontextualização do objecto artístico. Desmaterializou a obra sendo que a escultura
passa a ter como base de compreensibilidade o seu conceito,737 não possuíndo valores
plásticos hegemónicos, converte-se num mero instrumento de desencadeamento de ideias,
a partir do momento em que o objecto é considerado arte. Toda esta questão da
desmaterialização do objecto foca-se somente no gesto de Duchamp, algo tão leve que

733 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 288.
734 Ibid., p. 289.
735 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 259.
736 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 577.


737 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1015.

190
contrasta com o peso real do objecto. Os Dadaístas surgiram em Zurique, durante os anos
da I Guerra Mundial (1914 – 1918), e deram voz a um protesto “anti-arte”, e non sense,
transferindo as suas actividades artísticas dos estúdios para as editoras e para o palco.
Entraram na arena pública com textos provocatórios, caricaturas irónicas, slogans e pseudo-
anúncios em jornais que eles próprios publicavam. Em contraposição à censura, vendiam
estas publicações que incluiam elementos teatrais, poéticos e de acção nas suas exposições.
Muitos artistas desistiram de pintar para trabalhar na “produção de arte”, utilizando a
fotografia, tipografia e os filmes.

Em 1919, László Moholy-Nagy, professor da Bauhaus - uma escola de Arte,


Arquitectura e Design na Alemanha, dedicou-se a uma exploração exaustiva dos novos
materiais, media e métodos da época. Debatia-se sobre cinema, óptica, mecânica, projecção
e movimento, e a substituição do carácter estático da pintura pelo dinamismo do filme,
centrando-se na teoria e na prática da arte em movimento. Alguns trabalhos tinham uma
dimensão teatral e os artistas um sentimento de si mesmos como actor, como agentes de
movimento.738 A teatralidade é um termo de sentido amplo, que se pode vincular tanto à
arte cinética como à arte das luzes, à escultura ambiental e aos quadros vivos, além de
caracterizar as artes performativas mais explícitas, como os happenings. Este termo foi
condenado na escultura moderna por Michael Fried, como vimos no contexto do
Minimalismo. Os protótipos da escultura “teatral” do início do século XX centravam-se na
arte das luzes, que surgiu nas considerações acerca do espaço cénico. O acessório de Luz
de Noholy-Nagy, de 1930, instalado num palco, era composto de luz e sombra. Os artistas
criaram trabalhos destinados ao palco e ligados aos desenvolvimentos temporais e
dramáticos sobre esse palco, e consideravam a luz como energia.739 Neste contexto, a luz
foi utilizada como meio de expressão da escultura;740 o acessório de luz era uma espécie de
robot, e o lugar que ocupava no palco era o de um actor mecânico. Era herdeiro de uma
tradição de um impulso mimético de imitar uma criatura viva, mais especificamente
reproduzir a sua animação. Aliás, desde os primórdios, a ambição fundamental da escultura
é ser uma réplica da vida, sendo que representaram fielmente as figuras humanas estáticas
até romperem essa imobilidade.741 O espectador é incorporado fisicamente no espectáculo.
Os mobiles de Calder são um exemplo,742 pois representavam uma inovação na escultura,

738 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 244.
739 Ibid., p. 247.
740 Ibid., p. 248.
741 Ibid., pp. 250-251.
742 Ibid., p. 255.

191
neste caso, o movimento real e físico que se sustentou nas bases da engenharia, mas que
contava sempre com a acção do espectador sobre o mobile.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a superação da noção de que a arte
deveria ter uma relação muito próxima da realidade deu lugar à autonomia da arte, encarada
como uma liberdade pessoal, desiderato que foi levado ao extremo na Action Painting. No
auge da arte informal, Jackson Polock (1912 – 1956), registava com tintas o desenho
corporal da sua acção em torno da tela. O termo Action Painting qualifica a técnica pictórica
e uma corrente artística associada ao movimento do Expressionismo Abstracto,
desenvolvido desde os inícios da década de 1940, nos Estados Unidos da América e na
Europa, onde também se tornou conhecido por Informalismo. Designada como pintura
gestualista, tem as suas origens mais directas no movimento surrealista e no desenho
automático, e aplica-se à preferência pela pintura através do dripping - técnica que consistia
em deixar pingar a tinta sobre uma tela, geralmente de grandes dimensões, colocada sobre
o chão. A pintura, sempre abstracta, realiza-se através da acção e do gesto, que adquire um
carácter coreográfico. Esta acção livre, espontânea e sem obstáculos intelectuais, era o foco
primordial do seu processo artístico.743 O gesto espontâneo do artista expressa o seu estado
emocional no momento da concepção, no qual o artista e a obra, corpo e matéria se
fundem num só corpo, o que enaltece não uma morfolofogia, mas uma intervenção que foi
documentada num vídeo. Jackson Pollock’51 regista o processo criativo de Pollock, dando a
conhecer o que acontecia para além da tela pintada, apresentada ao público, que não
pressupunha estudos prévios, constituindo um processo espontâneo.

Pollock estendia a tela no chão, onde poderia aceder-lhe por todos os lados,
deixando pingar a tinta sob a tela. Maioritamente utilizava um pau ou uma faca para pingar
a tinta do ar, sem tocar na tela com as mãos, diminuíndo significativamente o uso do
pincel. Na mão segurava uma lata de tinta e avançava para a tela atirando ou pingando tinta
para a superfície horizontal. A aplicação da tinta era ponderada, pressupondo um
conhecimento do grau de viscosidade, da espessura, da textura, bem como no controlo do
movimento do dripping. Os movimentos de “dança” que Pollock fazia durante o processo
de pintura foram descritos como sendo animadores de um fluxo livre de imagens
inconscientes e da sua comunicação imediata com a tela. Deste modo, Pollock ultrapassou

743 DAVIES, Penelope J. E. [et.al.] - A Nova História da Arte de Janson: a tradição ocidental.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 1071.

192
a fronteira entre espaço pictórico e espaço real, visto que estes dois estavam em diálogo
directo. Segundo Pollock, o seu objectivo era exprimir os tempos em que vivia:

“Parece-me que o pintor moderno não pode exprimir esta era, o avião, a bomba
atómica, a rádio, com a velha forma renascentista, nem com outra cultura passada. Cada era
encontra a sua própria técnica. […] O artista moderno, parece-me, está a trabalhar e a exprimir
um mundo interior – por outras palavras – a exprimir a energia, o impulso e outras forças
interiores […] O artista moderno trabalha com o tempo e o espaço, e exprime os seus
sentimentos, mais do que os ilustra.” 744

Nos anos 50, John Cage (1912-1992), nos Estados Unidos, desenvolveu
experiências que conjugavam várias expressões artísticas, desde o teatro à dança, da música
ao vídeo, à fotografia, entre outros, abarcando novos territórios de pesquisa e de
experimentação. O compositor organizava sons e eventos teatrais multi-sensoriais,
tornando-se numa figura dominante no despontar de várias formas de arte. Foi considerada
a fonte das muitas “artes da acção”745, conhecidas como Happenings e Fluxus. Cage exprimiu
as suas concepções musicais num manifesto intitulado O futuro da música, e baseava-se na
ideia de que “onde quer que estejamos, o que ouvimos é basicamente ruído, seja o som de
um camião a 80km/h, da chuva, ou da estática entre estações de rádio. Cage pretendia
apreender e controlar esses sons,e usá-los. As pessoas chamam-lhe barulho, Cage chamava-
lhe música.746 A sua obra silenciosa intitulada 4’33, consiste numa peça em 3 movimentos
em que nenhum som é produzido intencionalmente, abandonando totalmente a
intervenção do músico: estava um músico sentado a um piano que ia mexendo os dedos e
os braços, mas não era emitido nenhum som e as pessoas poderiam apreender que aquilo
era “música”. O som preferido de Cage era o que ouvimos sempre, se estivermos em
silêncio.747 Esta abordagem já expressava as linhas directoras de um acontecimento que tem
como base a acção e a presença do público.

A influência de Cage expandiu-se a um ambiente musical vanguardista, que teve


influência no movimento Fluxus, o qual resistiu à sua própria definição, não sendo pintura,
nem escultura, nem teatro, literatura, filme ou música. Oficialmente nasceu em Wiesbaden,
na Alemanha, e desenvolveu actividades em galerias, pequenos teatros, ruas e praças. Não
era um movimento, mas um fenómeno que surgiu a nível internacional.748 Abriu fronteiras

744 Jackson Pollock Cit. por EMMERLING, Leonhard - Pollock, Colónia [etc.] : TASCHEN
PÚBLICO,2003 p. 22.
745 RUHRBERG, Karl ; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 583.


746 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 156.
747 Ibid., p. 158.
748 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 585.

193
à música, dança, happening e a certas actuações pessoais que anteciparam a performance.
Oferecia concertos compostos por sequências de acústica simples, e autocontida, assim
como actos visuais apelidados de eventos, ou actividades. Podiam ser apresentados, com ou
sem os seus produtores e, maioritariamente, perante uma audiência. Alguns eventos eram
humorísticos e espirituosos, outros, chocantes, mas, sobretudo, espontâneos, pela sua
dependência dos participantes e dos materiais, presentes e ausentes. O Fluxus passou a ser
demasiado abrangente, e indefinido, para se poder localizar num sector da História da Arte.
Como afirmou Emmett Williams, o Fluxus ainda não foi inventado, talvez pela
impossibilidade de registar um fenómeno que é um “estado de alma”.

Allan Kaprow (1927-2006), discípulo de Cage, e inventor do happening, desenvolveu


o conceito de Cage de experiências ao vivo (arte ao vivo) e de percepção, de tal modo que a
realidade penetrava na arte, de uma forma que procurava englobar a totalidade da vida. Nos
seus projectos conciliava dança, música e linguagem, escultura e pintura, nos quais o
público e o artista tinham uma participação de grau semelhante. Mais do que criar
elementos palpáveis, os Happenings produziam efeitos duradouros e experiências no espírito
dos participantes, sendo que o público fazia parte dos happenings.749

Kaprow conceptualizou o happening em 1959, e era um evento que só podia ser


apresentado uma única vez.750 O happening vem da assemblage e da collage, e colhe também a
influência de Yves Klein (1928-1962), na relação do corpo com a matéria, e do corpo com
o papel. A concepção da pintura tradicional, em si, já não bastava, e um exemplo deste
facto é Antropometrias, de 1960, da autoria de Klein, em que o corpo humano é utilizado
como pincel.751 A própria acção de Lucio Fontana (1899-1968) também revelou uma
predominância no gesto, quando fez cortes na tela com uma faca. O happening parecia ser
um acontecimento que muitas vezes podia estar relacionado com a body art, isto é, quando o
corpo era utilizado como meio. O dicionário refere o happening como uma palavra que
pertence ao domínio do teatro.752 Neste sentido, Kaprow inscreveu o happening na história
da arte e do teatro, embora seja um género heterogéneo e multidisciplinar.753 Sem nunca
alcançar uma homogeneidade, o happening foi uma actividade de tendência libertária,

749 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 162.
750 Ibid., p. 166.
751 BLISTÈNE, Bernard - What’s happening, man? in BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro sem Teatro.

Lisboa : Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, 2007, p. 37.


752 BORJA-VILLEL, Manuel J. - Um Teatro sem Teatro. Lisboa : Fundação de Arte Moderna e

Contemporânea, 2007, p. 296.


753 Ibid., p. 297.

194
segundo Jean Jacques Lebel. 754 No entanto, todas as definições de happening são parciais e
redutoras. Ao contrário do que acontece no teatro, os participantes do happening não eram
designados para uma função, seja a de autor… no caso do autor, encenador, actor,
cenógrafo, mas actuavam segundo uma relação apaixonada, a partir de um projecto
elaborado e realizado de forma colectiva; deste modo, eram convidados todos os
interessados que quisessem participar.755

Entre 1958 e 1960, em Nova Iorque, a expansão da performance e do happening foi


756
rápida. A performance desenvolveu-se tal como o happening, enquanto tipologias
inteiramente ligadas e, muitas vezes, intersectadas. O happening é descrito como um
acontecimento, e a performance como um desempenho, mas ambos pressupõem a presença
do corpo e uma acção. Desde o início, a dimensão teatral parece estar inserida no momento
em que se executa a acção gerada a partir de uma ideia original; a acção é, em si, teatral,
porque está a ser representada, e apresentada intencionalmente, pressupondo uma
encenação, uma preparação. No fundo, eram um teatro sem teatro. Definimos o “teatro sem
teatro” como uma forma de teatralidade pura, uma modalidade da presença dos corpos
desligada do dispositivo da representação. Por outro lado, há teatro a partir do momento
em que há exposição pública – com palco ou sem ele – de uma combinação de corpos e
linguagens. O teatro engloba vários factores, como o vestuário, os figurinos, o cenário, o
palco, a música e as luzes, e é neste conjunto de elementos que passa a ideia-teatro.757

O teatro é uma forma artística de uma ligação imediata entre a forma temporal (o
presente) e a forma espacial (a presença num lugar de um público). Esta noção de
participação (do espectador) junta-se a um tema na história das vanguardas: a ideia de uma
arte que já não se apresentaria como arte, mas que manteria com a vida uma relação de
continuidade, ganhando uma capacidade de intervenção activa. Apagar as fronteiras entre
as artes, para apagar mais fundamentalmente as fronteiras entre a arte e a vida: é a isto que
a performance aspira, quando coloca no cerne do acto artístico a presença física do performer e
o próprio processo da performance, apreendido no prolongamento da experiência comum.758

754 BLISTÈNE, Bernard - What’s happening, man? in BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro sem Teatro.
Lisboa : Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, 2007, p. 41.
755 Ibid., p. 39.
756 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 100.
757 BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro da Operação: Uma Conversa entre Alain Badiou e Elie During in

BORJA-VILLEL, Manuel J. – Um Teatro sem Teatro. Lisboa : Fundação de Arte Moderna e


Contemporânea, 2007, p. 22.
758 Ibid., p. 25.

195
Por outro lado, o espaço vazio, noção criada por Peter Brook, ganha um estatuto de
forma teatral, e está relacionado com as acções dos happenings e das performances. O espaço
vazio é relacionado com um espaço de possibilidades, com um palco “nú”, em que é
necessário apenas um actor e um espectador para que um acto de teatro aconteça; é como
se o teatro fosse a extensão da sala.759 Não existe cenário, apenas existe acção; o espaço é
vazio, é um espaço para o imaginário. A vacuidade pode conter tudo, e só no vazio, o
movimento se torna possível. Deste modo, as acções num espaço vazio podem ser
pensadas enquanto conjunto de imagens dominadas pela improvisação, que se tornou o
método principal de criação artística, apesar de conter sempre um cariz conceptual. O
objectivo era negar as convenções e explorar o jogo entre o espectador e o actor; já não
existia uma actuação com um texto estudado ou decorado, do início ao fim, mas, sim, uma
actuação improvisada, o que fez com que também o actor fosse vazio: vazio de conteúdos
específicos, e cheio de sentimentos, sobrevalorizando os sentidos, tornando um espaço de
sensações que contrasta com a Arte Conceptual, Minimal ou a Land Art.

No entanto, na Arte Minimal foi evidenciada a teatralidade que existia nas


instalações e no contexto dos objectos. Para Fried, a distinção entre a escultura e o teatro é
o conceito de tempo; trata-se da fusão da experiência temporal da escultura com o tempo
real, que impulsiona as artes plásticas em direcção à modalidade teatral. Os artistas
interessaram-se tanto pelo teatro, como pela experiência estendida no tempo. Sem actuar
num contexto especificamente teatral, as esculturas minimalistas destinavam-se a teatralizar
o espaço em que eram expostas760, e sobretudo em teatralizar a experiência do espectador,
através da organização espacial dos objectos.

Na Land Art, Robert Smithson com a dialéctica site/nonsite parece ter uma ligação
com essa relação “encenada”. A acção passa-se em tempo real, no site, e o espectador
“presencia” o nonsite na galeria, que lhe dá uma noção da “acção” no site, o qual através dos
elementos retirados do local, e da apresentação da mesma em fotografias ou vídeo. Isto é,
existia uma relação com o “não-local”, onde existia a acção, ou intervenção do artista, e o
local da galeria. Existia sempre um deslocamento (imaginário e produzido pelo espectador)
da acção que ocorreu num espaço para outro, sendo que a acção era a geradora da
intervenção artística.

759 BROOK, Peter – Cit. por ELIAS, Larissa – Sobre as Formações Conceituais do Espaço Vazio de
Peter Brook. Rio de Janeiro : Escola de Belas Artes, 2012, p. 10.
760 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 244.

196
Em suma, a acção apresentada nas performances e happenings estava ligada ao contexto
do teatro, e tornou-se o foco principal da produção artística. Os termos teatro sem teatro e o
espaço vazio acabam por indicar que a modalidade teatral, inserida nas modalidades da acção,
contempla a representação e a acção, mas não no sentido literal que o teatro requeria, como
a memorização dos textos, o tratamento da sala do espectáculo (cenografia), os ensaios, etc.

Por outro lado, podemos confirmar que o próprio jogo mental dos readymades de
Duchamp e da Arte Conceptual era teatral, visto que existia uma preparação objectual para
um determinado efeito e finalidade, que se centrava na ideia.761 A ideia continua a existir,
como sempre existiu, sendo que está sempre presente um conteúdo nas produções
artísticas. O processo do artista mudou; agora é maioritaria e significativamente produzido
em tempo real, não precedendo doravante a experiência do espectador.762

Até então, as tipologias artísticas, muito bem definidas e até separadas, passaram a
conviver num elevado grau de aproximação, no qual o ponto em comum passa a ser a
produção e a acção que eram potenciadoras da criação artística. As artes visuais
relacionadas agora com a dança, a música, a literatura, o teatro, perderam a pureza das
disciplinas artísticas; como dizia Clement Greenberg – a importância da pintura ser
pictórica e da escultura ser escultórica – deixou de apresentar essa nitidez.

A relação entre o espectador e o objecto tinha mudado. Aliás, o objecto deixou de


ser o registo material da arte, passando a acção a ser o foco, por meio das fotografias e do
vídeo que documentavam as intervenções. O mesmo acontecera com a Land Art, em que
os meios audiovisuais são cruciais para o espectador experienciar a acção realizada, e para o
artista fazer chegar o seu processo às galerias, sendo que o espectador deixou de
“presenciar” a intervenção ao vivo, em tempo real. No contexto artístico, é de evidenciar
que o espectador é essencial, visto que não se apresenta um “conteúdo” sem a presença do
público, ou seja, sem público não há partilha desse conteúdo. No caso da performance, ou do
happening, um determinado número de espectadores pode visualizar a acção em tempo real,
mas para todos os restantes, que não assistiram, o vídeo ou a fotografia poderão constituir
os meios de apresentação. No limite, poderíamos afirmar que tudo se tornou leve, o
objecto desmaterializou-se em imagem, em acção, em imagens em movimento.

761 FALGUIÈRES, Patricia - Playground in BORJA-VILLEL,Manuel J. - Um Teatro sem Teatro. Lisboa :


Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, 2007, p. 32.
762 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 276.

197
As modalidades da acção

A ideia de que a arte é o acto de fazer, não o objecto realizado, constitui uma das
tendências emergentes no século XX. Os artistas parecem ter-se apercebido de que o
mundo é uma obra de arte, interligando a vida e a arte de um modo directo.763

A realização de um objecto deixou de ser contemplada pela acção como catalisador


e centro destas intervenções artísticas. Ao longo da Pós-Modernidade, o conceito de arte
sofreu um processo de metamorfose através destes processos e propostas artísticas, que
contemplam e reavaliam o seu contexto e essência, nas quais o apelo ao corpo, como meio
expressivo (objecto das intervenções), explora conceitos como body art, happening ou
performance, em que o processo se direcciona para o corpo e a partir do corpo.

Na body art, o artista recorre ao corpo como suporte e referência da sua intervenção,
na qual é reduzido à essência da obra plástica. Surge a partir da década de 1960, e deriva do
esquematismo herdado do teatro e da dança, assumindo-se na cultura contemporânea
como um processo crítico
do artista relativamente à
sociedade, que neste
contexto pode qualificar-se
como passivo e/ou activo.
Decorre em tempo real, na
presença do espectador,
assumindo, no entanto, um
carácter efémero, exigindo
que a sua apresentação
posterior a outro público,
Fig.40 – Antropometrias – Yves Klein
1960 se documenta por meio da
Tinta, papel e corpo.
Galeria Internacional de Arte Contemporânea, Paris. fotografia ou do vídeo.
Além de Duchamp, pode ser considerado precursor da body art o francês Yves Klein, que
nas já citadas Antropometrias, de 1960, realizada na Galeria de Arte Contemporânea, em
Paris, utilizou, durante uma cerimónia solene e perante uma audiência de convidados e
acompanhada por uma orquestra, três corpos femininos cobertos de tinta azul,
metaforizados em pincéis “vivos”. [Fig. 40] Os corpos, em movimento constante, quando

763 KAPROW, Allan - La Educación del des-artista. Madrid : Árdora Ediciones, 2007, p. 106.

198
tocavam no papel que estava no chão deixam a sua marca corporal. Segundo Klein, o
objectivo era levar ao extremo a Action Painting de Jackson Pollock.764 Algo tão leve como o
gesto do corpo tornou-se o meio de expressão que possibilita posteriormente as
significações do espectador.765

As demonstrações que se centravam no corpo do artista, enquanto material,


tornaram-se conhecidas como body art. Também qualquer outra intervenção que seja
centrada exclusivamente no corpo, não necessariamente do artista, é considerada body art.

