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Óptica Quântica

Notas de curso - 2020.2

Daniel Felinto
Sobre as notas

Essas notas se destinam apenas ao suporte do curso de Óptica Quântica de 2020.2 da Pós-Graduação
em Física da UFPE. Não é material a ser divulgado ou repassado a outros fora do contexto desse
curso. Em suas diversas partes, elas não constituem material original, pois se baseiam em um
conjunto diverso de textos didáticos de outros autores. Também não são fiéis aos textos originais,
que foram modificados em diferentes medidas para se adaptarem ao contexto do curso. Assim,
elas não devem ser consideradas como substitutos aos textos originais nos quais se baseiam, que
tipicamente vão enfatizar outros aspectos das questões abordadas. As referências originais para
as diversas partes serão fornecidas ao longo do texto, e o aluno é incentivado a consultá-las para
conhecer outros pontos de vista e detalhes dos temas do curso. Essas notas têm, por outro lado, a
pretensão de serem auto-consistentes, de modo que o aluno deve assumir que a notação dos textos
originais será modificada para se ajustar ao usado anteriormente no curso. O aluno também deve
assumir que elas são mais “enxutas” que as aulas, ou seja, elas compõem a parte mais técnica do
curso. O contexto e significados do conteúdo e as ligações entre suas diversas partes será visto em
mais detalhes nos encontros síncronos.
Sumário

I primeira unidade

1 Eletrodinâmica Quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.1 Formalismo Hamiltoniano clássico e quantização canônica 9
1.2 Campo eletromagnético livre e transversalidade 11
1.2.1 Expansão de Fourier espacial . . . . . . . . . . . . . . .... .............. ... . . . 11
1.2.2 Transversalidade do campo eletromagnético livre e componentes de Fourier
polarizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... .............. ... . . . 12
1.2.3 Potencial vetor no gauge de Coulomb . . . . . . .... .............. ... . . . 14
1.3 Expansão do campo eletromagnético livre em modos normais 15
1.3.1 Variáveis normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.3.2 Expansão do campo livre em modos normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3.3 Sinal analítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.3.4 Outros modos normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.4 Hamiltoniano para a radiação livre 18
1.4.1 Variáveis canonicamente conjugadas para um modo da radiação . . . . . . . 19
1.5 Quantização da radiação 20
1.5.1 Operadores de campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.6 Estados da radiação quantizada e fótons 22
1.7 Interação átomo-luz 24
1.7.1 Hamiltoniano de interação na aproximação de dipolo elétrico . . . . . . . . . . . 24
1.7.2 Campo elétrico quantizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.7.3 Representação de interação e aproximação de onda girante . . . . . . . . . . . 30
1.8 Emissão espontânea: Teoria de Weisskopf-Wigner 33
2 Flutuações e coerência na luz clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 37
2.1.1 Introdução aos ensembles estatísticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.1.2 Estacionaridade e ergodicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.1.3 Propriedades da função de auto-correlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.1.4 Propriedades espectrais de um processo aleatório estacionário . . . . . . . . . . . 46
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 51
2.2.1 Modelos para fontes luminosas caóticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.2.2 O divisor de feixes óptico sem perdas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2.2.3 O interferômetro de Mach-Zehnder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.2.4 Grau de coerência de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
2.2.5 Franjas de interferência e espectros de frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.2.6 Flutuações de intensidade na luz caótica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
2.2.7 Grau de coerência de segunda ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
2.2.8 O interferômetro de Hanbury Brown and Twiss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

II segunda unidade

3 Foto-deteção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção 81
3.2 Estados puros e misturas estatísticas 90
3.3 O operador intensidade 94
3.4 Graus de coerência de primeira e segunda ordem quânticos 96

4 Óptica quântica mono-modo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99


4.1 Operadores de campo mono-modos 100
4.1.1 Relações de incerteza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
4.1.2 Graus de coerência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
4.2 Estados de número 103
4.3 Estado coerente 106
4.4 Luz caótica 112
4.5 O vácuo comprimido 114
4.6 Estados coerentes comprimidos 118
4.7 Relações de entrada e saída do divisor de feixes 121
4.8 Fóton individual na entrada 123
4.9 Entrada arbitrária em um braço 127

III terceira unidade

5 Óptica quântica multi-modo: emaranhamento . . . . . . . . . . . . . . . 137


5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação de desigualdades de Bell
137
5.1.1 Fótons correlacionados em polarização: pares EPR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
5.1.2 O teorema de Bell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
5.1.3 Conflito com a mecânica quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
5.2 Estados emaranhados de dois modos 146
5.2.1 Descrição geral de um estado de dois modos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
5.2.2 Estados de fótons gêmeos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
5.2.3 Detecção homodina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
5.2.4 Relação entre compressão de ruído e emaranhamento . . . . . . . . . . . . . . . . 154

6 Regime quântico da interação átomo-luz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157


6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades 157
6.1.1 Modelo de Jaynes-Cummings . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
6.1.2 Evolução na presença de um campo dentro da cavidade . . . . . . . . . . . . . 164
6.2 Estados emaranhados coletivos 168
6.2.1 Processo Raman espontâneo em um átomo de três níveis . . . . . . . . . . . . . . 169
6.2.2 Processo Raman espontâneo em um ensemble: memória quântica coletiva 173
6.2.3 Superradiância de um fóton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
I
primeira unidade

1 Eletrodinâmica Quântica . . . . . . . . . . . . . 9
1.1 Formalismo Hamiltoniano clássico e quantização
canônica
1.2 Campo eletromagnético livre e transversalidade
1.3 Expansão do campo eletromagnético livre em mo-
dos normais
1.4 Hamiltoniano para a radiação livre
1.5 Quantização da radiação
1.6 Estados da radiação quantizada e fótons
1.7 Interação átomo-luz
1.8 Emissão espontânea: Teoria de Weisskopf-Wigner

2 Flutuações e coerência na luz clássica 37


2.1 Processos estocásticos e funções de correlação
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz
1. Eletrodinâmica Quântica

Este capítulo será baseado fortemente nas Referências [Gry10], [Lou00] e [Scu97].

1.1 Formalismo Hamiltoniano clássico e quantização canônica


(baseado na Seção 4.1 de [Gry10])
O desenvolvimento de um formalismo quântico consistente para o campo eletromagnético
toma como base o sucesso do formalismo quântico desenvolvido anteriormente para sistemas de
partículas materiais. Neste caso, o problema clássico é formulado primeiro na forma canônica
Hamiltoniana, na qual a energia é expressa como uma função das posições r e dos momentos
canonicamente conjugados p. Escrevemos então H(x1 , . . . , xi , . . . ; p1 , . . . , pi , . . . ;t), onde x1 , x2 , x3
são as coordenadas da posição da primeira partícula, e p1 , p2 , p3 são as coordenadas dos mo-
mentos canonicamente conjugados correspondentes. O Hamiltoniano quântico para o sistema é
então Ĥ(x̂1 , . . . , x̂i , . . . ; p̂1 , . . . , p̂i , . . . ;t), onde as variáveis clássicas foram trocadas por operadores
obedecendo as relações de comutação canônicas:

[x̂i , p̂ j ] = ih̄δi j , (1.1)

onde δi j = 1 se i = j, e δi j = 0 se i 6= j. Assim, para uma partícula de massa m localizada em um


potencial V (x, y, z), o Hamiltoniano é dado em coordenadas Cartesianas por

p̂2x + p̂2y + p̂2z


Ĥ(x̂, ŷ, ẑ; p̂x , p̂y , p̂z ) = +V (x̂, ŷ, ẑ) . (1.2)
2m
Na representação em que o estado do sistema quântico é descrito por uma função de onda, temos

h̄2 ∂2 ∂2 ∂2
 
Ĥ = − + + +V (x, y, z) , (1.3)
2m ∂ x2 ∂ y2 ∂ z2
h̄ ∂
já que os observáveis x̂ e p̂x então tomam, respectivamente, a forma de x e i ∂x, operadores que
satisfazem (1.1).
10 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

Assim que escrevemos o Hamiltoniano quântico de um sistema, podemos também formular a


equação de Schrödinger que determina sua dinâmica:
d
ih̄ |Ψi = Ĥ|Ψi . (1.4)
dt
Os resultados gerais obtidos a partir da teoria da mecânica quântica podem então ser aplicados.
Do exposto acima, o procedimento global parece bem direto. No entanto, nós não especificamos
como identificar pares de variáveis canonicamente conjugadas. Este passo é claramente crucial, e
não é de todo óbvio quando consideramos situações menos elementares que uma partícula pontual
se movendo em um potencial, descrita através de coordenadas Cartesianas. A solução geral para
esse problema envolve a construção do Lagrangeano clássico do sistema e a posterior dedução
de seu Hamiltoniano clássico em termos de coordenadas e de seus momentos canonicamente
conjugados. Não seguiremos esse procedimento aqui. Vamos apenas descrever o básico da
formulação Hamiltoniana de um problema, de modo a podermos identificar pares de variáveis
canonicamente conjugadas, sem passar pelo respectivo Lagrangeano.
Vamos considerar um sistema arbitrário contendo partes móveis sujeitas a vínculos, como
uma corda vibrante ou pêndulos acoplados, um campo eletromagnético ou uma partícula carre-
gada em um campo magnético. Na formulação Hamiltoniana clássica, a energia H do sistema
é escrita em termos das coordenadas generalizadas qi e seus momentos conjugados pi na forma
H(q1 , . . . , qi , . . . ; p1 , . . . , pi , . . . ;t), e a dinâmica do sistema é completamente descrita pelas equações
diferenciais de primeira ordem,
dqi ∂H
= , (1.5a)
dt ∂ pi
d pi ∂H
=− , (1.5b)
dt ∂ qi
conhecidas como equações de Hamilton. Por exemplo, no caso de uma partícula de massa m em
um potencial V (x, y, z), o Hamiltoniano pode ser escrito como
1 2
H= (p + p2y + p2z ) +V (x, y, z) . (1.6)
2m x
As equações de Hamilton para o par (x, px ) são, então,
dx px
= , (1.7a)
dt m
d px ∂V
=− . (1.7b)
dt ∂x
Estas são realmente as equações dinâmicas usuais. Vamos tomar isso como uma justificativa para o
fato de que x e px constituem um par de variáveis canônicas conjugadas.
No que segue, vamos generalizar a abordagem acima. Suponha que temos um conjunto de
variáveis reais [q1 , . . . , qN ; p1 , . . . , pN ] que caracterizam um dado sistema físico em cada instante de
tempo e a partir do qual podemos obter sua energia:

E = H(q1 , . . . , qN ; p1 , . . . , pN ) . (1.8)

Se as equações que descrevem a dinâmica do sistema podem ser escritas na forma (1.5), devemos
dizer que o sistema foi expresso na forma canônica e que os (qi , pi ), i = 1, . . . , N, são pares de
variáveis canonicamente conjugadas.
A generalização do procedimento de quantização acima para pares de variáveis conjugadas,
que não são necessariamente a posição e momento de partículas materiais, consiste em associar
1.2 Campo eletromagnético livre e transversalidade 11

observáveis q̂1 , . . . , q̂N ; p̂1 , . . . , p̂N às variáveis canonicamente conjugadas identificadas para o
sistema, e em impor as relações de comutação

[q̂i , p̂ j ] = ih̄δi j . (1.9)

O Hamiltoniano quântico é então Ĥ = H(q̂1 , . . . , q̂N ; p̂1 , . . . , p̂N ;t).


Para quantizar o campo eletromagnético, queremos seguir um procedimento análogo ao dis-
cutido acima para partículas materiais. Gostaríamos então de escrever as equações dinâmicas
na forma das equações de Hamilton. Isto significa que, para o campo eletromagnético, devemos
identificar pares de variáveis canonicamente conjugadas para as quais as equações dinâmicas são
expressas como equações diferenciais acopladas de primeira ordem da forma (1.5). No entanto, as
equações que descrevem a dinâmica da radiação eletromagnética são equações diferenciais parciais,
as equações de Maxwell, que constituem um sistema infinito contínuo de equações diferenciais
acopladas. Nas seções que seguem, iremos reformular as equações do eletromagnetismo de tal
forma a identificar, para o campo eletromagnético no vácuo, pares de variáveis canonicamente
conjugadas com dinâmica desacoplada descrita pelas equações de Hamilton.

1.2 Campo eletromagnético livre e transversalidade


(baseado na Seção 4.2 de [Gry10])
Nessa seção trataremos do campo livre e portanto escrevemos as equações de Maxwell no
vácuo, na ausência de cargas e correntes:

∇ · E(r,t) = 0 , (1.10a)
∇ · B(r,t) = 0 , (1.10b)

∇ × E(r,t) = − B(r,t) , (1.10c)
∂t
1 ∂
∇ × B(r,t) = 2 E(r,t) . (1.10d)
c ∂t
Já que este é um sistema de equações diferenciais lineares de primeira ordem, é suficiente fornecer
o valor dos campos em um dado tempo t0 e em todo o espaço para determinar unicamente toda
a evolução futura deles. O valor dos campos em t0 pode também ser usado para calcular várias
quantidades, como energia ou momento angular nesse instante de tempo. O conjunto completo das
seis componentes do campo eletromagnético em todos os pontos do espaço em um dado instante
constitui assim um conjunto completo de variáveis dinâmicas. No entanto, este conjunto contém
uma infinidade contínua de variáveis acopladas, já que as equações de Maxwell são equações
diferenciais parciais, e é difícil de ser quantizado diretamente. Vamos agora mostrar como reduzir
o problema a um conjunto contável de variáveis que são desacopladas. Isto simplifica muitos
problemas no eletromagnetismo, mas estaremos particularmente interessados aqui no fato de
que este procedimento nos permitirá identificar pares desacoplados de variáveis canonicamente
conjugadas.

1.2.1 Expansão de Fourier espacial


O sistema em que estamos interessado é assumido finito. Ele está contido em um volume finito V
que é muito maior que o volume ocupado pelo sistema. Por simplicidade, assumiremos que é um
cubo de lado L. Definimos então as componentes de Fourier espaciais Ẽn (t) do campo E(r,t) pela
relação
1
Z
Ẽn (t) = 3 d 3 r E(r,t)e−ikn ·r . (1.11)
L V
12 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

Por outro lado, estas componentes de Fourier podem ser usadas para calcular o campo complexo
em qualquer ponto dentro do volume V , já que

E(r,t) = ∑ Ẽn (t)eikn ·r . (1.12)


n

Nas equações acima, a integral é sobre o volume V e ∑n é uma notação abreviada para ∑nx ,ny ,nz ,
onde os números inteiros (positivo ou negativo) nx , ny , nz definem as três componentes do vetor kn
a partir de

2π 2π 2π
(kn )x = nx ; (kn )y = ny ; (kn )z = nz . (1.13)
L L L
Os finais dos vetores kn formam uma rede cúbica com uma distância de repetição 2π/L que se
torna menor a medida que o volume V aumenta. A equação (1.12) mostra que qualquer campo
complexo no volume V = L3 pode ser expandido na base de funções eikn ·r , onde kn é dado por
(1.13). A equação (1.11) fornece a amplitude Ẽn (t) de cada componente. O espaço contendo os
vetores k é chamado de espaço recíproco ou espaço-k, e as funções Ẽn (t) são as componentes do
campo no espaço recíproco. Já que as funções Ẽn (t) dependem apenas do tempo, a notação será
algumas vezes abreviada para Ẽn daqui para frente, deixando implícita a dependência temporal.
Note uma relação muito importante, expressando a realidade do campo E(r,t):

Ẽ∗n (t) = Ẽ−n (t) . (1.14)

Ela é obtida de forma direta tomando o complexo conjugado da equação (1.11) e notando que
k−n = −kn .
Uma grande vantagem de passar para o espaço recíproco é que os operadores diferenciais
espaciais são trocados por relações algébricas. A tabela 1.1 compila as principais relações de
correspondência.

Espaço direto Espaço recíproco


Tabela 1.1: Quantidades matemáticas no es- F(r), V(r) F̃n , Ṽn
paço direto e suas correspondentes no espaço F(r) = F ∗ (r) F̃n∗ = F̃−n
recíproco, para um campo escalar real F(r) e ∇F(r) ikn F̃n
um campo vetorial real V(r). ∇ · V(r) ikn · Ṽn
∇ × V(r) ikn × Ṽn

Problema 1.1 Demonstre as relações entre espaço direto e espaço recíproco da tabela 1.1. 

1.2.2 Transversalidade do campo eletromagnético livre e componentes de Fourier po-


larizadas
Levando em conta as expressões para ∇ · E e ∇ · B no espaço recíproco, as equações de Maxwell
(1.10a) e (1.10b) implicam nas seguintes relações para as componentes de Fourier:

kn · Ẽn = 0 , (1.15a)
kn · B̃n = 0 . (1.15b)

Elas são, portanto, perpendiculares ao vetor de onda kn em todos os pontos n do espaço recíproco.
Qualquer campo com divergência zero, cujas componentes de Fourier obedecem a este tipo de
relação, é chamado de um campo transversal.
1.2 Campo eletromagnético livre e transversalidade 13

A equação (1.15a) mostra que cada componente Ẽn pertence a um espaço bi-dimensional,
ortogonal a kn (ver Figura 1.1). Dois vetores unitários mutuamente ortogonais, e n,1 e e n,2 , podem
ser escolhidos no plano ortogonal a kn , de modo que podemos escrever

Ẽn = Ẽn,1 e n,1 + Ẽn,2 e n,2 . (1.16)

Figura 1.1: Dois vetores unitários e n,1 e e n,2 no plano perpendicular a kn


escolhidos como uma base ortonormal, em princípio de forma arbitrária, para o
espaço de campos transversais Ẽn no espaço recíproco.

As equações (1.12) e (1.16) mostram que, como é transversal, o campo E(r,t) pode ser
expandido em termos de uma base de componentes de Fourier polarizadas com vetor de onda kn e
polarizações e n,s ortogonais a kn . Cada componente é então rotulada por um conjunto de quatro
índices {nx , ny , nz , s}. Os três primeiros são inteiros que definem kn (ver equações (1.13)), enquanto
a quarta pode assumir dois valores s = 1 ou 2, que caracterizam a base de polarizações transversais
associadas a kn . Usaremos o índice l para denotar esse conjunto de quatro números:

l = (nx , ny , nz ; s) = (n; s) , (1.17)

e devemos escrever

E(r,t) = ∑ el Ẽl (t)eikl ·r , (1.18)


l

com
1
Z
Ẽl (t) = 3 d 3 r el · E(r,t)e−ikl ·r . (1.19)
L V

O vetor kl é definido por


2π 2π 2π
klx = nx ; kly = ny ; klz = nz . (1.20)
L L L
Além disso, temos

el · kl = 0 (1.21)

e, denotando os dois valores de l associados com o mesmo n por l1 e l2 ,

el1 · el2 = 0 , (1.22)


14 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

onde l1 = (nx , ny , nz ; s = 1) e l2 = (nx , ny , nz ; s = 2). Finalmente, definimos −l como

−l = (−nx , −ny , −nz ; s) , (1.23)

de modo que

e−l = el (1.24)

k−l = −kl . (1.25)

Finalmente, também é conveniente introduzir o vetor unitário e0l , definido como


kl
e0l = × el . (1.26)
kl

Como vemos pela equação (1.10c), para cada componente el Ẽl podemos associar uma componente
de B ao longo de e0l , e decompomos B(r,t) usando e0l como

B(r,t) = ∑ e0l B̃l (t)eikl ·r . (1.27)


l

As equações de Maxwell (1.10c) e (1.10d) se tornarão então em equações simples acoplando Ẽl (t)
e B̃l (t), como veremos mais à frente.

Problema 1.2 Mostre que B̃∗l = −B̃−l . 

1.2.3 Potencial vetor no gauge de Coulomb


Um campo eletromagnético pode ser descrito em termos de potenciais vetoriais e escalares [Jac99],
A(r,t) e U(r,t), respectivamente. O campos magnéticos e elétricos complexos são dados então por

B(r,t) = ∇ × A(r,t) , (1.28a)


∂ A(r,t)
E(r,t) = − − ∇U(r,t) . (1.28b)
∂t
Quando colocados dessa forma, em termos dos potenciais, os campos E(r,t) e B(r,t) automatica-
mente satisfazem as equações de Maxwell (1.10a) e (1.10b), que requerem que esses campos sejam
transversais. No entanto, os próprios potenciais não são unicamente definidos. Existe, em princípio,
uma infinidade de pares {A,U} que correspondem ao mesmo campo eletromagnético. Este grau de
liberdade pode ser usado para estabelecer mais uma condição, conhecida como condição de gauge,
que leve a potenciais mais convenientes para tratar diferentes tipos de problemas. Em nosso caso, é
particularmente conveniente usar o gauge de Coulomb [Jac99] definido pela condição

∇ · A(r,t) = 0 . (1.29)

Por conta das equações (1.10a) e (1.10c), ∇U é então constante, e tomamos

U(r,t) = 0 . (1.30)

A condição (1.29) garante a transversalidade de A(r,t), que pode também ser expandido como

A(r,t) = ∑ el Ãl (t)eikl ·r , (1.31)


l
1.3 Expansão do campo eletromagnético livre em modos normais 15

com
d
Ẽl (t) = − Ãl (t) . (1.32)
dt
Substituindo (1.31) em (1.28) e comparando com (1.27), obtemos ainda

B̃l (t) = ikl Ãl (t) . (1.33)

Uma vez que o gauge de Coulomb foi imposto, podemos então usar A(r,t) no lugar de B(r,t) na
descrição do campo eletromagnético.

1.3 Expansão do campo eletromagnético livre em modos normais


(baseado na Seção 4.3 de [Gry10])
A dinâmica do campo é determinada pelas equações (1.10c) e (1.10d). Usando as expansões
(1.18) e (1.27), obtemos

d
B̃l (t) = −ikl Ẽl (t) , (1.34a)
dt
d
Ẽl (t) = −ic2 kl B̃l (t) . (1.34b)
dt
Soluções deste conjunto de equações diferenciais acopladas envolvem, obviamente, componentes
oscilatórios nas frequências ±ωl , com

ωl = ckl . (1.35)

Usando esta definição, e a substituição (1.33), temos um outro sistema equivalente

d
Ãl (t) = −Ẽl (t) , (1.36a)
dt
d
Ẽl (t) = ωl2 Ãl (t) . (1.36b)
dt
Chama a atenção que estas duas equações (ou equivalente as equações (1.34)) devem formar um
sistema fechado, e que elas não acoplam componentes com diferentes valores de l. Pode parecer
então que o campo eletromagnético foi decomposto em componentes com dinâmicas independentes.
Na verdade, isto não é completamente verdade, já que as componentes de Fourier l e −l estão
conectadas pelas relações (ver equação 1.14)

Ẽ−l = Ẽl∗ , (1.37a)


Ã−l = Ã∗l . (1.37b)

Vamos ver agora como obter um desacoplamento completo, através do uso de variáveis normais.

1.3.1 Variáveis normais


As duas equações (1.36), determinando a dinâmica da componente l do campo eletromagnético,
são equações diferenciais acopladas de primeira ordem, equivalentes a uma equação diferencial
acoplada de segunda ordem. A solução envolve duas constantes de integração complexas, isto
é, quatro variáveis reais independentes, para caracterizar uma dada situação. Na verdade, como
veremos agora, elas podem ser separada em dois conjuntos de pares independentes de variáveis
16 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

dinâmicas reais. Para isso, introduzimos as quantidades (ωl Ãl ∓ iẼl ), que desacoplam as equações
(1.36). Mais precisamente, definimos
1
αl = (1)
(ωl Ãl − iẼl ) , (1.38a)
2El
1
βl = (1)
(ωl Ãl + iẼl ) , (1.38b)
2El
(1)
onde El é uma constante, o valor da qual será definido posteriormente. O sistema (1.36) é então
equivalente a
dαl
+ iωl αl = 0 , (1.39a)
dt
dβl
− iωl βl = 0 . (1.39b)
dt

Problema 1.3 Obtenha as equações (1.39) a partir das equações (1.36). 

As soluções das equações (1.39) são

αl (t) = αl (0)e−iωl t , (1.40a)


βl (t) = βl (0)eiωl t . (1.40b)

Invertendo (1.38), obtemos então a evolução mais geral da componente l de Fourier polarizada,
(1)
El
Ãl (t) = [αl (t) + βl (t)] , (1.41a)
ωl
(1)
Ẽl (t) = iEl [αl (t) − βl (t)] , (1.41b)

onde αl (t) e βl (t) são dados por (1.40). A evolução da componente l depende então de quatro
variáveis dinâmicas reais, as partes real e imaginária de αl (t) e βl (t), mas estas variáveis podem ser
associadas em pares (Re{αl }, Im{αl }) e (Re{βl }, Im{βl }) com dinâmicas independentes.
Finalmente, graças ao uso das variáveis normais complexas αl (t) e βl (t), o campo eletromag-
nético livre pode ser expresso como função de pares desacoplados de variáveis dinâmicas reais.
Veremos então que cada αl (t) ou βl (t) é ele próprio um par de variáveis canônicas conjugadas.
Mas primeiro vamos mostrar como variáveis normais podem ser usadas para expandir o campo
livre em modos normais.

1.3.2 Expansão do campo livre em modos normais


Usando as soluções (1.41) das equações de Maxwell, podemos expressar o campo eletromagnético
como (ver equações 1.18 e 1.31)
(1)
El
A(r,t) = ∑ el [αl (t) + βl (t)]eikl ·r , (1.42a)
l ωl
(1)
E(r,t) = i ∑ el El [αl (t) − βl (t)]eikl ·r . (1.42b)
l

Usamos agora as condições de realidade (1.37). Inserindo-as em (1.38a) e comparando com


(1.38b), obtemos

βl∗ (t) = α−l (t) , (1.43)


1.3 Expansão do campo eletromagnético livre em modos normais 17
(1) (1)
com E−l = El uma quantidade real. Como enfatizado anteriormente, as quatro variáveis dinâmi-
cas reais associadas às componentes de Fourier l e −l estão conectadas, e podemos usar apenas
uma das duas séries de variáveis normais, αl ou βl . Mais precisamente, (1.42a) pode ser expressa
como
(1)
E ∗
A(r,t) = ∑ el l [αl (t) + α−l (t)]eikl ·r . (1.44)
l ω l

Usando as propriedades com relação à troca de sinal de l das várias quantidades na expressão acima,
podemos inverter o sinal de l no segundo termo da soma, levando a
(1)
El 
αl (t)eikl ·r + αl∗ (t)e−ikl ·r ,

A(r,t) = ∑ el (1.45)
l ωl

uma forma que deixa explícita a realidade de A(r,t). Da mesma forma,


(1) 
E(r,t) = i ∑ el El αl (t)eikl ·r − αl∗ (t)e−ikl ·r .

(1.46)
l

Finalmente, a partir de (1.28a), (1.26) e (1.45), obtemos


(1)
0 El
αl (t)eikl ·r − αl∗ (t)e−ikl ·r .
 
B(r,t) = i ∑ el (1.47)
l c

Problema 1.4 Demonstre as relações (1.46) e (1.47). 

O campo eletromagnético é agora expandido como uma soma de componentes reais Al , El e Bl ,


rotuladas por l, cada uma das quais é nada mais que uma onda viajante monocromática polarizada.
Na verdade, se escrevermos

αl = |αl |eiφl e−iωl t , (1.48)

obtemos
(1)
E
Al (r,t) = el l 2|αl | cos (kl · r − ωl t + φl ) , (1.49a)
ωl
(1)
El (r,t) = −el El 2|αl | sin (kl · r − ωl t + φl ) , (1.49b)
(1)
0 El
Bl (r,t) = −el 2|αl | sin (kl · r − ωl t + φl ) . (1.49c)
c
Cada variável normal complexa αl (t), então, corresponde a uma componente do campo expressa
com relação a uma base de ondas planas viajantes monocromáticas polarizadas, com o vetor de
onda kl e polarização el associados. A decomposição do campo em componentes dinamicamente
independentes é chamada de uma decomposição em modos normais, e as ondas planas viajantes
monocromáticas formam um conjunto de modos normais.

1.3.3 Sinal analítico


A expressão (1.46) para E(r,t) pode ser escrita como

E(r,t) = E(+) (r,t) + E(−) (r,t) , (1.50)


18 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

com
(1)
E(+) (r,t) = i ∑ el El αl (t)eikl ·r (1.51)
l

e
h i∗
E(−) (r,t) = E(+) (r,t) . (1.52)

Já que α(t) evolui com exp(−iωl t), a quantidade E(+) (r,t) aparece como uma generalização da
amplitude complexa associada com uma quantidade que varia senoidalmente no tempo. É chamada
de sinal analítico, ou campo complexo, ou também ‘a parte de frequência positiva’ de E(r,t).1

1.3.4 Outros modos normais


A expansão em modos de onda plana viajantes polarizados não é a única possível. Dentro do
volume V , o campo E(r,t) pode ser expandido em qualquer base ortonormal de funções vetoriais
complexas ul (r), satisfazendo
Z
d 3 rul (r)∗ · ul (r) = V δll 0 . (1.53)
V

O campo elétrico assume então a forma

E(r,t) = ∑ El (t)ul (r) , (1.54)


l

onde
1
Z
El (t) = d 3 ru∗l (r) · E(r,t) . (1.55)
V
Obviamente, a necessidade de satisfazer as equações de Maxwell impõe vínculos às funções ul (r),
mas ainda há graus de liberdade que podem ser explorados pela imposição de condições de contorno
nas fronteiras do volume V .

1.4 Hamiltoniano para a radiação livre


(baseado na Seção 4.4 de [Gry10])
A energia HR da radiação (o campo eletromagnético livre) é a integral da densidade de energia
sobre o volume V , dada por
Z
ε0
d 3 r E2 (r,t) + c2 B2 (r,t) .
 
HR = (1.56)
2 V

Usando a expansão (1.46) de E(r,t), temos


Z Z
(1) (1)
d 3 rE2 (r,t) = − ∑ ∑ el · el 0 El El 0 d 3 r αl (t)eikl ·r − αl∗ (t)e−ikl ·r
 
V l l0 V

× αl 0 (t)eikl0 ·r − αl∗0 (t)e−ikl0 ·r


 
 Z Z
(1) (1)
= − ∑ ∑ el · el 0 El El 0 αl αl 0 d re 3 i(kl +kl 0 )·r
− αl αl 0 d 3 re−i(kl −kl0 )·r

l l0 V V
Z Z 
+ αl∗ αl∗0 d 3 re−i(kl +kl0 )·r − αl αl∗0 d 3 rei(kl −kl0 )·r , (1.57)
V V

1 Formalmente, E(+) (r,t) pode ser obtida mantendo apenas as frequências positivas da transformada de Fourier
inversa do espectro de E(r,t).
1.4 Hamiltoniano para a radiação livre 19

onde omitimos a dependência em t para simplificar a notação. Da definição das componentes de kl


em (1.20), a integração na variáveis cartesianas entre −L e L anulará todas as integrais, a menos
que kl = kl 0 ou kl = −kl 0 , quando então algumas dessas integrais resultam simplesmente em V .
Além disso, teremos ainda el · el 0 = 0 caso as polarizações sejam diferentes nos casos em que as
integrais não se anulam. Combinando todas essas condições, podemos escrever
Z
(1) (1) 
d 3 r E2 (r,t) = − ∑ ∑ El El 0 αl αl 0 V δ−l,l 0 − αl∗ αl 0 V δl,l 0 + αl∗ αl∗0 V δ−l,l 0 − αl αl∗0 V δl,l 0

V l l0
(1) 2 
h i
= V ∑ El 2αl (t)αl∗ (t) − αl (t)α−l (t) − αl∗ (t)α−l


(t) . (1.58)
l

A dedução de (1.58) utilizou explicitamente as condições de contorno sobre as equações de Maxwell


assumidas acima na definição dos modos normais. No entanto, é importante notar desde já que,
para o cálculo de HR sobre o espaço livre, o resultado não depende crucialmente das condições de
contorno impostas. A medida que V cresce, as integrais vão se aproximando de deltas de Dirac
espaciais do tipo δ (kl + kl 0 ) ou δ (kl − kl 0 ).
Um argumento análogo para o termo com c2 B2 (r,t) leva ao resultado análogo:
(1) 2 
Z h i
d 3 r c2 B2 (r,t) = V ∑ El 2αl (t)αl∗ (t) + αl (t)α−l (t) + αl∗ (t)α−l


(t) . (1.59)
V l

Em (1.59), os sinais trocados em relação a (1.58) vem dos vetores e0l e e0−l terem sinais opostos,
diferentemente do que ocorre entre el e e−l .
Problema 1.5 Demonstre a equação (1.59). 

Substituindo as duas últimas equações em (1.56), ficamos com


(1) 2
h i
HR = 2ε0V ∑ El |αl |2 . (1.60)
l

A energia da radiação é então dada por uma soma simples das energias associadas a cada modo
normal, sem termos cruzados.

1.4.1 Variáveis canonicamente conjugadas para um modo da radiação


Considere um único modo da radiação rotulado por l. De acordo com (1.60), sua energia é dada
por
(1) 2
h i
Hl = 2ε0V El |αl |2 . (1.61)

A equação de evolução de αl , (1.39a), derivada das equações de Maxwell pode também ser escrita
como
dRe{αl }
= ωl Im{αl } , (1.62a)
dt
dIm{αl }
= −ωl Re{αl } . (1.62b)
dt
Estas equações podem ser identificadas como as equações de Hamilton:
dQl ∂ Hl
= , (1.63a)
dt ∂ Pl
dPl ∂ Hl
=− , (1.63b)
dt ∂ Ql
20 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

para o Hamiltoniano (1.61) e as variáveis canonicamente conjugadas definidas como


r
4ε0V (1)
Ql = E Re{αl } , (1.64a)
ω l
r l
4ε0V (1)
Pl = E Im{αl } . (1.64b)
ωl l
Identificamos, portanto, as variáveis canonicamente conjugadas do problema como sendo, a
menos de um fator de escala, as partes real e imaginária das variáveis normais dos modos nor-
mais.
Problema 1.6 Demonstre as relações (1.63a) e (1.63b) partindo da definição de suas quantida-
des. 

1.5 Quantização da radiação


(baseado na Seção 4.5 de [Gry10])
O método de quantização canônica do campo eletromagnético livre procede em três etapas:
• As variáveis canonicamente conjugadas Ql (t) e Pl (t) identificadas na Seção (1.4.1) são
associadas com operadores Hermitianos independentes do tempo Q̂l e P̂l .
• Relações de comutação canônicas são impostas a esses operadores.
• Comutadores zero são associados com operadores correspondendo a modos diferentes, já
que esses modos estão desacoplados.
Assim, por construção,
 
Q̂l , P̂l 0 = ih̄δl,l 0 , (1.65a)
   
Q̂l , Q̂l 0 = P̂l , P̂l 0 = 0 . (1.65b)
A amplitude complexa do modo normal αl (t) é então associada a um operador que chamaremos âl .
Usando as equações (1.64), podemos escrever
r
4ε0V (1)
Q̂l + iP̂l = E âl . (1.66)
ωl l
O operador âl não é Hermitiano e obedece à seguinte relação de comutação, derivada de (1.65):
h̄ωl 1
[âl , â†l 0 ] = i δl,l 0 , (1.67a)
2ε0V (1) 2
h
El
[âl , âl 0 ] = 0 . (1.67b)

Problema 1.7 Derive as relações (1.67). 

(1)
Podemos agora usar a liberdade de escolha na definição da constante El para simplificar essas
relações de comutação. Tomando
s
(1) h̄ωl
El = , (1.68)
2ε0V
temos as seguintes relações de comutação, que são o ponto de partida para toda óptica quântica:
[âl , â†l 0 ] = δl,l 0 , (1.69a)
[âl , âl 0 ] = 0 . (1.69b)
1.5 Quantização da radiação 21

As relações de comutação (1.69) são idênticas àquelas dos operadores de criação e aniquilação
de um conjunto de osciladores harmônicos independentes materiais. Iremos então usar todos
os resultados matemáticos relativos a esses operadores derivados para o oscilador harmônico
quântico.
(1)
Problema 1.8 Fazendo αl = 1 e usando as relações (1.49) e (1.56), mostre que El éa
amplitude do campo elétrico clássico com energia igual a um quantum de excitação no modo l
dentro do volume V . 

Usando (1.68) em (1.66), obtemos


1
âl = √ (Q̂l + iP̂l ) , (1.70a)
2h̄
1
â†l = √ (Q̂l − iP̂l ) , (1.70b)
2h̄
que implicam em
1
âl â†l + â†l âl = (Q̂2l + P̂l2 ) . (1.71)

Vamos agora escrever o Hamiltoniano clássico HR (equação 1.60) em termos das variáveis conjuga-
das introduzidas em (1.64):
ωl 2
HR = ∑ h̄ωl |αl |2 = ∑ (Q + Pl2 ) . (1.72)
l l 2 l

O operador quântico associado a essa quantidade clássica é, então,


ωl 2
ĤR = ∑ (Q̂ + P̂l2 ) , (1.73)
l 2 l

que também pode ser escrita, usando (1.71) e (1.69), na forma


 
h̄ωl † † † 1
ĤR = ∑ (âl âl + âl âl ) = ∑ h̄ωl âl âl + . (1.74)
l 2 l 2

Este é formalmente idêntico ao Hamiltoniano de um conjunto de osciladores harmônicos quân-


ticos desacoplados. Este Hamiltoniano, junto com as relações de comutação (1.69), definem
completamente a estrutura do estado da radiação, como logo veremos.

1.5.1 Operadores de campo


De modo a obter as expressões para os observáveis quânticos associados com os campos clássicos,
temos apenas que trocar as variáveis normais clássicas αl e seu conjugado αl∗ , nas expressões
clássicas, pelos operadores quânticos correspondentes â e ↠. Se associa então os seguintes
operadores Hermitianos aos campos (1.45-1.47):
(1)
El h ikl ·r † −ikl ·r
i
Â(r) = ∑ el âl e + âl e = Â(+) (r) + Â(−) (r) , (1.75a)
l ω l
h i
(1)
Ê(r) = i ∑ el El âl eikl ·r − â†l e−ikl ·r = Ê(+) (r) + Ê(−) (r) , (1.75b)
l
kl × el (1) h ikl ·r i
B̂(r) = i ∑ El âl e − â†l e−ikl ·r = B̂(+) (r) + B̂(−) (r) . (1.75c)
l ωl
22 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

As expressões (1.75) também mostram a decomposição de Â(r) nos dois operadores não-
Hermitianos Â(+) (r) e Â(−) (r), que são Hermitianos conjugados, e de forma semelhante para
Ê(r) e B̂(r) . Os operadores Â(+) (r), Ê(+) (r) e B̂(+) (r) são chamados das partes de frequência
positiva dos operadores de campo. Eles são os correspondentes quânticos associados aos sinais
analíticos clássicos introduzidos na seção (1.3.3).
Não deve surpreender que as variáveis dinâmicas clássicas dependentes do tempo, como E(r,t),
tenham sido trocadas por operadores quânticos que não dependem do tempo. Estamos usando
a representação de Schrödinger da mecânica quântica, na qual geralmente os observáveis não
dependem do tempo, já que a evolução temporal do sistema é descrita através dos vetores de estado.

1.6 Estados da radiação quantizada e fótons


(baseado na Seção 4.6 de [Gry10])
As propriedades quânticas de sistemas físicos são descritas usando duas ferramentas matemá-
ticas: operadores Hermitianos associados com quantidades mensuráveis chamadas observáveis,
satisfazendo relações de comutação bem definidas, e vetores de estado, pertencentes ao espaço de
Hilbert, que descrevem o estado específico do sistema. O procedimento de quantização canônico
nos permitiu construir os operadores relacionados ao campo eletromagnético livre quantizado.
Ainda falta introduzir os estados quânticos deste campo. Uma base para expandir esses estados
será encontrada buscando os auto-estados do Hamiltoniano da radiação.
Até aqui colocamos a dinâmica da radiação, no formalismo Hamiltoniano, em uma forma
análoga àquela para um ensemble de osciladores harmônicos materiais independentes. Para
obter os auto-valores e auto-estados do Hamiltoniano quantizado, iremos então usar resultados
conhecidos para o osciladores harmônicos da mecânica quântica. Mais especificamente, usaremos
o formalismo introduzido por Dirac, baseado nas propriedades dos operadores não-Hermitianos âl
e â†l , completamente determinadas pelas relações de comutação (1.69) [Sak94].
No método de Dirac, o Hamiltoniano ĤR para a radiação é expresso como uma combinação
linear de operadores N̂l , definidos por:
N̂l = â†l âl . (1.76)
Ele assume então a forma
 
1
ĤR = ∑ h̄ωl N̂l + . (1.77)
l 2
A relação de comutação
[âl , â†l ] = 1 , (1.78)
que é um caso especial de (1.69a), é suficiente para estabelecer que o conjunto de auto-valores
de cada operador N̂l é precisamente o conjunto de inteiros não-negativos [Sak94]. Há então
auto-vetores |nl i, tais que
N̂l |nl i = nl |nl i , com nl = 0, 1, 2, . . . (1.79)
Esses vetores formam uma base para o espaço de Hilbert Fl dos estados da radiação no modo l.
Vamos resumir as propriedades principais desses chamados estados de número, sob a ação de âl e
â†l :

âl |nl i = nl |nl − 1i se nl > 0 , (1.80a)
âl |0l i = 0 , (1.80b)
â†l |nl i = nl + 1|nl + 1i .
p
(1.80c)
1.6 Estados da radiação quantizada e fótons 23

O estado de mais baixa energia |0l i joga um papel particular, como será enfatizado depois. Note,
por exemplo, que todos os auto-estados |nl i derivam de |0l i pela aplicação de (1.80c) repetidamente,
o que leva a

(â†l )n
|nl i = √ |0l i . (1.81)
n!

Vamos agora abordar a questão dos auto-valores e auto-estados de ĤR . Já que os N̂l são
comutáveis entre si, os auto-estados de ĤR são os produtos tensoriais dos estados |nl i sobre todos os
possíveis modos l, isto é, estados da forma |n1 i ⊗ |n2 i ⊗ · · · ⊗ |nl i · · · , que serão escritos na forma
abreviada |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i. Temos então
 
1
ĤR |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i = ∑ nl + h̄ωl |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i . (1.82)
l 2

O estado fundamental da radiação, chamado de radiação de vácuo, corresponde ao estado onde


todos os inteiros nl são zero. Para simplificar, será denotado por |0i:

|0i = |n1 = 0, n2 = 0, . . . , nl = 0, . . .i . (1.83)

Sua energia EV , que é a energia mínima do campo eletromagnético quantizado, é dada por

1
EV = ∑ h̄ωl . (1.84)
l 2

Note que ela é, na verdade, infinita. Vamos voltar a esse ponto futuramente, mas vale adiantar que
esse fato não leva a inconsistências na teoria. Na verdade, a energia de vácuo é crucial para modelar
corretamente fenômenos importantes. O ponto é que ela não é diretamente observável, mas ela
leva a observáveis que são finitos. Desenvolver técnicas teóricas para lidar de forma consistente
com infinitos desse tipo, obtendo a partir daí observáveis finitos, foi crucial para o avanço da
Eletrodinâmica Quântica em diversas áreas. Essas técnicas são chamadas de “renormalização”. No
curso de Óptica Quântica vamos lidar de forma recorrente com o estado de vácuo, mas não vamos
abordar nenhum problema que requeira a aplicação de procedimentos de renormalização.
Qualquer auto-estado de ĤR pode ser obtido a partir do estado fundamental |0i aplicando algum
produto dos operadores de criação, â†l . Realmente, estendendo (1.81), temos

(â†1 )n1 (â†2 )n2 · · · (â†l )nl · · ·


|n1 , n2 , . . . , nl , . . .i = √ |0i . (1.85)
n1 !n2 ! · · · nl ! · · ·

A equação (1.82) mostra que, comparado com a energia (1.84) do estado fundamental da
radiação |0i, o estado estacionário |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i tem uma energia extra:

En1 ,n2 ,...,nl ,... − EV = ∑ nl h̄ωl . (1.86)


l

De fato, parece exatamente como se o estado |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i contivesse n1 partículas de energia


h̄ω1 , n2 partículas de energia h̄ω2 e, no geral, nl partículas de energia h̄ωl , para cada valor do rótulo
l, enquanto o estado fundamental não contém nenhuma partícula e assim é chamado de vácuo.
As partículas das quais estamos falando são fótons. Eles são as excitações elementares do campo
eletromagnético quantizado. As relações (1.80a) e (1.80c) mostram que o operador âl reduz o
número de fótons no modo l por um, enquanto o operador â†l aumenta o número de fótons no modo
l por um. Isso explica porque esses operadores são chamados de operadores de aniquilação e
24 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

criação, respectivamente. O operador (1.76) é o observável quântico que caracteriza o número de


fótons no modo l dentro do volume V . O operador

N̂ = ∑ N̂l , (1.87)
l

fornece então o número total de fótons no volume V .


Os auto-estados |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i do Hamiltoniano formam uma base para o espaço F de
estados da radiação, que é um produto tensorial dos espaços Fl para cada um dos modos normais.
O estado quântico mais geral |ψi da radiação pode então ser expandido na forma
+∞ +∞ +∞
|ψi = ∑ ∑ · · · ∑ · · ·Cn n ...n ... |n1 , n2 , . . . , nl , . . .i ,
1 2 l
(1.88)
n1 =0 n2 =0 nl =0

onde Cn1 n2 ...nl ... são números complexos arbitrários, a única restrição aqui sendo a condição de
normalização usual hψ|ψi = 1. Cada índice nl pode assumir um número infinito de valores, e
existem infinitamente muitos desses índices. A variedade de possíveis estados do campo eletromag-
nético quantizado é, portanto, enorme. Para enfatizar esse ponto, suponha que consideremos apenas
um número finito M de modos. A radiação clássica é então descrita por M números complexos,
e dizemos que o espaço de estados clássicos tem dimensão M. Consideremos agora a radiação
quantizada, e restrinjamos a um máximo de N fótons por modo. O espaço de estados (1.88) tem
dimensão (N + 1)M , variando exponencialmente com M.

1.7 Interação átomo-luz


(baseado nas Seções 2.2 e 4.8 de [Lou00], e 6.1 e 6.2 de [Scu97])
Ao considerar as equações de Maxwell em meios materiais, o problema da interação do
meio com o campo luminoso quantizado pode assumir diversas formas, dependendo do meio
material a ser considerado. Por exemplo, cargas livres ou ligadas a átomos obedecem a vínculos
muito diferentes. O modo mais comum de introduzir a interação com partículas materiais no
formalismo Hamiltoniano da eletrodinâmica clássica consiste em considerar a interação com uma
carga individual genérica, a partir da qual a interação com conjuntos de partículas poderia ser
obtida. Introduzir a quantização do campo nesse formalismo genérico, no entanto, leva a um
caminho de derivações relativamente longo até chegarmos na forma do potencial de interação mais
útil para o conteúdo do nosso curso, focado mais na interação da luz com átomos. A abordagem
que seguiremos é então através de um Hamiltoniano multipolar, característico de distribuições
de cargas ligadas. Na seção atual, iniciaremos deduzindo a forma clássica do Hamiltoniano de
interação a ser utilizado ao longo do curso: o potencial de interação do tipo dipolo elétrico. Na
sequência, introduziremos diretamente a quantização do campo partindo já do potencial de dipolo
elétrico. Finalmente, passaremos para a representação de interação, que descreve de forma mais
simples a evolução dos estados do sistema atômico em sua interação com uma onda eletromagnética.
Nessa representação, podemos ainda introduzir a aproximação de onda girante diretamente no
Hamiltoniano de interação, montando a estrutura da teoria que descreve a interação átomo-luz já
com todas as suas aproximações mais importantes.

1.7.1 Hamiltoniano de interação na aproximação de dipolo elétrico


Consideremos uma onda eletromagnética se propagando na direção k e oscilando com frequência
ω. Ela é descrita, portanto, por campos elétricos e magnéticos ortogonais entre si e ao vetor k, e
que oscilam com termos do tipo cos(k · r − ωt). Queremos então modelar a interação dessa onda
eletromagnética com um átomo formado por um núcleo de carga Z e cercado por Z elétrons de
carga −e. Por simplicidade, ver Fig. 1.2, consideraremos o núcleo no centro de nosso sistema de
1.7 Interação átomo-luz 25

coordenadas, com os vários elétrons nas posições r1 , r2 , r3 , . . . A magnitude dos raios dos elétrons
pode ser estimada pelo raio de Bohr:

4πε0 h̄2
a0 = ≈ 0.5Å = 5 × 10−11 m , (1.89)
me2
onde m é a massa do elétron. Quando consideramos luz visível, estamos falando de frequências
ω = 2π f que vão do violeta ( f ≈ 750 THz, λ ≈ 400 nm) ao infravermelho próximo ( f ≈ 400 THz,
λ ≈ 750 nm). Isto implica em vetores k com módulos k ≈ 107 m−1 e k · r ≈ 0 para um átomo
na origem. Caso o átomo se encontre em uma posição qualquer R, essa condição muda para
k · r ≈ k · R ≡ constante. Isto implica que um átomo individual não é sensível a variações espaciais
da onda eletromagnética, que podem portanto ser desprezadas. Esta é muitas vezes chamada
de “aproximação de comprimento de onda longo”, já que é uma consequência direta de termos
λ >> a0 .

Figura 1.2: Sistema de coordenadas para o átomo e onda eletromagnética.

A dinâmica de um átomo induzida pela luz numa determinada posição do espaço é, portanto,
definida apenas, dentro da aproximação acima, pela dinâmica temporal do campo eletromagnético.
Para chegarmos no Hamiltoniano de interação átomo-luz, vamos começar relembrando as equações
de Maxwell microscópicas para os campos eletromagnéticos em um meio qualquer:

ε0 ∇ · E = σ , (1.90a)
∇·B = 0, (1.90b)

∇×E = − B, (1.90c)
∂t
1 ∂
∇ × B = ε0 E + J , (1.90d)
µ0 ∂t

onde σ e J são as densidades de carga e corrente elétrica, respectivamente. Para o átomo acima,
teríamos então
Z
σ (r) = −e ∑ δ (r − rα ) + Zeδ (r) , (1.91a)
α=1
Z
J(r) = −e ∑ ṙα δ (r − rα ) , (1.91b)
α=1
26 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

com a delta de Dirac espacial

1
Z
δ (r − rα ) = dkeik·(r−rα ) . (1.92)
(2π)3

Por outro lado, vamos lembrar que quando o campo eletromagnético interage com um meio
que macroscopicamente é eletricamente neutro e sem correntes macroscópicas (que é o nosso caso,
com o balanço de cargas no átomo neutro e todas as correntes confinadas a uma pequena região do
espaço), as equações de Maxwell podem ser escritas como [Jac99]:

∇ · De = 0 , (1.93a)
∇·B = 0, (1.93b)

∇×E = − B, (1.93c)
∂t

∇×H = De , (1.93d)
∂t
onde introduzimos o vetor deslocamento elétrico

De = ε0 E + P , (1.94)

e o vetor campo magnético macroscópico

1
H= B−M, (1.95)
µ0

em termos de duas novas quantidades, os vetores polarização P e magnetização M.


As quantidades P e M são aqui macroscópicas no sentido de que se referem ao átomo como um
todo, ao conjunto de suas cargas em movimento. Comparando as equações (1.90) e (1.93), vemos
que P e M se relacionam com σ e J por

σ (r) = −∇ · P(r) , (1.96a)


∂P
J(r) = (r) + ∇ × M(r) . (1.96b)
∂t

Para as distribuições σ (r) e J(r) de carga e corrente atômicas, P e M admitem as seguintes


soluções integrais:
Z 1
P(r) = −e ∑ rα dλ δ (r − λ rα ) , (1.97a)
α 0
Z 1
M(r) = −e ∑ rα × ṙα dλ λ δ (r − λ rα ) , (1.97b)
α 0

que facilitam a expansão em multipolos da energia de interação.

Problema 1.9 Prove que as equações (1.97) são soluções da equações (1.96) para as densidades
de carga e corrente dadas nas equações (1.91). 

No meio material descrito acima, a energia total Eem nos campos elétrico e magnético fica [Jac99]

1 1
Z Z
Eem = d 3 r E · De + d 3 r H · B = HR +VE +VM , (1.98)
2 2
1.7 Interação átomo-luz 27

onde usamos a definição (1.56) para o Hamiltoniano do campo livre HR , e temos as energias de
interação do átomo nos campos eletromagnéticos transversais E e B dadas, respectivamente, por
Z
VE = d 3 r E(r) · P(r) , (1.99a)
Z
VM = − d 3 r M(r) · B(r) , (1.99b)

onde omitimos a dependência temporal das várias quantidades. Em termos das formas integrais de
P e M, temos
Z 1
VE = −e ∑ dλ E(λ rα ) · rα , (1.100a)
α 0
Z 1
VM = e ∑ dλ (λ rα × ṙα ) · B(λ rα ) . (1.100b)
α 0

Para simplificar o tratamento no que segue, consideraremos um sistema de coordenadas com


k k ẑ, de modo que Ez = Bz = 0. Considerando um átomo na origem, já vimos também que λ rα é
muito pequeno considerando qualquer escala de variação significativa de E e B, que podem então
ser expandidos em séries de Taylor nessa variável:
E(λ rα ) = Ex (λ rα )î + Ey (λ rα )ĵ
 
∂ Ex ∂ Ex ∂ Ex
= î Ex (0) + (0)λ xα + (0)λ yα + (0)λ zα + · · ·
∂x ∂y ∂z
 
∂ Ey ∂ Ey ∂ Ey
+ ĵ Ey (0) + (0)λ xα + (0)λ yα + (0)λ zα + · · · , (1.101a)
∂x ∂y ∂z
B(λ rα ) = Bx (λ rα )î + By (λ rα )ĵ
 
∂ Bx ∂ Bx ∂ Bx
= î Bx (0) + (0)λ xα + (0)λ yα + (0)λ zα + · · ·
∂x ∂y ∂z
 
∂ By ∂ By ∂ By
+ ĵ By (0) + (0)λ xα + (0)λ yα + (0)λ zα + · · · . (1.101b)
∂x ∂y ∂z
Segue que
  
xα ∂ Ex ∂ Ex ∂ Ex
VE = −e ∑ xα Ex (0) + (0)xα + (0)yα + (0)zα + · · ·
α 2 ∂x ∂y ∂z
  
yα ∂ Ey ∂ Ey ∂ Ey
+yα Ey (0) + (0)xα + (0)yα + (0)zα + · · · , (1.102a)
2 ∂x ∂y ∂z
  
e (lα )x (lα )x ∂ Bx ∂ Bx ∂ Bx
VM = ∑ Bx (0) + (0)xα + (0)yα + (0)zα + · · ·
m α 2 3 ∂x ∂y ∂z
  
(lα )y (lα )y ∂ By ∂ By ∂ By
+ By (0) + (0)xα + (0)yα + (0)zα + · · · . (1.102b)
2 3 ∂x ∂y ∂z
onde introduzimos o vetor
lα = mrα × ṙα , (1.103)
para o momento angular do elétron α.
As equação (1.102) podem ser reescritas em termos dos vários multipolos atômicos, como
−eD = − ∑ erα (momento de dipolo elétrico) , (1.104a)
α
1 e
−eDM = − lα (momento de dipolo magnético) . (1.104b)
2∑
α m
28 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

Para os momentos de quadrupolo, é interessante mudar a notação de modo que


xα → r1α , Ex → E1 , (lα )x → (lα )1 ,
yα → r2α , Ey → E2 , (lα )y → (lα )2 ,
zα → r3α , Ez → E3 , (lα )z → (lα )3 ,
o que facilita a notação dos tensores de quadrupolo. Usando esta notação e levando em conta
que Ez = Bz = 0, os termos de quadruplo nas equações (1.102) podem ser agrupados em dois
somatórios:
1 3 3 ∂ Ei
∑ ∑ ∑(ri )α (r j )α ∂ r j (0)
2 i=1
para a energia potencial elétrica ,
j=1 α

1 3 3 ∂ Bi
∑ ∑ ∑(lα )i (r j )α ∂ r j (0)
3 i=1
para a energia potencial magnética .
j=1 α

Podemos então definir os momentos de quadrupolo elétrico QE e magnético QM como tensores, tal
que
1
(QE )i j = − e(ri )α (r j )α , (1.105a)
2∑α
2 e
(QM )i j = − ∑ (lα )i (r j )α . (1.105b)
3! α m
Em termos dos seus vários momentos, VE e VM ficam então
3 3
∂ Ei
VE = −eD · E(0) + ∑ ∑ (QE )i j (0) + · · · , (1.106a)
i=1 j=1 ∂rj
3 3
∂ Bi
VM = eDM · B(0) − ∑ ∑ (QM )i j (0) + · · · . (1.106b)
i=1 j=1 ∂rj

As equações acima mostram os primeiros termos da expansão geral da energia potencial de


interação em termos dos vários momentos de multipolo atômicos. Para prosseguirmos a partir
daqui, precisamos entender qual é a magnitude relativa desses vários termos. Para tanto, vamos
aproximar os vários componentes de cada termo por quantidades que representem sua ordem de
grandeza. Assim, teremos
rα → a0 ≈ 5 × 10−11 m ,
∂ Ei
→ kE(0) ≈ 107 m−1 ,
∂rj
lα → h̄ , (momento angular do elétron)
e os vários termos da expansão podem ter sua ordem de grandeza estimada como
4πε0 h̄2
eD · E(0) ≈ ea0 E(0) = E(0) ,
me  
eh̄ eh̄ ∂B E
eDM · B(0) ≈ B(0) = E(0) , notar que ∇ × E = ⇒ kE ≈ ωB ⇒ B ≈
2m 2mc ∂t c
3 3
∂ Ei ea2
∑ ∑ (QE )i j (0) ≈ 9 0 kE(0) ≈ ea0 · 2 × 10−3 E(0) ,
i=1 j=1 ∂rj 2
3 3  
∂ Bi 1e E(0) 3h̄k
∑ ∑ (QM )i j ∂ r j (0) ≈ 9 3 m h̄a0 k c ≈ ea0 E(0) mc .
i=1 j=1
1.7 Interação átomo-luz 29

A partir dessas expressões e substituindo os valores das várias quantidades envolvidas, podemos
estimar
eDM · B(0)
≈ 4 × 10−3 ,
eD · E(0)
∑3i=1 ∑3j=1 (QE )i j ∂∂ Er ji (0)
≈ 2 × 10−3 ,
eD · E(0)
∑3i=1 ∑3j=1 (QM )i j ∂∂ Br ji (0)
≈ 10−5 ,
eD · E(0)

Vemos então que os termos de quadrupolo elétrico e dipolo magnético são da mesma ordem, mas
ambos muito menores que o termo de dipolo elétrico. Os outros termos da expansão multipolar
são todos progressivamente menores. Como exemplo, estimamos acima o termo de quadrupolo
magnético, verificando que é realmente muito menor que os termos de quadrupolo elétrico ou
magnético.
A partir da discussão acima, vemos que podemos aproximar

VE +VM ≈ −eD · E , (1.107)

ou seja, a energia potencial de interação V de um átomo com o campo eletromagnético da luz pode
ser bem aproximada mantendo apenas o termo de dipolo elétrico:

V = −eD · E . (aproximação de dipolo elétrico) (1.108)

Notem que o termo de dipolo elétrico é proporcional ao vetor posição. Ele dará origem então a
um operador com paridade ímpar, conectando níveis de energia atômicos com funções de onda de
paridade opostas. Esta é a situação mais comum para a excitação de átomos por campos luminosos.
No entanto, é possível excitar o átomo em condições que suprimam a interação do tipo dipolo
elétrico. A principal condição em que isso ocorre é quando se quer induzir transições entre níveis
de mesma paridade. Como os termos de quadrupolo elétrico e dipolo magnético têm paridade par,
eles podem prevalecer nesse processo.

