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De acordo com o Capítulo II da Lei n. 11.340 (arts. 22 e 23), existem dois tipos
de medidas protetivas: I – as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor; e
II – as medidas protetivas de urgência à ofendida. Das medidas que obrigam o agressor
tem-se: suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de aproximação da
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quando os elementos probatórios não forem suficientes para formar seu convencimento,
isto é, nos casos em que não vier acompanhado de elementos suficientes ao acolhimento
do pedido de medida protetiva.
A Lei Maria da Penha não estipulou prazo específico de duração das medidas
protetivas de urgência, contudo, deve-se considerar que as medidas protetivas
permaneçam enquanto forem necessárias para garantir a integridade física, psicológica,
moral, sexual e patrimonial da mulher vítima da violência. Dessa forma, o juiz deverá
analisar as particularidades de cada caso, de modo a considerar o interesse da vítima em
manifestar que se encontra em situação de risco.
A Portaria Conjunta nº 30, de 09 de outubro de 2017 da Corregedoria e
Presidência do Tribunal do Rio Grande do Norte, havia estabelecido que a eficácia das
medidas protetivas concedidas surtiria seus efeitos pelo prazo de 90 (noventa) dias, a
contar da intimação das partes. Decorrido o lapso temporal dos noventa dias, arquiva-se
definitivamente, com baixa na distribuição. No entanto, o Ministério Público interpôs
reclamação contra essa decisão que estabeleceu o referido prazo. Assim, a aplicação
desse instrumento legal caberá aos juristas, fundamentado na análise das
particularidades de cada caso, afim de que se possa garantir proteção integral às
mulheres em situação de risco no âmbito doméstico e familiar.
Considerando que as medidas protetivas deverão permanecer enquanto forem
necessárias para garantir a integridade da mulher vítima da violência, cabe mencionar
que a sua concessão nem sempre estará vinculada a inquérito policial ou eventuais
processos cíveis ou criminais, exatamente porque deve-se ponderar que os tipos de
violência doméstica definidos no Art. 7º da Lei Maria da Penha, nem sempre se
configuram infração penal, prevista no Código de Processo Penal. Ou seja, a medida
protetiva concede a proibição de contato, aproximação ou comunicação com a ofendida
e outras, o tempo que for necessário, mas não implica que o agressor seja submetido a
um procedimento criminal.
O juiz poderá decretar a prisão preventiva, mas também pode revoga-la no curso
do processo, caso verifique a causa falta de motivo que o subsista, conforme Art. 20.
Além disso, a busca da proteção, por meio das medidas protetivas, nada impede que a
vítima busque a solução do litígio envolvendo o divórcio, a guarda de filhos, alimentos
ou do patrimônio (partilha de bens).
Neste ano de 2018, a legislação avança a partir da Lei 13.641 que altera a Lei
Maria da Penha em seu Art. 24, quando passa considerar crime o ato de descumprir
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Disponível em: <http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/13479-feminicidio-
rn-tem-mais-de-100-processos-em-fase-de-execucao-penal>.
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Todos os nomes são fictícios a fim de garantir o anonimato das entrevistadas.
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https://www.defensoria.rn.def.br/nucleo/defesa-da-mulher-vitima-de-violencia-domestica-e-
familiar
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Eu não considero que eles são iguais porque o homem quer sempre ser
melhor que a mulher em tudo. Por exemplo, em relacionamentos quer
mandar na mulher, não quer que ela saia de casa, nem pra ir pra casa
da mãe. Eu tiro pelo pai dos meus filhos, se eu tivesse andando na rua
e passasse um homem, eu tinha que olhar pra baixo, ele queria que eu
só vivesse dentro de casa, tipo uma prisioneira. Mas quando chegava
final de semana, ele ia pras festas e me deixava trancada dentro de
casa, botava a chave no bolso e se mandava. (Fátima)
Dentro de casa eles não são iguais. Eu acho que o homem era pra
ajudar a mulher dentro de casa. Tem homem que ajuda, mas não é
todos. Eu acho assim, o homem quando chega em casa só se dedica a
assistir jogo e beber. Quer a casa arrumada, a comida feita, não ajuda
nem a botar as crianças pra dormir. É tudo a mulher. (Ana)
vez mais no mercado de trabalho, isso não significou uma transformação na sua relação
com o trabalho doméstico e familiar.
