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REPRESENTAÇÕES DE GOVERNOS AUTORITÁRIOS NO MANGÁ ONE PIECE E

SEU USO EM SALA DE AULA

Lara Danielle Barbosa Oliveira Silva 1

RESUMO:

O presente artigo analisa o mangá One Piece, do autor Echiiro Oda, e suas representações de
autoritarismo a luz do debate entre estudiosos do tema. A partir de diferentes concepções,
algumas características do autoritarismo durante a história são apresentadas e comparadas
com a ficção construída pelo autor, tais como elitismo e coerção social, estabelecendo
diálogos históricos e pedagógicos entre a ficção e realidade autoritária do mundo. Este
trabalho também conta com considerações acerca da importância e dos desafios que o
professor que deseja trabalhar com mangás em sala de aula irá enfrentar, além da legislação
que o apoia, fornecendo subsídio para a utilização de One Piece como ferramenta pedagógica
dentro da aula de história.

Palavras chaves: Ensino de história, autoritarismo, mangás.

INTRODUÇÃO:

O historiador Eric Hobsbawm ao se debruçar sobre o século XX, especialmente sobre os


movimentos fascistas e nazistas que marcaram o período, aponta como o apelo do discurso
fascista encontrava espaço entre a juventude de classe média, sobretudo entre jovens
estudantes, ficando conhecidos pelo seu ultradireitismo violento. Em 1921, mesmo antes da
Marcha sobre Roma, 13% dos estudantes eram membros do movimento fascista, e tal
porcentagem sofreu um aumento substancial após a ascensão do regime 2.

Infelizmente, mesmo na atualidade, embora em um contexto diferente com características


distintas, diversos partidos e políticos flertam com práticas autoritárias, e é na juventude,

1
Graduanda de licenciatura em história no Centro Universitário Jorge Amado, e integrante do programa de
iniciação cientifica (PIC) da instituição na linha de pesquisa “Representações históricas na cultura de massas”,
coordenado pelo Professor Mestre David da Costa Rehem. Orientada pelo Professor Mestre Sávio Queiroz Lima,
mestre pelo programa de pós graduação em história do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira
(UNIVERSO).
2
HOBSBAWM,Eric. A era dos extremos: O Breve século XX. Companhia das Letras. 1995, p. 125.
especialmente em idade escolar, que estes têm encontrado grande apoio. Seja por decepção
com a política, ou mesmo por alguma deficiência educacional, muitos discentes se aproximam
e defendem ideias antidemocráticas como a solução para as questões da nação.3

Neste sentido, é essencial aproveitar-se das várias ferramentas que podem apoiar os
professores neste momento, especialmente se estas conseguem formar um vínculo entre
escola e aluno. O presente artigo apresenta o mangá One Piece do autor Echiiro Oda4, como
uma dessas opções de ferramenta educacional ao analisar as representações de governos
autoritários em sua ficção a luz da historiografia, seu uso em sala de aula e sua importância
para o ensino em tempos de ameaças autoritárias.

CONSIDERAÇÃOS ACERCA DO AUTORITARISMO

O autoritarismo é um fenômeno presente em diversos momentos da história, tendo se


acentuado durante o início do século XX, o que René Remond intitula como “a crise das
democracias liberais”, onde a democracia já não era mais vista como um modelo político
eficiente diante dos problemas econômicos e sociais deixados pela Primeira Grande Guerra5.

Ao estudar os fenômenos autoritários na América Latina, José Luis Bendicho Beired associa
às ascensões de tais governos a consolidação do que o mesmo chama de direita nacionalista e
antiliberal, que rompia com os princípios liberalistas e condenava a soberania popular, bem
como a liberdade e igualdade, enquanto exaltavam a autoridade forte, hierarquia e obediência.
O mesmo prossegue apontando o revisionismo histórico como característica latente, baseado
em uma visão de decadência da história, que começaria no fim da Idade Média, e seria
marcada por abalar os pilares da boa sociedade, tendo como o auge de seus piores momentos
a Reforma Protestante, a Revolução Francesa, e especialmente governos de viés socialista 6.