1.7.2 Campo elétrico quantizado


A partir da descrição quantizada do campo eletromagnético dada nas seções anteriores, podemos
finalmente escrever o Hamiltoniano total que descreve a interação átomo-luz. Na aproximação de
dipolo elétrico, temos agora

Ĥ = ĤA + ĤR − e r · Ê , (1.109)

onde ĤA e ĤR são os Hamiltonianos para átomo e campo livres, respectivamente, e r é o vetor
posição do elétron no átomo. Temos assim

ĤA = ∑ Ei |iihi| , (1.110)


i

com {|ii} representando um conjunto completo de auto-estados atômicos da energia, e Ei sendo a


energia do auto-estado |ii. O Hamiltoniano do campo livre é dado pela equação (1.74):
 
† 1
ĤR = ∑ h̄ωl al al + . (1.111)
l 2
30 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

Finalmente, para o termo de interação, vamos primeiro reescrever o operador dipolo elétrico na
base de auto-estados de energia do átomo:
! !
er = ∑ |iihi| er ∑ | jih j| = ∑ ti j |iih j| , (1.112)
i j i, j

com

ti j = hi|er| ji (1.113)

sendo um elemento da matriz de transição de dipolo elétrico. O operador campo elétrico na equação
(1.109) é dado então pela expressão (1.75b):
h i
(1)
Ê(r0 ) = i ∑ el El âl eikl ·r0 − â†l e−ikl ·r0 , (1.114)
l

com r0 a posição do centro de massa do átomo no espaço. O Hamiltoniano total átomo-luz fica,
portanto,
h i
Ĥ = ∑ h̄ωl â†l âl + ∑ Ei |iihi| + ∑ ∑ h̄|iih j| âl gil j + â†l (gil j )∗ , (1.115)
l i i, j l

onde
(1)
ti j · el El
gil j = −i eikl ·r0 . (1.116)

Na equação (1.115) omitimos ainda a energia de ponto-zero do primeiro termo, pois este implica
em um nível constante de energia.

1.7.3 Representação de interação e aproximação de onda girante


No que segue, será importante trabalharmos com formas ainda mais aproximadas para o Hamiltoni-
ano do sistema. Para isso, vamos primeiro passar para uma descrição do problema na representação
de interação [Sak94], que difere da representação de Schrödinger por focar na dinâmica temporal
originada da interação. Note que o Hamiltoniano (1.115) pode ser escrito como

Ĥ = Ĥ0 + V̂ , (1.117)

em termos do Hamiltoniano livre Ĥ0 ,

Ĥ0 = ∑ h̄ωl â†l âl + ∑ Ei |iihi| , (1.118)


l i

e do potencial de interação V̂ ,
h i
V̂ = ∑ ∑ h̄|iih j| âl gil j + â†l (gil j )∗ . (1.119)
i, j l

Sejam |ψ(t)i o estado do sistema e Ô um operador qualquer na representação de Shcrödinger.


Então definiremos a representação de interação como aquela com estados |ψ(t)iI e operadores ÔI
obtidos, respectivamente, a partir de

|ψ(t)iI = eiĤ0t/h̄ |ψ(t)i (1.120)


1.7 Interação átomo-luz 31

ÔI = eiĤ0t/h̄ Ôe−iĤ0t/h̄ . (1.121)

Mais especificamente, o potencial de interação na representação de interação fica

V̂I = eiĤ0t/h̄V̂ e−iĤ0t/h̄


h † † † †
i
= h̄ ∑ ∑ eiEit/h̄ |iih j|e−iE j t/h̄ eiωl âl âl t âl e−iωl âl âl t gil j + eiωl âl âl t â†l e−iωl âl âl t (gil j )∗
i, j l
h i
= h̄ ∑ ∑ eiω i j t |iih j| âl e−iωl t gil j + â†l eiωl t (gil j )∗ , (1.122)
i, j l

onde usamos
Ei − E j
ωi j = (1.123)

e
† †
eiωl âl âl t âl e−iωl âl âl t = âl e−iωl t . (1.124)

Problema 1.10 Demonstre a equação (1.124) usando que

α2
eα Â B̂e−α Â = B̂ + α[Â, B̂] + [Â, [Â, B̂]] + · · ·
2!


Da mudança de paridade requerida pela interação de dipolo elétrico, temos giil = 0 para todo i.
Podemos então reescrever (1.122) como
h i
V̂I = h̄ ∑ ∑ ∑ eiω i j t |iih j| + e−iω i j t | jihi| âl e−iωl t gil j + â†l eiωl t (gil j )∗ , (1.125)
j i> j l

onde consideramos um ordenamento de estados atômicos nas somas tal que Ei > E j e, portanto,
ωi j > 0. Lembrando que ωl > 0, cada termo dos somatórios em j, i e l (com Ei > E j ) possui então
quatro partes, com duas oscilando com a diferença de frequências (ωi j − ωl ) e duas oscilando com
a soma (ωi j + ωl ). Em situações típicas, temos (ωi j + ωl ) >> (ωi j − ωl ) e poderemos desprezar
os termos dependentes de (ωi j + ωl ). Esta é chamada de aproximação de onda girante, que deixa o
potencial (1.125) na forma
h i
V̂I = h̄ ∑ ∑ ∑ ei(ω i j −ωl )t gil j âl |iih j| + e−i(ω i j −ωl )t (gil j )∗ â†l | jihi| . (1.126)
j i> j l

Nesse curso, nos concentraremos apenas em situações em que vale a aproximação de onda girante,
pois queremos introduzir os fenômenos essenciais e mais comumente encontrados na interação do
átomo com o campo quantizado.
Tipicamente, essa é uma aproximação excelente. Primeiro, note que os dois fatores que
restaram nos termos dos somatórios de (1.126) são tais que os operadores de destruição e criação
de fótons estão acompanhados por operadores de levantamento e rebaixamento, respectivamente,
da energia atômica. Isto quer dizer que os fatores que restaram mais proximamente conservam
energia individualmente. Os fatores que foram eliminados combinavam destruição de fótons com
rebaixamento da energia atômica e vice-versa, isto é, criação de fótons com levantamento da energia
32 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

do átomo. Assim, os termos eliminados conservam energia apenas quando em combinação com
outros termos, ou seja, tipicamente em ordens mais altas da interação.
Segundo, de uma forma mais quantitativa, note ainda que integrações temporais sobre termos
oscilando com frequência ω resultam em soluções com denominadores da ordem de ω. Assim, os
fatores oscilando com (ω i j − ωl ) resultam em probabilidades de transição maiores que os fatores
oscilando com (ω i j + ωl ) por quantidades da ordem de (ω i j − ωl )/(ω i j + ωl ). Na região do visível,
envolvendo frequências de centenas de THz, temos tipicamente (ω i j + ωl ) ≥ 2π × (100 THz) e
(ω i j − ωl ) < 2π × (10 GHz), o que resulta em (ω i j − ωl )/(ω i j + ωl ) < 10−4 . A aproximação de
onda girante é usada comumente em todas as regiões do espectro, como, por exemplo, na região
de radio-frequências (MHz-GHz). No entanto, quanto menor a frequência mais cuidado é preciso
em sua aplicação. No regime de pulsos ultra-curtos, com larguras de banda da ordem de uma
oscilação óptica, também precisamos ter cuidado. Na região óptica, uma oscilação da luz ocorre
em ≈ 1 fs. Pulsos com durações muito menores que 10 fs nessa região, portanto, têm diferenças em
suas componentes espectrais já próximas de sua frequência média.
Finalmente, voltando à estrutura formal da representação de interação, vamos obter a equação
que determina a evolução temporal dos estados na representação de interação. Derivando no tempo
os dois lados da equação (1.120) e usando a equação de Schrödinger no lado direito, obtemos
 
∂ ∂  iĤ0t/h̄  iĤ0 t/h̄ iĤ0 t/h̄ ∂
ih̄ |ψiI = ih̄ e |ψi = −Ĥ0 e |ψi + e ih̄ |ψi
∂t ∂t ∂t
= −Ĥ0 eiĤ0t/h̄ |ψi + eiĤ0t/h̄ (Ĥ0 + V̂ )|ψi
= eiĤ0t/h̄V̂ e−iĤ0t/h̄ eiĤ0t/h̄ |ψi

e, assim,

ih̄ |ψiI = V̂I |ψiI . (1.127)
∂t
A dinâmica temporal do estado na representação de interação depende então apenas do potencial de
interação. Com isso, descontamos da evolução temporal das amplitudes de probabilidade toda a
oscilação rápida com as auto-energias dos estados, o que comumente facilita a descrição teórica da
evolução temporal do sistema como um todo.

Átomo de dois níveis


Um caso particular importante é o átomo de dois níveis, que serve de primeiro modelo para muitos
fenômenos que iremos discutir ao longo do curso. Considerando apenas dois níveis de energia |ai e
|bi, com Eb > Ea , o potencial de interação (1.126) fica
h i
V̂I = h̄ ∑ ei(ω ba −ωl )t gba
l lâ |biha| + e −i(ω ba −ωl )t ba ∗ †
(gl ) â l |aihb| . (1.128)
l

Podemos ainda escrever


ikl ·r0
gba
l = −igl e , (1.129)

com
(1)
µab El
gl = , (1.130)

e µab = tba · el o momento de dipolo elétrico da transição a → b. Para um átomo de dois níveis,
podemos considerar µab uma constante real. Para átomos de vários níveis, é possível haver fases
1.8 Emissão espontânea: Teoria de Weisskopf-Wigner 33

relativas entre os momentos de dipolo elétrico que requeiram uma descrição dessas quantidades
como números complexos. No entanto, quando consideramos apenas uma transição, uma fase
complexa do momento de dipolo implica apenas em uma fase global constante na dinâmica
determinada pela equação (1.127) e pode, portanto, ser considerada nula sem perda de generalidade.
O potencial (1.128) pode então ser escrito como
h i
V̂I = −i ∑ h̄gl ei[(ω ba −ωl )t+kl ·r0 ] âl |biha| − e−i[(ω ba −ωl )t+kl ·r0 ] â†l |aihb| . (1.131)
l

A quantidade gl tem unidade de frequência angular (rad/s) e é muitas vezes chamada de constante
(1)
de acoplamento. Lembrando que El dá o campo elétrico gerado por um fóton no modo l, ela
determina a força da interação por fóton entre a transição atômica a → b e o modo l do campo
eletromagnético. A força total da interação dependerá, obviamente, também do estado da luz, que
fornece o número de fótons nl em cada modo l.

1.8 Emissão espontânea: Teoria de Weisskopf-Wigner


(baseado na Seção 6.3 de [Scu97])
Emissão espontânea é um efeito discutido desde os primórdios da mecânica quântica, quando
Bohr introduziu a noção de transições entre estados excitados e fundamentais sem discutir sua causa
específica [Boh13]. Espontânea nesse sentido significa "sem causa"conhecida. Einstein cunhou
definitivamente o termo em sua teoria da radiação de 1917 [Ein17]. A explicação desse efeito
tão universal, no entanto, só foi dada pelo desenvolvimento da própria Eletrodinâmica Quântica,
sendo considerada um de seus grandes feitos iniciais. A teoria quântica de Dirac para emissão
e absorção da luz, de 1927, é considerada a primeira abordagem a fornecer uma explicação de
primeiros princípios para a emissão espontânea [Dir27]. Baseada na teoria de Dirac, em 1930
Weisskopf e Wigner formularam finalmente a versão da teoria para a emissão espontânea que mais
se popularizou até hoje [Wei30]. No que segue, veremos a abordagem de Weisskopf-Wigner do
problema, que considera o sistema simplificado de um átomo de dois níveis inicialmente no estado
excitado e na presença do vácuo eletromagnético. Obteremos então sua taxa de emissão espontânea,
que leva a um decaimento irreversível para o estado fundamental.
Utilizando a notação da seção anterior para um átomo de dois níveis, o estado inicial do sistema
com o átomo no estado excitado |bi e o campo no vácuo pode ser escrito como

|ψ(t = 0)iI = |ψ(t = 0)i = |bi ⊗ |0i = |b, 0i . (1.132)

O sistema é conservativo, de modo que o vetor de estado evoluirá em um espaço de auto-estados


restrito a no máximo nl = 1 para o número de fótons nos modos l do campo:

|ψ(t)iI = cb (t)|b, 0i + ∑ ca,l (t)|a, 1l i , (1.133)


l

com |a, 1l i indicando o estado com o átomo no estado fundamental |ai, um fóton no modo l e
nenhum fóton nos demais modos. As condições iniciais completas ficam então

cb (0) = 1 e ca,l (0) = 0 . (1.134)

Notem que o auto-estado |a, 0i também não participa da evolução.


34 Capítulo 1. Eletrodinâmica Quântica

Para determinar a evolução temporal do sistema, a partir da equação (1.127), obtemos

∂ cb (t) i
= − hb, 0|V̂I |ψ(t)iI
∂t h̄
= − ∑ gl ei[(ω ba −ωl )t+kl ·r0 ] ca,l , (1.135a)
l
∂ ca,l (t) i
= − ha, 1l |V̂I |ψ(t)iI
∂t h̄
= gl e−i[(ω ba −ωl )t+kl ·r0 ] cb (t) . (1.135b)

Vamos agora integrar a equação (1.135b) até um instante t qualquer:


Z t
0
ca,l (t) = gl e−ikl ·r0 dt 0 e−i(ω ba −ωl )t cb (t 0 ) , (1.136)
0

onde usamos o fato de que ca,l (0) = 0. Substituindo (1.136) em (1.135a), obtemos
Z t
∂ cb 0
= − ∑ g2l dt 0 e−i(ω ba −ωl )(t−t ) cb (t 0 ) . (1.137)
dt l 0

Até aqui nenhuma aproximação foi feita. A partir daqui é que faremos aproximações considerando
a distribuição de modos do vácuo.
Assumindo que os modos do campo são proximamente espaçados em frequência, a soma em l
pode ser substituída por uma integral:
2 Z
∑→ ∑ dkρk , (1.138)
l s=1

onde ρk é a densidade de estados no espaço dos vetores k. As componentes de k são dadas por
ki = 2πni /L, com i = 1, 2, 3. Isto implica que há apenas um estado no volume (2π)3 /V , ou seja,
ρk = V /(2π)3 . Substituindo a expressão para ρk e passando para coordenadas esféricas, obtemos
2 Z 2π
V
Z ∞ Z π
∑→ ∑ k2 dk sin θ dθ dφ . (1.139)
l (2π)3 s=1 0 0 0

(1)
Assim, usando a definição de El e escrevendo explicitamente cada l em termos das três compo-
nentes de k e da polarização s, temos
2
(tba · ek,s )2 h̄ωk
Z 2π
V
Z ∞ Z π
∑ g2l = ∑
(2π)3 s=10 0
k2 dk
0
sin θ dθ
h̄2 2ε0V

l
Z 2π
1
Z ∞ Z π
ωk k2 dk dφ (tba · ek,1 )2 + (tba · ek,2 )2 .
 
= 3
sin θ dθ (1.140)
2ε0 h̄(2π) 0 0 0

Temos que qualquer conjunto (k̂, ek,1 , ek,2 ), com k̂ = k/k, forma uma base para o espaço tridimen-
sional (ver figura 1.1), de modo que podemos escrever

tba = (tba · k̂)k̂ + (tba · ek,1 )ek,1 + (tba · ek,2 )ek,2 , (1.141)

e, portanto,

(tba · ek,1 )2 + (tba · ek,2 )2 = |tba |2 − (tba · k̂)2 = |tba |2 (1 − cos2 θ ) , (1.142)
1.8 Emissão espontânea: Teoria de Weisskopf-Wigner 35

onde tomamos o eixo das coordenadas esféricas das integrais na mesma direção de tba para definir
os ângulos θ e φ . Substituindo (1.142) em (1.140) e lembrando que ωk = ck:

|tba |2
Z ∞ Z π Z 2π
∑ g2l = ωk3 dωk 2
sin θ (1 − cos θ )dθ dφ
l 2ε0 h̄(2π)3 c3 0 0 0

|tba |2
Z ∞
= ωk3 dωk . (1.143)
6ε0 h̄π 2 c3 0

Usando (1.143) em (1.137), obtemos

|tba |2
Z t
∂ cb
Z ∞
0
=− ωk3 dωk dt 0 e−i(ω ba −ωk )(t−t ) cb (t 0 ) . (1.144)
dt 6ε0 h̄π 2 c3 0 0

A integral no tempo na equação (1.144) levará a valores desprezíveis a não ser que ωk ≈ ωba . Em
torno desse valor, ωk3 não varia muito e pode ser igualado a ωba3 e tirado da integral. O limite

inferior da integral em ωk também pode ser formalmente extendido para −∞. Assim, a equação
(1.144) fica

|tba |2 ωba
3 Z t
∂ cb
Z ∞
0 0 0
=− dt cb (t ) dωk e−i(ω ba −ωk )(t−t ) . (1.145)
dt 6ε0 h̄π 2 c3 0 −∞

A integração em ωk pode então ser aproximada por


Z ∞
0
dωk e−i(ω ba −ωk )(t−t ) ≈ 2πδ (t − t 0 ) . (1.146)
−∞

Como o vácuo tem uma banda espectral muito larga, a integração sobre ela leva a uma delta no
tempo. Na prática isso implica que o sistema não tem memória, e a evolução imediata de cb (t) (dada
por sua derivada) depende apenas do estado do sistema no próprio instante t. O átomo se comporta
então como um sistema Markoviano, no que diz respeito ao decaimento do estado excitado. A
solução aproximada acima, explicitando a natureza Markoviana da emissão espontânea, é chamada
de aproximação de Weisskopf-Wigner. Substituindo o resultado acima em (1.145), obtemos

|tba |2 ωba
3 Z t
∂ cb
=− dt 0 cb (t 0 )δ (t − t 0 ) , (1.147)
dt 3ε0 h̄πc3 0

ou simplesmente

∂ cb Γ
= − cb (t) , (1.148)
dt 2
com
1 4|tba |2 ωba
3
Γ= , (1.149)
4πε0 3h̄c3
a taxa de emissão espontânea do estado excitado. Segue que a probabilidade de encontrar o átomo
em |bi em um instante t > 0, é

|cb (t)|2 = e−Γt . (1.150)

Mostramos então que um átomo inicialmente no estado excitado |bi no vácuo decai exponencial-
mente no tempo para o estado |ai, com o tempo de vida de 1/Γ.
2. Flutuações e coerência na luz clássica

Este capítulo será baseado fortemente nas Referências [Man95] e [Lou00].

Após um primeiro estágio em que se compreendeu efeitos específicos da quantização do campo


eletromagnético sobre os átomos, se buscou efeitos não-clássicos da luz nas flutuações do campo
eletromagnético. Para isso, no entanto, é importante entender primeiro alguns conceitos gerais sobre
processamento de sinais ruidosos, ou estocásticos, e depois como esses conceitos são adaptados ao
estudo da luz. A partir daí poderemos entender logo várias propriedades das flutuações de fontes
luminosas que admitem bons modelos clássicos.

2.1 Processos estocásticos e funções de correlação


2.1.1 Introdução aos ensembles estatísticos
(baseado na Seção 2.1 de [Man95])
O conceito de um processo (ou função) estocástico ou aleatório representa uma generalização
da idéia de um conjunto de variáveis aleatórias x1 , x2 , . . . , quando o conjunto não é mais contável e
as variáveis formam um contínuo. Introduzimos então um parâmetro contínuo t, tal como tempo,
que rotula as variáveis. Chamamos x(t) um processo aleatório ou uma função aleatória de t se x
não depender de t de forma determinística. Processos aleatórios são encontrados em muitos campos
da ciência, sempre que flutuações estiverem presentes. Exemplos de um processo aleatório real
x(t) são as flutuações de tensão através de um resistor elétrico, e as coordenadas de uma partícula
sujeita a um movimento Browniano. Veremos logo que o campo óptico gerado por qualquer fonte
luminosa deve ser também tratado como uma função aleatória de tempo e posição. Esse campo
óptico com flutuações estocásticas gera, no processo de fotodetecção, um corrente elétrica também
com flutuações estocásticas (ver figura 2.1). Obviamente, o parâmetro t pode também representar
alguma outra quantidade além do tempo, mas por simplicidade vamos toma-la como representando
tempo. Em nossas aplicações, x(t) frequentemente representará uma componente cartesiana do
vetor campo elétrico ou magnético em um feixe de luz. Inicialmente, assumiremos x(t) como sendo
real, mas processos aleatórios complexos também serão vistos.
38 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Figura 2.1: Visão esquemática do processo de fotodetecção: fotodetector


reage à intensidade da luz I(t) em sua superfície, gerando uma corrente elétrica
x(t). Para uma quantidade constante de luz atingindo o detector, tanto I(t)
quanto x(t) apresentam um valor médio com flutuações estocásticas em torno
dele.

A média em ensemble
Como x não depende de t de forma determinística, podemos apenas descrever seus valores estatisti-
camente, através de alguma distribuição de probabilidade ou densidade de probabilidade. Para todo
valor de t, x(t) é uma variável aleatória em algum domínio, com densidade de probabilidade p[x(t)]
ou p(x,t). Depois de integrar sobre o domínio, temos
Z
p(x,t)dx = 1 , (2.1)

como usual para uma densidade de probabilidade. A totalidade de todas as variações de x em todos
os tempos t constitui um processo aleatório x(t). Podemos calcular o valor esperado de x no tempo
t usando a densidade de probabilidade p(x,t),
Z
hx(t)i = xp(x,t)dx . (2.2)

De forma alternativa, podemos considerar o conjunto de todas as possíveis realizações ou


amostras da função x(t), tais como as ilustradas na Fig. 2.2, como o processo aleatório. A
coleção contável de todas as possíveis realizações é conhecida como o ensemble de x(t). Em um
experimento, uma função amostra pode descrever o resultado de uma medida como função do
tempo t, mas repetições do experimento irão geralmente resultar em diferentes funções amostra
ou realizações, que podem ser rotuladas sucessivamente (1) x(t),(2) x(t), . . . , etc. Podemos então
formar a média ou valor esperado de x no tempo t através da média sobre o ensemble de todas as
realizações

1 N (r)
hx(t)i = lim ∑ x(t) . (2.3)
N→∞ N
r=1

As equações (2.2) e (2.3) são definições equivalentes da média em ensemble.


As definições e conceitos acima são igualmente aplicáveis a um processo aleatória complexo
z(t), para o qual a variável aleatória associada com um parâmetro particular t é complexa. Escre-
vendo z(t) = x(t) + iy(t), vemos que um processo aleatório complexo pode ser tomado como um
par de processos aleatórios reais x(t), y(t). A densidade de probabilidade p(z,t) é então a densidade
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 39

Figura 2.2: A representação de um processo aleatório real x(t) por um ensemble


de realizações, ou funções amostra, ( j) x(t), ( j = 1, 2, 3, . . . ).

de probabilidade conjunta de x, y no tempo t. A média de z(t) pode ser calculada de p(z,t) por uma
generalização óbvia da equação (2.2), que podemos escrever como
Z
hz(t)i = zp(z,t)d 2 z , (2.4)

com d 2 z = dxdy. Esta quantidade é novamente equivalente a uma média sobre o ensemble de todas
as realizações (r) z(t),

1 N (r)
hz(t)i = lim ∑ z(t) . (2.5)
N→∞ N
r=1

Por simplicidade, vamos nos concentrar primeiro em processos aleatórios reais.


Probabilidade conjuntas e correlações
Apesar de p(x,t) representar uma família infinita de densidades de probabilidade, ela ainda não
descreve completamente o processo aleatório. Por exemplo, ela não contém informação sobre
possíveis correlações entre x(t1 ) e x(t2 ) em dois tempos diferentes t1 e t2 . Tal informação é dada
pela densidade de probabilidade conjunta ou dupla das variáveis em t1 e t2 , e é usualmente expressa
nas seguintes formas equivalentes,

p2 [x2 (t2 ); x1 , (t1 )] ou p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 ) ou p2 (x2 , x1 ;t2 ,t1 ) ,

que dependem de duas variáveis x1 , x2 e dois parâmetros t1 ,t2 . A densidade de probabilidade


p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 ) nos permite calcular funções de correlação duplas tais como
Z
Γ(t1 ,t2 ) ≡ hx(t1 )x(t2 )i = x1 x2 p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 )dx1 dx2 . (2.6)

A densidade de probabilidade p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 ) contém toda a informação carregada por p(x,t), que
também pode ser escrita como p1 (x,t), além de nova informação, por conta de termos, a partir da
40 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

propriedade usual de probabilidades conjuntas, que


Z
p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 )dx2 = p1 (x1 ,t1 ) . (2.7)

A quantidade Γ(t1 ,t2 ) ≡ hx(t1 )x(t2 )i é conhecida como a função de autocorrelação (de dois
tempos) do processo aleatório x(t). Depois da média hx(t)i, ela é a próxima quantidade em ordem
de importância na descrição do processo aleatório, porque fornece informação sobre quão longe as
correlações se estendem no tempo. Apesar de p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 ) conter mais informação que p1 (x1 ,t1 ),
ela ainda não nos permite calcular alguns valores esperados, como, por exemplo, uma função de
correlação de três tempos como hx(t1 )x(t2 )x(t3 )i, para a qual a densidade de probabilidade conjunta
de três tempos p3 (x3 ,t3 ; x2 ,t2 ; x1 ,t1 ) é necessária. Evidentemente, existe uma hierarquia infinita de
densidades de probabilidade,
p1 (x,t)
p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 )
p3 (x3 ,t3 ; x2 ,t2 ; x1 ,t1 )
···
pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) ,
cada uma das quais contém mais informação que a precedente, e cada uma das quais engloba toda
informação contida nas precedentes. pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 )dx1 dx2 . . . dxn é a probabilidade
conjunta de ordem n de que no tempo t1 a variável aleatória tenha um valor entre x1 e x1 + dx1 ,
de que no tempo t2 ela tenha um valor entre x2 e x2 + dx2 , etc. A densidade de probabilidade
pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) deve satisfazer a relação de consistência
Z
pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 )dxk+1 dxk+2 . . . dxn = pk (xk ,tk ; xk−1 ,tk−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) , (2.8)

para qualquer inteiro k < n. O tempo t j associado com a variável x j desaparece então quando
variamos sobre todos x j . Também pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) é simétrica nas variáveis, o que
implica que

pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) = pn ∏[xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ] , (2.9)
onde ∏ representa qualquer permutação dos índices 1 a n. Uma vez que pn é conhecida, ela pode
ser usada para calcular uma correlação multi-temporal de ordem n [ou de ordem menor que n com
ajuda da equação (2.8)]:
Z
hx(t1 )x(t2 ) . . . x(tn )i = x1 x2 . . . xn pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 )dx1 dx2 . . . dxn . (2.10)

No geral, funções de correlação de ordem mais alta de um processo aleatório contém progressiva-
mente mais informação, da mesma forma que pn contém mais informação que pn−1 . Uma exceção
a isso é o caso de um processo aleatório Gaussiano, para o qual, por conta do teorema do momento
Gaussiano [Man95], temos que a função de correlação de ordem n de um processo x(t) com média
zero é
hx(t1 )x(t2 ) . . . x(tn )i = 0 se n é ímpar .
= ∑ hx(t1 )x(t2 )ihx(t3 )x(t4 )i . . . hx(tn−1 )x(tn )i se n é par .
pares possíveis
(2.11)
Neste caso, a função de correlação de segunda ordem já contém toda informação sobre as correlações
de ordens mais altas.
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 41

2.1.2 Estacionaridade e ergodicidade


(baseado na Seção 2.2 de [Man95])
Funções aleatórias do tempo frequentemente tem a propriedade de que o caráter das flutuações
não muda com o tempo, mesmo que qualquer realização x(t) do ensemble mude continuamente no
tempo. Tal processo é dito ser estatisticamente estacionário. Um exemplo é ilustrado na Fig. 2.3.
Mais precisamente, chamamos um processo aleatório de estacionário se todas as densidades de
probabilidades p1 , p2 , p3 , . . . que governam as flutuações são invariantes por uma translação da
origem temporal, isto é, se

pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) = pn (xn ,tn +T ; xn−1 ,tn−1 +T ; . . . ; x1 ,t1 +T ) , para todo T . (2.12)

Nessas condições, o valor esperado de qualquer função de x(t1 ), x(t2 ), . . . é também invariante por
qualquer translação no tempo, ou seja,

h f [x(t1 ), x(t2 ), . . . ]i = h f [x(t1 + T ), x(t2 + T ), . . . ]i . (2.13)

Figura 2.3: Ilustração de uma realização de um processo aleatório estacionário x(t).

É claro a partir da equação (2.12) que p1 (x,t) não pode depender de t de todo para um processo
estacionário, nem pode o valor esperado hx(t)i. Pois, escolhendo n = 1 e T = −t, temos

p1 (x,t) = p1 (x, 0) , (2.14a)


Z Z
hx(t)i = xp1 (x,t)dx = xp1 (x, 0)dx = hx(0)i . (2.14b)

Também, escolhendo T = −t1 , temos de (2.12) que

pn (xn ,tn ; xn−1 ,tn−1 ; . . . ; x1 ,t1 ) = pn (xn ,tn − t1 ; xn−1 ,tn−1 − t1 ; . . . ; x1 , 0) , (2.15)

de modo que as probabilidades conjuntas pn podem ser expressas como funções apenas das
diferenças entre um dos n argumentos temporais e os restantes n − 1 argumentos temporais. Em
particular, para a função de autocorrelação obtemos
Z
Γ(t1 ,t2 ) = hx(t1 )x(t2 )i = x1 x2 p2 (x2 ,t2 ; x1 ,t1 )dx1 dx2
Z
= x1 x2 p2 (x2 ,t + t2 − t1 ; x1 ,t)dx1 dx2
= hx(t)x(t + t2 − t1 )i (2.16)
42 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

para todos os valores de t, o que depende apenas da diferença entre os dois tempos no argumento.
Assim, Γ(t1 ,t2 ) é frequentemente escrita como Γ(t2 − t1 ). Trocando t na equação (2.16) por
t − t2 + t1 , observamos que Γ(t2 − t1 ) é simétrica, isto é, que
Γ(t2 − t1 ) = Γ(t1 − t2 ) (2.17)
para um processo estacionário real. De forma mais geral, podemos ver por um argumento seme-
lhante ao usado na derivação de (2.16) que, para a função de correlação de ordem N de um processo
estacionário aleatório, temos
Γ(N) (t1 ,t2 , . . . ,tN ) ≡ hx(t1 )x(t2 ) . . . x(tN )i = hx(t1 + T )x(t2 + T ) . . . x(tN + T )i (2.18)
para todo T . No entanto, correlações de ordem mais alta são encontradas com menos frequência.
Quando apenas a média hx(t)i e a função de correlação de segunda ordem Γ(t1 ,t2 ) são de
interesse, uma forma mais fraca de estacionaridade é comumente invocada. Especificamente
quando x(t) é tal que sua média hx(t)i é independente de t e sua função de autocorrelação Γ(t1 ,t2 )
dependem de t1 e t2 apenas através da diferença dos dois argumentos temporais, o processo é dito
ser estacionário no sentido amplo.
Se ao invés de um processo aleatório real x(t), tivermos um processo aleatório complexo z(t), a
função de correlação Γ(t1 ,t2 ) é definida pela equação
Z

Γ(t1 ,t2 ) = hz (t1 )z(t2 )i = z∗1 z2 p2 (z2 ,t2 ; z1 ,t1 )d 2 z1 d 2 z2 . (2.19)

Neste caso, quando o processo é estacionário, pelo menos no sentido amplo, hz(t)i é independente
de t, Γ(t1 ,t2 ) ≡ Γ(t2 − t1 ) e obedece à condição de Hermiticidade
Γ(t2 − t1 ) = Γ∗ (t1 − t2 ) , (2.20)
ao invés da condição de simetria (2.17).
A média temporal de um processo estacionário
Até aqui a média, ou valor esperado, tem sido calculado pela média sobre o ensemble de realizações.
No entanto, algumas vezes dispomos de apenas uma única realização do ensemble, digamos a
k-ésima (k) z(t), e se quer determinar a média sobre um certo intervalo de tempo T , ou talvez sobre
todos os tempos. Vamos definir a média de tempo finito da k-ésima realização de um processo
estacionário aleatório z(t), que pode ser complexo, por
Z t+T /2
1
(k)
[ z(t)]T ≡ (k)
z(t 0 )dt 0 . (2.21)
T t−T /2

Então [(k) z(t)]T é ela própria um processo aleatório, e pode-se esperar que suas flutuações fiquem
menores a medida que T cresce. Quando T → ∞, a equação (2.21) fornece a média temporal de
(k) z(t)

Z t+T /2
1
(k) z ≡ lim (k)
z(t 0 )dt 0 , (2.22)
T →∞ T t−T /2

que não mais depende de t ou T , mas em geral depende da realização particular k que escolhemos
do ensemble. Em princípio, podem existir tantas médias temporais diferentes quanto elementos do
ensemble.
De forma mais geral, se estamos interessados em correlações multi-temporais, tal como a média
de z∗ (t)z(t + τ), por exemplo, simplesmente construímos um novo processo aleatório Z(t) a partir
de z(t) fazendo
(k)
Z(t) = (k) z∗ (t)(k) z(t + τ) (2.23)
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 43

para cada realização k. Podemos então perguntar as mesmas questões sobre (k) Z(t) que acabamos
de perguntar sobre (k) z(t). Por exemplo, podemos calcular a média temporal de (k) Z(t) e compará-la
com a média em ensemble. Uma vez mais, encontramos que a média temporal
Z t+T /2
1
(k) Z ≡ lim (k)
Z(t 0 )dt 0 (2.24)
T →∞ T t−T /2

pode depender da realização particular k.


ergodicidade
Frequentemente acontece, na prática, de toda realização do ensemble carregar a mesma informação
estatística sobre o processo aleatório estacionário que qualquer outra realização. As várias médias
temporais (k) z são então todas iguais e coincidem com a média em ensemble hzi, e o mesmo também
se aplica a qualquer outro processo Z(t) que possa ser construído a partir de z(t). O processo
estacionário aleatório z(t) é então dito ser um processo ergódico.
Não é difícil encontrar uma condição que assegura que a média temporal (k) z coincide com a
média em ensemble hzi de um processo aleatório estacionário z(t). Se tirarmos a média de [(k) z(t)]T
sobre o ensemble, obtemos

1 t+T /2 (k) 0
Z
h[(k) z(t)]T i = h z(t )idt 0
T t−T /2
1 t+T /2
Z
= hzidt 0
T t−T /2
= hzi , (2.25)

de modo que a média em ensemble de [(k) z(t)]T coincide com a média em ensemble do processo
aleatório z(t) para todo T . Em seguida calculamos a dispersão de [(k) z(t)]T :

h|∆[(k) z(t)]T |2 i ≡ h|[(k) z(t)]T − hzi|2 i


= h[(k) z∗ (t)]T [(k) z(t)]T i − |hzi|2
 Z t+T /2   Z t+T /2 
1 (k) ∗ 0 0 1 (k) 0 0
= z (t )dt z(t )dt − |hzi|2
T t−T /2 T t−T /2
ZZ t+T /2
1
= 2 [Γ(t 00 − t 0 ) − |hzi|2 ]dt 0 dt 00 , (2.26)
T t−T /2

onde usamos a definição Γ(t 00 − t 0 ) = hz∗ (t 0 )z(t 00 )i. Substituindo t 0 = t + t1 e t 00 = t + t2 , podemos


simetrizar os limites da integral de modo que
ZZ +T /2
1
h|∆[(k) z(t)]T |2 i = [Γ(t2 − t1 ) − |hzi|2 ]dt1 dt2 . (2.27)
T2 −T /2

Temos então que o integrando depende apenas de τ = t2 − t1 e podemos reescrever a expressão


acima como
Z +T /2 Z +T /2−t1
1
h|∆[(k) z(t)]T |2 i = dt1 dτ[Γ(τ) − |hzi|2 ] . (2.28)
T2 −T /2 −T /2−t1

Apesar do integrando não depender de t1 , a região de integração para um determinado τ depende.


O peso da região de integração determinada por t1 para cada τ pode ser obtido por um argumento
geométrico, basicamente calculando a interseção da reta t2 = τ +t1 com a região total de parâmetros,
um quadrado com −T /2 < t1 < T /2 e −T /2 < t2 < T /2 (ver figura 2.4). O parâmetro τ pode
44 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

variar entre −T e T , e a região com τ constante a ser integrada é uma linha de comprimento l.
Podemos então escrever

1 +T
Z Z l dl 0
h|∆[(k) z(t)]T |2 i = dτ[Γ(τ) − |hzi|2
] √
T 2 −T 0 2
Z +T
1 l
= 2 dτ[Γ(τ) − |hzi|2 ] √ , (2.29)
T −T 2
0

√ linha l através de dt1 = dl / 2. Por considerações
onde obtivemos o diferencial ao longo da
puramente geométricas, ficamos com l = 2(T − |τ|). Usando este resultado, obtemos

1 +T
 
|τ|
Z
(k) 2 2
h|∆[ z(t)]T | i = dτ[Γ(τ) − |hzi| ] 1 −
T −T T
Z +T
1
≤ dτ|Γ(τ) − |hzi|2 | (2.30a)
T −T
1 +∞
Z
∴ h|∆[(k) z(t)]T |2 i ≤ dτ|Γ(τ) − |hzi|2 | . (2.30b)
T −∞

Evidentemente, com o aumento de T , a dispersão [(k) z(t)]T tende a zero sempre que a integral é
finita. Mas quando T → ∞, [(k) z(t)]T se torna a média temporal (k) z. Segue que (k) z coincide com a
média em ensemble hzi sempre que
Z +∞
dτ|Γ(τ) − |hzi|2 | < ∞ . (2.31)
−∞

Esta condição é suficiente para as duas médias serem iguais, apesar de não ser necessária, e uma
condição mais fraca mas menos conveniente pode ser obtida da equação (2.30a). No entanto,
a condição (2.31) ainda não assegura que o processo z(t) é ergódico no sentido completo, por
exemplo que a média temporal de outro processo Z(t) ≡ z∗ (t)z(t + τ), construído a partir de z(t), é
igual à média em ensemble de Z(t). Para isso, precisaríamos calcular a função de auto-correlação de
Z(t) e aplicar o mesmo teste para o processo aleatório Z(t). No geral, uma infinidade de diferentes
critérios é necessária para assegurar a ergodicidade completa do processo aleatório z(t). No entanto,
para o caso especial de um processo aleatório Gaussiano, para o qual todas as correlações são
expressas em termos de correlações de segunda ordem, o critério expresso por (2.31) é suficiente
para ergodicidade completa. Mesmo assim, neste último caso, também precisaríamos garantir
que o processo é Gaussiano, o que muitos vezes requer ainda análises das ordens mais altas das
correlações.
A condição (2.31) tem uma interpretação física simples. Já que ∆z = z(t)−hz(t)i e h∆z∗ (t)∆z(t +
τ)i = Γ(τ) − |hzi|2 , vemos que a integral é finita se h∆z∗ (t)∆z(t + τ)i tender a zero fuficientemente
rápido a medida que τ → ∞. Em outras palavras, ergodicidade vale se as correlações do processo
aleatório morrem de forma suficientemente rápidas no tempo. Neste caso, uma tomada de dados
suficientemente longa de uma única realização (k) z(t) do processo aleatório pode ser dividida
em seções de comprimento mais curto que são descorrelacionadas, de modo que um ensemble
pode ser construído de uma única realização. A média sobre esse ensemble então é igual à média
sobre o tempo, porque uma única realização longa o suficiente já contém toda informação sobre
o ensemble. Se o processo é estacionário e ergódico, todas as realizações do processo aleatório
parecem semelhantes e diferem apenas em detalhes.
Finalmente, apontamos que, apesar de a condição individual (2.31) não garantir ergodicidade
do processo z(t), em geral, se a integral na equação (2.31) diverge, então o processo z(t) não é
ergódico, mesmo com a possibilidade de (k) z = hzi não ser descartada.
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 45

Figura 2.4: Configuração geométrica para calcular o peso de cada τ devido à restrição
da região de integração em t1 na equação (2.28).

2.1.3 Propriedades da função de auto-correlação


(baseado na Seção 2.3 de [Man95])
Por conta da importância da função de auto-correlação Γ(τ) para qualquer processo aleatório
estacionário z(t) real ou complexo, resumimos agora e examinamos algumas de suas propriedades.
(a) Γ(0) ≥ 0.
Isto segue imediatamente da definição Γ(0) = h|z(t)|2 i. Vale notar que Γ pode se anular
apenas no caso trivial em que o processo aleatório z(t) é identicamente zero para todos os
tempos t.
(b) Γ(−τ) = Γ∗ (τ).
Esta propriedade de Hermiticidade segue do fato de que z(t) é estacionário, o que permite
fazer uma translação arbitrária da origem temporal. Consequentemente

Γ(τ) = hz∗ (t)z(t + τ)i = hz∗ (t − τ)z(t)i = Γ∗ (−τ) .

(c) |Γ(τ)| ≤ Γ(0)|.


Esta propriedade segue da desigualdade de Schwarz:

|Γ(τ)|2 = |hz∗ (t)z(t + τ)i|2 ≤ hz∗ (t)z(t)ihz∗ (t + τ)z(t + τ)i = Γ2 (0) ,

que implica que |Γ(τ)| não pode nunca exceder seu valor inicial Γ(0), apesar de poder cair
abaixo de Γ(0) e depois retornar a Γ(0).
(d) Γ(τ) é uma função não-negativa definida.
Para estabelecer essa propriedade, usamos o fato de que para qualquer inteiro positivo N, para
qualquer N argumentos de tempo t1 ,t2 , . . . ,tN e para qualquer N números reais ou complexos
a1 , a2 , . . . , aN , temos necessariamente
* 2 +
N
∑ ai z(ti ) ≥ 0 ,

i=1

que implica, já que hz∗ (ti )z(t j )i = Γ(t j − ti ), que


N N
∑ ∑ a∗i a j Γ(t j − ti ) ≥ 0 . (2.32)
i=1 j=1
46 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Esta desigualdade mostra que a função de auto-correlação Γ(τ) é não-negativa definida.


Há um teorema importante derivado por Boechner [Boe59] que, em sua forma elementar,
assegura que toda função não-negativa definida de uma ampla classe tem uma transformada
de Fourier não-negativa e, de forma recíproca, que a transformada de Fourier de toda função
não-negativa definida de uma ampla classe é não-negativa definida. Esta classe inclui funções
que caem de forma rápida o suficiente no infinito para assegurar que suas transformadas de
Fourier são funções contínuas.
Concluímos nossa discussão da função de auto-correlação notando que sua versão normalizada,

Γ(τ)
γ(τ) = , (2.33)
Γ(0)

é equivalente, em sua estrutura matemática, a uma função característica [Man95]. Isto acontece
porque γ(0) = 1 e γ(τ), da mesma forma que Γ(τ), é não-negativa definida, Como consequência,
a transformada de Fourier de γ(τ) tem todas as propriedades de uma densidade de probabilidade.
Como veremos logo, a transformada de Fourier da função não-normalizada Γ(τ) tem também um
significado físico importante.

2.1.4 Propriedades espectrais de um processo aleatório estacionário


(baseado na Seção 2.4 de [Man95])
Densidade espectral e o teorema de Wiener-Khintchine
Um dos atributos mais importantes de um processo aleatório estacionário z(t) é seu espectro. Pode-
ríamos tentar introduzir o espectro heuristicamente como segue. Vamos formalmente representar
z(t) como uma integral de Fourier,
Z ∞
z(t) = z̃(ω)e−iωt dω , (2.34)
−∞

e vamos assumir que a integral exista e possa ser invertida, isto é, que
1
Z ∞
z̃(ω) = z(t)eiωt dt . (2.35)
2π −∞

Podemos então tentar definir o espectro S(ω) de z(t) pelo valor esperado de |z̃(ω)|2 , isto é,

S(ω) = h|z̃(ω)|2 i , (2.36)

de modo que S(ω) seria uma medida da força das flutuações associadas com uma componente de
Fourier em particular de z(t). No entanto, considerações simples mostram que a definição (2.36)
é matematicamente pouco sólida. Se z(t) é um processo aleatório estacionário, ele não tende a
zero com t → +∞ e −∞, pois as densidades de probabilidade que caracterizam as flutuações de
z(t) são invariantes com respeito à translação da origem temporal [ver equação (2.12)]. Assim, no
sentido estatístico, z(t) não pode se comportar diferentemente para grandes valores de |t| em relação
a nenhum outro valor de t. Consequentemente, z(t) não é nem quadraticamente integrável nem
absolutamente integrável e, portanto, a integral de Fourier (2.34) não existe dentro do arcabouço da
teoria de funções ordinárias.
Essa dificuldade foi superada por Wiener, em 1930 [Wie30], que considerou uma ampla classe
de funções z(t) para as quais a integral
Z T
1
Γ(τ) = lim z∗ (t)z(t + τ)dt (2.37)
T →∞ 2T −T
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 47

existe. Tais funções evidentemente não precisam tender a zero a medida que T → ±∞. Wiener
mostrou que a quantidade
1
Z ∞
S(ω) ≡ Γ(τ)eiωτ dτ , (2.38)
2π −∞

também existe. A função S(ω) pode ser identificada com o espectro ou, mais precisamente, com
a densidade espectral, também chamada o espectro de potência, de z(t). Apesar da equação
(2.38) aparentar não ter nenhuma semelhança com a fórmula (2.36) através da qual introduzimos o
espectro heuristicamente, devemos logo ver que a identificação da integral à direita de (2.38) com a
densidade espectral do processo aleatório z(t) é bem apropriada.
A análise de Wiener se referia a uma única função z(t), ao invés de a um ensemble de funções,
e ele não empregou nenhum conceito estatístico na sua análise. No entanto, quando se lida com um
ensemble estacionário e ergódico de funções aleatórias, pode-se trocar a função de auto-correlação
definida pela média temporal (2.37), pela função de auto-correlação

Γ(τ) = hz∗ (t)z(t + τ)i , (2.39)

definida com uma média em ensemble, pois as duas médias são então iguais. Quatro anos após a
publicação de Wiener, Khintchine chegou em resultado semelhante por um outro caminho [Khi34].
Vamos agora identificar porque a integral na equação (2.38) pode ser identificada com a
densidade espectral. Para isso, usaremos novamente as relações de transformada de Fourier (2.34)
e (2.35), tomando-as agora como fórmulas simbólicas as quais, como notado acima, pode ser
atribuído um significado matemático rigoroso, se formos além da teoria de funções ordinárias.
Para cada realização (k) z(t) do processo aleatório estacionário, a transformada (2.35) irá gerar
uma realização (k) z̃(ω) e assim (k) z̃(ω) é evidentemente também um processo aleatório, no qual a
frequência é o parâmetro ao invés do tempo. Vamos agora considerar o valor esperado, ou média
em ensemble, do produto z̃∗ (ω)z̃(ω 0 ). Da equação (2.35) temos, se trocarmos as operações de
média e integração, que
+∞
1
ZZ
0 0
hz̃∗ (ω)z̃(ω 0 )i = hz∗ (t)z(t 0 )iei(ω t −ωt) dtdt 0 . (2.40)
(2π)2
−∞

Já que o processo z(t) é assumido estacionário,

hz∗ (t)z(t 0 )i = Γ(t 0 − t) , (2.41)

onde Γ é a função de auto-correlação de z(t). Fazendo t 0 − t = τ, obtemos então


1
Z ∞ Z ∞
0 0
hz̃∗ (ω)z̃(ω 0 )i = dtei(ω −ω)t dτΓ(τ)eiω τ , (2.42)
(2π)2 −∞ −∞

que implica que

hz̃∗ (ω)z̃(ω 0 )i = S(ω)δ (ω − ω 0 ) , (2.43)

onde
1
Z ∞
S(ω) = Γ(τ)eiωτ dτ . (2.44)
2π −∞

A equação (2.43) mostra que as componentes de Fourier (generalizadas) de um processo estacionário


aleatório pertencentes a diferentes frequências são descorrelacionados, e que S(ω) é uma medida
48 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

da força das flutuações da componente de Fourier na frequência ω. A singularidade em ω 0 = ω


pode ser removida se integrarmos ambos os lados sobre um pequeno intervalo de ω 0 em torno de ω.
Obteremos então a seguinte expressão para a densidade espectral:
Z ω+∆ω/2
S(ω) = lim hz̃∗ (ω)z̃(ω 0 )idω 0 . (2.45)
∆ω→0 ω−∆ω/2

Deve-se notar a semelhança entre essa expressão para a densidade espectral e a definição ingênua
(2.35). Podemos considerar a fórmula (2.43) como definindo a densidade espectral ou espectro
de potência S(ω) de um processo aleatório estacionário z(t). A expressão (2.44) para a densidade
espectral é vista como estando em acordo com a fórmula (2.38) (interpretada livremente) baseada
na teoria de Wiener, dado que a função z(t) na definição (2.37) de Wiener para Γ(τ) seja tomada
como uma realização de um processo aleatório estacionário e ergódico.
A fórmula (2.44), junto com sua inversa
Z ∞
Γ(τ) = S(ω)e−iωτ dω , (2.46)
−∞

são geralmente conhecidas como o teorema de Wiener-Khinchine. Enunciado de forma mais explí-
cita, o teorema assegura que a função de auto-correlação de um processo aleatório estacionário e
a densidade espectral (ou espectro de potência) do processo formam um par de transformadas de
Fourier.
Singularidades da densidade espectral
A densidade espectral S(ω), definida pela equação (2.43), pode conter singularidades de funções
delta se a média do processo estocástico não for zero ou se z(t) contiver componentes oscilatórias.
Para ilustrar como as singularidades surgem, começamos considerando um processo aleatório
estacionário e ergódico z0 (t) de média zero, que satisfaz a condição (2.31) de ergodicidade. Esta
condição assegura que a função de auto-correlação Γ0 (τ) de z0 (t) é absolutamente integrável. Sua
transformada de Fourier S0 (ω) então existe e é uma função contínua de ω. Esta última característica
pode ser vista da seguinte forma. Da equação (2.44), temos
Z
1 ∞ i(ω+δ ω)τ iωτ

|S0 (ω + δ ω) − S0 (ω)| = Γ 0 (τ)[e − e ]dτ
2π −∞
 
1 ∞ 1
Z
≤ |Γ0 (τ)| sin (δ ω)τ dτ , (2.47)
π −∞ 2
e o lado direito tende a zero a medida que δ ω → 0 para todo ω. Por outro lado, se as correlações
de z(t) morrem gradualmente, mas tão lentamente que Γ(τ) não é absolutamente integrável, então
S(ω) pode conter singularidade de função delta. Para ilustrar uma situação desse tipo, considere um
processo aleatório estacionário z(t) que difere de z0 (t) apenas por uma constante, que é obviamente
a média hzi. Então a função de auto-correlação Γ(τ) de z(t) se relaciona com Γ0 (τ) por

Γ(τ) = Γ0 (τ) + |hzi|2 . (2.48)

Segue da absoluta integrabilidade de Γ0 (τ) que Γ(τ) − |hzi|2 também é absolutamente integrável,
e que o processo z(t) é ergódico, mas evidentemente Γ(τ) não é absolutamente integrável. Se
tomarmos a transformada de Fourier de ambos os lados da equação (2.48) e usarmos a equação
(2.44), obtemos, para a densidade espectral S(ω) de z(t),

S(ω) = S0 (ω) + |hzi|2 δ (ω) , (2.49)

onde δ (ω) é a função delta de Dirac. Por conta da média não-zero do processo z(t), a densidade
espectral tem agora uma singularidade de função delta na frequência zero.
2.1 Processos estocásticos e funções de correlação 49

Para estudarmos as flutuações de um sinal estocástico, é comum termos então que remover tais
singularidades do sinal, e separar a aquisição da média da aquisição da parte flutuante do sinal. No
caso da fotodetecção, essa operação é comumente realizada no próprio detector (ver figura 2.5)
através da passagem do sinal por um filtro DC, ou passa-alta, que bloqueia as componentes de
baixa frequência. O sinal de corrente elétrica pode, na verdade, ser dividido em dois, com o sinal
completo fornecido pela saída DC do detector e a parte filtrada, flutuante do sinal pela sua saída
AC. Uma configuração comum é o sinal completo ser visualizado em um osciloscópio, enquanto
o sinal com a singularidade removida é enviado para um analisador de espectro. O analisador de
espectro, finalmente, mede a densidade espectral S0 (ω) de z0 (t), como na equação (2.43).

Figura 2.5: Configuração comum para remoção de singularidade e análise das


flutuações no campo luminoso: fotodetector divide o sinal de corrente em dois,
passando uma parte por um filtro DC que bloqueia a componente média do campo. A
saída DC com o sinal completo z(t) é visualizada em um Osciloscópio, enquanto a
saída AC de alta-frequência z0 (t) vai para um Analisador de Espectro, que extrai sua
densidade espectral S0 (ω).

Finalmente, suponha que o processo aleatório contém também contribuições periódicas em


várias frequências ω1 , ω2 , . . . . Então a função de auto-correlação Γ(τ) terá a forma geral

Γ(τ) = Γ0 (τ) + |hzi|2 + ∑ A j eiω j τ . (2.50)


j

Sua densidade espectral, obtida através da transformada de Fourier da expressão (2.50), é dada por

S(ω) = S0 (ω) + |hzi|2 δ (ω) + ∑ A j δ (ω − ω j ) , (2.51)


j

e vê-se que ela tem singularidade de função delta adicionais em cada uma das frequências ω1 , ω2 , . . . .
Experimentalmente, a remoção de tais singularidades pode exigir a filtragem de bandas espectrais.
Correlações normalizadas e densidades espectrais normalizadas
É algumas vezes conveniente introduzir um função de auto-correlação γ(τ) normalizada e uma
densidade espectral D(ω) normalizada para o processo z(t). Quando hzi =
6 0, definimos γ(τ) pela
fórmula
Γ(τ) − |hzi|2
γ(τ) = . (2.52)
Γ0 (0) − |hzi|2

Evidentemente γ(0) = 1. Também, como |Γ(τ)| ≤ Γ(0), temos

0 ≤ |γ(τ)| ≤ 1 . (2.53)

A subtração de |hzi|2 na definição assegura que γ(τ) → 0 a medida que τ → ∞ quando o processo é
ergódico, pois Γ(τ) deve então tender a |hzi|2 quando as correlações morrem. Como ressaltamos
acima, γ(τ) é matematicamente equivalente a uma função característica [Man95], e sua transfor-
mada de Fourier D(ω), conhecida como a densidade espectral normalizada, tem as propriedades
50 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

de uma densidade de probabilidade. Temos então


1
Z ∞
D(ω) = γ(τ)eiωτ dτ (2.54)
2π −∞
e
Z ∞
D(ω)dω = 1 . (2.55)
−∞

Usando a definição (2.52) de γ(τ) na equação (2.54), podemos imediatamente relacionar D(ω)
à densidade espectral não-normalizada S(ω), e encontramos

S(ω) − |hzi|2 δ (ω) S0 (ω)


D(ω) = 2
= . (2.56)
Γ(0) − |hzi| Γ(0) − |hzi|2
Notamos que a singularidade em S(ω) quando hzi é não-zero é removida. Assim, D(ω) é uma
função contínua de ω para um processo ergódico z(t), seja z(t) de zero média ou não.
Por conta de γ(0) = 1 e γ(τ) ser absolutamente integrável para um processo ergódico, a área sob
a curva |γ(τ)|2 é sempre finita e é uma medida conveniente do intervalo sobre o qual as correlações
de z(t) se estendem no tempo. Podemos então definir um tempo de correlação Tc para o processo
aleatório z(t) através de
Z ∞
Tc ≡ |γ(τ)|2 dτ . (2.57)
−∞

Pelo teorema de Parseval conectando as conjugadas de Fourier γ(τ) e D(ω), Tc também é dado por

Z ∞
Tc = 2π D 2 (ω)dω . (2.58)
−∞

O recíproco de Tc fornece uma medida conveniente da largura de banda de D(ω).


Outras medidas de tempo de coerência e largura de banda podem ser construídas. Algumas
serão discutidas em conexão com as propriedades de correlação de um campo óptico.
Correlações cruzadas e densidades espectrais cruzadas
A função de correlação cruzadas de dois processos aleatórios reais x1 (t) e x2 (t) é definida pelo
produto médio hx1 (t1 )x2 (t2 )i em dois tempos diferentes t1 ,t2 , em completa analogia com a definição
de auto-correlação. Se os dois processos z1 (t) e z2 (t) forem complexos, definimos a função de
correlação cruzada pela fórmula

Γ12 (t,t + τ) = hz∗1 (t)z2 (t + τ)i . (2.59)

Se z1 (t) e z2 (t) são conjuntamente estacionários, então Γ12 (t,t + τ), como Γ(t,t + τ), é uma função
de τ apenas, e pode-se então denota-la por Γ12 (τ). Ela obedece à condição

Γ21 (τ) = Γ∗12 (−τ) , (2.60)

que pode ser derivada de forma direta da definição de Γ12 e fazendo uma translação da origem
temporal. No entanto, muitas das propriedades interessantes da função de auto-correlação Γ(τ) não
são compartilhadas com a função de correlação cruzada Γ12 (τ). Por exemplo, no geral Γ12 não tem
as propriedades de uma função característica [Man95].
Sejam z1 (t), z2 (t), . . . , zN (t) uma coleção de N processos aleatórios estacionários diferentes
ocorrendo de forma conjunta. Então

Γi j (τ) ≡ hz∗i (t)z j (t + τ)i , (i, j = 1, 2, . . . , N)) (2.61)


2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 51

é uma matriz N × N conhecida como a matriz de correlação cruzada. Se as médias hzi (t)i para
i = 1, 2, . . . , N são todas nulas, Γi j (τ) é frequentemente chamada de matriz de covariância da
coleção de processos aleatórios. Não é difícil mostrar que Γi j obedece a um tipo de condição de
não-negatividade definida que lembra a condição (2.32) obedecida pela função de auto-correlação.
Para derivar esta condição, observamos que para um conjunto arbitrário de n tempos t1 ,t2 , . . . ,tn
(n ≤ N) e para um conjunto arbitrário de n números complexos a1 , a2 , . . . , an ,
2
n
∑ i i i ≥ 0 .
a z (t )

i=1

Tomando o valor esperado de ambos os lados, obtemos a desigualdade


n n
∑ ∑ a∗i a j Γi j (t j − ti ) ≥ 0 . (2.62)
i=1 j=1

Por analogia com a definição (2.43) da densidade espectral S(ω), podemos definir a chamada
densidade espectral cruzada (ou espectro de potência cruzado), Wi j (ω), dos processos aleatórios
estacionários conjuntos zi (t) e z j (t) pela fórmula

hz̃∗i (ω)z̃ j (ω 0 )i = Wi j (ω)δ (ω − ω 0 ) . (2.63)

Nesta fórmula z̃i (ω) é a transformada de Fourier (generalizada) de zi (t) [ver equação (2.35)]. A
fórmula (2.63) mostra que as componentes de Fourier (generalizadas) pertencentes a diferentes
frequências são descorrelacionadas. A densidade espectral cruzada Wi j (ω) é evidentemente uma
medida das correlações entre as flutuações de diferentes componentes na mesma frequência. Quando
j = i, a densidade espectral cruzada se reduz à densidade espectral, isto é

Wii (ω) = Si (ω) , (2.64)

onde Si (ω) é a densidade espectral do processo aleatório zi (t).