O happening é uma manifestação artística que se caracteriza pelo acontecimento;


consiste numa representação teatral, improvisada ou encenada, integrando a envolvente e o
próprio espectador na acção. A obra física e o acto criativo são deteriorados pela obra
plástica, que se desenvolve na presença de um público, sem que o artista recorra a outros
meios que não sejam o seu próprio corpo e o espaço onde se desenvolve a acção.
Priveligiando a gestualidade, gere uma sucessão de acontecimentos, desprovidos de
qualquer narrativa, que estimulam o envolvimento do público, a partir da personalidade do
artista através do seu corpo, dos seus gestos, das suas atitudes e comportamentos
expressivos. Todavia, quando a intervenção se centra no seu próprio corpo, estamos na
presença de body art. Desprovidos de qualquer narrativa, estrutura ou suspanse, o happening
actua pela criação de uma rede assimétrica de surpresas, sem climax ou consumação: trata-
se da lógica dos sonhos, e não da lógica que predomina na arte, visto que os sonhos são
desprovidos de um sentido de tempo, o mesmo acontecendo com os happenings.766

O happening foi aliado a uma tradição da dança, que se desenvolvia simultaneamente,


a partir das coreografias de Merce Cunningham (1919-2009)767, as quais apresentava um
carácter experimental e vanguardista. Para Cunningham, a dança tornou-se aparentemente
um movimento natural, sem finalidade específica, em que não se buscava um
encadeamento lógico de movimentos, mas se exploravam os elementos fornecidos pelo
acaso.

Como afirma Susan Sontag (1933-2004), as três características do happening são:


primeiro, o tratamento suprapessoal ou impessoal das pessoas; segundo, a ênfase no
espectáculo e no som, com um desdém pela palavra;e o terceiro, o objectivo de

764 GLUSBERG, Jorge - El arte de la performance. Argentina : ediciones de arte gaglianone, 1987, p. 31.
765 JONES, Amelia, STEPHENSON, Andrew - Performing the body: Performing the text. London :
Routledge, 1999, p. 178.
766 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 280.
767 Ibid., p. 282.

199
surpreender o espectador.768 Neste sentido, os happenings evitaram conscientemente
materiais e procedimentos identificados com a arte (tradicional), incluíndo a experiência e a
duração como parte do seu formato estético.

Por sua vez, a performance contempla um momento de acção, protagonizada pelo


artista, que contribuiu para alargar o âmbito do happening, para além de ter sido uma reacção
à Arte Conceptual. 769 Do latim “per-formare”770, designa a corrente surgida nos princípios da
década de 1970. A etimologia da palavra significa desempenho e engloba actuação, acção,
representação teatral e espectáculo, abrangendo duas vertentes: a presença física, e a
estética do espectáculo. Alargou o seu âmbito de intervenção a outras áreas, como a
pintura, a escultura, o vídeo, o cinema, entre outros. O corpo é apresentado como um
atributo plástico e um elemento indiscutível da criação, abordando disciplinas como a
teoria da gestualidade. O discurso do corpo utilizado nestes parâmetros contraria as
convenções tradicionais, visto que o artista desenvolve uma prática mental e física para a
sua realização,771 sem contar com um objecto final, no sentido tridimensional.

Os artistas trabalhavam o corpo enquanto objecto, manipulando-o como o fariam


com uma escultura ou um poema, outros desenvolviam performances mais estruturadas, que
exploravam o corpo enquanto elemento no espaço,772 mas eram sempre apresentações ao
vivo, que decorriam em tempo real, apesar de posteriormente poderem ser apresentados
através do vídeo.

A prática da performance devém do Futurismo, quando Marinetti proclamava os


ideais do manifesto futurista no teatro. O estilo da apresentação não era revolucionário,
visto que a peça já tinha sido publicada anos antes, mas deixava antever o tipo de
performances que posteriormente viriam a dar fama ao Futurismo.773 Incluía música, e a
metalicidade da dança futurista, produzida por figurinos mecânicos.774A obra de Marinetti
instituiu a “declamação” como uma nova forma de teatro, a qual se tornou um marco

768 KRAUSS, Rosalind - Os Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo : Martins Fontes, 2001, p. 277.
769 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 195.
770 GLUSBERG, Jorge - El arte de la performance. Argentina : ediciones de arte gaglianone, 1987, p. 58.
771 Ibid., pp. 40-41.
772 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 203.
773 Ibid., p. 17.
774 Ibid., p. 29.

200
futurista.775 Os futuristas voltaram-se para a performance como o meio mais directo de
“obrigar” o público a conhecer e a participar das suas ideias.776

Por sua vez, no movimento Dada, as performances em Munique eram provocatórias, e


relacionadas muitas vezes com a sexualidade, sendo consideradas, muitas vezes, uma
ameaça à moral pública777, expandindo-se depois a Zurique, Berlim, Nova Iorque e
Barcelona.778

A primeira performance, em Paris, foi recebida com entusiasmo, visto que, se


apresentava como um símbolo de modernidade, e era algo que os parisienses adoravam. 779
Ademais, a passagem dos sonhos para actos e palavras, nas performances surrealistas, foi de
encontro às pesquisas da época por Freud.780 Na escola da Bauhaus, foi criado o primeiro
curso de artes performativas como oficina de teatro.781 Como Schreyer dizia, “o trabalho no
palco é uma obra de arte”, o que possilitou a extensão do teatro expressionista praticado
em Munique e Berlim;782 cor, forma, natureza e arte, homem e máquina, acústica e
mecânica eram as vertentes exploradas nas performances e na criação dos figurinos, que eram
apresentados em festas exuberantes.783 Deste modo, a figura humana se metamorfoseou em
objecto mecânico, nos ballets mecânicos, que uniam figurino e dança; eram uma espécie de
marionetas humanas,784 que despontaram o Ballet triádico de Oscar Schlemmer (1888-
1943).

Quanto às características da performance, podia ser realizada a solo ou em grupo, com


iluminação, música ou elementos visuais, e era apresentada em galerias de arte, museus,
“espaços alternativos”, como teatros, bares, cafés, ou na rua. Ao contrário do que acontece
no teatro, o performer é o artista, quase nunca uma personagem, como acontece com os
actores, e o conteúdo raramente segue um enredo ou narrativa segundo os moldes
tradicionais. A performance pode durar apenas alguns minutos ou várias horas, e pode ser

775 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 18.
776 Ibid., p. 20.
777 Ibid., p. 63.
778 Ibid., p. 63.
779 Ibid., p. 97.
780 Ibid., p. 114.
781 Ibid., p.125.
782 Ibid., p.126.
783 Ibid., p. 128.
784 Ibid., p. 136.

201
apresentada uma única vez, ou várias vezes, e seguir, ou não, um guião, por isso, tanto
pode ser improvisada, ou ensaiada durante vários meses.785

No que diz respeito ao registo material, que documenta a concretização da


performance, a fotografia e o vídeo são os mais priveligiados. Não são mais do que uma
desmaterialização de algo, que existiu, e que, através desses meios, é dada a conhecer a
diversos públicos, que não estiveram presentes no acto performativo.

A utilização do vídeo tornou possível realizar esta prática sem a limitação de tempo
e de lugar ou mesmo sem uma assistência, pelo que foi possível trabalhar os processos de
espaço/corpo, concebendo performances apenas para a câmara.786 A partir de 1968, o corpo
também passou a ser usado como escultura, encenando-se sequências de movimentos para
vídeos. Richard Serra, inspirado pelos movimentos experimentais dirigidos pela bailarina
Yvone Rainer (1934), fez uma série de filmes, como já referido no capítulo anterior.

Considerado o expoente desta tendência, Joseph Beuys (1921-1986), um artista


alemão que assumiu uma atitude de escultor, desempenhou um papel fundamental no
desenvolvimento da atmosfera artística, imbuíndo a sua arte de valores espirituais, à
semelhança dos expressionistas alemães do início do século XX. A sua obra escultórica
assenta sobre uma morfologia contemporânea, através da utilização de materiais insólitos e
elementos pouco ortodoxos nas suas performances, subvertendo-lhes o sentido, e associando-
os a conceitos, ideias e valores enraizados numa concepção mistérica e xamânica da vida.

A acção performativa na Escultura

O discuso do corpo utilizado nestes parâmetros performativos contraria as


convenções tradicionais, sendo que a relação entre arte e corpo implica o contacto directo
entre artista e espectador e, sobretudo, a sua divulgação por meio do vídeo ou fotografia,
visto que não se produz uma escultura, uma pintura ou outro tipo de objecto.

A origem da performance está ligada aos movimentos de vanguarda do início do


século XX: o Dadaísmo, Futurismo, entre outros já referidos anteriormente, assim como a
Bauhaus. Difere do happening por ser mais elaborada, e não envolver necessariamente a
participação dos espectadores. Uma performance “acontece” num determinado local, a

GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 9.


785
786RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :
Taschen, 2010, p. 602.

202
determinada hora, e é um acto único que, como sabemos, poderá ser depois apresentada
através de vídeo.

Uma das primeiras apresentações do movimento performativo, na década de 1960,


foi realizada pelo grupo Fluxus, através de Joseph Beuys; na sua obra escultórica, os
materiais eram empilhados com um sentido autobiográfico, histórico e mítico. Beuys
nasceu em Kleve e estudou na Academia de Dusseldorf em 1947. Tal como Yves Klein,
pensa que a ideia da arte é como um campo de energia, sendo os objectos de arte símbolos
dessa energia.787

Beuys acreditava na possibilidade da arte transformar a vida quotidiana das pessoas,


sentindo a necessidade de revolucionar o pensamento humano, sendo que essa revolução
acontecia no interior do ser humano.788

A obra de Beuys é sobre a transformação, é fortemente simbólica, e é fundamental


que o seu simbolismo decorra diretamente dele, enquanto indivíduo, particularmente num
mundo materialista, e socialmente dividido, que, como observou, tinha perdido o contacto
com a natureza, com a história e com as fontes da sua cultura, num país que foi marcado
pelo mal do Nacional Socialismo; foi neste sentido que Beuys escolheu o caminho de
“representar” a restituição e a cura.789 Deste modo, o Simbolismo no seu trabalho é como
um processo de cura homeopática.790 Por isso, os materiais utilizados nas suas esculturas
são símbolos da conservação da vida, em que a realidade e a metáfora estão unidas num só
objecto.791

Como já referido, utilizava nas suas esculturas ou nas suas performances, materiais
metafóricos. A utilização de materiais, como por exemplo, o feltro e a gordura animal,
devem-se ao facto do artista ter sido salvo por um grupo de Tártaros nómadas, que o
cobriram desses mesmos materiais, após um acidente de avião, em 1943, na Crimeia. Deste
modo, tornaram-se materiais de eleição na escultura de Beuys.792

787 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 139.
788 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 187.
789 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 141.
790 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 485.


791 RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGUER, Manfred [et.al.] - Arte do Século XX. Vol.2. [s.l.] :

Taschen, 2010, p. 554.


792 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 480.

203
A utilização desses materiais, em Fat Chair, é um exemplo notório. Consiste numa
cadeira de madeira, descontextualizada do seu contexto inicial (quotidiano), coberta com
gordura na zona do assento. [Fig. 41] A escultura estabelece uma relação com o corpo, pelo
facto de ser uma cadeira, uma peça de mobiliário que tem uma utilidade para o corpo, e
também porque como o próprio Beuys afirmou, as partes da anatomia humana mais
próximas da cadeira estão relacionadas com a digestão, excreção, e sexualidade, que são
representados pela gordura que sofreu uma transformação de forma e substância.793

A obra de Kosuth, Uma e Três Cadeiras, contém o mesmo elemento formal, a


cadeira, embora o trabalho de Kosuth seja racionalista e absolutamente ligado aos jogos de
linguagem e ao conceptualismo, ao contrário da cadeira de Beuys, que nos dá informações
visuais de um acontecimento real da própria vida do artista. O modo de exposição de
Kosuth parece colocar a escultura no lugar da pintura, encostada à parede, apenas para
olhar e pensar. Já no caso de Beuys, a cadeira pode ser acedida de todos os lados e, graças
ao seu enquadramento espacial, permite uma
relação de proximidade com o espectador, para
além das suas outras esculturas estarem inseridas
no contexto da instalação.

O trabalho de Beuys é sempre simbólico,


ou seja, existe uma simbologia adjacente aos
materiais e formas das esculturas. Neste caso,
como já vimos, esta escultura enquadra-se num
episódio da sua vida, em que foi salvo pelo grupo
de Tártaros, através da colocação de gordura
animal no seu corpo. Por outro lado, Beuys
forneceu um modelo do artista como activista
ambiental, afirmando uma concepção da natureza
Fig.41 –Fat Chair – Joseph Beuys
como um sistema vivo do qual fazemos parte, e 1964
Madeira, gordura e metal; 47 x 42 x 100 cm.
que podemos modificar, para melhor ou para Hessisches Landesmuseum, Alemanha.

pior, com as nossas acções;794 Beuys, ao utilizar a


cadeira, utilizou um objecto já produzido, feito de um material inserido no contexto
quotidiano de funcionalidade, presente na vida de todas as pessoas. O mesmo acontece

CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 140.
793

BEARDSLEY, John - Earthworks and Beyond: contemporany art in the landscape. 4ªed.New York:
794

Abbeville Press, 2006, p. 159.

204
com Smithson, no contexto da Land Art, visto que também utilizava os próprios materiais
da terra, tendo uma componente ecológica adjacente. No entanto, é curioso que Beuys
utilize objectos industriais e, ao mesmo tempo, utilize materiais orgânicos, defendendo uma
perspectiva ecológica. Para Beuys, o artista é um xamã que cataliza as forças da natureza; o
homem funde-se com a natureza, e sente em si as forças desta, que se consubstanciam num
sentimento, como acontecia no romantismo.

Beuys estava interessado na história e nas origens do homem, e sobre ambos tinha
uma sensação de uma unidade perdida, defendendo a necessidade de reconciliação entre o
norte e o sul, o homem e o seu passado, o homem e a natureza.795 Talvez por isso as suas
esculturas remetessem para algum acontecimento da sua vida, que o marcou de alguma
forma, fazendo lembrar os modelos de Pedro Cabrita Reis, apresentados adiante, que eram
baseados nas memórias da sua vida que pressupunham a perda das vivências que eram
reactivadas na construção dos “modelos ficcionais”.

O facto de utilizar também materiais ou objectos quotidianos faz com que o


espectador sinta uma relação de proximidade em relação à escultura, facto que a relaciona
com a vivência quotidiana. Beuys negou que a sua apropriação dos objectos da vida
quotidiana foram inspirados pelos ready-mades de Duchamp,796 apesar das suas esculturas
possuírem uma relação directa com o mundo dos objectos em geral, e com os ready-mades
em particular, no sentido em que o objecto é descontextualizado, e lhe é atribuído um novo
sentido e até significado.

O trabalho de Beuys é influenciado pela arte processual, no sentido em que a arte


está no processo, e no seu conhecimento por parte do espectador, e no facto da vida se
revelar fundamental para a posterior realização dos objectos. Por outro lado, Beuys
defendia ideias do movimento romântico, especialmente de Novalis, ao não dissociar a arte
da vida; a vida era fundamental na constituição do artista, sendo que a vida é um objecto da
arte que era experienciada através do sentimento. O processo de criação neste artista
baseava-se numa acção totalizante que ia muito para além do atelier, sendo que essa acção
constituía uma experiência ou vivência. Beuys também apresenta uma relação com
Giacometti, quando defende que, só com a vida, o homem se transforma em artista. A ideia
de que cada homem é um artista iguala as condições de cada indíviduo perante a arte, visto
que toda a gente pode ser artista, precisamente porque a arte está relacionada com a vida,

795 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 141.
796 Ibid., p. 143.

205
como vimos anteriormente, e todos têm acesso a ela. Para Beuys, a vida em si, era um
processo de aprendizagem, sendo a conversa entre as pessoas um exemplo,797 pela troca de
conhecimentos e experiências.798 Neste sentido, realizou várias conferências, em que falava
com várias pessoas sobre diversos temas, sendo que considerava a linguagem a primeira
forma de escultura.799A definição de artista total, em Beuys, parece ir de encontro a uma
dimensão quase religiosa.

Beuys afirmou que as pessoas pensavam que o trabalho manual era anti-intelectual,
sem espírito. Por sua vez, a experiência de Beuys é precisamente a contrária: que o trabalho
feito com a cabeça é muito mas anti-intelectual que o manual; precisamente porque
fossiliza, isto é, prende-se a conhecimentos e formas de pensar antiquadas, sobretudo
quando se torna excludente.800 Neste sentido, parece que Beuys organizava os materiais,
compondo a morfologia dos objectos, de um modo intuitivo e não demasiado racional.

Beuys faz assentar a sua arte numa dialéctica entre a produção do objecto e a
performatividade.801 Como já vimos, os seus objectos estavam impregnados da sua
experiência pessoal, de sofrimento, felicidade, expressão e, na sua linguagem corporal, e nas
suas “acções” performativas acontecia o mesmo. A partir de meados de 1960, voltou-se
para os mass media.

Numa das suas performances, em 1965, passou horas sozinho na Galeria Schmela, em
Düsseldorf, na Alemanha, com o rosto coberto de mel e folhas de ouro, carregando nos
braços uma lebre morta, a quem comentava detalhes sobre pinturas. Como Explicar Quadros
a uma Lebre Morta constitui uma afirmação do artista de que uma lebre morta tem mais
sensibilidade e compreensão instintiva que alguns homens presos a uma obsessiva
racionalidade.802 Beuys movia a boca silenciosamente como se explicasse a uma lebre
morta, aninhada nos seus braços, os quadros pendurados na parede. Deixou a pata do
animal tocar nas obras e depois sentou-se e explicou as obras à lebre. Em cada sola do seu
sapato foi preso uma tira de feltro e outra de ferro, no qual a primeira representava o “calor
espiritual” e a segunda a “razão dura”, sendo que ambos eram acessórios fabricados com
carácter de objecto. A sua cabeça estava coberta de mel e folhas de ouro, fazendo alusão a

797 BEUYS, Joseph - Cada homem um artista. Porto : Guide Artes Gráficas, 2010, p. 73.
798 Ibid., p. 116.
799 Ibid., p. 21.
800 Ibid., p. 114.
801 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :

modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 482.


802 GLUSBERG, Jorge - El arte de la performance. Argentina : ediciones de arte gaglianon, 1987, p. 34.

206
um xamã que recorre à magia para curar os males, sendo que o mel representa uma força
vital.

Misteriorsamente ritualística, a performance realça a futilidade da pintura tradicional,


que tem de ser explicada, e a necessidade
de substituição com formas mais
espirituais e naturais de comunicação, cujo
significado pudesse ser sentido ou intuído
pelo observador, e não entendido
intelectualmente. A acção performativa
podia ser observada pelos espectadores
que estavam na galeria, mas para a sua
divulgação captaram-se registos
fotográficos do momento. [Fig. 42] Este
meio de documentar a acção, enquanto
objecto escultórico, tornou-se num medium
da escultura, tal como o vídeo, na
performance I love America and America loves

me, de 1974, nos EUA, em que foi filmado


Fig.42 – Como Explicar Quadros a uma Lebre Morta – Joseph
Beuys o artista, envolvido em feltro, numa sala
1965
Lebre, mel, folhas de ouro, feltro e ferro. com um lobo coiote durante três dias.
Galeria Schmela, Dusseldorf, Alemanha.
Durante esse tempo conversou com o
animal, estando ambos separados do público da galeria apenas por uma corrente. Os rituais
diários incluíam uma série de interacções com o coiote, que ia sendo apresentado aos
materiais – feltro, bengala, luvas, lanterna eléctrica e um exemplar do Wall Street Journal (a
edição do dia) – que o animal pisava e sobre o qual urinava. Como defende Beuys, a
performance com o coyote representou uma acção “americana”, reflectindo a história da
perseguição aos índios norte-americanos e toda a relação entre os Estados Unidos e a
Europa. Beuys queria concentrar-se unicamente no coiote, não ver nada além da América a
não ser o coiote, e inverter os papéis; a acção simbolizava, segundo Beuys, a transformação
da ideologia na ideia de liberdade.803

Por outro lado, a obra já analisada de Richard Serra é um exemplo das várias
abordagens: escultura, performance/instalação e vídeo num só trabalho. Os novos meios,
803 GOLDBERG, Roselee - A Arte da Performance. Orfeu Negro : Lisboa, 2007, p. 189.