Dados da PNAD (2016) apontam que 82% dos afazeres domésticos são
realizadas por mulheres, mesmo num cenário em que 40% dos lares brasileiros são
chefiados por elas, evidenciando uma jornada extensiva de trabalho. Ainda segundo a
pesquisa, os homens dedicam cerca de 10 horas semanais às atividades não
remuneradas, enquanto as mulheres dedicam pelo menos o dobro desse tempo. E mais:
40 milhões de mulheres têm como atividade única o trabalho não remunerado.
As mulheres acabam tendo que conciliar as tarefas domésticas, com o trabalho
assalariado, todavia, considerando por outro lado as mulheres que estão exclusivamente
no trabalho doméstico não remunerado, a contradição se coloca em outros termos, uma
vez que a ausência de uma renda própria se configura como um impedimento à
autonomia das mulheres (ÁVILA, 2015).
A gente que não tem escolaridade, que não tem um emprego fixo ou
uma renda boa, sofre demais. É humilhada o tempo todo pelo o
homem, porque você não tem o seu dinheiro. (Vitória)
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O meu (marido) uma vez chegou pra mim e disse: você não tem mais
feminilidade, você já está feia e gorda, e você vai ficar pior. Na mesa
do café da manhã ele disse isso. Nossa, isso acabou comigo, eu que já
estava acabada, aquilo me destruiu. A menopausa batendo na porta.
(Maria das Graças)
Queiroz (2008) também aponta que a violência psicológica acaba sendo relegada
a segundo plano pelas autoridades policiais, havendo uma dificuldade em reconhecer
essa modalidade da violência. Várias mulheres temem denunciar o agressor pelo
descrédito que muitas vezes é dado ao relato delas, assim como vários serviços públicos
não registram a denúncia da mulher corretamente. Estima-se que essa forma de
violência se faz presente em cerca de 15 milhões de lares brasileiros, o que é bastante
preocupante.
As falas que se seguem demonstram a dimensão que a violência psicológica
provoca na vida das mulheres entrevistadas.
Ele sempre dizia assim, que mulher pra viver comigo tem que ser do
jeito que eu quero. Tipo, não mexa nisso, não faça aquilo, tinha
sempre que obedecer e se não obedecesse apanhava. (Vitória)
Quando ele começou a me trair, foi muito cedo, eu vivi 25 anos com
ele, no terceiro mês de casamento eu fui na casa da menina com um
revolver cheio de bala matar a menina. Foram 9 amantes. Ele ia
embora, ficava com as amantes, elas o traiam e ele voltava pra casa. E
assim, eu tinha medo da solidão, de não conseguir sobreviver, tinha
medo de um monte de coisa, mas no fundo eu que sempre mantinha a
casa, porque ele só vivia no bar bebendo e com as mulheres no
mundo. Você está vendo, como ele conseguia manipular a minha
mente pra eu não conseguir enxergar tudo isso, e não ter forças pra
sair da relação? É aí onde está o problema, as pessoas falam que não
deixam porque é sem-vergonha. Não é não. São vários fatores, além
da psicológica, porque eles têm uma capacidade incrível de acabar
com o seu psicológico. (Maria das Graças)
Pra mim a violência é até na parte do falar. Sobre isso, pra mim, é um
problema muito grave porque envolve com o seu psicológico. Quando
o homem ameaça a mulher, acaba a estrutura dela todinha, só no falar
já destruiu tudo nela. (Lourdes)
Eu passei dois anos com essa pessoa e ainda passei muito. Era um
inferno. Dizia as coisas comigo, era aquela pressão psicológica, sabe,
queria o tempo todo mandar em mim. Mas eu não ficava calada, se ele
dissesse um, eu dizia dois. (Ana)
via de regra, requer uma intervenção externa. A autora, com base em Mathieu (1985),
argumenta que isto não significa que as mulheres sejam cúmplices de seus agressores,
pois, se assim fosse, elas precisariam desfrutar de igual poder. As mulheres detêm
parcelas ínfimas de poder comparado aos homens, de modo que elas só podem ceder,
mas não consentir. A exemplo, na relação patrão-empregado, este pode não consentir
com as condições do contrato do seu vínculo empregatício, todavia, ele cede as
condições pois considerando esse momento histórico é abundante a oferta de força de
trabalho, ao mesmo tempo em que é escasso os postos de trabalho.