Por argumento semelhante ao usado para derivar a equação (2.44), pode-se mostrar diretamente
que

1
Z ∞
Wi j (ω) = Γi j (τ)eiωτ dτ , (2.65)
2π −∞

isto é, a função densidade espectral cruzada de zi (t) e z j (t) é a transformada de Fourier da função
de correlação cruzada entre elas. A equação (2.65), junto com sua inversa de Fourier
Z ∞
Γi j (τ) = Wi j (ω)e−iωτ dω , (2.66)
−∞

podem ser consideradas como um teorema de Wiener-Khintchine generalizado.

2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz


(baseado no Capítulo 3 do [Lou00])
O estudo da teoria clássica das flutuações e coerências ópticas é uma importante preparação para
o desenvolvimento da teoria quântica correspondente. A teoria clássica é útil para um entendimento
físico dos vários efeitos e muitos dos conceitos clássicos são carregados para a teoria quântica.
Além disso, conhecimento da teoria clássica é útil para identificação da natureza de propriedades
especificamente quânticas que alguns feixes de luz podem exibir.
52 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Nessa seção, consideramos as características da luz emitida por transições radiantes de átomos
excitados. Essas características podem ser medidas, em princípio, por dois tipos de experimentos.
O primeiro é a espectroscopia usual, que mede a distribuição em frequência da luz e fornece assim
informação sobre a natureza e força dos processos de alargamento de linha na fonte luminosa.
Nosso principal interesse na seção atual, por outro lado, é com um segundo tipo de experimento,
que mede a dependência temporal da amplitude ou intensidade do feixe luminoso. Veremos que
os processos de alargamento de linha na fonte fazem o campo elétrico e a intensidade do feixe
flutuarem em torno de seus valores médios em escalas de tempo inversamente proporcionais às
diferenças de frequência contidas no espectro da luz. Essas propriedades da flutuação dependente do
tempo determinam os resultados de experimentos de interferência óptica. As flutuações temporais e
o espectro de frequência são manifestações das mesmas propriedades físicas dos átomos radiantes
que constituem a fonte de luz, mas um conhecimento de ambos os aspectos é necessário para
interpretar o intervalo completo de experimentos em óptica.
Antes do desenvolvimento dos lasers, a fonte luminosa padrão para espectroscopia era a lâmpada
de descarga em gases, onde os diferentes átomos excitados emitem radiação independentemente
uns dos outros. Neste caso, a forma da linha de emissão é determinada pela distribuição estatística
em velocidades atômicas e pela ocorrência aleatória de colisões. Um fonte luminosa convencional
desse tipo é chamada de caótica. A cavidade térmica e a lâmpada de filamento são outros exemplos
de fontes caóticas. Os feixes luminosos de qualquer tipo de fonte caótica têm descrições estatísticas
similares. Atualmente, um tipo alternativo de fonte é o laser, cuja luz emitida tem propriedades
estatísticas bem diferentes. As propriedades da luz laser serão apenas brevemente mencionadas na
presente seção.

2.2.1 Modelos para fontes luminosas caóticas


(baseado na Seção 3.1 do [Lou00])
A natureza das flutuações temporais da luz caótica é mais facilmente apreciada considerando
uma fonte modelo na qual predomina o alargamento por colisão. Por enquanto, ignoraremos
alargamentos devidos à distribuição de velocidades dos átomos ou à emissão espontânea deles, e
suporemos que as colisões são do tipo elástica com interrupção de fase que não mudam o estado
atômico.
Considerem um átomo excitado em particular irradiando luz de frequência ω0 . Um trem de
radiação eletromagnética emana continuamente do átomo até que ele sofre uma colisão. Durante a
colisão, os níveis de energia do átomo são deslocados por quantidades que dependem da severidade
da colisão, e o trem de ondas irradiado é interrompido ao longo de sua duração. Quando a onda de
frequência ω0 é retomada depois da colisão, suas características são as mesmas de antes da colisão,
exceto que a fase da onda não tem mais relação com a fase antes da colisão.
Se a duração da colisão é suficientemente curta, podemos ignorar qualquer radiação emitida
durante a colisão, quando a frequência é deslocada de ω0 . O efeito de alargamento por colisão pode
então ser adequadamente representado por um modelo no qual cada átomo excitado sempre irradia
na frequência ω0 , mas com mudanças aleatórias na fase da onda irradiada toda vez em que ocorre
uma colisão. A distribuição aparente nas frequências emitidas surge porque a onda é cortada em
segmentos finitos cujas decomposições de Fourier incluem outras frequências além de ω0 .
O trem de onda irradiado por um átomo individual é ilustrado esquematicamente na figura (2.6),
que mostra a variação da amplitude E(t) do campo elétrico em um ponto de observação fixo como
função do tempo. A ocorrência de uma colisão é indicada por uma linha vertical acompanhada por
uma mudança aleatória na fase da onda. Os períodos de vôo livre na figura (2.6) foram escolhidos
de acordo com a distribuição de probabilidade

p(τ)dτ = (1/τ0 ) exp(−τ/τ0 )dτ , (2.67)


2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 53

que fornece a probabilidade p(τ)dτ de um átomo ter um período de vôo livre entre colisões durando
um tempo no intervalo entre τ e τ + dτ. O lado direito da equação (2.67) vem da teoria cinética de
gases [Hal11], com o período médio τ0 entre vôos livres dado por
 2
1 πkB T
= 4d 2 ρa , (2.68)
τ0 M

com ρa e T a densidade de átomos e a temperatura do gás, respectivamente. M é a massa atômica,


e d a distância entre os centros dos átomos durante a colisão (o tamanho dos átomos). A variação
da fase da onda com o tempo é mostrada na figura (2.7). Para facilitar o desenho da figura (2.6),
demos um valor pequeno de 60 para a quantidade ω0 τo (da ordem do número médio de oscilações
da onda entre colisões). Mais realisticamente, para luz visível teríamos

ω0 τ0 ≈ 9 × 104 , (2.69)

onde assumimos τ0 ≈ 3 × 10−11 s, um valor típico do tempo de colisão para uma densidade de gás
compatível com uma pressão de 105 Pa (1 atm) a temperatura ambiente. Nesse caso, o trem da onda
irradiada por um átomo passa por cerca de 15000 períodos de oscilação entre colisões sucessivas.

Figura 2.6: A amplitude do campo elétrico do trem da onda irradiada por um único
átomo. As linhas verticais representam colisões separados por períodos de vôo livre
com a duração média τ0 indicada. A quantidade ω0 τ0 é escolhida irrealisticamente
pequena para mostrar as mudanças de fase aleatórias causadas pelas colisões.

A amplitude de campo da onda ilustrada nas figuras (2.6) e (2.7) é escrita na forma complexa
como

E(t) = E0 exp {−iω0t + iφ (t)} . (2.70)

Essa forma complexa consiste em pegar apenas o sinal analítico, ou de frequência positiva, para
representar o campo elétrico (ver seção 1.3.3). O campo real seria dado então apenas pela parte
real dessa forma complexa, apesar de comumente não ser necessário considerar isso no cálculo
de observáveis. Por exemplo, na interação átomo-luz a aproximação de onda girante comumente
elimina explicitamente a componente de frequência negativa do campo. Como mostrado na figura
(2.7), a fase φ (t) permanece constante durante períodos de vôo livre, mas muda abruptamente cada
54 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

vez que uma colisão acontece. A amplitude E0 e a frequência ω0 são as mesmas para todo período.
A onda total emitida pela fonte alargada por colisão é representada por uma soma de termos como
da equação (2.70), um para cada átomo irradiante. Se assume que as ondas emitidas por átomos
diferentes atingem o ponto de observação podendo ser aproximadas por ondas planas paralelas
com polarização fixa, de modo que seus campos elétricos podem ser somados algebricamente, A
amplitude do campo elétrico total produzido por um grande número de átomos irradiantes é então

E(t) = E1 (t1 ) + E2 (t2 ) + · · · + Ev (t)


= E0 exp(−iω0t) {exp (iφ1 (t)) + exp (iφ2 (t)) + · · · + exp (iφv (t))}
= E0 exp(−iω0t) a(t) exp (iφ (t)) , (2.71)

onde ao trem de onda de todo átomo foram atribuídas as mesmas amplitude E0 e frequência ω0 ,
mas as fases para os diferentes átomos são completamente descorrelacionadas.

Figura 2.7: Dependência temporal do ângulo de fase do trem de onda ilustrado na


figura 2.6.

A soma formal dos fatores de fase na equação (2.71) é ilustrada na figura (2.8). A adição de
vetores unitários orientados em direções aleatórias é um exemplo de caminhada aleatória, bem
conhecida na teoria de processos estocásticos. Como cada um dos ângulos de fase φ1 , φ2 , . . . , φv tem
diferentes variações aleatórias semelhantes às mostradas na figura (2.7), o ponto final da caminhada,
representado pelas amplitude a(t) e fase φ (t), são diferentes em diferentes instantes de tempo.
O campo elétrico real obtido da equação (2.71) consiste de uma onda portadora de frequência
ω0 sujeita a uma modulação aleatória de fase e amplitude. A decomposição de Fourier da onda
modulada contém frequências espalhadas em torno de ω0 de um modo determinado pela forma de
linha alargada por colisão.
Não é possível, na prática, resolver as oscilações em E(t) que ocorrem na frequência da onda
portadora. Uma boa resolução temporal experimental de um detector é da ordem de 10−9 s, cinco ou
seis ordens de grandeza maiores que o necessário para detectar oscilações nas frequências do visível,
que ocorrem na escala de 10−15 s. É então apropriado, para comparação com experimentos de
foto-detecção, tirar a média das expressões teóricas sobre um ciclo de oscilação da onda portadora.
O campo elétrico da equação (2.71) tem média zero em um ciclo. No entanto, os foto-detectores não
são sensíveis diretamente ao campo elétrico, mas sim ao fluxo de energia do campo eletromagnético,
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 55

dado pelo vetor de Poynting [Hal11b]


1
Sp = E × B = ε0 c2 E × B , (2.72)
µ0
atingindo a superfície do detetor. O módulo S p do vetor de Poynting fornece a magnitude do fluxo
instantâneo de energia do campo eletromagnético em um determinado ponto, com a direção desse
fluxo dada pela direção de S p . A intensidade de um feixe luminoso é dada então pela média de S p
em um ciclo óptico, o que resulta em

¯ = 1 ε0 c|E(t)|2 = 1 ε0 cE02 a(t)2 .


I(t) (2.73)
2 2
Por clareza, denotaremos a média em um ciclo óptico por uma barra no topo da quantidade,
¯
reservando a notação h· · · i para as médias estatísticas ou em tempos longos. A intensidade I(t)
mantém então a dependência temporal com a modulação aleatória de amplitude a(t).

Problema 2.1 Demonstre a expressão (2.73) para a intensidade da luz, partindo da definição
(2.72) do vetor de Poynting. 

Figura 2.8: Diagrama mostrando a amplitude a(t) e a fase φ (t) do vetor resultante
formado por uma caminhada aleatória cujos passos consistem de um número grande de
vetores unitários, cada um dos quais com um ângulo de fase aleatoriamente escolhido.

A variação de I¯ mostrada na figura (2.9), conhecida como uma série temporal, ilustra o tipo de
flutuação que ocorre na intensidade de um feixe de luz caótica, quando medimos com um detector
lento se comparado com a oscilação da onda portadora, mas rápido se comparado com o tempo de
coerência da fonte luminosa. A figura é construída por uma simulação computacional de uma fonte
de luz alargada por colisão, na qual o somatório da equação (2.71) é realizado numericamente para
um grande número v de átomos [Van80]. A dinâmica do processo de interrupção de fase é represen-
tada por um desenvolvimento temporal aleatório das variáveis usadas no modelo computacional.
A escala de tempo na figura (2.9) é expressa em unidades do tempo de coerência τc da luz, que é
determinado pelo processo dominante de alargamento de linha da fonte. Para o alargamento por
colisão assumido aqui, temos
τc = τ0 . (2.74)
56 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Vemos então grandes flutuações de intensidade ocorrendo ao longo de intervalos de tempo da ordem
de τc . Flutuações similares ocorrem em fontes luminosas caóticas sujeitas a outros processos de
alargamento de linha, como devidos à emissão espontânea ou ao movimento dos átomos.

Figura 2.9: Série temporal da intensidade média em um ciclo para um feixe de luz
caótica alargado por colisão, obtido a partir de uma simulação computacional [Bai97].
A escala de tempo é normalizada pelo tempo de coerência, tomado igual ao tempo
médio entre colisões.

O comprimento

λc = cτc , (2.75)

associado com o tempo de coerência, é conhecido como o comprimento de coerência. O gráfico da


intensidade média por ciclo como função do tempo em um ponto fixo no feixe, mostrado na figura
(2.9), pode ser tomado igualmente como gráficos da intensidade como função da distância z ao
longo do feixe em um instante fixo do tempo. O eixo horizontal pode então ser re-rotulado como
z/λc e os aspectos temporal e espacial das flutuações do feixe são relacionados pelo fator de escala
simples c. Os feixes considerados aqui terão sempre seus comprimentos de coerência bem maiores
que o comprimento de onda e seus tempos de coerência bem maiores que o período de oscilação.

2.2.2 O divisor de feixes óptico sem perdas


(baseado na Seção 3.2 do [Lou00])
As propriedades das flutuações temporais de feixes luminosos são medidas por experimentos
de interferência óptica. O interferômetro de Mach-Zehnder que analisaremos na próxima seção
fornece um exemplo simples de interferência de primeira ordem, enquanto o interferômetro de
Hanbury Brown-Twiss tratado mais a frente é o paradigma de um experimento de interferência de
segunda ordem. Os componentes centrais em ambos esses experimentos são divisores de feixes
ópticos e é útil revisar suas propriedades básicas como uma preparação para as discussões dos
interferômetros.
A figura (2.10) mostra uma representação esquemática de um divisor de feixes óptico com
uma notação para os campos elétricos dos feixes de luz nos dois braços de entrada e dois de saída.
Assume-se os quatro feixes como tendo uma polarização linear em comum. O divisor de feixes é
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 57

cercado por espaço livre e não tem perdas que removam energia dos feixes de luz. Os campos na
saída estão relacionados aos campos nas entradas por relações lineares da forma

E3 = r31 E1 + t32 E2 , (2.76a)


E4 = t41 E1 + r42 E2 , (2.76b)

com um notação óbvia para os coeficientes de reflexão e transmissão do divisor de feixes. Os coefi-
cientes são, no geral, quantidades complexas e dependem da frequência óptica. Seus valores aqui
são os apropriados para a frequência dos feixes incidentes, assumidos como sendo monocromáticos.
As relações são escritas na forma matricial
    
E3 r31 t32 E1
= , (2.77)
E4 t41 r42 E2

onde a matriz 2 × 2 é conhecida como a matriz de divisor de feixes.

Figura 2.10: Representação de um divisor de feixes sem perdas mostrando a notação


para as amplitudes dos campos elétricos dos feixes de entrada e saída.

Propriedades importantes dos coeficientes na matriz de divisor de feixes são derivadas conside-
rando a conservação de energia entre os braços de entrada e saída [Ou89]. Assim, com ambas as
entradas iluminadas, a energia total fluindo nos braços de saída é igual à energia total fluindo nos
braços de entrada quando

|E3 |2 + |E4 |2 = |E1 |2 + |E2 |2 , (2.78)

e esta relação é satisfeita para todos os campos de entrada E1 e E2 se

|r31 |2 + |t41 |2 = |r42 |2 + |t32 |2 = 1 , (2.79a)


∗ ∗
r31t32 + t41 r42 =0. (2.79b)

Os coeficientes são então separados em fatores de amplitude e fase como

r31 = |r31 | exp(iφ31 ) , (2.80)


58 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

e de forma semelhante para os outros coeficientes. Segue então de (2.79b) que os ângulos de fase
estão amarrados pela relação

φ31 + φ42 − φ32 − φ41 = ±π (2.81)

e as amplitudes por
|r31 | |r42 |
= . (2.82)
|t41 | |t32 |
Esta relação junto com (2.79a) mostra que aos dois coeficientes de reflexão e os dois coeficientes
de transmissão devem ter a mesma magnitude,

|r31 | = |r42 | ≡ |rd | e |t31 | = |t42 | ≡ |td | . (2.83)

As equações (2.81) e (2.83) fornecem os vínculos gerais nos coeficientes de reflexão e transmissão
do divisor de feixes.
Esses vínculos asseguram que a matriz de divisor de feixes é unitária, isto é, a matriz inversa é
igual ao complexo conjugado da transposta. A relação entre campos de entrada e saída inversa de
(2.77) é então
   ∗ ∗
 
E1 r31 t41 E3
= ∗ ∗ . (2.84)
E2 t32 r42 E4

A unitaridade da matriz de divisor de feixes é uma consequência direta da conservação de energia


entre os braços de entrada e saída.
A estrutura geral da matriz de divisor de feixes é algumas vezes simplificada por suposições
adicionais nas formas dos coeficientes de transmissão e reflexão. Assim, os coeficientes podem ser
todos tomados como reais, com φ31 = φ32 = φ41 = 0 e φ42 = π, quando então

r31 = −r42 = |rd | e t32 = t41 = |td | . (2.85)

Alternativamente os coeficientes podem ser tomados como simétricos, com φ31 = φ42 = φr e
φ32 = φ41 = φt , quando então

r31 = r42 ≡ rd = |rd | exp(iφr ) e t32 = t41 ≡ td = |td | exp(iφt ) . (2.86)

Neste caso, as relações (2.79) se reduzem a

|rd |2 + |td |2 = 1 e rd td∗ + td rd∗ = 0 , ou φr − φt = ±π/2 . (2.87)

Assumiremos esse caso simétrico em todas as derivações daqui para frente. Como mais uma
especialização, é algumas vezes conveniente considerar um divisor de feixes 50:50 com coeficientes
de reflexão e transmissão de igual magnitude,
1
|rd | = |td | = √ com φr − φt = π/2 . (2.88)
2

2.2.3 O interferômetro de Mach-Zehnder


(baseado na Seção 3.3 do [Lou00])
O tratamento das franjas de interferência produzidas em um interferômetro de Mach-Zehnder
fornece uma ilustração simples de alguns princípios gerais que são comuns a toda uma classe
de experimentos de interferência. O experimento é analisado aqui em detalhe suficiente para
determinar as condições sob as quais as flutuações do campo associadas com as propriedades
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 59

caóticas da fonte luminosa afetam a visibilidade das franjas de interferência. A figura (2.11)
mostra uma representação esquemática do experimento, que é equivalente a um interferômetro de
Michelson, mas é mais simples de ilustrar. Luz caótica de uma fonte pontual é tornada paralela
usando uma lente e então incide no braço 1 do primeiro divisor de feixes. Nenhuma luz incide pelo
braço 2. O experimento modelo ignora todas as complicações que surgem de um desvio da forma
do feixe incidente da condição de planos paralelos perfeitos, apesar da inclusão desses efeitos ser
essencial para um tratamento rigoroso da interferência.

Figura 2.11: Representação de um interferômetro de Mach-Zehnder mostrando a


notação para as amplitudes dos campos de entrada e saída e para os comprimentos
dos caminhos internos.
Seja E(t) o campo elétrico complexo do feixe luminoso incidente no braço 1 na entrada do
primeiro divisor de feixes. Ambos os divisores de feixe são assumidos simétricos, com coeficientes
de reflexão rd e transmissão td que satisfazem as relações (2.87). Assumiremos ainda que rd e td
são constantes ao longo de todos os componentes de frequência do feixe luminoso incidente. Os
campos nos braços de saída vertical e horizontal do primeiro divisor de feixes são então rd E(t)
e td E(t), respectivamente, onde os tempos de transito da luz através dos divisores de feixe são
ignorados. Os dois braços internos do interferômetro geralmente têm diferentes comprimentos
z1 e z2 , como mostrado na figura (2.11), e os campos que chegam nos dois braços de entrada do
segundo divisor de feixes estão atrasados com tempos diferentes z1 /c e z2 /c. Consideremos a saída
do segundo divisor de feixes que leva ao braço rotulado como 4 na figura (2.11), onde o campo
elétrico é
E4 (t) = rd td E(t1 ) + td rd E(t2 ) , (2.89)
com
t1 = t − (z1 /c) e t2 = t − (z2 /c) . (2.90)
A intensidade da luz na saída, tirada a média sobre um ciclo de oscilação, é
1
I¯4 (t) = ε0 c|E4 (t)|2
2
1
= ε0 c|rd |2 |td |2 |E(t1 )|2 + |E(t2 )|2 + 2Re [E∗ (t1 )E(t2 )] .

(2.91)
2
60 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

A resolução temporal de foto-detectores é normalmente bem menor τc , o tempo de coerência da


luz caótica. Para comparar teoria e experimento, é necessário tirar uma média de I¯4 (t) sobre tempos
de observação bem mas longos que τc . Essa intensidade média sobre tempos longos é denotada por
hI¯4 (t)i, e é obtida da equação (2.91) como
1
hI¯4 (t)i = ε0 c|rd |2 |td |2 |E(t1 )|2 + |E(t2 )|2 + 2Re hE∗ (t1 )E(t2 )i .



(2.92)
2
A intensidade na saída tem então três contribuições. Os primeiros dois termos representam as
intensidades produzidas por cada caminho interno através do interferômetro na ausência do outro.
Esse dois termos não originam nenhum efeito de interferência. As franjas de interferência surgem
do termo que envolve a função de correlação de primeira-ordem para os campos nos tempos t1 e t2 ,
que é definida mais explicitamente como
1
Z
hE ∗ (t1 )E(t2 )i = dt1 E ∗ (t1 )E(t2 ) . (2.93)
T T

Note que existe apenas uma única variável temporal no integrando, pois t2 difere de t1 por uma
quantidade fixa obtida da equação (2.90). As médias nos primeiros dois termos no lado direito da
equação (2.92) são dados pela mesma expressão (2.93) com os dois tempos iguais.
A natureza da função de correlação do campo e, portanto, das franjas de interferência depende
do tipo de luz que incide no interferômetro. Se as propriedades estatísticas da fonte luminosa são
estacionárias, isto é, as influências que governam as flutuações não mudam com o tempo, então a
média na equação (2.93) não depende do instante particular de início do período T , dado que T
é muito maior que a escala de tempo característica das flutuações. A média temporal na equação
(2.93) implica então em uma amostragem de todos os valores do campo elétrico permitidos pelas
propriedades estatísticas da fonte com suas probabilidades relativas apropriadas, e o resultado é
independente da magnitude de T . Assim, apesar dos efeitos experimentais da função de correlação
de primeira ordem se manifestarem por uma média temporal, como na direita da equação (2.93), a
função é calculada por uma média estatística sobre todos os valores dos campos nos tempos t1 e
t2 . Sob essas condições, o resultado não depende do tempo t1 , e a correlação é uma função apenas
do atraso temporal t2 − t1 entre os dois valores do campo. A equivalência de média temporal e
média estatística só é válida para feixes luminosos cujas flutuações são produzidas por processos
aleatórios ergódicos, como vimos na última seção. A maior parte das derivações da presente seção
se refere a feixes ergódicos de luz caótica, com séries temporais de durações efetivamente infinitas
com formas semelhantes às mostradas na figura (2.9).
É conveniente re-escrever a definição (2.93) como
1
Z
hE ∗ (t)E(t + τ)i = dtE ∗ (t)E(t + τ) = Γ(τ) . (2.94)
T T

Com Γ(τ) sendo a função de correlação vista na seção anterior para um processo ergódico complexo
z(t). As várias propriedades já vistas de Γ(τ) se aplicam então a situação física que estamos
modelando. A partir dessa função, podemos então definir o grau de coerência temporal de primeira
ordem da luz com estatística estacionária como uma versão normalizada da função de correlação de
primeira ordem,
hE ∗ (t)E(t + τ)i
g(1) (τ) = . (2.95)
hE ∗ (t)E(t)i

A função g(1) (τ) é, portanto, igual à função normalizada γ(τ) da seção anterior, que vimos possuir
uma série de propriedades matemáticas interessantes. A mudança de notação é necessária aqui, no
entanto, para conectar com os graus de coerência de ordens mais altas, que já não se relacionam
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 61

com nenhuma generalização de γ(τ). A definição (2.95) permite que a intensidade de saída do
interferômetro Mach-Zehnder dada por (2.92) possa ser escrita como

hI¯4 (t)i = 2|rd |2 |td |2 hI(t)i{1


¯ + Reg(1) (τ)} , (2.96)

onde
1
¯
hI(t)i = ε0 ch|E(t)|2 i (2.97)
2
é a intensidade média de entrada e

τ = (z1 − z2 )/c . (2.98)

Das propriedades de Γ(τ), segue

g(1) (−τ) = g(1) (τ)∗ (2.99)

e a intensidade dada pela equação (2.96) é simétrica com respeito a mudanças no sinal de τ. A
avaliação detalhada do padrão de franjas do Mach-Zehnder, portanto, requer um conhecimento do
grau de coerência de primeira ordem.

2.2.4 Grau de coerência de primeira ordem


(baseado na Seção 3.4 do [Lou00])
O modelo de uma fonte de luz alargada por colisão descrito na seção 2.2.1 é usado aqui para
calcular a função de correlação de primeira ordem do campo elétrico da luz e daí seu grau de
coerência de primeira ordem. Assim, fazendo uso da natureza ergódica da luz e da forma do campo
elétrico dada pela equação (2.71), a média no tempo na definição da equação (2.94) é interpretada
como equivalente a uma média estatística e a função requerida é

hE ∗ (t)E(t + τ)i =E02 exp(−iω0 τ)h{exp(−iφ1 (t)) + exp(−iφ2 (t)) + · · · + exp(−iφv (t))}
× {exp(iφ1 (t + τ)) + exp(iφ2 (t + τ)) + · · · + exp(iφv (t + τ))}i . (2.100)

Ao multiplicar os grandes colchetes, os ângulos de fase dos trens de onda de átomos diferentes têm
diferentes valores aleatórios e os termos cruzados não contribuem para a média. Os termos que
sobram dão
v
hE ∗ (t)E(t + τ)i = E02 exp(−iω0 τ) ∑ hexp[i(φi (t + τ) − φi (t))]i
i=1

= vhEi (t)Ei (t + τ)i (2.101)

já que todos os v átomos irradiantes são equivalentes.


A função de correlação para o feixe como um todo é então determinada diretamente pela
contribuição dos átomos individuais. Agora o ângulo de fase de cada trem de onda salta para um
valor aleatório depois de seu átomo fonte sofrer uma colisão, subsequentemente produzindo uma
contribuição média nula para a correlação do campo. Assim, a função de correlação de átomo
individual na equação (2.101) é proporcional à probabilidade do átomo ter um período de vôo livre
maior que τ e, com o uso da distribuição de probabilidade da equação (2.67), podemos escrever

hEi∗ (t)Ei (t + τ)i = E02 exp(−iω0 τ)hexp[i(φi (t + τ) − φi (t))]i


Z ∞
= E02 exp(−iω0 τ) dτ 0 p(τ 0 )
τ
= E02 exp{−iω0 τ − (τ/τ0 )} . (2.102)
62 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

A função de correlação (2.101) fica então

hE ∗ (t)E(t + τ)i = vE02 exp{−iω0 τ − (τ/τ0 )} (2.103)

e a correlação normalizada, ou grau de coerência de primeira ordem, da equação (2.95) é

g(1) (τ) = exp{−iω0 τ − (|τ|/τ0 )} = exp{−iω0 τ − γcol |τ|} , (2.104)

com γcol = 1/τ0 a taxa de colisão atômica. O cálculo acima assume um valor positivo para o atraso
temporal τ, mas seu resultado final é generalizado para valores positivos e negativos pelo uso
da propriedade de simetria na equação (2.99). A forma do módulo desta função é ilustrada na
Fig. 2.12.

Figura 2.12: Módulo do grau de coerência de primeira ordem de luz caótica emitida
por uma fonte alargada por colisão.

O grau de coerência de primeira ordem também é calculado de forma direta para uma fonte de
luz caótica para a qual alargamento Doppler é a causa principal da distribuição de frequências de
emissão
1 2 2
FG (ω) = √ e−(ω0 −ω) /2∆ , (2.105)
2π∆2
com ω0 a frequência atômica emitida por um átomo em repouso, e

∆ = ω0 (kB T /Mc2 ) (2.106)

a largura da distribuição Doppler. Essa distribuição é obtida diretamente da distribuição de


velocidades de Maxwell-Boltzmann em uma direção z (a direção de observação) a uma temperatura
T [Hal11], lembrando que para um átomo com velocidade vz a frequência da luz emitida muda para
ω ≈ ω0 (1 + vz /c). A definição (2.105) é tal que FG (ω) nos dá a densidade de probabilidade dos
átomos do meio emitirem luz de frequência ω, de modo que temos
Z
dωFG (ω) = 1 . (2.107)
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 63

Quando o alargamento Doppler é dominante, o campo elétrico total irradiado com uma dada
polarização, em um feixe de luz com frentes de onda planas paralelas em um ponto de observação
fixo, pode ser escrito como
v
E(t) = E0 ∑ exp(−iωit + iφi ) , (2.108)
i=1

onde E0 e φi são amplitude e fase fixas do trem de onda irradiado pelo i-ésimo átomo. Átomos
diferentes têm diferentes frequências ωi de radiação que são deslocadas de ω0 por efeito Doppler
por quantidades determinadas pelas velocidades atômicas. A função de correlação de primeira
ordem é então
v
hE ∗ (t)E(t + τ)i = E02


∑ exp{iωit − iφi − iω j (t + τ) + iφ j } . (2.109)
i, j=1

Os ângulos de fase tem agora valores fixos, mas são aleatoriamente distribuídos. A média das
contribuições para i 6= j é então nula, levando a
v
hE ∗ (t)E(t + τ)i = E02 ∑ exp(−iωi τ) . (2.110)
i=1

A soma que resta é convertida em uma integral sobre a distribuição Gaussiana (2.105):
Z ∞

hE (t)E(t + τ)i = vE02 dωi FG (ωi ) exp(−iωi τ)
−∞
1
Z ∞
= vE02 √ dωi exp(−iωi τ) exp{−(ω0 − ωi )2 /2∆2 }
2π∆2 −∞
 
2 1 2 2
= vE0 exp −iω0 τ − ∆ τ . (2.111)
2

O grau de coerência de primeira ordem para luz caótica com alargamento Doppler, definido
como na equação (2.95), é então
 
(1) 1 2 2 n π o
g (τ) = exp −iω0 τ − ∆ τ = exp −iω0 τ − (τ/τc )2 (2.112)
2 2

onde o tempo de coerência é definido como



π
τc = . (2.113)

O módulo desta função é ilustrado na figura (2.13). Ele é mais arredondado para pequenos valores
do atraso temporal, quando comparado com o grau de coerência de primeira ordem para luz alargada
por colisão mostrado na figura (2.12). Isso se reflete em flutuações de intensidade mais suaves para
tempos curtos, do que as mostradas na figura (2.9).
As expressões para os graus de coerência de primeira ordem da luz caótica com alargamentos
por colisão ou efeito Doppler, dados nas equações (2.104) e (2.112), respectivamente, satisfazem
Z ∞
τc = dτ|g(1) (τ)|2 , (2.114)
−∞

com τc dado por (2.74) ou (2.113). Esses resultados são então consistentes com a definição (2.57)
para o tempo de correlação de um processo aleatório estacionário.
64 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Figura 2.13: Módulo do grau de coerência de primeira ordem de luz caótica emitida
com um espectro de frequências Gaussiano.

O grau de coerência de primeira ordem para um feixe de luz estacionário, introduzido pela
equação (2.95), é expresso em termos da correlação entre os campos no feixe na mesma posição,
mas em tempos diferentes. A definição de g(1) (τ) é generalizada para a correlação entre campos
em dois pontos diferentes do espaço-tempo (z1 ,t1 ) e (z2 ,t2 ), no feixe de luz com frentes de onda de
planos paralelos, como

hE ∗ (z1 ,t1 )E(z2 ,t2 )i


g(1) (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) = h i1/2 , (2.115)
h|E(z1 ,t1 )|2 ih|E(z2 ,t2 )|2 i

onde esta forma da definição também se aplica a luz com propriedades estatísticas não-estacionárias,
quando os dois fatores no denominador são no geral diferentes. A luz em dois pontos do espaço-
tempo tem as seguintes designações em termos dos valores do grau de coerência de primeira ordem:


(1)
g (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) = 1 → luz é coerente em primeira ordem (2.116)

ou

(1)
g (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) = 0 → luz é incoerente (2.117)

ou

(1)
g (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) 6= 1 ou 0 → luz é parcialmente coerente . (2.118)

Como as flutuações em um feixe de luz de planos paralelos no espaço livre propagam com a
velocidade da luz c sem qualquer mudança em suas formas, as expressões para o grau de coerência
de primeira ordem de luz estacionária derivadas acima são definidas de forma simples por uma
redefinição do atraso temporal como
z2 − z1
τ = t2 − t1 − . (2.119)
c
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 65

A expressão para o grau de coerência de primeira ordem na equação (2.95) continua válida com
esta troca do τ. É óbvio desta definição que

g(1) (0) = 1, (2.120)

e a luz permanece aproximadamente coerente em primeira ordem para atrasos temporais tais que
τ << τc . As correlações de campo em qualquer tipo de luz caótica devem se anular para tempos
τ >> τc , de modo que hE ∗ (t)E(t + τ)i ≈ hE ∗ (t)ihE(t + τ)i. Como

hE(t)i = 0 , (2.121)

segue que o grau de coerência de primeira ordem deve ter um valor limite

g(1) → 0 para τ >> τc . (2.122)

Luz em pontos assim tão separados no espaço-tempo é incoerente. Os graus de coerência de primeira
ordem para luz caótica das figuras (2.12) e (2.13), respectivamente, ilustram essas propriedades.
As propriedades de coerência da luz caótica podem ser contrastadas com aquelas da onda
clássica de amplitude e fase estáveis que é comumente assumida em tratamentos teóricos de
experimentos de óptica. Para uma tal onda determinística, propagando na direção z com vetor de
onda k = ω0 /c, o campo elétrico é

E(z,t) = E0 exp(ikz − iω0t + iφ ) , (2.123)

onde amplitude e fase são quantidades fixas, em contraste com o campo caótico da equação (2.70).
A figura (2.14) mostra a variação do campo elétrico com o tempo em um ponto de observação fixo.
A função de correlação de primeira ordem é determinada sem nenhuma média estatística como

hE ∗ (z1 ,t1 )E(z2 ,t2 )i = E02 exp(−iω0 τ) , (2.124)

com τ dado pela equação (2.119). Segue que

g(1) (τ) = exp(−iω0 τ) (2.125)

e a luz é coerente em primeira ordem em todos os pontos do espaço-tempo. A expressão (2.125) é a


mesma que a obtida fazendo τc tender a infinito nos resultados para luz caótica dados pelas equações
(2.95) e (2.112). Note que a propriedade expressa pela equação (2.122) não se aplica à onda clássica
estável. Essa onda estável constitui uma idealização representando o limite g(1) (τ << τc ) de fontes
luminosas. O laser é um exemplo de fonte luminosa com tempos de coerência muito grandes, de
modo que comumente pode ser aproximado por uma onda clássica estável.

Problema 2.2 Considere um feixe luminoso paralelo cujo campo contém um número grande
de contribuições semelhantes à onda estável da figura (2.14), todas com a mesma frequência
e vetor de onda, mas com uma distribuição aleatória de ângulos de fase. Prove que o feixe é
coerente em primeira ordem em qualquer par de pontos no espaço-tempo. 

Problema 2.3 Considere o feixe de luz produzido pela excitação de duas ondas estáveis, onde
o campo elétrico é

E(z,t) = E1 exp(ik1 z − iω1t) + E2 exp(ik2 z − iω2t) . (2.126)

Prove que a luz é coerente em primeira ordem em todos os pares de pontos. 


66 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Figura 2.14: Variação do campo elétrico no tempo em um ponto de observação fixo


para uma onda clássica estável.

Problema 2.4 Considere um feixe luminoso produzido pela excitação de duas ondas como
na equação (2.126), mas onde ambas possuem amplitudes e fases aleatórias. Se a intensidade
média é igualmente dividida entre as duas ondas, prove que
1 
(1)
g (τ) = cos (ω1 − ω2 )τ . (2.127)
2


Note que a propriedade na equação (2.122) não se aplica a nenhuma das excitações de campo
consideradas nesses três problemas.

Problema 2.5 Considere luz de uma fonte que apresenta simultaneamente alargamento Doppler
e por colisão. Prove que o grau de coerência de primeira ordem é
 
(1) 1 2 2
g (τ) = exp −iω0 τ − γcol |τ| − ∆ τ . (2.128)
2


2.2.5 Franjas de interferência e espectros de frequência


(baseado na Seção 3.5 do [Lou00])
Com as propriedades discutidas do grau de coerência de primeira ordem, podemos agora voltar
à teoria do interferômetro de Mach-Zehnder. A intensidade de saída, dada pelas equações (2.96) e
(2.97), pode ser escrita na forma mais explícita

hI¯4 (t)i = 2|rd |2 |td |2 hI(t)i{1


¯ + exp[−|z1 − z2 |/cτc ] cos[ω0 (z1 − z2 )/c]} , (2.129)

onde assumimos luz com alargamento por colisão com o grau de coerência de primeira ordem dado
pela equação (2.104). As variações do segundo termo à direita com o comprimento relativo do
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 67

caminho z1 − z2 correspondem às franjas de interferência, cuja visibilidade é convenientemente


definida por
Vmax −Vmin
visibilidade = , (2.130)
Vmax +Vmin
com Vmax o máximo do sinal oscilante e Vmin o seu mínimo. Segue daí que a visibilidade, no caso
da equação (2.129), é dada pela amplitude da modulação

visibilidade = exp[−|z1 − z2 |/cτc ] = g(1) (τ) . (2.131)

A natureza caótica da luz faz então com que a visibilidade da franja caia de seu valor um para
caminhos iguais numa taxa determinada pelo comprimento de coerência λc , definido em (2.75), e
as franjas desaparecem completamente para z1 suficientemente diferentes de z2 . No entanto, para
uma linha de emissão fina, um número muito grande de franjas são geradas pelo termo cosseno
na equação (2.129) antes da exponencial fazê-las desaparecer. Para os parâmetros assumidos na
equação (2.69), existem da ordem de 104 franjas centradas na configuração de caminhos iguais e a
interferência é apenas suavemente afetada pela natureza caótica da luz. Neste regime de coerência
de primeira ordem da luz nos dois caminhos internos do interferômetro, a intensidade de saída da
equação (2.129) é aproximadamente

hI¯4 (t)i = 4|rd |2 |td |2 hI(t)i


¯ cos2 [ω0 (z1 − z2 )/2c] . (2.132)

A causa mais comum do borramento da franja em um interferômetro de Mach-Zehnder real


é geralmente o desvio do feixe de luz incidente da forma de planos paralelos, originado, por
exemplo, pela extensão finita da fonte perpendicularmente ao eixo do feixe. Tais efeitos transversais
pertencem à teoria da coerência espacial em contraposição à coerência temporal considerada aqui.
O grau de coerência temporal de primeira ordem definido pelas equações (2.95) ou (2.115) é
ainda assim importante para descrever o potencial último de luz de planos paralelos de fornecer
propriedades estatísticas para a formação de franjas de interferência. A última definição pode ser
generalizada para uma forma tridimensional como

hE ∗ (r1 ,t1 )E(r2 ,t2 )i


g(1) (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) = h i1/2 , (2.133)
2 2
h|E(r1 ,t1 )| ih|E(r2 ,t2 )| i

e a coerência da luz nos pontos (r1 ,t1 ) e (r2 ,t2 ) do espaço-tempo tem designações similares
àquelas dadas nas equações (2.116) a (2.118). Para luz de propriedades estatísticas estacionárias, as
médias no denominador da equação (2.133) são independentes de t1 e t2 , enquanto que a média
no numerador é uma função das posições espaciais e da diferença de tempo t2 − t1 . A magnitude
do grau de coerência de primeira ordem determina a visibilidade das franjas de interferência
que poderiam idealmente ser produzidas pela superposição de luz a partir dos dois pontos do
espaço-tempo, e a definição na equação (2.131) é generalizada para

visibilidade = g(1) (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) . (2.134)

Essas expressões tridimensionais são necessárias na prática para muitos experimentos de interfe-
rência, mas sua forma mais complicada obscurece alguns dos princípios físicos que governam as
coerências ópticas e suas flutuações. Restringiremos o tratamento que segue para feixes de luz de
planos paralelos, onde a inclusão de uma única dimensão espacial é adequada.
É claro da discussão acima que o grau de coerência temporal de primeira ordem e o espectro de
frequência são aspectos diferentes do mesmo processo físico que governa a emissão da luz pelo
68 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

material ativo na fonte de luz. Como visto na seção anterior, a força das componentes espectrais de
um processo com função de correlação hE ∗ (t)E(t + τ)i é dada pelo espectro de potência

1
Z ∞
f (ω) = dτhE ∗ (t)E(t + τ)i exp(iωτ) , (2.135)
2π −∞

onde a inserção de infinitos nos limites da integral é válida para tempos de integração muito maiores
que τc . Observe daí que
Z ∞
dω f (ω) = hE ∗ (t)E(t)i . (2.136)
−∞

Divisão da equação (2.135) pela equação (2.136) e uso da definição de grau de coerência de
primeira ordem na equação (2.95) fornece uma expressão para a densidade espectral normalizada:

1
Z ∞
F(ω) = dτg(1) (τ) exp(iωτ) . (2.137)
2π −∞

Esta relação entre a densidade espectral normalizada da luz e seu grau de coerência de primeira
ordem é então uma forma do teorema de Wiener-Khintchine. Ela fornece uma conexão formal entre
os resultados de experimentos de espectroscopia e os resultados de medidas das propriedades das
flutuações dependentes do tempo da luz.

Problema 2.6 Use o teorema de Wiener-Khintchine para obter o espectro de frequência da


excitação descrita no Problema (2.4). 

Problema 2.7 Prove que a função de forma de linha Gaussiana normalizada da equação (2.105)
é corretamente gerada pelo teorema de Wiener-Khintchine com uso do grau de coerência de
primeira ordem da equação (2.112), para fontes alargadas por efeito Doppler. 

Problema 2.8 Prove que a função de forma de linha Lorentziana normalizada

γcol /π
FL (ω) = 2
(2.138)
(ω0 − ω)2 + γcol

é gerada pelo teorema de Wiener-Khintchine com uso do grau de coerência de primeira ordem
da equação (2.104), para fontes alargadas por colisão. 

Problema 2.9 Prove que a função de forma de linha Voigt normalizada

exp −(v − ω)2 /2∆2


Z ∞ 
γcol
FV (ω) = 1/2 3/2 dv 2
(2.139)
2 π ∆ −∞ (ω0 − v)2 + γcol

é gerada pelo teorema de Wiener-Khintchine com uso do grau de coerência de primeira ordem
da equação (2.128), para fontes alargadas por colisão e Doppler simultaneamente. 

2.2.6 Flutuações de intensidade na luz caótica


(baseado na Seção 3.6 do [Lou00])
As propriedades da luz caótica derivadas até aqui se referem à função de correlação do campo
elétrico e ao seu papel na determinação das franjas em um interferômetro de Mach-Zehnder e em
outros experimentos de interferência de primeira ordem. O segundo tópico principal dessa seção se
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 69

refere à medida direta de flutuações de intensidade do tipo mostrado na figura (2.9). Descreveremos
a observação de efeitos de interferência de alta ordem que dependem das correlações de duas
intensidades ao invés das correlações de dois campos.
Como uma preparação para a discussão de experimentos de interferência na intensidade,
consideraremos aqui as propriedades estatísticas das flutuações de intensidade da luz caótica. As
flutuações na intensidade média por ciclo são rápidas demais para observação direta em muitos
casos, e o que se mede é alguma média das flutuações sobre o tempo de resposta do detetor.
Suporemos inicialmente, no entanto, que temos um detetor ideal, com tempo de resposta muito
mais curto que o tempo de coerência τc , que pode tomar efetivamente medidas instantâneas da
intensidade.
A média de um grande número de valores da intensidade média em um ciclo I(t), ¯ medidos sobre
um período de tempo muito mais longo que τc , é fácil de calcular. Com o período de observação
longo e assumindo-se medidas de intensidade instantâneas, a média temporal pode ser trocada por
uma média estatística sobre a distribuição de ângulos de fase, denotada por h· · · i, como explicado
acima. A intensidade média de tempo longo em um feixe luminoso de planos paralelos a partir das
equações (2.71) e (2.73) é

1
I¯ ≡ hI(t)i
¯ = ε0 cE02 h| exp (iφ1 (t)) + exp (iφ2 (t)) + · · · + exp (iφv (t)) |2 i
2
1
= ε0 cE02 v , (2.140)
2
na medida em que os termos cruzados entre fatores de fase para átomos irradiantes diferentes dão
contribuições com média zero.
Os valores médios de potências mais altas da intensidade média em um ciclo são calculados de
modo semelhante. Assim, a intensidade quadrática média é

¯ 2 i = 1 ε02 c2 E04 | exp[iφ1 (t)] + exp[iφ2 (t)] + · · · + exp[iφv (t)]|4 .




hI(t) (2.141)
4
Ao tomar a média da quarta potência da soma dos fatores de fase, apenas os termos nos quais cada
fator é multiplicado pelo seu complexo conjugado são diferentes de zero. Estas contribuições dão
* 2 +
¯ 2 i = 1 ε02 c2 E04

hI(t) ∑ exp[iφi (t) + iφ j (t)]

4 i, j
* 2 +
1 2 2 4
= ε0 c E0 ∑ exp[2iφi (t)] + 2 ∑ exp[iφi (t) + iφ j (t)]

4 i i> j
( )
1 2 2 4 D E D
2
E
= ε0 c E0 ∑ |exp[2iφi (t)]|2 + ∑ 2 exp[iφi (t) + iφ j (t)]

4 i i> j
  
1 1 2 1
= ε02 c2 E04 v + 4 = ε02 c2 E04 [v + 2v(v − 1)] ,

v −v (2.142)
4 2 4

onde o primeiro e o segundo termo são as contribuições dos átomos individuais e dos pares de
átomos, respectivamente. A segunda soma conta o número de pares distintos e o fator 2 é o número
de ocorrências da soma de ângulos de fase mostrados no expoente para um dado par i, j. Assim,
em termos da intensidade média da equação (2.140), a intensidade quadrática média fica
 
¯ 2 i = 2 − 1 I¯2 .
hI(t) (2.143)
v
70 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

O número de átomos radiantes é normalmente muito grande e a equação (2.143) pode ser escrita
como
¯ 2 i = 2I¯2 (v >> 1) ,
hI(t) (2.144)
em muito boa aproximação. Note que esta expressão resulta do termo de pares na equação (2.142).
A variância da intensidade média em um ciclo é
(∆I)2 = hI(t)
¯ 2 i − hI(t)i
¯ 2 = I¯2 . (2.145)
O tamanho das flutuações, caracterizado por ∆I, é então igual ao valor médio I, ¯ como é evidente
qualitativamente na figura (2.9).
A média de potências de I(t) ¯ mais altas que a segunda são bem complicadas no geral, mas
resultados relativamente simples são obtidos se o número de átomos irradiantes é assumido como
muito grande. A contribuição dominante para a média da r-ésima potência da intensidade vem
então dos termos que envolvem o módulo quadrado dos produtos dos fatores de fase de r átomos
distintos, como no cálculo de segunda ordem na equação (2.142). Assim, aproximadamente,
 r
¯ i=r 1 2
D 2 E
hI(t) ε0 cE0 ∑ r! exp [i (φ i (t) + φ j (t) + φ k (t) + . . . )] , (2.146)
2 i> j>k>...

onde a soma corre sobre todos os diferentes conjuntos de r átomos e o fator r! é o número de
ocorrências da soma de r ângulos de fase mostrada no expoente para uma dada seleção de r átomos.
Então, com v assumido muito maior que r,
¯ r i = r!I¯r (v >> r) ,
hI(t) (2.147)
onde a intensidade média é tomada da equação (2.140). Este resultado para o r-ésimo momento da
distribuição de flutuações de intensidade, apesar de derivado para uma fonte alargada por colisão, é
na verdade válido para qualquer tipo de luz caótica. A ocorrência do fator r! na equação (2.147) é
uma característica universal da luz caótica.
Um contraste com os resultados para a luz caótica é dado pela onda estável clássica da figura
(2.14). Não há necessidade de aplicar estatística neste caso, já que a intensidade média em um ciclo
é constante. O resultado análogo à equação (2.145) é
(∆I)2 = 0 (2.148)
e não há flutuações de intensidade.

2.2.7 Grau de coerência de segunda ordem


(baseado na Seção 3.7 do [Lou00])
As propriedades de flutuação de intensidade da luz caótica descritas acima se referem à médias
de leituras de intensidade tomadas em instantes de tempo individuais. Vamos agora considerar
medidas de dois tempos nas quais pares de leituras da intensidade média em um ciclo são tomadas
com um atraso temporal fixo τ. As leituras são novamente tomadas em um ponto fixo no espaço
e apenas uma polarização é medida. A média do produto de cada par de leituras é a função de
correlação de intensidade da luz, análoga a função de correlação do campo elétrico definida na
equação (2.94). A medida experimental das correlações de intensidade é descrita na próxima
sub-seção; consideraremos primeiro a teoria desta função de correlação.
É conveniente trabalhar com uma forma normalizada da função de correlação chamada grau de
coerência de segunda ordem,
¯ I(t
hI(t) ¯ + τ)i hE ∗ (t)E ∗ (t + τ)E(t + τ)E(t)i
g(2) (τ) = = , (2.149)
I¯2 hE ∗ (t)E(t)i2
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 71

onde I¯ é a intensidade média de tempo longo, definida como na equação (2.140), e a ordem dos
fatores de campo na função de correlação de segunda ordem do campo elétrico segue uma convenção
que veremos mais à frente. O feixe de luz é novamente assumido como tendo propriedades
¯ é uma função estocástica real, temos a condição de simetria
estatísticas estacionárias. Como I(t)
mais simples
g(2) (−τ) = g(2) (τ) , (2.150)
e cálculos só precisam ser feitos para τ positivo. Se assume que as medidas satisfazem as condições
para equivalência das médias estatísticas e temporais.
Vimos que a magnitude do grau de coerência de primeira ordem assume valores no intervalo de
0 a 1. O intervalo de valores permitidos do grau de coerência de segunda ordem é controlado pela
desigualdade de Cauchy, que se aplica a qualquer par de números reais. Assim, duas medidas da
intensidade em tempos t1 e t2 devem satisfazer
[I(t ¯ 2 )]2 ≥ 0 → 2I(t
¯ 1 ) − I(t ¯ 1 )I(t ¯ 1 )2 + I(t
¯ 2 ) ≤ I(t ¯ 2 )2 . (2.151)
Aplicando esta desigualdade aos termos cruzados, temos
N N ¯ i )I(t
2I(t ¯ j)
¯ 1 ) + I(t
[I(t ¯ N )]2 =
¯ 2 ) + · · · + I(t ∑ ¯ i )I(t
I(t ¯ j) = ∑
i, j=1 i, j=1 2
N ¯ i )2 + I(t
I(t ¯ j )2 N
≤ ∑ = N ¯ i )2 ,
∑ I(t (2.152)
i, j=1 2 i=1

e, portanto,
¯ 1 ) + I(t ¯ N ) 2 I(t
¯ 2 ) + · · · + I(t ¯ 1 )2 + I(t
¯ 2 )2 + · · · + I(t
¯ N )2
 
I(t
≤ (2.153)
N N
para o resultado de N medidas da intensidade. Assim, em termos de médias estatísticas,
I¯2 ≡ hI(t)i
¯ 2 ≤ hI(t)
¯ 2i , (2.154)
e o grau de coerência de segunda ordem para atraso temporal zero da equação (2.149) satisfaz
1 ≤ g(2) (0) . (2.155)
Não é possível estabelecer nenhum limite superior, e o intervalo completo de valores permitidos é
1 ≤ g(2) (0) ≤ ∞ . (2.156)
As derivações dessas desigualdades assumem um feixe de luz estacionário, mas elas também se
aplicam a séries de medidas em luz não estacionária. Para o exemplo extremo de um único pulso
óptico, é claro que medidas em um ponto fixo de observação devem produzir resultados bem dife-
rentes que dependem da localização do pulso nos tempos de medida. Não existe equivalência entre
médias no tempo e estatísticas neste caso. No entanto, as N medidas da intensidade consideradas
na inequação (2.153) podem, em princípio, ser feitas ao mesmo tempo, mas nos membros de um
ensemble de N realizações do mesmo pulso óptico. As inequações (2.155) e (2.156) continuam a
valer com esta interpretação das médias, e elas podem ser tomadas como propriedades gerais de
todos os tipos de luz clássica.
A prova acima não pode ser extendida para atrasos temporais diferentes de zero, e a única
restrição sobre o grau de coerência de segunda ordem, então, resulta da natureza essencialmente
positiva da intensidade, que dá
0 ≤ g(2) (τ) ≤ ∞ τ 6= 0 . (2.157)
72 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

Existe, no entanto, outra propriedade importante que segue da aplicação da desigualdade (2.151):
N
¯ 1 )I(t
[I(t ¯ 1 + τ) + · · · + I(t ¯ N + τ)]2 =
¯ N )I(t ∑ ¯ i )I(t
I(t ¯ i + τ)I(t
¯ j )I(t
¯ j + τ)
i, j=1
N ¯ i )2 + I(t
[I(t ¯ j )2 + I(t
¯ i + τ)2 ] [I(t ¯ j + τ)2 ]
≤ ∑
i, j=1 2 2
" #
¯ i + τ)2 ∑Nj I(t ¯ j )2 + ∑Nj I(t
¯ j + τ)2
 N
¯ i )2 + ∑Ni I(t

∑i I(t
≤ ,
2 2

ou ainda
2 " #2

¯ 1 )I(t
¯ 1 + τ) + · · · + I(t
¯ N )I(t
¯ N + τ) N¯ i )2 N I(t
¯ i + τ)2
I(t 1 I(t
≤ ∑ N +∑ N . (2.158)
N 4 i i

Os dois somatórios à direita são iguais para uma série de medidas suficientemente longa, e a raiz
quadrada de (2.158) produz então o resultado

¯ I(t
hI(t) ¯ 2i ,
¯ + τ)i ≤ hI(t) (2.159)

ou

g(2) (τ) ≤ g(2) (0) . (2.160)

O grau de coerência de segunda ordem não pode nunca exceder, portanto, seu valor para atraso
zero. A desigualdade se aplica novamente tanto para feixes estacionários como não estacionários
na teoria clássica.
Essas propriedades gerais do grau de coerência de segunda ordem são ilustradas pelo exemplo
da luz caótica. Supomos, como nos modelos usados acima tanto para luz alargada por colisão
quanto por efeito Doppler, que o campo elétrico do feixe de luz de planos paralelos é formado a
partir das contribuições independentes dos diferentes átomos i radiantes,
v
E(t) = ∑ Ei (t) . (2.161)
i=1

A função de correlação de segunda ordem do campo elétrico que aparece na equação (2.149) é,
então,
v
hE ∗ (t)E ∗ (t + τ)E(t + τ)E(t)i = ∑ hEi∗ (t)Ei∗ (t + τ)Ei (t + τ)Ei (t)i
i=1
+ ∑ Ei∗ (t)E ∗j (t + τ)E j (t + τ)Ei (t) + Ei∗ (t)E ∗j (t + τ)Ei (t + τ)E j (t) ,



(2.162)
i6= j

onde os únicos termos mantidos foram aqueles em que o campo de cada átomo é multiplicado pelo
seu complexo conjugado. Todos os outros termos se anulam por conta das fases relativas aleatórias
das ondas a partir dos diferentes átomos. Assim, levando em conta a equivalência das contribuições
de cada átomo

hE ∗ (t)E ∗ (t + τ)E(t + τ)E(t)i = v hEi∗ (t)Ei∗ (t + τ)Ei (t + τ)Ei (t)i


n o
+ v(v − 1) hEi∗ (t)Ei (t)i2 + |hEi∗ (t)Ei (t + τ)i|2 . (2.163)
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 73

Se agora assumimos que o número de átomos radiantes é muito grande, as contribuições que
envolvem pares de átomos excedem em muito as contribuições de átomos individuais e, em boa
aproximação,
n o
hE ∗ (t)E ∗ (t + τ)E(t + τ)E(t)i = v2 hEi∗ (t)Ei (t)i2 + |hEi∗ (t)Ei (t + τ)i|2
= hE ∗ (t)E(t)i2 + |hE ∗ (t)E(t + τ)i|2 , (2.164)

onde usamos a equação (2.101) para relacionar o campo total aos campos dos v átomos. Usando as
definições (2.95) e (2.149) dos graus de coerência de primeira e segunda ordem, obtemos então

(1) 2

(2)
g (τ) = 1 + g (τ) (v >> 1) . (2.165)

Segue dos valores limites do grau de coerência de primeira ordem dados nas equações (2.120) e
(2.122) que

g(2) (0) = 2 (2.166)

g(2) (τ) → 1 para τ >> τc . (2.167)

Essas relações importantes valem para todas as variedades de luz caótica.


