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(Re)colocar a aprendizagem no centro da Educação Física

Paula Batista1,2, Paula Queirós1,2


1Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Porto, Portugal
2Centro de Investigação, Educação, Inovação e Intervenção no Desporto (CIFI2D)

Introdução
A instituição escolar, fruto de mudanças sociais, legislativas e ideológicas, tem vindo a transformar-se.
Em Portugal, este panorama reformador, inserido numa agenda de inspiração neoliberal, tem modificado
não apenas a estrutura escolar, mas também a configuração curricular. Com efeito, tem-se assistido à
implementação de um currículo marcado por uma visão utilitarista e redutora da escolaridade,
demasiado centrada em resultados de exames nacionais e em objetivos instrumentais, restringindo,
marcadamente, a ação educativa. O currículo veiculado é um currículo esvaziado da componente
experimental e das áreas de aplicação, colocando em risco o lugar que pertence à educação nos
currículos escolares dos vários níveis de ensino.

Nesta nova configuração, o reforço das disciplinas de Português e Matemática, em detrimento de outras
áreas formativas, como é o caso da Educação Física, associado à implementação de exames em todos
os ciclos de ensino e à exacerbada burocratização do espaço escolar, veio limitar a possibilidade
formativa das crianças e jovens. Assiste-se, assim, a uma acentuação da formação baseada na aquisição
e reprodução de conhecimentos, que carece de espaços flexíveis, que contemplem a criatividade e a
inovação, isto é, a pessoa que mora em cada aluno. Pode mesmo afirmar-se que a educação caminha a
passos largos para a desumanização.

Esta conceção de educação, intelectualmente orientada, remete para uma valorização, quase exclusiva
do conhecimento (McNamee, 2005), representando um dos maiores entraves à valorização da Educação
Física. De facto é uma perspectiva educacional que, não obstante não negar a importância do exercício
físico, não lhe atribui importância educativa. Neste modo de interpretar a educação existe a preocupação
com o bem-estar corporal, mas não significa que se considere que este tipo de atividade deva ser objeto
de preocupação educacional (Carr, 1997). Face a este panorama, a afirmação da disciplina reclama a
necessidade de evidências que coloquem em relevo aquilo que vai além do meramente “físico”,
conferindo-lhe, assim, valor educativo.

Paralelamente a esta conceção de educação, o modo como os professores de Educação Física expõem o
currículo aos alunos também influencia negativamente a perceção da área (Ranson, 2000),
nomeadamente no contexto português (Farias, Hastie, & Mesquita, in press).
A Educação Física, mais que outras áreas disciplinares, encontra-se numa situação de maior
vulnerabilidade no contexto curricular, pelo que não pode continuar a persistir em fórmulas gastas e em
expedientes de mera sobrevivência; necessita de ensaiar novos caminhos, capazes de atrair e de implicar
a vontade e a energia dos estudantes e professores num esforço de construção conjunta de experiências
de aprendizagens desportivo-motoras enriquecedoras e culturalmente significativas (Azzarito & Ennis,
2003).

A preocupação de recolocar a Educação Física, enquanto disciplina paritária às restantes, tem sido
constante, como se pode perceber pelas diretrizes da UNESCO, que remontam a 1978, inscritas na Carta
Internacional da Educação Física e do Desporto, na qual se afirma que “todo ser humano tem o direito
fundamental de acesso à educação física e ao desporto, que são essenciais para o pleno desenvolvimento
da sua personalidade. A liberdade de desenvolver aptidões físicas, intelectuais e morais, por meio da
educação física e do desporto, deve ser garantido dentro do sistema educacional, assim como em outros
aspetos da vida social” (p.3). Mais recentemente, a mesma organização vem reforçar esta ideia,
colocando a Educação Física de Qualidade (EFQ) no centro da sua agenda de educação pós 2015, no
sentido de garantir “que todas as crianças, em particular as que pertencem a grupos marginalizados e
vulneráveis, estejam preparadas para entrar na escola e saiam dela com conhecimentos, valores,
aprendizagem e habilidades mensuráveis, para que se tornem membros da sociedade e do mundo
responsáveis, ativos e produtivos” (UNESCO, 2015, p. 8).