Na perspectiva de análise proposta por Saffioti (2004), não se pode concordar
que a mulher ocupa uma posição passiva e/ou de cumplicidade com a violência, bem
como não se deve patologizar o comportamento do homem. O fenômeno quando visto
pelo prisma da patologização do agressor, obscurece a compreensão, uma vez que
ignora as hierarquias e as contradições sociais, sobretudo no que se refere a organização
desigual entre os gêneros. Esse mecanismo se assemelha à culpabilização dos pobres
pelo espantoso nível de violência de diversos tipos. A violência doméstica e familiar,
ultrapassa as classes sociais, o grau de industrialização, de renda per capita, de distintas
culturas (ocidental x oriental) etc. A pobreza pode ser um dos elementos que
desencadeia a violência de gênero, igualmente como o álcool, todavia, não é sua causa.
Em face disso, pode-se afirmar que todas as mulheres estão vulneráveis a
violência patriarcal, contudo, esta não as atinge da mesma maneira. As condições de
pobreza, de dependência financeira, de privação de direitos sociais, potencializam a
situação de violência e, não à toa, as formas de enfrentamento não são iguais para todas
as mulheres. As de classe média ou alta vivenciam, assim como podem vivenciar atos
violentos praticados por seus parceiros ou ex. Mas é certo que quando as mulheres são
pobres e negras, tudo se torna ainda mais difícil.
Basta recorrer ao Mapa da Violência: Homicídios de Mulheres e ver que as
negras aparecem como maioria das vítimas da violência doméstica e familiar, revelando
o racismo como um fator de risco a vida dessas mulheres. Das cinco entrevistadas,
somente uma se autodeclara branca. As demais se consideram parda ou negra. Um fato
curioso é que uma das entrevistadas, apesar de traços evidentemente negros, se
autodeclarou parda.
Das cinco entrevistadas, somente duas possuem vínculo empregatício, os quais
são vínculos autônomos – revenda de cosméticos e chips de celular - evidenciando a
inserção feminina no mercado informal. Na informalidade essas mulheres buscam
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garantir sua subsistência e a de seus filhos/as, obtendo uma fonte de renda mensal nem
sempre suficiente para suprir as despesas.
Ele é aquele tipo de homem muito machista, mulher minha é pra ficar
em casa, mulher minha não trabalha, não quero mulher minha usando
roupa curta. Mulher minha não faz isso, não faz aquilo. Ele foi
ensinado desse jeito, que podia fazer tudo, mas a mulher não. Tinha
que ser do jeito que ele quisesse. (Vitória)
A mulher não tem a mesma força que ele. O homem ele só é poderoso
pra nós mulheres, pra outro homem ele não é de jeito nenhum. O
homem que bate em uma mulher, não vai nunca bater em outro
homem. A mulher não consegue, jamais, competir a força dela com a
de um homem. (Ana)
Fátima conta que esperou o companheiro sair para trabalhar, arrumou todas as
suas coisas e a da criança, pegou um taxi e foi direto para delegacia. Registrou o
Boletim de Ocorrência e logo em seguida pegou um ônibus para Natal, a delegada
esclareceu que ela poderia dar entrada na medida protetiva de urgência por aqui. E foi
exatamente o que ela fez. Fátima falou que todos da família ficaram boquiabertos
quando ela contou o que passou ao lado do seu ex companheiro, pareciam não acreditar
que tudo aquilo era verdade.
Muitas vezes, a mulher em situação de violência acaba tendo que lidar com a
descrença acerca daquilo que ela relata. Parentes, amigos, vizinhos, pessoas de sua
convivência diária, que deveriam ser apoio diante de uma situação como essa, nem
sempre se mostram dispostos a ajudar. “Em briga de marido e mulher não se mete a
colher”, ainda é uma ideia recorrente nos dias atuais, de modo que “ninguém quer se
envolver”. Somado a isso, a mulher fica sujeita a culpabilização não apenas de pessoas
próximas, mas também por profissionais dos serviços públicos.
Fátima conta que se sentiu privilegiada pois aonde ela procurou ajuda, encontrou
todo o apoio.
Eu já ouvi falar muito, mas de olhar assim tudo o que está no papel,
não. Eu sei que a Lei Maria da Penha diz que na agressão contra a
mulher, o homem pode ser preso, pode ser punido. Eu sei que falam
muito da lei, da história dela, mas no momento eu não sei dizer muito
bem. Sei que é importante que exista uma lei em benefício da mulher.
A partir dali foi que eu percebi que eu não o conhecia mesmo. Porque
no início era um homem calmo, trabalhador, não fumava, não bebia.