O grau de coerência de segunda ordem de luz alargada por colisão (com forma de linha
Lorentziana) é então obtido substituindo a equação (2.104) na equação (2.165):

g(2) (τ) = 1 + exp(−2γcol |τ|) = 1 + exp(−2|τ|τc ) . (2.168)

A expressão correspondente para luz com forma de linha Gaussiana emitida por uma fonte alargada
por efeito Doppler é obtida com o uso da equação (2.112):

g(2) (τ) = 1 + exp(−∆2 τ 2 ) = 1 + exp −π(τ/τc )2 .



(2.169)

Esses graus de coerência para luz caótica são ilustrados na figura (2.15). É evidente que as
desigualdades gerais (2.155) e (2.160) são satisfeitas e ambos os tipos de luz caótica têm os valores
limites da coerência de segunda ordem dados pelas equações (2.166) e (2.167).
O pico no grau de coerência de segunda ordem da luz caótica para τ < τc é uma manifestação
do tipo de flutuação de intensidade mostrado na figura (2.9). Para pequenos atrasos temporais, as
duas medidas de intensidade correlacionadas no grau de coerência de segunda ordem geralmente
ocorrem dentro do mesmo pico de flutuação para darem uma contribuição aumentada. Para atrasos
temporais mais longos, τ > τc , as duas intensidades tendem as ser descorrelacionadas e o grau de
coerência de segunda ordem é perto de um.
Estas propriedades da luz caótica contrastam com aquelas da onda clássica com amplitude e
fase estáveis, cuja variação do campo elétrico é representada pela equação (2.123). É fácil mostrar
substituindo o campo na definição da equação (2.149) que

g(2) (τ) = 1, (2.170)

independente do atraso temporal τ. Este resultado para a onda estável é indicado pela linha tracejada
horizontal na figura (2.15).
Os graus de coerência de segunda ordem calculados acima assumem um feixe de luz estacioná-
rio, polarizado e de planos paralelos, e um ponto de observação comum. A definição (2.149) pode
ser generalizada, analogamente à equação (2.133), para cobrir campos ópticos não estacionários
74 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

com um dependência espacial tridimensional. O grau de coerência de segunda ordem entre a luz
nos pontos do espaço-tempo (r1 ,t1 ) e (r2 ,t2 ) é definido como
hE ∗ (r1 ,t1 )E ∗ (r2 ,t2 )E(r2 ,t2 )E(r1 ,t1 )i
g(2) (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) = , (2.171)
h|E(r1 ,t1 )|2 i h|E(r2 ,t2 )|2 i
onde h· · · i denota novamente médias em ensemble. Note que esta função é um caso especial de
uma coerência de segunda ordem mais geral na qual os quatro campos na função de correlação
são avaliados em quatro diferentes pontos do espaço-tempo, mas não consideraremos esta gene-
ralização subsequente. A luz nos pontos (r1 ,t1 ) e (r2 ,t2 ) é dita coerente em segunda ordem se
simultaneamente

(1)
g (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) = 1 e g(2) (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) = 1 . (2.172)

Figura 2.15: Graus de coerência de segunda ordem de luz caótica tendo distribuições
de frequência Lorentziana e Gaussiana com tempo de coerência τc . A linha tracejada
mostra a coerência de segunda ordem constante em um de uma onda clássica estável.

Na sequência, a dependência espacial no grau de coerência de segunda ordem ficará restrita


a feixes estacionários de planos paralelos polarizados, onde apenas uma única coordenada z é
necessária. A dependência espacial é então incorporada como no grau de coerência de primeira
ordem definido pela equação (2.115) e teremos

g(2) (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) = g(2) (τ) , (2.173)

onde τ é definido na equação (2.119). Com esta interpretação de τ, as expressões já derivadas para
o grau de coerência de segunda ordem se aplicam a pontos separados espacialmente no feixe de
planos paralelos.
É evidente da discussão da equação (2.115) que luz caótica é sempre coerente em primeira
ordem para pontos do espaço tempo suficientemente próximos entre si (ver as figuras 2.12 e 2.13).
No entanto, o limite de τ pequeno produz um grau de coerência de segunda ordem igual a 2, como
ilustrado na figura (2.15). Não é possível para a luz caótica ser coerente em segunda ordem para
qualquer escolha de pontos do espaço tempo. Contrastando com esse comportamento, a onda
clássica estável é coerente em segunda ordem em todos os pontos do espaço-tempo.
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 75

Problema 2.10 Considere o feixe de luz caótica monomodo, definido no problema (2.2) como
uma superposição com fases aleatórias de um número grande de ondas estáveis. Prove de
primeiros princípios que

g(2) (τ) = 2 . (2.174)

O tempo de coerência é infinito neste caso, e a equação (2.167) não se aplica nesse caso. 

2.2.8 O interferômetro de Hanbury Brown and Twiss


(baseado na Seção 3.8 do [Lou00])
Os resultados de todos os experimentos clássicos de interferência, tipificados pelo interferô-
metro de Mach-Zehnder, são controlados pela correlação de duas amplitudes de campo elétrico,
convenientemente expressas pelo grau de coerência de primeira ordem da luz. A correlação de
duas intensidades ópticas, convenientemente expressa em termos do grau de coerência de segunda
ordem, foi primeiro medida por Hanbury Brown e Twiss em 1956 [Bro56]. Seu experimento tipifica
todos as medidas subsequentes do grau de coerência de segunda ordem. Tais medidas tem uma
significância particular para a correspondência entre as teorias quânticas e clássicas da luz, apesar
de que vamos nos concentrar aqui primeiro em sua descrição clássica.
O aparato é mostrado esquematicamente na figura (2.16). Luz de uma lâmpada de mercúrio é
filtrada para manter apenas a linha de emissão em 435.8 nm e o feixe é dividido em duas porções
iguais por um divisor de feixes 50:50, como especificado pela equação (2.88). A intensidade de cada
porção é medida por um detetor fotomultiplicador, os princípios do qual discutiremos mais à frente,
e a saída desses detetores, D3 e D4 , são multiplicadas uma pela outra no correlacionador. O valor
integrado do produto sobre um longo tempo de observação nos dá uma medida das flutuações da
intensidade. Assumimos aqui um arranjo ideal em que os detetores são simetricamente posicionados
com respeito ao divisor de feixes. Eles medem assim as intensidades nos feixes a distâncias z iguais
a partir da fonte de luz.

Figura 2.16: Arranjo dos principais componentes no interferômetro de intensidade de


Hanbury Brown e Twiss.

De acordo com a teoria clássica, o divisor de feixes divide a intensidade média por ciclo I¯1 (z,t)
em dois feixes idênticos nos braços 3 e 4 do experimento, onde usamos a notação da figura (2.10)
para os braços de entrada e saída do divisor de feixes. Numa notação óbvia, temos então
1
I¯3 (z,t) = I¯4 (z,t) = I¯1 (z,t) , (2.175)
2
76 Capítulo 2. Flutuações e coerência na luz clássica

e as intensidades médias para tempos longos nas duas saídas são


1
I¯3 = I¯4 = I¯1 . (2.176)
2
Os graus de coerência de segunda ordem derivados na subseção anterior se referem a medidas
em um único feixe de luz. A teoria, no entanto, pode ser generalizada de forma direta para se referir
a medidas em dois feixes distintos. No caso acima, obteríamos

(2) hI¯3 (r3 ,t3 )I¯4 (r4 ,t4 )i


g3,4 (r3 ,t3 ; r4 ,t4 ) = ¯ , (2.177)
hI3 (r3 ,t3 )ihI¯4 (r4 ,t4 )i
onde r3 e r4 indicam as posições na frente de onda dos detetores dos feixes 3 e 4, respectivamente.
Para a configuração da figura (2.16), de propagação de uma onda de planos paralelos ao longo de
um eixo z, temos

(2) hI¯3 (z3 ,t3 )I¯4 (z4 ,t4 )i hI¯3 (t3 − z3 /c)I¯4 (t4 − z4 /c)i
g3,4 (z3 ,t3 ; z4 ,t4 ) = ¯ = , (2.178)
hI3 (z3 ,t3 )ihI¯4 (z4 ,t4 )i hI¯3 (t3 − z3 /c)ihI¯4 (t4 − z4 /c)i
ou ainda

(2) hI¯3 (t)I¯4 (t + τ)i


g3,4 (τ) = , (2.179)
I¯3 I¯4
considerando médias sobre tempos muito longos de um processo estacionário, com t = t3 − z3 /c e
z4 − z3
τ = t4 − t3 − , (2.180)
c
onde a dependência em z é removida. A partir das equações (2.175) e (2.176), obtemos então

(2) hI¯1 (t)I¯1 (t + τ)i (2)


g3,4 (τ) = = g1,1 (τ) . (2.181)
I¯2
1

Vê-se então que a correlação cruzada normalizada entre os dois feixes de saída fornece uma medida
do grau de coerência de segunda ordem do feixe de entrada.
Com detetores ideais que fazem medidas instantâneas das intensidades nos tempos t3 e t4 , o
correlacionador no experimento da figura (2.16) é projetado para a avaliar a média
1 ¯
h[I¯3 (z,t3 ) − I¯3 ][I¯4 (z,t4 ) − I¯4 ]i = hI1 (z,t3 )I¯1 (z,t4 )i − I¯12 ,

(2.182)
4
onde, por simplicidade de notação, assumimos os detetores à mesma distância z do divisor de feixes.
Note ainda que o correlacionador neste caso inclui um filtro passa alta, que remove a média do sinal.
A média do sinal pode ser fornecida por outro canal de saída do detetor. A versão normalizada deste
correlacionador de Hanbury Brown-Twiss é expressa diretamente em termos do grau de coerência
de segunda ordem da luz incidente como

h[I¯3 (z,t3 ) − I¯3 ][I¯4 (z,t4 ) − I¯4 ]i (2)


= g1,1 (τ) − 1 , (2.183)
I¯3 I¯4
onde τ = t4 − t3 . A menos desse fator de normalização, o experimento de Hanbury Brown e Twiss
fornece uma medida direta do desvio a partir da unidade do grau de coerência de segunda ordem.
Os resultados podem ser ilustrados a partir dos exemplos mostrados na figura (2.15). Apenas luz
caótica era disponível no tempo dos experimentos originais; neste caso, a correlação na equação
(2.183) é igual a um para τ << τc , mas cai a zero para τ >> τc . Experimentos similares foram
2.2 Teorias clássicas para flutuações da luz 77

depois realizados com luz que corresponde proximamente à onda clássica estável; neste caso, a
correlação de Hanbury Brown-Twiss se anula para todos os valores de τ.
Para luz caótica com perfil de linha Lorentziano, a correlação dada pela equaçãos (2.168) e
(2.183) é
(2)
g1,1 (τ) − 1 = exp(−2|t4 − t3 |/τc ) = exp(−2|τ|/τc ) . (2.184)

No entanto, experimentos nunca são capazes de fazer medidas instantâneas da intensidade do feixe
e a correlação esperada é modificada de acordo com isso. Na prática, detetores sempre têm alguma
resolução temporal mínima, ou tempo de integração T , de modo que a intensidade gravada é uma
média sobre o período T . Considere um interferômetro de Hanbury Brown-Twiss onde intensidades
"instantâneas"são medidas simultaneamente por dois detetores de tempo de integração igual T . Se
a média sobre o tempo de resolução do detetor é indicada por mais colchetes angulares, o resultado
previsto é

1 T T
Z Z
(2)
hg1,1 i − 1 = dt 3 dt4 exp(−2|t4 − t3 |/τc )
T2 0 0
= (τc2 /2T 2 ){exp(−2T /τc ) − 1 + (2T /τc )} . (2.185)

Para um tempo de integração muito curto, T << τc , o lado direito da equação (2.185) se reduz à
unidade, em acordo com o resultado da equação (2.184) para medidas simultâneas das intensidades
instantâneas. No entanto, no limite oposto de um tempo de integração muito longo, T >> τc , o
lado direito da equação (2.185) é aproximadamente igual a τc /T , e a magnitude observada das
flutuações de intensidade é amplamente reduzida. Os experimentos originais tinham um fator de
redução da ordem de 105 , e seu sucesso dependeu de um processamento das intensidades medidas
para obter a correlação na equação (2.183) diretamente.
Os efeitos de interferência na intensidade descritos acima são governados pela coerência de
segunda ordem temporal da luz. A coerência temporal controla as propriedades de correlação
e flutuação dos campos e intensidades em uma direção paralela ao feixe, e é determinada pela
dinâmica dos átomos emissores de luz na fonte. No entanto, da mesma forma que para o interferô-
metro de Mach-Zehnder, a observação prática das correlações de intensidade também é afetada pela
coerência espacial da luz, associada com as dimensões finitas da fonte e dos detetores. A coerência
espacial controla principalmente as propriedades de correlação da luz nas direções perpendicula-
res ao feixe. O propósito original do interferômetro de Hanbury Brown-Twiss era a medida dos
diâmetros angulares de estrelas pela observação de efeitos de coerência espacial [Bro54]. Era
crucial, então, que os detetores estivessem espacialmente separados. Independente que qualquer
dependência espacial transversal nas correlações observadas, o uso do arranjo com dois detetores
do interferômetro de Hanbury Brown-Twiss é benéfico mesmo para medidas de coincidência no
mesmo ponto do espaço por conta de efeitos de recuperação do detetor. Detetores ultra-sensíveis
sofrem tipicamente um período de paralisia logo após uma medida, conhecido como tempo morto.
Um par de medidas muito próximas, ou efetivamente coincidentes, é portanto melhor realizadas
com o uso de detetores diferentes para as duas observações.
II
segunda unidade

3 Foto-deteção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção
3.2 Estados puros e misturas estatísticas
3.3 O operador intensidade
3.4 Graus de coerência de primeira e segunda ordem
quânticos

4 Óptica quântica mono-modo . . . . . . . . 99


4.1 Operadores de campo mono-modos
4.2 Estados de número
4.3 Estado coerente
4.4 Luz caótica
4.5 O vácuo comprimido
4.6 Estados coerentes comprimidos
4.7 Relações de entrada e saída do divisor de feixes
4.8 Fóton individual na entrada
4.9 Entrada arbitrária em um braço
3. Foto-deteção

Este capítulo será baseado fortemente nas Referências [Man95] e [Lou00].

As várias propriedades dos feixes luminosos derivadas no capítulo anterior são meio abstratas,
no sentido de que elas se referem aos campos elétricos e intensidades da luz, sem nenhuma consi-
deração séria de como essas propriedades são medidas. Os tempos de observação, ou integração,
associados às medidas foram mencionados, mas sem descrição dos métodos pelos quais as variáveis
básicas associadas com a luz são convertidas em leituras experimentais. Quase todos os dispositivos
práticos medem a intensidade de um feixe de luz ao invés de seu campo elétrico. A operação
deles depende da absorção de uma porção do feixe, cuja energia é convertida para uma forma
detetável. A placa fotográfica, o foto-tubo (ou fotomultiplicadora), o bolômetro e o foto-diodo
todos pertencem a esta categoria. No que segue, introduziremos primeiro uma teoria semiclássica
para o processo de foto-deteção, onde consideraremos a luz como um campo clássico, mas os
elétrons são tratados de forma quantizada, no sentido de que são excitados um a um. Depois,
expandiremos o tratamento para englobar campos quantizados, e começaremos a discussão de
como essa modelagem da foto-deteção afeta as medidas das funções de correlação da luz que
introduzimos no capítulo anterior.

3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção


(baseado na Seção 3.9 do [Lou00] e no Capítulo 9 do [Man95])
Se sabe desde o século 19 que quando luz incide em algumas superfícies metálicas, elétrons
são algumas vezes liberados do metal. Isto é conhecido como efeito foto-elétrico, e as partículas
emitidas são chamadas de foto-elétrons. Se um eletrodo positivamente carregado é colocado
próximo ao catodo foto-emissor para atrair foto-elétrons, uma corrente elétrica pode começar a
fluir como resposta à luz incidente. O dispositivo se torna então um detector foto-elétrico da
luz incidente. Várias formas existem de amplificar a corrente foto-elétrica. Em um dispositivo
importante, conhecido como foto-multiplicadora e mostrado esquematicamente na figura (3.1),
os foto-elétrons são acelerados o suficiente para que quando atinjam o eletrodo positivo eles
causem a liberação de vários elétrons secundários para cada elétron primário incidente, e esses
82 Capítulo 3. Foto-deteção

são então acelerados de modo a atingir outra superfície emissora secundária. Depois de 10 ou
mais estágios semelhantes de amplificação, a emissão de cada foto-elétron do catodo resulta em
um pulso de milhões de elétrons no anodo, que é grande o suficiente para ser registrado por um
contador eletrônico. Através da contagem desses pulsos foto-elétricos, temos um detetor luminoso
ultrassensível.

Figura 3.1: Desenho esquemático de uma foto-multiplicadora.

Foi constatado experimentalmente que a emissão fotoelétrica a partir de uma dada superfície
ocorre apenas se a frequência da luz incidente é alta o suficiente para exceder um certo valor de
limiar (veja a figura 3.2). Uma vez que essa frequência crítica é excedida, o número de foto-elétrons
liberados por segundo é proporcional à intensidade da luz incidente, enquanto a energia cinética
média dos foto-elétrons é independente da intensidade da luz. Isto não foi fácil de entender dentro
do arcabouço clássico da física. Pareceu a Einstein [Ein05] ser explicável de forma direta se os
elétrons dentro do metal fossem ligados em algum poço de potencial com energia mínima de ligação
E0 , e se a luz fosse considerada como consistindo de partículas discretas ou fótons, de energia h̄ω
na frequência ω. O fluxo de fótons é proporcional à intensidade da luz ou ao fluxo de potência.
Quando um fóton é absorvido na superfície foto-elétrica, ele pode transferir sua energia de h̄ω para
um elétron, mas a não ser que h̄ω > E0 isto seria insuficiente para liberar o elétron. Apenas quando
ω > E0 /h̄ a emissão foto-elétrica ocorre, e então se espera que o número de elétrons liberados por
segundo seja proporcional ao fluxo de fótons ou à intensidade da luz.

Figura 3.2: Resposta de um foto-catodo a luz de diferentes frequências.

Apesar dessa imagem “quântica” simples dar conta de alguns traços do efeito foto-elétrico,
foi necessário o desenvolvimento mais completo da teoria quântica e da eletrodinâmica quântica
para descrever o efeito em detalhes, e para fornecer expressões para as probabilidades de emissão
3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção 83

foto-elétrica em vários tempos. Vamos introduzir o tratamento quantizado completo mais à frente.
Acontece, no entanto, que para muitas aplicações a quantização do campo eletromagnético não é
necessária, e a resposta do foto-detetor pode ser entendida mesmo se continuarmos a imaginar o
campo em termos de ondas eletromagnéticas clássicas, contanto que os foto-elétrons sejam tratados
quanticamente. Tal abordagem para o problema é chamada de semiclássica, e é substancialmente
mais simples que o tratamento quântico completo. Naturalmente, ele tem limitações. No entanto,
para campos eletromagnéticos para os quais existe uma descrição clássica adequada, os tratamentos
quântico e semiclássico do problema da foto-deteção levam comumente às mesmas respostas.
No caso da foto-multiplicadora, a deteção de cada pulso elétrico corresponde a uma foto-
contagem, e a quantidade medida é a taxa de foto-contagens. Assim, na teoria semiclássica, a
¯ do feixe em uma sucessão de
foto-mutliplicadora converte a intensidade clássica média por ciclo I(t)
foto-contagens discretas. A taxa de ionização atômica é então proporcional à densidade de energia
óptica, ou intensidade. O número m de foto-contagens produzidas em um tempo de integração T
fornece assim uma medida da intensidade óptica. Um experimento de foto-contagem consiste de um
grande número, por exemplo 105 , de medidas sucessivas dos números de foto-contagens em tempos
de integração de mesma duração T . Os resultados podem ser expressos como uma densidade de
probabilidade Pm (T ) para a ocorrência de m foto-contagens durante um tempo de observação T . Se
assume ao longo da derivação abaixo que os feixes de luz medidos são estacionários. O objetivo
dos cálculos é determinar a relação da distribuição estatística de foto-contagens medida Pm (T ) com
as propriedades estatísticas do feixe luminoso.
Para a presente discussão da teoria semi-clássica, é apenas necessário fazer a suposição razoável
de que a probabilidade p(t) por unidade de tempo de uma foto-ionização ocorrer no instante t é
¯ naquele instante. A probabilidade de que o feixe
proporcional à intensidade média por ciclo I(t)
luminoso cause uma única foto-ionização, registrada como uma única foto-contagem, durante o
intervalo de tempo entre t e t + dt tem, portanto, a forma

¯
p(t)dt = ξ I(t)dt , (3.1)

onde dt é assumido suficientemente grande comparado com o tempo de liberação de um elétron,


mas suficientemente pequeno para a probabilidade de mais de uma foto-ionização ser desprezível.
A constante de proposionalidade ξ representa a eficiência do detetor, incluindo os elementos de
matriz para a transição foto-elétrica e fatores que dependem da construção da foto-multiplicadora.
Considere o período de tempo que se estende de t a t + T e seja Pm (t, T ) a probabilidade de
que m foto-contagens ocorram neste intervalo de tempo. A distribuição que queremos Pm (T ) é
determinada por uma média subsequente sobre um grande número de tempo de início t. Seja t + t 0
um tempo que se encontre dentro do intervalo entre t e t + T , como mostrado na figura (3.3), e seja
dt 0 um período curto de tempo semelhante ao usado na equação (3.1). A probabilidade de que m
foto-contagens ocorram entre t e t + t 0 + dt 0 é por definição

Pm (t,t 0 + dt 0 ) . (3.2)

Existem, no entanto, duas formas distintas nas quais m foto-contagens podem ocorrer durante o
intervalo de tempo dado. Ou
(1) m foto-contagens ocorrem entre t e t + t 0 e nenhuma no intervalo dt 0 , com probabilidade
total

Pm (t,t 0 )[1 − p(t + t 0 )dt 0 ] , (3.3)

ou (2) m − 1 foto-contagens ocorram entre t e t + t 0 e uma no intervalo dt 0 , com probabilidade total

Pm−1 (t,t 0 )p(t + t 0 )dt 0 . (3.4)


84 Capítulo 3. Foto-deteção

A probabilidade para mais de uma foto-contagem durante o intervalo de tempo dt 0 é desprezível


por hipótese.
As duas formas de computar a probabilidade de que m foto-contagens ocorram entre t e
t + t 0 + dt 0 devem ser equivalentes, de modo que podemos escrever

Pm (t,t 0 + dt 0 ) = Pm (t,t 0 )[1 − p(t + t 0 )dt 0 ] + Pm−1 (t,t 0 )p(t + t 0 )dt 0 . (3.5)

A definição padrão de diferenciação e a inserção da equação (3.1) converte a última equação em

dPm (t,t 0 ) ¯ + t 0 )[Pm−1 (t,t 0 ) − Pm (t,t 0 )] ,


= ξ I(t (3.6)
dt 0
que se aplica a um m geral exceto que o primeiro termo à direita é ausente para m = 0, quando

dP0 (t,t 0 ) ¯ + t 0 )P0 (t,t 0 ) .


= −ξ I(t (3.7)
dt 0
As probabilidades de foto-contagens para os diferentes valores de m são então relacionados por
uma cadeia de equações diferenciais.

Figura 3.3: Intervalos de tempo usados no cálculo de Pm (t, T ), mostrando as duas


formas em que m foto-contagens podem ocorrer no período entre t e t + dt.

A cadeia de equações é resolvida por recursão, começando com a equação (3.7), sujeitas à
condição de contorno de que certamente não pode haver foto-contagens durante um intervalo de
tempo nulo, de modo que

P0 (t, 0) = 1 e Pm (t, 0) = 0 para m > 0 . (3.8)

A integração da equação (3.7) com esta condição de contorno resulta em

¯ T )T ] ,
P0 (t, T ) = exp[−ξ I(t, (3.9)

¯ T ) é a intensidade média que atinge a foto-multiplicadora durante o período de t a t + T ,


onde I(t,
Z t+T
¯ T) = 1
I(t, dt 00 I(t
¯ 00 ) . (3.10)
T t

Os outros elementos da distribuição são determinados a partir da equação (3.6), começando com
m = 1 e seguindo para os valores mais altos de m.
3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção 85

Problema 3.1 Para visualizar melhor como se dá essa recorrência, prove primeiro que a
equação (3.6) pode ser escrita como

d h ξ I(t,t
¯ 0 )t 0 0
i
¯ 0 )t 0
¯ + t 0 )eξ I(t,t
e Pm (t,t ) = ξ I(t Pm−1 (t,t 0 ) . (3.11)
dt 0


Problema 3.2 Prove então por indução que a solução geral da equação (3.6) [ou 3.11], sujeita
às condições de contorno (3.8), é
¯ T )T ]m
[ξ I(t,
Pm (t, T ) = ¯ T )T ] .
exp[−ξ I(t, (3.12)
m!


Esta probabilidade dá a distribuição dos números de leituras de foto-contagens em uma série de


experimentos que observam um feixe de luz com a mesma intensidade média I(t, ¯ T ). Experimentos
reais medem a distribuição de números de foto-contagens numa série de sucessivos períodos
de duração T , de modo que a distribuição observada é uma média temporal da equação (3.12)
sobre as flutuações no feixe luminoso. Assim, para luz estacionária e ergódica, a distribuição de
foto-contagens necessária Pm (T ) é obtida como uma média sobre os sucessivos tempos t de início
do período de deteção ou, equivalentemente, como uma média estatística sobre as flutuações de
intensidade da expressão (3.12)
¯ T )T ]m
 
[ξ I(t, ¯
Pm (T ) = exp[−ξ I(t, T )T ] . (3.13)
m!

É direto verificar a normalização dessa distribuição


* ! +
∞ ∞ ¯ T )T ]m
[ξ I(t,
∑ Pm (T ) = ∑ ¯ T )T ] = hexp[ξ I(t,
exp[−ξ I(t, ¯ T )T ] exp[−ξ I(t,
¯ T )T ]i = 1 ,
m=0 m=0 m!

e que o número médio de foto-contagens é


* +
∞ ¯ T )T ]m
[ξ I(t,
hmi = ∑ mPm (T ) = ∑ m ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t,
m m=0 m!
* ! +

[ξ ¯ T )T ]m−1
I(t,
¯ T )T ] ∑
= [ξ I(t, ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t,
m=1 (m − 1)!
¯ T )T ]i = ξ IT
= h[ξ I(t, ¯ . (3.14)

A média estatística na equação (3.13) é difícil de realizar no geral, mas existem alguns poucos
casos especiais simples. O caso mais simples de todos é o da onda estável clássica da figura
(2.14), onde a intensidade média em um ciclo tem o valor fixo I, ¯ independente do tempo. Não há
necessidade de realizar a média neste caso e a distribuição na equação (3.13) se reduz a
hmim −hmi
Pm (T ) = e . (3.15)
m!
Esta é uma distribuição de Poisson e sua forma é ilustrada na figura (3.4) para três valores da média
de contagens, onde n na figura é aqui trocado por m. A estatística de foto-contagens é a mesma
daquela encontrada para a chegada de pingos de chuva de taxa constante de queda ou para a emissão
de partículas durante o decaimento radioativo de um isótopo de vida longa.
86 Capítulo 3. Foto-deteção

A forma de Poisson da distribuição de foto-contagens também ocorre em experimentos com


um feixe luminoso de intensidade flutuante, no qual o tempo de integração T é bem mais longo
que a escala característica das flutuações. A intensidade média no período de medida, definida na
equação (3.10), é então independente do tempo de início t, e novamente não há necessidade de
realizar a média na equação (3.13). O número médio de foto-contagens é novamente dado pela
equação (3.14), onde I¯ é agora a intensidade média de tempo longo. A distribuição de Poisson,
assim, se aplica a luz caótica quando T é muito maior que o tempo de coerência τc , de modo que as
flutuações de intensidade são atenuadas pela média ao longo da duração de cada medida.

Figura 3.4: Distribuição de probabilidade de Poisson para foto-contagens, com conta-


gem média hni mostrada para cada distribuição.

A distribuição de foto-contagens também é deduzida de forma relativamente simples para luz


caótica no extremo oposto de um tempo de integração que é muito menor que o tempo de coerência.
¯ neste caso é essencialmente constante ao longo do período T e a
A intensidade instantânea I(t)
equação (3.10) fica

¯ T ) = I(t)
I(t, ¯ para T << τc . (3.16)

Precisamos então calcular a distribuição de probabilidade para a intensidade instantânea da luz


caótica. Nosso ponto de partida é lembrar a equação (2.73) para a intensidade instantânea média
em um ciclo de uma fonte luminosa caótica:

¯ = ε0 c E02 a(t)2 ,
I(t) (3.17)
2
onde E0 é a amplitude constante da luz emitida por um átomo individual e a(t) é obtido a partir da
expressão

a(t) exp(iφ (t)) = exp(iφ1 (t)) + exp(iφ2 (t)) + · · · + exp(iφv (t)) , (3.18)

com φi (t) a fase aleatória do átomo i no instante t. Consideraremos o número v de átomos como
sendo muito grande. φ (t) e a(t) são então a fase e amplitude resultantes do processo da soma
dos termos carregando a fase aleatória de cada átomo. Na figura (2.8), vemos que a(t) representa
3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção 87

a distância com relação à origem de um caminhante aleatória bi-dimensional após v passos de


comprimento um fixo, começando a partir da origem. O cálculo da distribuição de valores de a(t) é
então um problema canônico de mecânica estatística que, no limite v >> 1, leva a uma distribuição
Gaussiana para a respectiva densidade de probabilidade:
1
exp −a(t)2 /v ,

p[a(t)] = (3.19)
πv
independente, portanto, de φ (t) e obedecendo à normailização
Z ∞ Z 2π
da(t) dφ (t)a(t)p[a(t)] = 1 . (3.20)
0 0

Lembrando da equação (2.140) para I¯ da fonte caótica:


ε0 c 2
I¯ = E v, (3.21)
2 0
podemos reescrever a condição de normalização como
Z ∞
1 2
 Z ∞ da(t)2
exp −a(t)2 /v

da(t)2a(t) exp −a(t) /v =
0 v 0 v
Z ∞ ¯
d I(t) ¯ ¯
= ¯ exp (−I(t)/I)
0 I
Z ∞
= ¯
p[I(t)]d ¯ = 1,
I(t) (3.22)
0

¯ dada por
com a densidade de probabilidade de encontrar a intensidade instantânea I(t)
¯ ¯
¯ e−I(t)/I
p[I(t)] = . (3.23)

Assim, para um feixe ergódico estacionário de luz caótica, a média da equação (3.13) é avaliada
como
1
Z ∞
¯ ¯ T )T ]m
¯ [ξ I(t,
Pm (T ) = ¯ ¯ −I(t)/I
d I(t)e ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t, (3.24)
I 0 m!
¯
ou, definindo u = I(t)/ I¯ e usando a equação (3.14) para hmi,
hmim
Z ∞
Pm (T ) = du e−u um e−hmiu . (3.25)
m! 0

Fazendo ainda s = (1 + hmi)u:


hmim hmim
Z ∞
Pm (T ) = ds e−s sm = . (3.26)
m!(1 + hmi)1+m 0 (1 + hmi)1+m
Este resultado nos remete a uma conhecida propriedade de distribuições térmicas de excitação.
Em equilíbrio térmico à temperatura Te , a probabilidade P(n) de um modo de um oscilador ser
excitado ao seu n-ésimo estado excitado é dado pelo fator de Boltzmann usual
exp(−En /kB Te )
P(n) = . (3.27)
∑l exp(−El /kB Te )
Dada a frequência ω do oscilador, podemos definir

U = exp(−h̄ω/kB Te ) , (3.28)
88 Capítulo 3. Foto-deteção

e a probabilidade térmica fica

Un
P(n) = l
= (1 −U)U n . (3.29)
∑∞
l=0 U

Nesse caso, o número médio de fótons no modo é dado por

U
hni = ∑ nP(n) = . (3.30)
n 1 −U

Invertendo para obter U, ficamos com

hni
U= . (3.31)
1 + hni

Substituindo na equação (3.29), P(n) fica

hnin
P(n) = . (3.32)
(1 + hni)n+1

A distribuição de foto-contagens para luz caótica com tempos de integração curtos é então se-
melhante à da distribuição de fótons em um único modo de uma fonte de luz térmica, dada pela
equação (3.32) e ilustrada na figura (3.5). No entanto, a distribuição de foto-contagens na equação
(3.26) não é restrita à excitação de um único modo, mas se aplica no geral a qualquer luz caótica.

Figura 3.5: distribuição térmica de número de fótons para três valores do número
médio hni.

A forma da distribuição de foto-contagens para luz caótica é muito mais difícil de calcular
para tempos de integração que não são nem longos nem curtos comparados ao tempo de coerência,
requerendo cálculos numéricos. Apesar disso, não é difícil calcular o tamanho das flutuações nas
3.1 Teoria semi-clássica da foto-deteção 89

foto-contagens. Assim, o segundo momento da distribuição dada pela equação (3.13) é


* +
2

2
∞ ¯
2 [ξ I(t, T )T ]
m
hm i = ∑ m Pm (T ) = ∑ m ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t,
m=0 m=0 m!
* +

[ξ ¯ T )T ]m−1
I(t,
¯ T )T ] ∑ m
= [ξ I(t, ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t,
m=1 (m − 1)!
* +

[ξ ¯ T )T ]s
I(t,
¯ T )T ] ∑ (1 + s)
= [ξ I(t, ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t,
s=0 s!
* +

[ξ ¯
I(t, T )T ]s−1
¯ T )T ]i + [ξ I(t,
= h[ξ I(t, ¯ T )T ]2 ∑ ¯ T )T ]
exp[−ξ I(t,
s=1 (s − 1)!
¯ T )T ]2 ,


= hmi + [ξ I(t, (3.33)

onde o valor médio hmi é dado pela equação (3.14). A variância na distribuição de foto-contagens
é então

(∆m)2 = hm2 i − hmi2 = hmi + ξ 2 T 2 hI(t,


¯ T )2 i − I¯2 .
 
(3.34)

A primeira contribuição para a variância é a mesma para todos os tipos de luz. Ela é conhecida
como shot noise (ou ruído de disparo) no processo de deteção e é resultado da natureza discreta
da ionização foto-elétrica. O segundo termo é conhecido como o excesso de ruído e é claramente
dependente da natureza da luz. A variância da intensidade que ocorre neste termo mede as flutuações
de onda no feixe luminoso.
O exemplo mais simples da variância nas foto-contagens ocorre para a onda clássica estável,
onde a intensidade média em um ciclo tem o valor fixo de I¯ e o segundo termo na equação (3.34) se
anula, resultando em

(∆m)2 = hmi . (3.35)

A igualdade entre média e variância é uma propriedade padrão da distribuição de Poisson na


equação (3.15). Esse exemplo ilustra bem o fato do shot noise não depender da estatística da luz,
pois aqui a luz não tem flutuações.
Um segundo exemplo direto é dado por uma luz caótica com perfil Lorentziano, onde a
integração necessária para a variância das flutuações da onda na equação (3.34) já foi calculada na
equação (2.185). Assim, usando a expressão para a contagem média da equação (3.14), a variância
nas foto-contagens fica
 2   
2 2 τc −2T /τc 2T
(∆m) = hmi + hmi 2
e −1+ . (3.36)
2T τc
Para tempos de integração curtos, a variância se reduz a

(∆m)2 = hmi + hmi2 para T << τc . (3.37)

Assim todos os feixes de luz caótica produzem a mesma variância de foto-contagens neste limite.
No limite oposto de tempos de integração longos, a variância fica
τ 
c
(∆m)2 = hmi + hmi2 para T >> τc (3.38)
T
e o resultado de Poisson da equação (3.35) é recobrado quando o segundo termo pode ser despre-
zado.
90 Capítulo 3. Foto-deteção

Os resultados da presente seção mostram como medidas da dependência temporal contínua


da intensidade média por ciclo por uma foto-multiplicadora produzem informação na forma de
foto-contagens discretas, governadas por uma distribuição de probabilidades digital. Os resultados
semiclássicos fornecidos aqui para a onda estável e para luz caótica se mantém no tratamento
quântico completo do problema, mas a teoria quântica mais geral também abarca as distribuições
de foto-contagens para feixes luminosos que não são descritos pela teoria clássica.

3.2 Estados puros e misturas estatísticas


(baseado na Seção 4.6 do [Lou00])
Vimos até aqui principalmente estados clássicos do campo eletromagnético. Para iniciarmos o
tratamento de estados quânticos do campo, no entanto, precisaremos expandir nosso formalismo
quântico para englobar também alguma incerteza com relação ao estado inicial do sistema, ou seja,
precisamos lidar com estados mistos. Para isso, vamos introduzir nessa seção os conceitos básicos
do formalismo de matriz densidade para estados quânticos da luz.
Os estados multi-modos de número definidos na equação (1.85) podem ser escritos de forma
mais sintética como

|{nl }i = |n1 , n2 , . . . , nl , . . . i . (3.39)

Eles formam uma base completa para o campo eletromagnético e, como vimos na equação (1.88),
um estado puro geral do campo eletromagnético é expresso como uma superposição desses estados
da base da forma

|estado puroi = ∑ C ({nl }) |{nl }i , (3.40)


{nl }

onde o somatório corre, no geral, sobre todos os conjuntos {nl } de números de fótons nl = 0, 1, 2, . . . ,
um para cada modo l no volume de quantização. A generalidade completa desse estado é raramente
usada, mas existem estados puros importantes do campo de radiação nos quais a superposição é
restrita aos estados de número de um único modo. Estados de superposição tem a característica
comum de que a contribuição de cada estado |{nl }i da base tem uma amplitude e fase bem definida,
relativas ao ângulo de fase total da superposição completa, incorporadas no coeficiente complexo
C ({nl }).
No entanto, nem todas as excitações do campo de radiação podem ser expressas como superpo-
sições lineares dos estados de base definidos na equação (1.85), não sendo possível representá-las
como estados puros na forma da equação (3.40). Algumas analogias podem ser traçadas entre as
descrições de feixes de luz nas teorias clássica e quântica. Assim, enquanto o campo elétrico de
uma onda estável clássica é especificado por uma amplitude e fase definidas, o campo elétrico do
feixe de luz de uma fonte caótica é descrito apenas em termos de probabilidades para o campo ter
valores particulares de amplitude e fase. Uma situação semelhante ocorre em mecânica quântica,
onde a natureza de uma fonte de luz caótica exclui a possibilidade de uma descrição do campo
emitido em termos de estados puros com relações de fase específicas entre os diferentes estados
de número de fótons no feixe de saída. Quando tudo que pode ser especificado é um conjunto
de probabilidades de que o campo de radiação seja encontrado em uma faixa de estados, cada
correspondendo a um de um conjunto completo de estados da base, então o estado do campo é uma
mistura estatística. Distribuições estatísticas são introduzidas em mecânica quântica através do
operador densidade.
Considere um campo eletromagnético para o qual existe uma probabilidade conhecida PR de
que o campo esteja no estado |Ri. Aqui R é um rótulo que corre sobre um conjunto de estados
puros da base suficientes para descrever o campo. Os estados de número multi-modos definidos
3.2 Estados puros e misturas estatísticas 91

na equação (3.39) são um conjunto de estados |Ri possíveis, mas outros conjuntos completos de
estados de base podem ser formados por superposições lineares apropriadas dos |{nl }i. Se assume
que a distribuição de probabilidade é normalizada, com

∑ PR = 1 . (3.41)
R

Considere algum observável O que é representado por um operador quantum-mecânico Ô. O valor
médio do observável para o estado puro |Ri é hR|Ô|Ri, e assim seu valor médio para a mistura
estatística especificada por PR é a média em ensemble

hÔi = ∑ PR hR|Ô|Ri . (3.42)


R

Esta é a expressão básica para predições de medidas em misturas estatísticas do campo de radiação.
É conveniente colocar a equação (3.42) em uma forma diferente com a qual é mais fácil de
trabalhar e que fornece expressões mais elegantes para as médias em ensemble. Consideremos |Si
qualquer conjunto de base completo de estados puros para o campo considerado, onde o rótulo S
especifica diferentes estados no conjunto. Utilizando a relação de completeza

∑ |SihS| = 1 , (3.43)
S

a equação (3.42) fica

hÔi = ∑ PR ∑hR|Ô|SihS|Ri = ∑ ∑ PR hS|RihR|Ô|Si . (3.44)


R S S R

O operador densidade é definido como [Sak94]

ρ̂ = ∑ PR |RihR| , (3.45)
R

de modo que a média de O na equação (3.44) pode ser escrita como

hÔi = ∑hS|ρ̂ Ô|Si . (3.46)


S

O operador densidade contém exatamente a mesma informação que a distribuição de probabilidades


PR , e ρ̂ é determinado uma vez que os PR são especificados para um dado conjunto de estados de
base |Ri.
É evidente da derivação acima que a média em ensemble avaliada pela equação (3.46) tem o
mesmo valor para qualquer conjunto completo |Si de estados de base. O resultado pode então ser
escrito na forma geral
 
hÔi = Traço ρ̂ Ô = Tr ρ̂ Ô , (3.47)

onde o traço de um operador é a soma invariante dos elementos da diagonal da matriz para qualquer
conjunto completo de estados. O resultado (3.47) é completamente equivalente à expressão básica
(3.42), mas o uso do operador densidade simplifica as expressões para médias em ensemble e as
manipulações em seus cálculos. Um caso especial da equação (3.47), onde Ô é tomado como o
operador identidade, resulta na condição de normalização

Tr {ρ̂} = 1 . (3.48)

A distribuição de probabilidade PR contém a informação física sobre a excitação do campo


necessária para avaliar as médias em ensemble. Em contraste com a arbitrariedade dos estados |Si
92 Capítulo 3. Foto-deteção

usados para calcular o traço na equação (3.47), é importante escolher cuidadosamente o conjunto
completo de estados base |Ri usados para definir o operador densidade. A escolha deve ser feita de
tal forma a preservar toda a informação sobre o estado do sistema. Assim, devemos notar que os
elementos de matriz do próprio ρ̂ têm diferentes propriedades para conjuntos completos diferentes
de estados. Para o conjunto definidor |Ri usado na construção de ρ̂, apenas os elementos da matriz
na diagonal são diferentes de zero,
hR0 |ρ̂|R00 i = ∑ PR hR0 |RihR|R00 i = PR0 δR0 ,R00 . (3.49)
R

No entanto, um elemento de matriz típico para algum outro conjunto completo de estados |Si é
hS|ρ̂|S0 i = ∑ PR hS|RihR|S0 i , (3.50)
R

e não há vínculos gerais sobre os |Si e |S0 i para os quais o lado direito seja diferente de zero. Para
qualquer estado de mistura estatística do campo de radiação, o conjunto apropriado de estados |Ri
na equação (3.42) é aquele para o qual os PR correspondentes fornecem toda informação sobre o
estado.
Um estado puro é um caso especial de mistura estatística no qual uma das probabilidades PR é
igual à unidade e todos os elementos restantes da distribuição se anulam. O operador densidade da
equação (3.45) é então
ρ̂ = |RihR| , (3.51)
e o campo de radiação está definitivamente em um estado puro específico |Ri. A descrição estatística
se torna redundante, mas o conceito de operador densidade continua válido. A propriedade que
vale apenas para um operador densidade de estado puro é
ρ̂ 2 = ρ̂ , (3.52)
que é facilmente demonstrada a partir da equação (3.51). É muitas vezes conveniente usar o
formalismo de operador densidade em expressões gerais de médias em mecânica quântica, de modo
que os resultados cubram ambos estados puros e misturas estatísticas.
Um exemplo importante de mistura estatística é dado pela excitação térmica de fótons em um
único modo à temperatura T . A partir das equações (3.29) e (3.45), o operador densidade baseado
nos estados de número nesse caso é dado por
 
ρ̂ = ∑ P(n)|nihn| = 1 − e−h̄ω/kB T ∑ e−nh̄ω/kB T |nihn| . (3.53)
n n

Os estados de número são a base correta para o operador densidade neste caso, porque a distribuição
térmica fornece informação apenas sobre as probabilidades de encontrar um sistema em seus vários
auto-estados de energia, que são os mesmos que os estados |ni. O operador densidade da equação
(3.53) tem apenas elementos diagonais da matriz de estados de número.

Problema 3.3 Determine o número médio de fótons termicamente excitados usando a equação
(3.47) na forma

hni = Tr ρ̂ ↠â

(3.54)

e assim mostre que o operador densidade da equação (3.53) pode ser expresso como

hnin
ρ̂ = ∑ |nihn| . (3.55)
n (1 + hni)1+n
3.2 Estados puros e misturas estatísticas 93

O cálculo é uma versão quântica do procedimento clássico visto na última seção. 

Problema 3.4 Mostre que o operador densidade da equação (3.53) para luz térmica mono-modo
pode ser escrito na forma equivalente
  †
ρ̂ = 1 − e−h̄ω/kB T e−h̄ω â â/kB T , (3.56)

onde a exponencial é definida pela sua expansão em série usual. 

Problema 3.5 Prove que o operador densidade de luz térmica mono-modo satisfaz

1
Tr ρ̂ 2 =

. (3.57)
1 + 2hni

Isto é igual à unidade apenas para hni = 0, correspondendo ao estado de vácuo, que é um estado
puro obedecendo às equações (3.48) e (3.52). 

Agora considere a excitação térmica de todos os modos. Os diferentes modos do campo são
independentes e o operador densidade de sua combinação é um produto das contribuições dos
modos individuais. Assim, usando os estados produtos da definição (3.39), o operador densidade é
expresso como

ρ̂ = ∑ P ({nl }) |{nl }i h{nl }| , (3.58)


{nl }

onde a soma corre sobre todos os conjuntos {nl } dos números de fótons nl para todos os modos
l. A distribuição de probabilidade total é obtida multiplicando os fatores semelhantes àquele na
equação (3.55), um para cada modo,

hnl inl
P ({nl }) = ∏ . (3.59)
l (1 + hnl i)1+nl

Os números médios de fótons estão relacionados à frequência ωl do modo e à temperatura por

1
hnl i = (3.60)
eh̄ωl /kB T −1

e, com esta expressão, o operador densidade contém toda informação sobre o estado térmico.
O operador densidade dado pelas equações (3.58) e (3.59), no entanto, não se aplicam apenas
à distribuição térmica de fótons, mas também a uma ampla gama de excitações nas quais as
propriedade estatísticas da luz são apropriadamente aleatórias. Esta forma do operador densidade
se aplica, por exemplo, a todas as variedades de luz caótica. As distribuições espectrais da radiação,
neste caso, diferem daquela do equilíbrio térmico, e os números médios de fótons são determinados
pela natureza da excitação aleatória do campo. Assim, a equação (3.60) não é no geral aplicável.

Problema 3.6 Para o operador densidade das equações (3.58) e (3.59), prove explicitamente a
condição de normalização da equação (3.48) e mostre que o número médio total de fótons é
n o
hni = ∑ Tr ρ̂ â†l âl = ∑hnl i . (3.61)
l l


94 Capítulo 3. Foto-deteção

3.3 O operador intensidade


(baseado na Seção 4.11 do [Lou00])
A teoria semi-clássica da deteção óptica, apresentada na última seção, assume uma taxa de
foto-ionização proporcional à intensidade do feixe luminoso. O foto-tubo mede assim a taxa de
ionizações atômicas, que é por outro lado proporcional à taxa de chegadas de fótons no tubo e,
portanto, à intensidade do feixe. Na presente seção consideramos o processo de ionização em um
pouco mais de detalhes, de modo a entender a natureza da medida de intensidade. A partir daí,
determinamos a forma do operador que representa o observável intensidade de um feixe de luz.
Vamos considerar a taxa com que um átomo em particular no foto-tubo é ionizado por um feixe
de fótons. A teoria do efeito foto-elétrico é similar aos cálculos de taxa de absorção de fótons por
átomos, exceto que o estado atômico final é um em que o elétron é retirado do átomo. Suponha que
o átomo se encontra inicialmente no estado |ai e que a ionização ocorre por absorção de um fóton
no modo l, com número de fótons inicial nl . É conveniente aqui iniciar usando a representação de
Heisenberg, com os operadores de campo dependentes do tempo de forma análoga às variáveis de
campo da teoria clássica. É bom então relembrar que operadores na representação de Heisenberg
Ô(H) (t) são dependentes do tempo e estão relacionados aos respectivos operadores na representação
de Schrödinger Ô(S) por

Ô(H) (t) = Uˆ † (t)Ô(S) Uˆ (t) , (3.62)

com Uˆ (t) o operador de evolução temporal do sistema [Sak94], dependente do tempo e o mesmo
em ambas as representações. Já os estados do sistema na representação de Heisenberg |ψiH
são independentes do tempo e relacionados aos respectivos estados |ψ(t)i na representação de
Schrödinger por

|ψiH = |ψ(t = 0)i . (3.63)

Esta última relação ressalta o principal contraste entre as duas representações, pois na representação
de Schrödinger temos a dependência temporal do estado dada por

|ψ(t)i = Uˆ (t)|ψ(t = 0)i . (3.64)

Essas relações também servem para lembrar que qualquer resultado de medidas físicas independe
da representação usada, pois seus valores esperados em um instante t são dados por

hψ(t)|Ô(S) |ψ(t)i = hψ(t = 0)|Uˆ † (t)Ô(S) Uˆ (t)|ψ(t = 0)i = H hψ|Ô(H) |ψiH . (3.65)

Com isso em mente, o elemento de matriz relevante do potencial de interação de dipolo elétrico
(er · Ê) é obtido por uma adaptação direta do Hamiltoniano (1.109):

h f |V̂I |ii = ehq|r|ai · hnl − 1|Ê+ (r0 ,t)|nl i , (3.66)

onde consideramos o estado inicial |ii = |ai|nl i do sistema átomo-luz e o estado final | f i =
|qi|nl − 1i. q denota o vetor de onda do elétron retirado do átomo ionizado, e já consideramos
apenas a parte de frequência positiva do campo elétrico, responsável pela absorção de fótons
na aproximação de onda girante. Os vetores r e r0 denotam a posição do elétron no átomo e a
posição do centro de massa do átomo, respectivamente. A taxa de transição foto-elétrica é então
calculada por uma integral sobre todos os possíveis vetores de onda q dos elétrons liberados, que
depende, portanto, dos estados tanto do átomo ligado quanto ionizado com um elétron livre. Essa
parte atômica da expressão para a taxa de transição contribui para a eficiência ξ do processo de
foto-deteção, mas não é necessária para a introdução do operador intensidade da luz.
3.3 O operador intensidade 95

Considerando um feixe de luz polarizado de planos paralelos, com todos os modos apontando
na mesma direção k, a parte de frequência positiva do campo pode ser escrita como
Ê+ (r0 ,t) = êÊ + (r0 ,t) , (3.67)
onde ê é o vetor polarização da luz, comum a todos os modos. Nesse caso, ê pode ser incorporado
à parte atômica do elemento de transição, que assume a forma escalar ehq|r · ê|ai. A parte radiativa
do elemento de transição contribui de forma independente da parte atômica e entra na taxa de
transição através do fator
hnl − 1|Ê + (r0 ,t)|nl i 2 = hnl |Ê − (r0 ,t)|nl − 1ihnl − 1|Ê + (r0 ,t)|nl i

= hnl |Ê − (r0 ,t)Ê + (r0 ,t)|nl i , (3.68)


onde o último passo é verificado de forma direta avaliando o lado direito com e sem o operador
|nl − 1ihnl − 1| no meio. O elemento de matriz na equação (3.66) assume um estado de número para
os fótons no modo l, mas os resultados são facilmente generalizados para obter a taxa de transição
foto-elétrica para um feixe incidente que corresponde a uma superposição ou uma mistura estatística
de estados de número. Seja o feixe em seu estado inicial especificado por uma probabilidade P(nl )
associada com o estado |nl i. A expressão para a taxa de transição permanece válida exceto que o
fator do campo eletromagnético na equação (3.68) é generalizado para

∑ P(nl )hnl |Ê − (r0 ,t)Ê + (r0 ,t)|nl i = Tr ρ̂ Ê − (r0 ,t)Ê + (r0 ,t) ,

(3.69)
nl

quando o operador densidade eletromagnético ρ̂ é usado para avaliar as médias em ensemble de


acordo com o procedimento das equações (3.42) a (3.47). Para um feixe incidente multi-modo, o
traço na equação (3.69) é avaliado com um operador densidade multi-modo de forma semelhante
àquele na equação (3.58).
O operador Ê − (r0 ,t)Ê + (r0 ,t) na equação (3.69) representa o observável intensidade do campo
eletromagnético como medida pela corrente que um feixe de radiação induz em um foto-tubo. A
derivação do fator radiativo na taxa de transição é livre de quaisquer pré-suposições sérias sobre a
natureza do feixe luminoso ou seu acoplamento aos átomos, exceto que assumimos a validade da
aproximação de dipolo elétrico. Ela também depende de considerações padrões sobre transição
entre estados, junto com o uso da aproximação de onda girante restringindo o processo de interação
àquele que gera uma absorção do fóton pelo meio. O fator radiativo não é modificado por uma
modelagem mais detalhada da construção do foto-tubo ou da dinâmica da excitação da foto-corrente.
Análises de outros tipos de dispositivos medidores de intensidade levam à mesma conclusão de que
suas respostas são proporcionais ao valor esperado da equação (3.69).
A intensidade de um feixe luminoso na teoria eletromagnética clássica é determinada pelo vetor
de Poynting [Hal11b], cuja forma é dada na equação (2.72). O operador intensidade correspondente
em mecânica quântica é definido como
Î(r0 ,t) = ε0 c2 Ê− (r0 ,t) × B̂+ (r0 ,t) − B̂− (r0 ,t) × Ê+ (r0 ,t) ,

(3.70)
onde o segundo termo à direita, incluindo o sinal menos, é o Hermitiano conjugado do primeiro
termo, e os operadores de campo elétrico e magnético são definidos pelas equações (1.75) após
passagem para a representação de Heisenberg. A passagem para a representação de Heisenberg
é feita considerando o Hamiltoniano do campo livre, como na equação (1.124), já que este é
o campo viajando pelo espaço livre até atingir o detector no instante t. Medidas foto-elétricas
da intensidade são usualmente feitas sobre feixes de luz que são, pelo menos aproximadamente,
paralelos. Vamos assim assumir que, para feixes de luz descritos por excitações multi-modo do
campo eletromagnético, todos os vetores de onda k envolvidos apontam para uma direção em
comum.
96 Capítulo 3. Foto-deteção

Problema 3.7 Prove que, para um feixe de luz paralelo polarizado, o operador intensidade
definido pela equação (3.70) é equivalente a um operador de magnitude

ˆ 0 ,t) = 2ε0 cÊ − (r0 ,t)Ê + (r0 ,t)


I(r (3.71)

orientado paralelo ao feixe. Os operadores de campo elétrico são dados pelas equações (1.75),
passando para a representação de Heisenberg, com uma única polarização e com o somatório
em k restrito a vetores de onda paralelos. 

A definição do operador intensidade adotada na equação (3.70) concorda assim com a forma da
intensidade derivada na equação (3.69) considerando o efeito foto-elétrico.
O valor esperado do operador intensidade simplifica para luz incidente cujo operador densidade
não tem elementos fora da diagonal na matriz de estados de número, como por exemplo para a luz
caótica descrita pelas equações (3.58) e (3.59). A intensidade para uma dada polarização obtida
com uso da equação (3.71) é independente de posição e tempo neste caso, com o valor

ˆ = c
hIi ∑ h̄ωk hnk i , (3.72)
V k

onde o somatório do lado direito fornece a energia de excitação do campo eletromagnético acima
do ponto zero.

Problema 3.8 Demonstre a equação (3.72). 

A natureza do processo de medição de intensidade, que se baseia na absorção da luz, ou


destruição de fótons, leva às definições (3.70) e (3.71) do operador intensidade. Os operadores de
destruição ficam à direita dos operadores de criação nessas expressões, que são ditas ordenadas
normalmente. O valor esperado do produto de operadores Ê − Ê + é proporcional, como na equação
(3.72), à média do número de fótons nos modos ou à energia dos modos excitados. A resposta
do detetor não é proporcional ao valor esperado de Ê Ê, usado na derivação do Hamiltoniano do
campo livre que inclui uma contribuição de ponto zero de todos os modos l da radiação, contenham
eles fótons ou não para o feixe luminoso considerado. Confirmamos então que a energia de ponto
zero não contribui para a intensidade observada da radiação, que é determinada apenas pela energia
dos modos excitados.
Finalmente, um último ponto a considerar é que comumente se afirma que o efeito foto-elétrico
é prova da quantização do campo luminoso. Na verdade, ele é apenas uma boa indicação, sendo
prova de que algo no sistema tem seus níveis de energia quantizados. Na prática, uma teoria
semi-clássica, considerando o meio atômico quantizado e o campo eletromagnético como sendo
clássico, é suficiente para explicar as observações experimentais do efeito foto-elétrico.

3.4 Graus de coerência de primeira e segunda ordem quânticos


(baseado na Seção 4.12 do [Lou00])
As medidas nos interferômetros de Mach-Zehnder e Hanbury Brown-Twiss envolvem inten-
sidade ópticas, e as principais mudanças introduzidas pela teoria quântica resultam da forma do
operador intensidade da mecânica quântica dado pela equação (3.70), ou mais simplesmente pela
equação (3.71). Nessa seção, traçaremos as formas pelas quais as teorias quânticas de interferência
levam a versões quânticas dos graus de coerência clássicos. Assumiremos em toda discussão que
segue que as medidas detectam uma única polarização linear, de modo que os campos podem ser
escritos como operadores escalares.
A teoria quântica do interferômetro de Mach-Zehnder segue de forma paralela à teoria clássica
do capítulo anterior. A principal mudança é a troca das variáveis clássicas do campo elétrico
3.4 Graus de coerência de primeira e segunda ordem quânticos 97

pelos operadores quantizados do campo elétrico na representação de Heisenberg, que precisam ser
colocados em ordem normal Ê − Ê + nas expressões para as medidas de intensidade. Para entender
porque usar sempre o ordenamento normal, lembre que o operador intensidade vem da absorção da
luz pelo meio atômico e o ordenamento normal implica na atuação dos operadores de destruição
sobre o estado (ket) seguindo uma certa ordem temporal, com a respectiva atuação dos operadores
de criação sobre o Hermiteano conjugado do estado (bra) seguindo a mesma ordem temporal. A
versão quântica da equação (2.92) é então
1
Iˆ4 (t) = ε0 c|rd |2 |td |2 Ê − (t1 )Ê + (t1 ) + Ê − (t2 )Ê + (t2 ) + 2Re Ê− (t1 )Ê+ (t2 ) . (3.73)





2
Os h· · · i agora representam valores esperados da mecânica quântica calculados de acordo com a
equação (3.47), por exemplo


Ê (t1 )Ê + (t2 ) = Tr ρ̂ Ê − (t1 )Ê + (t2 ) ,

(3.74)

onde ρ̂ é o operador densidade do feixe luminoso.