3
A reportagem de Thiago Pereira para o jornal Rede Brasil Atual( RBA) aponta que embora as políticas sociais
do Partido dos Trabalhadores tenham alcançado uma boa parte da parcela da população de baixa renda, aqueles
que se viram de fora acabam sendo “captados” pelo discurso conservador de políticos de direita, vendo nestes a
personificação de um discurso antissistema. Para ler mais acessar:
https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/eleicoes-2018/liberal-na-economia-e-conservadora-nos-
costumes-a-nova-cara-da-politica-brasileira
4
One Piece é um mangá lançado em 1995, e prossegue em lançamento até os dias atuais, narrando à história do
jovem Luffy, que deseja se tornar o rei dos piratas, lançando-se ao mar com seus amigos para encontrar o
misterioso tesouro One Piece.
5
REMOND, René. O século XX: De 1914 aos nossos dias. São Paulo: Editora Cultrix.1974, p.60.
6
BEIRIDE, José Luís Bendicho. A direita nacionalista na América Latina: Personagens, práticas e ideologias. Os
intelectuais do liberalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2010, p. 534
No caso do Brasil, de forma mais específica, o estudo mais recente da historiadora Lília
Moritz Schwarcz se debruça sobre os fundamentos e características gerais do autoritarismo no
país, cuja autora aponta estar presente desde o período colonial do país e se perpetuou até a
atualidade. Para ela, devido à formação social fundamentada no sistema escravocrata, o
autoritarismo já estava implícito nesta sociedade, gerando como consequência, dentre outras,
o mandonismo: prática originada nos engenhos de açúcar, onde os mandos privados passam a
se sobrepor sobre aos públicos7.

O autoritarismo, como pode ser observado através do estudo de alguns autores citados acima,
não é um fenômeno homogêneo, mas certamente algumas características se mostram comuns
com certa frequência, como um Estado forte, elitista, violento, que se utiliza de revisionismo
histórico para justificar seus discursos, e que cativa a sociedade com promessas de segurança
e um conservadorismo reacionário. Tais exemplos como característicos, dentre outros que
serão abordados, serão utilizados na análise do autoritarismo na obra em questão.

A FIGURA AUTORITÁRIA E O ELITISMO EM ONE PIECE

Guillermo O´Donnell escreveu que na América Latina se estabeleceu a prática do


autoritarismo - burocrático, uma forma de sistema político essencialmente não democrático e
excludente, que se apoiava no controle da participação popular e que é dominado por uma
elite econômica e social8.

Partindo da definição do sociólogo supracitado, o mundo fictício de One Piece apresenta


semelhanças em sua política com tal conceito. Para iniciar a análise, é preciso compreender
que o mundo de One Piece, criado por seu autor Echiiro Oda, é divido em cinco grandes
mares, cada um com ilhas-nações com diferentes formas de governo que estão submetidas a
um Estado maior conhecido como Governo Mundial, que existe para manter a ordem e
oferecer proteção a toda à população dos países membros.

Porém, tal como O´Donnell escreveu, o Governo Mundial está muito mais preocupado em
manter somente uma parcela muito restrita da população segura, uma elite santificada, bem

7
SCWARCZ,Lília Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras. 2019, p.36
8
O´DONNELL, Guilhermo.El Estado burocratico autoritario. Promoteo.2012, apud COLLIER,David. O novo
autoritarismo na América Latina. Resumo do modelo autoritário-burocrático. São Paulo: Editora Paz e Terra
1982, p.32.
como os seus aliados, que estão dispostos a obedecer e corroborar com qualquer decisão do
governo. Segundo o conceito do autor, o elitismo é uma característica marcante e essencial
das práticas autoritárias, onde a vontade da classe dominante é imposta sobre qualquer outra
pelo Estado, que em geral tende a sacrificar as massas pelo seu interesse.

O regime militar de 1964 é um exemplo de como as classes populares são sacrificadas em


prol do beneficiamento das elites econômicas e sociais. Segundo o historiador Marcos
Napolitano, o “milagre econômico” tão aclamado pela propaganda do governo militar de fato
trouxe avanços capitalistas à nação, mas a custo do sacrifício dos trabalhadores do país, que
não participaram dos benefícios deste dito avanço, tendo, em vez disso, seus salários
reduzidos em 25% durante o período, enquanto a inflação acentuava cada vez mais a
concentração de renda9.

No caso de One Piece, este elitismo é apresentado no celebre arco do arquipélago de Sabaody,
narrado nos volumes 50 a 53 da obra, onde é introduzida a grande elite sagrada de One Piece,
para quem todos os esforços do Governo Mundial estão voltados, denominados de dragões
celestiais ou tenryubitos. Estes são os descendentes dos fundadores do Governo e são
considerados intocáveis, a ponto de sua segurança pessoal ser feita pelos almirantes da
Marinha, o cargo mais alto entre os militares.

Este grupo vive separado da população do mundo em uma rica terra chamada de Mary
Geoise, financiada pelos impostos pagos pelas demais nações associadas ao Governo
Mundial. Abaixo destes, estão às elites de nobres que compõe os governos das nações que
atuam de forma conivente com as ações do Governo, e a estes também é oferecido apoio
financeiro especial e segurança.

