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PRINCIPAIS CONCEITOS

• A anestesia venosa vem sendo cada vez mais usada como anestesia de
escolha para os mais diversos procedimentos cirúrgicos.

• Além de ter conhecimento sobre os anestésicos venosos, é necessário


que o anestesiologista compreenda a farmacocinética e a farmacodinâ-
mica deles.

• Conceitos fundamentais envolvem o volume de distribuição, clearance


dos fármacos, modelos compartimentais, biofase, Ke0, T1/2Ke0, histerese
e meia vida contexto-dependente.

• Fármacos com T1/2 Ke0 curtos possuem constante Ke0 alta e início de
ação rápido.

• Fármacos com T1/2Ke0 menores são mais precisamente manuseados,


quando em infusão contínua baseada na dosagem da sua concentração
sanguínea e apresentam início e pico de ação mais rápidos.

• Fármacos com T1/2Ke0 pequeno são ideais para a indução em sequência


rápida.

• As bombas de infusão alvo-controladas são sistemas dotados de um


modelo farmacocinético controlado por computador acoplado ao dispo-
sitivo de infusão mecânica.

• A concentração no local efetor é a informação mais importante desse


tipo de bomba e representa o principal diferencial em relação aos siste-
mas mecânicos.

• Modelos de Marsh e Schnider são modelos tricompartimentais de infu-


são alvo controlada para o propofol.

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Introdução
Em 1934 foi dada a largada para a anestesia venosa moderna, com a
introdução do tiopental (1). Foi um grande avanço na época a indução venosa
da anestesia e os barbitúricos ocupam hoje um lugar mais histórico do que
prático na anestesia. Seu perfil de acúmulo nas infusões contínuas não permite
o uso nas técnicas de anestesia venosa total.
O propofol surgiu nos anos 70, e em 1977 um estudo clínico realizado
por Kay e Roll demonstrou sua capacidade hipnótica (2). A partir de então,
seu uso foi difundido de forma ampla e, atualmente, é o anestésico venoso
mais utilizado. Além de proporcionar indução rápida e profunda, o propofol
tem propriedades farmacocinéticas que o tornam o hipnótico de escolha na
técnica de anestesia venosa total.
O desenvolvimento de opióides modernos, como o remifentanil, e o uso
de bloqueadores neuromusculares mais seguros resultou no desenvolvimento
de uma técnica segura de anestesia venosa total.
O conceito de anestesia venosa total engloba somente o uso de anes-
tésicos venosos, sem o uso em nenhum momento de agentes inalatórios,
como o protóxido ou qualquer halogenado.

Drogas em anestesia venosa total


As drogas utilizadas em anestesia venosa total devem ter um perfil ade-
quado para infusão contínua, ou seja, início de ação rápido e tendência a não
se acumular, propiciando despertar suave e previsível.
Dentre os hipnóticos, o propofol é a de escolha devido a seu perfil far-
macocinético, por apresentar facilidade de uso em infusão alvo controlada e
notável diminuição das náuseas e vômitos no pós-operatório.
Os opióides sufentanil e alfentanil foram por muito tempo utilizados em
anestesia venosa total, mas com o surgimento do remifentanil, e devido a seu
extraordinário sinergismo com o propofol, este se tornou o de escolha e o
mais popular em anestesia venosa total.

Propofol
O propofol é do grupo dos alquilfenóis que foram explorados pelas suas
propriedades hipnóticas. Os alquilfenóis são altamente solúveis em lipídios e

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são insolúveis em solução aquosa. A formulação mais utilizado é o de propofol
a 1%, com 10% de óleo de soja, 1,2% de fosfolípide de ovo adicionado como
emulsionante, 2,25% de glicerol como um agente de ajuste de tonicidade e
hidróxido de sódio para alterar o pH. Devido a possibilidade de crescimento
microbiano na emulsão, ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) foi adicio-
nado (bacteriostático). O propofol possui um pH de 7 e aparece como uma
substância branca leitosa ligeiramente viscosa devido a pequenas gotículas
lipídicas em solução. Existe uma formulação a 2%. Todas as formulações dis-
poníveis comercialmente, são estáveis à temperatura ambiente, não são sen-
síveis à luz e podem ser diluídas SG a 5%. As concentrações de propofol po-
dem ser medidas tanto no sangue total como no ar exalado.
Fospropofol é um pró-fármaco solúvel em água de propofol que é me-
tabolizado por fosfatases alcalinas no fígado para o propofol ativo. Poucos
dados são disponíveis sobre a droga. Em contraste com o propofol, fospro-
pofol não está associado com dor durante a injeção, apesar de relatos de leve
a moderada parestesia perineal e prurido após uma injeção terem sido rela-
tadas, provavelmente devido a um metabólito fosfato.