207
frutos da tecnologia, foram entrelaçados no contexto de criação artística, acompanhando,
naturalmente, as evoluções e necessidades na sociedade, do mundo paralelo ao universo
artístico. A obra de Rui Chafes, que será analisada, está também inserida neste contexto,
contemplando os vários meios de produção escultórica: desenho, vídeo, performance e
objectos.

A preocupação dominante de Beuys era difundir o seu “conceito alargado de arte”,


que ultrapassava a dimensão estética, e que englobava todas as vertentes da vida. “O
espectador tem de chegar a si mesmo, e assim a obra é um lugar e um vector de experiência
graças à própria capacidade mobilizada. [...].”804 A performance destinava-se a criar uma magia
que fizesse com que as pessoas infundissem maior espiritualidade às suas vidas, localizando
a fonte criativa da liberdade no interior do indivíduo, na qual a situação humana só mudaria
através da criatividade.

Como já vimos, Beuys mostrava uma preocupação com a manipulação dos


elementos, e realçava o papel xamânico do artista, enquanto energizador e transformador
de elementos.805 Por isso, utilizou aparelhos como telefones e transmissores, gravadores de
vídeo e peças eléctricas, que evocavam a passagem de energia. 806

“Beuys rompe com a dualidade entre vida e arte, natureza e espírito, ao substituir a
relação mimética com a arte num sentido que contribui para a consciência da realidade. [...] O
seu objectivo era a recriação integral das qualidades humanas que não pretendiam salvar a arte
sem fundamentá-la na fórmula criativa de uma estética do ser antropológico.” 807

Em suma, a obra escultórica de Beuys assenta sobre o simbolismo e a metáfora que


relaciona o fenómeno artístico e a vida. Pelo facto da vida ser o foco da arte, todas as
pessoas podiam ser artista, porque a experiência da vida era comum a todos. Neste sentido,
desenvolveu o que se denomina de escultura social, pela extensão da definição de arte, e
também pela prática da mesma, fora dos âmbitos específicos de cada ramo artístico, como
afirma Jorge Glusberg.808

Por outro lado, explorou as novas manifestações artistícas que se centram no corpo
como atributo plástico, como a performance, incutindo-lhe uma mensagem e uma
simbolicidade. A acção que implicava a construção dos seus objectos passou a ser em
tempo real, quando executava as suas performances, para além de ter deixado de existir um

804 ADRIANI, Gotz - Joseph Beuys. Madrid : Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 1994, p. 14.
805 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 59.
806 Ibid., p. 141.
807 ADRIANI, Gotz - Joseph Beuys. Texto Nada está escrito todavia de Heiner Bastian. Madrid : Museo

Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 1994, p. 16.


808 GLUSBERG, Jorge - El arte de la performance. Argentina : ediciones de arte gaglianon, 1987, p. 34.

208
objecto, apenas restando fotografias ou vídeos do momento. A união que existiu entre
corpo, espectador e tempo real, cria uma ligação directa entre a arte e a vida, dentro de uma
acção totalizante.

A auto-descoberta foi, de facto, um elemento essencial no espírito de finais dos


anos 1960, e a completa emancipação do indivíduo levaria a uma liberdade mental, física e
criativa. Em termos plásticos, as intervenções manifestaram-se pela necessidade interior e
livre, face ao espaço e ao tempo, visto que as relações com estas dimensões constituíam a
carga energética das acções de Beuys.809 O interior do indíviduo era como um pólo que se
formava e concentrava diversos sentimentos, percepcionados e sentidos ao longo da vida e,
desse modo, poderia entender-se a arte, como actividade que exercita a lógica racional. A
energia era muito importante para Beuys, ao ponto desse elemento ter de ser transmitido,
tanto por ele, enquanto indivíduo, como pelos seus objectos.

809BASTIAN, Heiner – in ADRIANI, Gotz – Joseph Beuys. Madrid : Museo Nacional Centro de Arte
Reina Sofia, 1994, p.16.

209
CAPÍTULO 5 – A IMAGEM COMO ARTE

A arte e a imagem na sociedade

Os escultores afastaram-se dos interesses manifestados das décadas anteriores,


quanto à paisagem e aos materiais naturais, para enfrentar as questões relacionadas com a
cidade, o consumo e o objecto fabricado.810 Os artistas colocaram uma questão: “[…] Será
a produção em massa que gera o consumo ou a procura das massas que incentiva a
produção em série[…]?”811, à qual responderam que tudo é transformado em mercadoria.812

No século XIX, a reprodutibilidade técnica da obra de arte desligou-a dos seus


valores de culto e dissolveu a sua autonomia, a partir da erosão dos elementos que
legitimavam o seu cariz original.813 Deixou de ser alvo de contemplação e autenticidade,
sendo desligada da sua aura, tão característica da envolvência da obra de arte. O culto
integrava a obra no seu contexto tradicional e a sua autenticidade e aura eram definidas
pelos factores espaciais e temporais, o chamado “aqui e agora”.814 A aura era uma
“atmosfera” única, que envolvia a obra para além da sua aparência física e matérica; um
factor imaterial, transcendental, que está distante, porque não se vê, não se toca, não se
estabelece um contacto físico mas, em simultâneo, está muito próxima, porque cria, num
determinado contexto, uma relação mental que expressa a alma da obra; é algo que nos
supera.815 A substituição da unicidade pela serialidade, graças à reprodutibilidade técnica,
elimina a autenticidade e a aura através da sua reprodução em massa, alterando a relação do
público com a arte. A aproximação dos objectos às massas, através das cópias, destrói a
singularidade, e autenticidade, e a própria aura da obra de arte.816

Walter Benjamin, autor que trabalhou o conceito, defende que a obra de arte
sempre foi reprodutível, mas não em todas as vertentes. Os gregos através dos processos
de fundição e de cunhagem reproduziam moedas, bronzes e terracotas, mas as restantes
obras mantinham-se originais.817 No que diz respeito à sua utilidade e finalidade, a
reprodução das terracotas eram benéficas, enquanto objecto funcional. O mesmo não se

810 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 229.
811 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 107.
812 Ibid., p. 110.
813 BENJAMIN, Walter - Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa : Relógio d´Água, 1992, p.

88.
814 Ibid., p. 92.
815 Ibid., p. 82.
816 Ibid., p. 100.
817 Ibid., p. 75.

210
passa com as obras de escultura. A experiência do público com a obra era única e autêntica,
justamente pela sua aura, singularidade, valor de culto e autonomia. Era um objecto
associado à religiosidade e à contemplação, estabelecendo um parâmetro transcendental. O
que sucede com a estátua de Vénus resume-se à sua aura, singularidade e autenticidade, que
está presente na obra, e que é captada mais tarde, pelo facto de não ser uma reprodução.

No “Apropriacionismo”, os artistas apropriavam-se de objectos e imagens,


tornando-os arte, fazendo-os viver pela sua imagem. Utilizavam procedimentos dos mass
media, como o vídeo e a fotografia, e identificavam-se com os movimentos Pop e
Conceptual. O principal para estes artistas não era a criação, mas, sim, a reconstrução, a
partir da apropriação de algo existente.

Por sua vez, o Simulacionismo, partiu de uma teoria de Jean Baudrillard (1929-
2007), em que o objecto vale não pelas suas qualidades intrínsecas ou significado, mas pela
sua imagem artificial. O objecto perde a sua função, e vive da sua imagem artificial, que
simula mundos fictícios, despojados de verdade, emoldurado por uma atitude publicitária.
Os artistas recorreram a temas mundanos e consumistas da sociedade de consumo, levando
os objectos para o museu, simulando um mundo que podia provocar o sujeito, na medida
em que lhe desperta desejo, ou outro sentimento, e acaba por cumprir a função da
publicidade e do marketing: algo que é feito em série, e para aludir a “outros mundos”.

Deste modo, o Simulacionismo encara as marcas representadas e outros objectos


do quotidiano como arte.818 A obra de Andy Warhol é um bom exemplo. Este artista era
fascinado pela subjectividade produzida na sociedade de massa,819 e evocou a temática das
massas de duas formas opostas: por meio das imagens das celebridades icónicas e do
anonimato abstracto.820 Warhol queria ser uma máquina, e adorava tudo o que nela se
envolvia.821 Deste modo, a técnica da repetição foi uma tarefa da máquina que foi
transposta para a arte e para o trabalho de Warhol, como também já vimos na obra de Sol
Lewitt.

818 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 242.
819 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 490.
820 Ibid., p. 491.
821 JONES, Amelia, STEPHENSON, Andrew - Performing the body: Performing the text. London :

Routledge, 1999, p. 232.

211
A fotografia, em si, era uma imagem referencial ou simuladora, tal como os
objectos de Warhol.822 Na Art Pop, os objectos simulados eram feitos com materiais reais e
à escala do mundo real,823 mas mantinham-se picturais, isto é, pareciam pertencer à técnica
da pintura.824 Deste modo, a arte de Warhol é mais teatral do que histórica,825 no sentido de
um testemunho histórico, porque pressupõe uma cópia ou simulação da realidade, que
tenta ser a própria realidade, ou seja, uma reprodução. Mas, afinal, não foi isso que a
escultura tentou sempre fazer ao longo do tempo? Ser o mais fiel possível à realidade?

O Simulacionismo está relacionado com o Apropriacionismo na medida em que me


aproprio de uma garrafa e utilizo-a como objecto artístico. Se fizer uma reprodução da
garrafa, e usar várias garrafas iguais com as mesmas características, estas vão ser uma
simulação, visto que já não é possível diferenciá-las nem perceber qual é a original. A
aplicação da reprodução a nível artístico tornou a obra, que deixou de ser obra, massificada
e despojada de verdade. O Simulacionismo está assim relacionado com a obra de
Duchamp, nomeadamente com os ready-mades. A reprodução do quadro de A Gioconda de
Leonardo da Vinci (1452-1519), intitulada L.H.O.O.Q., por Marcel Duchamp, em 1919, fez
com que esta perdesse a sua
aura e autenticidade. Sendo
uma obra que nasceu com a
sua aura, enquanto obra de
arte, perdeu esse valor para se
tornar num objecto de
massificação cultural,
reproduzido como um
objecto de uso quotidiano.

Warhol foi um dos Fig.43 – Latas de Sopa Campbell – Andy Warhol


1962
primeiros artistas a executar Serigrafias.
Founding Collection, The Andy Warhol Museum, Pittsburg, Estados Unidos.
procedimentos
simulacionistas na Pop Art, embora esses procedimentos sejam distintos neste contexto,
visto que os artistas pop utilizavam produtos que já eram despojados de verdade e de aura,

822 FOSTER, Hall; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H.D. - Art Since 1900 :
modernism : antimodernism : postmodernism. London : Thames & Hudson, 2004, p. 486.
823 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 100.
824 Ibid., p. 101.
825 JONES, Amelia, STEPHENSON, Andrew - Performing the body: Performing the text. London :

Routledge, 1999, p. 224.

212
retirados da sociedade de consumo, fazendo uma referência deliberada à massificação
cultural. A Lata de Sopa Campbell foi retirada do seu contexto original, e reproduzida em
serigrafia, elevando a lata à categoria de fetiche, ao ponto de ser disputada por um preço
bastante elevado pela burguesia.826 No entanto, este produto foi pensando e concebido para
ser reproduzido em massa para a sociedade de consumo; não foi pensado enquanto obra de
arte, ou seja, já nasceu sem aura; não foi criado com um objectivo artístico, nem como
escultura, não pressupondo um valor de culto e de autenticidade porque nunca o teve. [Fig.
43]

Segundo Duchamp, o processo de deslocamento do significado, ou


descontextualização do objecto (do seu contexto original) para o mundo da arte, no caso
dos ready-mades, também é válida para a “escultura de mercadoria”. A correspondência
exacta passou a existir entre escultura e objecto fabricado, assim como o paralelismo nos
seus meios de transporte, nomeadamente no facto das obras de arte serem tratadas da
mesma forma que qualquer mercadoria, afastando-se cada vez mais da aura da obra de
arte.827 Nos anos 1960/1970, por exemplo, o processo metódico das obras [de] site-specific
foi reformulado. Por um lado, as obras são destruídas após as exposições específicas ou
após serem removidas do local para o qual são produzidas e, por outro, são refabricadas de
modo a substituir a anterior. Isto significa que o processo de construção dos objectos
mudou; antes só se produzia uma obra, e era única. Agora fazem-se várias cópias do
mesmo objecto.

O declínio da aura deve-se ao “poder da proximidade”, decorrente da


reprodutibilidade, e da manipulação das imagens, que se alargou desde a invenção da
fotografia – imagens enquanto reproduções, ou multiplicações esquecidas desse
“aparecimento único”, que constituía a característica da obra de arte, como já vimos. 828 Por
exemplo, não existe aura nos objectos minimais. A aura era característica das obras de arte
únicas que transpareciam a sua autenticidade e originalidade. O minimal é precisamente o
oposto da aura. Cada módulo é uma repetição do anterior, para além da sua produção e da
utilização de materiais industriais.

826 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 111.
827 CAUSEY, Andrew - Sculpture Since 1945. New York: Oxford University Press, 1998, p. 245.
828 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.

124.

213
O objecto que veio substituir a obra parecia ter dominado a vida das pessoas da
época, precisamente na altura em que passou a ser comprado, consumido, gasto em função
de outra coisa. Este factor é o que separa o objecto da sociedade pré-industrial do da
sociedade industrial. O consumo torna-se algo irrepreensível, porque se baseia numa falta,
como afirma Baudrillard. Assim, os objectos da época são a mais visível e assinalável
manifestação dessa falta, e logo dessa privação e ausência, em oposição ao objecto da
civilização pré-industrial, que se constituía acabamento, suficiência, integridade e
presença.829 Agora são tudo ausências. Ausência de massa na escultura, de peso, de
representação… Inclusive, na própria experiência estética, já não permanece a morfologia
da escultura, que perde o seu protagonismo para a “Ideia”. Neste contexto, e muitos anos
depois da Idade Média, voltámos ao estatuto da imagem que prevalece sob a escultura,
neste caso, o objecto.

O próprio processo da experiência estética dos objectos artísticos centra-se nesse


propósito. Como já vimos, a aura seria como que um “espaçamento” originário do
espectador pela arte; de um olhar que se desdobra em pensamento; de uma distância física
que destaca um poder da memória”,830 que cria imagens dialécticas, que seriam imagens da
memória, produzidas a partir de uma situação anacrónica.831 Deste modo, existe um
processo de transformação da imagem,832 entre ver e perder: ver o objecto e perdê-lo, quando
este se transforma numa imagem, que é um duplo do objecto original. Ad Reinhardt
afirmou que a visão em arte não é a visão, mesmo se tudo o que há para ver estiver ao
alcance do olhar;833 refere-se claramente à componente mental. Esta noção de duplo requer
uma repetição imagética do que se viu anteriormente, na condição objectual. A noção de
duplo define simultaneamente algo que copia a humanidade, contendo um carácter
antropomórfico,834 como se fosse uma cópia, mas apenas visual. Assim sendo, a experiência
do olhar conjuga dois momentos complementares, enlaçados; o “ver, perdendo” o objecto
e, por outro, “ver aparecer o que se dissimula”, dando lugar à imagem.835

829 GIL, Fernando (coord.) - Artes - Tonal/Atonal in Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 2004, p. 111.
830 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p.

119.
831 Ibid., p. 149.
832 Ibid., p. 145.
833 Ibid., p. 172.
834 Ibid., p. 207.
835 Ibid., p. 208.

214
Segundo Hans Belting (1935), no próprio conceito de imagem, reside já o duplo
sentido de imagens interiores e exteriores, isto é, imagens mentais e materiais.836 Ocorre
uma metamorfose quando as imagens vistas se transmutam em imagens recordadas.
Aristóteles defendeu que as imagens vistas são percebidas como formas puras, despojadas
da sua materialidade pelo nosso olhar.837 Só nas imagens nos libertamos, por substituição,
dos nossos corpos, que assim podemos olhar à distância.838 A experiência medial das
imagens baseia-se na consciência de que utilizamos o nosso próprio corpo como meio para
receber imagens exteriores e gerar imagens interiores: imagens que surgem no nosso corpo,
como as imagens oníricas, mas que percepcionamos como se elas utilizassem o nosso
corpo apenas como um meio; isto quer dizer que a medialidade das imagens é uma
expressão da nossa experiência corpórea.839 Por outras palavras, o corpo é um suporte da
imagem, um meio.840 Platão abordou a questão das imagens,841 separando a imagem física
da mental. As “cópias” impuras duplicavam a aparência do mundo dos sentidos, enquanto
os “arquétipos” puros se tornavam modelos imateriais e imóveis. Nesta visão
contrapunham-se, por um lado, as imagens que se limitavam à aparência da aparência
(como cópias do mundo empírico) e, por outro, Ideias, que são mais do que imagens,
porque nada copiam,842 destacando-se os universais de Beleza, de Bondade e da Verdade.

Em suma, a Escultura é formada por dois pólos: a Forma e a Ideia. Ambos


convivem e são inseparáveis enquanto obra de arte. A reprodutibilidade é benéfica para os
objectos funcionais, cuja reprodução serve as necessidades da sociedade. Por sua vez, a
obra de arte, com o mesmo procedimento, deixa de ser autêntica, perdendo a sua aura, para
se tornar numa massificação cultural, visto que a cópia das obras apenas capta a sua forma
exterior. É impossível e inconcebível expressar e alcançar uma obra (objecto) verdadeira,
estando a imitar apenas a sua superfície, a sua forma exterior e morfologia. O seu sentido,
significado e essência, que constituem a sua verdade, perdem-se com este factor. A
escultura não se resume somente à sua morfologia, mas, também, à “ideologia”,843 isto é, ao
conjunto das ideias, noções e conceitos subjacentes, sendo que a complementaridade destes
dois factores constitui as qualidades da escultura, na sua totalidade.

836 DIDI-HUBERMAN, Georges - O que nós vemos, O que nos olha. Porto : Dafne Editora, 2011, p. 33.
837 Ibid., p. 34.
838 Ibid., p. 37.
839 Ibid., p. 43.
840 Ibid., p. 79.
841 Ibid., p. 181.
842 Ibid., p. 239.
843 PEREIRA, José Fernandes - Teoria da Escultura: O Sistema Contemporâneo in Dicionário de Escultura

Portuguesa. Lisboa : Caminho, 2005, p. 593.

215
A “ideologia” surge sempre a partir da componente material do objecto, porque
tem de haver uma comunicação com o espectador, convertendo-se seguidamente numa
imagem mental, que se relaciona com a ideia. A experiência estética tornou-se a base desta
transformação, em que “ver” o objecto significa “perdê-lo”, no seu sentido material, dando
lugar a uma imagem.

A leveza da imagem tornou-se uma procura por parte dos artistas, relacionada com
a ideia-lembrança, que fez com que a arte contemporânea se desenvolvesse nesses moldes. A
obra de Rui Chafes e Pedro Cabrita Reis são um exemplo desta transformação na
experiência estética do espectador.

Rui Chafes

Rui chafes nasceu em Lisboa em 1966, e instruiu-se na Escola Superior de Belas


Artes de Lisboa, em 1989. Aprofundou estudos linguísticos e culturais na Alemanha,
debruçando-se particularmente sobre o Romantismo alemão. Estudou Novalis, Holderlin,
Kleist, entre outros, depurando uma visão transcendental do mundo, e dos seus próprios
objectos. A obra deste escultor parece revelar a especificidade do objecto escultórico de
ferro pintado de preto, sob a influência de inúmeras referências como a poesia, a filosofia e
o cinema.844 Na complexa teoria da arte que suporta a obra deste artista, para além das
invocações das obras mais significativas na História da Arte, a Arte Medieval constitui, pela
sua espiritualidade, um lugar privilegiado no seu universo criativo que remete para uma
dimensão religiosa.

O vocabulário de Chafes é essencialmente escultórico. O seu contacto com o


material é clássico; primeiro porque não experimenta outros materiais, limitando-se
intencionalmente ao aço e ao ferro. A fundição não faz parte da sua gramática escultórica,
visto que, esta técnica não é suficientemente exacta e o resultado nem sempre pode ser
controlado com rigor.845

Do ponto de vista formal, as esculturas de Chafes recordam a técnica de Julio


González (1876-1942) e Picasso, que permite “desenhar no espaço”, com a capacidade de
eliminar o peso do ferro, como acontece com Richard Serra.
844 PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,
p. 169.
845 HOET, Jan ; MAES, Frank – Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria Graça

Brandão, 2003, p. 14.