Considerações semelhantes às feitas no capítulo anterior levam então a uma definição do grau
de coerência de primeira ordem quântico, análoga à definição clássica na equação (2.133), como


Ê (r1 ,t1 )Ê + (r2 ,t2 )

(1)
g (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) = 

1/2 . (3.75)
Ê − (r1 ,t1 )Ê + (r1 ,t1 ) Ê − (r2 ,t2 )Ê + (r2 ,t2 )

Esta quantidade mantém seu significado físico como medida da habilidade da luz nos pontos (r1 ,t1 )
e (r2 ,t2 ) do espaço-tempo de formar franjas de interferência quando superpostas. Para os feixes de
luz de planos paralelos assumidos na seção anterior, esta definição tridimensional geral se reduz a
um análogo quântico da equação (2.115) como


Ê (z1 ,t1 )Ê + (z2 ,t2 )

(1)
g (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) = 

1/2 . (3.76)
Ê − (z1 ,t1 )Ê + (z1 ,t1 ) Ê − (z2 ,t2 )Ê + (z2 ,t2 )

Para feixes de luz que são também estacionários, o grau de coerência de primeira ordem assume a
forma mais simples


Ê (t)Ê + (t + τ)

(1)
g (τ) =
− , (3.77)
Ê (t)Ê + (t)

onde τ é definido na equação (2.119). As designações dos tipos de luz dadas nas equações (2.116) a
(2.118) continuam valendo para a definição quântica do grau de coerência de primeira ordem. Esta
definição permite que a intensidade de saída do Mach-Zehnder da equação (3.73) seja colocada em
uma forma mais compacta, semelhante à equação (2.96)

n o
Iˆ4 (t) = 2|rd |2 |td |2 I(t)
ˆ 1 + Reg(1) (τ) ,


(3.78)

onde τ é definido com t1 = t2 como na equação (2.98).


A teoria quântica do interferômetro de Hanbury Brown-Twiss segue paralelamente a teoria
clássica do último capítulo de forma semelhante. O experimento mede a correlação de intensidades
da luz em dois pontos do espaço-tempo. Com as intensidades determinadas por dois foto-detetores,
a correlação é proporcional à taxa de transição para uma absorção conjunta de fótons nos dois
pontos. Como comentamos, uma extensão simples da teoria foto-elétrica introduzida acima mostra
que a amplitude de transição é proporcional a um elemento de matriz de Ê + (r2 ,t2 )Ê + (r1 ,t1 ), e a
98 Capítulo 3. Foto-deteção

taxa de transição envolve o quadrado do elemento de matriz, analogamente à equação (3.68). Essas
considerações levam à definição do grau de coerência de segunda ordem quântico como


Ê (r1 ,t1 )Ê − (r2 ,t2 )Ê + (r2 ,t2 )Ê + (r1 ,t1 )

(2)
g (r1 ,t1 ; r2 ,t2 ) =

, (3.79)
Ê (r1 ,t1 )Ê + (r1 ,t1 ) Ê − (r2 ,t2 )Ê + (r2 ,t2 )

onde as médias em ensemble h· · · i são novamente avaliadas com uso do operador densidade
semelhantemente à equação (3.74). O significado físico da coerência quântica é a mesma da sua
contra-parte clássica, e particularmente a condição para coerência de segunda ordem em dois pontos
do espaço-tempo é a mesma da equação (2.172).
A definição tridimensional geral simplifica para um feixe de luz de planos paralelos pela troca
de r por z, resultando em


Ê (z1 ,t1 )Ê − (z2 ,t2 )Ê + (z2 ,t2 )Ê + (z1 ,t1 )

(2)
g (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) =

, (3.80)
Ê (z1 ,t1 )Ê + (z1 ,t1 ) Ê − (z2 ,t2 )Ê + (z2 ,t2 )

e esta forma do grau de coerência de segunda ordem é usada para a maioria das aplicações subse-
quentes da teoria. As coordenadas de espaço-tempo entram na coerência apenas na combinação de
τ definida na equação (2.119). Se o feixe de luz é também estacionário, o grau de coerência de
segunda ordem pode ser escrito como


Ê (t)Ê − (t + τ)Ê + (t + τ)Ê + (t)

(2)
g (τ) =
2 , (3.81)
Ê − (t)Ê + (t)

analogamente à expressão clássica na equação (2.149). As expressões acima para o grau de


coerência de segunda ordem incluem os operadores de campo de um único feixe de luz.
As quantidades nos numeradores das equações (3.79) a (3.81) são valores esperados de produtos
de operadores com seus Hermiteanos conjugados. Eles devem ser positivos e segue que

0 ≤ g(2) (τ) ≤ ∞ , (3.82)

similar ao intervalo clássico da equação (2.157). No entanto, não é possível provar que o grau de
coerência de segunda ordem quântico satisfaz às desigualdades clássicas (2.156) e (2.160). Note
que supomos que a intensidade da luz correspondia a um número real bem definido para obter
essas desigualdades, enquanto que a imagem quântica para a quantidade física sendo medida é
mais complexa. As diferenças resultantes entre as teorias quânticas e clássicas serão exploradas
nos próximos capítulos.
4. Óptica quântica mono-modo

Este capítulo será baseado fortemente na Referência [Lou00].

A teoria do campo eletromagnético quantizado desenvolvida até aqui simplifica consideravel-


mente para aplicações em muitos dos experimentos chaves da óptica quântica. Muitos experimentos
usam feixes de luz de planos paralelos cujos perfis transversais de intensidade não são importantes
para as quantidades medidas. Novamente, é geralmente suficiente para interpretar os dados se
considerarmos os feixes de luz como excitando um único modo do campo. Mais recentemente, essa
imagem física tem sido reforçada pelo uso sistemático de fibra ópticas mono-modos nos sistemas
de deteção, que filtram os modos espaciais da luz e garantem acoplamentos espaciais excelentes em
divisores de feixe em fibra também mono-modos. O presente capítulo começa com a especialização
da quantização para excitações mono-modo. A teoria quântica é ilustrada através de sua aplicação a
diversos tipos de estados mono-modo, e as características principais dos estados de número, estados
coerentes, misturas estatísticas caóticas e estados comprimidos são derivadas.
O divisor de feixes óptico é um importante componente nos interferômetros de Mach-Zehnder
e Hanbury Brown-Twiss, como discutido anteriormente no contexto da teoria clássica. As teorias
quânticas correspondentes desses experimentos requerem uma formulação quântica da teoria do
divisor de feixes e esta é derivada no presente capítulo. É encontrado que as predições da teoria
quântica são algumas vezes as mesmas, mas algumas vezes diferem daquelas da teoria clássica.
O uso de divisores de feixes é crucial em muitos dos experimentos que demonstram a natureza
quântica específica da luz. A teoria quântica do divisor de feixe é usada para re-derivar as franjas de
interferência do Mach-Zehnder e as correlações do Hanbury Brown-Twiss. É conveniente expressar
os resultados desses experimentos em termos do graus de coerência quânticos definidos no último
capítulo.
Um traço marcante da teoria da luz é a grande concordância entre as predições clássicas e
quânticas, apesar das diferenças fundamentais nas duas abordagens. Assim, acontece das teorias
quântica e clássica preverem efeitos de interferência e graus de coerência associados idênticos para
experimentos que usam luz mono-modo caótica ou coerente, ou luz mono-modo com propriedades
de coerência intermediárias. Nesses exemplos, a teoria quântica fornece diferentes descrições
conceituais dos experimentos, mas o campo eletromagnético quantizado tem pouco impacto nos
100 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

fenômenos observados.
Experimentos que mostram fenômenos discrepantes com as predições da teoria clássica, envol-
vendo feixes mono-modos, geralmente dependem do uso de luz não-clássica cujas flutuações e
propriedades de coerência não podem ser descritas em termos clássicos. Os resultados de muitos
desses experimentos podem ser expressos em termos de componentes do grau de coerência de
segunda ordem, que assume um papel crucial na distinção entre feixes de luz que podem ou não
ser descritos por modelos clássicos. Daqui em diante focaremos nossa atenção em fontes de luz
não-clássicas e nos resultados da teoria quântica que diferem das previsões da teoria clássica.

4.1 Operadores de campo mono-modos


(baseado na Seção 5.1 do [Lou00])
Assumiremos que o campo eletromagnético excita um único modo l de onda viajante. As
formas dos operadores de campo elétrico e magnético para um dado modo na representação de
interação, ou na representação de Heisenberg com o campo livre, são obtidas a partir dos operadores
das equações (1.75) na representação de Schrödinger. Prestamos particular atenção ao operador
campo elétrico por conta de seu papel importante na interação de dipolo elétrico e nas definições
dos graus de coerência. A direção de propagação é tomada como sendo o eixo z e, com a remoção
do rótulo l do modo, o operador campo elétrico escalar para a direção considerada da polarização
linear é escrito como

Ê(χ) = Ê + (χ) + Ê − (χ) = E (1) âe−iχ + ↠eiχ ,



(4.1)

onde as partes de frequência positiva e negativa do operador de campo correspondem, respectiva-


mente, aos dois termos no lado direito. A dependência explícita em z e t está embutida no ângulo
de fase χ definido como
π
χ = ωt − kz − , (4.2)
2
onde k = ω/c no espaço livre. Definindo os operadores de quadratura

X̂ = E (1) (↠+ â) , (4.3a)


(1) †
Ŷ = iE (â − â) , (4.3b)

o operador campo elétrico pode ainda ser escrito como

Ê(χ) = E (1) âe−iχ + E (1) ↠eiχ = X̂cosχ + Ŷsenχ . (4.4)


p
Note p que, em termos das quantidades definidas no capítulo 1, temos X̂ = (E (1) 2/h̄)Q̂ e Ŷ =
(E (1) 2/h̄)P̂. As novas quantidades obedecem então às relações de comutação
h i2
X̂, Ŷ = i2 E (1) ,
 
(4.5a)
   
X̂, X̂ = Ŷ , Ŷ = 0 . (4.5b)

4.1.1 Relações de incerteza


Mostraremos no próximo capítulo que o operador campo elétrico da equação (4.4) representa uma
quantidade relacionada ao sinal do campo medido na deteção homodina, onde o ângulo de fase
χ é determinado pela fase do oscilador local. Ele tem a propriedade de que campos medidos em
4.1 Operadores de campo mono-modos 101

ângulos de fase χ diferentes não comutam no geral. Assim, usando quaisquer uma das formas do
operador de campo da equação (4.4) e as relações de comutação (1.69) ou (4.5), é fácil mostrar que
h i2
Ê(χ1 ), Ê(χ2 ) = −2i E (1) sen(χ1 − χ2 ) ,
 
(4.6)

onde os diferentes ângulos de fase podem resultar de diferentes tempos ou posições de medida, ou
de diferentes ângulos de fase do oscilador local na deteção homodina. Note que os operadores de
campo completos em tempos iguais continuam comutando, e a falta de comutação mostrada na
equação (4.6) se aplica apenas a medidas do campo elétrico que são sensíveis a um único modo de
onda viajante. A relação de incerteza que resulta da equação (4.6) pode ser obtida do resultado geral
válido para dois operadores  e B̂ quaisquer em mecânica quântica relacionados, respectivamente,
aos observáveis A e B [Sak94]:
1  
∆A ∆B ≥ Â, B̂ , (4.7)
2
onde
q
ˆ 2i
∆A = h(∆A) (4.8)

e o valor esperado do quadrato do operador


ˆ = Â − hÂi
∆A (4.9)

dá a variância (ou dispersão ou desvio quadrático médio) das medidas de A, com relações análogas
para o observável B. A partir dessas definições, temos ainda a expressão útil

ˆ 2 i = hÂ2 i − hÂi2 .
h∆A (4.10)

Segue então da equação (4.6) que


h i2
∆E(χ1 ) ∆E(χ2 ) ≥ E (1) |sen(χ1 − χ2 )| , (4.11)

onde a variância do campo elétrico é definida, a partir das equações (4.8) e (4.10), como
D 2 E
2
(∆E(χ))2 = Ê(χ) − Ê(χ) . (4.12)

Segue da equação (4.11) que medidas dos valores dos campos em ângulos de fase χ que diferem
por múltiplos inteiros de π podem em princípio ser feitas precisamente, mas que medidas para
outros pares de ângulos de fase devem sofrer de incertezas intrínsecas da mecânica quântica. O
tamanho da incerteza ∆E depende da natureza do campo de excitação. A média e a variância do
campo para o estado de vácuo |0i são facilmente calculadas como

hÊ(χ)i = 0 (4.13)

e
h i2
(∆E(χ))2 = E (1) . (4.14)

Cálculos para outros tipos específicos de feixes luminosos são apresentados nas seções subsequen-
tes.
A incerteza no campo elétrico é independente do ângulo de fase de medida χ para o estado
de vácuo e para muitos tipos importantes de campos de excitação, como por exemplo o estado de
102 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

número mono-modo e o estado coerente mono-modo. Nesses exemplos, a equação (4.11) deve ser
satisfeita com o valor máximo no lado direito, de modo que
h i2
(∆E(χ))2 ≥ E (1) (4.15)

para excitações com incerteza independente da fase. No entanto, existem outros tipos de luz para as
quais a incerteza ∆E(χ) varia muito fortemente com χ, por exemplo a luz comprimida considerada
mais à frente. Em tais exemplos, a relação de incerteza (4.11) permite ∆E ser menor que E (1) em
alguns ângulos de fase χ1 dado que ∆E seja maior que E (1) em outros ângulos χ2 .
O sinal coerente S carregado por um feixe de luz pode ser definido como o valor esperado do
operador de campo na equação (4.4),

S = hÊ(χ)i . (4.16)

É claro a partir da forma do operador de campo em termos de operadores de destruição e criação


que sinais coerentes diferentes de zero apenas ocorrem para estados que contenham superposições
de estados de número de fótons com valores de n diferindo por uma unidade. A incerteza do campo,
controlada pela relação (4.11), representa ruído sobre o sinal óptico. A magnitude N do ruído é
convencionalmente definida por

N = (∆E(χ))2 , (4.17)

e a razão sinal ruído (SNR, do inglês signal to noise ratio) é definida como

S2 hÊ(χ)i2
SNR = = . (4.18)
N (∆E(χ))2
Esta razão é relacionada proximamente à razão sinal-ruído para a foto-corrente na deteção homodina,
tratada mais à frente. Ela fornece uma medida da capacidade de carregar informação, para esta forma
de deteção. A razão sinal-ruído é avaliada para o conjunto de campos de excitação considerados
nas próximas seções.

4.1.2 Graus de coerência


A definição do grau quântico de coerência de primeira ordem simplifica consideravelmente para o
feixe de luz mono-modo assumido no presente capítulo. Assim, com a inserção das formas das
partes de frequência positiva e negativa dos operadores de campo da equação (4.4), o grau de
coerência de primeira ordem da equação (3.76) é reduzido a

g(1) (z1 ,t1 ; z2 ,t2 ) = g(1) (τ) = g(1) (χ1 ; χ2 ) = exp{i(χ1 − χ2 )} , (4.19)

onde τ = χ2 − χ1 em acordo com as equações (2.119) e (4.2). Note que a normalização dos
operadores de campo não afeta o valor do grau de coerência de primeira ordem. De acordo com a
equação (2.116), segue que qualquer feixe luminoso mono-modo de planos paralelos é coerente em
primeira ordem para todos os pares de pontos do espaço-tempo.
A definição de grau de coerência de segunda-ordem também simplifica para luz mono-modo,
onde a notação dos ângulos de fase da equação (4.2) e os operadores de campo da equação (4.4)
convertem o grau de coerência de segunda ordem na equação (3.80) para a forma

h↠↠ââi


g(2) (τ) = g(2) (χ1 ; χ2 ) = . (4.20)
h↠âi2
Esta expressão é independente de posição e tempo, mas, diferentemente do grau de coerência de
primeira ordem na equação (4.19), ela depende sim da natureza do feixe luminoso. Usando as
4.2 Estados de número 103

propriedades usuais do operadores de criação e destruição, o grau de coerência é expresso em


termos da média e da média-quadrática do número de fótons como

hn(n − 1)i hn2 i − hni (∆n)2 − hni


g(2) (τ) = 2
= 2
= 1+ . (4.21)
hni hni hni2
A variância em número de fótons deve ser uma quantidade não-negativa,

0 ≤ (∆n)2 ≡ hn2 i − hni2 . (4.22)

Segue que o grau de coerência de segunda ordem para qualquer campo de excitação mono-modo
deve satisfazer à inequação
1
1− ≤ g(2) (τ) para hni ≥ 1 , (4.23)
hni
e o limite inferior é zero para hni < 1. O limite inferior na equação (4.23) é consistente com o valor
zero derivado de forma mais geral na equação (3.82), mas ele fornece um intervalo mais restrito de
valores que dependem da excitação média em número de fótons.
O grau de coerência de segunda ordem é avaliado nas seções subsequentes para uma variedade
de estados e os resultados são todos independentes de τ para as excitações mono-modo consideradas
no presente capítulo. Graus de coerência de segunda ordem dependentes de tempo e espaço ocorrem
para feixes de luz que excitam dois ou mais modos, o que será tratado no próximo capítulo.

4.2 Estados de número


(baseado na Seção 5.2 do [Lou00])
Os estados de número de fótons são fáceis de entender e são os estados básicos da teoria
quântica da luz. Eles formam um conjunto completo para os estados de um único modo e são fáceis
de manipular em cálculos de suas propriedades óptico-quânticas. Eles são, no entanto, mais difíceis
de gerar experimentalmente e é necessário tratar excitações mais complicadas para interpretações
realistas da maioria dos experimentos em óptica quântica. Mesmo assim, os estados de número de
fótons constituem o ponto de partida natural para um tratamento da luz mono-modo.
Várias propriedades dos estados de número mono-modos |ni são obtidas de forma direta. A
propriedade de auto-valor do operador número, por exemplo, implica que não há incerteza no
número de fótons, cuja variância então se anula,

(∆n)2 = 0 . (4.24)

De uma forma geral, o valor esperado de uma potência arbitrária do número de fótons é simples-
mente

hnr i = nr . (4.25)

O grau de coerência de segunda ordem para o estado de número |ni segue assim trivialmente da
equação (4.21) como
1
g(2) (τ) = 1 − para n ≥ 1 , (4.26)
n
e tem o valor mínimo permitido pela desigualdade (4.23). A desigualdade clássica da equação
(2.155) para τ = 0 é violada. O grau de coerência de segunda ordem para o estado de número
de vácuo |0i não é determinada pelas expressões na equação (4.21), já que ambos numerador e
denominador se anulam.
104 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

A relação para os auto-valores de energia pode ser escrita em diferentes formas a partir de
várias relações deduzidas até aqui:
   
† 1 h̄ω 2 2
 1
Ĥ|ni = h̄ω â â + |ni =  2 X̂ + Ŷ |ni = h̄ω n + |ni , (4.27)
2 4 E (1) 2

onde usamos as definições (4.3) para os operadores de quadratura. O estado de número então tem a
seguinte propriedade de auto-valor do operador quadratura:
 
1 2 2
 1
2 X̂ + Ŷ |ni = n + |ni . (4.28)
4 E (1) 2


Os valores esperados dos operadores de quadratura são


hn|X̂|ni = hn|Ŷ |ni = 0 , (4.29)
de onde segue que
h i2  1

(∆X) = (∆Y ) = 2 E
2 2 (1)
n+ . (4.30)
2
Os estados de número têm assim propriedades idênticas para os operadores de quadratura X̂ e Ŷ . A
partir das equações (4.5a) e (4.7), note que
h i2
∆X∆Y ≥ E (1) . (4.31)

As variâncias dos operadores de quadratura têm os menores valores permitidos pela equação (4.31)
apenas para o estado de vácuo com n = 0. Assim, o estado |0i é um exemplo de um estado
de mínima incerteza na quadratura. A figura (4.1) mostra uma representação qualitativa das
propriedades das quadraturas do estado de número das equações (4.28) a (4.30). O círculo mostra o
autovalor dado na equação (4.28). Um ponto crucial para a discussão que segue é a independência do
estado de número com relação ao ângulo de fase χ, representada pela independência da magnitude
das quadraturas com χ.

Figura 4.1: Representação dos valores esperados do operador de quadratura para o


estado de número de fótons. Os eixos X e Y estão em unidades de 2E (1) .

Os valores esperados do operador campo elétrico na equação (4.4) são também facilmente
determinados. O sinal coerente ou o campo médio se anulam, em acordo com a equação (4.29),
S = hn|Ê(χ)|ni = 0 . (4.32)
4.2 Estados de número 105

A variância do campo, ou ruído, é


2 h i2  1

N = (∆E(χ)) = hn| Ê(χ) |ni = 2 E
2 (1)
n+ . (4.33)
2

A variância independente da fase satisfaz a relação de incerteza (4.15), e a razão sinal-ruído definida
na equação (4.18) se anula. A variância do campo tem o valor mínimo da equação (4.14) para o
estado de vácuo, mas o ruído é maior que o mínimo para os outros estados de número.
A figura (4.2) mostra uma representação pictórica das propriedades do campo do estado de
número mono-modo. O eixo vertical representa o campo elétrico em algum ponto fixo como função
do tempo. O campo oscila como uma onda senoidal de frequência conhecida ω. A equação (4.33)
mostra que a amplitude da onda é

1 1/2
 
(1)
E0 = 2E n+ . (4.34)
2

No entanto, a posição da onda ao longo do eixo horizontal é indeterminada devido à completa


incerteza no ângulo de fase. Isto é indicado na figura pela inclusão de várias ondas, todas de
mesma amplitude e frequência, mas com seus nóis progressivamente deslocados ao longo do eixo.
De forma mais acurada, as posições horizontais das ondas formam um contínuo, e o campo em
qualquer tempo pode assumir valores continuamente no intervalo entre −E0 e E0 .

Figura 4.2: Representação pictórica da variação do campo elétrico mono-modo exci-


tado a um estado de número. As ondas senoidais deveriam, de forma mais acurada,
formar um contínuo horizontal. A amplitude é definida na equação (4.34).

Representações pictóricas de estados da mecânica quântica devem ser tratadas geralmente com
cuidado. Assim, a figura (4.34) reproduz os valores esperados dados nas equações (4.32) e (4.33),
mas os cortes em cima e em baixo das distribuições de campo são plotados com definição exagerada.
A figura fornece uma representação mais acurada apenas no limite n >> 1.
4
Problema 4.1 Calcule o valor esperado hn| Ê(χ) |ni e mostre que ele excede a média
4
correspondente para as ondas senoidais da figura (4.2) por uma quantidade de 3 E (1) /2.

106 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Como essa diferença é independente de n, a importância da discrepância diminui para n grande.




A variação do campo do estado de número mono-modo mostrada mostrada na figura (4.2) faz
um claro contraste com aquela da onda clássica de amplitude e fase estáveis, definida pela equação
(2.123) e ilustrada na figura (2.14). Assim, enquanto o estado de número tem uma amplitude E0
(dada pela equação 4.34) até bem definida, ele não mostra nenhum vestígio do ângulo de fase φ
da forma de onda clássica. Outros tipos de excitação do campo quântico, por exemplo o estado
coerente da próxima seção, têm amplitudes que são menos definidas, mas ângulos de fase que são
melhor definidos que aqueles do estado de número.
A simplicidade teórica dos estados de número contrasta com as dificuldades de produzi-los no
laboratório ao longo do tempo. Os primeiros estados desse tipo foram obtidos a partir de medidas
projetivas sobre estados de dois fótons gerados por decaimentos em cascatas de estados atômicos em
células de vapor, ou pelo processo de conversão paramétrica descendente em cristais. Esses sistemas
dominaram a área de geração de estados de número, mas especificamente fótons individuais, entre
o final da década de 70 e início da década de 90. Ao longo desse período, foi-se aprimorando o
aprisionamento e controle de átomos individuais, em armadilhas de íons ou acoplados a cavidades
ressonantes. Esses sistemas geram fótons individuais por conta do próprio emissor ser individual.
Essas fontes luminosas se desenvolveram entre a década de 80 e a primeira década do século XXI.
Nos últimos 10 anos, no entanto, a geração de fótons individuais têm se aprimorado em torno de
emissores individuais de estado sólido acoplados a micro-cavidades, como nos casos de pontos
quânticos e vacâncias em diamante. As primeiras fontes comerciais de fótons individuais, baseadas
nesses últimos sistemas, foram desenvolvidas apenas nos últimos anos. Foram necessárias então
décadas de trabalho experimental para atingir a situação atual, de relativa simplicidade na geração
de estados de número. Ao longo desse período, foi necessário também um grande amadurecimento
conceitual, com a consolidação de abordagens teóricas de primeiros princípios para processos
quânticos e sistemas individuais.

4.3 Estado coerente


(baseado na Seção 5.3 do [Lou00])
Os estados mono-modos mais comuns de encontrar correspondem não a estados de número
individuais, mas a superposições lineares dos estados |ni. Naturalmente, existe uma grande
variedade de possíveis estados de superposição, mas um tipo, o estado coerente, é de particular
importância nas aplicações práticas da teoria quântica da luz. Os estados coerente, chamados assim
por razões que logo ficarão claras, são denotados por |αi. A variação de seus campos elétricos se
aproxima da onda clássica com amplitude estável e fase fixa, mostrada na figura (2.14), no limite de
excitação forte. Eles são importantes, não apenas porque são um dos estados da mecânica quântica
cujas propriedades mais proximamente lembram aquelas de uma onda eletromagnética clássica,
mas também porque um laser mono-modo operando bem acima do limiar gera uma excitação de
estado coerente.
Considere as propriedade do estado |αi definido como a seguinte superposição linear dos
estados de número

2 /2

αn
|αi = e−|α| √
∑ |ni . (4.35)
n=0 n!

Nesta expressão, α é qualquer número complexo, e o estado coerente assim definido forma um
duplo contínuo correspondendo aos intervalos contínuos de valores das partes real e imaginária de
4.3 Estado coerente 107

α. É facilmente verificável que o estado |αi é normalizado,


2 (α ∗ )n α n
hα|αi = e−|α| ∑ = 1. (4.36)
n n!

Estados coerentes diferentes, no entanto, não são ortogonais, pois, para dois números complexos α
e β diferentes,

(α ∗ )n β n |α|2 |β |2
 
−(|α|2 +|β |2 )/2 ∗
hα|β i = e ∑ n! = exp − 2 − 2 + α β . (4.37)
n

Assim
2
|hα|β i|2 = e−|α−β | . (4.38)

Aparentemente, da definição (4.35), existem muito mais estados coerentes α que estados de número
|ni. Os |αi formam um conjunto de estados sobre-completos para o oscilador harmônico, e a falta
de ortogonalidade deles é uma consequência disso. Note, no entanto, da equação (4.38) que os
estados |αi e |β i se tornam aproximadamente ortogonais se |α − β | é muito maior que a unidade.
Os estados coerentes são auto-estados pela direita do operador destruição, como segue de
2 /2 αn √
â|αi = e−|α| √
∑ n! n|n − 1i = α|αi . (4.39)
n

O número complexo α que rotula o estado coerente é então o auto-valor do operador destruição.
Note, no entanto, que o estado |αi não é um auto-estado pela direita do operador criação, pois
nesse caso a soma análoga àquela da equação (4.39) não pode ser rearranjada para reproduzir o
estado coerente a partir de ↠|αi. Naturalmente, o operador criação satisfaz à relação conjugada à
equação (4.39) pela esquerda,

hα|↠= hα|α ∗ . (4.40)

As relações simples de auto-valores nas equações (4.39) e (4.40) são muito úteis no cálculo de valo-
res esperados do estado coerente para produtos de operadores de criação e destruição.

Problema 4.2 Um abordagem alternativa para o estado coerente é tomar a equação de auto-
valor (4.39) como sua definição. Mostre que a expansão (4.35) do estado coerente em estados
de número pode ser derivada desse ponto de partida alternativo. Prove ainda que o operador de
criação ↠não tem auto-estado pela direita. 

A relação (1.81) é usada para re-escrever a definição (4.35) do estado coerente como
n
α ↠|α|2
 
−|α|2 /2 †
|αi = e ∑ n! |0i = exp α â − 2 |0i . (4.41)
n

Problema 4.3 Demonstre a relação


 
ˆ ˆ 1  ˆ
exp(ĉ) exp(d) = exp ĉ + d + ĉ, d (4.42)
2

para qualquer par de operadores ĉ e dˆ que comutam com o comutador deles, isto é

ˆ ĉ, dˆ = 0 .
ĉ, ĉ, dˆ = d,
     
(4.43)
108 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Problema 4.4 Use a relação (4.42) para colocar a equação (4.41) na forma

|αi = exp α ↠− α ∗ â |0i .



(4.44)

Este resultado é geralmente escrito de forma compacta como

|αi = D̂(α)|0i , (4.45)

onde o operador deslocamento de estado coerente, definido como

D̂(α) = exp α ↠− α ∗ â ,



(4.46)

é equivalente ao operador criação para o estado completo, análogo a um operador de criação de


estado número
n
â†
N̂(n) = √ (4.47)
n!

para gerar o estado |ni a partir do vácuo

|ni = N̂(n)|0i , (4.48)

como na equação (1.81). Temos então que o operador deslocamento satisfaz às condições

D̂† (α)D̂(α) = D̂(α)D̂† (α) = 1 (4.49)

para um operador unitário.


Problema 4.5 Prove as relações de comutação
h 2 i
â, ↠= 2↠e â2 , ↠= 2â
 
(4.50)

e no geral, quando n é um inteiro positivo,


h n i n−1
â, ↠= n ↠e ân , ↠= nân−1 .
 
(4.51)

Assim, mostre que

â, exp β ↠= β exp β ↠.


  
(4.52)

O efeito do operador de deslocamento sobre o operador de destruição é obtido, a partir da equação


(4.52), na forma de um deslocamento por uma quantidade α,

D̂† (α)âD̂(α) = â + α , (4.53)

com a relação Hermiteana conjugada

D̂† (α)↠D̂(α) = ↠+ α ∗ . (4.54)


4.3 Estado coerente 109

Os valores esperados do estado coerente para o operador número são obtidos de forma direta
com uso das propriedades (4.39) e (4.40) para auto-valores à esquerda e à direita,

hni = hα|n̂|αi = |α|2 . (4.55)

Para o segundo momento, é conveniente reordenar os operadores de criação e destruição com o uso
da relação de comutação entre â e ↠,

n̂2 = ↠â↠â = ↠(↠â + 1)â = ↠↠ââ + ↠â =: ↠â↠â : +↠â =: n̂2 : +↠â . (4.56)

Os termos com os operadores de destruição à direita dos operadores de criação são ordenados
normalmente e a notação :: no lado direito da equação acima significa "coloque os operadores entre
os dois pontos em ordem normal". É fácil avaliar os valores esperados de operadores ordenados
normalmente para o estado coerente, usando as propriedades de auto-valor, Assim,

2
n = hα|n̂2 |αi = |α|4 + |α|2 = hni2 + hni , (4.57)

e a variância em número de fótons é

(∆n)2 = |α|2 = hni . (4.58)

A incerteza fracionária no número de fótons no estado coerente é


∆n 1 1
= =p , (4.59)
hni |α| hni

e esta decresce com o aumento dos valores da amplitude |α| do estado coerente.
Esta variância em número de fótons da luz coerente pode ser comparada com a variância
clássica da intensidade da onda estável, que é mostrada ser nula na equação (2.148). O lado direito
não nulo da equação (4.58) é uma consequência dos aspectos tipo-partícula da luz na teoria quântica.
A equação (4.59) mostra que a importância desses aspectos diminui com valores crescentes do
número médio de fótons hni.
A probabilidade de encontrar n fótons no modo é obtida da definição (4.35) como

2 |α|2n hnin
P(n) = |hn|αi|2 = e−|α| = e−hni . (4.60)
n! n!
Esta é uma distribuição de probabilidade de Poisson, semelhante àquela na equação (3.15), e a
equação (4.58) é a expressão usual para a variância dessa distribuição. A forma da distribuição de
Poisson é ilustrada na figura (3.4) para três valores do número médio de fótons hni. Sua forma
de pico contrasta com o decréscimo monotônico para luz caótica mostrado na figura (3.5). A
distribuição de Poisson se aproxima da distribuição Gaussiana para grandes valores de hni.

Problema
√ 4.6 Use a propriedade hnin = exp{n lnhni} e a aproximação de Stirling na forma
n! ≈ 2πn(n/e)n para mostrar que a equação (4.60) pode ser escrita na forma Gaussiana

(n − hni)2
 
1
P(n) = p exp − (4.61)
2πhni 2hni

para hni >> 1. Note que, nesse limite, a equação (4.59) implica que [(n − hni)/hni] << 1. Na
dedução acima, precisaremos dessa relação para aproximar ln(1 + x) ≈ x − x2 /2. 
110 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Problema 4.7 Tomando n como uma variável contínua na equação (4.61), verifique a normali-
zação dessa distribuição e derive o resultado (4.59) para a variância. 

É facilmente demonstrável que a distribuição de Poisson da equação (4.60) tem um r-ésimo


momento fatorial da forma simples

hn(n − 1)(n − 2) . . . (n − r + 1)i = hnir . (4.62)

O grau de coerência de segunda ordem para o estado coerente |αi segue assim da equação (4.21)
como

g(2) (τ) = 1 . (4.63)

O estado é então coerente em segunda ordem de acordo com a prescrição da equação (2.172),
semelhante à onda estável clássica considerada na equação (2.170), e é esta propriedade que leva à
nomenclatura do estado |αi.
Os valores esperados para o estado coerente dos operadores de quadratura definidos nas
equações (4.3) são facilmente encontrados fazendo uso das propriedades (4.39) e (4.40),

hα|X̂|αi = E (1) hα| ↠+ â |αi = E (1) (α ∗ + α) = 2E (1) Re α = 2E (1) |α| cos θ ,

(4.64)

onde tomamos

α = |α|eiθ . (4.65)

De forma análoga

hα|Ŷ |αi = 2E (1) Im α = 2E (1) |α|senθ . (4.66)

Os valores esperados dos quadrados dos operadores de quadratura são encontrados com a ajuda do
procedimento de ordenamento normal. Assim,
h i2
X̂ 2 = E (1) ↠↠+ 2↠â + ââ + 1 ,

(4.67a)
h i2
Ŷ 2 = E (1) −↠↠+ 2↠â − ââ + 1 ,

(4.67b)

de onde segue que


h i2 h i
hα|X̂ 2 |αi = E (1) (α ∗ )2 + 2|α|2 + (α)2 + 1 , (4.68a)
h i2 h i
hα|Ŷ 2 |αi = E (1) − (α ∗ )2 + 2|α|2 − (α)2 + 1 , (4.68b)

e as variâncias das quadraturas ficam


h i2
(∆X)2 = (∆Y )2 = E (1) . (4.69)

Portanto, diferentemente das variâncias para os estados de número dadas pela equação (4.30), o
estado coerente é um estado de incerteza mínima nas quadraturas para todos os números médios de
fótons |α|2 .
Os valores esperados do operador de campo (4.4) são também facilmente determinados por
cálculos semelhantes. A superposição para estado coerente da equação (4.35) contém estados de
número adjacentes, e assim o campo médio não se anula. O sinal coerente é

S = hα|Ê(χ)|αi = 2E (1) |α| cos(χ − θ ) (4.70)


4.3 Estado coerente 111

e a variância do campo, ou ruído, é


h i2
N = [∆E(χ)]2 = E (1) . (4.71)

O ruído é então independente da fase e tem o valor mínimo permitido pela equação (4.15), o mesmo
que para o estado de vácuo na equação (4.14), para todos os valores de |α|. A relação sinal ruído,
como definida na equação (4.18), é
SNR = 4|α|2 cos2 (χ − θ ) = 4hni cos2 (χ − θ ) , (4.72)
com um valor máximo de 4hni para χ = θ .
A figura (4.3) mostra uma representação dos valores esperados do campo elétrico. A amplitude
média associada com o estado coerente é mostrada como a seta cheia de comprimento |α| = hni1/2
inclinada do ângulo χ − θ com relação ao eixo do campo real. A projeção da seta no eixo do campo
real fornece o valor médio da equação (4.70). Os dois ângulos que ocorrem nesta expressão são
fisicamente distintos, com χ definido pela equação (4.2) e sendo determinado pela posição e tempo
de avaliação das médias de campo, enquanto θ , definido pela equação (4.65), é a fase média da
excitação de estado coerente do modo. Assim, χ é uma propriedade da medida e está, em princípio,
sob controle do experimentador. Por outro lado, θ é uma propriedade da excitação do campo sobre
o qual a medida é feita e, em princípio, está fora do controle do experimentador.

Figura 4.3: Representação das propriedades do campo elétrico para o estado coerente
com número médio de fótons hni = 4, mostrando a média e a incerteza no campo.
Todas as grandezas que dependem da amplitude do campo elétrico estão em unidades
de 2E (1) .
A incerteza do campo é mostrada na figura (4.3) por um disco circular de diâmetro E (1) , e a
projeção do disco sobre o eixo real do campo fornece a raiz quadrada da variância independente da
fase (4.71). O disco de incerteza é decomposto em contribuições de amplitude e fase, mostradas
pelos diâmetros ortogonais. A contribuição de amplitude reproduz o resultado da equação (4.58)
para a incerteza em número de fóton:
1 2 1 2
   
1/2 1/2
∆n = hni + − hni − = hni1/2 . (4.73)
4 4
A contribuição de fase representa uma incerteza na fase do estado coerente que é obtida como o
ângulo ∆φ englobado pelo diâmetro do disco na origem. Dado que |α| >> 1, temos
1/2 1
∆φ ≈ = . (4.74)
|α| 2hni1/2
112 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

O produto das incertezas em número de fótons e fase é então


1
∆n∆φ = . (4.75)
2
Este resultado tem a forma de uma relação de incerteza, mas sua derivação qualitativa é baseada em
argumentos geométricos, e não é a consequência de uma relação de comutação entre operadores
de número e fase. Ainda assim, ela corretamente representa um compromisso entre os valores
das incertezas da amplitude e da fase do campo elétrico associado com o estado coerente. Vemos
das equações (4.59) e (4.74) que a incerteza fracionária em número de fótons e a incerteza na
fase ambas variam com 1/|α|; a medida que o número médio de fótons é aumentado, a onda
eletromagnética se torna melhor definida tanto em amplitude quanto no ângulo de fase.
A dependência com a fase do campo elétrico é ilustrada na figura (4.4), onde a onda cossenoidal
contínua representa o campo médio da equação (4.70). As linhas tracejadas, com uma separação
vertical igual à incerteza de E (1) do campo obtida da raiz quadrada da equação (4.71), são a
envoltória da banda de ruído associada com o campo médio. É claro da figura que a variação do
campo elétrico lembra aquela de uma onda clássica estável mais e mais proximamente a medida
que o número médio de fótons no estado coerente é aumentado, e a dispersão constante da incerteza
da onda cossenoidal se torna menos significativa. No limite oposto do estado de vácuo |0i, onde
α = 0, o campo médio se anula, mas permanece a mesma banda de ruído.

Figura 4.4: Dependência com a fase do campo elétrico de um estado coerente mono-
modo com hni = 4, mostrando a oscilação cossenoidal da média, ou sinal, e a faixa
de incerteza, ou ruído, com largura vertical constante N 1/2 = E (1) . A amplitude do
campo elétrico no gráfico está em unidades de 2E (1) .

4.4 Luz caótica


(baseado na Seção 5.4 do [Lou00])
Considere um feixe de luz caótica e suponha que as contribuições de todos exceto um dos
modos são removidas por um filtro. Já mostramos que, para uma luz caótica mono-modo, as
probabilidades para os números de fótons seguem a distribuição
hnin
P(n) = , (4.76)
(1 + hni)1+n
ilustrada na figura (3.5). Temos então que
n−2
hni2
∞ ∞ 
hni
hn(n − 1)i = ∑ n(n − 1)P(n) = 3 ∑
n(n − 1) = 2hni2 , (4.77)
n=0 (1 + hni) n=2 1 + hni
4.4 Luz caótica 113

de onde segue que


hn2 i = 2hni2 + hni (4.78)
e a variância no número de fótons da luz caótica está relacionada à média por
(∆n)2 = hn2 i − hni2 = hni2 + hni . (4.79)
O primeiro termo do lado direito representa flutuações adicionais àquelas da luz coerente, cuja
variância é dada pelo segundo termo do lado direito, igual ao número médio de fótons. Luz cuja
variância no número de fótons excede hni, como a luz caótica, é dita exibir flutuações super-
Poissonianas. Por outro lado, luz cuja variância no número de fótons cai abaixo do valor hni para
luz coerente é dita exibir flutuações sub-Poissonianas; luz em estado de número, com a variância
zero dada na equação (4.24), pertence à categoria sub-Poissoniana.
A variância em número de fótons da luz caótica pode ser comparada com sua variância de
intensidade na teoria clássica, calculada na equação (2.145) como igual ao quadrado da intensidade
média. O primeiro termo do lado direito da equação (4.79) é o resultado análogo na teoria quântica,
e este é algumas vezes chamado de contribuição de onda. O segundo termo à direita é a contribuição
de partícula hni que ocorre como a variância em número de fótons da luz coerente na equação
(4.58), e não tem análogo na teoria clássica. Existe, no entanto, uma contribuição análoga de
shot noise na variância de foto-contagens semi-clássica da equação (3.34). O termo de partícula é
desprezível em comparação com o termo de onda quando hni >> 1, e neste caso a variância em
número de fótons quântica e a variância em intensidade clássica têm a mesma estrutura. De forma
mais geral, a distribuição (4.76) é aproximada para grandes n e hni como
n
1 n
  
1 hni 1 1 n ln(1−hni−1 ) 1 −n/hni
P(n) = ≈ 1− = e ≈ e . (4.80)
1 + hni 1 + hni hni hni hni hni
Este é claramente o análogo em número de fótons da distribuição de intensidade clássica para luz
caótica dada na equação (3.23).
O grau de coerência de segunda ordem da luz caótica segue, portanto, diretamente das equações
(4.21) e (4.77) como
g(2) (τ) = 2 , (4.81)
que é o mesmo valor encontrado a partir da teoria clássica na equação (2.174).
As propriedades de quadratura e do campo elétrico da luz caótica lembram aquelas dos estados
de número de fótons. Assim, com o operador densidade
ρ̂ = ∑ P(n)|nihn| (4.82)
n

usando o P(n) da equação (4.76), o valor esperado do operador quadratura X̂ é


hXi = ∑ P(n)hn|X̂|ni = 0 . (4.83)
n

Os outros valores esperados são da mesma forma dados por médias dos valores esperados corres-
pondentes para os estados de número, e os resultados são
hY i = 0 , (4.84a)
h i2  1

(∆X) = (∆Y ) = E
2 2 (1)
hni + , (4.84b)
2
hE(χ)i = 0 , (4.84c)
h i2  1

2
(∆E(χ)) = E (1)
hni + . (4.84d)
2
114 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

As médias de quadratura e campo da luz caótica são então as mesmas encontradas para o estado de
número, mas com n trocado por hni. Luz caótica não pode carregar um sinal coerente e sua fase é
completamente incerta.

4.5 O vácuo comprimido


(baseado na Seção 5.5 do [Lou00])
Todos os campos mono-modos tratados até aqui têm incertezas, ou ruídos, de campo elétrico
independentes da fase, e a desigualdade da equação (4.15) se aplica às suas variâncias de campo
elétrico. Um campo de excitação é dito ser comprimido em quadratura quando suas variâncias de
campo elétrico caem no intervalo especificado por
h i2
0 ≤ (∆E(χ))2 < E (1) (4.85)

para alguns valores dos ângulos de fase χ da medida. Segue da desigualdade (4.11) que a ocorrência
2
de uma variância menor que E (1) em um ângulo de fase χ = χ1 = χ2 deve ser compensada por

2
uma variância maior que E (1) no ângulo de fase perpendicular a χ. Vemos isso diretamente de

2
(4.11) fazendo χ2 = χ1 + π/2. Isso força o produto ∆E(χ1 )∆E(χ2 ) a ser maior ou igual a E (1) .


Como sabemos que |∆E(χ1 )| < E (1) , então necessariamente |∆E(χ2 )| > E (1) .
Trataremos abaixo um exemplo simples de estado comprimido, e mostramos que seu ruído
dependente da fase satisfaz a condição de compressão (4.85). Introduziremos esse estado dire-
tamente através do operador que gera o estado a partir do vácuo. Tipicamente, esse operador
surge de processos de interação envolvendo outros modos que resultam em um dos modos ficando
comprimido ao final do processo. Um desses processos, por exemplo, é a conversão paramétrica
descendente degenerada, onde dois fótons são criados em um determinado modo luminoso após
absorção de um fóton mais energético em outro modo. Iremos discutir campos multi-modos e
processos de interação mais à frente no curso. Por enquanto, iremos apenas discutir as propriedades
desse estado, mesmo que sua geração não fique clara por agora.
Considere então o estado de vácuo comprimido em quadratura mono-modo definido por

|ζ i = Ŝ(ζ )|0i , (4.86)

onde o operador de compressão é


 
1 ∗ 2 1 † 2
Ŝ(ζ ) = exp ζ â − ζ (â ) (4.87)
2 2

e ζ é o parâmetro de compressão complexo com amplitude e fase definidas por

ζ = seiϑ . (4.88)

Da mesma forma que para o operador de deslocamento, temos que Ŝ(ζ ) satisfaz às condições para
um operador unitário,

Ŝ† (ζ )Ŝ(ζ ) = Ŝ(ζ )Ŝ† (ζ ) = 1 . (4.89)

A definição na equação (4.86) lembra aquela do estado coerente na equação (4.45), mas com o
operador deslocamento linear da equação (4.46) trocado pelo operador de compressão da equação
(4.87), cujo expoente é quadrático nos operadores de criação e destruição do modo. Como
exemplificado acima no caso da conversão paramétrica descendente, note que são os coeficientes
4.5 O vácuo comprimido 115

quadráticos que levam à criação ou absorção de pares de fótons em um processo não linear de
segunda ordem.
É claro da forma do expoente na equação (4.87) que o estado de vácuo comprimido deve
consistir de uma superposição apenas de estados de número com n par. No entanto, o procedimento
dos problemas (4.3) e (4.4) não se aplica a termos quadráticos em um expoente e é necessário usar
teoremas mais gerais de ordenamento de operadores. Pode-se mostrar desta forma que a expansão
em estados de número do estado de vácuo comprimido, análogo à superposição de estados de
número do estado coerente na equação (4.35), é [Bar97]
[(2n)!]1/2 exp(iϑ )tanhs n
∞  
1/2
|ζ i = (sechs) ∑ |2ni . (4.90)
n=0 n! 2
A expansão em estados de número pode ser usada para avaliar os valores esperados das várias
combinações de operadores de criação e destruição que ocorrem nas médias e variâncias em número
de fótons e no campo elétrico.
Esses valores esperados são, no entanto, algumas vezes avaliados facilmente por um método
alternativo. Considere o valor esperado do número de fótons,
hni = hζ |↠â|ζ i = h0|Ŝ† (ζ )↠Ŝ(ζ )Ŝ† (ζ )âŜ(ζ )|0i , (4.91)
onde a condição unitária da equação (4.89) é usada para inserir a quantidade unitária ŜŜ† no
centro.
Problema 4.8 Prove a relação geral

1
e−Ô âeÔ = â + [â, Ô] +

[â, Ô], Ô + . . . (4.92)
2!
pela expansão das exponenciais, onde Ô é qualquer operador. Então derive a propriedade de
transformação

Ŝ† (ζ )âŜ(ζ ) = âcosh s − ↠eiϑ senh s . (4.93)

A equação (4.93) e a expressão Hermiteana conjugada


Ŝ† (ζ )↠Ŝ(ζ ) = ↠cosh s − âe−iϑ senh s (4.94)
são as transformações básicas necessárias para avaliar valores esperados. O calculo do valor médio
de fótons da equação (4.91) é então completado resultando em
hni = senh2 s , (4.95)
e o mesmo resultado é encontrado se usarmos a expansão em estados de número da equação
(4.90) [Bar97]. O número médio de fótons se anula na ausência de qualquer compressão, quando
s = 0, e o estado de vácuo comprimido se reduz então ao estado de vácuo ordinário, mas hni
aumenta rapidamente à medida que a magnitude do parâmetro de compressão aumenta.
Momentos de ordens mais altas no número de fótons são avaliados de forma direta com uso das
relações básicas (4.93) e (4.94).

Problema 4.9 Prove que a média do quadrado do número de fótons para o estado de vácuo
comprimido é dado por

2
n = 3senh4 s + 2senh2 s = 3hni2 + 2hni . (4.96)
116 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

A variância em número de fótons é portanto

(∆n)2 = 2hni(hni + 1) (4.97)

e o grau de coerência de segunda ordem é obtido da equação (4.21) como


1
g(2) (τ) = 3 + . (4.98)
hni
As flutuações em número de fótons para luz no estado de vácuo comprimido são então super-
Poissonianas, de acordo com a categorização dada na seção anterior, e elas excedem mesmo as
flutuações em luz caótica para o mesmo número médio de fótons. Note que a expressão (4.98)
não se reduz ao valor de estado coerente para hni = 0, quando ambos numerador e denominador
da expressão geral na equação (4.21) se anulam. O valor do grau de coerência de segunda ordem
depende assim da forma como o limite de vácuo é atingido.
As transformações básicas (4.93) e (4.94) são usadas para estabelecer uma equação de auto-valor
para o estado de vácuo comprimido.

Problema 4.10 Prove a relação de auto-valor


 
âcoshs + ↠eiϑ senhs |ζ i = 0 . (4.99)

Este resultado é semelhante à condição do estado de vácuo ser anulado pelo operador destruição,
ao qual ele é reduzido na ausência de compressão com s = 0 e ζ = 0.
O interesse particular no estado de vácuo comprimido reside não em sua distribuição em número
de fótons, mas nas propriedades de seu operador de quadratura. É claro das equações (4.93) e (4.94)
que

hζ |â|ζ i = hζ |↠|ζ i = 0 , (4.100)

e na verdade esses resultados são consequências imediatas da composição do estado ζ como uma
superposição de estados de número com n par. Os valores esperados dos operadores de quadratura
definidos na equação (4.3), portanto, também se anulam

hζ |X̂|ζ i = hζ |Ŷ |ζ i = 0 . (4.101)

Considere, no entanto, as variâncias dos operadores de quadratura, que são determinados pelos
valores esperados

hζ |ââ|ζ i = −eiϑ senh s cosh s (4.102)

hζ |↠↠|ζ i = −e−iϑ senh s cosh s . (4.103)

Problema 4.11 Prove com uso das equações (4.67a) e (4.67b) que as variâncias dos operadores
de quadratura podem ser expressas nas formas
i2     
2 ϑ 2 ϑ
h
−2s
(∆X) = E
2 (1) 2s
e sen + e cos (4.104)
2 2
4.5 O vácuo comprimido 117

e
i2     
2 ϑ 2 ϑ
h
−2s
(∆Y ) = E
2 (1) 2s
e cos + e sen . (4.105)
2 2


A figura (4.5) mostra uma representação dos valores esperados das quadraturas. Seus valores
médios nulos são representados pela centralização de um disco de incerteza elíptico na origem
dos eixos X e Y . A elipse tem eixos maior e menor de comprimentos exp(s)/2 e exp(−s)/2
respectivamente, inclinados de um ângulo ϑ /2 com relação aos eixos. As raízes quadradas das
variâncias das quadraturas são representadas pela projeção do disco nesses dois eixos, conforme
as equações (4.104) e (4.105). As variâncias reproduzem os valores do estado coerente dados
na equação (4.69) na ausência de compressão, com s = 0, mas em qualquer outra situação elas
2
assumem valores que podem ser ou maiores ou menores que E (1) .


Figura 4.5: Representação das incertezas e médias do operador quadratura para o


estado de vácuo comprimido com parâmetro s dado por exp(s) = 2. Todas as grandezas
que dependem da amplitude do campo elétrico estão em unidades de 2E (1) .

Os valores esperados do operador de campo (4.4) são facilmente obtidos por cálculos análogos.
O campo médio, ou sinal coerente, se anula,

S = hζ |Ê(χ)|ζ i = 0 , (4.106)

e a variância do campo, ou ruído, é


h i2  
ϑ
 
ϑ

2 −2s
N = (∆E(χ)) ≡ E (1) 2s 2
e sen χ − 2
+ e cos χ − . (4.107)
2 2

O ruído é claramente dependente da fase e a figura (4.6) ilustra a variação do campo elétrico com
χ − (ϑ /2), onde o valor médio zero se situa ao longo do eixo horizontal e a separação entre as
curvas com tracejado longo representa a incerteza do campo obtida da raiz quadrada da equação
(4.107). As linhas de tracejado curto mostram a incerteza do campo correspondente ao estado de
vácuo coerente obtido quando s = 0. Vemos da equação (4.107) que o valor mínimo da incerteza é
 
ϑ
∆Emin = ∆E + mπ = E (1) e−s , (4.108)
2
118 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

onde m é zero ou um inteiro, e este valor indica um campo que é comprimido em quadratura,
conforme a definição na equação (4.85). O valor máximo é
 
ϑ π
∆Emax = ∆E + mπ + = E (1) es , (4.109)
2 2
onde m é novamente zero ou um inteiro. O produto desses valores extremos,
h i2
∆Emin ∆Emax = E (1) , (4.110)

satisfaz a relação de incerteza (4.11) como uma igualdade.

Figura 4.6: A envoltória da banda de ruído do estado de vácuo comprimido com


exp(s) = 2 é mostrada pela linha tracejada longa. A linha tracejada curta mostra a
banda de ruído para o estado de vácuo coerente com s = 0. A amplitude do campo
elétrico no gráfico está em unidades de 2E (1) .

4.6 Estados coerentes comprimidos


(baseado na Seção 5.6 do [Lou00])
O ruído reduzido do estado de vácuo comprimido em quadratura com relação ao estado coerente,
para ângulos de fase apropriados, é potencialmente valioso em aplicações práticas. No entanto,
a ausência de qualquer sinal coerente para o estado de vácuo comprimido, mostrada na equação
(4.106), limita seu uso. Essa questão é superada no estado coerente com compressão de quadratura
mono-modo, definido por

|α, ζ i = D̂(α)Ŝ(ζ )|0i , (4.111)

onde D̂(α) é o operador deslocamento de estado coerente da equação (4.46) e Ŝ(ζ ) é o operador de
compressão da equação (4.86). O estado coerente comprimido mantém o ruído reduzido do estado
de vácuo com compressão em quadratura, mas também possui o sinal não nulo do estado coerente
ordinário.
A expansão em estados de número do estado coerente comprimido é consideravelmente
mais complicada que aquela do estado de vácuo comprimido, dada na equação (4.90), e sua
forma [Lou87] não é reproduzida aqui. Valores esperados para o estado coerente comprimido
podem ser derivados por generalizações simples das transformações básicas dadas pelas equações
(4.93) e (4.94) para o estado de vácuo comprimido. Uso das propriedades do operador deslocamento
de estado coerente dadas pelas equações (4.53) e (4.54) leva às relações

Ŝ† (ζ )D̂† (α)âD̂(α)Ŝ(ζ ) = âcosh s − ↠eiϑ senh s + α (4.112)


4.6 Estados coerentes comprimidos 119

Ŝ† (ζ )D̂† (α)↠D̂(α)Ŝ(ζ ) = ↠cosh s − âe−iϑ senh s + α ∗ . (4.113)

Essas relações fornecem um relação de auto-valor para o estado coerente comprimido pelo mesmo
procedimento usado na derivação da equação (4.99) para o estado de vácuo comprimido, e o
resultado é
   
âcosh s + ↠eiϑ senh s |α, ζ i = αcosh s + α ∗ eiϑ senh s |α, ζ i . (4.114)

A equação de auto-valor se reduz àquela para o estado de vácuo comprimido na equação (4.99)
quando α = 0, e àquela para o estado coerente na equação (4.39) quando s = 0.

Problema 4.12 Demonstre a equação (4.114). 

