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INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca fazer uma revisão da literatura brasileira que possa levantar
os principais impasses entre liberdade e igualdade no Brasil, tendo como foco a desigualdade
de renda, assim como propostas para superá-la. O trabalho conta com uma breve revisão
falando sobre a desigualdade e os principais fatos que fazem o Brasil ser desigual, seguido de
uma revisão da literatura sobre de autores brasileiros com grande importância para o país que
abordaram o tema desigualdade, como Manuel Bomfim, Florestan Fernandes, Marilena
Chauí, Celso Furtado e Wanderley Guilherme dos Santos, e por fim, uma discussão sobre os
questionamentos propostos pelos autores.
O Brasil, segundo relatório divulgado pela Organização Não Governamental Oxfam
Brasil em 20171, ocupava o nono lugar no ranking mundial de desigualdade de renda, fator
que apesar da implantação de algumas políticas públicas que visavam diminuir os impactos
desse processo, como o Bolsa Família, amenizaram mas não conseguiram acabar com o
problema.
Mas a desigualdade social no Brasil não é um fator simples nem isolado. Marcado por
um passado de colonização e escravidão, a sociedade ainda sofre marcas desse processo,
levantando diversas desigualdades enraizadas na sociedade, como a discrepância de renda
provinda de heranças, a desigualdade educacional e de oportunidade entre as pessoas,
fazendo com que esses problemas sejam impasses para o republicanismo democrático no
Brasil.
Alguns estudiosos brasileiros abordaram o tema da desigualdade social em seus
estudos, como Florestan Fernandes, Manoel Bomfim, Marilena Chauí, Celso Furtado e
Wanderley Guilherme dos Santos, os quais evidenciaram também os principais impasses e
disrupturas do processo. Ao longo do trabalho, levantamos a discussão de cada autor.

REVISÃO LITERÁRIA

1 Disponível em:
<https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Relatorio_A_distancia_que_nos_une.pdf>.
Manoel Bomfim, um autor de grande importância, porém esquecido por muitos anos
entre os estudiosos brasileiros, nasceu em Sergipe e formou-se em medicina, mas atuou
principalmente na área de psicologia e pedagogia, trabalhando como professor, e publicando
várias obras, dentre elas, a História do Brasil e da América Latina.
Sua escrita mostrava que ele não concordava com os pensamentos da época,
criticando fortemente o caráter racialista das obras, a exploração e a espoliação das riquezas
brasileiras. Falava das heranças deixadas pela população Ibérica, como a dominação dos
meios políticos pela população burguesa e a resistência em sair desse posto.
Considerava como impasse entre a liberdade e a igualdade a permanência na origem
da colonização Ibérica, onde a colonização não acabou com a independência, e ainda vivia
muitos traços de conquista, predação e parasitismo, e que esses traços penetravam e
consistiam fortemente a cultura brasileira.
O autor via a educação pública como meio para construir uma sociedade democrática,
e como único meio de atingir a liberdade, porém, evidencia que o bacharelismo era um status
entre a população, e que ele conseguia despertar pouco interesse na sociedade.
Florestan Fernandes nasceu em São Paulo, em 1920, em uma família pobre, onde a
mãe era empregada doméstica. Não conheceu seu pai, porém, teve muito apoio da casa onde
sua mãe trabalhava, principalmente de sua madrinha, Hermínia Bresser de Lima. Lá,
aprendeu o valor dos estudos, e mesmo trabalhando desde os seis anos, ingressou na
Universidade de São Paulo (USP).
Foi sociólogo, professor universitário, colunista e deputado brasileiro pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), onde mostrou forte apelo a educação, fazendo parte da comissão da
educação, ajudando a elaborar a constituição de 1988 com leis de diretrizes de base da
educação nacional.
Florestan, em seus estudos, mostra principalmente a questão racial no Brasil, e do seu
ponto de vista, o negro ainda não tinha se integrado dentro da sociedade capitalista, por ser
mais desfavorecido do que os brancos. Para ele, enquanto não houvesse igualdade entre as
raças, o Brasil não seria um seria uma sociedade democrática. Assim como Manoel Bomfim,
para Florestan Fernandes a educação deveria ser laica, gratuita e libertadora.
Observando os principais quesitos levantados em sua obra, para o autor, o impasse
entre a liberdade e igualdade se dava pela desigualdade de raças no Brasil, e ele, assim como
Manoel Bomfim, cita a educação como o caminho para uma população igualitária e liberta.