216
A introdução do ferro no meio artístico, que surgiu no modernismo, com Julio
González e Pablo Picasso, aplicava-se na construção de esculturas construídas por partes,
que eram soldadas umas às outras, deixando à vista do espectador o processo de
construção.846 Este novo método e técnica de unir diversas partes metálicas permitiu um
estilo formal mais linear e que possuía uma leveza formal, em relação às esculturas maciças.
Deste modo, este material tornou possível a ausência de peso, assim como a técnica de
representação do “vazio”, de tornar presente o ausente, isto é, os espaços vazios são
definidos ou delimitados por placas, tiras ou redes de ferro.847 Por outro lado, as esculturas
parecem ter formas que reconhecemos. Estabelecem uma relação com a linguagem de
Chafes, em que parece haver uma abstracção, que insinua uma presença figurativa, e
embora não procure representar nada, faz sempre lembrar alguma coisa,848 dando a ligeira
sensação de reconhecimento. Estes dois autores eram formalistas, ao contrário de Chafes,
que não acredita sequer nos objectos. No entanto, parece-me que a apreensão da forma é
fundamental para a criação de uma imagem no interior do espectador. Por muito que Chafes
negue o objecto, sabe que o objecto precisa existir para activar o espectador e vice-versa.

O ferro é uma máscara que dá origem à forma, fundamental para a sua obra, pelo
facto do ferro actuar num processo de ilusão e ser pesado, mesmo simulando leveza.
Chafes assume uma forma que supera a sua objectualidade;849 neste sentido, surge como se
fossem fotogramas de um filme, sublinhando o processo fluído de transformação
“imagética” na sua obra.850 Na sua essência, as suas esculturas superam-se enquanto objecto
através da combinação da inevitabilidade do material com a magia da imagem num mesmo
objecto.851

A depuração formal e conceptual dos objectos de Chafes, assim como a tentativa


de “tocar” um universo emocionado, interior e “subjectivo”, recolocam os seus objectos
muito para além dos limites meramente formalistas.

846 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 60.
847GABNER, Hubertus - The unknown masterpiece in GABNER, Hubertus - Rui Chafes : Harmonia. Porto :

Canvas & Companhia, 1998, p. 7.


848 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em

Escultura Pública], p. 67.


849 DRATHEN, Doris Von - Corporizações no fio da navalha in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : SerSilito,

Lda., 2003, p. 230.


850 Ibid., p. 229.
851 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : SerSilito, Lda., 2003,

p. 14.

217
O Romantismo alemão constitui uma forte influência no pensamento de Rui
Chafes. De acordo com o Romantismo, Chafes defende que não é a arte que imita a vida,
mas a vida que imita a arte. No pensamento romântico, a beleza produz a verdade. Deste
modo, o romântico vive em busca constante da beleza que emerge do seu interior,852
portador de verdade. Nos objectos de Chafes, é necessária uma determinada intimidade
entre observador e a escultura, em que a activação do objecto artístico só é possível através
do sentimento do sujeito, de um sujeito que se valida através desse mesmo sentimento.
Para Rui Chafes, o objecto está no seu devir, isto é, ele não existe, não está presente no
mesmo espaço que nós; é um objecto ausente,853 que só encontra a sua essência no interior
do espectador.

Outra característica que deriva do romantismo é a interacção do sujeito com a


natureza. O ambiente envolvente em que Chafes coloca as suas esculturas não se torna
parte integrante da obra, mas cataliza as forças que estão para além da matéria. O efeito das
intervenções no espaço é subtil e mostra uma interacção autêntica e “íntima” com o
ambiente envolvente.854 As esculturas apresentam-se “envergonhadas”, e tentam camuflar-
se na natureza, esconder-se, com vergonha de possuírem ainda um corpo. No entanto,
pretende-se que o sujeito não encare o objecto, mas o “transporte” para o seu interior,
enquanto imagem-sentimento, desligando-se dele, tal como os românticos, quando
presenciavam um fenómeno da natureza. Estes fenómenos, tal como os objectos, são
apenas um catalisador, de uma transformação do sujeito.

Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, com o pseudónimo Novalis, foi um dos
mais importantes representantes do romantismo alemão. O amor que Novalis sentiu por
Sophie, o seu grande amor,consistiu num amor platónico, depois da sua morte. Hardenberg
morreu metaforicamente, dando vida a Novalis. Handenberg já não poderia alcançar
Sophie, de modo que renasceu Novalis.855 A Flor Azul, de Novalis, um dos símbolos do
Romantismo Alemão, constitui um dos pontos de referência para Chafes. A flor azul
parece ter um carácter divino, ou místico, e pode ser a definição de diversas coisas: o
símbolo da profunda fonte de inspiração, que não deixa de ser uma metáfora do amor;856 o

852 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 29.
853 Ibid., p. 30.
854 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : SerSilito, Lda., 2003,

p. 17.
855 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em

Escultura Pública], p. 32.


856 Ibid., p. 34.

218
símbolo de tudo o que é inefável, por exemplo a importância do sonhar, que tem enorme
importância para os românticos. A flor azul é também um símbolo que representa a luta
metafísica pelo infinito e o inalcançável, e sentimentos como a gratidão, a admiração e o
amor platónico. A flor azul não é alcançável fisicamente porque é de outra natureza, mas o
nosso coração e a nossa alma podem fazer com que a flor azul exista através de atitudes,
gestos e sentimentos; a flor existirá para os que têm a capacidade de sonhar, acreditar e ver.
Para Chafes, a flor azul é a poesia, a arte, a forma, a ideia e o vazio; consiste naquilo em que
acredita, sendo que o resto é pó, cinza e lixo.857

Para Novalis, a humanidade dormia um sono profundo. Na Idade Média, assim como
no romantismo, o sono profundo refere-se precisamente ao facto do indivíduo viver
demasiado preso às coisas mundanas, à matéria. Defende também que estamos mais perto
da vida quando estamos a sonhar, porque a vida que vivemos é na realidade a morte, no
sentido em que viemos a este mundo para morrer. Deste modo, a vida importante reside
no reino do espírito, alcancável pela morte, como princípio romântico da vida. Para o
romântico a morte é um início, uma passagem para outra vida, uma vida espiritual, onde
não existe o peso do corpo.858

Neste sentido, a obra de Rui Chafes parece focar-se numa desmaterialização da


própria escultura. Para ele, a matéria é inevitável para a comunicação, no entanto, é suja,
errada e corrompível, contaminadora do mundo. Por essa mesma razão, o artista usa o
mínimo de matéria possível nos seus objectos, considerados, deste ponto de vista, uma
anti-escultura, pelo facto de negarem a sua condição objectual. O que devém do sujeito é a luz,
é o foco principal da experiência estética, que é iniciado pelo objecto através de uma imagem
que desperta no sujeito uma ideia-sentimento. Essa ideia pressupõe uma existência de um
mundo anterior à queda, um mundo “antevital”, de formas puras que transcendem a
materialidade, e só, assim, o objecto deixa de existir na sua vertente material, de acordo
com as concepções de feição platónica. Os objectos “transportam” o sujeito para outro
mundo, apagam-se, e eles mesmos são elevados a um pensamento, a uma desmaterialização;
A dita ausência do objecto torna-se numa presença de uma lembrança que provém do sujeito,
que é quem torna as suas esculturas válidas.

Ao contrário da escultura medieval, a escultura de Chafes procurava “ferir” o


sujeito, isto é, afastá-lo da fisicalidade do objecto, no sentido de incitá-lo ao acto de pensar

857 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 35.
858 Ibid., p. 36.

219
e de sentir; por esse motivo, alguns objectos são “agressivos” se relacionados com o corpo
e a fruição normalmente associada à experiência estética. No entanto, a imagem medieval
constitui uma referência na obra do escultor, pelo paralelismo que existe na transformação
da matéria em imagem, e em algo em que se acredita, numa verdade interior.

Para Nietzsche (1844-1900), filósofo presente no pensamento de Chafes, o


Cristianismo tornou a humanidade adormecida pois desvalorizou a vontade natural do
homem pelo estabelecimento de definições concretas do que seria correcto e errado, o bem
e o mal.859 Neste sentido, surge com a intenção de incitar as pessoas a pensarem por si
mesmas; do mesmo modo as esculturas de Chafes surgem com a intenção de libertar o
sujeito das estruturas pré-estabelecidas do mundo, e incitar à sua individualidade e
autonomia. Nietzsche, procurava um novo sentido para uma Humanidade sem Deus, e
encontrou a salvação na Arte,860 tendo Chafes herdado este pensamento para o seu
trabalho, suprimindo, no entanto, a dimensão dionisíaca que o filósofo alemão reconhecia
na natureza humana.

O consumismo, típico da humanidade, esconde a dor, a tragédia, e a obra de Chafes


pretende trazer essas realidades à consciência do sujeito. Neste sentido, as suas esculturas
são para o espectador olhar mais profundamente para a própria consciência, para dentro de
861
si mesmo. As esculturas de Chafes revelam-se como impulsos para a verdade, e, tal
como refere Nietzsche, o homem não deve ser guiado pelos conceitos mas, sim, pelas
intuições, de modo que a arte de Chafes é também um estímulo à procura da verdade.
Segundo Nietzsche, quando se perde o acesso à verdade, a vida torna-se ainda mais trágica,
e a arte atenua a dor e o sofrimento que daí derivam; através do sentimento, a arte surge
como salvação, embora possa constituir-se sempre um fracasso, pois não há salvação
possível porque o homem está condenado ao sofrimento. Para Chafes, a arte, tal como
para Nietzsche, também reside na experiência estética, não sendo exclusivamente
intelectual, mas uma junção de elementos inteligíveis e sensíveis. Ainda assim é verificada
uma oposição: para Nietzshe a arte é maioritariamente um fenómeno sensível, dirigida ao
corpo; para Chafes, o sentimento na sua obra constituiu-se um sentimento-lembrança, de cariz
mais espiritual. Tal como na escultura medieval, ninguém podia tocar nas esculturas, e
render-se à sua materialidade. É necessário ir além dessa imagem, “ver” o que está par além

859 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 46.
860 Ibid., p. 48.
861 Ibid., p. 49.

220
dela, e ao que ela dá acesso. A imagem torna-se, assim, uma condição de possibilidade
dessa experiência interior.

O único sentido válido nas esculturas de Chafes é a visão, tal como na Idade Média,
em que se perdia o corpo para afirmar o espírito. Deste modo, os objectos de Chafes são
instrumentos para ver, que pretendem despertar o sujeito através do sentimento, ou do
sonho, ao contrário da escultura medieval, que pretende despertar o “sujeito” pela fé.862
Para Chafes a arte é um caminho para dentro de nós próprios, e, neste sentido, a
interpretação de uma obra de arte é sempre individual.863

Como já vimos, o legado da Idade Média influenciou significativamente o trabalho


de Chafes. Com a apreciação e admiração da obra de Tilman Riemenschneider (1460-
1531), escultor alemão, Chafes aprendeu como o vento passa pelos cabelos e pelas
roupagens de pedra dos santos, principalmente se for soprado por quem acredita na
intemporalidade da escultura. Chafes viu na obra deste escultor o peso da matéria
transformado na leveza do espírito, como uma marca da passagem de um sopro; viu a
leveza, o espiritual, a desmaterialização, a ascensão, a perda de peso e a espiritualização da
matéria. O peso da matéria acabava por ser a única maneira de mostrar um pensamento no
espaço, e sempre foi assim ao longo dos séculos.864

Segundo palavras de Chafes, Tilman fazia uma arte transcendental, sendo o rigor e
a sobriedade um veículo para atingi-la. A transcendência mostra ou pressente algo que não
está aqui e, neste sentido, a redução na obra de Chafes, vai de encontro à ideia de
transcendência.865 No entanto, para Chafes só houve, até hoje, um artista capaz do
assombro de captar esse preciso segundo da transformação da pedra em vento: Bernini.
Não se trata somente de um prodígio técnico, nem é só o prodígio visual, mas o prodígio
de transformar a pedra, a matéria, em emoção, em energia, em leveza que contraria o peso,
em vento.866 É nesse balanço entre peso e leveza, que os objectos de Chafes se situam. A

862 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 39.
863 Ibid., p. 40.
864 CHAFES, Rui – Entre o Céu e a Terra (A história da minha vida) in Secretariado Nacional da Pastoral da

Cultura. Intervenção no ciclo "100 lições", no centenário da Universidade de Lisboa, 2011. [Em linha].
Disponível em WWW:< http://www.snpcultura.org/rui_chafes_entre_o_ceu_e_a_terra.html. >[consulta em
6.8.2015].
865 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria

Graça Brandão, 2003, p. 249.


866 CHAFES, Rui – Entre o Céu e a Terra (A história da minha vida) in Secretariado Nacional da Pastoral da

Cultura. Intervenção no ciclo "100 lições", no centenário da Universidade de Lisboa, 2011. [Em linha].
Disponível em WWW:< http://www.snpcultura.org/rui_chafes_entre_o_ceu_e_a_terra.html. >[consulta em
6.8.2015].

221
ilusão que existe nos seus objectos, e que faz com que estes aparentem ser portadores de
leveza é quase barroca, como afirma o escultor.

Chafes procura que os seus objectos funcionem como caracteres de escrita,867 como
um estímulo para a própria interioridade e pensamento do sujeito. As esculturas são negras,
como se fossem caracteres de escrita, como uma letra negra numa folha de papel; ao ler-se
um texto, não se vê a cor da tinta, mas retemo-nos nas ideias, no conteúdo.868 É isso que
Chafes pretende. Mais ainda do que caracteres de escrita, são sombras, e não objectos em
sentido rigoroso. A sombra é o meio através do qual os corpos manifestam a sua forma;869
a sombra como extensão e projecção do corpo; a sua presença é prova visível da presença
de um corpo, sem o qual não pode surgir nem permanecer.870 Neste sentido, e de acordo
com as ideias de Platão, os seus objectos são uma sombra, uma cópia do que existe num
mundo perfeito de formas puras, em que não existe matéria nem corpo, visto que o corpo
é uma jaula, como referiu Hubertus GaBner.871 Essas formas ao caírem no “nosso mundo”
caem com a maldição da matéria, que tem a utilidade de nos tornar visível para,
posteriormente, nos fazer abstrair dela e nos focarmos no nosso interior, nas nossas ideias,
sentimentos e lembranças, que são o que existem de mais puro, segundo o escultor
português. O objecto pretende ser uma sombra que nos surge ao olhar quase de “raspão”,
ou como um flash que depois desaparece. Por esta razão, Rui Chafes afirma que nenhuma
das suas esculturas é a decisão final. O importante é a radiação, a energia que um objecto
possui, e que depois se transforma numa outra natureza. Deste modo, considera a arte uma
transmissão de energias, que desperta no Homem forças escondidas e não explicadas
racionalmente. A arte é como um catalisador que transforma as suas esculturas em módulos
de pensamento, sendo que não existe arte sem transformação.872

Para Joseph Beuys, a transmissão de energia era fundamental nos seus objectos,
assim como para Rui Chafes. Por outro lado, Beuys pretendia educar e curar o espectador e
as pessoas em geral. De igual modo, podemos encontrar na obra de Chafes uma vontade de
curar o indivíduo. O xamanismo está relacionado com a morte, e o xamã é um

867 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria
Graça Brandão, 2003, p. 244.
868 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria Graça

Brandão, Lda., 2003, p. 15.


869 BELTING, Hans - Antropologia da Imagem. Lisboa : KKYM+EAUM, 2014, p. 38.
870 Ibid., p. 30.
871 GABNER, Hubertus - The unknown masterpiece in GABNER, Hubertus - Rui Chafes : Harmonia. Porto :

Canvas & Companhia, 1998, p. 5.


872 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria

Graça Brandão, 2003, p. 246.

222
intermediário entre este mundo e o outro. A escultura de Chafes, por si só, também é
mediadora entre este mundo e o outro.873

Chafes recupera uma afirmação de Jean Genet quando visita Giacometti e escreve
sobre a sua escultura, quando defende que a arte é para os mortos, visto que considera, que
a arte é uma coisa morta: é sempre um território da morte.874 Como afirma Jean Genet:
“Nunca, nunca, a obra de arte se destina às novas gerações. Ela é oferenda ao inúmero
povo dos mortos. Que a acolhem. Ou rejeitam.”.875

Neste contexto, Chafes defende que a morte é o que nos mantém acordados; a
consicência da morte, a consciência da ferida mantém-nos em vida, deixa-nos despertos;
por outro lado, defende que não existe Beleza sem as marcas da morte, da separação e da
ferida; a separação de um mundo talvez muito antigo e, neste sentido, o seu trabalho
poderá ser considerado melancólico, porque fala de morte e separação.876 Do mesmo modo
que Chafes foi influenciado pelas ideias de Genet, Alberto Giacometti constitui uma das
inspirações dos escritos de Genet. A influência de Giacometti, face à escultura de Chafes,
consiste na redução da forma escultórica: as suas figuras eram estilizadas e reduzidas ao
mínimo de matéria possível para que pudessem ser visualizadas. Os objectos de Chafes
também possuíam o mínimo de matéria possível para comunicar; aparecem como uma
imagem de algo que nos surgue como identificável, mas que se desvanece depois de nos
captar a atenção, transformando-se numa outra imagem; é um objecto que se reduz a uma
imagem; é uma materialidade que se desmaterializa. Como defende Chafes, deve converter-
se em pensamento através da emoção, porque só a emoção pode tocar as pessoas, e é
justamente aí que surgue ou se encontra a beleza.

Por outro lado, as esculturas de Chafes parecem querer apresentar-se impessoais,


sem qualquer vestígio do autor, sem qualquer marca expressionista.877 Duchamp, ao ter
colocado um objecto do quotidiano, produzido industrialmente, numa galeria, fez com que
o seu processo e o seu objecto fosse impessoal e desligado do autor, enquanto criador.
Neste caso, existe uma relação entre estes dois artistas. A fontaine é um excelente exemplo

873 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 70.
874 Ibid., p. 74.
875 HOET, Jan ; MAES, Frank - Escrever com metal in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria Graça

Brandão, Lda., 2003, p. 5.


876 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria

Graça Brandão, Lda., 2003, p. 247.


877 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em

Escultura Pública], p. 62.

223
da “transformação” na arte. O deslocamento do objecto do seu contexto inicial,
recontextualizado num espaço de exposição, pressupõe uma inversão, isto é, um transporte
do mundo comum para o domínio da arte, isto é, para uma outra “realidade”. O mesmo
acontece com as esculturas de Rui Chafes, que querem transportar o espectador para uma
outra realidade, que se encontra para além do objecto.878

Também a dicotomia peso/leveza, presente na obra de Richard Serra, se relaciona


com o jogo de leveza que existe nas esculturas de Chafes. Em ambos os tabalhos existe a
ilusão visual de que as esculturas são leves, e, na verdade, pesam toneladas. Dão a sensação
de que são feitas de um material leve, que pode ser tudo menos metal, mas, no entanto, são
constituídas de ferro ou aço, baseadas em estudos de sustentação. Existem, porem,
oposições, nomeadamente na monumentalidade e no poder que as esculturas de Serra
possuem, e que contrastam com a anti-monumentalidade e subtileza dos objectos de
Chafes.

Como já referido anteriormente, Chafes é influenciado pela poesia e, neste


contexto, Rainer Maria Rilke (1875-1926) é um dos poetas que, desde o início, está presente
no seu discurso. Rilke foi considerado o poeta da morte, da angústia, da solidão e da vida
interior.879 O conceito de solidão aplica-se tanto ao artista como ao espectador que
contempla a obra de Chafes; o artista é um homem solitário e o espectador, de certa forma,
também o é, pois o meio de atingir a profundidade e a imagem do objecto é, na sua
essência, individual.880 Se a verdadeira pátria para Rilke era a poesia, e se para Chafes a
escultura é poesia, então podemos afirmar que Chafes é poeta, no modo como se posiciona
em relação ao mundo, da mesma forma que Rilke, nomeadamente na negação da matéria,
do tempo e do espaço, estando apenas comprometido com a vida do espírito e a sua
essência: a beleza. Apesar da solidão de que temos vindo a falar, a arte de Chafes tem uma
“componente social”, como qualquer outra actividade artística, e, embora não seja uma arte
social, o artista trabalha sempre para os outros.881 Neste contexto, é relevante o livro da
autoria de Chafes que é encarado pelo próprio como uma escultura. O livro, publicado em
1992, consiste na tradução se alguns fragmentos de Novalis, acompanhados com desenhos
do escultor. Para Chafes, a escultura é uma demonstração plástica de um modo de
pensamento, por isso pode ser um vídeo, um filme, um livro. Neste sentido, é uma

878 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 64.
879 Ibid., p. 51.
880 Ibid., p. 52.
881 Ibid., p. 54.

224
escultura composta por desenho e palavras, sendo estes dois elementos o que poderá haver
de mais leve também em arte.

