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Dependência química
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DEPENDÊNCIA QUÍMICA:
CONCEITUAÇÃO E MODELOS TEÓRICOS
Daniel Cruz Cordeiro
Pontos-chave
>> Não existem exames clínicos ou laboratoriais que determinem o diagnóstico de dependên-
cia química.
>> Os modelos teóricos utilizados para explicar a dependência química evoluíram até o con-
ceito biopsicossocial atual.
>> Os conceitos sobre a forma de consumo devem ser utilizados de modo coerente e respon-
sável para evitar diagnósticos errôneos.
Modelo moral
Para o modelo moral, o uso de substâncias e a dependência química seriam esco
lhas pessoais. Segundo esse conceito, o consumo seria uma forma de desrespeito às
normas, transformando o paciente em um transgressor. Esse entendimento torna
o indivíduo sujeito a críticas sobre a doença, sendo ele responsável por ela e, como
tal, apto a arcar com todas as consequências em quaisquer situações.3,4 Esse modelo
muitas vezes faz do paciente intoxicado um alvo de críticas, desatenção e punição em
serviços de saúde. São exemplos de pensamentos gerados por essa concepção: “Tanta
gente doente e esse aí causando confusão porque bebe” ou “Esse paciente vive che
gando drogado no pronto-socorro. Melhor atender rápido e mandar logo embora.”
O modelo moral é uma abordagem em desuso para o tratamento da depen
dência química. Apenas responsabilizar o paciente pelo quadro de intoxicação não
torna o profissional diferente das pessoas em geral (família, empregador, vizinhos),
as quais, muitas vezes, já apresentaram esse tipo de postura. O indivíduo é levado
a responsabilizar-se como causador da dependência e por mantê-la por não ter a
“força de vontade” que promove mudanças comportamentais bem-sucedidas.5
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va a embriaguez um pecado cometido por falha de caráter do indivíduo, mas um
hábito a ser desaprendido.4 O intuito seria encontrar um equilíbrio no consumo
de álcool, de forma que o sujeito retornasse ao estágio anterior à dependência. Se
Modelo espiritual
Em 1935, Bill Wilson e Robert Smith criaram os Alcoólicos Anônimos. A depen
dência de álcool, nesse modelo, é entendida como uma condição que o indivíduo é
incapaz de superar por si só. A esperança de mudança consiste em entregar a vida a
uma força superior, e, a partir daí, segui-la rumo à recuperação. Praticar o Progra
ma de 12 Passos é fundamental para a recuperação. A partir do AA, diversas outras
irmandades foram criadas seguindo, basicamente, a programação dos 12 passos.
O Al-Anon e o Alateen foram criados para familiares de dependentes de álcool;
além desses, há o NA (Narcóticos Anônimos), o DASA (Dependentes de Amor e
Sexo Anônimos), o Neuróticos Anônimos, o CCA (Comedores Compulsivos Anô
nimos) e muitos outros.3
Modelo psicológico
A seguir, são apresentadas diversas escolas de pensamento voltadas ao modelo psi
cológico que tentam explicar o surgimento da dependência química:
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O modelo biológico ganhou novo fôlego na década de 1970 e envolveu a etiolo
gia com a fisiologia e a genética. O transtorno relacionado ao consumo de subs
Modelo biopsicossocial
Segundo esse modelo, uma multifatoriedade está envolvida no surgimento da de
pendência química. As diferentes teorias associadas seriam necessárias para deter
minar a doença, e o indivíduo não teria apenas uma única causa para explicar o
desenvolvimento, o curso e o prognóstico do problema.6 A substância seria apenas
um dos fatores de uma tríade que incluiria o indivíduo e a sociedade de que faz
parte e na qual a substância se encontra.7
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em questão de semanas, retorna à quantidade de 1 L por dia).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, acredita-se que todas – ou quase todas – as substâncias psicoativas
podem produzir os quadros aqui descritos. Porém, além das quantidades e da fre
quência de uso, tais quadros também podem surgir de acordo com suscetibilidades
pessoais e quadros clínicos associados. Algumas pessoas, por exemplo, têm maior
predisposição para apresentar quadros psicóticos, portanto, menores doses ou me
nor frequência de uso de substâncias poderiam produzir um quadro de transtorno
psicótico.9
Um dos maiores estigmas do diagnóstico de dependência química está na im
possibilidade de “cura” ou mesmo na dificuldade em lidar com os pacientes. Enten
der a doença e suas características é essencial para que o profissional diminua frus
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REFERÊNCIAS
1. Williams GH. Doença vascular hipertensiva. In: Fauci AS, Braunwald E, Isselbacher
KJ, Wilson JD, Martin JB, Kasper DL, et al. Harrison: medicina interna. Rio de Janeiro:
McGraw-Hill; 1998.
2. Silva CJ. Critérios de diagnóstico e classificação. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R,
organizadores. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas publicas. Porto
Alegre: Artmed; 2011.
3. Marques ACPR. O uso do álcool e a evolução do conceito de dependência de álcool e
outras drogas e o tratamento. Rev IMESQ. 2001;(3):73-86.
4. Perrenoud LO, Ribeiro M. Etiologia dos transtornos relacionados ao uso de substancias
psicoativas. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, organizadores. Dependência química:
prevenção, tratamento e políticas públicas. Porto Alegre: Artmed; 2011.
5. Pillon SC, Villar Luis MA. Modelos explicativos para o uso de álcool e drogas e a prática
da enfermagem. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(4):676-82.
6. Figlie NB, Bordin S, Laranjeira R. Sistemas diagnósticos em dependência química: con
ceitos básicos e classificação geral. In: Figlie NB, Bordin S, Laranjeira R, organizadores.
Aconselhamento em dependência química. 2. ed. São Paulo: Roca; 2010. cap. 1.
7. Fonseca VAS, Lemos T. Farmacologia na dependência química. In: Diehl A, Cordeiro DC,
Laranjeira R, organizadores. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas
públicas. Porto Alegre: Artmed; 2011.
8. Edwards G, Marshall EJ, Cook CCH. O tratamento do alcoolismo: um guia para profis
sionais da saúde. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
9. World Health Organization. Classificação de transtornos mentais e de comportamento
da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993.
LEITURA RECOMENDADA
American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais:
DSM-IV. Porto Alegre: Artmed; 1995.