Marilena Chauí é filósofa e professora, e uma das mais influentes intelectuais
brasileiras. Tem destaque na atuação política, tendo combatido a ditadura militar e
participado da gestão da prefeitura de São Paulo (1989 – 1992) como membro do Partido dos
Trabalhadores (PT).
A autora pode ser inserida entre os pensadores republicanos pelo modo como pensa a
liberdade. Para ela, democracia e socialismo devem andar juntos e o princípio norteador do
pensamento de Marilena é que no socialismo, assim como no republicanismo, igualdade e
liberdade caminham juntas. Por isso, pode-se falar em um “socialismo do republicanismo
democrático”, isto é, uma sociedade socialista pautada pelos valores do republicanismo como
a soberania popular, autonomia e legitimidade, e institucionalização de conflitos.
Para Marilena Chauí, o impasse entre liberdade e igualdade no Brasil, se dá pelas
raízes seculares de opressões sofridas historicamente no país. Opressões essas que bloqueiam
a autonomia e a soberania popular, pois um Estado submisso não oferece liberdade para seus
cidadãos.
A autora atribui à violência o domínio sobre nossos corpos e mentes, o que nos
transforma em objetos. O espaço público e republicano é historicamente minguado,
transferindo para o Estado o papel de sujeito de cidadania, o que reproduz cotidianamente
relações de poder que por sua vez continuam reproduzindo opressões. Há violência e
autoritarismo por todos os lados, não só os perpetrados pelo Estado.
A saída apontada por Marilena é a emancipação da população. A autora vincula o
conceito de autonomia e, portanto, a própria liberdade, à concepção de autogoverno, ou seja,
para que haja liberdade é preciso autonomia dos cidadãos e cidadãs.
Assim, ela distingue soberania nacional de soberania popular: a primeira se dá pela
sublimação da segunda. Diferentemente da soberania nacional, a soberania popular não
pressupõe a homogeneização da população, mas uma simetria de direitos e deveres e a
universalização da condição de cidadania. A soberania popular deve ser o referente para a
soberania nacional.
Para Marilena, não há república sem sentimento de república, isto é, uma comunidade
de valores compartilhados formando uma forte identidade entre os sujeitos. O povo oprimido
se liberta e se torna sujeito de sua própria liberdade, por meio do processo de emancipação.
Em contrapartida, para Celso Furtado, a razão da permanência da desigualdade no
Brasil é o subdesenvolvimento. O autor não considera o subdesenvolvimento como uma
etapa para o desenvolvimento, mas sim como uma forma de organização social no interior do
próprio capitalismo e um processo estrutural específico pela qual os países hoje considerados
desenvolvidos não passaram.
O subdesenvolvimento tem um caráter anti-humano. Quando se compreende isso, fica
claro porque ele deve ser superado. Se a liberdade de alguns precisar ser à custa da miséria de
muitos, então não haverá liberdade para ninguém.
A atualidade da obra de Furtado está na permanência do subdesenvolvimento que está
na nossa formação e espreita nosso futuro. Subdesenvolvimento não é o mesmo que
dependência: um país pode ser desenvolvido, porém também dependente. Contudo, um país
subdesenvolvido não é independente e, portanto, não tem autonomia. A modernização não é
suficiente para mudar nosso futuro, pois ela sozinha não é capaz de acabar com a
desigualdade estrutural em que fomos criados, bem como difundir simetricamente o
progresso técnico entre centro e periferia e ainda mais no interior desta, de estruturas sociais e
econômicas muito heterogêneas.
A solução são reformas estruturais e o deslocamento do centro do poder. Inclusive, o
autor se questiona se para superar o subdesenvolvimento não seria necessário antes superar o
próprio capitalismo. O subdesenvolvimento é inerente ao capitalismo, ele não existe sem as
relações assimétricas e exploração social.
Logo, Furtado propõe a superação dos fundamentos do processo histórico de exclusão
em um quadro de aprofundamento dos fundamentos de nossa democracia política. O autor é o
primeiro a fazer uma grande síntese de uma proposta de refundação republicana. Destino
nacional, soberania social e soberania popular – as três dimensões da república – estão
articuladas na obra do autor.