Outro ponto muito associado a práticas autoritárias e presente no Governo Mundial de One
Piece é a corrupção. Um exemplo de corrupção em governos autoritários pode ser encontrado
no caso da Ditadura Militar Brasileira de 1964, que demonstra que embora os militares
tenham se promovido sobre as propagandas de anticorrupção e anticomunismo, estes
estiveram envolvidos em práticas corruptas durante todo seu governo, como a suspeita vitória
da agropecuária CAPEMI para a exploração de madeira no Pará e os 10 milhões investidos

9
NAPOLITANO, 1964: A história do regime militar brasileiro. Editora Contexto 2014, p.136.
que teriam sido desviados na ação. A corrupção se acentua nestes tipos de governos, na
medida em que a censura e violência frequentemente encobrem as denúncias. 10

No capítulo 69, Oda registra a corrupção de forma explicita na Marinha, ao apresentar a


história de uma vila que era mantida sobre o domínio do pirata chamado Arlong, que
submetia, através da violência, os moradores, cobrando altos impostos para não os matar. Um
oficial da Marinha é responsável pela região, porém contrariando os princípios que norteiam
sua profissão, recebe uma porcentagem do valor extorquido da população para manter suas
atividades em segredo.

Apesar de suas práticas visivelmente questionáveis, o Governo Mundial se mantém no poder


não apenas se valendo de hegemonia política, mas também através de seu poder militar
coercivo e de um clássico revisionismo histórico sobre suas origens.

REVISIONISMO HISTÓRICO E COERÇÃO

Para início de discussão é de suma importância entender que revisão histórica não é uma
prática necessariamente negativa, sendo um termo usado para considerar os avanços do
campo da historiografia, em seu caráter renovador de novas abordagens e reconsiderações
interpretativas, e este artigo não tem como objetivo condenar esta pratica. O revisionismo aqui
tratado se refere àquele de cunho ideológico, utilizado como justificativa de ação ou como
forma de tentar refrear efeitos indesejáveis de determinados momentos históricos, e que se
tornou uma prática comum aos governos autoritários.

Eric Hobsbawm em sua célebre obra Ecos de Marselhasa: Dois séculos revêem a Revolução
Francesa, escreve sobre as explosões revisionistas acerca da Revolução Francesa e seu
impacto na sociedade. -o referido autor apontou que, durante o bicentenário da Revolução, a
produção historiográfica acerca estava dominada visivelmente por aqueles que não gostavam
deste momento histórico e muito menos do impacto de sua herança sobre a sociedade, sendo
que esta se tornou rapidamente o símbolo da difusão da democracia na Europa.11

10
SCHWARCZ,Op..cit, p.110.
11
HOBSBAWM, Eric. Ecos de Marshalesa: Dois século revêem a Revolução Francesa. São Paulo: Companhia
das Letras. 1990, p.9.
Durante a expansão do direitismo antiliberal no século XX, o revisionismo do passado
nacional se tornou uma característica latente deste pensamento que precederia a ascensão de
Estados autoritários, como o caso da Argentina, que fundamentado nos escritos dos irmãos
Ernesto e Rodolfo Irazusta, colocava o liberalismo, a democracia e os interesses britânicos
como vilãos que levaram o país a ruína, e somente um Estado forte poderia trazer a glória
passada de volta.12

O governo autoritário de One Piece se vale de forma quase similar do controle da produção
historiográfica em seu mundo e de revisionismos suspeitos. Sua história de ascensão é
controversa, e se pauta na união de países há 800 anos para derrotar uma determinada nação
que representava perigo para o mundo, trazendo assim a ordem e o equilíbrio. Esta história
não apenas justifica a existência do Governo Mundial, mas também suas ações elitistas, e a
própria existência da elite dos terryubitos que controlam o mundo.

A controvérsia reside na falta de comprovação histórica no argumento do Governo, este que


proíbe e pune qualquer um que busque pesquisar sobre está história ou questionar está versão,
ao ponto de que o século anterior ao surgimento de Governo Mundial é chamado de Século
Perdido, pois quase todas as evidências históricas de sua existência foram destruídas.

O único vestígio histórico deste século são artefatos chamados Poneglyfos, pedras gigantescas
e indestrutíveis, que contêm toda a verdade sobre o período, gravadas em uma língua
desconhecida. Logicamente, o estudo e tradução do que está escrito é estritamente proibido,
evidenciando outro ponto significativo do autoritarismo, que é a coerção e intolerância.