Não obstante estas diretrizes, existe uma discrepância, comum em muitos países, entre o que as escolas
oferecem e o que os alunos procuram, resultando na rejeição da Educação Física enquanto legítima
atividade escolar. Assim, nos processos de renovação da Educação Física é necessário atender à
contextualização cultural. De facto, se queremos que os alunos “se movam das ‘play stations’ para os
‘campos’”, qualquer reconceptualização da Educação Física, que contribua para a criação do
‘fisicamente educado’ ou ‘desportivamente culto’, terá de ser acompanhada de melhorias da qualidade
dos processos de ensino e de aprendizagem (Hardman, 2015), designadamente pelo recurso a diferentes
modelos de ensino que podem servir de apoio à transformação dos discursos e das práticas da Educação
Física e à reconfiguração dos papéis, das responsabilidades e das relações entre os seus atores.

Partindo deste enquadramento, nesta reflexão procurar-se-á situar as questões relativas às conceções e
práticas em Educação Física numa perspetiva de aprendizagem.

Conceções e práticas da Educação Física

Como é vista a Educação Física

No entendimento de Vlieghe (2013), a Educação Física tem sido interpretada como uma atividade
educacional preocupada unicamente com o físico. Neste pressuposto, a assunção de que o exercício
físico é, por si só, educacionalmente relevante não se compagina (Vlieghe, 2013). A procura da
afirmação da disciplina, é já uma luta antiga. De facto, conforme referido por Hirst e Peters (1970), a
Educação Física desde a sua introdução na escola, no século XIX, tem lidado com uma baixa apreciação
das outras áreas disciplinares, que questionam a sua legitimidade enquanto componente obrigatória do
currículo escolar. Esta tem assumido um significado marginal ou secundário para a educação (Renson,
2006). Este posicionamento decorre da crença de que a Educação Física apenas trata do físico,
investindo tempo e energia no mero exercício de capacidades físicas, como a força, velocidade,
resistência e flexibilidade. Na verdade, a Educação Física, como uma disciplina escolar obrigatória, tem
sido tolerada apenas na medida “em que apoia o ensino eficaz e aprendizagem de outras disciplinas”
(Renson, 2006, p.532).

A esta desvalorização também não é indiferente o tipo de atividades proporcionadas nas aulas de
Educação Física, que na década de 70, em muitos países europeus, se centrava em atividades gímnicas
e de relaxamento, visando a recreação ou a manutenção da forma. Hoje, diferentemente, a Educação
Física incorpora principalmente desportos, jogos e dança, levando a que em alguns países o termo
“desporto” esteja a substituir o termo "Educação Física".

De facto, presentemente assiste-se a um debate em torno do papel do desporto na Educação Física –


enquanto que para uns o desporto é considerado uma parte da Educação Física, para outros tende a ser
o centro, nomeadamente no que concerne à sua forma exclusivamente competitiva. Segundo Capel e
Whitehead (2013), a centração na competição, isto é, na atividade competitiva por si só, (basquetebol,
voleibol, futebol, entre outros desportos) constitui-se como um perigo, porquanto não permite o
desenvolvimento de conhecimento específico, habilidades e compreensão das práticas. Outro dos
discursos em torno da Educação Física é o da saúde, em que a componente do treino físico é dominante.
Este discurso, não obstante ser enfatizado por muitos, não oferece um conteúdo educativo à Educação
Física, porque a preocupação central é a participação ativa do aluno, com vista à criação e manutenção
de estilos de vida ativos, e não a aprendizagem em contexto escolar. Nesta perspetiva os professores
consideram-se responsáveis por incutir nos alunos hábitos para uma vida ativa e saudável no futuro, em
vez de se centrarem nas aprendizagens (do aqui e agora). A prevalência da ideia do futuro e da saúde
sobre o aprender e conhecer, remete para uma conceção pedagógica que passa apenas manter os alunos
fisicamente ativos, pelo que não se pode assumir como o ponto central do currículo desta área disciplinar
(Nyberg & Larsson, 2014).