Mas quando eu me vi naquela situação dele ter arrombado a minha
casa, levado os meus pertences, da minha criança, aí o meu chão
abriu. Ele ainda veio no Whatsapp falar: olha o que eu fiz, eu ainda
posso fazer muito mais, veja o que eu sou capaz de fazer. Isso
aconteceu seis anos depois da gente ter se separado. Ele não tinha
mais nada comigo, era só ex. Foi quando ele se aproximou, tentou
voltar e eu não quis, que ele fez tudo isso.
Quando questionada sobre o que sabe sobre a Lei Maria da Penha, a entrevistada
Lourdes é bem enfática
Essa lei pra mim demostra ser muito severa, mas quando a gente
chega lá é outra coisa. É uma conversa pra escutar a outra. Hoje em
dia você apanha e fica apanhada, não tem como retirar aquela dor,
cada vez mais piora. Eu queria que tivesse algo a mais pra poder
complementar essa lei aí. Essa lei está muito esquecida. Esquecida pra
o Estado, para os grandes. Se lembrasse não morriam tantas. Tem que
ter algo mais efetivo que um papel. Ela é importante, mas deveria
oferecer um apoio maior de qualificação, de escolaridade, de emprego
pra gente. Isso que deveria fazer, e não apenas a medida protetiva, pra
gente não ficar como se tivesse numa prisão.
A partir da sua fala é possível identificar que para ela, a medida protetiva que
deveria ser vista como uma forma da mulher se libertar de um relacionamento marcado
pelo uso do poder, aparece numa inversão, isto é, ela sente-se prisioneira, inclusive
dentro da sua própria casa. O temor de sofrer algum ataque violento do seu ex
companheiro é constante, pois mesmo com a medida protetiva ela não se sente segura.
Essa ausência de segurança é justificada pelo fato de que, no final das contas, para a
mesma, a medida protetiva se resume apenas a um papel.
Vale destacar que a entrevistada, já requereu medida protetiva duas vezes, e que
tem um processo criminal contra o agressor, pois também precisou entrar com ação de
alimentos para o filho do casal, como ele não pagava, foi necessário propor uma outra
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A entrevistada faz menção a morte de Alexandra Moreira da Silva, assassinada em 2014 pelo
ex-marido, com vários golpes de faca, dentro de um transporte coletivo, em plena luz do dia. Ela
tinha a medida protetiva de urgência, inclusive, na ocasião do seu assassinato, a medida
protetiva encontrava-se dentro de sua bolsa. Lourdes a conhecia, pois as duas moravam no
mesmo bairro. Cabe frisar que a chamada Lei do Feminicídio só veio entrar em vigor no ano
seguinte.
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ação de execução de alimentos. Contudo, a falta de celeridade da justiça fez com que
nenhum dos processos tenha sido ainda julgado. Em termos das MPU, a mesma
acrescenta:
A última vez que eu apanhei foi em público, a gente foi pra Extremoz-
Rn comemorar a virada de ano, aí pouco antes ele tentou manter
relação sexual comigo, só que eu não quis, aí já saiu com raiva.
Quando passou um tempo, estava todo mundo bebendo, quando do
nada ele cismou que tinha um homem olhando pra mim e meteu a mão
na minha cara. Na hora, o pessoal que estava em volta avançou em
cima dele porque viu que eu não estava fazendo nada, aí foram e
chamaram a polícia. A viatura chegou lá, ia pegar ele em flagrante,
mas a mãe dele estava na hora e me pediu por tudo que fosse mais
sagrado pra que eu dissesse que ali tinha sido uma brincadeira, e ela
até disse que se eu não falasse que era uma brincadeira, quando fosse
mais tarde não ia ter polícia e nem ninguém pra me ajudar. [...]. Eu
fiquei com muita vergonha, no ambiente público você para o lado e
está todo mundo olhando. Eu baixei a cabeça. Eu tinha coragem, mas
o meu medo era maior do que eu.
O meu menino chegou pra mim e disse mãe não deixe pai bater na
senhora. Então pra mim aquilo foi a gota d’agua, a minha ficha parece
que caiu naquele momento. Meu próprio filho abriu a boca pra dizer
isso, então eu fui e chamei a polícia pra prestar queixa dele. Quando
eles chegaram, um falou pra mim assim: dona Vitória, a senhora é
uma mulher nova, a senhora tem tudo pela frente, ele não sabendo dá
valor a senhora, mas eu tenho certeza que tem alguém lá fora que
queira, então a senhora está perdendo sua vida com um homem desse.