O cálculo do número médio de fótons segue o mesmo procedimento que nas equações (4.91) a
(4.95) e o resultado é

hni = |α|2 + senh2 s . (4.115)

O número médio de fótons é assim a soma de contribuições idênticas àquelas do estado coerente na
equação (4.55) e do estado de vácuo comprimido na equação (4.95). A variância de número de
fótons é obtida de forma similar como
    
ϑ ϑ
(∆n)2 = |α|2 e2s sen2 θ − + e−2s cos2 θ − + 2senh2 s(senh2 s + 1) , (4.116)
2 2
e a expressão se reduz aos resultados dados na equação (4.58) para o estado coerente e na equação
(4.97) para o estado de vácuo comprimido nos limites apropriados. Uma expressão para o grau de
coerência de segunda ordem do estado coerente comprimido em quadratura é facilmente escrita
pela substituição das equações (4.115) e (4.116) na equação (4.21).
No entanto, o principal interesse do estado coerente comprimido novamente se encontra nas
propriedades de seu operador de quadratura, ao invés de em sua estatística de número de fótons.
Segue das equações (4.111) a (4.94) que

hα, ζ |X̂|α, ζ i = 2E (1) Reα = 2E (1) |α| cos θ (4.117)

hα, ζ |Ŷ |α, ζ i = 2E (1) Imα = 2E (1) |α|senθ , (4.118)

idêntico aos resultados das equações (4.64) e (4.66) para o estado coerente ordinário. Similarmente,
segue com uso das equações (4.67) que as variâncias nas quadraturas são
i2     
2 ϑ 2 ϑ
h
−2s
(∆X) = E
2 (1) 2s
e sen + e cos (4.119)
2 2
e
i2     
2 ϑ 2 ϑ
h
−2s
(∆Y ) = E
2 (1) 2s
e cos + e sen , (4.120)
2 2
idênticas aos resultados das equações (4.104) e (4.105) para o estado de vácuo comprimido. A
figura (4.7) ilustra o desenvolvimento das propriedades de quadratura a partir dos fatores no lado
direito da equação (4.111), começando com o disco de ruído circular do estado de vácuo ordinário
120 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Figura 4.7: Representações das variâncias e médias do operador quadratura para (1) o
estado de vácuo ordinário, (2) o estado de vácuo comprimido, e (3) o estado coerente
comprimido.

centrado na origem no primeiro passo, convertido no disco elíptico de ruído do estado de vácuo
comprimido pela aplicação do operador Ŝ(ζ ) no segundo passo, e transformado no disco elíptico
de ruído deslocado do estado coerente comprimido pela aplicação do operador D̂(α) no terceiro
e último passo. A figura mostra como os valores médios dos operadores de quadratura vêm a ser
determinados apenas pelo parâmetro de compressão ζ . As propriedades da elipse de ruído são
idênticas àquelas do estado de vácuo comprimido ilustrado na figura (4.5).
Os valores esperados do operador campo elétrico da equação (4.4) são facilmente obtidos dos
resultados acima. Assim, o campo médio, ou sinal coerente, é

S = hα, ζ |Ê(χ)|α, ζ i = 2E (1) |α| cos(χ − θ ) , (4.121)

idêntico ao sinal do estado coerente da equação (4.70), e a variância do campo, ou ruído, é


h i2  
ϑ
 
ϑ

−2s
N = (∆E(χ)) = E2 (1) 2s 2
e sen χ − + e cos χ − 2
, (4.122)
2 2
idêntica ao ruído de vácuo comprimido dependente da fase da equação (4.107). A razão sinal-ruído,
como definida na equação (4.18), é

4|α|2 cos2 (χ − θ )
SNR =  . (4.123)
e2s sen2 χ − ϑ2 + e−2s cos2 χ − ϑ2
O sinal e o ruído são controlados por ângulos de fase distintos θ e ϑ , respectivamente, cujos valores
relativos dependem do método de geração do estado coerente comprimido. A fonte de luz pode, em
princípio, ser ajustada para otimizar uma característica desejada do feixe. Assim, a razão sinal-ruído
máxima é
ϑ
SNRmax = 4e2s |α|2 para χ = θ = , (4.124)
2
que representa um aumento do valor para o estado coerente ordinário por um fator exponencial.
O estado coerente comprimido em quadratura tira proveito do melhor de ambos os mundos, no
sentido de que sua componente de sinal coerente é a mesma do estado coerente, mas seu ruído pode,
em princípio, se reduzido significativamente abaixo do valor para o estado coerente, se igualando
ao ruído do estado de vácuo comprimido em quadratura.
4.7 Relações de entrada e saída do divisor de feixes 121

4.7 Relações de entrada e saída do divisor de feixes


(baseado na Seção 5.7 do [Lou00])
O divisor de feixes óptico é um importante componente em muitos dos experimentos que
estudam a natureza quântica da luz, como mostrado, por exemplo, pelas diferentes variedades de
estados mono-modo tratados no presente capítulo. Assim, os experimentos de interferência de
Mach-Zehnder e Hanbury Brown-Twiss, originalmente explicados na teoria clássica, assumem
um significado adicional quando são interpretados na teoria quântica. O experimento de Hanbury
Brown-Twiss em particular desempenha um papel chave na observação de efeitos não-clássicos.
A propriedade essencial do divisor de feixes é sua habilidade de converter um estado de fótons
entrando em uma superposição linear de estados na saída, uma manipulação básica em mecânica
quântica que é menos fácil de realizar e estudar em outros sistemas físicos.
A figura (4.8) mostra uma representação do divisor de feixes com seus braços de entrada e saída
rotulados pelos operadores de destruição que entram nos respectivos operadores de campo quânticos.
As relações entre os campos clássicos de entrada e saída no divisor de feixes são discutidas na
seção (2.2.2) com base na conservação do fluxo de energia clássico. As relação são, em última
análise, determinadas pelas condições de contorno para os campos eletromagnéticos na interface
parcialmente refletora e transmissora dentro do divisor de feixes. As condições de contorno são as
mesmas para os campos clássicos e para os operadores de campo da mecânica quântica. Segue que
permanecem as mesmas as relações básicas (2.87) satisfeitas pelos coeficientes de reflexão rd e
transmissão td de um divisor de feixes simétrico para campos incidentes monocromáticos,

|rd |2 + |td |2 = 1 e rd td∗ + td rd∗ = 0 , ou φr − φt = ±π/2 , (4.125)

onde φr e φt são as fases dos coeficientes de reflexão e transmissão do divisor de feixes, respectiva-
mente. De forma semelhante, as relação (2.76) entre as entradas e saídas clássicas se convertem em
relações análogas entre os operadores de campo quantizados. Para um divisor de feixes simétrico,
estas são expressas como as relações

â3 = rd â1 + td â2 e â4 = td â1 + rd â2 (4.126)

entre os operadores de destruição para os modos de entrada e saída. As relações inversas

â1 = rd∗ â3 + td∗ â4 e â2 = td∗ â3 + rd∗ â4 (4.127)

são algumas vezes úteis, e estas são obtidas diretamente da equação (4.126) com uso das equações
(4.125). As relações correspondentes entre os operadores de criação de entrada e saída são dadas
pelos Hermiteanos conjugados das equações (4.126) e (4.127).
Assumimos que os campos de entrada nos braços 1 e 2 são independentes, com operadores de
criação e destruição que satisfazem as relações de comutação bosônicas
h i h i
â1 , â†1 = â2 , â†2 = 1 (4.128)

e
h i h i
â1 , â†2 = â2 , â†1 = 0 . (4.129)

Então, com uso das equações (4.125) e (4.126),


h i h i h i
â3 , â†3 = rd â1 + td â2 , rd∗ â†1 + td∗ â†2 = |rd |2 + |td |2 = 1 = â4 , â†4 , (4.130a)
h i h i
â3 , â†4 = rd â1 + td â2 ,td∗ â†1 + rd∗ â†2 = rd td∗ + td rd∗ = 0 . (4.130b)
122 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Figura 4.8: Representação de um divisor de feixes sem perdas mostrando a notação


para os operadores de destruição associados com os campos de entrada e saída.

Assim, os operadores dos modos de saída também satisfazem relações de comutação bosônicas.
Uma abordagem alternativa à teoria do divisor de feixes começa com a exigência básica de que
os operadores dos modos de saída devem satisfazer relações de comutação bosônicas indepen-
dentes, com as relações (4.125) entre os coeficientes de reflexão e transmissão seguindo como
consequências.
As relações de entrada e saída (4.126) fornecem conexões imediatas entre os operadores de
campo elétrico mono-modos, como definidos pelas equações (4.4), para os quatro braços do divisor
de feixes. Assim, com os rótulos dos braços denotados pelos subscritos dos campos, segue que
  n   o
Ê3 (χ) = E (1) â3 e−iχ + â†3 eiχ = E (1) (rd â1 + td â2 ) e−iχ + rd∗ â†1 + td∗ â†2 eiχ
 
= E (1) |rd |â1 e−i(χ−φr ) + |td |â2 e−i(χ−φt ) + |rd |â†1 ei(χ−φr ) + |td |â†2 ei(χ−φt )
= |rd |Ê1 (χ − φr ) + |td |Ê2 (χ − φt ) , (4.131a)
Ê4 (χ) = |td |Ê1 (χ − φt ) + |rd |Ê2 (χ − φr ) . (4.131b)

Os valores médios dos campos de entrada e saída satisfazem as mesmas relações que na equação 
(4.131). Assumindo que os campos de entrada não estão correlacionados hÊ1 Ê2 i = hÊ1 ihÊ2 i , é
direto mostrar que suas variâncias, definidas como na equação (4.12), estão relacionadas por

(∆E3 (χ))2 = |rd |2 (∆E1 (χ − φr ))2 + |td |2 (∆E2 (χ − φt ))2 (4.132a)


(∆E4 (χ))2 = |td |2 (∆E1 (χ − φt ))2 + |rd |2 (∆E2 (χ − φr ))2 . (4.132b)

O divisor de feixes então transmite as flutuações de campo com os coeficientes |rd |2 e |td |2 e
mudanças de fase φr e φt apropriadas. Essas mudanças de fase no ruído, naturalmente, só são
relevantes para estados de entrada com ruídos dependentes da fase, como, por exemplo, os estados
comprimidos das seções (4.5) e (4.6). As relações (4.132) representam um tipo de conservação de
ruído, ou flutuação, de quadratura entre os braços de entrada e saída.
Os operadores de número de fótons para os braços do divisor de feixes são definidos como

n̂i = â†i âi (i = 1, 2, 3, 4) (4.133)

e segue da equação (4.126) que

n̂3 = |rd |2 â†1 â1 + rd∗ td â†1 â2 + td∗ rd â†2 â1 + |td |2 â†2 â2 (4.134)
4.8 Fóton individual na entrada 123

n̂4 = |td |2 â†1 aˆ1 + td∗ rd â†1 â2 + rd∗ td â†2 â1 + |rd |2 â†2 â2 . (4.135)

A soma das equações (4.134) e (4.135) com uso da equação (4.125) resulta em

n̂3 + n̂4 = n̂1 + n̂2 , (4.136)

que representa a conservação de número de fótons entre os braços de entrada e saída do divisor
de feixes. Novamente, as relações básicas (4.125) para os coeficientes de reflexão e transmissão
do divisor de feixes poderiam ser derivadas exigindo a validade da lei de conservação (4.136), e
realmente este é o análogo quântico do método clássico que supõe conservação de energia, usado
na seção (2.2.2).
Os efeitos da transmissão pelo divisor de feixes sobre as flutuações em número de fótons são
calculados usando as equações (4.134) e (4.135). As expressões para as variâncias em número de
fótons dos dois braços de saída são bem complicadas para estados de entrada gerais, e restringiremos
nossa atenção ao arranjo experimental comum onde apenas uma das entradas é iluminada. Assim,
com a entrada do braço 2 sendo o vácuo, as variâncias de saída ficam

(∆n3 )2 = |rd |4 (∆n1 )2 + |rd |2 |td |2 hn1 i (4.137a)


(∆n4 )2 = |td |4 (∆n1 )2 + |td |2 |rd |2 hn1 i . (4.137b)

Cada variância de número de fótons na saída tem uma contribuição da variância de entrada, com
o escalonamento apropriado, mais uma contribuição adicional proporcional ao número de fótons
médio na entrada. Se considera esta segunda contribuição como gerada por um batimento do
campo de entrada no braço 1 com a flutuação do campo de vácuo no braço 2, ou como um ruído de
partição causado pela divisão aleatória do fluxo de fótons na entrada pelo divisor de feixes, com
probabilidades |rd |2 e |td |2 para os dois braços de saída.

4.8 Fóton individual na entrada


(baseado na Seção 5.8 do [Lou00])
A aplicação mais simples das relações de entrada e saída do divisor de feixes ocorre para um
fóton individual incidente no braço 1, com o braço 2 no estado de vácuo. O estado de entrada é
denotado

|1i1 |0i2 = â†1 |0i , (4.138)

onde |0i denota o estado de vácuo conjunto dos braços do divisor de feixes. O estado da entrada é
convertido no estado correspondente da saída usando o Hermiteano conjugado da equação (4.127):
 
|1i1 |0i2 = rd â†3 + td â†4 |0i = rd |1i3 |0i4 + td |0i3 |1i4 . (4.139)

Esta conversão do estado de entrada em uma superposição linear dos dois possíveis estados de saída
é o processo quântico básico executado pelo divisor de feixes. Um estado da forma mostrada no
lado direito da equação (4.139), com a propriedade de que cada contribuição para a superposição é
um produto de estados para sistemas diferentes (braços de saída), é dito ser emaranhado. Note que
apesar do estado como um todo ser puro, os braços individuais de saída não estão em estados puros.
Ambos os estados produtos na superposição representam um fóton em um braço e nenhum no outro.
Tais superposições ocorrem apenas na mecânica quântica, não tendo análogos na teoria clássica.
O emaranhamento é responsável pela importância do divisor de feixes em uma gama extensa de
experimentos em óptica quântica.
124 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Considere primeiro os efeitos no estado de saída do divisor de feixes de observações feitas em


um dos braços de saída; por exemplo, braço 3. De acordo com a teoria de medida usual, o estado
do sistema depois da observação é dado pela projeção do estado antes da observação no estado
determinado pela medida. Suponha que a observação encontra a saída no braço 3 como estando no
seu estado de vácuo |0i3 . O estado do sistema antes da observação é dado pela equação (4.139) e o
estado depois da observação é

N30 h0| {rd |1i3 |0i4 + td |0i3 |1i4 i} = N 0td |1i4 = |1i4 (4.140)

onde N 0 é uma constante de normalização, aqui igual a 1/td . Em palavras, o estado da saída do
divisor de feixes condicionado na observação do estado de vácuo no braço 3 é um fóton individual
no braço 4.
Agora considere os valores esperados do campo elétrico para o estado de saída no lado direito
da equação (4.139). É direto mostrar, com uso da definição do operador de campo mono-modo
na equação (4.4), que os campos médios se anulam em todos os braços do divisor de feixes,
como já vimos para estados de número no geral. As variâncias também são calculadas de forma
direta.
Problema 4.13 Prove que
h i2
(∆E3 (χ3 ))2 = E (1) (2|rd |2 + 1) (4.141a)
h i2
(∆E4 (χ4 ))2 = E (1) (2|td |2 + 1) , (4.141b)

concordando com a equação (4.132) quando as variâncias de entrada são inseridas a partir das
equações (4.14) e (4.33). Mostre também que a correlação entre os campos de saída é
h i2
Ê3 (χ3 )Ê4 (χ4 ) = 2 E (1) |rd ||td | cos (φr − φt − χ3 + χ4 ) .


(4.142)

Esta correlação não nula é importante para a formação de franjas no interferômetro de Mach-
Zehnder.
Os números médios de fótons nos dois braços de saída são determinados pela troca dos
operadores de saída pelos operadores de entrada, usando a equação (4.126). Assim,
  
hn3 i = 2 h0| 1 h1|n̂3 |1i1 |0i2 = 2 h0| 1 h1| rd∗ â†1 + td∗ â†2 rd â1 + td â2 |1i1 |0i2 = |rd |2 , (4.143)

e similarmente

hn4 i = |td |2 . (4.144)

Alternativamente, os mesmos resultados são obtidos avaliando os operadores número expressos em


termos de operadores de criação e destruição para os braços 3 e 4 para o estado de saída à direita da
equação (4.139).
Estas expressões para os números médios de fótons lembram os resultados clássicos corres-
pondentes para a divisão da energia eletromagnética de entrada de acordo com os coeficientes de
reflexão |rd |2 e transmissão |td |2 da intensidade, respectivamente. No entanto, um resultado muito
diferente com relação à teoria clássica é encontrado para a correlação entre números de fótons
nas saídas, como medido na interpretação quântica do interferômetro de Hanbury Brown-Twiss.
Considere uma série de experimentos idênticos para o fóton único de entrada, nos quais os números
4.8 Fóton individual na entrada 125

de fótons observados nos braços 3 e 4 são multiplicados um pelo outro. A média em mecânica
quântica para este produto é

hn3 n4 i = 2 h0| 1 h1|n̂3 n̂4 |1i1 |0i2


    
= 2 h0| 1 h1| rd∗ â†1 + td∗ â†2 rd â1 + td â2 td∗ â†1 + rd∗ â†2 td â1 + rd â2 |1i1 |0i2
= rd∗ rd td∗td 1 h1|â†1 â1 â†1 â1 |1i1 + rd∗ td rd∗ td 2 h0|â2 â†2 |0i2 1 h1|â†1 â1 |1i1
= rd∗ (rd td∗ + td rd∗ )td = 0 , (4.145)

onde a equação (4.125) foi usada. A média zero é uma consequência clara do aspecto tipo-
partícula do fóton único, já que sua presença em um braço de saída requer sua ausência no outro
e cada realização experimental produz uma correlação 1 × 0 ou 0 × 1. Contrastando com isso,
nenhum campo de entrada descrito pela teoria clássica é capaz de produzir uma correlação zero de
intensidades de saída.
Agora considere o exemplo mais complicado de um interferômetro de Mach-Zehnder, como
representado na figura (4.9). Os dois divisores de feixe são assumidos simétricos e idênticos, com
as propriedades dadas na equação (4.125). O interferômetro completo pode ser considerado como
um divisor de feixes composto, cujos dois operadores de saída são relacionados aos dois operadores
de entrada por
0
â3 = rMZ â1 + tMZ â2 e â4 = tMZ â1 + rMZ â2 . (4.146)

Figura 4.9: Representação de um interferômetro de Mach-Zehnder mostrando a


notação para operadores de campo de entrada e saída e para os comprimentos dos
caminhos internos.

Os coeficientes compostos de reflexão e transmissão são dados por

rMZ = rd2 eikz1 + td2 eikz2 , (4.147a)


0
rMZ = td2 eikz1 + rd2 eikz2 , (4.147b)
 
tMZ = rd td eikz1 + eikz2 , (4.147c)

onde k = ω/c é o vetor de onda óptico e z1 e z2 são os comprimentos dos dois caminhos internos
do interferômetro. É direto verificar que esses coeficientes compostos satisfazem as relações
0 0 ∗ ∗
|rMZ |2 + |tMZ |2 = |rMZ |2 + |tMZ |2 = 1 e rMZ tMZ + tMZ rMZ = 0, (4.148)
126 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

em acordo com as propriedades gerais do divisor de feixes dadas pelas equações (2.79). O
interferômetro de Mach-Zehnder como um todo não é equivalente a um divisor de feixes simétrico.
As amplitudes dos dois coeficientes de reflexão nas equações (4.147) são as mesmas, mas as fases
são diferentes. O número médio de fótons no braço 4 de saída é agora dado pela equação (4.144),
mas com substituição do coeficiente de transmissão composto,
 
2 2 2 2 1
hn4 i = |tMZ | = 4|rd | |td | cos k(z1 − z2 ) . (4.149)
2

O padrão de franja tem a mesma dependência em vetor de onda e diferença de caminhos que a
encontrada na teoria clássica, dada pela equação (2.132) na situação em que a luz que viaja através
do interferômetro pelos dois caminhos tem coerência de primeira ordem.
Ambos os experimentos de fóton individual descritos acima têm sido realizados [Gra86] e
alguns detalhes são mostrados nas figuras (4.10) a (4.12). As entradas de fóton individual são obtidas
a partir da emissão em cascata de átomos de Ca, na qual dois fótons são emitidos sucessivamente.
Como representado na figura (4.10), a detecção de um dos fótons no lado esquerdo é usada para
operar uma janela eletrônica que ativa uma medida no outro fóton do par, no lado direito.

Figura 4.10: Interferômetro de Hanbury Brown-Twiss usando uma entrada de fóton


individual obtida de uma emissão em cascata com uma janela eletrônica.

Figura 4.11: Correlação de saída normalizada, ou grau de coerência de segunda ordem,


como função do número de fótons adicional hni, como medida no experimento da
figura (4.10). A curva contínua mostra a função derivada na equação (4.155). Figura
tirada de [Gra86].

O experimento mede a correlação normalizada dos números de fótons n3 e n4 nos dois braços
de saída do divisor de feixes, que se espera que seja nula, de acordo com a equação (4.145). No
4.9 Entrada arbitrária em um braço 127

entanto, além do gêmeo do fóton que abre a janela, um acréscimo de n fótons pode entrar no
aparato durante o tempo no qual a janela permanece aberta. A figura (4.11) mostra a correlação
normalizada como função do número médio hni de fótons adicionais recebido pelo detector com
janela durante o período de detecção, ou tempo de integração. Fica claro que a correlação na saída
tende a zero a medida que o tempo de integração é feito suficientemente curto para que apenas um
fóton individual entre no aparato. A forma detalhada da variação da correlação com hni é derivada
na equação (4.155). O experimento essencialmente confirma a esperada anulação da correlação
quântica (4.145) do Hanbury Brown-Twiss.
A figura (4.12) mostra os resultados de um segundo experimento com a mesma fonte de
emissão em cascata com janela, mas com o interferômetro de Hanbury Brown-Twiss trocado pelo
Mach-Zehnder. Os resultados são construídos a partir de séries de medições de fótons individuais
com crescente diferença de caminho z1 − z2 . As franjas têm a forma de Mach-Zehnder da equação
(4.149), como esperado, com uma alta visibilidade de 98%, e não existe diferença detectável com
relação ao padrão de franjas clássicas da equação (2.132).

Figura 4.12: Franjas de Mach-Zehnder observadas com um fóton individual de entrada


como função da diferença de caminho z1 − z2 expressa em termos do comprimento de
onda λ . O eixo vertical mostra os números de foto-detecções no braço 4 para (a) um
tempo de integração de 1 s e (b) uma compilação de 15 varreduras desse tipo. Figura
tirada de [Gra86].

4.9 Entrada arbitrária em um braço


(baseado na Seção 5.9 do [Lou00])
Os cálculos da seção anterior são aqui generalizados para permitir um estado arbitrário no
braço 1, com o braço 2 permanecendo em seu estado de vácuo. O estado de entrada combinado é
denotado por |arbi1 |0i2 . É direto repetir os cálculos anteriores, e as simplificações que resultam de
assumir um estado de vácuo no braço 2 permanecem. As médias e variâncias dos campos elétricos
nos braços de saída do divisor de feixes são determinadas pelas equações (4.131) e (4.132) com os
valores da entrada de vácuo tomados das equações (4.13) e (4.14). Os números médios de fótons
128 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

nas saídas do divisor de feixes simples das equações (4.143) e (4.144) são generalizados para

hn3 i = 2 h0| 1 harb||rd |2 â†1 â1 |arbi1 |0i2 = |rd |2 hn1 i (4.150)

hn4 i = |td |2 hn1 i , (4.151)

onde

hn1 i = 1 harb|â†1 â1 |arbi1 (4.152)

é o número médio de fótons no estado arbitrário de entrada.


A correlação em número de fótons nos dois braços da saída, como medida no interferômetro de
Hanbury Brown-Twiss, é generalizada do resultado de fóton individual da equação (4.145) para um
estado arbitrário de entrada como

hn3 n4 i = rd∗ rd td∗td 1 harb|â†1 â1 â†1 â1 |arbi1 + rd∗ td rd∗ td 1 harb|â†1 â1 |arbi1
= |rd |2 |td |2 1 harb|â†1 â1 â†1 â1 − â†1 â1 |arbi1
= |rd |2 |td |2 1 harb|â†1 â†1 â1 â1 |arbi1
= |rd |2 |td |2 hn1 (n1 − 1)i , (4.153)

onde as equações (4.125) e (4.128) foram usadas. Os resultados acima se reduzem às equações
(4.143) a (4.145) quando a entrada no braço 1 é tomada como o estado de número de fótons
individuais |1i1 . Vemos da equação (4.153) que a correlação hn3 n4 i se anula apenas quando o braço
1 da entrada é o estado de vácuo |0i1 ou o estado de número |1i1 , ou uma superposição dos dois.
A análise acima do interferômetro de Hanbury Brown-Twiss é expressa em termos do grau de
coerência de segunda ordem quântico, similar ao tratamento clássico na seção (2.2.8). Assim, com
a mesma notação para a correlação normalizada dos feixes de saída usada na equação (2.179), as
equações (4.150), (4.151), (4.153) e (2.181) dão

(2) hn3 n4 i hn1 (n1 − 1)i (2)


g3,4 (τ) = = = g1,1 (τ) , (4.154)
hn3 ihn4 i hn1 i2
onde os subscritos denotam os braços do divisor de feixes, como antes, e foi usada a expressão da
equação (4.21) para o grau de coerência de segunda ordem quântico da entrada mono-modo. A
teoria do interferômetro de Hanbury Brown-Twiss produz então resultados que são iguais aos da
teoria clássica da seção (2.2.8), mas com o grau de coerência de segunda ordem clássico trocado
pela sua contra-parte quântica. Em particular, a correlação quântica de Hanbury Brown-Twiss é
obtida da equação (2.183) pela substituição do grau de coerência de segunda ordem quântico.
A medida da correlação de Hanbury Brown-Twiss descrita no final da seção (4.8) não foi
realizada estritamente com entradas de fótons individuais, já que o detetor com janela no geral
recebia mais que um fóton durante o período de detecção e um número correspondentemente grande
de fótons também entrava no interferômetro. Os fótons adicionais são produzidos por emissões
aleatórias não-correlacionadas a partir de diferentes átomos na fonte.
Problema 4.14 Considere o interferômetro de Hanbury Brown-Twiss com uma entrada de
número de fótons 1 + n, onde n tem uma distribuição Poissoniana de média hni. Mostre que a
medida do grau de coerência de segunda ordem é
1
g(2) (τ) = 1 − . (4.155)
(1 + hni)2
4.9 Entrada arbitrária em um braço 129

Esta forma de variação do grau de coerência de segunda ordem com hni se ajusta bem aos pontos
experimentais mostrados na figura (4.11). A teoria mono-modo usada aqui não é estritamente
aplicável ao input com 1 + n fótons, que não estavam todos no mesmo modo nas condições do
experimento [Gra86]. No entanto, a mesma expressão da equação (4.155) é encontrada em um
cálculo mais realista.
A saída do Mach-Zehned da equação (4.149) é similarmente convertida para

 
2 2 2 2 1
hn4 i = |tMZ | hn1 i = 4|rd | |td | hn1 i cos k(z1 − z2 ) , (4.156)
2

e o padrão de franjas é independente de quaisquer outras propriedades estatísticas do estado de


entrada, que não seja seu número de fótons médio. Assim, a mesma distribuição de intensidades
nas franjas como observado em um experimento de interferência com hn1 i fótons incidentes é
construída por uma série de hn1 i experimentos idênticos com cada um enviando um fóton individual
através do interferômetro. Este princípio é verificado experimentalmente pelo experimento da seção
anterior [Gra86] que isola entradas de fótons individuais através de uma fonte de luz com emissões
em cascata associada a uma janela de deteção do interferômetro. Experimentos interferométricos
muito mais antigos do tipo fenda de Young, com uma fonte de luz caótica clássica, já haviam
falhado em detectar qualquer mudança nas franjas quando a luz era atenuada até um nível em
que apenas um fóton por vez estava presente no aparato [Tay09]. Foi verificado que o padrão de
interferência em condições de fótons individuais era exatamente o mesmo que para uma fonte de
luz forte usual. Os experimentos mais recentes com fótons individuais, como em [Gra86], mostram
claramente que a interferência é um efeito de fóton individual, que não depende de nenhuma forma
da interação dos fótons uns com os outros.
Para o interferômetro de Mach-Zehnder, cada fóton incidente deve propagar através do aparato
de tal forma que a probabilidade dele deixar o interferômetro pelo braço 4 é proporcional ao número
de fótons médio calculado naquele braço. Isto é conseguido apenas se cada fóton excita ambos
os caminhos internos do interferômetro, de modo que o estado de entrada no segundo divisor de
feixes é determinado pela geometria completa do interferômetro. Esta geometria está implícita na
superposição de estados de saída do primeiro divisor de feixes, na equação (4.139), e nos fatores
de propagação da fase na equação (4.147), com amplitudes de probabilidade apropriadas para os
dois caminhos internos. O fóton no interferômetro de Mach-Zehnder deve ser visto então como
uma excitação composta do braço de entrada, caminhos internos e braços de saída, equivalente à
distribuição de campo espacial produzida pelo iluminação da entrada por um feixe de luz clássico.
Na verdade, não existe forma de simultaneamente atribuir um fóton a um caminho interno
particular e ele contribuir para o padrão de interferência. Se um foto-detector é colocado em um
dos braços de saída do primeiro divisor de feixes para detectar fótons no caminho correspondente,
então não é possível evitar de bloquear o caminho, com a consequente destruição do padrão de
interferência. Uma sucessão de sugestões mais e mais engenhosas de experimentos com distinção
de caminhos falhou em desenvolver qualquer método para observações simultâneas do caminho e
da franja; uma determinação completa de um leva à total perda de resolução do outro, enquanto
que uma determinação parcial de um leva à correspondente perda parcial de resolução do outro.
Os experimentos de interferência discutidos acima precisam apenas de expressões para a média
e a correlação dos números de fótons nas saídas de um divisor de feixes, e os resultados gerais nas
equações (4.153) e (4.156) se aplicam a qualquer variedade de luz de entrada. As propriedades das
distribuições de fótons de saída podem ser calculadas em maior detalhe para estados de entrada
específicos no braço 1. Considere os efeitos de um estado de número |n1 i na entrada. Então o
130 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

estado de saída é obtido através da generalização da equação (4.139) como


1  † n1 1  † n1
|n1 i1 |0i2 = √ â1 |0i = √ rd â3 + td â†4 |0i
n! n!
n1  1/2
n1 !
= ∑ rdmtdn1 −m |mi3 |n1 − mi4 , (4.157)
m=0 m!(n 1 − m)!
onde utilizamos o teorema binomial
n
n!
(x + y)n = ∑ k!(n − k)! xk yn−k , (4.158)
k=0

e a expressão para a atuação sucessiva do operador de criação sobre o estado de vácuo. Novamente,
|0i é tomado como o estado de vácuo conjunto dos braços do divisor de feixes. A soma na equação
(4.157) expressa a superposição emaranhada de estados de número nos braços 3 e 4 de saída
produzida pela entrada |n1 i no braço 1.
Seja P1 (n1 ) a distribuição de número de fótons no braço de entrada 1. A distribuição de proba-
bilidade para os números de fótons nos dois braços de saída é obtida como o produto do elemento
apropriado da distribuição de entrada com o módulo quadrado do coeficiente correspondente na
equação (4.157):
(n3 + n4 )!
P3,4 (n3 , n4 ) = P1 (n3 + n4 ) |rd |2n3 |td |2n4 . (4.159)
n3 !n4 !
Como vimos logo acima, essa é uma distribuição binomial do tipo que governa a partição aleatória
de n objetos idênticos clássicos em duas categorias distintas com probabilidades respectivas |rd |2
e |td |2 . O próprio processo de partição é conhecido como amostragem de Bernoulli dos fótons
de entrada. Medidas que envolvem apenas o braço de saída 4 são controladas pela distribuição
reduzida
∞ ∞
n1 ! n1 −n4 2n
P4 (n4 ) = ∑ P3,4 (n3 , n4 ) = ∑ P1 (n1 ) 1 − |td |2 |td | 4 , (4.160)
n3 =0 n1 =n4 (n1 − n4 )!n4 !

onde usamos apenas n3 = n1 − n4 para chegar à expressão final à direita. P3 (n3 ) é dada por uma
expressão similar. Essas distribuições de probabilidade são usadas para avaliar várias médias para
números de fótons de saída.
Seguindo passos similares aos da dedução da equação (4.153) e usando a equação (4.150),
temos

hn3 (n3 − 1)i = hn23 i − hn3 i = |rd |4 1 harb|â†1 â1 â†1 â1 |arbi1 + |rd |2 |td |2 hn1 i − |rd |2 hn1 i
= |rd |4 1 harb|â†1 â1 â†1 â1 |arbi1 + |rd |2 (1 − |rd |2 )hn1 i − |rd |2 hn1 i
= |rd |4 1 harb|â†1 â1 â†1 â1 − â†1 â1 |arbi1 = |rd |4 hn1 (n1 − 1)i , (4.161)

e, de forma análoga,

hn4 (n4 − 1)i = |td |4 hn1 (n1 − 1)i . (4.162)

Esses últimos resultados levam de forma direta a

h(n3 − n4 )2 i = h(n23 − 2n3 n4 + n24 − n3 + n3 − n4 + n4 )i


= h[n3 (n3 − 1) − 2n3 n4 + n4 (n4 − 1)]i + hn1 i
= |rd |4 − 2|rd |2 |td |2 + |td |4 hn1 (n1 − 1)i + hn1 i

2
= |rd |2 − |td |2 hn1 (n1 − 1)i + hn1 i . (4.163)
4.9 Entrada arbitrária em um braço 131

Os resultados (4.150), (4.151), (4.161) e (4.162) mostram que


(2) (2) (2)
g3,3 (τ) = g4,4 (τ) = g1,1 (τ) , (4.164)

e o grau de coerência de segunda ordem não é modificado do seu valor de entrada pela reflexão ou
transmissão em um divisor de feixes. Como as perdas em um caminho óptico podem ser modeladas
pela transmissão atenuada da luz por um divisor de feixes, temos que esse resultado mostra que
o grau de coerência de segunda ordem é uma medida bastante robusta à perdas no caminho do
feixe. Além disso, no caso especial de um divisor de feixes 50 : 50, a equação (4.163) mostra que a
diferença quadrática em número de fótons na saída é igual à média de número de fótons na entrada.
Considere luz mono-modo caótica como um exemplo específico de estado de entrada do
divisor de feixes. O número de fótons no braço de entrada 1 é agora distribuído de acordo com a
probabilidade P1 (n1 ) = hn1 in1 /(1 + hn1 i)1+n1 , obtida da equação (4.76). A distribuição de saída
derivada de acordo com a equação (4.159) fica
n3  n4
|rd |2 hn1 i |td |2 hn1 i

1 (n3 + n4 )!
P3,4 (n3 , n4 ) = . (4.165)
1 + hn1 i n3 !n4 ! 1 + hn1 i 1 + hn1 i

A distribuição reduzida para medidas apenas no braço 4, obtida de acordo com a equação (4.160),
pode ser reescrita usando as variáveis auxiliares

|rd |2 hn1 i
x= , (4.166a)
1 + hn1 i
|td |2 hn1 i
y= , (4.166b)
1 + hn1 i
como

yn4 ∞
P4 (n4 ) = ∑ P3,4 (n3 , n4 ) = ∑ n1 (n1 − 1) · · · (n1 − n4 + 1)xn1 −n4
n3 =0 n4 !(1 + hn i)
1 n1=n4
n n yn4 ∂ n4
∞  
y 4 ∂ 4
n1 1
= x =
n4 !(1 + hn1 i) ∂ xn4 n∑
1 =0
n4 !(1 + hn1 i) ∂ xn4 1 − x
n4 +1
yn4

1
= . (4.167)
(1 + hn1 i) 1 − x

Substituindo as definição de x e y em (4.166), ficamos então com


n
|td |2 hn1 i 4
P4 (n4 ) = , (4.168)
(1 + |td |2 hn1 i)1+n4

que descreve uma distribuição caótica mono-modo com número médio de fótons |td |2 hn1 i. Uma
distribuição similar vale para medidas no braço 3 apenas, com o número médio de fótons modificado
para o complementar |rd |2 hn1 i. No entanto, a luz caótica não produz feixes caóticos independentes
nas duas saídas.
Problema 4.15 Prove que a correlação em número de fótons entre os dois braços de saída do
divisor de feixes para uma entrada caótica no braço 1 é

hn3 n4 i = 2|rd |2 |td |2 hn1 i2 = 2hn3 ihn4 i . (4.169)


132 Capítulo 4. Óptica quântica mono-modo

Esta expressão tem um fator 2 adicional quando comparado com o resultado correspondente para
feixes de luz independentes, derivado na equação (4.174) abaixo.
A distribuição de saída para um estado de entrada coerente é mais facilmente derivada com uso
do operador de criação do estado coerente para o braço, como definido na equação (4.46). O estado
de entrada é então

|αi1 |0i2 = D̂1 (α)|0i . (4.170)

Então, usando a equação (4.127) e seus Hermiteanos conjugados,


 
D̂1 (α) = exp α â†1 + α ∗ â1
 
= exp αrd â†3 + α ∗ rd∗ â3 + αtd â†4 + α ∗td∗ â4 = D̂3 (rd α)D̂4 (td α) , (4.171)

onde a fatoração no passo final é permitida por conta dos operadores para as saídas 3 e 4 comutarem,
como visto na equaçao (4.130). Segue que a saída é um produto de estados coerentes,

|αi1 |0i2 = |rd αi3 |td αi4 , (4.172)

e não ocorre emaranhamento. As distribuições de número de fótons na saída têm assim a forma
Poissoniana da equação (3.4) e, por exemplo,

 |td |2 hn1 i n4

2
P4 (n4 ) = exp −|td | hn1 i . (4.173)
n4 !
O estado coerente de entrada tem a propriedade única de que sua divisão por um divisor de
feixes produz duas saídas que são indistinguíveis de feixes de luz coerentes produzidos por fontes
independentes. Assim, todas as correlações entre as saídas fatoram e, por exemplo, é direto mostrar
que

hn3 n4 i = hn3 ihn4 i (4.174)

e




Ê3 (χ3 )Ê4 (χ4 ) = Ê3 (χ3 ) Ê4 (χ4 ) , (4.175)

onde os valores esperados para os estados coerentes individuais são como dados nas equações
(4.55) e (4.70), respectivamente, com a substituição das amplitudes complexas rd α e td α para os
braços de saída.
O padrão de franjas para o interferômetro de Mach-Zehnder com um estado coerente de entrada
é dado pela equação (4.156), com |α|2 substituindo o número médio de fótons na entrada. A
identificação acima da saída do primeiro divisor de feixes com estados coerentes independentes
sugere que franjas similares devem ocorrer na superposição de feixes de luz vindos de fontes
independentes. Tais franjas são mesmo observadas no campo formado pela superposição de
luz de dois lasers independentes [Pfl67, Lou93]. A interferência ocorre entre as amplitudes de
probabilidade de que um fóton detectado foi emitido por uma fonte ou a outra. A interpretação do
experimento é a mesma que aquela do interferômetro de Mach-Zehnder com excitação de estado
coerente, na qual não há como um fóton simultaneamente contribuir para os efeitos de interferência
e ser atribuído a uma fonte laser definida. O fóton neste caso excita um estado de superposição
semelhante à equação (4.139), onde 3 e 4 rotulam agora os feixes de saída dos dois lasers e rd e td
são proporcionais às amplitudes dos feixes.
As distribuições de número de fótons na saída para entradas de luz caótica e coerente, dadas
pelas equações (4.168) e (4.173), têm as mesmas formas funcionais que as distribuições de entrada.
4.9 Entrada arbitrária em um braço 133

Isto, no entanto, não é uma propriedade geral da transmissão através de um divisor de feixes e um
contra-exemplo é dado pelo estado de número |n1 i na entrada, para o qual a equação (4.160) dá

n1 ! n1 −n4 2n
P4 (n4 ) = 1 − |td |2 |td | 4 . (4.176)
(n1 − n4 )!n4 !

Esta probabilidade é no geral não nula para todos os valores de n4 de 0 a n1 , diferentemente do


único elemento não nulo da distribuição de entrada, e o exemplo com n1 = 4 é mostrado na figura
(4.13). A igualdade dos graus de coerência de segunda ordem de entrada e saída, expressa pela
equação (4.164), continua válida.

Figura 4.13: Distribuições de probabilidade de número de fótons para um estado de


número na entrada com n1 = 4 e estados na saída transmitidos de divisores de feixe
com |td |2 igual a (a) 1, (b) 1/2 e (c) 1/4. O grau de coerência de segunda ordem é
sempre igual a 3/4.
III
terceira unidade

5 Óptica quântica multi-modo: emaranha-


mento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação
de desigualdades de Bell
5.2 Estados emaranhados de dois modos

6 Regime quântico da interação átomo-luz


157
6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades
6.2 Estados emaranhados coletivos

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

Este capítulo será baseado fortemente na Referência [Gry10].

A restrição a campos luminosos mono-modos no último capítulo nos permitiu discutir uma
gama de estados da luz com uma complexidade teórica mínima. Essa abordagem foi crucial para
introduzir de forma mais clara uma série de campos luminosos sem análogo clássico. Por outro lado,
perdemos importantes elementos de realismo ao considerar campos mono-modos. Perdemos, por
exemplo, a dinâmica temporal do sistema, particularmente na forma como discutimos no capítulo 3,
ou seja, os campos do capítulo 4 não perdem a coerência com o tempo. Para modelar tal dinâmica,
precisaríamos de uma distribuição de modos de frequência.
Uma outra restrição do tratamento mono-modo é desprezar correlações quânticas entre dife-
rentes modos espaciais da luz. No contexto do interferômetro de Mach-Zehnder com um fóton
individual, vimos já no capítulo anterior um exemplo de estado emaranhado da luz, exibindo
correlações quânticas entre modos propagando em diferentes regiões do espaço. Focaremos, no
presente capítulo, em explorar estados multi-modos exibindo emaranhamento quântico. Isso porque
tais estados formam uma família exibindo propriedades não-clássicas muito maior que a família dos
modos individuais não-clássicos da luz. O potencial de tais estados, em termos de tipos diferentes,
propriedades e aplicações, continua basicamente inexplorado. No que segue, introduziremos a
noção de emaranhamento quântico através de seus exemplos mais simples: estados bipartites da
luz.

5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação de desigualdades de


Bell
(baseado no Complemento 5C de [Gry10])
O formalismo da mecânica quântica foi desenvolvido para explicar de forma unificada, com
muito sucesso, uma ampla gama de resultados experimentais. No entanto, desde o início vários
aspectos da teoria chamaram atenção por levar a interpretações contra-intuitivas de diversos fenôme-
nos físicos. Já vimos, no último capítulo, o exemplo do fóton individual que segue simultaneamente
pelos dois braços de um interferômetro. Esse foi um dos experimentos que levaram a debates
138 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

acalorados no período de elaboração da mecânica quântica. Outro desses problemas era o conceito
de superposição de estados de um sistema físico, como um átomo que poderia estar em uma super-
posição de seus estados fundamental e excitado. Vários físicos objetavam a noção de uma teoria que
incorporava a indefinição como uma propriedade fundamental da natureza. Esse questionamento do
formalismo final da mecânica quântica levou, em 1935, a um trabalho de Einstein, Podolsky e Rosen
(EPR) [Ein35] que mostrava que a mecânica quântica implicava que duas partículas separadas por
uma grande distância podiam aparentemente ter suas propriedades alteradas por medições realizadas
na outra partícula, sem nenhuma restrição à velocidade de propagação da informação entre os sítios
das duas partículas. Pouco depois, Schrödinger cunhou o termo "estado emaranhado"para essa
situação física ressaltada por EPR [Sch35, Sch36]. As discussões sobre esse problema continuaram
por décadas, inspiradas pela proposta original de EPR de que o paradoxo gerado por estados
emaranhados indicava que a mecânica quântica deveria ser considerada incompleta, e que uma
teoria consistente mais geral estaria por trás das observações experimentais. A polêmica só foi
resolvida em 1964 por Bell [Bel64], que mostrou que era possível experimentalmente checar se
sistemas físicos seguiam uma teoria realista como sugerida por EPR ou se seguiam a mecânica
quântica com toda a sua estranheza. O experimento proposto por Bell foi posteriormente realizado
entre as décadas de 70 e 80 do século passado [Fre72, Asp82], mostrando a incompatibilidade da
natureza com teorias realistas nos moldes sugeridos por EPR e a concordância dos experimentos
com as previsões da mecânica quântica. Essa discussão de cinco décadas foi fundamental para
ressaltar aspectos fundamentais da mecânica quântica que desafiam nossa intuição da natureza
muito além do que havia se desenhado nos primórdios da mecânica quântica. Inicialmente, a
discussão não envolvia diretamente estados da luz, mas os primeiros experimentos que testaram as
idéias de Bell foram todos realizados com pares de fótons. Isso abriu uma nova frente para explorar
estados quânticos mais complexos da luz, com novas ferramentas experimentais para distinguir
estados da luz sem análogos clássicos. Nessa seção, vamos discutir a adaptação para estados da luz
do método proposto por Bell.

5.1.1 Fótons correlacionados em polarização: pares EPR


(baseado na Seção 5C.2 do [Gry10])
Considere dois modos l 0 e l 00 do campo eletromagnético caracterizados pelo mesmo vetor de
onda k (e portanto a mesma frequência) paralelo ao eixo Oz, mas com polarizações e0 e e00 ao longo
dos eixos Ox e Oy, respectivamente. Esses dois modos geram o espaço Ek de estados de um fóton
com vetor de onda k, definido pela base {|1x i; |1y i}, que devemos escrever como {|xi; |yi} para
simplificar a notação. Este espaço de estados de polarização de um fóton k é bidimensional.
A base {|xi; |yi} é de fato associada a um observável, a saber, a polarização na direção Ox, que
pode ser medida usando um analisador de polarização, ou simplesmente polarizador (ver figura
5.1). Este dispositivo tem duas portas de saídas rotuladas como +1 e -1, de tal forma que os fótons
no estado |xi certamente vão para a porta +1, enquanto fótons em |yi irão para a porta -1. Para
descrever esse tipo de medida, introduziremos o observável Â(0) que tem auto-vetores |xi e |yi
com auto-valores +1 e -1, respectivamente. Relativo à base {|xi; |yi}, o operador correspondente
pode ser escrito

 
+1 0
Â(0) = . (5.1)
0 −1

O polarizador pode de fato rotacionar em torno do eixo Oz e sua orientação é indicada por um vetor
unitário u, ou por um ângulo θ = (Ox, u) entre u e Ox. Uma medida da polarização na orientação
especificada por θ é associada com polarizações lineares ao longo de θ ou θ + π2 . Os auto-vetores
5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação de desigualdades de Bell
139

do observável Â(θ ) são obtidos pela rotação:

|+θ i = cos θ |xi + senθ |yi , (5.2a)


|−θ i = −senθ |xi + cos θ |yi , (5.2b)

e Â(θ ) é expresso, relativo à base {|xi, |yi}, como


 
cos 2θ sen2θ
Â(θ ) = . (5.3)
sen2θ − cos 2θ

É fácil checar que Â(θ )|±θ i = ±|±θ i.

Figura 5.1: Medida de polarização da luz. O polarizador, que pode rotacionar em


torno do eixo Oz ao longo do qual a luz propaga, mede a polarização ao longo de u,
perpendicular a Oz. A figura mostra o caso particular em que u aponta ao longo de
Ox [θ = (Ox, u) = 0]. Luz polarizada na direção u sai através da porta +1, enquanto
luz polarizada na direção perpendicular a u sai através da porta -1. No caso geral,
para um feixe clássico, uma certa fração sai por cada porta. Um fóton individual, que
não pode se dividir entre as duas portas, sai ou pela porta +1 ou pela porta -1, com
probabilidades que dependem do estado quântico. Dizemos então que a medida de
polarização ao longo de u foi feita sobre o fóton, na qual os resultados podem ser +1
ou -1.

Se considerarmos um fóton incidente linearmente polarizado ao longo de uma direção fazendo


um ângulo λ com Ox, seu estado pode ser escrito como

|ψi = |+λ i = cos λ |xi + senλ |yi . (5.4)

Uma medida feita por um polarizador orientado na direção θ dará resultados +1 ou -1 com
probabilidades

P+ (θ , λ ) = |h+θ |+λ i|2 = cos2 (θ − λ ) , (5.5a)


2 2
P− (θ , λ ) = |h−θ |+λ i| = sen (θ − λ ) . (5.5b)

Problema 5.1 Demonstre as equações (5.5). 


140 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

As equações (5.5) expressam, em termos probabilísticos e para um fóton individual, o resultado


clássico conhecido como Lei de Malus, que fornece as intensidades transmitidas pelas portas +1 e
-1 para um feixe incidente polarizado na direção especificada por λ .
Polarizadores são dispositivos comuns na região visível do espectro, usualmente feitos ou de
cristais birrefringentes anisotrópicos, ou pela junção de dois prismas ao longo de suas hipotenusas
com uma camada cuidadosamente calculada de material dielétrico no meio. No primeiro caso, u
corresponde ao eixo óptico do cristal birrefringente. No segundo, u se situa no plano de incidência
sobre as hipotenusas (ver figura 5.2). Medidas associadas com o observável Â(u) são feitas
posicionando dispositivos capazes de detectar um único fóton nas portas de saída +1 e -1, como
foto-multiplicadoras ou foto-detectores de avalanche.

Figura 5.2: (a) Polarizador birrefringente e (b) polarizador por camada dielétrica.
Ambos estão orientados ao longo de θ = 0. Medidas de polarização são feitas
posicionando foto-contadoras nas portas +1 e -1.

Consideremos agora um par de fótons v1 e v2 com frequências ω1 e ω2 , respectivamente,


emitidos simultaneamente ao longo de −Oz e +Oz, respectivamente (ver figura 5.3). O único grau
de liberdade não especificado é a polarização de cada fóton. O estado de polarização do par é
descrito por um ket no espaço

E = E1 ⊗ E2 , (5.6)

que é o produto tensorial dos espaços bidimensionais E1 e E2 descrevendo as polarizações de v1 e


v2 , respectivamente. O espaço E é quadridimensional. Uma base para este espaço é dada pelos
quatro kets:

E = {|x1 , x2 i; |x1 , y2 i; |y1 , x2 i; |y1 , y2 i} . (5.7)

As propriedades de polarização de um par são descritas por um vetor |ψi neste espaço.
Usando os polarizadores I e II da figura (5.3), orientados nas direções escolhidas a e b (fazendo
ângulos θa e θb com o eixo Ox), medidas de polarização podem ser realizadas em cada fóton. Uma
medida conjunta em dois fótons do mesmo par pode resultar em um dos quatro resultados (+1, +1),
(+1, −1), (−1, +1) ou (−1, −1). As probabilidades correspondentes são

P++ (a.b) = |h+a , +b |ψi|2 , (5.8)


2
P+− (a.b) = |h+a , −b |ψi| , (5.9)

e assim sucessivamente. De modo a manter a notação tão transparente quanto possível, os índices 1
e 2 serão geralmente omitidos, como feito acima, com o entendimento de que a primeira quantidade
é referente ao fóton v1 e a segunda ao fóton v2 . Podemos também obter as probabilidades para
5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação de desigualdades de Bell
141

medidas em um único fóton. Estas são relacionadas às medidas conjuntas. Por exemplo, a
probabilidade de obter +1 para o fóton v1 é

P+ (a) = P++ (a, b) + P+− (a, b) . (5.10)

Essas probabilidades são medidas posicionando detetores de fótons nas saídas correspondentes
dos polarizadores e usando circuitos de coincidência capazes de identificar detecções simultâneas
em intervalos de tempo da ordem de nano-segundos, como no caso do interferômetro de Hanbury
Brown-Twiss.
Consideremos agora pares de fótons no estado
1
|ψEPR i = √ (|x, xi + |y, yi) . (5.11)
2
Note imediatamente a natureza especial deste estado, no qual uma polarização específica não pode
ser atribuída ao fóton 1 nem ao fóton 2. Na verdade, este estado não pode ser fatorado em um
produto tensorial de dois termos, um associado com v1 e o outro com v2 , ao contrário dos estados
|x, xi ou |y, yi tomados separadamente. Lembrando que o estado |x, xi representa um estado com os
dois fótons polarizados na direção Ox. Esta impossibilidade de fatorar um estado como |ψi reside
no coração do emaranhamento quântico.

Figura 5.3: Experimento mental de EPR usando pares de fótons com polarizações
correlacionadas. As polarizações dos fótons v1 e v2 do mesmo par são analisadas
em direções a e b por polarizadores I e II, onde os vetores a e b que caracterizam
as orientações dos polarizadores são perpendiculares ao eixo Oz. Os resultados das
medidas revelam a existência de correlações de polarização.

É direto calcular as probabilidades de detecções conjuntas esperadas para o estado |ψEPR i,


quando os polarizadores I e II são orientados ao longo de a e b, respectivamente, formando ângulos
θa e θb com o eixo Ox. Por exemplo, usando (5.8) e (5.2), obtemos
1 1
P++ (a, b) = |h+a , +b |ψEPR i|2 = cos2 (θa − θb ) = cos2 (a, b) . (5.12)
2 2
De forma semelhante, para as outras três probabilidades de detecção conjuntas, encontramos
1
P−− (a, b) = cos2 (a, b) , (5.13)
2
1
P+− (a, b) = P−+ (a, b) = sen2 (a, b) . (5.14)
2
Note que essas probabilidades dependem apenas do ângulo (a, b) = θb − θa entre os polariza-
dores e não das suas orientações absolutas. O resultado é invariante por rotação em torno de
Oz.
142 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

Problema 5.2 Demonstre as equações (5.12) a (5.14). 

A probabilidade de obter +1 para o fóton v1 , independente do resultado para v2 , é

1
P+ (a) = P++ (a, b) + P+− (a, b) = . (5.15)
2
Da mesma forma, obtemos as outras probabilidades de detecção simples:

1
P− (a) = , (5.16)
2
1
P+ (b) = P− (b) = . (5.17)
2
Primeiro, observamos de (5.15) a (5.17) que cada medida leva a resultados que, tomados separada-
mente, parecem ser aleatórios. Se representarmos o resultado da medida do polarizador I (orientado
ao longo de a) através de uma variável clássica aleatória A (a) que pode assumir apenas os valores
+1 e -1, então (5.15) e (5.16) implicam que

1
P[A (a) = +1] = P[A (a) = −1] = . (5.18)
2
Este resultado é então perfeitamente aleatório, e a média estatística (denotada por uma barra no
topo) de A (a) é

A (a) = 0 . (5.19)

De forma análoga, o resultado de uma medida de polarização em v2 pelo polarizador II orientado na


direção b é uma variável aleatória B(b) que pode assumir apenas os valores +1 e -1 e tem média
nula, isto é,

B(a) = 0 . (5.20)

Portanto, no estado EPR, cada fóton tomado separadamente parece ser despolarizado. No
entanto, veremos agora que as polarizações de v1 e v2 são de fato correlacionadas. Para isso,
consideramos o coeficiente de correlação entre as variáveis aleatórias A (a) e B(b), definido como

A (a) · B(b) − A (a) · B(b)


E(a, b) =  1/2  1/2 . (5.21)
|A (a)|2 · |B(b)|2

A definição acima é relativa às variáveis aleatórias A (a) e B(b), que representam os resultados
das medidas. Se esses resultados de medidas são dados pelas predições da teoria quântica relativas
ao par EPR, como especificadas em (5.12) a (5.14), temos

A (a) · B(b) = (+1) · (+1) · P++ (a, b) + (−1) · (−1) · P−− (a, b) + (+1) · (−1) · P+− (a, b)
+ (−1) · (+1) · P−+ (a, b)
= cos 2(a, b) , (5.22)

Levando em conta (5.19) e (5.20) e o fato de que

A (a)2 = B(b)2 = 1 , (5.23)


5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação de desigualdades de Bell
143

encontramos que a mecânica quântica prediz o seguinte coeficiente de correlação para as polariza-
ções no estado EPR:
EQM (a, b) = A (a) · B(b) = cos 2(a, b) . (5.24)
Se os polarizadores I e II são orientados na mesma direção, isto é (a, b) = 0, o coeficiente de
correlação predito pela mecânica quântica é um. Em outras palavras, temos correlação perfeita.
Esta correlação perfeita pode ser vista diretamente considerando o valor das probabilidades
conjuntas quando (a, b) = 0. Por exemplo, temos P++ (a, a) = 1/2. Lembrando que P+ (a) = 1/2,
deduzimos que a probabilidade condicional de encontrar +1 para v2 na direção b = a, tendo
encontrado +1 para v1 na direção a, é apenas
P{B(a) = +1EA (a) = +1}
P{B(a) = +1|A (a) = +1} =
P{A (a) = +1}
P++ (a, a)
= = 1. (5.25)
P+ (a)
Podemos então ter certeza de encontrar +1 para v2 se tivermos encontrado +1 para v1 , quando os
polarizadores têm a mesma orientação. Pode-se da mesma forma mostrar que se encontrarmos
-1 para v1 , então encontramos -1 para v2 . Esta correlação perfeita é confirmada pelo fato de que
P+− (a, a) = P−+ (a, a) = 0, isto é, se encontramos +1 para v1 , nunca encontramos -1 para v2 , e vice-
versa. O nível de correlação (5.24) depende do ângulo entre os polarizadores. Para (a, b) = π/4,
ele é zero. No entanto, para (a, b) = π/2, ele é -1, que corresponde mais uma vez a correlação
perfeita (o sinal menos indica que se encontramos +1 de um lado, temos certeza de encontrar -1 do
outro).
A predição da teoria quântica de correlação perfeita entre certas medidas feitas em duas partí-
culas distantes, espacialmente separadas mas descritas por um estado emaranhado, foi descoberta
por Einstein, Podolsky e Rosen. Eles concluíram daí que a mecânica quântica era uma teoria
incompleta. A hipótese EPR é que a aparente dependência dos resultados da teoria quântica com
a posição de aparatos de medidas muito distantes entre si indicava que deveria haver uma teoria
mais geral na qual as correlações viriam de propriedades ainda desconhecidas do sistema, não das
posições dos aparatos de medidas. Com o tempo, as novas teorias baseadas nessa hipótese passaram
a receber o nome de teorias de variáveis escondidas, pois assumiam que haviam parâmetros ainda
desconhecidos dos cientistas por trás das correlações estranhas previstas pela mecânica quântica.

5.1.2 O teorema de Bell


(baseado na Seção 5C.3 do [Gry10])
No contexto da busca por uma teoria de variáveis escondidas, Bell finalmente formulou um
argumento completamente geral mostrando que teorias desse tipo levavam a resultados experi-
mentais diferentes da mecânica quântica, ou seja, a hipótese da existência de teorias de variáveis
escondidas podia ser testada experimentalmente. O argumento de Bell se aplica a qualquer teoria
de variáveis escondidas como idealizada por Einstein, Podolsky e Rosen, mas iremos concentrar a
discussão no caso discutido acima da correlação de polarização entre pares de fótons. No espírito
do argumento de EPR, queremos explicar as correlações de polarização entre dois fótons do par, e
que mudam aleatoriamente de um par para outro, introduzindo um conjunto de parâmetros ocultos
que representaremos por λ . Esse conjunto de parâmetros podem ser variáveis aleatórias em uma
determinada realização do experimento, mas são caracterizados por uma densidade de probabilidade
positiva definida ρ(λ ), isto é
ρ(λ ) ≥ 0 , (5.26)
Z
dλ ρ(λ ) = 1 . (5.27)
144 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

Além disso, descrevemos as medidas de polarização I e II sobre fótons carregando os parâmetros λ


através de funções A(λ , a) e B(λ , b) que podem assumir apenas os valores +1 ou -1:

|A(λ , a)| = |B(λ , b)| = 1 . (5.28)

Assumimos que existe tanta chance de obter +1 quanto -1 para cada medida de polarização, isto é
Z Z
dλ ρ(λ )A(λ , a) = dλ ρ(λ )B(λ , b) = 0 . (5.29)

Note que todas essa condições acima apenas se ajustam de forma razoável à condição física que
queremos modelar. A partir delas, é então claro que o coeficiente de correlação em polarização,
definido na forma usual por (5.21), pode ser escrito neste modelo de variáveis escondidas (EV)
como
Z
EEV (a, b) = A(λ , a) · B(λ , b) = dλ ρ(λ )A(λ , a)B(λ , b) . (5.30)

As desigualdades de Bell se aplicarão a qualquer teoria de variáveis escondidas do tipo descrita


aqui, qualquer que seja a forma específica das funções A(λ , a), B(λ , b) ou ρ(λ ), dado que elas
satisfaçam as propriedades (5.26) a (5.29). Para provar essas desigualdades, considere a quantidade

s(λ , a, a0 , b, b0 ) = A(λ , a) · B(λ , b) − A(λ , a) · B(λ , b0 ) + A(λ , a0 ) · B(λ , b) + A(λ , a0 ) · B(λ , b0 ).


(5.31)

Ela pode ser fatorada para dar

s(λ , a, a0 , b, b0 ) = A(λ , a) B(λ , b) − B(λ , b0 ) + A(λ , a0 ) B(λ , b) + B(λ , b0 ) .