Farmacocinética
O propofol é oxidado a 1,4-di-isopropilquinol no fígado. O propofol e
1,4-diisopropilquinol são conjugados com ácido glucorônico para propofol-1-
glucuronio, quinol-1-glucuronio e quinol-4-glucuronido, o qual pode então
ser excretado pelos rins. Menos de 1% propofol é excretado inalterado na
urina e apenas 2% é excretado nas fezes. Os metabólitos do propofol são
inativos.
O metabolismo do propofol (> 1,5 L / minuto) excede o fluxo sanguíneo
hepático e desse modo, o metabolismo extra-hepático ou eliminação renal
pode ocorrer. Metabolismo extra-hepático foi confirmado durante a fase ane-
pática dos pacientes submetidos a transplante de fígado com a determinação
de metabolitos de propofol após a administração do propofol na ausência do
fígado. O local extra-hepático mais importante do metabolismo de propofol
é o rim, responsável por até 30% da depuração propofol. Os pulmões tam-
bém podem desempenhar um papel no metabolismo de propofol extra-he-
pático.
O propofol tem efeitos depressores hemodinâmicos e pode reduzir o
fluxo sanguíneo hepático, podendo reduzir a depuração de outros fármacos

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que são metabolizados pelo fígado, em particular aqueles com uma elevada
taxa de extração hepática.
Fospropofol é um pró-fármaco de propofol solúvel em água e é quimi-
camente descrito como fosfono-O-metil-2,6-diisopropilfenol
(C13H19O5PNa2). Fospropofol é metabolizado por fosfatases alcalinas em
propofol, formaldeído e fosfato. A meia-vida de eliminação de fospropofol é
de 0,88 horas. A farmacocinética do fospropofol e propofol liberado não é
afetado por raça, sexo ou insuficiência renal leve a moderada. Além disso,
fospropofol não é afetada pela idade ou de concentração de fosfatase alca-
lina. Até o momento, não foram encontradas interações farmacocinéticas en-
tre fospropofol e fentanil, midazolam ou morfina. Isto é provavelmente porque
ele não está sujeita a metabolismo mediado pela enzima citocromo P450.
A farmacocinética do propofol foi descrito por um modelo de dois ou
três compartimentos. Após uma única dose de bolus, níveis de propofol no
sangue diminuem rapidamente em consequência da redistribuição e elimina-
ção. A meia-vida de distribuição de propofol inicial é de 2 a 8 minutos. A meia
vida contexto sensível do propofol para infusões de até 8 horas é de menos
de 40 minutos. Mesmo após infusões prolongadas o despertar é rápido. O
compartimento central é geralmente menor em idosos. Redução do débito
cardíaco está associado com um pico de concentração plasmática mais ele-
vada se traduz por um compartimento central menor na análise farmacociné-
tica.
A constante de equilíbrio para o propofol com base na supressão da
atividade do eletroencefalograma (EEG) é aproximadamente de 0,3 minutos,
e a meia-vida de equilíbrio (t1/2ke0) entre a concentração de plasma e de
EEG efeito é de 2,5 minutos. O tempo para efeito de pico é de 90 a 100
segundos. O início do efeito do EEG com propofol parece ser independente
da idade. O início de diminuição da pressão sanguínea arterial é muito mais
lenta (o dobro do tempo) e aumenta com a idade. Para EEG e alterações da
pressão arterial, os pacientes mais velhos mostram um aumento da sensibili-
dade dependente da concentração. A farmacocinética do propofol pode ser
alterada por vários fatores (sexo, peso, doença preexistente, idade, e medi-
cação concomitante). Alguns estudos sugerem que o propofol pode apresen-
tar uma farmacocinética não linear. Como propofol tem uma alta taxa de ex-
tração, o que pode prejudicar a sua própria eliminação, diminuindo assim o
débito cardíaco e fluxo sanguíneo hepático. Em contraste, o aumento do dé-
bito cardíaco induzido por administração simpaticomimética pode levar a uma