A escultura, enquanto arte visual, sempre priveligou a visão, independentemente se


falarmos de esculturas tridimensionais e maciças, ou vazadas, de fotografias ou de imagens.
Deste modo, a visão é o sentido mais importante, na interacção do espectador com as
esculturas de Chafes. O papel do cineasta é educar o olhar, para as pessoas aprenderem a
olhar e a ver. O cinema, enquanto referência para Chafes, tem duas estratégias: a da
lentidão e a da velocidade. Chafes situa-se na lentidão porque aí se concentra a estratégia do
olhar e da atenção: a atenção é a apreensão do mundo; a da velocidade é a estratégia da
dissolução,da distracção e do esquecimento. O escultor, ao trabalhar na oficina, tem uma
absoluta consciência do tempo, porque é impossível acelarar processos, tudo acontece num
ritmo lento. A espiritualidade patente no cinema de Andrei Tarkovsky (1932-1986), um
cineasta russo, destaca os elementos misteriosos e
metafísicos com diálogos filosóficos, mas a
influência mais directa é o objecto voador que
aparece no início do filme, que terá sido uma
fonte de inspiração para a obra Durante o sono.882

Durante o sono

Contrariando a gravidade que a noção de


corpo escultórico comporta, este objecto existe na
sua própria condição paradoxal, o princípio da
ilusão: uma esfera de ferro com muitas centenas
de quilos procura perder peso e elevar-se, ainda
que sustentado por umas fitas que desejam
Fig.44 – Durante o sono – Rui Chafes
2002 confirmar a sua condição de leveza.
Ferro.
Col. CAM, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa. Existe uma espécie de
confrontação/oposição entre a realidade física e a efabulação, que é fundamental na obra
deste artista. Há uma oscilação entre a realidade de uma bola de ferro de 200kg, que, ao
contrário de estar suspensa, está realmente apoiada naqueles fios e procura ser a imagem

LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
882

Escultura Pública], p. 56.

225
efabulada de um balão que está suspenso no ar, e que arrasta langorosamente os fios.883 Isto
é, num primeiro momento, tem-se a sensação de que é algo muito leve como uma sombra,
confundindo os sentidos, mas entende-se que o que se apresenta aos sentidos não é igual à
realidade, mas um jogo visual de uma escultura que implica um mobilizar da atenção.884
[Fig. 44] Esta estratégia do olhar e da atenção é a estratégia da lentidão, uma estratégia da
transferência,885 como defende o artista.

O sono, por si só, é uma metáfora para os seus objectos, visto que no sono se passa
de um estado a outro, sai-se do próprio corpo e se pensa para além dele. Como já
dissemos, a transformação estética do espectador deixa de estar relacionada com o mundo
material do objecto para se relacionar com um mundo onde só existem as formas puras das
imagens, “desligadas” do corpo. Neste sentido, o sono parece constituir o presente, isto é, o
sono que a matéria arrasta consigo no seu mundo sujo e mal construído, em que todos habitamos
corporalmente;886 ou o sono que o indivíduo arrasta consigo, ao ficar “preso” às existências
materiais. Quando o indivíduo se desprende da materialidade, o invisível manifesta-se
quando o visível cede o lugar à ausência - ausência do corpo. A ideia de que a humanidade
estava num sono profundo pertence a Novalis, demonstrando a sua influência directa neste
objecto.

Para Rui Chafes interessa-lhe “a alma” de um objecto, que transcende a sua própria
condição material; o objecto deverá devir ideia, pois se assim não for, é sujo e errado. Chafes
assume a forma tridimensional do objecto, a qual é superada na sua objectualidade, pela
divergência entre alma e corpo e, sobretudo pela transformação estética do espectador, que
“desmaterializa” o objecto em imagem mental. A desmaterialização progressiva, a que a obra
escultórica abre caminho, assume uma relação com os limites “conceptuais” do objecto.
Para este artista, e, segundo Platão, a matéria é um testemunho inequívoco do mal que se
instalou no mundo e portanto, é suja e errada. A existência de um objecto, por sua vez,
requer a presença de um corpo, dada a sua condição material; este paradoxo levará o
escultor a afirmar que, no limite, não há objecto, mas apenas a “esperança do objecto”.

883 CHAFES, Rui - Conversa entre Marcio Doctors e Rui Chafes, realizada em Lisboa, em Julho de 2007 in
DOCTORS, Marcio - Rui Chafes : Nocturno/ Breathing. Rio de Janeiro : Fundação Eva Klabin, 2008, p.
162.
884 Ibid., p. 166.
885 Ibid., p. 172.
886 PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,

p. 173.

226
Os objectos de Rui Chafes são um testemunho da prisão da matéria que ilide uma
ausência do mundo ferido pela queda. Tímidos e envergonhados pelo facto de estarem
presos a um corpo, alguns deles “escondem-se” na natureza. O mundo, neste contexto,
apresenta-se como palco da morte, onde apenas a lembrança se torna provável a partir da
ausência que habita os objectos, enquanto “existências em fuga”. Não podem figurar o
mundo, nem a eles próprios, constituíndo imagens que são captadas através da sua
aparência, através do sujeito. Deste modo, a experiência estética opera-se no sujeito por via
do objecto, o qual, por sua vez, activa um sentimento no sujeito convertendo-se em ideia
(devir ideia): a ideia-sentimento, que provém da própria condição do sujeito e que remeterá a
um “antes da queda”, antes da infecção e do mal, que é e está na matéria; revela-se como um
território de transformação, que se desloca a partir da matéria.

Voltando à escultura em análise, poderá ser vista como o que antecede a “aurora”,
que ele próprio, enquanto objecto, subitamente instala no sujeito, quando o objecto se
transforma em imagem, e aí surge o início da transformação. Esta simultânea presença e
ausência estão em vez de “algo”, que apenas a intencionalidade do sujeito capta a partir da
luz que dele dimana, provocando a conversão em ideia-sentimento. Um olhar mais atento verá
que se trata de imagens e de luz quando o sujeito está perante este objecto,887 o que
pressupõe uma “resposta” à escuridão e à matéria. Deste modo, demonstra uma dimensão
religiosa, íntima e espiritual, onde a verdade e a beleza se entrelaçam numa experiência
singular.

A dimensão temporal é negada no sentido em que a arte está na emoção, na própria


experiência estética do sujeito que pressupõe a perda do corpo, da materialidade da própria
escultura, assumindo-se como uma sombra que deriva para uma imagem íntima ou lembrança
do sujeito que, deste modo, desmaterializa a própria escultura numa ideia-sentimento ou ideia-
lembrança. E só assim as esculturas são válidas para Rui Chafes, quando devêm ideia. O
processo interno de Rui Chafes paralisa o tempo através da sua obra e inaugura, dessa
forma, uma outra temporalidade.

Como o artista afirma, o tempo é o seu único amigo, com o qual pode sempre
contar.888 O tempo também cria distância, ao ponto de lhe parecer alheia uma escultura,
como se não tivesse sido feita por ele. A obra, em si, é uma máscara, porque esconde o

887 PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,
p. 174.
888 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria

Graça Brandão, Lda., 2003, p. 250.

227
material e trabalha com a ilusão.889 O escultor elimina as marcas da mão humana, da
execução técnica das esculturas, isto é, elimina as marcas da soldadura, para que os objectos
não sejam ligados ao fazer manual do artista. A escultura, para além de não ter marcas de
soldadura, também elimina a possibilidade da ferrugem, visto que este elemento provoca a
memória sentimental e emocional do tempo que já passou; por fim, é pintada de negro,
com o fim de uniformizar e neutralizar a forma e, e nesse caso, há a preocupação do artista
de converter este objecto, que procura perder peso, em sombra, enquanto cópia do que
existe num mundo não visível; ao evolar-se no horizonte de uma experiência
fenomenológica, este pequeno talismã (embora as suas dimensões e as centenas de quilos
que possui sejam uma aparente contradição), recusa qualquer dimensão monumental,
sequer espacial.

A dimensão espacial também é negada por este artista, pois está englobada não
apenas na experiência estética como também na dimensão formal. O espaço íntimo onde se
forma a ideia e a lembrança do sujeito consiste num espaço “fora da realidade”, da matéria,
nega precisamente a materialidade e o próprio espaço como os conhecemos. A nível
formal, lembra a filosofia platónica da negação da matéria, ao ponto das suas esculturas
serem ocas no seu interior. Anti-monumentais e pintadas de negro, depois de apagadas as
marcas oficinais do trabalho escultórico da soldadura, que evidenciam a marca do homem,
tornam-se neutras, ao ponto de se converterem em sombra, negando a sua espacialidade
enquanto objecto tridimensional, enquanto escultura.

Deste modo, a leveza, pode ser um caminho de sabedoria mas apenas se for
estudada e construída como um caminho de extrema atenção e extrema compreensão do
mundo. As suas obras estão marcadas pela dicotomia peso/leveza sendo que, essa leveza, é
elevada a uma desmaterialização - a uma presença que se torna uma ausência, à matéria que se
torna cinza (evidenciando uma descrença no objecto e na matéria) - que se interliga e
direcciona à experiência estética do sujeito por intermediário de uma ideia,890 uma imagem,
uma lembrança, que transforma o sujeito e, deste modo, garante a validez das esculturas. O
processo interno de Rui Chafes inaugura, uma outra temporalidade, sendo a
impermanência uma das características mais marcantes da sua obra, pois opta por trabalhar
no território “entre”, no espaço em que uma coisa deixa de ser para ser outra coisa.

889 CHAFES, Rui - Conversa entre Rui Chafes e Doris Von Drathen in CHAFES, Rui - Um Sopro. Porto : Galeria
Graça Brandão, Lda., 2003, p. 251.
890 GABNER, Hubertus - The unknown masterpiece in GABNER, Hubertus - Rui Chafes : Harmonia. Porto :

Canvas & Companhia, 1998, p. 8.

228
A função das esculturas de Chafes consiste na libertação espiritual do espectador.891
A libertação espiritual procura proporcionar, do mesmo modo que a filosofia de Nietzsche,
a criação de espíritos livres e fortes, que pensam por si próprios. A arte apresenta-se como
a “salvação” do espectador, e proporciona uma viagem para dentro de si mesmo. O ferro é
apenas um catalisador. A escultura de Chafes pretende restaurar o esquecimento da
dimensão espiritual do indivíduo, pretende a recordação de uma Beleza que está antes e
depois de nós, sendo a escultura esse caminho para esse antes e esse depois.

Comer o coração

Comissariada por Alexandre Melo, Comer o Coração consiste numa performance de


Vera Mantero (1966) e escultura, em ferro, criada por Rui Chafes, acompanhada por um
vídeo de Helena Inverno. Na colaboração do escultor e da coreógrafa, esta obra foi criada
especialmente para representar Portugal na 26.ª Bienal de São Paulo, em 2004, produzida
pela Direcção-Geral das Artes, em colaboração com o Centro Cultural de Belém, onde foi
apresentada em 2005.
Os artistas, ambos portugueses e da mesma geração, trabalharam a ideia da
complementaridade existente entre a ausência do corpo na obra do escultor e a dificuldade
da presença do corpo no trabalho de Vera Mantero. Os dois pólos da escultura entram em
diálogo; de um lado está presente o corpo vivo de Vera e no outro está presente apenas o
corpo da peça, na qual a ideia de corpo passa a acontecimento concreto e pode ser vista
como um manifesto.892
A peça foi reduzida ao seu mínimo: só ferro, corpo e voz, tratando-se de uma
formação plástica e visual abstracta, a partir da beleza de um corpo coreografado.
Para Rui Chafes esta “é uma escultura de ferro e pele, de ferro e carne, de ferro e músculo.
[...] Sempre achei que a Vera devia gravitar no ar”.893

A escultura consiste em duas grandes bolas de ferro negro abertas em baixo com
dois assentos unidos por um estreito corredor, com a bailarina Vera Mantero suspensa num
deles. Duas construções similares, altas e finas, organizadas simetricamente, elevam-se a

891 LINO, João - A escultura como sopro. Lisboa : Faculdade de Belas Artes, 2014. [Tese de Mestrado em
Escultura Pública], p. 124.
892 DRATHEN, Doris von - Diálogo com o outro lado in LEITÃO, Paula (coord.) – Comer o Coração/ Eating

your heart out. Lisboa : Instituto das Artes, 2004, p. 74.


893 CHAFES, Rui - CCB apresenta em Lisboa peça criada para Bienal de São Paulo. Entrevista por Paula Lobo in

Diário de Notícias. 3 de Fevereiro de 2005, p.1-2. [Em linha] Disponível em


WWW:<http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=608140> [consulta em 22.12.2013].

229
sete metros de altura, na qual coexiste uma superação da sua objectualidade e
monumentalidade que, como em todos os seus objectos, deixam de ser objectos para se
tornarem imagem. À semelhança de todas as suas esculturas, evoca a ideia de um vazio,
representa o que desapareceu, neste caso, o assento vazio que apela à sensação de ausência.
[Fig. 45]

O acontecimento em tempo real, na sua dimensão performativa, surgue nesta


escultura: o corpo ausente (escultura) transmuta-se aqui em presença física, completando a
escultura com o seu movimento, na qual a
noção de escala do corpo de Vera é
comparada com a totalidade da escultura.
Este projecto parece abarcar e levar ao
absurdo essa sensação de um corpo dentro de
outro corpo, no qual a proporção e a posição
do corpo de Vera lhe conferem o estatuto de
coração, de peça central desta composição
que, com o seu movimento, parece ser o
que faz pulsar a totalidade da escultura. As
formas vegetais e orgânicas desenhadas, que
cobrem densamente a pele nua da bailarina,
aproximam a escultura e o corpo, visto que a
forma e a linha definem as esculturas de

Chafes, e anulam, simultaneamente, a


Fig.45 – Comer o Coração – Rui Chafes
“carne” do corpo da bailarina. 2005
Ferro.
Vera Montero aparece sem tocar no
chão, precisamente a cinco metros do chão, tal como muitas esculturas de Chafes que
tocam apenas num ponto- como se estivesse realmente a voar ou levitar.894 A intenção de
Chafes era que a sua escultura fosse um “ápice de energia”:

"Quiz que a minha escultura, que costuma ser sempre congelada, pudesse coabitar com
um corpo que não é um corpo, mas um momento de energia. Por isso, a criatura feita pela
Vera não é um corpo, mas um momento da escultura que se revela contra o estatismo da

894 MELO, Alexandre - "Comer o Coração", criação de Vera Mantero e Rui Chafes, no Festival Internacional de
Salamanca in Jornal de Notícias. 2 de Junho de 2008, p.1. [Em linha] Disponível em
WWW:< http://www.jn.pt/PaginaInicial/Desporto/Interior.aspx?content_id=953173> [consulta em
22.12.2013].

230
morte, ao passo que o resto da escultura é estático e mais próximo da gravidade, da Terra e da
morte."895

Esta escultura resume-se a um momento de energia, e constitui uma luta contra a


morte, no sentido de uma luta contra a gravidade, o peso e a força que, por si só, fazem
pressão para “baixo”. Ao mesmo tempo, coexiste a contradição entre a evocação da leveza
e a evidência do peso do material, aí consistindo também uma das principais características
do trabalho de Chafes.

Comer o coração é um título do escultor que provém da ideia de Robert Edler von
Musil que “é preciso comer o coração da mãe para entender a linguagem dos pássaros“896 .
Era uma ideia mesmo de comer o coração, de comer o coração da escultura – e é o que a
dançarina faz, “comendo-se a si própria” e o interior da peça.897 A ideia está relacionada
visualmente com as gravuras do
século XIX, de Odilon Redon,
neste caso, um céu sépia e um
balão a voar como um olho divino
que se eleva sobre o mundo. Essa
criatura, interpretada por Vera,
seria uma personagem ambígua,
assexuada, com um corpo muito

imaterial e tinha de voar num balão


Fig.46 – Comer o Coração (Pormenor) – Vera Mantero
2005 elevado a seis metros de altura - a
Performance.
ideia de grande fantasia e leveza e
até de transparência. As junções do ferro preto aos desenhos pretos que cobrem o corpo
da bailarina tornaram-no ainda mais transparente, fazendo com o corpo de Vera se
fundisse com a própria escultura. [Fig.46]

Em termos performativos, o corpo está perante uma dança impossível,898 longe do


chão, entre o pensamento e a intuição, entre os pensamentos conscientes e os estados mais
inconscientes de pura vibração, pura intuição... ouvem-se suspiros, gritos e outras formas
sonoras que expressam a alma através da voz. Durante 40 minutos, sentada num tripé de
ferro, que tem um "duplo" desabitado, a coreógrafa parece travar uma luta consigo e com o

895 CHAFES, Rui - Entrevista por Nuno Crespo e Vanessa Rato - Uma dança de ferro contra a morte, 2004 in
CHAFES, Rui - O silêncio de…. Lisboa: Assírio & Alvim, 2005, p. 166.
896 Ibid., p. 168.
897 Ibid., p. 169.
898 DRATHEN, Doris von - Diálogo com o outro lado in LEITÃO, Paula (coord.) - Comer o Coração/ Eating

your heart out. Lisboa : Instituto das Artes, 2004, p. 70.

231
espaço. Move-se, mas não tenta atravessar a ponte para o outro tripé. Fica impaciente, mas
não se inquieta com o que se passa em seu redor.899A voz consiste na sua deslocação, física
e imaginária, para outros lugares, remetendo para uma interioridade. Para o escultor, Comer
o Coração evoca de forma muito dramática, a ausência de Vera. A sua desmaterialização,
transporta aquele corpo para fora da realidade humana e transforma aquele corpo utópico
num desenho vivo e num processo plástico, como o resto da escultura.

Em contraste com a escultura que, segundo o escultor, é uma espécie de encenação


estática da morte, a dança é, ao mesmo tempo, uma luta contra a morte, sendo que é um
grito, mudo ou não, que conta com a presença do movimento e da materialidade, e que não
morre.900 O paradoxo coexiste na medida em que há dois pólos simétricos na escultura mas
que nunca se tocam, o elo de ligação entre as duas partes nunca é atravessado e conta com
duas esferas idênticas em que uma é habitada e outra não.

A obra aborda a problemática entre a escultura e o tempo, visto que esta performance
foi apresentada num primeiro momento numa fracção de tempo real, no qual Vera está a
desempenhar a acção e, o segundo, no qual a peça está vazia e apenas é apresentado o
vídeo da performance, no qual vai permanecer uma ausência, pois é uma tentativa de
apresentar algo que já não lá está, isto é, uma impossibilidade. Neste sentido, a escultura é
considerada um falhanço, um fracasso, pois como afirma Rui Chafes, quanto mais tempo
passa, mais fracassada será a escultura, pois evoca uma apresentação directa do nosso
destino - a morte, que é evocada pela ausência de Vera Mantero.901

A leveza nesta escultura passou também a estar presente na componente imagética


do vídeo, que retrata a performance de Vera. Em 2005, criou a escultura Vê como Tremo, que
anos mais tarde foi apresentada com um vídeo de Pedro Costa (1959). Um dos aspectos do
trabalho de Pedro Costa, que interessava a Chafes, era a questão do material e do imaterial.
Pedro Costa sente a escultura como uma existência muito material; para Chafes, é
precisamente o contrário: vê a escultura de uma forma absolutamente imaterial, e não
suporta o seu lado material.

Chafes interessou-se pelo trabalho de Pedro Costa porque sentia a necessidade da


materialidade contra a imaterialidade do seu próprio trabalho. Nunca trabalhou a partir das

899 INVERNO, Helena – Comer o coração [Registo Vídeo]. Lisboa : Instituto das Artes, 2004. 1 DVD
(14:07 min.).
900 CHAFES, Rui - Entrevista por Nuno Crespo e Vanessa Rato - Uma dança de ferro contra a morte, 2004 in

CHAFES, Rui - O silêncio de…. Lisboa: Assírio & Alvim, 2005, p. 165.
901 Ibid., p. 170.

232
qualidades materiais da escultura (a textura, a ferrugem), mas vê nas imagens de Pedro
Costa essa textura, ferrugem, materialidade e considera, nesse contexto, de uma extrema
beleza ter imagens muito pesadas, granulosas e texturadas.902
A escultura Vê como Tremo, consiste em seis “cabines” individuais, ao lado uma das
outras, com seis cadeiras, apenas de um lado, que fazem lembrar os confessionários das
igrejas, não só pela morfologia mas também pelos orifícios presentes nas placas de ferro,
que separam os dois lados, o lado do pecador e o do confessor.
No contexto da instalação no Centro de Arte Moderna, na Fundação Calouste
Gulbenkian, em 2014, a escultura, pintada de negro, quase é anulada pela visão do conjunto
formal visto que o espectador entra numa sala escura, e está praticamente no espaço da
escultura, “dentro dela”, apercebendo-se de que existe alguma coisa pelos orifícios, que
possibilitam a visualização do vídeo de Pedro Costa. O vídeo é para ser visto através da
escultura, sintuando-se a forma escultórica entre o espectador e as imagens do vídeo.
Parece haver uma alusão ao próprio processo de transformação estética em que o fim é
precisamente a imagem criada a partir do objecto. Apesar dos trabalhos não estarem juntos,
estão em constante diálogo, e o modo como estão instalados implica uma unidade.
A leveza existe na escultura e nas imagens e, sobretudo, no som, por detrás das
imagens de Pedro Costa. Como afirma Chafes, a coisa mais sensível e mais delicada dos
filmes o cineasta é o som, e o som tanto pode ser uma gota de água a cair, como uma voz a
sussurrar, como um martelo pneumático a demolir uma parede. O que lhe interessa nessa
conjugação é o facto dos murmúrios, das vozes debéis, muito subtis e delicadas, se
reflectirem nas paredes de ferro granuloso. Chafes queria atingir, com a exposição, os
olhares sobre a escultura e ouvir, nas suas paredes de ferro, essas vozes e esses murmúrios,
que são a base do trabalho de Pedro Costa, visto que a escultura de Chafes também é sobre
a voz, o falar, sobre essa voz que atravessa uma barreira, ou melhor, a separação entre duas
vozes.903
Todo o trabalho de Chafes se movimenta entre exterior e interior, entre o corpo e o
lugar do corpo. Em muitas das suas esculturas existem cadeiras vazias; no entanto, o
escultor afirma nunca ter feito nenhuma obra figurativa, nem, ao mesmo tempo, qualquer
obra abstracta; são sempre esculturas que falam de outra coisa, de outros movimentos, de
outras imagens.904

902 GONÇALVES, Cláudia (coord.) - Fora ! Pedro Costa, Rui Chafes out !. Porto : Fundação de Serralves,
2007, p. 61.
903 Ibid., p. 101.
904 Ibid., p. 85.