Outro polo discursivo é o da recreação, que associa a Educação Física a atividades de lazer associadas
exclusivamente ao prazer. Esta visão pode resultar num entendimento da Educação Física como sendo
apenas um intervalo no trabalho sério da educação (das áreas disciplinares cognitivas). Deste modo, à
Educação Física apenas é reconhecido o benefício que traz às outras disciplinas e não a associação
explícita da Educação Física ao conhecimento ou à aprendizagem (Nyberg & Larsson, 2014). A noção
que emerge é que a EF é só para divertimento, não tendo nenhum contributo significativo a dar à
educação (Capel &Whitehead, 2013).
Face a este panorama, surpreendentemente, o veiculado em 1993 por Bart Crum, continua a manifestar-
se nas práticas de ensino que são marcadas por duas ideologias convencionais -“education of the
physical” e “education through the physical” -, cujos ideais são, respetivamente, biológicos e
pedagógicos, resultando num processo de ensino-aprendizagem voltado, ora para o divertimento e
controlo disciplinar, ora para a aptidão física, sendo que o foco na aprendizagem tende a ficar descurado
(Batista & Pereira, 2014). Este panorama não é porque os professores de Educação Física, considerem
que não devem levar os alunos a aprender, mas sim porque nem sempre assumem que os alunos têm que
aprender. Estas são conceções que se repercutem nas práticas, levando a que os princípios do
entretenimento e do treino da aptidão física imperem, remetendo ao esquecimento o princípio essencial,
que é o ensino (Batista & Pereira, 2014).

Como deve ser vista a Educação Física?

Nos processos de tentativa de legitimação, vários têm sido os caminhos, avanços e recuos. Mencione-
se a título de exemplo o caso da Suécia na qual a Educação Física não é um ‘assunto’ onde o
conhecimento e a aprendizagem estejam articulados como questão central. Neste contexto, a tentativa
de legitimar a EF ocorreu pela teorização, enquanto tentativa de a aproximar de outras disciplinas
académicas. O resultado foi torná-la ‘mais teórica’. Outra tentativa passou pela justificação com base
em valores extrínsecos (caráter utilitário, como um meio para atingir outro fim, como é o caso da saúde),
em detrimento dos valores intrínsecos (valor educativo em si mesmo, isto é, a atividade vale por si só)
(Nyberg & Larsson, 2014). Estas incursões, à semelhança de outras, falharam, pois não contemplam a
essência da Educação Física, descurando aquilo que a diferencia das outras áreas curriculares.

A Educação Física tem que ser encarada como uma disciplina relevante do currículo escolar, que vai
muito para além do físico, na qual o movimento e o desporto, enquanto matéria de ensino, estão
inerentes, devendo ser entendida como uma disciplina curricular que toma o desporto como uma forma
específica de lidar com a “corporalidade”, enquanto sistema de comportamentos culturais, marcado por
normas, regras e conceções socioculturais (Bento, 1999). Com efeito, a Educação Física é muito mais
do que o desenvolvimento da aptidão física e espaço recreativo e divertimento; podendo deter, como
defende Crum, (1993), três papéis principais: a aquisição de condição física, a estruturação do
comportamento motor (dito de outro modo, uma corporalidade consciente) e a formação pessoal,
cultural e social. Diríamos, uma Educação Física fundamentada nos conteúdos específicos do desporto,
enquanto fenómeno cultural, social e biológico (Batista & Pereira, 2014). Importa assim incorporar na
Educação Física práticas desportiva sistemáticas, carregadas de intencionalidade educativa, concebidas
de forma integrada e com significado cultural, capaz de proporcionar prazer aos alunos e fundada nos
valores do desporto. Uma prática promotora da autoconfiança e autorrealização, que partilhe a
responsabilidade com outras áreas nos processos de desenvolvimento de competências que contribuem
para formar cidadãos confiantes em si mesmos e socialmente responsáveis (UNESCO, 2015). Este modo
de interpretar a Educação Física, reflete o modo como a sociedade contemporânea valoriza o corpo
(Rose, 2001). De facto, a corporalidade começou a desempenhar um novo papel, mais especificamente,
o corpo deixou de ser olhado apenas como um objeto, passando a ser considerado uma parte essencial,
ou mesmo a mais importante dimensão, do self (Rose, 2001). Neste pressuposto, a dimensão que a
cultura corporal ou de movimento assume na vida do cidadão atual é tão significativa que a escola deve
ser chamada não a reproduzi-la simplesmente, mas a permitir que o indivíduo se aproprie dela
criticamente, de modo a exercer a sua cidadania. Introduzir os indivíduos no universo da cultura corporal
ou de movimento de forma crítica é tarefa da escola e mais especificamente da Educação Física (Bracht,
1999).