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diminuição na concentração plasmática do propofol. Em um modelo de cho-
que hemorrágico, as concentrações de propofol aumentaram em até 20%
quando choque descompensado ocorreu.
Em recém-nascidos a termo e prematuros, a variabilidade de depuração
do propofol é grande e a dosagem nestes recém-nascidos deve ser calculada
com extremo cuidado. As mulheres têm um maior volume de distribuição e
taxas de depuração superiores, mas a meia-vida de eliminação é semelhante
para os pacientes masculinos e femininos. Os indivíduos mais velhos têm di-
minuídas as taxas de eliminação e um volume de compartimento central me-
nor. Ambas as mudanças podem ser o resultado de redução do débito cardí-
aco e devido a estas condições e a maior sensibilidade ao efeito do propofol,
pacientes com 80 anos de idade ou mais velhas em geral, precisam de 50%
da dose de propofol de pacientes de 20 anos para atingir o mesmo nível de
sedação ou a hipnose. As crianças têm um volume de compartimento central
relativamente maior (50%) e uma depuração mais rápida (25%). Em crianças
com mais de 3 anos de idade, volume e depuração devem ser ajustadas ao
peso. As crianças com menos de 3 anos de idade também mostram parâme-
tros farmacocinéticos proporcionais ao peso, mas com compartimento central
e valores da depuração sistémica maiores do que em adultos ou crianças mais
velhas. Isso explica os requisitos de dose maior neste grupo.
A doença hepática parece resultar em volumes maiores do comparti-
mento central; depuração mantém-se inalterada, mas a meia-vida de elimina-
ção é ligeiramente prolongada, como o tempo de despertar. Na prática clí-
nica, não é necessário ajuste de dose significativa em pacientes com doença
hepática. A depuração extra-hepática de propofol pode ser responsável por
compensar uma função hepática reduzida.
O midazolam afeta a farmacocinética do propofol, elevando sua con-
centração plasmática em 27%. O midazolam reduz a depuração metabólica
do propofol. As alterações na farmacocinética do propofol induzidas por mi-
dazolam, podem ser o resultado de alterações hemodinâmicas induzidas pela
coadministração de midazolam. Propofol, por sua vez, afeta a farmacocinética
do midazolam. Na presença de concentrações sedativos de propofol, concen-
trações de midazolam aumentam 27%.
Coadministração de propofol aumentou as concentrações de remifen-
tanil, tanto por uma diminuição do volume distribuição como por diminuição
na depuração de remifentanil.

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A cinética de Propofol não é alterada por doença renal.
Atravessa a placenta mas não atinge concentrações clínicas; o APGAR
dos recém nascidos após injeção de propofol durante a indução não se alte-
rou. Não altera a contratilidade uterina. Pode ser utilizado para a aspiração de
folículos na fertilização in vitro.