Quem ama cuida, não machuca.
As palavras do filho, junto as do agente policial fizeram com que ela tivesse
forças para denunciar. Assim o fez.
[...] essa lei foi criada pra dar coragem as mulheres que não tinham,
assim como eu, né. A proteger a gente, porque a mulher que sofre
violência, a gente vira como se fosse uma criança assustada, tem medo
de tudo, toma aquele pânico, mesmo sendo adulto. A gente tem medo
e o medo é triste, paralisa. Eu digo a você que o medo é pior do que a
fome. A gente anda o tempo todo com medo de morrer, porque você
fica com aquele negócio na cabeça, você vai morrer, eu vou lhe matar,
fica no psicológico da gente, fico atordoada.
Como dito no relato acima, a Lei Maria da Penha para Vitória foi importante no
encorajamento das mulheres que temiam denunciar seu agressor. Por mais que os
limites das MPU sejam apontados, há entre as entrevistadas, uma importante referência
na referida lei uma vez que ela é a base sobre a qual os limites e possibilidade se
estruturam. Lembrando que a mesa não se restringe aos aspectos jurídicos/policiais, ela
preconiza uma gama de serviços, em especial, os serviços assistenciais.
Considerando as falas das entrevistadas, em linhas gerais, fica evidente a
necessidade de reforçar o atendimento em Rede. Uma ação judicial pode sim ser um
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primeiro passo dado pela vítima, contudo, é um ato que não deveria permanecer em si
mesma. A fim de garantir à mulher o acesso aos direitos assegurados mediante políticas
públicas de prevenção e combate às violências, é preciso o atendimento articulado, para
que a mulher seja devidamente acompanhada por equipe profissional especializada, que
seja inserida em espaços onde ela possa falar e ser ouvida, sem revitimizá-la; espaços,
inclusive, de auto-organização de mulheres.
Ana, nossa a quarta entrevistada, conta que conviveu durante dois anos com o
seu agressor. E fruto desse relacionamento tem um filho que hoje completa um ano de
idade. No começo da relação haviam desentendimentos, o casal costumava brigar muito,
mas nada que fizesse a entrevistada acreditar que ele seria capaz de agredi-la. Foi então
que, quando ela engravidou, exatamente com cinco meses de gestação, houve a primeira
agressão física.
Ana foi vítima do seu primeiro ataque violento no período da gravidez, assim
como Fátima e Vitória, citadas anteriormente. Imediatamente ela procurou a família do
agressor, buscando alguma ajuda ou apoio, mas não encontrou. Aliás, assim como
Fátima, ela apontou a existência de uma cumplicidade da família, em especial da mãe,
diante da agressividade do seu parceiro. Dois meses depois, mais outra agressão física.
Ali ela entendeu que precisaria por um basta na situação e foi o que fez. Foi a delegacia,
registrou o Boletim de Ocorrência e requereu a medida protetiva de urgência.
usando drogas, vai que ele não tenha parado e depois venha atrás de
mim quando me ver em algum canto. Não tem como saber. Quando
ele quer matar ele chega e faz. No mesmo dia que eu dei entrada, foi o
dia que mataram aquela mulher lá perto, no igapó27.
Para Ana, a medida protetiva não garante proteção, dada a realidade que mostra
que mesmo com a medida protetiva mulheres são assassinadas. Segundo ela, não passa
de um papel, se o agressor em momento de fúria quiser matar sua ex companheira, ele
faz. Até a polícia chegar, a mulher já vai está morta. Ela também menciona o fato do
uso de drogas que pode leva-lo a cometer algo contra sua vida. Como já exposto neste
trabalho, o uso de substancias psicoativas, podem potencializar um ataque violento,
todavia, não deve ser visto como causa, pois analisar dessa forma é isentar o agressor da
responsabilidade dos seus atos.
A respeito da Lei Maria da Penha a mesma demonstra pouco conhecimento.
Já tinha ouvido falar, mas não conheço não. Na verdade, essa lei é só
pra dizer que é uma lei porque muitas mulheres morreram também.
Tem esse negócio da pessoa dá parte, mas isso não impede nada não,
se ele quiser fazer, ele faz. No tempo da medida era pra o cara está
preso. Não era pra está solto. Se ele tivesse preso ele não tinha matado
a mulher.
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A entrevistada se refere a morte de Isolda Claudino, em março de 2018, assassinada pelo seu
ex-marido com 14 facadas, quando retornava para casa, no bairro de Igapó, zona norte de Natal.