Neste aspecto, Mario Sznjder escreveu sobre a intolerância e coesão dentro do fascismo: 13

A intolerância do fascismo deriva claramente de seu nascimento político como


ideologia política contraposta aos princípios e práticas da democracia liberal.
Utilizando os termos de Bobbio, o fascismo centrando-se na importância e na
primazia do poder político, não admite as discussões que podem fazer prevalecer à
razão. Entre outros motivos, isto acontece porque as verdades do fascismo não
necessariamente são de origem racional, mas porque basicamente o fascismo não
reconhece o direito natural à vida (o direito humano básico), nem o direito a
integridade física e todas as liberdades que derivam disso, mas propõe uma visão

12
BEIRED, Op.cit p.540.
13
Naturalmente, este artigo não propõe que fascismo e autoritarismo são fenômenos iguais, mas que apresentam
ações e características em comum.
orgânica na qual o bem-estar do indivíduo está subordinado ao da comunidade
(nação-raça) e as leis que esta desenvolveu ao longo da história e que impelem seu
bem-estar, mesmo que para consegui-lo seja necessário sacrifício individual 14

Embora Sznjder se refira ao fascismo italiano em seu estudo, a prática é comum também a
outros tipos de autoritarismo, que têm suas verdades tão fracamente pautadas na razão quanto
o regime de Mussolini, e como tal não admite distorções no seu ideal de sociedade orgânica,
punindo e sacrificando os indivíduos que se oponham.

O arco de Enies Loby de One Piece, que é iniciado no volume 33 e finalizado no 44, retrata o
poder de coerção do Governo Mundial quando suas verdades são questionadas. No mundo
fictício, a produção historiográfica fica a cargo dos arqueólogos, estes que tinham como
centro de pesquisa a Ilha de Ohara, conhecida como tendo a maior biblioteca do mundo. Nesta
ilha, secretamente, os arqueólogos passaram a empreender estudos sobre os poneglyfos,
buscando conhecer a verdadeira história e aprendendo a sua linguagem.

Quando a informação é vazada, a reposta do Governo é lançar um ataque brutal conhecido


como “Chamado da destruição”, conduzindo centenas de marinheiros e navios de guerra para
matarem os arqueólogos, eliminarem seus estudos e destruírem toda a ilha, matando inocentes
no processo15·. O massacre é realizado em nome da manutenção da ordem, e a única
sobrevivente que escapa é rapidamente classificada como inimiga do Estado e passa a ser
caçada em todo o mundo.

De forma semelhante, durante os regimes autoritários da América Latina, as prisões e campos


de concentração estavam cheias de pesquisadores que ousaram tão somente cumprir suas
funções na busca pela verdade, e muitos, mesmo hoje, jamais tiverem nem sequer seus corpos
encontrados16.

MANGÁS NA EDUCAÇÃO E SEUS DESÁFIOS

14
SZNJDER, Mario. Tempos de Fascismo: Ideologia- intolerância- imaginário. Fascismo e intolerância. São
Paulo:Editora EDUSP.2010, p 32.
15
Há um momento especifico neste volume em que os livros raríssimos guardados na biblioteca são cruelmente
queimados, demonstrando um desprezo profundo do Governo com a produção cientifica ali guardada, algo
similar a queima de livros da Alemanha Nazista.
16
Sobre os mortos e desaparecidos da ditadura militar de 1964 no Brasil, o site da organização Memórias da
Ditadura fornece um memorial com todos os nomes das vítimas, e a identidade dos desaparecidos. Acesso:
http://memoriasdaditadura.org.br
O uso de mangás, assim como as demais produções de quadrinhos, não é estranho a educação.
Sua inserção nas salas de aula -começou a ser oficializada através da Lei de Diretrizes e Base
da Educação Nacional (LDB) de 1996, que recomendava o uso de novas linguagens e
produções de entretenimento, mas que seria consolidada com a elaboração dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) em 1997, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso17.

Para os mangás, especificamente, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), de


2006, é marco essencial. Pela primeira vez, um mangá foi inserido nas listas de literatura que
seriam distribuídas nas escolas naquele ano em busca de disseminar cultura. Este mangá é
intitulado Na Prisão, de Kazuichi Hanawa, lançado pela editora Conrad.

A relação dos mangás com a produção histórica também não é atual. Gen, Pés Descalços, de
Keiji Nakazawa, é uma obra autobiográfica que narra desdobramentos do Japão durante a
Segunda Guerra Mundial, especialmente o bombardeio nuclear a Nagazaki e Hiroshima.
Sobre esta relação com momentos históricos, Alexandre Babosa escreve que os mangakas,
como são chamados os autores de mangás, souberam unir elementos da ficção com sua
realidade, criando novas possibilidades e críticas para o mundo que os cerca18.