Mecanismo de ação e ações SNC


A ação hipnótica do propofol é principalmente mediada através do au-
mento de corrente de cloreto induzida pelo ácido γ-aminobutírico (GABA)
através da sua ligação à subunidade β do receptor de GABAA. Sítios sobre as
subunidades β1, β2 e β3 dos domínios de membrana são cruciais para a ação
hipnótica de propofol. A subunidade α e subtipos das subunidades γ2 tam-
bém parecem contribuir para modular os efeitos do propofol no receptor
GABA.
Os efeitos do propofol foram descritos como indireto e direto. O pro-
pofol exibe um efeito de potenciação indireta da ativação do canal de iônico
do GABA. Em concentrações mais altas de propofol, parece ativar direta-
mente os canais dos receptores GABA.
Através de sua ação sobre os receptores GABA no hipocampo, propofol
inibe a liberação de acetilcolina no hipocampo e no córtex pré-frontal. O sis-
tema α2-adrenérgico também parece ter papel indireto nos efeitos sedativos
do propofol.
Ao usar a tomografia por emissão de pósitrons, o uso de propofol tem
sido relacionado com atividade reduzida nas regiões do tálamo e lóbulo qua-
drado. Estas regiões provavelmente desempenham um papel importante na
inconsciência induzida por propofol.
Propofol promove inibição generalizada do receptor N-metil-d-aspar-
tato (NMDA) de glutamato, através da modulação de canal de sódio, uma
ação que também pode contribuir para os efeitos da droga do SNC.
O propofol possui um efeito depressor direto sobre os neurônios da
medula espinal. Nos neurônios do corno dorsal, propofol atua sobre os re-
ceptores GABAA e de glicina.
A sensação de bem-estar em pacientes com propofol está relacionada
com o aumento das concentrações de dopamina no núcleo accumbens. Ação
antiemética pode ser explicada pela diminuição dos níveis de serotonina que
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produz na área postrema, provavelmente através de sua ação sobre os recep-
tores GABA.
O início da hipnose após uma dose de 2,5 mg/kg é rápida, com um
efeito de pico detectada em 90 a 100 segundos. A dose mediana eficaz
(ED50) de propofol para a perda de consciência é de 1 a 1,5 mg / kg depois
de um bolus. A duração da hipnose é dependente da dose e é de 5 a 10
minutos após 2 a 2,5 mg/kg. Idade afeta sensivelmente a dose de indução,
que é mais alta em menores de 2 anos (2,88 mg/kg) e diminui com o aumento
da idade. Este é um resultado direto da farmacocinética alterada em crianças
e em adultos mais velhos. As crianças exibem um compartimento central re-
lativamente maior e assim necessitam de uma dose mais elevada para asse-
gurar uma concentração da droga no sangue. Além disso, a rápida depuração
do propofol em crianças requer uma dose de manutenção maior. O aumento
da idade diminui a concentração de propofol necessária para a perda de cons-
ciência.
Em doses subhipnoticas, propofol proporciona sedação e amnésia. O
propofol também tende a produzir um estado geral de bem-estar. Alucina-
ções, fantasias sexuais e opistótonos podem ocorrer após a administração de
propofol.
O efeito do propofol no EEG mostra um aumento inicial no ritmo alfa
seguido por uma mudança para gama e teta. Taxas de infusão rápida produ-
zem supressão de onda quando concentrações no sangue são superiores a 8
microgramas/mL. Propofol causa uma diminuição de concentração dose de-
pendente no BIS, com 50% e 95% dos pacientes incapazes de responder a
um comando verbal a um BIS de 63 e 51, respectivamente. Dose concentra-
ção no sítio de efeito mostram correlação semelhante com a diminuição da
entropia espectral assim como no BIS, proporcionando uma habilidade a titu-
lar o efeito hipnótico da droga.
O efeito do propofol em atividade epileptogênica é controversa. Pro-
pofol pode suprimir a atividade de convulsão através do agonismo com o
GABA, inibição dos receptores NMDA (NMDAR) e modulação dos canais de
lentos de íons cálcio. No entanto, o mesmo agonismo do GABA e antago-
nismo da glicina também podem induzir convulsões e alterações epilépticas
no EEG, especialmente durante a indução e despertar da anestesia. O propo-
fol tem uma ação anticonvulsivantes dependente da dose. Propofol foi usado