Ela tinha a medida protetiva de urgência.
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violência do pai. Instaurou-se mais um inquérito policial e ele foi preso novamente. A
filha entrou com a medida protetiva de urgência e foi a partir da iniciativa dela que
Maria das Graças então requereu a medida protetiva. Disse que a atitude da filha foi
crucial para o seu encorajamento. Na fala seguinte, o depoimento do episódio que
antecedeu o pedido da MPU.
Na última vez que ele me agrediu eu liguei pra polícia e nada. Minha
filha teve que ligar pra o namorado dela que ligou pra o pai que é
policial aposentado, que ligou pra um amigo do quartel, ai de repente
chegou um monte de polícia tudo armado lá em casa. Quer dizer, tem
a lei, agora eu tou com medida protetiva, tou com esse processo, ta
tudo lindo. Mas se o cabra chegar lá em casa, quebrar meu portão,
minha porta, entrar e matar eu e minhas filhas, vai embora, ai a polícia
vai chegar quando?
A fala de Maria das Graças reflete o que também foi dito por outras
entrevistadas acerca dessa ausência de proteção, apesar da mulher agredida ter ido
buscar o apoio da Justiça.
Eu me sinto protegida mas até certo ponto. Porque a gente nunca sabe
do ser humano, do que ele é capaz de fazer. Se encher a cara de álcool
ele vai lá, bagunça, e depois foge. A medida protetiva é papel. Eu
tenho medo que ele descumpra a medida. Eu tenho muito medo dele.
Outro dia eu ia pra faculdade de manhã e ele vinha de moto, eu fiquei
morrendo de medo. Eu mudei o número de telefone e tudo.
Vítima de todas as modalidades da violência, foi a única entrevistada que relatou
sobre a violência sexual pratica pelo esposo. Disse que por várias vezes foi forçada e até
mesmo coagida a ceder aos desejos sexuais do esposo, mesmo contra a sua vontade.
Segundo ela, aquilo era horrível. O estupro conjugal ainda é uma questão pouco
discutida, considerando que o contrato matrimonial parece dar direitos aos homens de
controlar a sexualidade feminina.
A mesma compartilha do argumento da entrevistada Lourdes, ao atribuir a falta
de proteção aos dispositivos da Justiça: “[...] não é a lei Maria da Penha, é a justiça em
si. O cara lhe bate, arrebenta com seu rosto e fica por isso mesmo. A falha é a justiça.”
Cabe reiterar que a medida protetiva de urgência concede a proibição de contato,
aproximação ou comunicação com a ofendida e outras, o tempo que for necessário,
contudo, não necessariamente o agressor será submetido a um procedimento criminal,
que poderá resultar na sua prisão. O juiz poderá decretar, conforme disposto na Lei, a
prisão preventiva, mas também pode revoga-la no curso do processo, caso verifique a
falta de motivo que o subsista.
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Em abril de 2018 foi publicada a Lei 13.641, que introduziu o artigo 24-A na Lei
Maria da Penha, e criou o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência
(MPU). Com a criminalização se tornou possível assegurar a possibilidade de a
autoridade policial prender em flagrante quando houver o descumprimento à ordem
judicial da MPU: a exemplo de quando o agressor rondar a casa ou local de trabalho da
vítima, tenta entrar na casa sem sua autorização, encaminha insistentemente mensagens
via WhatsApp, celular, redes sociais, ou até mesmo quando busca os filhos na escola
tendo a suspensão do direito de visitas etc.
Todavia, todas essas ações ainda não parecem ser suficientes para assegurar
maior segurança entre as entrevistadas que recorreram a esse tipo de medida, a sensação
mais comum por elas exposta é de que não há uma materialidade em tais ações, visto
que veem a justiça como morosa, pois deveria prender logo o agressor.
Fato é que, mesmo preconizado pela Lei Maria da Penha em seu Art. 11, a
autoridade policial deve garantir a proteção imediata quando a vítima acionar, contudo,
na maioria dos casos isso não acontece por vários limites institucionais, dentre eles
pouco contingente policial, muitos processos para despachos nas Varas da Violência,
interpretações dos/as juízes/as sobre a necessidade ou não da medida, dentre outros.
Portanto, compreendemos que a Lei 13.641, é uma Lei para outra Lei,
exatamente porque políticas de cunho punitivo isoladas não solucionam graves
problemas sociais que tem raízes profundas na cultura machista e patriarcal.