   
(5.32)

Usando (5.28) e (5.32), vemos que

s(λ , a, a0 , b, b0 ) = ±2 , (5.33)

quaisquer que sejam os valores de λ , notando que ou B(λ , b) = B(λ , b0 ) ou B(λ , b) = −B(λ , b0 ).
Se tirarmos uma média da relação (5.33) sobre λ , obtemos então uma quantidade situada entre -2 e
+2:
Z
−2 ≤ dλ ρ(λ )s(λ , a, a0 , b, b0 ) ≤ +2 . (5.34)

Usando (5.30), quatro valores do coeficiente de correlação surgem, tomados para quatro orientações
(a, b), (a, b0 ), (a0 , b) e (a0 , b0 ), limitados pelas desigualdades

−2 ≤ S(λ , a, a0 , b, b0 ) ≤ +2 , (5.35)

onde S é definido por

S = E(a, b) − E(a, b0 ) + E(a0 , b) + E(a0 , b0 ) . (5.36)

Acabamos de estabelecer uma forma particularmente útil de desigualdades de Bell, conhecida como
desigualdade de Clauser-Horn-Shimony-Holt (CHSH) [Cla69]. Ela restringe qualquer correlação
que pode ser escrita na forma (5.30), onde as quantidades A(λ , a), B(λ , b) e ρ(λ ) podem assumir
qualquer forma compatível com (5.26) a (5.29).
5.1 Fótons emaranhados em polarização e violação de desigualdades de Bell
145

5.1.3 Conflito com a mecânica quântica


(baseado na Seção 5C.3.2 do [Gry10])
As desigualdades de Bell do tipo CHSH são muito gerais. Elas se aplicam a qualquer modelo
no qual correlações de polarização são levadas em conta introduzindo variáveis extras no mesmo
espírito sugerido pelas idéias de EPR. No entanto, acontece que as correlações de polarização
(5.24) preditas pela mecânica quântica para fótons no estado EPR dado por (5.11) violam essas
desigualdades para certas orientações dos polarizadores. Esta violação equivale a uma considerável
discrepância. Considere as orientações (a0 , a00 , b0 , b00 ) mostradas na figura (5.4), onde
π
(a0 , b0 ) = (b0 , a00 ) = (a00 , b00 ) = , (5.37)
8
e portanto,

(a0 , b00 ) = . (5.38)
8
Usando (5.24), encontramos então que, para estados EPR, a mecânica quântica prediz um valor
para S igual a

SQM (a0 , a00 , b0 , b00 ) = 2 2 = 2.828 . . . , (5.39)

claramente conflitando com (5.35), isto é, excedendo o limite superior de (5.35) por uma quantidade
considerável.

Figura 5.4: Violação máxima da desigualdade de Bell do tipo CHSH. Para o con-
junto de orientações (a0 , a00 , b0 , b00 ) dos polarizadores I e II obedecendo (a0 , b0√
)=
0 0 0
(b0 , a0 ) = (a0 , b0 ) = π/8, a quantidade SQM predita pela mecânica quântica é 2 2,
bem acima do limite superior da desigualdade (5.35).

Tendo identificado uma contradição entre as predições da mecânica e as predições de qualquer


teoria de variáveis escondidas que tente completar a mecânica quântica de acordo com o programa
EPR, somos compelidos a buscar as razões mais profundas para este conflito. Quais são exatamente
as hipóteses, implícitas ou explícitas, que são necessárias para obter desigualdades de Bell? O
entendimento atual é que duas hipóteses são suficientes:
1. a introdução de variáveis extras, compartilhadas para explicar as correlações entre medidas
em sistemas separados;
2. a hipótese de localidade, enfatizada por Bell no seu primeiro artigo, e que devemos agora
deixar explícita. No contexto do experimento mental da figura (5.3), a hipótese de localidade
requer que o resultado da medida por um polarizador, por exemplo o polarizador I, não pode
depender da orientação b do outro polarizador II - e inversamente, uma medida em II não
pode ser afetada pela orientação a de I. Da mesma forma, o estado dos fótons na emissão não
pode depender das orientações a e b dos polarizadores que irão posteriormente realizar as
medidas sobre esses mesmos fótons.
146 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

Implicitamente assumimos esta hipótese usando as formas ρ(λ ), A(λ , a) e B(λ , b) para des-
crever a emissão dos pares de fótons, ou a resposta dos polarizadores. Portanto, é claro que a
função A(λ , a) descrevendo a medida pelo polarizador I não depende da orientação b do polarizador
distante II, e B(λ , b) não depende de a. Da mesma forma, a distribuição de probabilidades ρ(λ )
das variáveis escondidas sobre os pares no instante de emissão não depende das orientações a ou
a0 , b ou b0 , dos polarizadores que irão realizar as medidas. Essas condições de localidade são
essenciais para obter as desigualdades de Bell. Se fosse permitido que a resposta do polarizador I,
por exemplo, dependesse de b, expressando-a na forma A(λ , a, b), não poderíamos provar que a
quantidade s(λ , a, a0 , b, b0 ) é igual a ±2.
O problema surge, portanto, da noção de causalidade relativística presente no artigo EPR
original [Ein35] e que foi incorporada no argumento de Bell na forma da hipótese de localidade.
Note que estamos abordando aqui uma noção muito diferente de classicalidade do que vínhamos
tratando até aqui no curso. A óptica clássica é fundamentada na teoria ondulatória da luz, de
modo que os efeitos puramente quânticos tipicamente misturavam componentes corpusculares
aos aspectos clássicos usuais. De uma forma análogo, para partículas massivas, como os elétrons,
comumente os efeitos puramente quânticos ressaltam suas características ondulatórias. Essa
dualidade onda-partícula ilustrou no início da mecânica quântica a dificuldade de se construir uma
noção intuitiva realista da mesma. O debate em torno do paradoxo EPR revela uma perspectiva
completamente nova sobre essa dificuldade de montar uma visão intuitiva da mecânica quântica. A
violação das teorias realistas locais por estados quanticamente emaranhados ressalta as implicações
surpreendentes e profundamente não triviais da mecânica quântica.

5.2 Estados emaranhados de dois modos


(baseado no Complemento 5D de [Gry10])
Na seção anterior, discutimos propriedades do emaranhamento entre estados de polarização
de dois fótons se propagando em modos espaciais distintos, e introduzimos novas formas de
caracterizar aspectos do sistema sem análogo clássico. Agora vamos formalizar melhor a noção
de emaranhamento entre dois modos do campo eletromagnético, discutindo outras propriedades e
métodos de produção.

5.2.1 Descrição geral de um estado de dois modos


(baseado na Seção 5D.1 do [Gry10])
De acordo com a equação (1.88), o estado mais geral de dois modos do campo eletromagnético
pode ser escrito como
+∞ +∞
|ψi = ∑ ∑ cnl nl0 |0, . . . , nl , 0 . . . , nl 0 , 0 . . . i . (5.40)
nl =0 nl 0 =0

Apenas dois modos particulares, rotulados por l e l 0 , não estão no estado de vácuo. Usamos a
notação abreviada
+∞ +∞
|ψi = ∑ ∑ cnl nl0 |nl , nl 0 i (5.41)
nl =0 nl 0 =0

para tal estado. Os dois modos podem diferir pela polarização, pela direção de propagação ou pela
frequência. Além da dimensão mais alta do espaço de estados, a nova característica se compararmos
o caso mono-modo do capítulo anterior é que os dois modos podem ser separados fisicamente
através de um separador de polarização, um diafragma ou um prisma, respectivamente. É possível
então executar medidas independentes em cada um deles. E são as correlações entre essas medidas
5.2 Estados emaranhados de dois modos 147

o foco ao longo da maior parte desta seção. A situação considerada aqui é diferente daquela descrita
na seção anterior, onde consideramos na verdade quatro modos diferentes (dois para cada fóton v1
e v2 ). Por outro lado, consideraremos a possibilidade de estados com mais de um fóton no modo,
contrastando com os estados de um fóton por modo da seção anterior.
Existe um teorema de que qualquer estado de dois modos da forma (5.41) pode ser expresso do
seguinte modo, conhecido como a “decomposição de Schmidt”:
S

|ψi = ∑ pi |ui i ⊗ |u0i i , (5.42)
i=1

onde |ui i e |u0i i são estados quânticos mono-modos nos modos l e l 0 , respectivamente, que formam
dois conjuntos ortonormais de vetores, e os pi são números reais estritamente positivos tais que
∑Si=1 pi = 1. A decomposição de Schmidt não é única, mas o número de termos na soma, denotado
aqui por S e chamado de “número de Schmidt”, é fixo uma vez que o vetor |ψi é dado. Existem
então duas possibilidades:
• S = 1, na qual |ψi pode ser expressa na forma |u1 i ⊗ |u01 i. Este é um estado fatorável. O
sistema físico é descrito em cada um dos dois modos por um estado mono-modo do mesmo
tipo estudado no capítulo anterior.
• S > 1, na qual |ψi não é fatorável. Este é um estado emaranhado. Fisicamente, isto significa
que é impossível descrever a radiação nos modos l e l 0 por vetores de estado separados.
O sistema forma um todo inseparável, mesmo se os modos forem fisicamente distintos e
medidas forem realizadas em cada um deles por dispositivos de medidas separados por uma
grande distância, tal que eles não possam ser conectados por um interação física.
Estas considerações podem ser estendidas para o caso quando o sistema é descrito não por um
vetor de estado |ψi, mas por uma matriz densidade ρ̂. A generalização do estado fatorável é o
que iremos chamar de um estado quântico separável. Este é um estado descrito por uma matriz
densidade que pode ser escrita na forma
n
ρ̂ = ∑ q j ρ̂ j ⊗ ρ̂ 0j , (5.43)
j=1

onde ρ̂ j e ρ̂ 0j são matrizes densidade mono-modos nos modos l e l 0 , e q j são números reais
estritamente positivos tais que ∑nj=1 q j = 1. Esta é, portanto, uma superposição estatística de
estados fatoráveis, nos quais o modo l, por exemplo, tem uma probabilidade q j de estar no estado
mono-modo descrito pela matriz densidade ρ̂ j . A generalização do estado emaranhado é o estado
não-separável, que não pode ser escrito na forma (5.43). A caracterização de não-separabilidade
para uma mistura estatística é significativamente mais trabalhosa que para um caso puro.
Para caracterizar as correlações entre medidas executadas nos dois dois modos, considere Â
e Â0 observáveis atuando, respectivamente, nos espaços de Hilbert Fl e Fl 0 associados com os
modos l e l 0 . Estes podem ser operadores de quadratura do campo, por exemplo, ou operadores
de número de fótons. Como esses operadores atuam em espaços diferentes, eles necessariamente
comutam. O coeficiente de correlação E(A, A0 ) entre medidas dessas duas quantidades reside entre
-1 e +1 e é dado por

hψ|ÂÂ0 |ψi − hψ|Â|ψihψ|Â0 |ψi


E(A, A0 ) = . (5.44)
∆A∆A0
Ele generaliza, para medidas arbitrárias, o coeficiente E(a, b) introduzido para correlações entre
medidas de polarização em (5.21). Quando E(A, A0 ) = 0, as medidas não são correlacionadas, isto
é, medidas de  não fornecem nenhuma informação sobre o valor de Â0 no mesmo estado. Por
outro lado, se E(A, A0 ) = 1 [ou E(A, A0 ) = −1], as medidas são perfeitamente correlacionadas [ou
148 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

anti-correlacionadas], e o resultado de uma medida de  para o modo l nos diz o resultado de


uma medida de Â0 para o modo l 0 sem termos realmente que executar esta segunda medida. Note
que correlações muito fortes, até perfeitas, podem existir entre quantidades clássicas. A natureza
especificamente quântica das correlações aparece quando elas vêm de várias quantidades associadas
com observáveis que não comutam. Isto é que foi discutido em muito detalhe na seção anterior,
para o exemplo de correlações entre polarizações de fótons.
Suponha agora que o sistema está em um estado fatorável |ψi = |u1 i ⊗ |u01 i. Então,

hψ|ÂÂ0 |ψi = hu1 |Â|u1 ihu01 |Â0 |u01 i = hψ|Â|ψihψ|Â0 |ψi . (5.45)

O coeficiente de correlação E(A, A0 ) é então zero. Quando o sistema é descrito por um vetor de
estado (‘um estado puro’), então só pode haver correlação entre medidas se o estado |ψi for
emaranhado, isto é, se o número de Schmidt S da decomposição (5.42) for maior que 1.
A forma dos observáveis para a qual esta correlação é perfeita no estado emaranhado ψ pode
ser determinada diretamente. Para isso, considere os observáveis com auto-vetores |ui i e |u0i i
aparecendo em (5.42). Eles podem ser escritos na forma

S S
 = ∑ ai |ui ihui | ; Â0 = ∑ a0i |u0i ihu0i | , (5.46)
i=1 i=1

onde os ai e a0i são números reais, assumidos todos diferentes. Se o sistema está no estado (5.42) e a
medida de  fornece o resultado |ui0 i, então após essa medida, o estado é projetado no auto-estado
correspondente |ui0 i ⊗ |u0i0 i, e pode-se então ter certeza que a medida de Â0 dará o resultado |u0i0 i.
A correlação entre as medidas é então perfeita.

5.2.2 Estados de fótons gêmeos


(baseado na Seção 5D.2 e partes do Capítulo 7 do [Gry10])
Considere o estado de dois modos
+∞ +∞
|ψi = ∑ cn |nl = n, nl 0 = ni = ∑ cn |n, ni , (5.47)
n=0 n=0

onde os coeficientes cn são todos positivos. Ele já está expresso na forma de Schmidt (5.42). O
número de Schmidt do estado é assim o número de coeficientes cn não nulos. Ele é emaranhado
sempre que ao menos dois dos coeficientes sejam não nulos.
Agora considere os operadores números de fótons N̂l = â†l âl e N̂l 0 = â†l 0 âl 0 . Eles são diagonais
com relação à base de estados de número, da forma (5.46). Haverá portanto uma correlação perfeita
entre medidas de número de fótons em cada um desses modos, e daí o nome atribuído a tais estados.
Além disso, haverá uma correlação perfeita sobre todos os observáveis que são proporcionais aos
operadores de número de fótons. Note que também temos

 +∞
N̂l − N̂l 0 |ψi = ∑ cn (n − n)|n, ni = 0 . (5.48)
n=0

O estado |ψi é então um auto-estado da diferença no número de fótons, com auto-valor zero. Temos
então ∆(Nl − Nl 0 ) = 0, e assim não haverá estritamente nenhuma flutuação no sinal obtido pela
tomada da diferença nos valores instantâneos desses dois sinais de foto-detecção, enquanto que se
registraria flutuações no número de fótons nos foto-detectores medindo a intensidade de cada modo
separadamente.
5.2 Estados emaranhados de dois modos 149

Vamos agora considerar as correlações entre as componentes de quadratura de cada modo,


definidas pela re-introdução do índice l nas equações (4.3):
 
(1)
X̂l = El â†l + âl , (5.49a)
 
(1)
Ŷl = iEl â†l − âl . (5.49b)

As equações (5.44) e (5.47) levam aos coeficientes de correlação

∑n n(cn c∗n−1 + c∗n cn−1 )


E(Xl , Xl 0 ) = −E(Yl ,Yl 0 ) = . (5.50)
∑n (2n + 1)|cn |2

Problema 5.3 Demonstre a equação (5.50). 

Existe assim uma correlação não zero entre as componentes de quadratura X dos dois modos (e
uma igual anti-correlação entre as componentes de quadratura Y ) sempre que dois coeficientes
consecutivos na expansão (5.47) são não zero. A magnitude da correlação depende da dependência
precisa de cn com n. Por exemplo, se os cn formam um série geométrica real com razão r, de modo
que cn = Arn para um certo A, então segue de (5.50) que E(Xl , Xl 0 ) = 2r/(1 + r2 ). A correlação
entre as componentes de quadratura X, e a anti-correlação entre as componentes de quadratura Y ,
se tornam simultaneamente perfeitas quando a razão r da série tende a 1.
A produção de estados como da equação (5.47) requerem processos em que pares de fótons são
gerados simultaneamente. Anteriormente, vimos o processo de decaimento atômico em cascata
como um exemplo de processo que gera pares de fótons. Uma forma ainda simples de gerar pares
de fótons, no entanto, é utilizar um cristal com uma alta não-linearidade de segunda ordem que
favoreça o processo de conversão de fótons de alta frequência em pares de fótons de mais baixa
frequência, conhecido como processo de conversão paramétrica descendente (PDC, do inglês
“parametric down conversion”). Cristais desse tipo podem ser transparentes, ou seja, eles realizam
esse processo com baixíssima absorção de energia pelo meio, e a frequência de excitação pode estar
muito longe de qualquer frequência de ressonância do meio. Chamamos de processo paramétrico
um que começa e termina com o meio atômico no mesmo estado. Esses processos são tipicamente
muito favorecidos, por implicarem em conservação de energia e momento entre os estados da luz, já
que nada é deixado no meio atômico. Eles também envolvem fortes interferências construtivas entre
as contribuições dos muitos emissores do meio, que são indistinguíveis uma vez que o meio volta
ao estado inicial comum a todos. Uma visão esquemática do processo de três fótons por trás da PDF
é mostrada na figura (5.5), com ω3 a frequência do bombeio e ω1 e ω2 as frequências dos fótons do
par gerado. Veja que eliminamos o estado excitado do processo, pelo meio ser transparente e muito
longe de qualquer ressonância.

Figura 5.5: Processo elementar na interação paramétrica. Um fóton de bombeio é


destruído e um fóton de sinal e um fóton complementar são simultaneamente criados.

Considere os modos 1, 2 e 3 da figura (5.5), como temos conservação de energia e momento na


150 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

luz para o processo paramétrico, podemos escrever

ω3 = ω1 + ω2 , (5.51a)
k3 = k1 + k2 . (5.51b)

O processo não linear poderá então ser descrito por um Hamiltoniano efetivo responsável pelo
desaparecimento ou aparecimento de fótons nas onda 1, 2 e 3. A figura (5.5) contempla a condição
de conservação de energia no átomo que realiza o processo de conversão de fótons, mas não leva
em conta a conservação global de momento linear das ondas luminosas. Para isso, é necessário
considerar outras características do cristal, que levam a privilegiar determinados pares de estados
de momento. Um exemplo comum é mostrado na figura (5.6), onde vemos um cristal que gera
pares com fótons em direções opostas com relação à direção do bombeio. Nesse caso, os fótons
emitidos geram cones de luz em diferentes cores, dependendo da frequência e direção dos fótons
gerados. Além da conservação de momento linear, também devemos ter conservação de momento
angular da luz, que levam às correlações de polarização da luz emitida. Tipicamente, no exemplo
da figura (5.6), os cones são gerados com polarizações ortogonais entre si. Para se obter estados
de pares de fótons correlacionados em polarização, como usados na seção anterior, selecionamos
as emissões nas interseções A e B de dois cones complementares (ver figura 5.6). Nas direções A
e B temos uma indefinição de qual cone contribuiu para o fóton emitido naquela direção, o que
leva a uma indefinição em sua polarização. No entanto, não exploraremos na seção atual efeitos de
correlação de polarização.

Figura 5.6: Fluorescência paramétrica. O bombeio intenso (ω3 , k3 ) gera um en-


semble de pares de ondas conjugadas (ω1 , k1 , ω2 , k2 ), que obedecem às condições
(5.51) de conservação de energia e momento linear entre as ondas. Um cone duplo é
observado, com uma seção transversal na forma de anéis coloridos. Se dois diafragmas
A e B são colocados na interseção dos cones do meio, pares de fótons correlacionados
em polarização podem ser obtidos.

Um Hamiltoniano efetivo que descreve bem o processo de PDC espontâneo, com pares de
fótons gerados em modos inicialmente no vácuo, é então
 
ĤI = ih̄ξ â†l â†l 0 − âl âl 0 , (5.52)

onde ξ é uma constante de acoplamento.Temos, portanto, pares de fótons criados ou destruídos


simultaneamente nos modos l e l 0 , correspondendo aos modos 1 e 2 das figuras (5.5) e (5.6). Os
dois fótons do par são convencionalmente chamados de sinal e complementar, respectivamente.
Note que, na mistura de três ondas, não escrevemos explicitamente os operadores de criação e
destruição do campo de bombeio. Comumente consideramos o bombeio de um laser em um estado
próximo do coerente. Nesse caso, os operadores do campo de bombeio levam a constantes α que
são incorporadas à constante de acoplamento ξ . O parâmetro ξ então é comumente variado pelo
5.2 Estados emaranhados de dois modos 151

aumento ou diminuição da potência de bombeio do cristal. Consideramos aqui os modos l e l 0


como propagando em direções diferentes. Dizemos, nesse caso, que a interação paramétrica é
não-degenerada.
Quando o Hamiltoniano (5.52) atua por um tempo T sobre o vácuo, esta interação produz o
estado
 
iT h̄HI
|ψ(T )i = exp − |0i , (5.53)

cuja expressão exata é obtida expandindo a exponencial como uma série. Já que fótons são
sempre criados em pares pelo Hamiltoniano de interação (5.52), o estado assim produzido será
necessariamente um estado de par de fótons da forma (5.47). Um cálculo mais elaborado mostra
que [Wal95]
1
|ψ(T )i = (tanhR)n |n, ni (5.54)
coshR ∑
n

com R = ξ T fornecendo a força da interação ao longo do tempo T . O número de termos não


desprezíveis nesta expansão depende do valor de R, e assim da eficiência da interação paramétrica,
que é muito dependente da intensidade e duração do feixe de bombeio. No geral, esse número
é da ordem de umas poucas unidades. Note finalmente que os coeficientes cn formam realmente
uma série geométrica neste caso, levando então a uma expressão simples para os coeficientes de
correlação em quadratura:

E(Xl , Xl 0 ) = −E(Yl ,Yl 0 ) = tanh2R . (5.55)

A correlação tende a 1 quando a potência de bombeio aumenta muito.


Problema 5.4 Demonstre a equação (5.55). 

5.2.3 Detecção homodina


(baseado na Seção 5.1.3 do [Gry10])
Para entender as medidas de correlação entre quadraturas do campo eletromagnético, vamos
introduzir agora mais uma técnica de caracterização do campo: a detecção homodina. Para isso,
vamos lembrar que as quadraturas do campo fornecem as amplitudes do mesmo que oscilam com
fases deslocadas de π/2, isto é, se uma das quadraturas oscila com o cosseno do ângulo de fase,
a outra oscila com o seno (ver equação 4.4). Para acessar a informação contida nas quadraturas,
precisamos assim de uma medida que seja sensível ao ângulo de fase da onda luminosa. Comumente,
obtemos tal sensibilidade à oscilação na frequência da luz através de medidas interferométricas,
como no caso do interferômetro de Mach-Zehnder descrito anteriormente.
A deteção homodina realiza um batimento interferométrico com um feixe de referência, cha-
mado de oscilador local. O aparato é ilustrado esquematicamente na figura (5.7). O campo a ser
medido, em um estado arbitrário |ψ1 i do modo 1, é misturado em um divisor de feixes com o
campo do oscilador local produzido por um laser mono-modo intenso (bem acima do limiar), que
produz um campo que pode ser bem aproximado por um estado coerente |ψ2 i = |α2 i rotulado pelo
auto-valor α2 . Como vimos anteriormente, este tipo de estado da radiação tem propriedades muito
próximas de um campo clássico monocromático de amplitude complexa
(+) (1)
E2 (r,t) = iE2 α2 e−iω2t eik2 ·r , (5.56)
(1)
onde ω2 e k2 são a frequência e vetor de onda do modo 2, E2 é a “amplitude de um fóton” para o
modo 2, e α2 = |α2 |eiφ2 é um número complexo adimensional. A frequência ω2 é a mesma que
a do modo 1, que esta sendo analisado. Essa degenerescência em frequência é que dá o nome de
“homodina” à técnica. Uma deteção heterodina envolveria o mesmo aparato, mas com um oscilador
local de frequência diferente com relação ao sinal a ser analisado.
152 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

Figura 5.7: Aparato para detecção homodina balanceada. Um divisor de feixes


em A produz interferência entre um oscilador local e a radiação no modo (1). A
radiação entrando nas portas (1) e (2) é mono-modo e de mesma frequência em cada.
A diferença entre as foto-correntes fornece uma forma de medir as componentes de
quadratura da radiação no estado |ψ1 i de entrada. A fase da onda produzida pelo
oscilador local é controlada pela translação do espelho M, de modo que pode-se
escolher que quadratura medir.

Grande parte da dificuldade experimental na deteção homodina (e também na heterodina) vem


de ser necessário garantir uma relação de fase fixa entre o sinal a ser analisado e o oscilador local.
Isso exige comumente que o laser que gera o oscilador local também gere o sinal a ser analisado.
Ele pode, por exemplo, ter sua frequência dobrada em um cristal não linear (através de conversão
paramétrica ascendente, ou geração de segundo harmônico) e depois a luz de frequência dobrada
bombear o cristal gerador dos pares de fótons. Outro caminho seria ativamente travar as fases do
oscilador local com o sinal, utilizando um outro processo interferométrico. Além disso, os caminhos
ópticos de todo o aparato precisam ser bem estabilizados (passiva ou ativamente) para garantir uma
relação de fase fixa entre os campos no divisor de feixes da deteção homodina. Tomando todos
esses cuidados, a fase φ2 do campo de entrada no divisor de feixes pode ser ajustada movendo o
espelho M, por exemplo, através de uma cerâmica piezo-elétrica.
Dois detetores posicionados em r3 e r4 medem as fotocorrentes i3 e i4 , enquanto que um
amplificador diferencial determina a diferença média i3 − i4 , proporcional a

d¯ = hψ|Ê (−) (r3 ,t)Ê (+) (r3 ,t)|ψi − hψ|Ê (−) (r4 ,t)Ê (+) (r4 ,t)|ψi . (5.57)

A transformação
√ dos campos no divisor de feixes, que consideraremos simétrico com |rd | = |td | =
1/ 2, levam a
i
Ê (+) (r3 ,t) = √ E (1) eik3 ·r3 e−iω2t (â1 + â2 ) , (5.58a)
2
i
Ê (+) (r4 ,t) = √ E (1) eik4 ·r3 e−iω2t (â1 − â2 ) . (5.58b)
2
Já que todos os modos têm a mesma frequência ω2 e podemos ajustar os modos espaciais de
entrada para levarem a exatamente os mesmos modos nas saídas, usaremos a mesma constante E (1)
para todos os campos. Essas expressões podem ser substituídas em (5.57), dado que o estado |ψi
5.2 Estados emaranhados de dois modos 153

da radiação foi expresso no espaço dos estados de entrada. Como os dois feixes são independentes,
|ψi é o produto tensorial

|ψi = |ψ1 i ⊗ |α2 i . (5.59)

Substituindo as equações (5.58) na equação (5.57), obtemos o sinal diferencial médio como
h i2
d¯ = E (1) hψ|â†1 â2 + â1 â†2 |ψi . (5.60)

Como o campo 2 se encontra em um estado coerente, temos

hα2 |â2 |α2 i = |α2 |eiφ2 . (5.61)

Segue que d¯ pode ser escrito como uma função do estado |ψ1 i do modo 1 da radiação:
h i2  
d¯ = E (1) |α2 |hψ| e−iφ2 â1 + eiφ2 â†1 |ψi . (5.62)

Usando as expressões (4.3), o sinal diferencial (5.62) fica finalmente

d¯ = |α2 |2 E (1) cos φ2 hψ1 |X̂1 |ψi + senφ2 hψ|Ŷ1 |ψi .



(5.63)

Tomando a fase φ2 do oscilador local como 0 ou π/2, podemos medir o valor esperado de X̂1 ou Ŷ1 ,
respectivamente.
Um cálculo análogo mostra que a média do quadrado da diferença entre as foto-correntes, isto
é,

(i3 − i4 )2 = i23 + i24 − 2i3 i4 , (5.64)

fica
h i4   2 
−iφ
d2 = E (1) 2
|α2 | hψ| e 2 iφ † †
â1 + e â1 |ψi + hψ|â1 â1 |ψi .
2
(5.65)

Esta expressão mostra que as flutuações quânticas das quadraturas X̂1 e Ŷ1 podem ser medidas se
o segundo termo é desprezível, isto é, se |α2 | é grande o suficiente. Por exemplo, se tomarmos
2
φ2 = 0, a medida fornece d 2 = E (1) |α2 | hψ|X̂1 |ψi.


Problema 5.5 Demonstre a equação (5.65). 

O método homodino é extremamente útil. Ele fornece um forma de medir os observáveis das
quadraturas do campo, e até suas flutuações, contornando o problema da resposta lenta do detetores.
Além disso, se o oscilador local é suficientemente intenso, |α2 | é muito maior que 1 e ocorre uma
amplificação correspondente do sinal associado com o campo do modo 1, comparando com o sinal
que seria obtido posicionando o foto-detector no modo 1. É possível então obter sinais muito mais
fortes que os ruídos técnicos dos detectores, e assim ter acesso às flutuações quânticas da radiação
no modo 1. Repetindo as medidas sobre o campo 1 muitas vezes para vários valores da fase φ2 do
oscilador local, assumindo que as medidas sejam reprodutíveis, o estado da radiação no modo pode
ser completamente caracterizado e o vetor de estado (ou sua matriz densidade quando o estado
não é puro) pode ser reconstruído. Esta é uma forma de tomografia quântica. A versão clássica
da deteção homodina (e da heterodina) é uma técnica também muito utilizada em eletrônica e
telecomunicação para amplificar e filtrar sinais.
154 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

5.2.4 Relação entre compressão de ruído e emaranhamento


(baseado na Seção 5D.3 do [Gry10])
A atuação do Hamiltoniano (5.52) sobre o vácuo através da equação (5.53), e que resulta no
estado de fótons gêmeos, é muito semelhante à do operador de compressão Ŝ da equação (4.87)
atuando sobre o vácuo através da equação (4.86), e que resulta em um estado de vácuo comprimido.
Se transformarmos (5.52) através da mudança de modos:
1
â+ = √ (âl + âl 0 ) , (5.66a)
2
1
â− = √ (âl − âl 0 ) , (5.66b)
2
que correspondem às relações de entrada-saída de um divisor de feixes, obtemos o Hamiltoniano
na forma
 
h̄ξ  † 2  † 2 2 2
ĤI = i â+ − â− − (â+ ) + (â− ) , (5.67)
2
isto é, a soma de dois Hamiltonianos de compressão, atuando em cada um dos novos modos
definidos pelas equações (5.66). Compressão e emaranhamento surgem aqui como dois aspectos
de um único fenômeno físico, e a transformação (5.67) associada com um divisor de feixes nos
diz como trocar de um para o outro. Devemos explicitar essa questão usando as relações de
entrada-saída diretamente nos operadores de modo a calcular as correlações.
Considere agora dois estados de vácuo comprimidos, |si e | − si com s > 0 a amplitude de
compressão, enviados às duas portas de entrada l = 1 e l 0 = 2 de um divisor de feixes. As relações de
entrada-saída do divisor de feixes são as mesmas para os operadores de destruição e de quadratura.
Assim, nas saídas 3 e 4 da figura (5.8), temos
1 
X̂3 = √ X̂1 + X̂2 , (5.68a)
2
1 
X̂4 = √ X̂1 − X̂2 , (5.68b)
2
com relações análogas para as componentes da quadratura Y . Já que os estados de entrada são
estados de vácuo comprimido, os valores esperados das quadraturas dos modos de entrada e saída
são nulos, como vimos nas equações (4.100) e (4.101). Usando as equações (4.93) e (4.94),
encontramos suas variâncias
(1) 2
h i
(∆X3 )2 = (∆X4 )2 = (∆Y3 )2 = (∆Y4 )2 = E1 cosh2s . (5.69)

Problema 5.6 Demonstre a equação (5.69). 

A mistura dos dois estados comprimidos produz assim dois feixes com flutuações maiores que às do
vácuo em todas os seus componentes de quadratura, pois as flutuações na saída são dominadas pelas
quadraturas de maior ruído. Na representação de fasores, os feixes de saída são ambos descritos
por círculos centrados na origem e de diâmetro cada vez maior a medida que os estados de entrada
ficam mais comprimidos. No entanto, essas componentes ruidosas de quadratura são, na verdade,
altamente correlacionadas, pois o estado que descreve os dois modos de saída é, como sabemos,
um estado emaranhado. De modo a medir as correlações de quadratura, os experimentadores
geralmente usam uma detecção homodina dupla, como mostrada esquematicamente na figura (5.8).
Pode-se então medir simultaneamente as flutuações nas quadraturas X3 e X4 , ou Y3 e Y4 , dependendo
5.2 Estados emaranhados de dois modos 155

da fase dos osciladores locais. Tomando a soma e a diferença das fotocorrentes instantâneas de
saída a partir das detecções homodinas, obtém-se os desvios padrões ∆(X3 − X4 ) e ∆(Y3 +Y4 ). Um
cálculo análogo ao da última equação mostra que essas quantidades são dadas por

(1) 2 −2s
h i
∆(X3 − X4 ) = ∆(Y3 +Y4 ) = 2 E1 e . (5.70)

Problema 5.7 Demonstre a equação (5.70). 

Elas se aproximam muito de zero sempre que s é da ordem de algumas unidades. Este cálculo
claramente mostra que, nas duas portas de saída do divisor de feixes, há simultaneamente campos
com quadraturas X idênticas e com quadraturas Y opostas.

Figura 5.8: Geração e detecção de estados emaranhados de dois modos.

Pode-se questionar se as variâncias encontradas na equação (5.70) são compatíveis com a


relação de incerteza de Heisenberg, pois elas envolvem observáveis das quadraturas (X̂3 , Ŷ3 ) e
(1) 2
h i
(X̂4 , Ŷ4 ) que não comutam entre si. A partir dos comutadores [X̂3 , Ŷ3 ] = [X̂4 , Ŷ4 ] = E1 , segue
que
 
X̂3 − X̂4 , Ŷ3 + Ŷ4 = 0 . (5.71)

Não existe, portanto, nenhuma relação de incerteza que proíba ∆(X3 − X4 ) e ∆(Y3 +Y4 ) de serem
simultaneamente muito pequenas, ou mesmo zero.
No geral, qualquer correlação entre quantidades medidas em modos diferentes pode ser usada
para realizar um medida não destrutiva. No aparato da figura (5.8), com dois estados altamente
comprimidos na entrada, uma medida de X̂4 , ou de Ŷ4 , pode ser usada para determinar a quadratura
X̂3 , ou Ŷ3 , do modo 3 de forma exata, sem ter que inserir um detetor para aquele modo, e assim sem
o perturbar e, como consequência, sem destruí-lo. Através da execução de medidas no modo 4,
obtém-se conhecimento perfeito, sem incerteza, de duas quantidades físicas do modo 3 que são
complementares no sentido de Bohr, isto é, associadas com operadores que não comutam, para os
quais há uma relação de incerteza de Heisenberg:

(1) 2
h i
∆X3 ∆Y3 ≥ E1 . (5.72)
156 Capítulo 5. Óptica quântica multi-modo: emaranhamento

Poderia então parecer que, na situação que consideramos aqui, seria possível medir com grande
acurácia duas quantidades que não comutam, e que então (5.72) seria violada. Esta situação
paradoxal é perfeitamente análoga àquela considerada por EPR [Ein35], se trocarmos os operadores
de posição e momento de duas partículas em um estado emaranhado pelos operadores de quadratura
dos dois modos do campo.
6. Regime quântico da interação átomo-luz

Este capítulo será baseado fortemente nas Referências [Gry10] e [Scu97].

Neste capítulo, discutiremos consequências mais amplas da quantização do campo eletromag-


nético sobre a interação de átomos com a luz. Para isso, vamos explorar particularmente regimes de
acoplamento forte entre campo luminoso e meio material. O primeiro regime será o da Eletrodinâ-
mica Quântica de Cavidades (cQED, do inglês “cavity Quantum Electrodynamics”), em que átomos
individuais interagem com campos eletromagnéticos confinados em regiões pequenas do espaço.
Nessa situação, um único quantum de luz pode ter densidade de energia suficiente para excitar
átomos eficientemente. O outro regime que discutiremos é o de grandes ensembles de átomos que
compartilham a interação com modos específicos do campo eletromagnético. Estados emaranhados
coletivos macroscópicos resultam daí em situações corriqueiras. Esses estados foram introduzidos
originalmente para tratar o efeito de superradiância, mas atualmente vêm se ramificando em muitos
problemas e áreas diferentes.

6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades


(baseado no Complemento 6B de [Gry10]) e no Capítulo 6 de [Scu97].
Considere o sistema mostrado na figura (6.1), no qual um átomo em repouso na origem das
coordenadas está confinado em uma cavidade de volume V , com paredes perfeitamente refletoras.
Devido às condições de contorno para o campo impostas pela presença da cavidade, o campo
só pode existir como uma superposição de um conjunto discreto de modos, determinado pela
geometria da cavidade, cada um associado com uma frequência de oscilação definida. Para a
geometria cúbica da figura (6.1), os modos correspondem a ondas planas estacionárias paralelas
aos eixos cartesianos e as frequências permitidas são determinadas pela exigência de que o campo
deve se anular nas paredes de contorno.
Nesta seção, consideramos apenas o caso simples no qual todos os modos da cavidade têm
frequências muito diferentes das frequências do átomo livre, exceto por um modo que é quase-
ressonante com a transição do estado fundamental |ai para um estado excitado |bi, que é carac-
terizada pela frequência ω0 do átomo livre. Para determinar a evolução do sistema, precisamos
158 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

então apenas considerar o sub-sistema composto do átomo de dois níveis com estados |ai e |bi
acoplado com um único modo do campo de radiação. Na situação que descrevemos aqui, o volume
de quantização arbitrário, usado no tratamento do campo eletromagnético quantizado, é trocado por
uma cavidade real e os operadores de campo tais como N̂, o operado para o número de fótons no
volume de quantização, agora têm um significado bem mais concreto.

Figura 6.1: Sistema composto de um átomo de dois níveis na origem do sistema de


coordenadas confinado em uma cavidade cúbica com paredes perfeitamente refletoras.

Existem vários exemplos de realização experimental do modelo apresentado aqui. Pode-se


usar uma cavidade com dimensões da ordem de 1 cm formada de metal supercondutor (ver figura
6.2a). Seus auto-modos têm frequências não menores que umas poucas dezenas de GHz. Pequenos
buracos na parede da cavidade permite a passagem de um feixe de átomos preparados em um estado
altamente excitado (Rydberg). Tais estados se aproximam bastante de auto-estados do átomo de
hidrogênio com número quântico principal muito grande. Um modo da cavidade é então quase
ressonante com uma transição entre níveis com número quântico principal n e n + 1, com n da
ordem de 50, correspondendo a frequências de transição da ordem de 50 GHz. Alternativamente,
podia-se usar uma cavidade Fabry-Perot com comprimento menor que 1 mm formada por dois
espelhos altamente refletores em comprimentos de onda ópticos (ver figura 6.2b). Um átomo
individual de uma amostra ultra-fria pode ser posicionado na cavidade quase em repouso. A
cavidade é sintonizada para ter um modo em ressonância com uma transição atômica na região
óptica. É possível mostrar que o acoplamento do átomo com todos os outros modos é desprezível
se a separação dos níveis atômicos for suficientemente grande (este é o caso para a transição entre
o estado fundamental e o primeiro estado excitado para um átomo de metal alcalino tal como o
césio) e se a finesse da cavidade é suficientemente grande (são obtidas finesses de até 106 ). Outra
opção, que se tornou possível por desenvolvimentos recentes em nanotecnologia, é usar técnicas
epitaxiais para fabricar uma micro-cavidade de alguns micrômetros de comprimento com espelhos
de Bragg, contendo poços quânticos ou pontos quânticos, que fornecem uma boa aproximação para
sistemas de dois níveis (ver figura 6.2c).
6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades 159

Figura 6.2: Três configurações experimentais para demonstrar efeitos de cQED. (a)
Interação de um feixe rarefeito de átomos, preparados por excitação laser em um
estado de Rydberg, com um modo ressonante na região de micro-ondas de uma
cavidade supercondutora de dimensões centimétricas. (b) Interação de um átomo
individual em seu estado fundamental com um modo ressonante, na região do visível,
de uma cavidade Fabry-Perot de alta finesse e dimensões milimétricas. (c) Interação
de um sistema quântico de dois níveis em estado sólido (tais como um poço quântico
semicondutor, um ponto quântico, uma impureza em diamante, etc) com o modo
fundamental de uma cavidade Fabry-Perot de dimensões nanométricas. Os espelhos
da cavidade são constituídos por camadas alternadas de dielétricos de diferentes
índices de refração atuando como refletores de Bragg. Na imagem, o ponto quântico
se encontra em um anti-nó da onda estacionária da cavidade.

6.1.1 Modelo de Jaynes-Cummings


O espaço de estados no qual a evolução do sistema pode ser descrita consiste no produto tensorial
do espaço dos dois estados |ai e |bi do átomo e do espaço de estados de um único modo do campo,
para o qual os estados de número de fótons |ni constituem uma base natural:

{|i, ni = |ai ⊗ |ni ou |bi ⊗ |ni, com i = a ou b, e n = 0, 1, . . . } . (6.1)

Restringimos o Hamiltoniano do sistema átomo-radiação a este subespaço, escrevendo

Ĥ = Ĥ0 + V̂ . (6.2)

O Hamiltoniano Ĥ0 do átomo e campo livres (1.118) é dado nessa situação por

Ĥ0 = h̄ωc ↠â + h̄ω0 |bihb| , (6.3)

com ωc a frequência e â o operador de destruição de fótons do modo quase ressonante da cavidade.


Tomamos ainda o zero de energia coincidindo com a energia do estado |a, 0i. No capítulo 1, deduzi-
mos na equação (1.128) o termo de interação V̂I na representação de interação e nas aproximações
de dipolo elétrico e onda girante. Para o início de nossa discussão aqui, iremos passar o termo de
160 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

interação da equação (1.128) para a representação de Schrödinger e restringi-lo então ao nosso caso
de apenas um modo interagindo com o átomo:

V̂ = e−iĤ0t/h̄V̂I eiĤ0t/h̄ = h̄g â|biha| + ↠|aihb| ,



(6.4)

onde consideramos para simplificar, mas sem perda de generalidade, uma posição r0 do átomo e
um momento de dipolo tal que a constante de acoplamento gab da equação (1.129) é real e igual a

µab E (1)
g= , (6.5)

com µab o módulo do momento de dipolo elétrico atômico e, a partir da equação (1.68),
s
h̄ωc
E (1) = , (6.6)
2ε0V

para a magnitude do campo elétrico de um quantum de excitação de frequência ωc no volume


de quantização V do modo da cavidade. O parâmetro g é comumente chamado de parâmetro de
acoplamento e Ω(1) = 2g é a frequência de Rabi de um fóton, representando ambos a força com
que um fóton na cavidade excita o átomo.
Notem que os sistemas da figura (6.2) não realizam exatamente a situação da figura (6.1), pois
nenhum deles representa uma cavidade tridimensional completamente fechada em torno do átomo.
Através das aberturas da cavidade, os átomos continuam interagindo com outros infinitos modos
do vácuo. Na prática, a forma de resolver esse problema é criar um modo do campo muito mais
fortemente acoplado que todos os outros. Já vimos que os modos do vácuo induzem decaimentos
com uma certa taxa Γ. Uma forma quantitativa de colocar o problema acima é fazer com que o
modo ressonante da cavidade tenha constante de acoplamento tal que

g >> Γ , (6.7)

uma situação denominada de regime de acoplamento forte. O modo mais direto de obter essa
condição é inserir o átomo em uma cavidade com espelhos de altíssima refletividade (figura 6.3) e
com um volume do modo tão pequeno que levaria a um E (1) grande o suficiente para a condição
(6.7) ser satisfeita.

Figura 6.3: Representação esquemática da situação experimental mais próxima do


modelo de Jaynes-Cummings: um átomo de dois níveis (em verde) preso no meio de
uma cavidade Fabry-Perot com um modo Gaussiano (em vermelho) interagindo de
forma quase ressonante com o átomo no regime de acoplamento forte.

No regime de acoplamento forte, o modo da cavidade domina toda a dinâmica atômica e a


perda de energia/informação para o resto do universo, através dos processos de descoerência, pode
6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades 161

ser desprezada. Esse regime é o que melhor define a área da cQED, com seu sistema mais simples
considerado acima obedecendo ao Hamiltoniano total:

Ĥ = h̄ωc ↠â + h̄ω0 |bihb| + h̄g âσ̂ + + ↠σ̂ − ,



(6.8)

onde introduzimos os operadores de levantamento,

σ̂ + = |biha| , (6.9)

e abaixamento,

σ̂ − = |aihb| , (6.10)

da transição atômica. Efetivamente, esse modelo quântico de um átomo individual de dois níveis
interagindo fortemente com apenas um modo do campo eletromagnético é o mais simples possível
do ponto de vista teórico, sendo conhecido como modelo de Jaynes-Cummings [Jay63]. Apesar
de simples do ponto de vista teórico, sua implementação experimental é relativamente complexa,
pois exige grande controle tanto do campo luminoso quanto do átomo. Tipicamente, os meios
materiais se encontram acoplados com muitos sistemas diferentes simultaneamente, o que desvia
as observações da dinâmica simplificada e puramente coerente do modelo de Jaynes-Cummings.
Mesmo assim, o estudo das propriedades e dinâmica do modelo de Jaynes-Cummings fornece um
ponto de partida para entender dinâmicas mais complexas na interação de átomos com a luz.
Espectro
A base de estado (6.1) utiliza os estados do átomo e do campo livres. Ela privilegia então uma
descrição do sistema na representação de interação, que utilizaremos mais à frente. Note que uma
descrição natural do sistema será ordenar a base em estados de energia crescente, agrupando os
termos de energias próximas |a, ni e |b, n − 1i:

{|a, 0i, |a, 1i, |b, 0i, |a, 2i, |b, 1i, . . . } . (6.11)

Em termos de auto-energias livres, temos

Ĥ0 |a, ni = nh̄ωc |a, ni , (6.12a)


Ĥ0 |b, ni = (h̄ω0 + nh̄ωc )|b, ni . (6.12b)

A figura (6.4a) ilustra as auto-energias do Hamiltoniano desacoplado Ĥ0 . O estado fundamental


é o estado |a, 0i, que tomamos como tendo energia zero. Já que ωc ≈ ω0 , os outros níveis são
arranjados em dubletos Mn proximamente espaçados. As energias dos dois níveis de um dubleto
diferem por h̄δ = h̄(ωc − ω0 ), com dubletos sucessivos sendo separados por uma energia da ordem
de h̄ωc .
Para discutirmos o espectro do sistema acoplado átomo+campo, teríamos em princípio que
diagonalizar o Hamiltoniano total (6.8) do sistema, que habita um espaço infinito de modos. Este
problema geral não tem solução conhecida. No entanto, uma excelente aproximação pode ser
obtida notando que o Hamiltoniano de interação só conecta estados em sub-espaços de dois níveis
do tipo {|a, ni, |b, n − 1i}, pois

σ̂ + â|a, ni = n|b, n − 1i , (6.13a)
σ̂ + â|b, n − 1i = 0 , (6.13b)
− †
σ̂ â |a, ni = 0 , (6.13c)

σ̂ − ↠|b, n − 1i = n|a, ni . (6.13d)
162 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

O Hamiltoniano total Ĥn no espaço {|a, ni, |b, n − 1i} (portanto com n ≥ 1) é então
 √ 
nωc g n
Ĥn = h̄ √ , (6.14)
g n nωc − δ

com as auto-energias
r !
δ δ2
E±,n = h̄ nωc − ± + ng2 , (6.15)
2 4

e auto-estados

|Ψ+ , ni = cos θn |a, ni + senθn |b, n − 1i , (6.16a)


|Ψ− , ni = −senθn |a, ni + cos θn |b, n − 1i , (6.16b)

onde

2g n
tan 2θn = . (6.17)
δ
Assim, o efeito do acoplamento é repelir os níveis de energia dentro de cada dubleto (ver figura
6.4b). O estado fundamental |a, 0i não pertence a um dubleto e não é afetado pelo potencial de
interação, ao menos nas aproximações adotadas aqui.
Problema 6.1 Demonstre as equações (6.15) e (6.16) para as auto-energias e auto-estados do
Hamiltoniano (6.14). 

Figura 6.4: Níveis de energia na ausência (a) e na presença (b) do acoplamento átomo-
campo. Na figura, ω = ωc é a frequência do modo quase ressonante da cavidade.

A figura (6.5) mostra as formas dos níveis de energia do sistema acoplado átomo-cavidade
como função da dessintonia, equação (6.15). Para cada dubleto, vemos um “cruzamento evitado”
6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades 163

em torno de δ = 0. Na ressonância entre átomo e cavidade (δ = 0), a energia de separação entre os



dois níveis é 2h̄g n. Já os auto-estados são obtidos a partir de θn = π/4:

1
|Ψ±,n (δ = 0)i = √ (±|a, ni + |b, n − 1i) . (6.18)
2

Esses estados são comumente conhecidos como os estados vestidos do átomo (isto é, vestido pelos
fótons). Eles são estados emaranhados do sistema átomo-campo, e não podem ser separados em
uma parte envolvendo apenas o átomo e outra envolvendo apenas o campo. Isto é evidência de uma
correlação forte do estado do átomo com aquele do campo. A medida que o módulo da dessintonia
|δ | aumenta, o parâmetro θn tende a 0 ou π/2, e os dois auto-estados (6.16) tendem aos estados
não correlacionados, fatoráveis |a, ni e |b, n − 1i. A figura (6.5) mostra apenas os dois dubletos de
menor energia. Para energias mais altas, o diagrama tem uma forma semelhante, apenas a separação

na ressonância dos níveis de um dubleto aumenta em proporção a n. Note que, quando n é um
número grande, é mais conveniente plotar E±,n − nh̄ωc que E±,n .

Figura 6.5: Parte mais baixa do diagrama de níveis de energia para o sistema acoplado
átomo-cavidade, como função da dessintonia do modo da cavidade com relação à
ressonância do átomo livre. As linhas pontilhadas correspondem aos níveis de energia
na ausência do termo de interação V̂ .

Emissão espontânea de um átomo excitado localizado na cavidade vazia


Consideraremos agora a evolução do sistema de um estado inicial no qual um átomo excitado
é colocado na cavidade vazia de radiação. O modo da cavidade com o qual o átomo interage é
assumido ressonante com a transição atômica (δ = 0). O estado inicial do sistema pode assim
ser escrito |Ψ(0)i = |b, 0i. Este não é um auto-estado do Hamiltoniano total e, portanto, não é
estacionário. No entanto, ele pode ser expandido em termos dos auto-estados do dubleto M1 , |Ψ± i:

1
|Ψ(0)i = |b, 0i = √ (|Ψ+,1 i + |Ψ−,1 i) . (6.19)
2
164 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

Assim, em um instante posterior t, o sistema estará no estado

1  
|Ψ(t)i = e−iĤt/h̄ |Ψ(0)i = √ |Ψ+,1 ie−iE+,1t/h̄ + |Ψ−,1 ie−iE−,1t/h̄
2
−iωc t
=e [−i|a, 1isen(gt) + |b, 0i cos(gt)] . (6.20)

A probabilidade, Pb (t), de encontrar o átomo no estado excitado é, então,

Pb (t) = ∑ |hb, n|Ψ(t)i|2 = |hb, 0|Ψ(0)i|2 = cos2 (gt) . (6.21)


n

Portanto, a emissão espontânea de um átomo de dois níveis excitado localizado em uma cavidade
ressonante se manifesta como uma evolução oscilatória entre os dois níveis atômicos. Isto é obvia-
mente muito diferente do decaimento monotônico observado no espaço livre. Este comportamento
surge porque, no caso atual, o acoplamento é entre um par de estados discretos, o que origina
oscilações de Rabi, enquanto que no espaço livre a emissão espontânea acopla um estado discreto
inicial com um contínuo, levando a um decaimento exponencial. Note que o sistema oscila entre os
dois estados |b, 0i e |a, 1i, onde o primeiro é o estado inicial do sistema, de modo que a evolução
pode ser considerada como surgindo da troca periódica de energia entre átomo e cavidade. O
átomo vai para o estado fundamental quando um fóton é emitido no modo da cavidade, e retorna ao
estado excitado quando ele reabsorve o fóton circulando na cavidade sem perdas. Tal sistema é dito
passar por oscilações de Rabi de um fóton. Esse comportamento também é comumente chamado
na literatura de oscilações de Rabi do vácuo, por conta da cavidade inicialmente no vácuo induzir
o comportamento. Perceba ainda que, no limite em que o átomo se acopla fortemente com um
único fóton de um modo em particular, ele também é particularmente sensível ao campo elétrico
ocasionado pela energia de ponto zero de meio fóton.
Considere agora a situação onde a cavidade não é mais exatamente ressonante com a transição
atômica. Um cálculo idêntico ao apresentado acima revela que a probabilidade de encontrar o
átomo no estado excitado no instante t é agora

4g2 2
p
2 + 4g2
t
Pb (t) = 1 − sen δ . (6.22)
δ 2 + 4g2 2

Esta probabilidade permanece próxima de 1 para δ >> g/2. O átomo então permanece no estado
excitado com alta probabilidade.

Problema 6.2 Deduza a equação (6.22). 

Nos dois casos considerados acima o comportamento do átomo excitado é dramaticamente


diferente do que seria no espaço livre: em uma cavidade ressonante ele oscila entre os estados
fundamental e excitado ao invés de passar por um decaimento irreversível para o estado fundamental.
Se a cavidade estiver muito longe da ressonância com a transição atômica, nenhum decaimento
espontâneo ocorre, porque nenhum quase-contínuo de modos existe ao longo do intervalo de
frequências em que a emissão espontânea ocorreria. Portanto, a emissão espontânea não é uma
propriedade intrínseca de um átomo; ela surge do acoplamento de um átomo com seu ambiente.

6.1.2 Evolução na presença de um campo dentro da cavidade


Consideramos acima a emissão espontânea de um átomo idealmente confinado a uma cavidade
quase ressonante. Queremos agora modelar sua evolução temporal na presença de campo arbitrários
dentro da cavidade. Para isso, voltaremos a considerar o sistema na representação de interação, ou
6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades 165

seja, evoluindo de acordo com o potencial de interação na representação de interação:

V̂I = eiĤ0t/h̄V̂ e−iĤ0t/h̄ = eiĤ0t/h̄ h̄g âσ̂ + + ↠σ̂ − e−iĤ0t/h̄


 
 † †

= h̄g eiωct â â âe−iωct â â eiω0t|bihb| σ̂ + e−iω0t|bihb| + H.c.
 
= h̄g âσ̂ + e−iδt + ↠σ̂ − eiδt . (6.23)

Já vimos no capítulo 1 que, a partir de V̂I , podemos descrever a evolução temporal de um estado
arbitrário |Ψ(t)iI na representação de interação usando

ih̄ |Ψ(t)iI = V̂I |Ψ(t)iI . (6.24)
∂t
O vetor de estado |Ψ(t)iI é uma combinação linear dos estados |a, ni e |b, ni:

|Ψ(t)iI = ∑ [ca,n (t)|a, ni + cb,n (t)|b, ni] , (6.25)
n=0

com ca,n (t) e cb,n (t) as amplitudes de probabilidade que variam lentamente no tempo.
Já vimos que o potencial de interação só pode ocasionar transições entre os estados |a, ni e
|b, ni. Consideraremos então o sistema de equações para a amplitude ca,n e cb,n−1 . Temos
∂ 1
ca,n = ha, n|V̂I |Ψ(t)iI
∂t ih̄

= −ig neiδt cb,n−1 , (6.26a)
∂ √
cb,n−1 = −ig ne−iδt ca,n . (6.26b)
∂t
Dada as condições iniciais ca,n (0) e cb,n−1 (0), essas equações podem ser resolvidas exatamente.

Problema 6.3 Deduza a seguinte solução geral para ca,n (t):


     
iδt/2 Ωnt δ Ωnt
ca,n (t) = e ca,n (0) cos − i sen
2 Ωn 2
√  
2ig n Ωn t
− cb,n−1 (0)sen (n ≥ 1) , (6.27)
Ωn 2
p
com Ωn = δ 2 + 4g2 n uma frequência de Rabi generalizada. 

Problema 6.4 Agora deduza a solução geral para cb,n−1 (t):

ie−iδt/2
  2   
δ Ωn Ωn t
cb,n−1 (t) = √ ca,n (0) − sen
g n Ωn 2 2
 √

 
g nδ Ωnt Ωnt
+cb,n−1 (0) sen( ) − ig n cos (n ≥ 1) . (6.28)
Ωn 2 2


Considere agora que o átomo se encontra inicialmente no estado excitado |bi, com o campo em
um estado puro inicial arbitrário

|φ i = ∑ cn (0)|ni , (6.29)
n=0
166 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

sendo cn (0) a amplitude de probabilidade inicial da componente n do campo. O estado inicial do


sistema átomo-campo pode então ser escrito como

|Ψ(0)iI = |bi ⊗ |φ i = ∑ cn (0)|bi|ni , (6.30)
n=0

de onde seguem os coficientes

ca,n (0) = 0 , (6.31a)


cb,n−1 (0) = cn−1 (0) (n ≥ 1) . (6.31b)

Substituindo essas condições iniciais nas equações (6.27) e (6.28), elas se tornam
√  
2ig n Ωnt iδt/2
ca,n (t) = − cn−1 (0)sen e , (6.32a)
Ωn 2
    
Ωnt δ Ωnt
cb,n−1 (t) = cn−1 (0) cos + i sen e−iδt/2 . (6.32b)
2 Ωn 2
As soluções acima fornecem uma solução completa para o problema, de onde podemos deduzir a
evolução no tempo de quantidades importantes, tanto do campo quanto do átomo. Por exemplo, a
partir de (6.32), a probabilidade de encontrar n fótons no campo em um instante t seria dada por

p(n,t) = |ca,n (t)|2 + |cb,n (t)|2


" #
4g2 n δ2
    
Ωnt Ωn+1t Ωn+1t
= 2 ρn−1,n−1 (0)sen2 2
+ ρn,n (0) cos + 2 sen2 ,
Ωn 2 2 Ωn+1 2
(6.33)

com ρn,n (0) = |cn (0)|2 a probabilidade de encontrar n fótons no campo no instante t = 0.
Outra quantidade importante é a inversão de população

W (t) = ∑ |cb,n (t)|2 − |ca,n (t)|2 .