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para tratar crises mas também pode causar convulsões e tem sido utilizado
para o mapeamento cortical de focos.
Infelizmente o propofol pode ser viciante e uma questão importante no
potencial do abuso é o desenvolvimento de tolerância. Os dados sobre abuso
em geral são desconhecidos, mas a incidência de abuso é provável que seja
baixo em comparação com outras substâncias. Para os profissionais de saúde,
o propofol é de fácil acesso e relatos de casos de autoadministração letal
ocorrem. Alguns pesquisadores sugeriram uma maior incidência de abuso de
propofol por prestadores de cuidados de saúde.
Propofol diminui a pressão intracraniana (PIC) em pacientes com PIC
normal ou aumentada. A diminuição da PIC (30% a 50%) está associada a re-
duções significativas na perfusão cerebral pressão (PPC). O uso de propofol
em pacientes com traumatismo craniano deve ser restrito a doses que provo-
quem sedação leve a moderada. Reatividade cerebral normal ao dióxido de
carbono e autorregulação são mantidas durante uma infusão de propofol.
Anestésicos são neuroprotetores porque reduzem a utilização metabó-
lica de oxigênio que é benéfica para o equilíbrio entre a oferta e demanda de
energia e porque aumentam a tolerância à hipóxia do tecido neuronal. O pro-
pofol não tem nenhum efeito direto de precondicionamento, mas pode ate-
nuar toxicidade mediada por glutamato.
Propofol reduz agudamente a pressão intraocular em 30% a 40%. Com-
parado com tiopental, propofol produz uma redução maior na pressão in-
traocular e é mais eficaz na prevenção do aumento da pressão intraocular se-
cundária a succinilcolina e intubação endotraqueal.
Durante a indução podem ocorrer fenômenos excitatórios como abalos,
mioclonias e soluços.
Os efeitos neuroprotetores de propofol permanecem controversos. Em
um modelo de isquemia incompleta em ratos, propofol utilizado para provo-
car supressão de EEG resultou em melhor resultado neurológico e menos le-
sões do tecido cerebral em comparação com o fentanil. O propofol adminis-
trado em concentrações sedativas iniciado tanto imediatamente quanto após
1 hora após o insulto isquêmico, reduziu o tamanho do infarto em comparação
com ao controle. O efeito protetor neuronal do propofol pode resultar da
atenuação das alterações no ATP, cálcio, sódio, potássio causadas por lesão

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hipóxica e a sua ação antioxidante de inibição da peroxidação lipídica. Evi-
dências indicam que o propofol pode proteger neurônios contra a lesão is-
quêmica causada por excitotoxicidade, mas dura apenas se o insulto for rela-
tivamente leve e não prolongado. Prolongada sedação em crianças está as-
sociada a resultados neurológicos adversos.
Muitos anestésicos diminuem as concentrações sanguíneas necessárias
para a ação do propofol. Não surpreendentemente o despertar é adiado na
presença de altas concentrações sanguíneas de opióides. Concentrações san-
guíneas de propofol adequadas ocorrem quando a droga é combinada com
vários opióides, incluindo remifentanil, alfentanil, sufentanil e fentanil, que ga-
rantem anestesia adequada e o mais rápido retorno à consciência no pós-
operatório. Efeito muito interessante ocorre com a associação propofol-remi-
fentanil, que permite anestesia estável e possibilidade precisa de despertar.

Efeitos respiratórios
Apneia ocorre após a administração de uma dose de indução de propo-
fol sendo que a incidência e a duração de apneia dependem da dose, veloci-
dade de injeção, e pré-medicação.
Uma dose de indução resulta em uma incidência de 25% para 30% de
apneia devido aos efeitos depressores respiratórios do propofol mesmo com
PaCO2 normal na ausência de estimulação cirúrgica. Depressão metabólica
adicional impede a PaCO2 de aumentar. A duração da apneia com propofol
pode ser prorrogada para mais de 30 segundos se for associado um opióide,
quer como pré-medicação ou imediatamente antes da indução da anestesia.
Ocorre uma redução de 40% do volume corrente e um aumento de 20% na
frequência respiratória, com mudanças imprevisíveis na ventilação minuto. O
aumento da taxa de infusão provoca uma diminuição mais moderada do vo-
lume corrente, mas nenhuma mudança na frequência respiratória.
Propofol deprime a resposta ventilatória à hipóxia, presumivelmente por
uma ação direta sobre quimiorreceptores no corpo carotídeo Propofol induz
broncodilatação em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. Pro-
pofol atenua broncoespasmo induzido por estímulo vagal (em baixas concen-
trações) e por metacolina (em altas concentrações) e parece ter uma ação di-
reta sobre os receptores muscarínicos. O conservante usado com o propofol
é importante por causa de sua atividade broncodilatadora. O propofol inibe

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o ATP pulmonar que promove a vasodilatação, potencializando a vasocons-
trição pulmonar hipóxica.