233
Burning in the forbidden sea, de 2011, consiste numa instalação em que, tal como a
anterior, existe uma escultura de Chafes e um ficheiro sonoro, neste caso, de Orla Barry.
No centro de uma sala branca, com luz esverdeada vemos suspensa a obra do escultor,
acompanhada pelo ambiente sonoro e pelo texto criado por Barry. A escultura consiste
numa pequena esfera radiada por elementos metálicos que se apresentam agressivos para o
corpo, como se de garras se tratassem. O
som que preenche toda a sala parece devir
da escultura, que está lentamente a
movimentar-se. A cada “rotação”, a
escultura vai alterando a nossa percepção
em relação à sua forma. Apresenta-se uma
forma portadora de leveza, como se o
peso apenas estivesse no elemento
esférico central. Apesar de termos a noção
da existência deste objecto, a instalação no

seu conjunto parece ser quase um vídeo. Fig.47 – Burning in the forbidden sea – Rui Chafes
2011
Tem som, imagem (do objecto e do Ferro e instalação sonora de Orla Barry.
Col. do artista.
contexto da sala) e movimento. Estas
três características parecem ter-se unido numa única componente de imagens em tempo
real em movimento.
Como já vimos, não existe arte sem transformação: a transformação da sua própria
natureza numa outra. Acaba por ser também uma revelação do que está escondido, tal
como na instalação de Chafes e Pedro Costa, em que as imagens do vídeo estavam para lá
do objecto consangrando, no fundo, o fundamental na obra de Chafes: a transformação do
objecto em imagem. Em arte, o que está escondido é sempre maior e mais importante do
que aquilo que se mostra, e a arte deve provocar o deslumbramento do primeiro olhar;905
por esse motivo as suas esculturas devem olhar-se apenas num primeiro olhar.

Em suma, o primeiro olhar deve captar a sombra do objecto, para depois se desligar
dele, dando origem a uma imagem-sentimento, ou imagem-lembrança, que emana do interior do
sujeito. O objecto acaba por ser um catalisador que potencia essa transformação no sujeito.
Enquanto objecto, traz consigo a maldição da matéria, que depois é desmaterializada. O
artista está consciente de que o objecto existe apenas para potenciar essa transformação

905GONÇALVES, Cláudia (coord.) - Fora ! Pedro Costa, Rui Chafes out !. Porto : Fundação de Serralves,
2007, p. 155.

234
interior, visto que, sem transformação, não há arte. De acordo com Platão, a matéria era
corrompível, suja e errada, de modo que, os objectos de Chafes acabam por ser “anti-objectos”
ou “anti-esculturas”, porque tendem a desmaterializar-se. Nesse sentido, os seus objectos
contêm uma dicotomia visual de peso/leveza, visto que aparentam ser muito leves, pairam
no ar, mas, no entanto, possuem o peso incontornável do ferro. Chafes é o artista que faz
escultura com poesia, como se fossem caracteres de escrita, em que apenas se retira deles o
“conteúdo”, ultrapassando a forma. Deste modo, o ofício de escultor, como todos
conhecemos, deixou de existir, e Rui Chafes parece apresentar-se como um demiurgo que
trabalha com o fogo, e com os respectivos poderes alquímicos e “mágicos” atribuídos ao
ferreiro.906

Interessa-se pelas coisas, que correspondem sempre à apresentação de uma


ausência, uma ideia, uma falta, porque a imagem implica sempre uma ausência; algo que
concebemos mentalmente, quando se” perde” o fenómeno real, neste caso, o objecto.
Chafes priveligiava, tal como Nietszche, o interior do sujeito, a sua vontade, a
individualidade e, tal como os românticos, a busca da Verdade e a busca da Beleza que
emergem do seu interior, isto é, na busca do sentimento interior focado no processo de
transformação do indivíduo; Na Idade Média, a imagem também pretendia despertar uma
transformação espiritual no crente, existindo um pararelismo com a obra de Chafes, no que
o seu propósito é precisamente elevar o sujeito através de uma experiência quase religiosa e
espiritual.

Pedro Cabrita Reis

Pedro Cabrita Reis, seguramente um dos artistas portugueses mais


internacionalizados, nasceu em Lisboa em 1956 e formou-se em pintura na FBAUL. Expõe
regularmente desde o início da década de 1980, tendo as suas primeiras exposições
privilegiado fundamentalmente a pintura e o desenho. Estas fronteiras iniciais foram,
porém, rapidamente ultrapassadas, cedendo lugar a uma ampla diversificação das técnicas e
dos materiais convocados, dentro de uma uma atitude da criação de objectos
tridimensionais, em que o desenho e a imagem constituem os seus referentes maiores.

906PEREIRA, José Carlos - Olhar e ver: 10 obras para compreender a Arte. Lisboa : Arranha-Céus, 2012,
p. 172.

235
A teoria que fundamenta a sua obra comporta uma vertente puramente simbólica e
conceptual, no sentido em que parte das memórias/vivências da sua vida, e lhe é
introduzida uma componente ideológica, na qual o pensamento é fundamental. Cabrita
Reis é um construtor, criador ou produtor de imagens, retiradas de uma espécie de diário
traduzido em símbolo. O artista sente sempre a necessidade de rever, reviver e retornar a
esses momentos efémeros, por via da arte, retirando desse processo uma percepção
mental.907 Essa percepção mental da obra coincide com o olhar, “habitando” um espaço
interior.

Numa perspectiva existencialista, a relação que existe entre arte e vida faz com que
todos os momentos do seu dia-a-dia, da sua vida, sejam um ponto de desenvolvimento e de
conexão entre a sua vida e a escultura. A dimensão histórica e temporal convertem-se na
vontade de “vencer o tempo”, sendo esse o grande motivo desta obra, na medida em que a
auto-consciência do artista, e a consequente melancolia, são o que movem e fundamentam
a origem do processo artístico, baseado nas memórias, emoções e reflexões. A obra abarca
uma dualidade entre a lembrança e o esquecimento, existindo no seu trabalho uma vincada
dimensão antropológica assente nos valores da vida, onde avulta o valor de alteridade.
Viver é esqueçer e perder o outro e a perda que o tempo implica, gera um sentimento
melancólico que origina a produção de “modelos ficcionais”, nos quais são reactivadas as
memórias do artista, enquanto tentativa de superação da inexorabilidade do tempo. Estes
modelos recuperam, de algum modo, a sua vivência passada, “repondo” o tempo perdido,
actualizando a memória de uma vivência temporal que se perdeu. Assim se estabelece a
relação fundamental entre arte e vida na obra de Cabrita Reis. Estes factores influenciam-se
mutuamente na medida em que a arte só pode nascer da vida e esta se constitui sempre a
fonte da arte. A arte é a única forma de lutar contra o tempo que pressupõe uma perda,
constituindo a arte uma resistência à efemeridade e à própria finitude. Para Cabrita Reis,
fazer arte é lembrar, actualizar o acontecimento, sendo o seu processo baseado nas
passagens e relações processuais, e evolutivas, da relação Vida-Arte-Vida. A sua concepção
artística baseia-se na observação de tudo o que o rodeia, particularmente o “deslizar” do
olhar é muito importante, e todos os momentos da sua vida são propícios para a criação de
um novo objecto. O processo artístico, de certa forma “romântico”, nasce a partir do que o
artista sentiu, da substância que resta dessa vivência recuperada pelo olhar – como uma

907MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita – Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 2. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].

236
imagem que intercede entre a vida e a arte, e que legitima a dimensão imagética da sua obra.
A passagem ou deslocação da realidade (experiência vivencial) para um “modelo ficcional”
(falso) que recupera a vivência através da escultura, sendo originada a partir da vertente
simbólica e metafórica, aliada a uma forte dimensão conceptual.

As obras de Cabrita Reis buscam uma intelígibilidade, apesar de possuirem uma


génese sensível. Um dos objectivos do artista centra-se no processo de pensamento
derivado da conceptualidade, como defende Jorge Molder. Interesa-se por uma arte que
exige rigor, e que pode ser entendida como um “exercício” de inteligência, concebendo-a
como algo puramente mental. Para o artista, quanto mais pensamento contiver uma obra,
mais artística ela é. O seu trabalho é para “ver” e para pensar e, deste modo, a sua
produção formal é puramente conceptual em sentido lato, na medida em que a lógica
conceptual corresponde à existência e ao exercício, no trabalho do artista, de um conjunto
de princípios, intenções e objectivos, coerentes e articulados, que pré-existem e orientam o
processo de execução das obras.908 A obra de Cabrita Reis é realista, parte da Natureza, da
vivência do Homem, mas é abstracta no vocabulário, assim como e enquanto operação
mental e conceptual. Neste contexto, o universo imagético, criado pelo artista, só pode ser
atingido pelo pensamento. A primeira fase do seu trabalho é realista, tende para a
abstratização; e como tudo o que é realista tende para o figurativo, Cabrita Reis é, ainda
assim, um realista com uma dimensão conceptual. Pratica a mimese, quando existe a cópia
fortemente visível do corpo humano ou animal, e a imitação da vida, a que acrescenta uma
dimensão memorial e cuja memória gera um sentimento melancólico. O artista faz uma
passagem pelo modelo através da arte, isto é, faz as suas esculturas a partir da memória do
que vivenciou. Não é cópia directa da realidade, mas, sim, um modo de “voltar a tornar
real”, encenar o que, em tempos, foi a realidade vivida do artista, sendo que entre cópia e
modelo há uma re-conceptualização. O processo conceptual do artista é evidenciado
também através da revisitação e actualização do processo conceptual, quando faz os seus
desenhos posteriormente à execução dos modelos. Na experiência estética, domina o
carácter inteligível, que refaz a experiência inicial do artista, um “ver para dentro” e “por
dentro das coisas”.

O símbolo está para além da razão, e é descodificado pelo espectador, dada a sua
universalidade. A componente simbólica é contextualizada na relação entre arte e vida,
legitimando-se através dos “modelos ficcionais”, isto é, de ficções (memórias da vida do

908MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. p. 9.

237
artista que já foram reais). A melancolia que se metaforiza na referida obra, surge como
conceito central do próprio pensamento plástico. No entanto, existe uma dualidade na
medida em que o artista “revive” as experiências passadas através dos “modelos ficcionais”,
construíndo uma outra verdade; daí a denominação de “ficcional”, uma criação que, de
certa forma, codifica o que o artista viveu em símbolos. Por muito que as memórias do
artista sejam particulares, universalizam-se por via metafórica nesses modelos, nos quais o
espectador reconhece essa vivência. A melancolia manifesta-se também no desequilíbrio e
na contraposição entre o mundo da natureza, criado, e o mundo construído, o nosso.909 A
vertente simbólica assenta sobre os elementos da vida/natureza: terra, ar, fogo e água,
dentro de uma axiologia em que surge também os arquétipos da água e do fogo. Dentro de
uma dimensão simbólica, o vivido no espaço é mais importante que esse mesmo espaço,
considerado em sentido físico. Aparentemente surge uma dualidade: as obras estabelecem
uma relação vital com o espaço em que são instaladas, mas num sentido profundamente
simbólico. São obras que se apropriam e metamorfoseiam esse espaço, para o qual são
projectadas e, deste modo, as memórias de determinado lugar são fundamentais na sua
obra, na medida em que o artista refunda outro lugar através do processo artístico. O
espaço que já existe, é um elemento integrante da obra, na medida em que o seu significado
simbólico é o mais importante; acima da sua fisicalidade, Cabrita Reis realça e confirma a
sua simbolicidade, por via do que nele foi celebrado. Um exemplo concreto deste
processso encontra-se no aproveitamento dos materiais encontrados em determinado lugar,
aí começando a construção como, por exemplo, a primeira exposição no Museu de
Serralves, em que aproveitou os materiais que foram deixados durante o tempo da
construção do espaço do museu, como cartões, fitas e papelão, invocando na reconstrução
simbólica do próprio museu. A visualidade da construção é plenamente assumida e
evidenciada pelo facto dos vestígios do trabalho não serem “apagados”. O que foi usado
para a construcção é deixado à vista: as fixações e os elementos de montagem, e as suas
próprias funções não foram escondidas, visto que fazem parte do objecto escultórico.910 A
construção na obra de Cabrita Reis interliga-se com a ideia de construir/projectar/habitar
um lugar com os mesmos valores simbólicos da origem e, como o artista afirma, as ideias
constroem-se, não se revelam.

909 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita – Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 4. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
910 SCHWARZ, Dieter - Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 5. [Em linha]

Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].

238
A casa, por exemplo, é um arquétipo e uma “oficina” permanente no seu trabalho,
uma referência maior da sua obra. A casa é simbolo de afectividade, de família, da
comunhão entre os homens e, por isso, as relações efectivas que lá se estabelecem, e o que
nelas se enleia são de extrema relevância para o artista. É na casa que se criam laços, onde
se celebra a vida, onde se come, onde os homens se reunem à volta da lareira, é o centro da
vida e das suas relações, construída seja por meio das palavras, emoções ou silêncios. Neste
contexto, A Casa do Esquecimento, de 1990, é um exemplo em que a lareira, enquanto fonte
de calor (aquecimento afectivo), e centro simbólico do lar, simboliza a alteridade, a
presença do outro, para além de ser também metáfora da vida, enquanto partilha. A eleição
de formas primordiais, evidenciadas nos arquétipos, assim como a ocupação e a habitação
do espaço, bem, como, a produção das condições da sua apropriação humana são, talvez, o
tema genérico mais importante da obra de Cabrita Reis.911

Na generalidade dos seus “modelos ficcionais”, o artista utiliza materiais não


nobres, como cartões, feltros, tecidos, lâmpadas fluorescentes, e formas e objectos de uso
quotidiano, nomeadamente em ambiente doméstico, como cadeiras, jarros, cestos, panelas,
caixas, mesas etc..., muito frequentes em obras do final dos anos 80, e início de 90, do
século XX. O espectador sente-se coagido a penetrar na memória suspensa que a obra
encarna, ultrapassando uma suposta quotidianidade dos objectos representados,
interropendo a sua possibilidade funcional. Neste contexto, é também valorizada a
degradação dos materiais, o desgaste e a erosão, a noção de uma passagem do tempo que
neles depositava uma memória.912 Na década de 1990, produziu obras brancas e depuradas,
sendo utilizados materiais pobres, mas tradicionais, nomeadamente madeira e gesso, sendo
evienciada a antítese entre a absoluta secura do gesso 913, com o qual vai construíndo as
peças, e a água, enquanto símbolo de purificação, e sobretudo da vida, materializando
obsessivamente a sua origem. O jarro de água, ou de azeite, denotam a referência ao
elemento liquído, conotando valores de pureza, de purificação e de comunhão. O alfabeto
formal é reduzido ao essencial: linha, plano, quadrado, circunferência; cubo, cilindro,
paralelípipedo; formas abertas e fechadas, assumidamente um vocabulário geométrico e
realista com dimensão conceptual. As formas são muito limpas, e os seus módulos de
madeira e gesso são constituídos formalmente por arquétipos como o cubo e o círculo,

911 MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. p. 10.
912 Ibid., p. 10.
913 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita - Uma conversa por acabar = An unfinished

conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 5. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].

239
estabelecendo-se a ligação entre eles através de relações de pararelismo/proximidade, não
só na sua posição no espaço, mas também na transposição do mesmo módulo para um
outro contexto, ganhando um novo sentido, seja da realidade para dentro da prática
artística ou excluisivamente dentro desta. É possível identificar momentos/semelhanças
que remetem para obras anteriores, visto que o seu percurso artístico é narrado como
projecção do passado, assim como uma permanente invocação dos grandes mestres da
História da Arte.

A dimensão metafórica nos “modelos ficcionais” é feita de forma alusiva e


indirecta, preservando uma natureza algo enigmática. Os modelos ficcionais criam um
contexto material de significados relacionados com os valores fulcrais da existência: as
origens primordiais e as energias vitais. Neste sentido, Alexandre Melo defende que os
objectos artísticos não seriam a “arte”, mas lugares por onde a “arte” poderia passar.914 As
referências mais frequentes são relativas à experiência humana de apropriação da natureza:
a casa, a lareira, o poço, a fonte e, consecutivamente, o reservatório e os canais, dentro de
abordagens metafóricas no sentido em que originam, guardam, conduzem e oferecem a
energia, em sentido amplo, sendo as mais frequentes a casa e a fonte. Esta preocupação
reactualiza em cada obra o próprio gesto fundador da humanidade, que é o gesto de
apropriação do espaço pelo homem. Nos seus modelos ficcionais,a casa é aliada aos
sentimentos/vivências do autor, e é um “abrigo” do tempo; por sua vez, a metáfora do
poço e dos canais evidencia a ideia de profundeza, obscuridade, onde se perscuta o silêncio,
o eco da palavra (murmúrio) e se erige, lentamente, a consciência. Na Casa de Fonteinstraat,
de 1990, conjugam-se estas duas vertentes: a casa que é o espaço em si, onde o artista
constrói o “modelo ficcional”, e os canais que trespassam as várias divisões da casa,
concedendo-lhes uma unidade formal e simbólica.

A maioria das formas nos anos 1990 e, esta não é excepção, reportam-se ao
elemento da água, canais de irrigação que evocam a cultura e a paisagem do Mediterrâneo.
O tema do seu trabalho, como já sabemos, é a vida, com as suas energias, circulações,
memórias, mas, neste caso, estabelece uma relação simbólica e metafórica da passagem da
vida (factor temporal) através daágua e da história: os rios que transportam a vida.915 A ideia
de ligação é constante nos seus objectos, nos quais as várias componentes dos modelos

914 MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. p. 13.
915 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita - Uma conversa por acabar = An unfinished

conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 4. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].

240
ficcionais são “ligadas” por outros elementos que remetem para a ideia de memória e
alteridade: a ideia de irrigação metaforizada e, esculturas cujas condutas formalmente não
levam a lado nenhum, simbolizando os intervalos, as cisões e os silêncios que caracterizam
as coisas e as relações do Homem com o mundo. Não há ligação, no “modelo ficcional”,
visto que o acontecimento já passou, enquanto metáfora de perda, seria possível afirmar
que a existência por vezes parece não ter ligação, dada a persistência do ruído, visto que a
comunicação com os outros é improvável. A incomunicabilidade é metáfora da
imperfeição, porque há sempre algo que se esquece, que se parte, que não passa, que
assinala a diferença, demonstrando a fragilidade mas ao mesmo tempo a admirável
condição humana. Essa separação entre os elementos parece relacionar-se com o que o
espectador apreende da obra, na medida em que tem acesso aos “pontos-chave” através de
símbolos e formas arquetipais, as quais parece refazer essa experiência, ou o que da
vivência dela retém.

A ideia de “lugar” parece congregar, em si, a carga da redução do universo ao


diverso, em que a casa, a fonte e o cosmos se materializam numa ideia metafórica,
enquanto marca relacional e identitária do labor construtivo dos homens. Desses núcleos
metafóricos há que evidenciar a articulação e duplicidade onde a ideia de corpo, como
módulo simbólico de toda a representação/matriz iniciática, se funde com a ideia de “casa-
lugar”, um outro nome e uma outra variação da mesma “totalidade”. No entanto, a
apreensão da metáfora processa-se mais eficazmente através dos textos que por vezes,
acompanham os “modelos ficcionais”, ou noutros casos, é o título, indespensável e
fundamental, que remete cada obra para o seu horizonte referencial, aí se gerando um
metafórico específico.916

No que diz respeito à experiência estética, estamos perante um processo de


subjectividade irrefutável, estritamente individual, que abarca o encontro entre o processo
de trabalho do artista e a experiência do espectador. Este factor é fundamental na obra de
Cabrita Reis, na qual o momento, a passagem através da obra, os percursos que os
espectadores fazem quando a vivem é muito importante. O silêncio perante a obra e a
procura de um sentido por parte do espectador alegra o artista, sendo esse silêncio
assumido como uma espécie de introspecção e suspensão, no modo como traduz o
sintoma de uma coisa interior (uma relação com o cosmos, o encontrar-se consigo

916MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
1994. pp. 7-8.