 
(6.34)
n

Problema 6.5 Usando as equações (6.32), mostre que


" #

δ2 4g2 (n + 1)
W (t) = ∑ ρn,n (0) + cos(Ωn+1t) . (6.35)
n=0 Ω2n+1 Ω2n+1


A expressão acima descreve uma dinâmica complexa, envolvendo oscilações com várias frequências
de Rabi distintas e completamente dependente do estado inicial do campo luminoso na cavidade.
Já vimos acima que mesmo para um estado de vácuo, com ρnn (0) = δn0 , veríamos oscilações de
Rabi. Com a cavidade contendo inicialmente um estado coerente,

hnin e−hni
ρn,n (0) = , (6.36)
n!
a situação continuaria marcantemente diferente do comportamento semiclássico mais comum.
Considere, por exemplo, δ = 0 na equação (6.35):
∞ √
W (t) = ∑ ρn,n (0) cos(2 n + 1gt) . (6.37)
n=0
6.1 Eletrodinâmica Quântica de Cavidades 167

Um estado coerente vai ter uma certa quantidade de estados de número em torno de hni que
contribuirão significativamente
√ para o campo. Cada estado de número induzirá uma frequência
de Rabi proporcional a n + 1. Como o conjunto de estados é discreto, devemos então observar
um sincronismo inicial das várias oscilações de Rabi, que vai então decaindo a medida que o
sincronismo é perdido. Após um tempo finito, no entanto, devemos observar o ressurgimento do
sinal (ver figura 6.6). O que vemos é a física do batimento entre um número finito de osciladores
se movimentando em paralelo. Esse batimento, no entanto, é um fenômeno puramente quântico,
consequência direta da discretização dos estados de energia da luz.

Figura 6.6: Evolução temporal da inversão de população para um estado coerente


inicial com hni = 25 e δ = 0.

Essa descrição do processo de oscilação de Rabi é tão diferente do que estamos acostumados a
observar em campos monocromáticos bem comportados, como um laser, que é importante entender
como ocorre a transição entre esses dois regimes. Como a distribuição de fótons no estado coerente
é Poissoniana, temos que sua largura ∆n é dada pela raiz quadrada da média hni da distribuição
quando hni vai se tornando muito grande:

∆n = n (hni muito grande) . (6.38)
Notem ainda que, para hni muito grande, podemos escrever
√ √ n − hni 1/2
 
p p
n + 1 ≈ n = hni + n − hni = hni 1 +
hni
 
p 1 n − hni
≈ hni 1 + . (6.39)
2 hni
p
Como n é um distribuição centrada em hni com largura hni, o segundo termo na equação (6.39)
pode ser desprezado no limite de um estado coerente com hni muito grande. Nesta situação, a
equação (6.37) se tornaria simplesmente
p
w(t) = cos(2 hnigt) , (6.40)
onde usamos que ∑n ρn,n (0) = 1. Voltamos então a observar uma oscilação de Rabi com frequência
bem definida.
168 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

6.2 Estados emaranhados coletivos


(baseado nos artigos [Men13]) e [Oli14].
Em 1954, Robert Dicke abordou o problema da emissão espontânea de um ensemble de
átomos de dois níveis [Dic54], mostrando diversas consequências inesperadas de um tratamento
completamente quântico do sistema. No capítulo 1, discutimos em detalhe a Teoria de Weisskopf-
Wigner para a emissão espontânea de um átomo isolado, e exploramos na seção anterior como
é possível manipular a emissão espontânea de átomos isolados colocando-os em cavidades. É
necessário, no entanto, um considerável esforço experimental para isolar átomos e controlá-los.
O problema abordado por Dicke era bem mais comum, pois tratava a emissão espontânea de um
conjunto de átomos preparados no estado excitado. Ele mostrou que o resultado geral era muito
diferente da suposição simplista de que a emissão do conjunto seria proporcional à emissão de um
único átomo. O ponto crucial é perceber que o conjunto de átomos compartilha o mesmo estado de
vácuo de fundo. Eles decaem, portanto, através dos mesmos modos do campo eletromagnético,
e isso leva naturalmente a um acoplamento entre os átomos. Um ensemble de átomos excitados
independentes evolui assim, espontaneamente, para um estado coletivo quanticamente emaranhado.
Dicke apontou então que uma consequência direta disso era que o ensemble de átomos poderia decair
muito mais rapidamente que átomos isolados, um fenômeno que ele denominou de superradiância.
O trabalho de Dicke causou grande impacto desde então. O problema principal é que ele estava
claramente correto, mas implicava em uma descrição de mundo em que emaranhamento quântico
é ubíquo e gerado de forma banal, espontânea, em praticamente qualquer processo físico. As
primeiras três décadas que se seguiram a esse trabalho envolveram uma enorme discussão sobre as
possíveis interpretações clássicas do fenômeno de superradiância, levando a uma acomodação em
torno da idéia de que o tratamento quântico era só necessário para explicar a flutuação inicial que
gera espontaneamente alguma coerência entre os átomos do ensemble [Gro82]. Após a flutuação
inicial que gerou a coerência coletiva, o sistema evoluiria classicamente como um conjunto de
antenas em fase que emitem em um modo comum mais rapidamente que uma antena isolada. A
imagem então, introduzida no artigo de 1973 reportando a primeira observação experimental da
superradiância [Skr73], seria como se o ensemble excitado inicial fosse um enorme pêndulo físico
no estado de equilíbrio instável, correspondendo ao pêndulo invertido com a massa em sua altura
máxima. As flutuações quânticas tirariam o sistema de seu equilíbrio instável definindo para qual
direção o pêndulo cairia, mas a partir daí o sistema seria dominado por forças clássicas, seguindo
uma trajetória determinística. Essa acomodação, de considerar os efeitos puramente quânticos
como sutis com a maior parte do efeito podendo ser tratado classicamente, estava em linha com o
princípio de correspondência que norteou as primeiras décadas de desenvolvimento da mecânica
quântica, e que estabelece que um limite clássico deve ser atingido quando os efeitos quânticos
atingem uma escala macroscópica.
Por outro lado, como vimos nos capítulos anteriores, a compreensão do papel e das propriedades
dos estados quânticos emaranhados evoluiu muito nas últimas décadas, e de forma mais acelerada
a partir da década de 80 do século passado. A área de informação quântica passou a explorar
novos aspectos do emaranhamento e a extrair novas consequências experimentais e aplicações dos
estados emaranhados. Nesse contexto, ficou claro que os estados emaranhados coletivos descritos
por Dicke tinham consequências que iam muito além de efeitos observáveis específicos, como a
superradiância. As aplicações em informação quântica fornecem então uma forma direta de explorar
os aspectos puramente quânticos desses estados, sem necessidade de se ater a discussões em torno
de limites e interpretações clássicas. Assim, vamos especificamente centrar nossa discussão, sobre
o papel desses estados emaranhados coletivos, em torno do Protocolo de Duan-Lukin-Cirac-Zoller
(DLCZ) para repetidores quânticos usando tais estados [Dua01]. Não vamos explorar os aspectos
de informação quântica do protocolo, mas sim seus aspectos mais fundamentais de óptica quântica,
discutindo a geração e caracterização desses estados coletivos.
6.2 Estados emaranhados coletivos 169

6.2.1 Processo Raman espontâneo em um átomo de três níveis


O ensemble de átomos de dois níveis considerado inicialmente por Dicke era mais fácil de tratar
teoricamente apenas se assumirmos algumas condições que tipicamente não se justificam na prática.
Em seu artigo de 1954 [Dic54], Dicke assume que a emissão de um átomo não seria reabsorvida
por outro, o que geraria efeitos de propagação mais complexos. Na prática, um fóton emitido
espontaneamente partindo do estado excitado teria frequência ressonante com a transição entre os
dois níveis, e seria muito afetado pelos outros átomos no caminho para fora do meio e em direção
ao foto-detector. Efeitos de propagação, portanto, são indispensáveis para explicar em detalhes as
observações experimentais de superradiância em ensembles de átomos de dois níveis [Gro82].
Esse problema pode ser contornado usando átomos de três níveis em configuração Λ (ver figura
6.7) com excitações por campos luminosos envolvendo uma dessintonia grande ∆ com relação ao
estado excitado. Rotularemos os dois níveis fundamentais como |gi e |si e o nível excitado como
|ei. Essa configuração é também bastante comum, correspondendo a processos tipo Raman em
meios materiais. Esses processos foram primeiros reportados por Chandrasekhara Raman entre
1927 e 1928 [Ram28], possuindo como uma característica central a emissão espontânea de luz
pelo meio com frequência ωk diferente da frequência de excitação ωe . O sistema Λ com dois
níveis fundamentais é o mais simples em que esse processo ocorre. Na prática, para densidades
materiais mínimas, os átomos se organizam em moléculas e estruturas cristalinas que possuem
níveis fundamentais complexos. Os processos Raman são então a base para um conjunto de técnicas
extremamente importantes para sondar a estrutura de níveis em sistemas de matéria condensada.
Novamente, apesar da simplicidade teórica, átomos puramente de dois níveis são realmente mais
difíceis de encontrar em condições usuais, exigindo maior controle experimental, sendo mais
comum meios materiais com uma variedade de níveis fundamentais de energias diferentes para
onde o meio pode espontaneamente decair como resultado de sua excitação por campos ópticos.

Figura 6.7: Processo Raman em um sistema de três níveis em configuração tipo


Λ. Partindo de uma situação em que todos os átomos se encontram inicialmente no
nível |gi, luz de frequência ωe excita uma transição atômica entre os níveis |gi e |ei,
com um dessintonia grande ∆. Um átomo então espontaneamente decai para o nível
|si emitindo um fóton de frequência ωk no processo.

Para compreender a formação espontânea de estados coletivos atômicos, precisamos considerar


um conjunto de átomos de três níveis, como representado na figura (6.7). No entanto, antes de
partirmos para tratar o ensemble de átomos, é importante simplificar nosso problema de excitação
de um único átomo de três níveis usando o fato de termos uma dessintonia grande com relação ao
estado excitado. Isto nos permitirá eliminar o estado excitado da descrição da dinâmica do sistema,
e focar na transição Raman espontânea direta entre os dois estados fundamentais.
170 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

A partir da equação (1.118), o Hamiltoniano livre do sistema Λ da figura (6.7) fica

Ĥ0 = h̄ωe â†e âe + ∑ h̄ωk â†k âk + Es |sihs| + Eg |gihg| + Ee |eihe| , (6.41)
k

com Ei a energia do estado |ii (i = s, g, e), âe o operador de destruição do campo eletromagnético
no modo de excitação e, e âk o operador de destruição dos modos do campo eletromagnético de
vácuo que acoplam com a transição e → s. Tanto o campo de excitação quanto os modos do vácuo
considerados têm polarizações fixas, as necessárias para as respectivas transições envolvidas. Não
escreveremos então inicialmente os índices relativos à polarização. Já da equação (1.126), temos
que o potencial de interação de dipolo elétrico na representação de interação fica
" #
V̂I = h̄ ei(ω eg −ωe )t geg
e âe |eihg| + ∑ e
i(ω es −ωk )t es
gk âk |eihs| + H.c. , (6.42)
k

com ωeg (ωes ) e geg es


e (gk ) fornecendo a frequência da transição atômica g → e (s → e) e sua constante
de acoplamento ao campo no modo e (k), respectivamente. O termo H.c. indica Hermiteano
conjugado.
Vamos considerar a excitação da transição g → e por um laser, de modo que podemos aproximar
seu estado por um estado coerente |αe i no modo de excitação e com grande número de fótons.
Como o número de fótons no estado coerente é grande, vamos desprezar efeitos de mudanças em
sua distribuição de fótons e, consequentemente, na energia total no modo e. Além disso, como |αe i
é auto-estado de âe , podemos na prática substituir âe por αe no Hamiltoniano. As equações (6.41) e
(6.42) ficam então

Ĥ0 = ∑ h̄ωk â†k âk + Es |sihs| + Eg |gihg| + Ee |eihe| , (6.43)


k

e
" #
V̂I = h̄ ei∆t geg
e αe |eihg| + ∑ ei(ω es −ωk )t ges
k âk |eihs| + H.c. , (6.44)
k

onde desprezamos em Ĥ0 o termo de energia aproximadamente constante h̄â†e âe , e usamos ∆ =
ωeg − ωe para a dessintonia entre campo de excitação e transição g → e.
Como o estado do modo de excitação será constante, podemos especificar o estado quântico
geral do sistema |ψ(t)iI na representação de interação apenas pelo produto escalar do estado
atômico com o estado do campo que acopla a transição s → e. Consideraremos inicialmente o
átomo no estado |gi e o campo de vácuo acoplando a transição s → e,

|ψ(0)iI = |gi|0i . (6.45)

O estado geral em um tempo t ficará então


 
|ψ(t)iI = ∑ Cg,{nk } (t)|gi|{nk }i +Ce,{nk } (t)|ei|{nk }i +Cs,{nk } (t)|si|{nk }i , (6.46)
{nk }

com |{nk }i um estado na base de número de fótons, com uma distribuição {nk } de números n de
fótons nos vários modos k. Para a base de estados do campo que acoplam a transição s → e, o
estado de menor energia acima do vácuo seria |1k i, que indicaria um fóton em um modo k qualquer
e todos os outros modos no vácuo. O segundo estado de menor energia seria |2k i (dois fótons em
um modo k qualquer e os outros modos no vácuo) ou |1k 1k0 i (um fóton no modo k, um no modo
k0 , e os outros modos no vácuo). Os estados de energia mais alta seguirão notação análoga.
6.2 Estados emaranhados coletivos 171

A dinâmica do sistema é dada pela equação de Schrödinger na representação de interação


(1.127). Para os termos de ordem zero no campo, ela toma a forma:
∂ ∗ ∗
ih̄ Cg,0 = h0|hg|V̂I |ψ(t)iI = h̄e−i∆t (geg
e ) αe Ce,0 (t) , (6.47a)
∂t
∂ i(ω es −ωk )t es
ih̄ Ce,0 = h0|he|V̂I |ψ(t)iI = h̄ei∆t geg
e αeCg,0 (t) + h̄ ∑ e gk Cs,1k (t) , (6.47b)
∂t k

ih̄ Cs,0 = h0|hs|V̂I |ψ(t)iI = 0 . (6.47c)
∂t
Note que a última equação implica que o potencial de interação considerado não leva a estados
|si sem a criação de fótons. Como o átomo inicia em |gi|0i, temos então Cs,0 (t) = 0. Já para os
termos de primeira ordem no campo, obtemos
∂ ∗ ∗
ih̄ Cg,1k = h1k |hg|V̂I |ψ(t)iI = h̄e−i∆t (geg
e ) αe Ce,1k (t) , (6.48a)
∂t
∂ i(ω es −ωk )t es

ih̄ Ce,1k = h1k |he|V̂I |ψ(t)iI = h̄ei∆t geg
e αeCg,1k (t) + h̄e gk 2Cs,2k (t)
∂t
+ h̄ ∑ ei(ω es −ωk0 )t ges
k0 Cs,1k 1k0 (t) , (6.48b)
k0 6=k
∂ ∗
ih̄ Cs,1k = h1k |hs|V̂I |ψ(t)iI = h̄e−i(ω es −ωk )t (ges
k ) Ce,0 (t) . (6.48c)
∂t
A última equação acima descreve o processo de transferência do átomo para o estado |si junto
com a emissão de um fóton no modo k, partindo de um estado de vácuo. Ele representa então o
processo Raman, com a criação de um fóton de frequência diferente da frequência de excitação. Na
verdade, perceba que as equações (6.47) e (6.48c) são acopladas entre si, mas desacopladas das
equações (6.48a) e (6.48b). Isto porque um único átomo começando em |gi|0i só pode gerar um
fóton em k se transitar para o nível |si. Não é possível, para esse átomo, transitar para o nível |ei e
gerar um fóton em k ao mesmo tempo. Teremos então Cg,1k (t) = Ce,1k (t) = 0, e podemos desprezar
no que segue as equações (6.48a) e (6.48b).
As equações acima já fornecem a dinâmica do átomo com o tempo. No entanto, elas ainda
possuem um inconveniente. Ao passarmos para a representação de interação, buscamos eliminar das
amplitudes de probabilidade a variação rápida com a energia total do estado. No entanto, o processo
Raman envolve dessintonias grandes e a dependência das amplitudes de probabilidade com ei∆t
leva ainda a uma variação muito rápida desses termos. Podemos então ganhar mais intuição física
do problema se suprimirmos da descrição teórica essa variação rápida, através de um procedimento
chamado de eliminação adiabática do nível excitado, ou às vezes de seguimento adiabático. Para
isso, vamos considerar primeiro a nova amplitude de probabilidade lenta para o nível excitado:

C̃e,0 (t) = e−i∆t Ce,0 (t) . (6.49)

Em termos dessa quantidade, as equações que restam acima ficam


∂ ∗ ∗
ih̄ Cg,0 = h̄ (geg
e ) αe C̃e,0 (t) , (6.50a)
∂t
∂ i(ω es −ωk −∆)t es
ih̄ C̃e,0 = h̄∆C̃e,0 (t) + h̄geg
e αeCg,0 (t) + h̄ ∑ e gk Cs,1k (t) , (6.50b)
∂t k
∂ ∗
ih̄ Cs,1k = h̄e−i(ω es −ωk −∆)t (ges
k ) C̃e,0 (t) . (6.50c)
∂t
Até esse ponto nenhuma aproximação foi feita. Podemos, no entanto, usar agora o fato de que
a amplitude de probabilidade do estado excitado irá tipicamente decair muito mais rapidamente
172 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

que as amplitudes dos estados fundamentais, por conta da emissão espontânea a partir daquele
nível. Considerando uma taxa de emissão espontânea de Γ, quando especificamos que temos uma
dessintonia ∆ grande, queremos dizer que ∆ >> Γ. A amplitude do estado excitado, portanto, oscila
rapidamente com ∆ e atinge um estado estacionário muito antes de qualquer variação significativa
nas outras amplitudes de probabilidade. Dizemos então que C̃e,0 (t) segue adiabaticamente as
amplitudes Cg,0 (t) e Cs,1k (t), atingindo estados estacionários rapidamente que variam por sua vez
lentamente seguindo as outras amplitudes. Matematicamente, modelamos esse comportamento
aproximando

∂ C̃e,0
≈ 0, (6.51)
∂t

e usando a equação (6.50b) para obter diretamente C̃e,0 (t) a partir de Cg,0 (t) e Cs,1k (t):

geg
e αe ges
C̃e,0 (t) = − Cg,0 (t) − ∑ ei(ω es −ωk −∆)t k Cs,1k (t) . (6.52)
∆ k ∆

Substituindo a equação (6.52) nas equações (6.50), obtemos

∂ |geg
e αe |
2
Cg,0 = i Cg,0 (t) + i ∑ Ω̃∗k (t)Cs,1k (t) , (6.53a)
∂t ∆ k
∂ |ges |2 (ges )∗ ges
k0
Cs,1k = i k Cs,1k (t) + iΩ̃k (t)Cg,0 (t) + i ∑ ei(ωk −ωk0 )t k Cs,1k0 (t) . (6.53b)
∂t ∆ 0
k 6=k ∆

com

Ω̃k (t) = Ωk e−i(ω es −ωk −∆)t (6.54)

geg es ∗
e αe (gk )
Ωk = . (6.55)

Vamos simplificar ainda mais o sistema acima desprezando os termos que dependem quadratica-
mente da constante de acoplamento com o vácuo. Esses termos são muito mais fracos que os termos
envolvendo o campo de excitação coerente. Além disso, eles vêm de interações sucessivas do fóton
emitido com o próprio átomo, que podemos desprezar no caso dos fótons viajantes emitidos no
espaço livre. Ficamos então com o sistema muito mais simplificado:

∂ |geg
e αe |
2
Cg,0 = i Cg,0 (t) + i ∑ Ω̃∗k (t)Cs,1k (t) , (6.56a)
∂t ∆ k

Cs,1k = iΩ̃k (t)Cg,0 (t) . (6.56b)
∂t

O primeiro termo do lado direito da equação (6.56a) pode ser entendido como um deslocamento
de energia do estado |gi causado pela presença do campo coerente |αe i. Nesse sentido, ele pode ser
entendido como originado de um deslocamento Stark dinâmico causado pelo campo oscilante da
luz. Esse termo pode ser eliminado da dinâmica definindo a nova variável
eg 2 t/∆
C̃g,0 (t) = Cg,0 (t)e−i|ge αe | , (6.57)
6.2 Estados emaranhados coletivos 173

em termos da qual as equações (6.56) podem ser escritas como



C̃g,0 = i ∑ Ω̃∗k (t)Cs,1k (t) , (6.58a)
∂t k

Cs,1k = iΩ̃k (t)C̃g,0 (t) , (6.58b)
∂t
assumindo Eg − h̄|geg 2
e αe | /∆ → Eg . Note the temos nesse caso

|geg 2 Eg |geg 2
 
e αe | e αe | Es
ωes − ωk − ∆ − = − − − (ωk − ωe ) → ωes − ωk − ∆ . (6.59)
∆ h̄ ∆ h̄
As equações (6.58) descrevem o átomo efetivamente como tendo dois níveis apenas, |gi e |si,
conectados pelo potencial de interação
h i
V̂I (t) = −h̄ ∑ Ω∗k ei(ω gs +ωe −ωk )t âk σ̂ + + H.c. , (6.60)
k

com

σ̂ + = |gihs| (6.61)

sendo o operado de levantamento do nível |si para o nível |gi. O Hamiltoniano livre do sistema
ficaria

Ĥ0 = ∑ h̄ωk â†k âk + Es |sihs| + Eg |gihg| , (6.62)


k

com Eg já incorporando o deslocamento Stark dinâmico. A base de estados livres que descreve o
sistema seria então {|gi|0i, |si|1k i}. Em um instante arbitrário, o estado do sistema seria

|ψ(t)iI = C̃g,0 (t)|gi|0i + ∑ Cs,1k (t)|si|1k i . (6.63)


k

Problema 6.6 Usando a equação de Schrödinger na representação de interação (1.127), mostre


que o potencial de interação da equação (6.60) atuando no estado (6.63) leva às equações (6.58)
que descrevem a dinâmica do sistema na aproximação de eliminação adiabática do estado
excitado. 

Note então a eliminação adiabática do estado excitado reduz efetivamente o problema da excitação
Raman espontânea do sistema Λ a uma transição entre dois níveis fundamentais, mediada por uma
constante de acoplamento efetiva de dois fótons Ωk .

6.2.2 Processo Raman espontâneo em um ensemble: memória quântica coletiva


A descrição do processo Raman em um ensemble de átomos de três níveis é uma extensão direta,
para um número de átomos Na , do formalismo efetivo de dois níveis das equações (6.60) a (6.63)
para um átomo individual. Assim, teremos um Hamiltoniano de interação:
Na h i
V̂I (t) = −h̄ ∑ ∑ Ω∗k,i ei(ω gs +ωe −ωk )t âk σ̂i+ + H.c. , (6.64)
k i=1

com
 ∗
geg es
e,i e gk,i
α
Ωk,i = (6.65)

174 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

sendo a constante de acoplamento efetivo de dois fótons para o átomo i, e considerando que os
níveis de energia Eg e Es são os mesmos para todos os átomos. Será crucial no que segue entender
que as constantes de acoplamento de dipolo elétrico geg es
e,i e gk,i carregam aqui fatores de fase que
dependem da posição do átomo i. A partir da definição (1.116) podemos escrever
(1)
µeg Ee
geg
e,i = −i eike ·ri , (6.66a)

(1)
µes Ek ik·ri
ges
k,i = −i e , (6.66b)

 
(1) (1)
com µeg (µes ) o momento de dipolo da transição g → e (s → e), Ee Ek o campo elétrico
de um fóton no modo de excitação (modo k), e ke o vetor de onda do modo de excitação. Já os
operadores de levantamento e abaixamento de estados do átomo i na potencial (6.64) ficam
σ̂i+ = |gi ihsi | , (6.67a)
σ̂i = |si ihgi | . (6.67b)
Os estados |gi i e |si i são os dois estados fundamentais para o átomo i. O Hamiltoniano do campo e
átomos livres fica então
Na
Ĥ0 = ∑ h̄ωk â†k âk + ∑ [Es |si ihsi | + Eg |gi ihgi |] . (6.68)
k i=1
O estado inicial do sistema é agora representado por
|ψ(0)iI = |g1 , g2 , . . . , gi , . . . , gNa i|0i = |g, 0i , (6.69)
com todos os Na átomos no estado |gi e o campo na transição s → e no estado de vácuo |0i. A
partir desse estado, a dinâmica no ensemble segue com muito menos restrições que para um átomo
individual. Perceba que muitos fótons podem agora ser criados a partir da transição de cada átomo
do estado |gi para o estado |si. De modo a levar em conta de forma direta todos os possíveis
estados acessíveis agora ao sistema a partir do estado inicial, usaremos o formalismo da série
de Dyson [Sak94] para o operador de evolução temporal na representação de interação ÛI (t, 0)
atuando no estado inicial:
|ψ(t)iI = ÛI (t, 0)|ψ(0)iI , (6.70)
com
 Z t  2 Z t Z t 0
i 0 0 i
ÛI (t, 0) = 1 + − dt V̂I (t ) + − dt 0 dt 00V̂I (t 0 )V̂I (t 00 ) + · · · . (6.71)
h̄ 0 h̄ 0 0
Temos assim
 Z t  2 Z t Z t 0
i 0 0 i
|ψ(t)iI = |g, 0i+ − dt V̂I (t )|g, 0i+ − dt 0 dt 00V̂I (t 0 )V̂I (t 00 )|g, 0i+· · · . (6.72)
h̄ 0 h̄ 0 0
Usando a equação (6.64), ficamos com
Na Z t
0
|ψ(t)iI = |g, 0i + i ∑ ∑ Ωk,i dt 0 e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , 1k i
k i=1 0
Na Z t Z t0
0 00
+ i2 ∑ ∑ Ωk,i Ωk0 , j dt 0 dt 00 e−i(ωgs +ωe −ωk )t e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , s j ; 1k , 1k0 i
k,k0 i, j=1 0 0
i6= j
Na Z t Z t0
0 00
+ i2 ∑ ∑ |Ωk,i |2 dt 0 dt 00 ei(ωgs +ωe −ωk )t e−i(ωgs +ωe −ωk )t |g, 0i
k i=1 0 0

+··· , (6.73)
6.2 Estados emaranhados coletivos 175

onde definimos |si , 1k i como o estado com todos os átomos em |gi menos o átomo i, que se encontra
em |si, e o campo com todos os modos no vácuo menos o modo k, que contém um fóton. Definimos
ainda |si , s j ; 1k , 1k0 i como o estado com todos os átomos em |gi a menos dos átomos i e j, que se
encontram em |si, e com o campo no vácuo mais dois fótons, um no modo k e outro no modo k0 .
O estado da equação (6.73) apresenta emaranhamento intrincado entre o estado atômico e os
modos luminosos. Para explorar muitas das consequências desse tipo de emaranhamento quântico,
é suficiente nos concentrarmos no termo de primeira ordem em Ω. Consideraremos então uma
situação física em que Ω é pequeno o suficiente para nos permitir manter apenas o termo em
primeira ordem na série da equação (6.73):
Na Z t
0
|ψ(t)iI ≈ |g, 0i + i ∑ ∑ Ωk,i dt 0 e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , 1k i . (6.74)
k i=1 0

O emaranhamento quântico que sobra na equação (6.74) é aquele de um fóton no modo luminoso
com um estado coletivo atômico onde um átomo foi transferido para o estado |si, mas não sabemos
qual. O modo luminoso na equação (6.74), no entanto, não é muito bem definido. Em princípio, o
fóton |1ki pode apontar em qualquer direção.
Esse problema pode ser contornado se nos concentrarmos em um único modo de emissão, que
vai estar emaranhado então a um único modo coletivo bem definido. Para isso, o primeiro passo é
usarmos um feixe de escrita que pode ser aproximado por uma onda plana, ou seja, para o qual
podemos desprezar variações de intensidade na direção transversal à propagação do feixe, o que
levaria a variações de αe para as diferentes posições ri dos átomos. Em seguida, consideramos a
projeção em um modo específico â1 do campo, que chamaremos de modo 1. Esse modo pode ser
escrito como uma superposição dos modos âk de onda plana que vínhamos trabalhando até aqui:
Z
â1 = d 2 q1 φ1 (q1 )âq +√k2 −q2 ẑ , (6.75)
1 1 1

com q1 um vetor bidimensional no plano transversal a k1 , com k1 = ω1 /c. O modo â1 é, portanto,
uma superposição arbitrária de ondas planas em torno da direção k1 . A função φ1 (q1 ) define o
modo, que consideraremos monocromático. Um estado quântico com um fóton neste modo pode
ser escrito como â†1 |0i, de modo que a projeção nesse estado é feita a partir do operador h0|â1 . A
forma da equação (6.75) permite, por exemplo, definir â1 como um modo Gaussiano dentro da
aproximação paraxial (de propagação próxima a um eixo, como o k1 ). Tais modos podem ser
comumente obtidos a partir de cavidades ressonantes ou fibras ópticas. Uma possível situação física
com â1 sendo um modo Gaussiano é mostrada na figura (6.8).

Figura 6.8: Geometria para preparação de um estado coletivo atômico acoplado ao


modo Gaussiano de uma fibra óptica monomodo.
176 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

Na discussão acima, assumimos uma frequência ω1 bem definida. Essa seleção em frequência
acontece através da integral no tempo da equação (6.74). Consideremos o estado do sistema após a
atuação de um pulso de excitação de largura temporal Tp e já transformando o somatório em k em
uma integral:
Na Z Tp
V
Z
0
|ψ(t > Tp )iI = |g, 0i + i d 3 k ∑ Ωk,i dt 0 e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , 1k i . (6.76)
(2π)3 i=1 0

A partir das definições de Ωk,i (equação 6.65), gege,i e gk,i (equações 6.66), e de E
es (1) (equação 1.68)

temos
 ∗
geg es
e,i e gk,i
α ∗ α ω 1/2 ω 1/2
µeg µes e e
Ωk,i = = k
eike ·ri e−ik·ri , (6.77)
∆ 2ε0 h̄V ∆
que substituindo em (6.76) leva a

∗α ω 1/2 Na Z Z Tp
µeg µes e e 1/2 0
|ψ(t > Tp )iI = |g, 0i + i
2ε0 h̄(2π)3 ∆ ∑ eike ·ri d 3 kωk e−ik·ri
0
dt 0 e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , 1k i .
i=1
(6.78)

Em coordenadas esféricas, a integral acima fica


Z Z Tp
1/2 0
d 3 kωk e−ik·ri dt 0 e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , 1k i =
0
Z 2π 5/2
dωk ωk −ik(cos θ zi +senθ cos φ xi +senθ senφ yi ) Tp 0 −i(ωgs +ωe −ωk )t 0
Z π Z ∞ Z
dθ senθ dφ 3
e dt e |si , 1k i.
0 0 0 c 0
(6.79)
Se Tp for longo o suficiente, a integral no tempo implicará que ωk terá um valor em torno de
ω1 = ωe + ωgs , podendo ser aproximada por
Z Tp
0
dt 0 e−i(ω1 −ωk )t ≈ δ (ω1 − ωk ) , (6.80)
0

que substituindo em (6.79) resulta em


Z Z Tp
1/2 0
d 3 kωk e−ik·ri dt 0 e−i(ωgs +ωe −ωk )t |si , 1k i ≈
0
5/2 Z π Z 2π
ω1
dθ senθ dφ e−ik1 (cos θ zi +senθ cos φ xi +senθ senφ yi ) |si , 1k i. (6.81)
c3 0 0

Note que já escolhemos como eixo z a direção k1 do eixo do modo que queremos detectar.
A equação (6.81) implica em uma soma bastante geral sobre modos com módulo constante de
|k| = k1 . Resta agora realizar a projeção no modo detectado:
∗α ω 1/2 5/2 Na
µeg µes e e ω1
h0|â1 |ψ(t > Tp )iI = i
2ε0 h̄(2π)3 ∆c3 ∑ eik ·r ×e i

i=1
Z π Z 2π
× dθ senθ dφ e−ik1 (cos θ zi +senθ cos φ xi +senθ senφ yi ) h0|â1 |si , 1k i , (6.82)
0 0

ou ainda
∗α ω
µeg µes
1/2 5/2 Na Z √2 2
e e ω1
h0|â1 |ψ(t > Tp )iI = i
2ε0 h̄(2π)3 ∆c3 ∑ eike ·ri d 2 q1 φ1 (q1 )e−i(q1 + k1 −q1 ẑ)·ri |si i . (6.83)
i=1
6.2 Estados emaranhados coletivos 177

Finalmente, podemos escrever

∗α ω 1/2 5/2 1/2


µeg µes e e ω1 Na
h0|â1 |ψ(t > Tp )iI = i |1a i , (6.84)
2ε0 h̄(2π)3 ∆c3

com a definição do estado coletivo emaranhado


Na
1
|1a i = 1/2
ci ei(ke −k1 k̂)·ri |si i ,
∑ (6.85)
Na i=1
onde
Z
2
ci = d 2 q1 φ1 (q1 )ei(−q1 ·ρi +zi q1 /2k1 ) , (6.86)

e ρi é a componente de ri no plano xy perpendicular à direção k1 .


Assumindo um modo â1 normalizado, teremos
Z
d 2 q1 |φ1 (q1 )|2 = 1 . (6.87)

Segue que
q0 2
  2 
q
i −(q1 −q01 )·ρi +zi 2k1 − 2k1
Z Z
∑ |ci |2 = d 2 q1 d 2 q01 φ1 (q1 )φ1∗ (q01 ) ∑ e 1 1

i i
Z
2 2
≈ d q1 |φ1 (q1 )| = Na , (6.88)

onde aproximamos
q0 2
  2 
q
i −(q1 −q01 )·ρi +zi 2k1 − 2k1
∑e 1 1
≈ δ (q1 − q01 )Na (6.89)
i

para um ensemble extenso o suficiente. Temos então que |1a i é um estado coletivo já normalizado.
A equação (6.84) fornece de uma forma simplificada o resultado da projeção do estado atômico
que ocorre devido à detecção de um fóton no modo 1. Uma vez que essa detecção ocorreu, o estado
resultante precisa ser novamente normalizado, levando ao estado final do processo de detecção

|ψ f iI = |1a i . (6.90)

Esse é um estado emaranhado coletivo macroscópico, onde temos um átomo do ensemble no


estado s, mas não sabemos qual. Cada átomo é excitado com amplitude e fase diferentes, dadas
pelo coeficiente ci ei(ke −k1 ẑ) , mas fixas. O ponto importante é perceber que a detecção de um fóton
no modo 1 “preparou” o ensemble em um estado coletivo muito bem definido, que poderá ser
explorado em diferentes contextos daqui para a frente. Esse estado coletivo ficou armazenado
no meio atômico após a passagem do pulso de excitação. O ensemble de átomos pode ser então
considerado uma memória quântica coletiva.

6.2.3 Superradiância de um fóton


A primeira propriedade importante do estado da equação (6.90) é sua possibilidade de conversão
para um segundo modo do campo, campo 2, com alta eficiência. No que segue, vamos discutir em
detalhe esse processo de conversão. Começamos com a incidência de um outro campo intenso,
campo de leitura, na transição s → e. Da mesma forma que para o campo de excitação da seção
178 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

6.2.2 logo acima, poderemos descrevê-lo como um campo coerente |αr i. Atuamos com a leitura em
ressonância (ver Fig. 6.9) por dois motivos: aumentar a probabilidade do mapeamento |si → |ei, e
induzir transparência no meio para aumentar a eficiência de extração de luz emitida na transição
e → g. O feixe de leitura, portanto, precisa ser forte para efetivamente deslocar o nível de energia
|ei. Note que este feixe atua sobre uma transição com um único átomo, não sendo afetado pelo
meio atômico e ficando constante ao longo de toda a amostra.

Figura 6.9: Leitura ressonante em um sistema de três níveis em configuração tipo


Λ. Partindo de uma situação inicial em que um átomo do ensemble se encontra no
nível |si e todos os outros no nível |gi, luz de frequência ωr excita a transição atômica
entre os níveis |si e |ei em ressonância. O átomo originalmente em |si pode então
espontaneamente decair para o nível |gi, emitindo um fóton de frequência ω2 no
processo, ou voltar para o nível |si.

Uma vez excitado para o nível |ei, o átomo pode decair espontaneamente para os níveis |gi
ou |si. É importante ter em mente desde o início que o processo s → e → g deve ser muito mais
provável, pois nele todos os átomos terminam no mesmo estado do ensemble |g1 , g2 , . . . , gNa i.
Isso resulta em uma grande interferência construtiva reforçando um processo paramétrico global
(mesmo estado inicial e final), com conservação de energia e momento no meio atômico. Mesmo
assim, levar em conta também o processo s → e → s ajuda na obtenção de previsões quantitativas
do modelo.
Na leitura, o Hamiltoniano do sistema pode então ser escrito como
Ĥ = Ĥ0 + V̂ , (6.91)
com o Hamiltoniano livre
Ĥ0 = ∑ [Eg |gi ihgi | + Es |si ihsi | + Ee |ei ihei |] + ∑ h̄ωl â†l âl , (6.92)
i l

sendo o mesmo do processo de excitação da memória coletiva e o potencial de interação sendo


constituído de três partes
V̂ = V̂1 + V̂2 + V̂3 , (6.93)
com
V̂1 = − ∑ h̄Ωr ei(kr ·ri −ωr t) |ei ihsi | + H.c. (excitação pelo feixe de leitura) , (6.94a)
i
V̂2 = − ∑ ∑ h̄geg,l eik·ri |ei ihgi |âl + H.c. (emissão espontânea e → g) , (6.94b)
i l
V̂3 = − ∑ ∑ h̄ges,l eik·ri |ei ihsi |âl + H.c. (emissão espontânea e → s) , (6.94c)
i l
6.2 Estados emaranhados coletivos 179
(1) (1) (1) (1)
e Ωr = µse Er αr /h̄, geg,l = µge El /h̄ e ges,l = µse El /h̄. Como usual, En indica o campo
elétrico de um fóton no modo n, e µ pq é o momento de dipolo elétrico da transição p → q. Perceba
que já fatoramos e deixamos explícita a exponencial com a fase espacial nos termos de acoplamento.
Também escrevemos o campo elétrico de leitura na sua forma clássica equivalente, já em termos
do parâmetro complexo αr e incluindo a respectiva dependência temporal. Na representação de
interação, temos

V̂I (t) = eiĤ0t/h̄V̂ e−iĤ0t/h̄


h i
= − ∑ h̄Ωr eikr ·ri ei(ωes −ωr t) |ei ihsi | + H.c.
i
h i
+ ∑ h̄geg,l eik·ri ei(ωeg −ωl t) |ei ihgi |âl + H.c.
l
h i
ik·ri i(ωes −ωl t)
+ ∑ h̄ges,l e e |ei ihsi |âl + H.c. . (6.95)
l

O estado inicial do sistema é obtido a partir da equação (6.90):


Na
1 i(ke −k1 ẑ)·ri )
|ψ(0)i = |1a i|0i = 1/2
ci e
∑ |si , 0i . (6.96)
Na i=1
Como só há uma excitação na nível |si inicialmente no sistema, a evolução temporal permanecerá
essencialmente restrita ao espaço de uma única excitação. Na representação de interação, podemos
escrever
Na
|ψ(t)iI = ∑ ei(ke −k1 ẑ)·ri ) [Ai (t)|si , 0i + Bi (t)|ei , 0i] + ∑ Cl (t)|g, 1l i + ∑ ∑ Di,l |si , 1l i ,
i=1 l i l
(6.97)
com Ai (t), Bi (t), Cl (t) e Di,l (t) coeficientes de variação lenta a serem determinados a partir da
equação de Schrödinger. Também já isolamos a fase espacial da excitação nos coeficientes Ai e
Bi . Perceba, finalmente, que não temos o índice i dos átomos no coeficiente Cl , pois neste caso os
átomos voltam ao nível comum inicial |gi = |g1 , g2 , . . . , gNa i.
A equação de Schrödinger (1.127) na representação de interação,

ih̄ |ψ(t)iI = V̂I |ψ(t)iI , (6.98)
∂t
leva então diretamente a

Ai = iΩ∗r e−ikr ·ri Bi (t) , (6.99a)
∂t
∂ h i
Bi = iΩr eikr ·ri Ai (t) + i ∑ ei(−ke +k1 ẑ+k)·ri ei(ωeg −ωl )t geg,l Cl (t) + ei(ωes −ωl )t ges,l Di,l (t) ,
∂t l
(6.99b)

Cl = i ∑ g∗eg,l ei(ke −k1 ẑ−k)·ri e−i(ωeg −ωl )t Bi (t) , (6.99c)
∂t i

Di,l = ig∗es,l ei(ke −k1 ẑ−k)·ri e−i(ωes −ωl )t Bi (t) , (6.99d)
∂t
onde assumimos ressonância do feixe de leitura, ωr = ωes . Para resolver esse sistema, vamos
assumir a seguinte forma tentativa para Bi (t):

Bi (t) = βi (t)bi (t)eikr ·ri , (6.100)


180 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

tal que

∂ bi (t)
βi (t) · = iΩr Ai (t) (6.101)
∂t
e
∂ βi (t) h i
· bi (t) = i ∑ ei(−ke +k1 ẑ+k−kr )·ri ei(ωeg −ωl )t geg,l Cl (t) + ei(ωes −ωl )t ges,l Di,l (t) . (6.102)
∂t l

A vantagem de assumir a solução (6.100) é que agora ficamos com dois sistemas de equações
com papéis claramente distintos no problema. O sistema (6.99a) e (6.101) descreve uma dinâmica
de oscilação de Rabi. O sistema (6.99c), (6.99d) e (6.102) descreve uma dinâmica de emissão
espontânea.
Vamos começar resolvendo o segundo sistema de equações. Em forma integral, as equações
(6.99c) e (6.99d) ficam
Z t
0
Cl (t 0 ) = i dt 0 ∑ g∗eg,l ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·r j e−i(ωeg −ωl )t β j (t 0 )b j (t 0 ) , (6.103a)
0 j
Z t
0 0
Di,l (t ) = i dt 0 g∗es,l ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·ri e−i(ωes −ωl )t βi (t 0 )bi (t 0 ) , (6.103b)
0

onde já aplicamos as condições iniciais Cl (0) = Di,l (0) = 0. Substituindo as equações (6.103) em
(6.102), temos
Z t 0

∂ βi 0 bi (t )
= − dt ∑ |ges,l |2 ei(ωes −ωl )(t−t )
0
βi (t 0 )
∂t 0 l b i (t)
)
b (t 0)
0 j
+ ∑ |geg,l |2 ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·(r j −ri ) ei(ωeg −ωl )(t−t ) β j (t 0 ) . (6.104)
j bi (t)

A partir do tratamento para a teoria de Weisskopf-Wigner no capítulo 1, temos (equação 1.140)

|µ pq |2
Z ∞ Z π Z 2π
2
∑ |g pq,l | = 2ε0 h̄(2π)3 c3 ωk3 dωk 2
sin θ (1 − cos θ )dθ dφ (6.105)
l 0 0 0

e (equação 1.146)
Z ∞
0
dωk ωk3 e−i(ω pq −ωk )(t−t ) ≈ 2πω pq
3
δ (t − t 0 ) . (6.106)
−∞

Substituindo (6.105) e (6.106), a equação (6.104) pode ser re-escrita como


"
∂ βi 1 π
Z Z 2π
|µes |2 ωes 3 |µeg |2 ωeg
3
=− sin θ (1 − cos2 θ )dθ dφ +
∂t 2 0 0 2ε0 h̄(2π)2 c3 2ε0 h̄(2π)2 c3
#
|µeg |2 ωeg
3
b j (t)β j (t)
+ ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·(r j −ri ) βi (t) . (6.107)
2ε0 h̄(2π)2 c3 ∑
j6=i bi (t)βi (t)

A partir da equação (1.149), podemos definir a taxa de decaimento por emissão espontânea na
transição p → q como

1 4|µ pq |2 ω pq
3
Γ pq = , (6.108)
4πε0 3h̄c3
6.2 Estados emaranhados coletivos 181

de modo que

∂ βi 1
= − Γes + Γeg
∂t 2
Z 2π 
3 π i(ke −k1 ẑ−k+kr )·(r j −ri ) b j (t)β j (t)
Z
2
+ Γeg sin θ (1 − cos θ )dθ dφ ∑ e βi (t) , (6.109)
8π 0 0 j6=i bi (t)βi (t)

ou, inserindo a taxa Γ = Γes + Γeg de decaimento total do estado excitado,



∂ βi Γ Γeg 3
= − 1+ ×
∂t 2 Γ 8π
Z 2π 
b j (t)β j (t)
Z π
× sin θ (1 − cos2 θ )dθ dφ ∑ ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·(r j −ri ) βi (t) . (6.110)
0 0 j6=i bi (t)βi (t)

Vamos agora introduzir uma aproximação de excitação uniforme. Se os átomos forem ilumi-
nados de forma aproximadamente uniforme tanto pelo feixe de excitação quanto pelo feixe de
leitura, a dinâmica atômica para a excitação óptica s → e não deve variar apreciavelmente de um
átomo para outro. Por conta disso, podemos aproximar bi (t) ≈ b j (t) e βi (t) ≈ β j (t). Definindo a
constante
Z 2π
Γeg 3
Z π
χi = 1 + sin θ (1 − cos2 θ )dθ dφ ∑ ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·(r j −ri ) , (6.111)
Γ 8π 0 0 j6=i

a equação (6.110) fica


∂ βi χi Γ
=− βi (t) , (6.112)
∂t 2
e, portanto, temos
βi (t) = e−χi Γt/2 (6.113)
como solução, considerando βi (0) = 1 e βi (∞) = 0. Se χ > 1, temos um aumento da taxa de
decaimento espontâneo induzido pela presença dos outros átomos, um fenômeno conhecido como
superradiância. No nível de um fóton, como discutido acima, a natureza puramente quântica
do efeito fica bem explicitada. Note que este aumento da taxa de emissão não é resultado de
emissão estimulada, já que apenas um fóton é emitido pelo ensemble. É um efeito que depende
da distribuição coerente de excitação pelos átomos do ensemble, isto é, ele depende de uma forte
interferência construtiva dos átomos induzida pelo emaranhamento do sistema.
Podemos agora resolver o outro sistema de equações originado da forma (6.100) para Bi (t).
Substituindo (6.113) em (6.99a) e (6.101), obtemos
∂ Ai
= iΩ∗r e−χi Γt/2 bi (t) , (6.114a)
∂t
∂ bi
= iΩr eχi Γt/2 Ai (t) . (6.114b)
∂t
Derivando (6.114), esta segunda equação assume a forma
∂ 2 bi χi Γ ∂ bi
− + |Ωr |2 bi = 0 . (6.115)
∂t 2 2 ∂t
Considerando agora as condições iniciais
bi (0) = 0 , (6.116a)
∂ bi (0) Ωr ci
= iΩr Ai (0) = i 1/2 , (6.116b)
∂t Na
182 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

a equação (6.115) resulta em


r !
2Ωr ci eχi Γt/4 χ 2 Γ2
bi (t) = q sen 4|Ωr |2 − i t . (6.117)
1/2 χ 2 Γ2 4
Na 4|Ωr |2 − i4

Combinando as equações (6.113) e (6.117) na solução (6.100), ficamos, finalmente, com


r !
2Ωr ci eikr ·ri e−χi Γt/4 2
χi2 Γ2
Bi (t) = q sen 4|Ωr | − t (6.118)
1/2 2 χi2 Γ2 4
Na 4|Ωr | − 4

A equação (6.118) nos dá então a evolução da amplitude de probabilidade do estado excitado


dos átomos do sistema com o tempo. Vemos então claramente o comportamento de oscilação
de Rabi superposto com a emissão espontânea. Diferentemente do tratamento do capítulo 1, no
entanto, temos agora uma emissão espontânea superradiante com um único fóton sendo emitido
coletivamente pelo ensemble de átomos.

Função de onda do fóton emitido no processo de leitura


Até aqui focamos nossa análise na evolução no tempo do estado atômico. Agora podemos nos
voltar para o modo espacial e dependência temporal dos fótons emitidos no processo de leitura.
Nesse caso, temos duas possibilidades para a geração de um fóton a partir da emissão espontânea
do nível |ei. Ele pode ser gerado na transição e → s ou na e → g. No caso da transição e → s,
temos necessariamente que o átomos que estava em si voltará a si . Ao realizar o traço sobre os
graus de liberdade atômicos, teremos uma expressão do tipo ∑i |Di,l (t)|2 para cada componente l
do campo. A dependência de Di,l com a fase espacial ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·ri não afeta, portanto, o fóton
emitido nessa transição, que não apresenta assim nenhuma direção preferencial de emissão. Após a
emissão de um fóton na transição e → s, toda a informação de coerência espacial do estado original
armazenado é perdida, e este não pode mais ser extraído do ensemble atômico.
Já no caso da transição e → g, todos os átomos terminarão no mesmo estado |g, 1l i. Ao realizar
o traço sobre os graus de liberdade atômicos, ficamos então com uma expressão do tipo | ∑l Cl (t)|2 ,
altamente sensível à fase espacial ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·ri de cada átomo. Note que tanto Cl quanto χi
possuem somatórios sobre essa fase espacial dos átomos, implicando que o limite de comportamento
superradiante se manifesta paralelamente nessas duas quantidades. A interferência construtiva
sobre a fase espacial em Cl leva à direcionalidade da emissão superradiante, enquanto que sua
manifestação sobre χi leva à aceleração da emissão. Quanto Na começa a crescer, o processo e → g
de emissão espontânea domina, pois χi vai aumentando e o processo e → g vai ocorrendo antes de
e → s. Além disso a probabilidade de e → g aumenta com Na2 (| ∑i |2 ), enquanto a probabilidade de
e → s aumenta com Na (∑i | |2 ).
Vamos, portanto, nos concentrar apenas no cálculo da emissão de um fóton em e → g. A
decomposição em vetores de onda do estado do fóton emitido é dado por limt→∞ Cl (t), com Cl (t)
dado pela equação (6.103a). Isto implica que nosso interesse é no estado da luz em um tempo
grande, após o processo de emissão. Para encontrar a dependência temporal do fóton emitido,
devemos realizar uma transformada de Fourier sobre seu espectro de frequências, pois nosso cálculo
foi todo executado no espaço de Fourier dos modos de onda plana. Vamos definir o modo fotônico
ψ2 em termos de q, a componente no plano xy do vetor de onda do fóton 2 extraído. Temos assim
Z
ψ2 (q,t) ∝ dωl e−iωl t lim
0
Cl (t 0 ) . (6.119)
t →∞

De modo a obter uma expressão analítica para o pacote de onda do fóton extraído da memória,
consideramos mais uma aproximação importante: χi terá o mesmo valor para todos os átomos no
6.2 Estados emaranhados coletivos 183

ensemble, ou seja, χi ≈ χ. Dentro dessa aproximação, podemos substituir a equação (6.103a) em


(6.119) e, usando as equações (6.117) e (6.113), obtemos
(Z 0
Z ∞ t 00
ψ2 (q,t) ∝ dωl e−iωl t lim
0
i dt 00 ∑ g∗eg,l ei(ke −k1 ẑ−k+kr )·r j e−i(ωeg −ωl )t ×
−∞ t →∞ 0 j
00
r !)
2Ωr c j e−χΓt /4 χ 2 Γ2 00
× q sen 4|Ωr |2 − t . (6.120)
1/2 2 2 4
Na 4|Ωr |2 − χ 4Γ

Como temos ainda


Z ∞
00
dωl e−iωl (t−t ) = 2πδ (t − t 00 ) , (6.121)
−∞

a equação (6.120) simplifica para

ψ2 (q,t) ∝ g∗eg,l f2 (q)g2 (t) . (6.122)

com o modo espacial do fóton dado por


1
f2 (q) = 1/2 ∑ ei(k −k ẑ−k+k )·r c j ,
e 1 r j
(6.123)
Na j

e seu modo temporal por


r !
2Ωr e−χΓt/4 χ 2 Γ2
g2 (t) = e−iωegt q sen 4|Ωr |2 − t . (6.124)
2 2 4
4|Ωr |2 − χ 4Γ

A partir daqui, precisamos considerar situações físicas mais específicas. Iremos, particular-
mente, considerar a geometria do processo leitura mostrada na figura (6.10), com um feixe de
leitura com modo transversal grande e contra-propagante ao feixe de excitação original, podendo
ser aproximado por uma onda plana com vetor de onda kr = −ke . O modo espacial pode ser
calculado substituindo a equação (6.86) para c j em (6.123), expandindo k = q + kz ẑ e r j = ρ j + z j ẑ,
q2
e lembrando que k1z = k1 − 2k11 :

1
Z
f2 (q) = 1/2
d 2 q1 φ1 (q1 ) ∑ e−i(q+q1 )·ρ j −i(k1z +kz )z j . (6.125)
Na j

Iremos também considerar uma distribuição de átomos no meio próxima à mostrada na figura
(6.10), ou seja, na direção transversal se extendendo muito além do modo de excitação definido por
φ1 . A distribuição de átomos na direção xy será portanto uniforme. Na direção z consideraremos
2 2
que a densidade atômica segue uma distribuição gaussiana. Teremos assim d(r) ∝ e−z /2L , com L
o comprimento do ensemble na direção z. A partir dessa função densidade o somatório em j pode
ser transformado em uma integral:
Z Z Z
2 /2L2
f2 (q) ∝ d 2 q1 φ1 (q1 ) d2ρ dz e−z e−i(q+q1 )·ρ−i(k1z +kz )z
Z
2 (k 2
∝ d 2 q1 φ1 (q1 )δ (q + q1 )e−L 1z +kz ) /2

2 (k 2
∝ φ1 (−q)e−L 1z +kz ) /2
. (6.126)

Esta expressão mostra então que o segundo fóton é extraído no modo conjugado ao campo 1, com
kz ≈ k1z e o modo transversal correspondente φ1 . Note também, da equação (6.124), que seu pacote
184 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

de onda oscila com frequência central ωeg , o que fixa o módulo do vetor de onda do fóton em torno
de ωeg /c. Para aumentarmos a eficiência e pureza do estado do fóton detectado, podemos então
usar uma fibra óptica para coletar a luz emitida pelo ensemble no processo de leitura exatamente no
mesmo modo Gaussiano do primeiro fóton detectado no processo de excitação do modo coletivo,
como mostrado na figura (6.10).

Figura 6.10: Geometria para leitura de um estado coletivo atômico acoplado ao modo
Gaussiano de uma fibra óptica monomodo.

Vamos agora nos concentrar no modo temporal do fóton emitido no processo de leitura. A
probabilidade pc (t) de detectar um fóton em torno do instante t é então

pc (t) = F|g2 (t)|2 , (6.127)

com F uma constante de proporcionalidade incluindo, entre outros fatores, a eficiência de detecção
e a largura temporal da janela de detecção. Obviamente, na equação (6.127) assumimos uma
janela de detecção muito pequena, de modo que pudemos assumir |g2 (t)| constante ao longo de sua
duração. Outra quantidade importante é a integral de (6.127) no tempo
Z ∞
Pc = pc (t)dt , (6.128)
0

que fornece a probabilidade total de extrair a informação armazenada no meio, mapeando-a em um


fóton no modo 2. Para comparar teoria e experimento, é particularmente importante a probabilidade
condicional normalizada:
pc (t) |g2 (t)|2
= R∞ 2
, (6.129)
Pc 0 |g2 (t)| dt

que independe de F. Crucial para a forma do modo temporal do fóton é o valor de χ. Seu
cálculo, no entanto, é mais elaborado, envolvendo a distribuição de átomos no modo de detecção
φ1 , correspondendo ao estado coletivo |1a i. No limite de um ensemble em forma de cigarro com
diâmetro W << L, como nas figuras (6.8) e (6.10), é possível, no entanto, obter uma expressão
analítica simples [Men13, Oli14]:
Na
χ = 1+ , (6.130)
2W 2 k22

onde k2 é o vetor de onda do fóton emitido e Na é o número de átomos no ensemble.


6.2 Estados emaranhados coletivos 185

Na figura (6.11) mostramos um exemplo de comparação da teoria acima com um experimento


correspondente em uma nuvem fria (T < 1 mK) de átomos de rubídio [Oli14]. Na situação
desse experimento, o grau de correlação de segunda ordem do campo medido na leitura era
g(2) (0) = 0.23 ± 0.06, correspondendo a um fóton individual [g(2) (0) < 0.5]. Nos vários painéis
da figura, variou-se a potência de leitura, obtendo-se um melhor acordo para potências de leituras
maiores. Isso é esperado da suposição de potências altas na leitura usada na teoria, para garantir a
transparência do meio ao fóton extraído. O amplificação superradiante da emissão foi fixada aqui
em χ = 3.8. Como previsto pela teoria, o comportamento é bem descrito como uma oscilação de
Rabi superposta com uma emissão espontânea acelerada.

Figura 6.11: Pacote de onda extraído na leitura de um estado emaranhado cole-


tivo como função da potência de leitura. Os círculos abertos fornecem a probabili-
dade condicional como uma função do tempo para seis diferentes potências do laser
de leitura (em miliwatts): (a) 2.1, (b) 1.2, (c) 0.6, (d) 0.3, (e) 0.15, e (f) 0.075. As
curvas sólidas são os resultados teóricos da equação (6.129) com χ = 3.8. Na teoria,
a potência da leitura foi ajustada pela curva de maior potência e depois variada man-
tendo a proporção do experimento. As curvas azuis tracejadas fornecem os resultados
correspondentes para a probabilidade normalizada não condicional.

Na figura (6.12) mostramos como o pacote de onda varia quando o número de átomos no meio
varia. A potência foi fixada próxima ao máximo, por isso as oscilações de Rabi não mudam entre
os painéis da figura. Vemos, no entanto, uma mudança clara na relação dos máximos consecutivos
das oscilações de Rabi, indicando a queda de χ quando o número de átomos diminui na amostra. A
figura (6.13) mostra os χs obtidos do ajuste dos painéis da figura (6.12) como função do número de
átomos no meio. Observa-se então a dependência com Na prevista pela equação (6.130).
186 Capítulo 6. Regime quântico da interação átomo-luz

Figura 6.12: Pacote de onda extraído na leitura de um estado emaranhado cole-


tivo como função do número de átomos. Os círculos abertos fornecem a probabi-
lidade condicional como uma função do tempo para seis diferentes profundidades
ópticas do meio (proporcionais a Na ): (a) 4.8, (b) 4.0, (c) 3.4, (d) 2.6, (e) 1.6, e (f)
1.0. As curvas sólidas são os resultados teóricos da equação (6.129) ajustando-se χ
para cada painel, com a potência de leitura se mantendo constante. As curvas azuis
tracejadas fornecem os resultados correspondentes para a probabilidade normalizada
não condicional.

Figura 6.13: Variação de χ com o número de átomos. Valores de χ como função da


profundidade óptica do meio obtidos dos ajustes da figura (6.12). A curva vermelha
é um ajuste a uma função com a mesma dependência linear da equação (6.130). O
inset mostra os tempos de decaimento τsp = (χΓ/2)−1 . Os valores de α constantes
mostram que a potência de leitura ficou constante para todas as profundidades ópticas
testadas.
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