Efeitos cardiovasculares
O efeito mais proeminente do propofol é uma diminuição na pressão
sanguínea arterial durante a indução da anestesia. Independente da presença
de doença cardiovascular, uma dose de indução de 2 a 2,5 mg/kg produz uma
redução de 25% a 40% da pressão arterial sistólica. Quedas semelhantes são
vistas nas pressões arteriais média e diastólica. A diminuição na pressão san-
guínea arterial está associada com uma diminuição do débito cardíaco e do
índice cardíaco (± 15%), volume sistólico (± 20%) e na resistência vascular sis-
témica (de 15% a 25%). Função ventricular esquerda sistólica é também dimi-
nuída (± 30%). Quando a função do ventrículo direito é considerado especifi-
camente, o propofol produz uma redução acentuada da contratilidade.
Em pacientes com doença valvular cardíaca, artéria pulmonar e pressão
capilar pulmonar são reduzidos, uma descoberta que reflete uma diminuição
da pré-carga e pós-carga. Embora a diminuição da pressão sistêmica após
uma dose de indução de propofol seja causada por vasodilatação, os efeitos
depressores miocárdicos diretos do propofol são controversos. A diminuição
do débito cardíaco após a administração de propofol pode ser resultado de
sua ação no drive simpático para o coração.
A resposta hemodinâmica ao propofol é tardia em relação ao efeito hip-
nótico. O efeito hipnótico do propofol é da ordem de 2 a 3 minutos e cerca
de 7 minutos para a depressão hemodinâmica.
Altas concentrações de propofol inibem o efeito inotrópico da estimu-
lação α mas não β-adrenérgica, e promovem o lusiotropismo (relaxamento)
causado pela estimulação β-adrenérgica. Clinicamente o efeito depressor do
miocárdio e a vasodilatação depende da dose e da concentração plasmática
do propofol. É um vasodilatador, pois reduz a atividade simpática devido a
efeito direto na mobilização intracelular de cálcio do músculo liso, inibição da
síntese da prostaciclina em células endoteliais e na redução da entrada de
cálcio provocada pela angiotensina II, ativação dos canais de ATP potássio e
a estimulação do óxido nítrico.
A frequência cardíaca não se altera significativamente depois de uma
dose de indução de propofol. Propofol pode diminuir ou inibir o barorreflexo,
reduzindo assim, a resposta taquicárdica a hipotensão. O propofol também

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diminui o tônus parassimpático cardíaco de uma forma dependente da dose.
A droga tem um efeito mínimo direto sobre nó sinusal, sistema atrioventricular
ou via de condução acessória. O propofol atenua a resposta da frequência
cardíaca a atropina de um modo dependente da dose. Também suprime ta-
quicardias atriais (supraventriculares) e provavelmente deve ser evitado du-
rante estudos eletrofisiológicos. Uma vez que o efeito vasodilatador e depres-
sor do miocárdio são dependentes da concentração, a diminuição na pressão
sanguínea arterial de propofol na fase de infusão (manutenção da anestesia)
é muito menor do que a observada após a indução da anestesia, por adminis-
tração de bolus IV. Uma infusão de propofol reduz o fluxo sanguíneo do mio-
cárdio e consumo de oxigênio. Assim, a relação global de fornecimento e
demanda de oxigênio do miocárdio é provavelmente preservada.
O efeito cardioprotetor do propofol comparado com anestésicos inala-
tórios em pacientes que se submetem a procedimentos cardíacos ou CEC é
menos discutível. Em dois grandes estudos comparando propofol com
sevoflurano em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos cardíacos,
níveis de troponina pós-operatórias foram mais baixos e função hemodinâ-
mica foi melhor em pacientes que receberam sevoflurano.

Outros efeitos
Propofol, semelhante ao tiopental, não aumenta o bloqueio neuromus-
cular produzido por bloqueadores neuromusculares. Propofol não produz ne-
nhum efeito sobre o eletromiografia ou na redução de contração muscular
mas propofol sozinho pode proporcionar condições boas ou aceitáveis de
IOT.
Propofol não desencadeia hipertermia maligna e é uma escolha apro-
priada nesses pacientes. Após uma dose única ou uma infusão prolongada
propofol não afeta a síntese de corticosteroide. Propofol na formulação de
emulsão não altera funções hepática, hematológica ou fibrinolítica.
Foram notificadas reações anafilactóides ao propofol. Em pelo menos
alguns pacientes, a resposta imunitária foi inteiramente causada por propofol
e não pela emulsão lipídica. A maioria dos pacientes que desenvolvem a res-
posta anafilática ao propofol teve uma história prévia de reações alérgicas.
Talvez o propofol não deve ser utilizado em pacientes com múltiplas alergias
as drogas. Propofol sozinho na formulação lipídica não induz a liberação de
histamina. A história de alergia ao ovo não contraindica seu uso, uma vez que