241
mesmo).917 Convocado pelas esculturas, o espectador,contribui para circuitar os fluxos de
energia geradas entre a obra e a memória, entre a arte e a natureza, entre a sua fruição e
uma vivência interior; isto é, os materiais nao são reduzidos àsua pura presença fisica, mas
constituem abordagens visuais plurissignificativas. A aproximação do espectador à obra
modifica-a, pois a criação de pontos de vista origina um excesso de “imagens” que
ultrapassa o que nos é dado ver “materialmente” no objecto.918 Por exemplo, na experiência
do espectador será possível acolher as suas próprias experiências particulares permitindo
reconstituir na sua memória e subjectividade um processo semelhante ao do autor, com
mais “eficácia” quando a obra contém um texto descritivo.919 A visualização, a progressiva
idealização e a imaginação permitem tais pontos de vista, em que a obra excede o artista,
mas revela no espectador o que ele não conhece em si, reactivando um processo
interpretativo, o qual, ao modo ricoeuriano se constitui um modo de ser.

Apesar da fisicalidade, perante os diversos espectadores, a emoção, intelectualização


e assimilação da mesma obra é sempre individual. A arte é um catalisador das
potencialidades humanas, podendo a sua interpretação assumir uma verdadeira dimensão
ontológica. Se as ideias se constroem em cabita reis, também, inerentemente a verdade se
constrói, não se revela, assim como se completa o ser a partir da pré-compreensão que nele
reside, como afirmava uma vez mais Ricoeur.

O processo para o artista é tao importante como cada modelo executado.


Constituem uma unidade, uma totalidade, que conflui na Arte. A totalidade da existência
assenta no tempo e na ocupação de um lugar no universo, na realidade da partilha e da
constituição do seu sentido, por via da criação dos valores humanos. O artista através da
arte refaz a totalidade, isto é, parte de uma totalidade para voltar a refazê-la, metaforizando
os valores da arte criando modelos ficcionais. O mundo, a vida, o tempo e a memória
fazem parte da totalidade. A arte é o espelho da vida e, para além dela, as vivências perdidas
pelo tempo são catalizadoras da sua obra, encarada enquanto jogo de imagem. Os seus
modelos possuem um estatuto de desenho, enquanto algo que é leve, imaterial, a própria
memória, aparentemente tridimensionalizada ocupando ilusoriamente um espaço.

917 MOLDER, Jorge; REIS, Pedro Cabrita - Uma conversa por acabar = An unfinished
conversation. Entrevista de Jorge Molder in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 8. [Em linha] Disponível em WWW:<
http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
918 SCHWARZ, Dieter - Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 6. [Em linha]

Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].


919 MELO, Alexandre - Contra a Claridade. Lisboa : Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,

1994. p. 8.

242
A plasticidade da obra de Cabrita Reis e a sua concepcão espacial caracteriza-se
pelas qualidades dos materiais com
os quais na experiência estética o
observador entra em contacto
directo na experiência estética e, por
outro lado, a forma como esses
materiais são dispostos no espaço.
Os modelos seguem princípios de
uma plasticidade visual, uma vez que
não se destinam a uma experiência

Fig.48 – A Casa da família – Pedro Cabrita Reis táctil ou corporal.920 A ideia de uma
1990
Madeira, gesso e “porron” com água; 147 x 1000 x 250 cm. “essência” de imagem, enquanto
Col. do artista (projecto); Destruído.
potência poética que nasce da
escolha e da ordenação do material na obra fundamentam o modo “bidimensional” como
as obras estao colocadas no espaço, enquanto imagens da memória por via das supostas
construções que sustentam o modelo ficcional. A ideia de uma espécie de um palco
“elevado” (chão sobre o chão) é observado na maioria dos seus modelos ficcionais, como
em A casa da pobreza, de1989, em que esse “palco” tende a separar “o espaço” do objecto
do espectador, o que, à partida parece excluir o estatuto da instalação. Parece existir uma
espécie de possibilidade de acesso ao interior da escultura, como na obra A casa da família,
de 1990, mas acabamos por assistir a uma simulação, onde o corpo não pode realmente
aceder, apenas sendo convocada a sua ausência. [Fig. 48] Não há espacialidade e nem há
instalação na obra de Cabrita Reis. Algumas esculturas penduradas na parede são outra
demonstração do carácter de imagem,921 de um simulacro, pois não podemos acedê-las com
o corpo; assim como as suas obras do uso permamente da luz, anunciando paisagens e
desenhos que só podem habitar uma memória, memória essa situada entre a génese da obra
e a sua experiência.

Os seus modelos ficcionais são “desenhos fora do papel”, reduzindo-se a desenhos,


nas quais não existe espacialidade nem interioridade, como já afirmámos, isto é, não
permitem que o espectador circule no interior do objecto. A própria ideia de desenho
parece apresentar-se aqui de novo negativo face à espacialidade e ao suposto carácter

920 SCHWARZ, Dieter – Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 6. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].
921 PERNES, Fernando - Olhar sobre a arte contemporânea portuguesa. Lisboa : Secretaria de Estado da

Cultura. Casa de Serralves, 1988. p .27.

243
instalacional, ou seja, esse carácter parece evocar-se, mas, depois nega-se a si mesmo
quando a tridimensionalidade assenta no seu cariz simulado. Deste modo, a ideia de “arte-
ambiente” aplica-se neste caso, pois Cabrita Reis cria uma “ambiência” a partir dos
materiais e das formas, anulando a própria espacialidade, simulando apenas o volume como
num desenho.

A luz inserida
no seu trabalho
actualmente também está
na génese da criação
desse “ambiente”,
reforçando essa
dimensão de imagens-
ambiente. A ambição
clássica do artista poderá
seer vista na permanente

invocação do desenho,
Fig.49 – Nomes ausentes – Pedro Cabrita Reis
considerado a mãe de 2003
Alumínio pintado, luzes flourescentes; 400 x 1000 x 600 cm.
todas as artes para além Magazzino d'Arte Moderna, Roma.

da citação dos grandes


mestres. Nas suas obras mais recentes com luzes, Nomes Ausentes, de 2003, enquanto
metáfora do pensamento, constitui-se um exemplo de um autêntico desenho no qual a
linha “desenhada” em feixe, em sequências interrompidas, se assume plenamente como
922
forma . [Fig. 49] A presença da luz nas obras de Cabrita Reis também está ligada à
execução de uma linha/desenho, que conflui na própria desmaterialização da escultura
enquanto matéria. No entanto, para Cabrita Reis, a luz exterior cega, pois apenas faz ver as
obras com os olhos (ideia de exterioridade) e não como modo a alcançar o pensamento, ou
seja, “ver” com os olhos da mente. A arte coloca-nos na escuridão, em busca de uma
inteligência original, a revelação de um conhecimento absoluto e instantâneo. Esta visão a
partir de dentro não é um processo, mas um momento, e por essa razão cremos que
também uma das suas primeiras exposições, se chamava “Contra a Claridade”.

922SCHWARZ, Dieter - Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 3. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].

244
Em suma, as concepções estéticas de Pedro Cabrita Reis assentam numa
apropriação da arte, a partir de uma estética pós-minimal na repetição e na modulação,
ligada, ao mesmo tempo a um universo de sentido Mediterrânico, enfatizando técnicas
variadas, como a modelação, a construção, utilizando materiais pobres e pré-fabricados. A
sua produção rompe fronteiras entre expressões artísticas consideradas de modo
autónomo, inscrevendo-se num território de objectos que expandem a sua condição e
estatuto. Fazer arte é resistir ao tempo é e, neste contexto, Pedro Cabrita Reis luta contra o
próprio tempo, através dos “modelos ficcionais” que refazem e actualizam a experiência do
artista. No entanto, as obras acabam por ser a “verdadeira realidade” para quem as vê, e
provavelmente, para o artista, pela materialização da sua memória a qual pressupõe a
visualização e activação da vivência passada, efémera, e o que fica é esse “registo”, essa
substituição assente na dualidade lembrança/esquecimento, que a partir do que se gera o
sentimento de melancolia, como elemento activador de toda a génese e apreensão da obra.

Os cenários da reconstituição das vivências/memórias ou imagens com base num


pensamento visual totalizador, resumem-se na tetralogia: Vida – Tempo – Memória – Arte.
O processo sequencial e evolutivo da produção dos modelos ficcionais de Cabrita Reis
começa pela vivência, a qual pressupõe uma duração, expandindo-se através da memória, e
“intelectualizando-se” pelo pensamento, desenvolvido na materialização do objecto. Este
processo de reconstrução permanente da memória parece coincidir, de algum modo, com a
anamnese platónica, na medida em que o artista, através de um processo de rememoração,
recupera o “acontecimento” anteriormente perdido; como se criasse uma imagem e, através
dela, pudessemos imaginar as suas vivências, invertendo o próprio processo platónico, já
que em Cabrita Reis, se chega à verdade por revelação ou ascensão. Por outro lado, o
artista transporta a memória que traz das suas vivências para os seus modelos seguindo
uma dimensão teatral; o que faz com que o início do seu processo também seja teatral
porque tem as memórias na sua mente do que só ele viveu e posteriormente as materializa
como imagens.
A sua obra assenta inequivocamente na dicotomia peso/leveza – o peso material
inevitável dos objectos, aliado à vertente imagética, densidade e transparência – relação
com os materiais utilizados, natural/construído – as origens, valores e o regresso à
Natureza, coincidentes com as construcções dos seus modelos ficcionais, e ao mesmo
tempo, na polaridade inacessível/disponível – relação que existe da passagem da memória

245
do artista para o espectador, por meio da metáfora, e do simbolismo, imprimindo uma
conceptualidade à experiência estética.923

923
SCHWARZ, Dieter – Pedro Cabrita Reis : Fundação. Catálogo in SHWARTS, Dieter, 2006, p. 6. [Em linha]
Disponível em WWW:< http://www.pedrocabritareis.com/on-pedro-cabrita-reis> [consulta em 5.05.2014].

246
CONCLUSÃO

Em toda a história e produção da escultura, a leveza sempre existiu nas obras de


arte e nos objectos. Matéria e Ideia sempre conviveram em harmonia durante vários
séculos, até ao momento em que predomina o trabalho focado na ideia, ou na dimensão
imaterial da obra. A partir desse momento, e de um modo gradual, a materialidade e o
peso, existentes das obras passaram para segundo plano, sendo que, a dimensão da ideia,
enquanto fenómeno imaterial e transcendental, passa a determinar a constituição e
significado dos objectos. Deste modo, a ideia existe sempre numa criação, porque tudo
parte de uma ideia ou conceito. A arte não é algo exclusivamente material; surge a partir de
um estímulo imaterial seja na concepção da obra seja, muitas vezes, na sua recepção e
experiência.

A Idade Média constitui um modo de pensar a escultura que se transcendia a si


mesma, por um processo imagético, destinado a transformar a materialidade em
imaterialidade. As esculturas nas igrejas eram imagens que eram desmaterializadas pelo
crente, na sua dimensão religiosa e imaterial. Deste modo, a imagem de um santo era um
estímulo à própria interioridade do crente. A imagem era sinónimo de leveza,
independentemente de possuir peso na sua condição material; o corpo e a materialidade
eram apenas meios para atingir a espiritualidade e a imaterialidade. O processo de imitação
dos artesãos góticos, consistia numa projecção de uma imagem interior (dádiva do espírito
divino) sobre a matéria. O artesão executava as imagens pelo seu conhecimento das coisas,
e não através da observação da natureza, estando essa imagem, puramente ligada a uma
abstracção intelectual, mas também à oração e meditação do crente. Nesta época,
pretendia-se que a linguagem plástica fosse substituída pela linguagem escrita, visto que as
representações deveriam ser narrativas, enquadradas numa função pedagógica, que
consistia na comunicação dos ensinamentos morais e religiosos da Igreja. O espiritual
predominava sobre o cariz material do mundo exterior, e, deste modo, as imagens
estilizadas apresentavam o essencial do corpo humano, enquanto método expeditivo de
desenho. A escultura queria-se directa e de fácil entendimento, nessa relação entre a
figuração estilizada, os atributos reconhecíveis do santo, e a sua função intercessora.

No Renascimento, a concepção da Ideia consiste na procura do belo por via de um


método racional, sobretudo por Alberti, e de um modo espiritual, por Miguel Ângelo.
Alberti destacou-se pelo seu racionalismo clássico, pelo método científico empregue e pela
fé na natureza, que são, em conjunto, espelho dos ideais da época; o artista podia criar uma

247
obra mais bela do que as obras criadas pela natureza, embora apenas através do seu estudo,
sem necessidade de recorrer à imaginação. A ausência do conceito de imaginação deve-se à
sua crença de que tudo procede da razão, do método, da imitação, da medida, sem ter
presente a leveza da faculdade criadora, apresentando um registo puro de imitação do
mundo exterior. No entanto, cremos que apesar do foco estar centrado na representação, a
componente da ideia está sempre presente em qualquer concepção artística, em maior ou
menor peso relativamente ao peso material das obras. Por sua vez, Miguel Ângelo, via o
corpo humano como meio de comunicar ou revelar um estado espiritual; o artista defendia
uma beleza superior à da natureza, mediante a imaginação, reafirmando uma idealidade
neoplatónica; deste modo, a beleza do mundo visível suscitava no seu espírito uma imagem
interior. A ideia de “Beleza”, constituída desta forma, era superior à beleza material, pois o
espírito transforma as imagens que recebe, e faz com que se aproximem das ideias que
existem no espírito, e que provêm directamente de Deus. No entanto, é de evidenciar a
relação de dependência entre a beleza física e a espiritual, na qual a imagem interior
depende da existência da beleza no mundo exterior; este facto implica que a realização de
uma obra de arte não consistia apenas em reproduzir algo exterior, mas, sim, também
realizar uma Ideia interior; o artista quando esculpia o bloco de pedra, estava simplesmente
a descobrir a sua ideia, que já estava em potência no bloco. Esta concepção de ideia ultrapassa
qualquer beleza encontrada na natureza, sendo que a ideia presente na mente do artista é
mais bela que a obra final, sendo esta um reflexo da primeira.

Tal como em Miguel Ângelo, que representava o corpo humano, expressando um


estado interior, Bernini com a sua perícia técnica assombrosa tornou a representação do
corpo ainda mais leve. O corpo expressava o estado interior, as emoções das divindades
que davam a sensação da pedra ser carne, apresentando uma leveza, que anulava o peso da
matéria. No Barroco, a escultura é definida pela sua energia e dinamismo, que sugere acção
e profundidade das emoções. A retórica dos sentidos e o Pathos - termo grego que se refere
ao sentimento e à exteriorização das emoções e sensibilidades no indivíduo, fizeram com
que as emoções humanas passassem a ter um papel central. A retórica dos sentidos
relacionava o mundo terrestre e celeste, levando à imaginação e à recondução da matéria
para o espírito. Neste sentido, a face humana era um espelho da alma, e os rostos das
esculturas eram muito expressivos, reflectindo os sentimentos, e o próprio movimento do
corpo. Depreende-se, então, que a absorção dos temas representados não devia realizar-se
apenas através da mente, mas também devia ser vivida pelo coração, por meio dos sentidos.

248
Neste âmbito, a escultura barroca potenciava a relação da mente com os sentidos, que
estavam intimamente ligados.

No século XIX, com o desvanecimento da lógica do monumento, a escultura foi


perdendo peso, ou melhor, foi perdendo o pedestral, a sua orientação vertical, a sua
permanência num determinado local, e a representação realista. Avançando para o século
XX, e, segundo Rosalind Krauss, deparamo-nos com uma indefinição do que é a escultura.
A representação do corpo humano de Rodin, na estátua de Balzac, apresentava um homem,
no fluxo da sua vida interior, tendendo para uma representação mais psicológica e mesmo
simbólica, que não se centrava propriamente numa representação realista. Rodin pretendeu
captar na escultura algo que ultrapassa a imitação ou a captação física da personagem, visto
que, em sua opinião, a escultura não é uma fotografia. Deste modo, a negação do modo de
representar fielmente o corpo humano, constitui um passo para o nascimento da escultura,
enquanto fruto da ideia do artista.

Já o Pensador, também de Rodin constitui um modo “tradicional” de representar


um corpo, evidenciando a importância do acto de pensar, que se torna um símbolo da
interioridade do homem e que, posteriormente, se vai tornar o foco da criação artística.
Embora Rodin nunca tenha pensado em termos completamente abstractos, potenciou a
dimensão expressiva do artista, como se reflectirá, depois de 1900, nas obras abstractas de
Brancusi, que pertencem já a outro mundo de formas sintetizadas e depuradas. O artista
relaciona a realidade e a idealidade, a vertente sensível (acção material) e a espiritual (acção
interior), adoptando um cariz primitivo, na busca da essência e da “forma pura”. Deste
modo, a representação do corpo era reduzida a formas elementares, resultado de uma visão
essencialista da própria escultura; as formas apresentam-se muito leves, e os volumes
parecem diluir-se no espaço, com o seu carácter quase bidimensional, relacionado em uma
componente imagética, pura e sem corpo, que o artista tanto procurou, e que estabelece
uma relação com a própria genealogia das imagens medievais, dentro de uma dimensão
algo religiosa também.

A escultura de Giacometti era fruto da percepção interior do artista sobre o mundo,


de acordo com a sua visão da fisicalidade do homem, criando uma abstratização do modelo
real, que se inicia na mente do artista. As construções imaginárias ou transposições
estilizadas da figura humana, na tentativa de realizar, de memória, a realidade de um corpo,
uma interpretação psicológica da forma, ou melhor, uma “ideia”/memória da ideia do

249
corpo, apresenta uma semelhança com os escultores gregos, nomeadamente a partir dos
conceitos de Belo Ideal ou Belo Reunido. Deste modo, as suas esculturas já se apresentavam
prontas na sua mente, quando via mentalmente a ideia ganhar forma. O artista representa
um corpo abstracto, distante da realidade, no sentido morfológico e anatómico, como se
fosse reduzido à sua percepção enquanto uma aparência, uma imagem, no limite, um traço.
Existe um paradoxo do peso material, nomeadamente através dos quilos de bronze da
escultura, que contrasta com a sua morfologia, a qual remete para uma ideia de leveza, de
um corpo que se está a desmaterializar. Ademais, o pedestral deixa de constituir-se um
intermediário entre o público e a escultura, possibilitando uma relação mais próxima que
levará mais tarde a que o espectador ganhe uma importância crescente nessa relação.
O “nascimento” de uma nova escultura abstracta, e de cariz geométrico, desligada
das suas características tradicionais, nomeadamente o peso e a gravidade, utilizou novos
materiais e, por consequência, novas concepções técnicas. No Construtivismo, os materiais
industriais ditaram o esvaziamento da macicez da escultura, permitindo que a morfologia
construtivista fosse constituída por planos, linhas e espaço, e apresentasse uma leveza
significativa. O espaço circula pelo interior vazio das esculturas, faz parte das mesmas, e é
um elemento da própria composição. A própria técnica da adição de planos consiste em
moldar o espaço, ao colocar um plano numa determinada posição. Deste modo, a escultura
penetra o espaço, e o espaço a escultura. No entanto, o espaço denomina-se como
“espaço-ideia”, visto ser o espaço que dá a ideia da volumetria completa na escultura, sendo
esta constituída por elementos bidimensionais como os planos e as linhas. A sensação de
espaço e de tempo no Construtivismo constituem uma ilusão, e existem apenas na nossa
mente, visto que somente está presente a estrutura da escultura, sendo o volume da forma
um espaço virtual. Por sua vez, o tempo na escultura pressupõe movimento, sendo por isso
à semelhança do espaço, apresentado como uma ilusão. O movimento só foi apresentado
em formas ilusórias, já que o movimento real não existe, porque as esculturas são estáticas,
apesar de, em alguns casos, darem a sensação de movimento, como no Projecto da 3ª
internacional, de Tatlin; mas é na obra de Rodchenko e, posteriormente de Alexander Calder,
que o movimento e a mutação se tornam aliados do factor tempo, conferindo movimento
em tempo real na escultura. O movimento aproximou o espectador da escultura, criando
uma relação directa entre eles, pelo facto do espectador interagir literalmente com a forma
da escultura, que se modifica a cada segundo, quando está em movimento. A forma deixou
de ser algo estático, sendo a escultura, neste caso, encarada com um “actor mecânico”.