A assunção deste amplo potencial da Educação Física, enquanto disciplina curricular de características
educacionais distintivas (já que é a única que trata o corpo enquanto objeto pedagógico), não oferecidas
por nenhuma outra experiência escolar de aprendizagem, coloca-a numa posição única e indispensável
no contexto curricular, conferindo-lhe uma responsabilidade acrescida. Contudo, o paradoxo mantém-
se, pois não obstante este reconhecimento, muitos continuam a encará-la como uma matéria ‘não-
cognitiva’, inferior a outras matérias académicas (Hardman, 2015).

É necessário avançar e deixar de encarar a Educação Física como mero adorno curricular (Hardman,
2015; Vlieghe, 2013), colocando a aprendizagem no centro das suas preocupações.

Qual o lugar que pertence à aprendizagem na Educação Física?

Quando se fala em aprendizagem em Educação Física, duas questões se colocam: o que é que os alunos
aprendem? e como é que o fazem? A procura de responder implica que se considere o aluno em termos
individuais, bem como os aspetos sociais, culturais e institucionais da aprendizagem e, em particular, os
elementos incorporados no movimento (ver I Rovegno, 2006; I Rovegno & Dolly, 2006) e, diríamos
também, no desporto, enquanto matéria de ensino.

A compreensão dos processos de aprendizagem em Educação Física, recorrendo a teorias distintas da


aprendizagem, designadamente a behaviorista, a construtivista, a ecológica, a situada e, num sentido
mais restrito, perspetivas didáticas (e.g. Amade-Escot, 2006; Barker, Barker-Ruchti, & Pu¨hse, 2013; B
Dyson, Linehan, & Hastie, 2010; D Kirk & Macdonald, 1998; I Rovegno, 2006; I Rovegno & Dolly,
2006; Wallian & Chang, 2006), tem sido objeto de múltiplas pesquisas As evidências têm dado relevo
à necessidade de considerar o sistema didático que liga professor, conhecimento do conteúdo e alunos
em sala de aula/ginásio nos processos de aprendizagem (ver Amade-Escot, 2006; Verscheure & Amade-
Escot, 2007). Esta exploração situada do contexto ecológico do ginásio ajuda à compreensão mais
aprofundada da forma como o conteúdo é exposto na prática educacional, e como o ensino e os processos
de aprendizagem se encaixam nesse quadro. Contudo não conseguem responder à questão do como é
que os alunos aprendem.

Outra incursão envolve o uso da teoria da aprendizagem situada. Neste âmbito, Kirk et al (2000) e
MacPhail e colaboradores (2008) consideram que a aprendizagem pode ser compreendida e explorada
com base na forma como os alunos se envolvem numa participação ativa com as matérias
institucionalizadas em três dimensões da situacionalidade: percetual/física, social/interativa e
institucional/cultural. A dimensão percetual/física refere-se ao ambiente físico e envolvimento dos
alunos com esse ambiente; a dimensão social/interativa às relações entre as pessoas na situação e a
dimensão institucional/cultural aos recursos culturais que os alunos trazem para a situação, assim como
os valores da cultura escolar do movimento (D Kirk et al., 2000).

Mais recentemente, Quennersted et al. (2014), com base nestas perspetivas didáticas e da aprendizagem
situada colocou a ênfase na teoria de aprendizagem sociocultural (Dewey, 1938; Vygotsky, 1978), que
considera três elementos centrais na aprendizagem: o individual, o social e o cultural/institucional. Estes
elementos materializam-se uma relação contínua entre professores, alunos e pré-requisitos
culturais/institucionais da situação de aprendizagem (Amade-Escot, 2006; M Quennerstedt, Almqvist,
& O¨ hman, 2011; Verscheure & Amade-Escot, 2007), sendo que o conteúdo de ensino e as conceções,
valores, normas e pontos de vista que o dominam assumem uma importância vital no processo de
compreensão e aprendizagem em Educação Física.