Para Furtado, o subdesenvolvimento se assemelha a devastação causada por uma
guerra. Para superá-la, seria necessária uma reconstrução social, ou seja, uma “refundação
republicana”, que implica quatro dimensões:
● Refundação ético-política. Em nossa cultura política há grande predomínio sobre o
direito de propriedade e acúmulo de capital, cultura essa que precisa ser questionada.
O caráter quase sagrado desses direitos bloqueia a reforma agrária, a reforma
tributária, os direitos dos trabalhadores e quaisquer formas de controlar as grandes
corporações. Por sua grandeza, essas corporações ocupam funções semi-públicas e,
portanto, deveriam ser enquadradas enquanto tais.
Deve-se também criticar a racionalidade com que funcionam os mercados e, a partir
da criação de uma comunidade nacional, decidir democraticamente a relevância dos
produtos a serem fabricados e comercializados.
O autor se preocupa com o papel desempenhado pela periferia em um momento de
economia globalizada: eles teriam autonomia desempenhando um papel central na
construção da própria história, ou seriam subjugados e colocados no lugar que melhor
aprouvesse às classes hegemônicas? – crítica à doutrina monetarista, que reduz tudo à
racionalidade. Para que o desenvolvimento seja possível, a distribuição de renda deve
deixar de ser uma hipótese e se tornar a condição de retomada para o crescimento
econômico.
● Reconstrução de um setor público, que não fosse nem estatista nem privatista,
repensando o papel do Estado no processo de desenvolvimento econômico.
● Democratização dos fundamentos da democracia política brasileira: construção de
bases sociais para ampliação da cidadania; superação das distorções no sistema de
representação; retomada de uma dinâmica federativa. O autor não chega a propor
condições para uma democracia mais participativa.
● O autor também propõe uma revisão histórica do modo desigual pelo qual o Brasil se
relacionou com o centro capitalista, sobretudo os EUA.
Em suma, Celso Furtado vincula a superação do subdesenvolvimento ao
aprofundamento da democracia.
O autor Wanderley Guilherme dos Santos, ao tratar da democracia impedida, aborda
justamente essa questão. Foi um autor muito importante para as ciências sociais, teve uma
trajetória associada a formular importantes teses sobre o Brasil e a política em geral. Ele
escreveu antes do golpe de 64 um panfleto conclamando forças populares a se unirem contra
o golpe. E após o golpe ele formulou uma hipótese inusitada sobre o mesmo, afirmando que
ele teria sido resultado de uma crise de paralisia decisória, combinando a fragmentação da
representação partidária no congresso com a radicalização ideológica e alta rotatividade
ministerial. E em 79 o autor lançou outra publicação afirmando que o padrão de restringir
direitos civis e políticos e conceder direitos sociais, se repetia nos anos pós ditadura,
controlando, por meio da regulação estatal o conflito entre capital e trabalho. O autor sempre
fazia o questionamento “por que a democracia brasileira não funcionava adequadamente? ”
Na situação de impeachment, em 2017, Wanderley Guilherme dos Santos publica
então o livro “A Democracia Impedida” - ele aproxima a democracia e as oligarquias,
deixando de pensar a democracia simplesmente como a oposição ao autoritarismo. Ele então
usa o termo poliarquia para se referir aos regimes democráticos existentes, e diz que essas são
produto de um processo histórico não calculado, desencadeado a partir da competição
limitada das oligarquias, mas com uma dinâmica qualitativamente distinta e um fenômeno
muito recente na história da humanidade. Analisando então a última obra do autor, feita após
o golpe que culminou no impeachment da presidenta Dilma, o autor meio que retifica falando
sobre a democracia do Brasil e sobre sua fragilidade.
Ele distingue dois tipos de situação que podem passar as democracias: a instabilidade
produtiva e a estabilidade improdutiva. No primeiro há melhora das condições de vida de
pelo menos um dos participantes, sem degradar as condições da posição do oponente. Ou
seja, quando há um progresso geral dos participantes, mas os subalternos não progridem tanto
quanto quem está no topo do estrato social. E no segundo, as condições materiais de vida dos
subalternos ou se mantêm as mesmas ou se degradam. A nova república como um caso de
instabilidade produtiva, que aparentemente é bem processada até há pouco pelas instituições
do país.