250
A desmaterialização do objecto inicia-se acentuada e, de certo modo, literalmente,
com a Arte Conceptual, quando o seu foco se centra na ideia, na tautologia, no conceito,
enquanto redução de um objecto a um conceito, a qual se reduz o objecto, e no qual este se
torna exclusivamente um meio para atingir um pensamento/ideia. A ideia e o conceito
eram de cariz universal e inteligível, estando a nova denominação de objecto artístico
desvinculado da obra de arte tradicional. No ready-made, o gesto da descontextualização do
urinol de Duchamp, apresentado como Fonte, evidencia a importância e a predominância da
ideia do objecto que, neste caso, nem foi produzido pelo artista, e é activado como arte
pela sua presença numa galeria, pela intenção e gesto do artista e, por último, pelo jogo
mental do espectador. Derivada da filosofia, a Arte Conceptual é um jogo mental que parte
de um objecto que se desmaterializa em ideia ou num jogo de linguagem, como no caso da
obra de Kosuth, despertando uma relação intelectual ou inteligível no espectador. A arte é
um jogo mental, a partir da tautologia, sendo o seu processo artístico semelhante ao
processo de Duchamp, isto é, um jogo mental. Para Kosuth, os seus objectos não possuem
tridimensionalidade, com excepção da presença, e, desse modo, são modelos, ou anti-
objectos, que se negam enquanto tal, não só pela ausência das três dimensões no espaço
real, visto que são apresentados enquanto pintura – encostados à parede – enquanto uma
arte para ler, como também na sua conversão absoluta em ideia. Para Kosuth, a arte é
literalmente linguagem e pensamento, resumindo-se às várias possibilidades de
representação de um conceito, utilizando várias proposições, de modo a suprimir as
emoções, as expressões, no limite, a experiência estética clássica. Neste sentido, a arte é
experienciada com o fim de extrair uma ideia ou esquema intelectual subjacentes, existindo,
sobretudo, um processo de desmaterialização do objecto em ideia.

A forma é um suporte da ideia. Em Lewitt, os objectos têm uma aparência de


simplicidade, pois a forma é apenas um meio para alcançar um fim, que se foca na ideia,
numa componente imaterial, concedendo-se, deste modo, privilégio à ideia e não à forma.
Os seus objectos apresentam uma ideia de “desenho espacial”, em que a escultura penetra
o espaço - porque existe no espaço - e o espaço também penetra a escultura porque não é
maciça, como acontecia com os construtivistas. Reduzidas a estruturas aparentemente
leves, pintadas de branco, os objectos evidenciam uma tendência para a desmaterialização
quando são instalados, ou encenados, num espaço da galeria com as paredes brancas,
camuflando, assim, o objecto no espaço. Lewitt replica o quadrado, produzido
industrialmente pela máquina, inúmeras vezes, até formar um conjunto formal que envolve
a rotação, a inversão e a justaposição de um módulo, estando associada à dimensão

251
temporal, pelo método da repetição ou multiplicação do cubo, que parecem incutir
movimento à forma. Deste modo, referencia e imita o processo de trabalho industrial da
máquina, e a reprodução em série, quando pensa os objectos.

A relação corporal com os objectos de Kosuth e Lewitt era mínima, senão


inexistente. Por sua vez, Graham explorou os materiais industriais na construção dos seus
pavilhões em vidro, aço e espelho, nos quais o espectador pode circular pelo interior e
exterior, sendo um espaço de reflexão. A conceptualidade reside na relação com o
espectador, provocada pela experiência estética. Para além disso, a teatralidade está prevista
na experiência estética, pela encenação espacial do pavilhão (objecto colocado num
contexto espacial encenado - no sentido em que se procede à preparação do espaço da
instalação para receber o objecto, que vai dar origem à experiência estética e performativa
do espectador), e pelo facto de se poder habitar os pavilhões, não no seu verdadeiro
sentido, aí se congraçando a relação corporal e temporal. As próprias estruturas parecem
tornar-se máquinas fotográficas, fotografando aquilo que as rodeia em tempo real, isto é,
captando o ambiente do espaço, porque o vidro, assim como o espelho, captam o que está
ao seu redor. A movimentação do espectador, e o seu modo explícito de circulação, são
também relevantes neste sentido, pois as paredes do pavilhão direccionam e orientam a
vivência corporal do espectador, ou seja, o espectador vê-se inserido na paisagem, e a
paisagem e o espectador, surgem inseridos, respectivamente, no pavilhão. Deste modo,
estes objectos transmitem a ideia de leveza, e até de imaterialidade, através das imagens
reflectidas nos vidros.

Neste contexto, assistimos a uma valorização da experiência do espectador,


subsumindo-se a arte à experiência estética. Nesta, houve também um espaço de dimensão
inteligível, em detrimento das emoções ou expressões; por outro lado, reforçou-se a
própria dimensão fenomenológica da referida experiência estética, como acontecerá na
Arte Minimal, em que, à partida, os objectos recusam uma significação. Deste modo, os
objectos pretendiam ser vazios: vazios de conteúdo e vazados de forma, isto é, ocos. No
entanto, os artistas criavam uma relação encenada com o espaço, onde os objectos específicos
eram expostos, propiciando a referida relação fenomenológica com o sujeito.

Os objectos específicos de Donald Judd pressupunham uma encenação e a colocação


específica no espaço (Uma coisa depois da outra), reduzidos à condição de não
pertencerem ontologicamente à pintura ou à escultura. A tipologia do objecto está
relacionada tanto com a escultura como com a pintura: está fixo na parede, por isso na

252
zona destinada à pintura, mas a tridimensionalidade faz com que convivam parcialmente no
espaço da escultura; produzidos na indústria, estes objectos transparecem uma ideia de
continuidade, no método de repetição serial de uma forma no espaço, que não implicava
uma vivência corporal absoluta, sendo um objecto apenas para observar. Existe também
uma conciliação entre materiais opacos, como o ferro ou o alumínio, e os transparentes, no
caso do acrílico ou plexiglas, dão uma grande sensação de leveza visual ao objecto.

O processo de trabalho de Carl Andre centrou-se na “desmaterialização” da


volumetria, tão característica da escultura, ao ponto do objecto se limitar a uma espessura
mínima. O objecto artístico, foi perdendo cada vez mais, a sua morfologia, enquanto forma
massificada, ou mesmo, no limite, enquanto mera estrutura espacial. A escultura foi
reduzida a um mínimo, ao ponto de questionarmos se ainda estamos perante escultura,
como referimos na Arte Conceptual, parecendo mais viável apelidarmo-los de objectos. As
placas de aço, colocadas no chão da galeria, faziam com que o espectador estivesse
directamente sobre o objecto, que não era mais do que um plano no chão, e alguns
volumes negativos, ao não serem preenchidos pelas placas, reforçava uma maior
proximidade. Não se pretende que estes objectos concedam lugar a uma ideia, como se
passava na Arte Conceptual; o objecto é apenas um nível para atingir/potenciar a
experiência estética do espectador e, por essa razão, Andre era contra as ideias na escultura,
considerando-se um anti-platonista e um defensor da experiência real. Os seus objectos
constituem-se tautologias, visto que o objecto existe enquanto objecto, é o que é, e nada
mais para além disso. No entanto, sabemos que estas ideias não passam de uma radical
intenção teórica, visto que acaba sempre por existir, inevitavelmente, alguma interpretação.

No trabalho de Richard Serra, a relação literal com o corpo do espectador contrasta


radicalmente com os minimalistas. A grande escala que as suas esculturas apresentam nos
espaços públicos estabelece um jogo sensorial e interage literalmente com o corpo do
espectador, quando este circula pela área que a escultura delimita; através da sua
configuração formal, baseada na dicotomia peso/leveza, e suportada pelos estudos de
engenharia, Serra coloca de pé placas de aço com movimentos curvos e acentuados, como
se fossem folhas de papel. No entanto, tal como os minimalistas, nas suas esculturas não se
pretende uma atribuição de significado, por parte do espectador, para além “do que lá
está”, sendo que o objecto “é o que é”. Ainda no contexto minimal, Serra desmaterializa as
suas esculturas de grandes dimensões, através do vídeo, utilizando o corpo como escultura.
A dicotomia peso/leveza, que existia no reportório formal das suas esculturas, passou a

253
destacar-se nos seus vídeos. O gesto do artista, filmado a apanhar placas de chumbo que
caem de cima, contrasta com as imagens do vídeo que, na sua “fisicalidade” são leves. O
acto de atirar chumbo derretido contra uma parede é outra acção, embora, neste caso,
existe um objecto material, enquanto registo do momento; a forma que resultou daquele
acto acaba por reflectir a expressividade do movimento do corpo ao desempenhar a acção,
num determinado contexto criativo, passando a ser muito valorizado e praticado pelos
artistas. Este registo do momento, quando exposto numa galeria, remete para um processo
de deslocamento, quando o espectador, ao ver a expressividade do gesto de Serra no
chumbo, imagina o momento em tempo real, em que tudo aconteceu.

Na Land Art, esse processo de deslocamento acontece maioritariamente na


experiência estética do espectador. Os artistas desmaterializaram o objecto, desligando-o da
sua apresentação em tempo real ao espectador, evidenciando a efemeridade das
intervenções, graças à mutação constante da natureza. As intervenções executadas em
lugares longínquos da civilização eram apresentadas ao espectador, por meio de registos
documentais apresentados no espaço da galeria ou do museu, onde alguns vestígios da
matéria utilizada (terra, pedras, etc) eram apresentados, dentro de estruturas. O objecto, na
sua verdadeira totalidade, deixou de existir ao ser apresentado por outro meio, a fotografia
ou o vídeo, pressupondo um “deslocamento mental” do espectador do espaço da galeria
para o local da acção, onde se realizou a experiência estética.
Neste sentido, as intervenções de Smithson articulam a dialéctica site/nonsite,
realizando trabalhos que exploram as noções de lugar e de identidade, de experiência e de
acontecimento. O mesmo acontece com Richard Long, que caminhava repetidas vezes na
mesma zona do solo, criando uma linha no chão, que posteriormente era apresentada
apenas em fotografia, e o espectador poderia deslocar-se para o não-lugar a partir dos
elementos presentes no lugar, neste caso a fotografia da intervenção. Por outro lado, as
intervenções de Christo e Jeanne Claude eram executadas no local, permanecendo aí até
serem destruídas, sendo, até esse momento, visitadas pelo público, já que eram realizadas
em zonas urbanas, e não em lugares não longínquos, como acontece com outros artistas.
Na tradição da escultura, a escolha do momento exacto em que o corpo efectuava
determinado movimento ou expressão, apresenta uma similaridade com a captação da
fotografia; por isso as esculturas surgiam do congelamento da posição do corpo, tal como a
fotografia que captava um momento do mundo exterior. A técnica de registar um
momento para a posterioridade passou a ser a função da fotografia que se expandiu ao
universo artístico, como vimos na Land Art. Neste contexto, a fotografia passou a ser

254
relevante não só na sua componente documental, assim como foi elevada ao estatuto de
arte. A obra fotográfica dos Becher demonstra como a fotografia se pode converter num
meio escultórico, que destaca as formas industriais que morfologicamente foram elevadas a
objectos de escultura, desligadas do espaço original em que existem na realidade, surgindo
enquanto imagem.

Na Arte Conceptual a “destruição” ou desmaterialização do objecto já existia,


embora de forma metafórica, mas é no desenvolvimento das performances, happenings, ou body
art, que essa destruição material é literal. Com o objecto desmaterializado, o foco da
produção artística centra-se novamente no corpo, afastando-se radicalmente da artística
tradição volumétrica, aproximando-se sobretudo da acção, apesar de visível, era intangível.
A leveza do gesto era executada em tempo real, nas tipologias da performance, body art e
happening, estabelecendo uma ligação com os mobiles de Calder, que desempenhavam um
movimento real e físico perante o espectador, alterando a relação entre ambos. No caso
das modalidades da acção, muitas vezes, e após terem sido apresentadas ao vivo, são
documentadas em fotografia ou vídeo, para posteriores apresentações, em que as acções
passam a valer pela sua imagem, enquanto reprodução do acontecimento real. Neste
domínio, existiu uma aproximação não só entre arte e vida, mas também entre todas as
artes: a dança, o teatro, a música, a literatura.

A acção apresenta agora uma relação com o teatro; a acção é, em si, teatral, porque
está a ser representada, e apresentada em tempo real, pressupondo uma preparação, uma
actuação, uma encenação e um “palco”. No fundo, era um teatro sem teatro, visto que a
noção de teatro não era no seu sentido literal, como a memorização dos textos, o
tratamento da sala do espectáculo (cenografia), os ensaios, etc. Neste sentido, a ideia de
palco passa a ser o lugar da escultura, sendo que o processo do artista mudou pois é agora
produzido maioritariamente em tempo real; sem actuar num contexto literalmente teatral,
podemos confirmar que o próprio jogo mental dos ready-mades de Duchamp era teatral,
visto que o urinol encenava ser uma fonte, mas não era, sendo essa encenação baseada
numa ideia, num jogo mental, que possibilita a intenção de querer tornar real uma relação
que é teatralizada. As esculturas minimalistas também se destinavam a “teatralizar” o
espaço em que eram expostas, e sobretudo em “teatralizar” a experiência do espectador,
através da organização espacial dos objectos. Robert Smithson, com a dialéctica site/nonsite,
parece também apresentar uma ligação com essa relação “encenada”, na sala da galeria,
quando organizava a matéria e os registos da acção, cujas fotografias ou vídeo fazem com

255
que exista um deslocamento (imaginário e produzido pelo espectador) do espaço da galeria,
para o espaço onde foi executada a intervenção. Deste modo, a fotografia, em si, é um
teatro, no sentido em que retrata ou representa, no caso da Land Art, uma paisagem,
deslocando para o espaço onde está exposta, esse referente inicial. É como se encenasse a
presença do espaço fotografado para o local onde está apresentada.

Já o processo de criação de Joseph Beuys baseia-se numa acção totalizante que vai
muito para além do atelier, focando-se na experiência ou vivência, tal como os artistas da
Land Art. Joseph Beuys relacionava a vida com a arte, ao ponto de criar os seus objectos a
partir de acontecimentos da sua vida, imbuíndo a sua arte de valores espirituais; a arte só
existia por meio da vida e do sentimento interior do indivíduo que se fundia com a
natureza, apresentando aqui influências românticas. Realizou diversos objectos simbólicos,
mas também executou performances, utilizando materiais insólitos e associando-os a
conceitos, ideias e valores enraizados numa concepção mistérica e xamânica da vida,
ficando documentadas em imagem. Algo tão leve como o gesto do corpo tornou-se o meio
de expressão, em que o objecto se desmaterializa em imagem, em acção, em imagens em
movimento.

Na sociedade, a imagem tornou-se uma realidade que foi transposta para a arte,
fruto da evolução da tecnologia. Para além dos objectos minimais, que eram fabricados e
produzidos em série, a fotografia podia reproduzir inúmeras vezes a mesma imagem, e o
vídeo poderia fazer-nos reviver um acontecimento que experienciamos em tempo real,
criando um simulacro.

Na obra de Rui Chafes, o foco da experiência estética do sujeito, consiste na


conversão do objecto em ideia; o objecto nega-se a si próprio, é pintado de negro,
anulando-se enquanto forma, sendo activado enquanto silhueta. A dicotomia peso/leveza
apresenta-se no peso incontornável do ferro que tende a desmaterializar-se, a tornar-se
leve, a converter-se em imagem, em pensamento, em ideia-lembrança ou ideia-sentimento,
originado no interior do sujeito. A imagem na Idade Média também pretendia despertar
uma transformação espiritual no crente, existindo um pararelismo com a obra de Chafes,
em que o seu propósito é precisamente elevar o sujeito a partir de uma experiência
transcendente, quase religiosa e espiritual. Por essa mesma razão, o artista usa o mínimo de
matéria possível nos seus objectos, podendo ser considerados, do ponto de vista do peso,
uma anti-escultura.

256
Neste sentido, a obra de Pedro Cabrita Reis assenta numa dimensão conceptual, tal
como a de Chafes, em que os seus objectos, ou “modelos ficcionais”, como o artista
prefere apelidá-los, são uma lembrança das memórias da sua vida, as quais se foram
perdendo no tempo, gerando um sentimento de melancolia. Os modelos são, assim,
tridimensionais, mas parecem funcionar como simulacros, visto que não existe
espacialidade nesses modelos, aparecendo “encenados”, negando, à partida, o acesso
corporal às suas esculturas; a estas deve aceder-se com os “olhos da mente” e não tanto
com os “olhos do corpo”. Para o espectador, a verdadeira realidade que existe, é o próprio
objecto, neste caso “modelo ficcional”, que é o vestígio palpável do que o artista viveu e
cujo percurso o espectador deve “refazer” por via do pensamento.
Esta ideia de simulacro relaciona-se com o trabalho de Andy Warhol que
reproduzia as imagens e ícones da sociedade na sua exterioridade, isto é, enquanto
simulacros do mundo real. Cabrita Reis, quando se apropria de objectos do contexto
quotidiano, é como se tivesse a apresentar um simulacro da vida real, quando os converte
em objectos artísticos, os quais procuram, posteriormente, elevar-se a um estatuto de
imagem, ou, no limite, estatuto de desenho.
O simulacro, enquanto cópia e reprodução relaciona-se com o simulacionismo e o
apropriacionismo, centrados na “imagem” de um objecto, copiada ou reproduzida, no caso
da simulação, e “reciclada”, no caso da apropriação. A partir da imagem copiada, ou
apropriada, os objectos aproximam-se das massas, convertida agora em arte, fazendo
alusão a outros significados massivamente definidos. No entanto, no caso das obras de
arte, a substituição da unicidade, pela serialidade, graças à reprodutibilidade técnica, elimina
a autenticidade e a aura da obra de arte, através da sua reprodução em massa, alterando a
relação do público com a arte, como defendeu Walter Benjamin.

Neste contexto, podemos concluir que a escultura é formada por dois pólos: a
forma e a ideia. Ambos convivem e são inseparáveis enquanto obra de arte. É impossível e
inconcebível expressar e alcançar uma obra verdadeira, estando a imitar apenas a sua
superfície, a sua forma exterior (morfologia). O seu sentido, significado e essência, que
constituem a sua verdade, perdem-se com a reprodução. Deste modo, a escultura não se
resume somente à sua forma, mas, também, à ideia, isto é, ao conjunto das ideias, noções e
conceitos subjacentes, sendo que a complementaridade destes dois factores constitui as
qualidades da escultura, na sua totalidade. A ideia surge sempre a partir da componente
material do objecto, porque tem de haver uma comunicação com o espectador,
convertendo-se seguidamente numa imagem mental, que se relaciona com a própria forma,

257
visto que ideia também é forma. A experiência estética tornou-se a base desta
transformação, em que “ver” o objecto significa “perdê-lo”, no seu sentido material, dando
lugar a uma imagem.

É relevante salientar que a ideia é o que existe de mais leve no contexto da arte. A
ideia surge-nos enquanto imagem, posteriormente materializada em desenho, possuindo
ainda um elevado grau de leveza, que se perde totalmente quando é construído ou
executado um objecto. A matéria é o elemento que contém mais peso, mas, no entanto,
acaba por ser necessária enquanto intermediária entre o espectador e o artista.

A sucessiva e evolutiva desmaterialização da escultura, acompanhada pelas


dicotomias da forma e ideia/peso e leveza, são uma consequência não só das
transformações artísticas, no que diz respeito à forma e à acentuada predominância da
ideia, como também do aparecimento de novas tecnologias, que permitiram determinadas
inovações e abordagens artísticas que vão de encontro à própria ideia, à própria leveza; a
arte funciona como um espelho de nós mesmos, enquanto seres humanos individuais,
influenciados pelo tempo em que vivemos, pelas experiências por que passamos, existindo
necessariamente essa relação entre a arte e a sociedade. Na experiência estética, tem vindo a
acentuar-se a importância e a presença fundamental do espectador, enquanto pólo
“catalisador”, isto é, enquanto centro onde se gera a arte, sendo que, sem a presença de um
corpo e de um raciocínio, os objectos são despojados de qualquer sentido.

A escultura é, de facto, transcendência que toca um universo que vai além da


própria fisicalidade. Podemos afirmar que toda a arte é conceptual e depende de esquemas
“mentais”, e da influência desses esquemas na concepção e na percepção da obra de arte ou
objecto artístico.

Em todas as abordagens artísticas, a origem centra-se na mente humana, onde


surgem esquemas conceptuais sobre o corpo, e sobre tudo o que nos rodeia, e não na
reprodução imediata e fiel do mundo visível. Quer prestemos atenção à tradição figurativa
Medieval, à do Renascimento, do Barroco, à abstracção do corpo, até à desmaterialização
do objecto, estamos perante uma série de esquemas conceptuais. A arte sempre esteve
centrada nesses esquemas, assentes numa imagem interior que se reflecte num modo de
fazer, visto que, a autonomia da arte requer a transcensão do próprio referente, pois uma
coisa é a natureza, outra a arte.

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A representação do corpo humano foi o tema mais desenvolvido durante séculos.
No entanto, um motivo antigo, quando era trabalhado, era sempre fruto de
transformações, apesar da base ser a mesma; ao longo dos séculos trabalhou-se sempre
sobre o mesmo referente, alterando, no entanto, o modo e os meios. Mesmo quando não
se reproduzia o corpo, este era o centro da experiência estética, da relação fenomenológica
que ocorre na arte. Neste sentido, a imagem deixou de ser um fenómeno manifestamente
exterior, como na Idade Média, e passou a ser interior, sendo o corpo um suporte/meio da
imagem, originado na mente, a qual, doravante, constitui um dos activadores da própria
experiência estética e do sentido e alcance dos próprios objectos artísticos.

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