Amparados por legislação, os mangás se apresentam como ferramenta pedagógica, e no


contexto deste trabalho, não apenas o mangá One Piece, mas muitos outros, que contenham
ou não elementos de ficção , podem ser utilizados nos debates políticos sobre autoritarismo,
tão essenciais a sala de aula em um momento tão crítico como o que a educação atualmente
vive.

No entanto, as barreiras para sua utilização são fortes. Não se deve esquecer que os mangás
não são produções ocidentais, mas sim orientais, o que significa que estes são frutos de
valores culturais muito diferentes dos quais as sociedades americanas e europeias estão
acostumadas. O choque de culturas acaba sendo inevitável, especialmente para as famílias que
seguem as doutrinas Judaico-cristão, que acabam associando determinados termos utilizados
nas obras como imorais. É comum que estas obras sejam proibidas em muitos lares, se não
pelo argumento citado acima, então pela comum presença de elementos de violência, embora

17
VERGUEIRO, Waldomiro, RAMOS, Paulo. BARBOSA, Alexandre. Quadrinhos na educação: Da Rejeição a
prática. São Paulo:Editora Contexto. 2009, p.10.
18
BARBOSA,Op cit, p.109.
em geral nas obras jamais seja injustificada, e venha quase sempre acompanhado por amplo
debate entre os personagens que a usam, ainda assim seu enredo e profundidade são
rapidamente reduzidos a estes momentos.

Além do preconceito cultural, ainda existe o preconceito no âmbito escolar, seja pelos
docentes ou pela gestão. Para Jurjo Torres Santomécritica, o fato de que os curriculos
escolares e práticas docentes estão mergulhadas no adultocentrismo, que silencia as culturas
juvenis e infantis dentro do contexto escolar, as vendo como menos importantes em uma
hierarquia de saberes, perdendo assim uma oportunidade importantíssima em conectar o
alunado aos conteúdos escolares através das culturas em que estes estão inseridos.19

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Chega-se então a conclusão de que a luz dos estudos empreendidos na comparação entre os
diferentes teóricos, o mangá One Piece apresenta utilidade como ferramenta pedagógica nas
aulas de história para debater com os discentes acerca da presença perigosa do autoritarismo
na história e como os discursos populistas atuais, que grupos políticos espalham por toda a
sociedade, não passam de estratégias para o estabelecimento de tais formas de governos, e
consequentemente a submissão das massas.

Porém o mais aterrador sobre as leituras feitas e as comparações com a realidade é a


percepção sobre distopia trágica em que a sociedade contemporânea está mergulhanda cada
vez mais. A educação é uma via de discussão, com potencial para instrumentalizar a
sociedade frente a ascensão do autoritarismo. Se tão somente os jovens estudantes
compreenderem a ameaça dos governos autoritários, poderão construir outras alternativas de
sociedade.que os cerca, poderão construir um futuro de liberdade.

19
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Alienígenas em sala de aula. As culturas negadas e silenciadas no currículo. Bahia:
Editora Vozes.1995. p.163.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BEIRED, José Luís Bendicho. A direita nacionalista na América Latina: Personagens,


práticas e ideologias. Os intelectuais do liberalismo.São Paulo: Civilização Brasileira. 2010.

COLLIER, David. O novo autoritarismo na América Latina. Resumo do modelo


autoritário-burocrático.Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1982

HOBSBAWM, Eric. Ecos de Marselhesa: Dois séculos revêem a revolução francesa. São
Paulo: Companhia das Letras. 1990.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX(1944-1991).São Paulo:


Companhia das Letras. 1995.

NAPOLITANO, Marcos. 1964: A história do regime militar brasileiro.São Paulo: Editora


Contexto. 2014.

REMOND, René. O século XX: De 1914 aos nossos dias.São Paulo: Editora Cultrix. 1974.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Alienígenas em sala de aula. As culturas negadas e silenciadas no
currículo. Bahia: Editora Vozes.1995

SCWARCZ. Lília Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro.São Paulo: Companhia das


Letras. 2019.

SZNJDER, Mario. Tempos de Fascismo: Ideologia- intolerância- imaginário. Fascismo e


intolerância. São Paulo: EDUSP. 2010.

VERGUEIRO, Waldomiro, RAMOS, Paulo. BARBOSA, Alexandre. Quadrinhos na


educação: Da Rejeição a prática. São Paulo: Editora Contexto. 2009.

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