Ele mesmo já tinha identificado em suas outras obras uma tensão inerente às
democracias de massa, e agora vai explorar essa tensão a respeito do golpe parlamentar, e o
número de potenciais insatisfeitos é sempre maior do número daqueles que têm suas
demandas atendidas. Ele conclui então que o golpe parlamentar, filho bastardo da democracia
no século XXI (afinal já aconteceu em vários outros lugares), colocou o Brasil na onda
reacionária do capitalismo neoliberal.
Para fechar, essa sua última obra “A Democracia Impedida” tem várias contribuições
significativas para a ciência política. Primeiro fixando o termo golpe parlamentar.
Diferenciando este do golpe civil, já que teve o consentimento do poder judiciário. E trazendo
esse golpe como não estranho as democracias do século XXI. Inscrever o golpe com uma
interpretação de longo alcance, tanto de forma histórica como internacional; integrou a
democracia nos rumos do conflito distributivo no capitalismo. Se a igualdade no capitalismo
é um ponto de fuga, depois da crise ela se mostrou apenas com uma voracidade do interesse
imposto pelas minorias capitalistas. Concluindo que a relação entre democracia e igualdade
deveria voltar a ser centro de análise e de perspectivas das teorias democráticas.
E por último, que diante dos fenômenos com uma magnitude e uma intensidade tão
profundos, ele afirma que seja necessária uma nova agenda de pesquisa, teórica e empírica
que reorganize os conhecimentos e expectativas. Retornando então a questão inicial aqui
proposta: república liberdade e igualdade: qual a raiz do impasse? Nos levando a pensar que a
falta de igualdade, trazida de forma histórica e sendo carregada até os dias atuais, impede a
liberdade dos indivíduos e acaba por afetar também a república e o regime democrático, que
não é feito de forma plausível justamente por conta da desigualdade e da falta de liberdade.

CONCLUSÃO
Ao analisar os autores, podemos observar que cada um pensava o impasse entre
liberdade e igualdade de uma determinada forma e a partir de origens diferentes, fatores que
proporcionam a permanência desse impasse no Brasil e ainda sua persistência para o futuro,
pensando também em meios para superá-los.
Manoel Bomfim pensava na desigualdade como herança da colonização, predação e
parasitismo do país pela população Ibérica, e via na educação pública um meio para acabar
com a desigualdade no país. Porém, a educação pública não se faz sozinha, necessitando de
estruturas para que a população mais carente consiga ter acesso ao ensino, como transporte,
alimentação, estrutura familiar, equilíbrio financeiro, para que ele não precise trabalhar para
ajudar em casa e tenha tempo para ir à escola, entre outros.
Para Florestan Fernandes o impasse entre liberdade e igualdade se dava pela
desigualdade racial no Brasil que também pode ser encaixada no processo de colonização do
país, e ele também cita a educação como libertadora, caindo nas mesmas questões impostas
anteriormente.
Para Marilena Chauí o grande problema seriam as raízes seculares de opressões
sofridas historicamente no país, pois elas impedem a auto emancipação tanto da população
quanto do Estado, pois um Estado submisso não oferece liberdade nem igualdade para seus
cidadãos e cidadãs, o que só é possível quando, em uma comunidade onde os valores
republicanos são compartilhados por todos e todas, o povo oprimido se torna sujeito de sua
própria liberdade.
Já Celso Furtado via o subdesenvolvimento como a raiz para o impasse entre
liberdade e igualdade. O subdesenvolvimento é tido aqui como uma forma de organização
social no interior do próprio capitalismo e um processo estrutural específico pela qual os
países hoje considerados desenvolvidos não passaram. As soluções dadas pelo autor as são
reformas estruturais, como a reforma agrária e a reforma tributária, e também um
deslocamento do centro do poder, que não deveria permanecer centrado nas elites, mas
expandir-se também para as periferias, o que garantiria sua autonomia. As soluções
apresentadas pelo autor seria possíveis a partir de um aprofundamento da democracia no país.
Wanderley Guilherme dos Santos, ao se questionar sobre o mau funcionamento da
democracia brasileira, afirma que é necessária uma nova agenda de pesquisa, teórica e
empírica que reorganize os conhecimentos e expectativas. O autor nos leva a pensar que a
falta de igualdade, trazida de forma histórica e sendo carregada até os dias atuais, impede a
liberdade dos indivíduos e acaba por afetar também a república e o regime democrático, que
não é feito de forma plausível justamente por conta da desigualdade e da falta de liberdade.

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