A teoria da aprendizagem sociocultural, além de considerar a situacionalidade da aprendizagem, veicula


que o conhecimento é construído num contexto social e, por conseguinte, a interação e comunicação
entre as pessoas são cruciais para a aprendizagem (Sa¨ljo¨, 1998; Wertsch, 1998). Deste modo, pode
depreender-se que a tarefa de uma abordagem sociocultural “is to explicate the relationship between
human action, on the one hand, and the cultural, institutional and historical contexts in which action
occurs on the other” (Wertsch, 1998, p.24). Outra premissa importante considerada nesta abordagem é
que a aprendizagem - e a vontade de aprender - depende do sentido que o indivíduo atribui à atividade,
isto é, como o indivíduo torna "o mundo" compreensível numa determinada situação (Rogoff, 1995;
Sa¨ljo, 2009; Wertsch, 1998). Por conseguinte, a construção do conhecimento e aprendizagem não
existem num vácuo, são sempre "situadas" num contexto histórico e cultural. Assim, a capacidade de
fazer parte de práticas sociais é essencial para que a aprendizagem possa ter lugar (Lave & Wenger,
1991).

No contexto da Educação Física, este pressuposto implica que os alunos invistam e participem
ativamente nas situações concretas e adquiram as competências corporais necessárias a essa
participação, não apenas pelo seu desempenho individual, mas também pela importância e significado
que este tem para o grupo. Por conseguinte, quer a dimensão física, quer a comunicação - verbal e não
verbal - (Sa¨ljo, 2009), são essenciais a qualquer dinâmica de aprendizagem. Como refere Vygotsky
(1986) toda a ação é mediada por ferramentas linguísticas - ações verbais e corporais.

Na Educação Física, embora a comunicação verbal esteja presente, a esta ocorre essencialmente através
do movimento (que tem sempre um teor comunicativo) e no contacto com diversos artefactos (bolas,
aparelhos de ginástica …), sendo estes dois processos comunicacionais os determinantes da
aprendizagem (M Quennerstedt et al., 2011). Este modo de olhar a aprendizagem desconstrói o dualismo
corpo e mente, aceitando que a ação comunicativa, que ocorre na prática, permite efetuar a ponte entre
a aprendizagem cognitiva e o “embodied learning”. Reconhece-se assim que quase todas as nossas
experiências são fundadas no corpo.

O conceito de “embodied learning”, isto é, a abordagem somática da educação considera que a


verdadeira aprendizagem ocorre pela interação do eu com o meio. O saber, é assim visto como um saber
experiencial, que envolve os sentidos, as perceções, a ação mente-corpo e a reação. Reconhecer este
valor ao corpo no processo educativo implica reconhecer o corpo como fonte de conhecimento.

Esta perspetiva enquadra-se no discutido por Smith e Sheya (2010), acerca de uma mudança teórica
importante, que aponta para se considerar a cognição decorrente de experiências sensoriais e motoras
(i.e., estar “embodied”), e não como uma entidade abstrata inteiramente divorciada da experiência
sensório-motora. Este reconhecimento do papel do corpo na cognição é uma peça essencial ao
entendimento da aprendizagem. Na verdade, o reconhecimento da influência extraordinária da ação na
aprendizagem é já desde há muito tempo veiculado por psicólogos do desenvolvimento (Held & Hein,
1963; Piaget, 1952).

Neste entendimento, facilmente se considera que a Educação Física ultrapassa o “físico”, colocando no
centro da ação pedagógica o movimento e o desporto. Uma ação pedagógica impregnada de
corporeidade, de sentir e de se relacionar. Assim, a dimensão cognitiva far-se-á sempre sobre este
substrato corporal. O professor de Educação Física deve assim auxiliar o aluno a compreender o seu
sentir e o seu relacionar-se na esfera da cultura do movimento (Betti & Zuliani, 2002) e do desporto
enquanto formas específicas de lidar com a “corporalidade”, ou seja, enquanto sistema de
comportamentos culturais, com normas e regras (Bento, 1999).

Considerações Finais
Que caminhos perseguir…?

Recolocar a aprendizagem no centro da Educação Física poderá ser um caminho a perseguir. Fazer dela
necessária e imprescindível, como modo de enriquecimento curricular, será certamente uma forma de a
legitimar. Como reconhecem Masurier e Corbin (2006), a Educação Física é a única disciplina na escola,
na qual os alunos têm oportunidade de aprender e desenvolver capacidades motoras, bem como adquirir
conhecimentos que lhe permitem participar numa variedade de práticas corporais e desportivas. É a
única disciplina em que o exercício físico é um meio fundamental para atingir objetivos educativos.

Neste contexto, e enquanto prática sociocultural com influência no processo de construção da cidadania
dos indivíduos, a Educação Física, no mapa curricular, possibilita o aumento do repertório de
conhecimentos/habilidades, bem como a compreensão e a reflexão sobre a cultura corporal, reunindo
um vasto património da cultura desportivo/motora. Ao estar carregada de significados, sentidos e valores
influencia a formação do ser humano, adquirindo assim uma autonomia pedagógica que a legitima no
currículo escolar (Resende & Soares, 1997). Ao transportar em si esta cultura, a Educação Física «é
intrinsecamente educativa, porque contém códigos, imaginários, fitos, conflitos e contradições, que
suscitam apego e afeição, ponderação e emoção, paixão e razão» (Bento, 2012, p.6).

Neste entendimento, e como refere Arnold (1997), a educação não merece este nome se se reduz a um
meio que sirva fins fora de si mesma, devendo para isso compreender conteúdos e procedimentos
intrinsecamente valiosos. Por outras palavras a educação interessa-se tanto pela maneira de fazer como
pelo conteúdo do que se faz. Em educação não existe dissociação entre fins e meios porque os meios ou
procedimentos intrinsecamente valiosos, são fins na mesma medida que as atividades selecionadas. Os
valores da educação estão relacionados com a promoção tanto de atividades intrinsecamente
significativas como de procedimentos intrinsecamente significativos. É a estas dimensões que se referem
Nyberg e Larsson (2014) quando falam da Educação Física e da importância do ‘what to learn and how
to learn it’, questionando se uma nova concetualização da Educação Física não poderá/deverá passar
por uma linguagem de valorização da aprendizagem e do conhecimento.

Em suma, a Educação Física «está na escola, é uma matéria de ensino (…) e deve sobretudo, preservar,
manter e aprofundar a sua especificidade na escola. Deve, evidentemente, fazer isto sem isolar-se ou
colocar-se à parte e alheia. E como se preserva o que é seu? Sabendo, sobretudo, o que é seu» (Soares,
1996, p.7).

Em tempos de algumas ambiguidades educativas, a Educação Física tem de se fundamentar, estreitando


as relações entre teoria e prática pedagógica, de modo a justificar à comunidade escolar e à própria
sociedade o seu valor, inovando e experimentando novos modelos, estratégias, metodologias, conteúdos
de modo a contribuir para a formação integral das crianças e jovens e para a apropriação crítica da
cultura contemporânea (Betti & Zuliani, 2002). Garantir que a Educação Física seja de qualidade e seja
uma parte central dos currículos escolares, encorajando abordagens inclusivas e inovadoras, são algumas
das recomendações da UNESCO (2015), para as políticas educativas do século XXI.

Como defende Bento (2012, p.7), «o que está portanto em causa e corresponde a uma genuína
necessidade é um alargamento da Educação Física como área educativa relevante para o enriquecimento
do sentido da vida; é a compreensão e concretização da sua missão ‘fenomenal’ e instrumental (…). Do
que carecemos nesta hora, na educação e na vida, é de mais e melhor exercitação corporal e prática
desportiva (…). Prescindir do desporto ou afrouxar na sua promoção e no cultivo do seu ideário equivale
a empobrecer os cidadãos nas dimensões técnicas e motoras, éticas e estéticas, cívicas e morais».

Valorizar e reposicionar a aprendizagem em Educação Física poderá ser um ponto charneira para as
discussões acerca da sua importância no currículo escolar. O caminho da Educação Física deverá apontar
sempre para o seu valor educativo e formativo, pois, da Escola, é isso que se espera!

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