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os pacientes são alérgicos a clara (albumina), enquanto a lecitina é tirada da
gema. Pacientes com alergia aos bloqueadores neuromusculares podem
apresentar reação cruzada.
Propofol também possui atividade antiemética significativa com peque-
nas doses (10 mg nos adultos). Propofol usado como anestésico de manuten-
ção durante procedimentos cirúrgicos de mama foi mais eficaz do que 4 mg
de ondansetrona administrada na profilaxia na prevenção de náuseas e vômi-
tos no pós-operatório (NVPO). Propofol em infusão contínua também forne-
ceu excelente ação antiemética após quimioterapia. Efeito antiemético por
diminuição dos níveis de serotonina na área postrema, atividade antidopami-
nérgica, inibição da zona gatilho quimiorreceptora e centro vagais e diminui-
ção do glutamato e aspartato no córtex olfatório.
Em doses subhipnoticas, propofol alivia prurido devido a colestase e
provavelmente seja tão eficaz como a naloxona no tratamento de prurido in-
duzida por opióides espinhais.
Propofol diminui de atividade de leucócitos polimorfonucleares, mas
não a fagocitose e morte. Esta ação contrasta com o efeito de tiopental, que
inibe todas estas respostas quimiotáxicas. No entanto, propofol inibe a fago-
citose e morte de Staphylococcus aureus e Escherichia coli. Infecções sistêmi-
cas potencialmente fatais têm sido associados com o uso de propofol. Nos
hospitais onde estas infecções ocorreram, os frascos abertos e seringas de
propofol foram positivos para cultura. Os lipídios que atuam como o solvente
para o propofol é um excelente meio de cultura. Edetato dissódico ou meta-
bissulfito foram adicionados à formulação de propofol em uma tentativa para
retardar tal crescimento bacteriano. Técnica asséptica rigorosa ainda deve ser
observada.
A administração de propofol está associado com o desenvolvimento da
pancreatite, a qual pode estar relacionada com hipertrigliceridemia. Os paci-
entes que desenvolveram hipertrigliceridemia tendiam a ser mais velhos, ti-
nham uma longa estadia na UTI e receberam propofol para um período mais
longo. Quando propofol é usado para sedação prolongada ou com taxas de
perfusão mais elevadas, especialmente em pacientes idosos, triglicérides sé-
ricos devem ser monitorados rotineiramente.
A indução da anestesia com propofol é muitas vezes associados a dor à
injeção, apneia, hipotensão e, raramente, tromboflebite da veia onde é inje-
tado. A dor à injeção é reduzida pelo uso de uma grande veia, evitando veias

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do dorso da mão e adicionando a solução de lidocaína. O pré-tratamento com
uma pequena dose de propofol, opióides, antiinflamatórios não-hormonais,
cetamina, esmolol, metoprolol, magnésio, flash de luz, clonidina-efedrina, de-
xametasona e metoclopramida foram testados com eficácia variável.
Síndrome da infusão do propofol é uma síndrome rara, mas letal associ-
ado a infusão de propofol a 4 mg/kg/hora ou por 48 horas ou mais. Esta sín-
drome foi descrita pela primeira vez em crianças, mas posteriormente foi ob-
servada no paciente crítico adulto. As características clínicas da síndrome da
infusão do propofol são bradicardia refratária aguda levando a assistolia, na
presença de um ou mais dos seguintes: acidose metabólica (déficit de base>
10 mmol/L), rabdomiólise, hiperlipidemia e hepatomegalia. Outras caracterís-
ticas incluem miocardiopatia dilatada com insuficiência cardíaca aguda, mio-
patia esquelética e hipercalemia. Os sinais e sintomas são o resultado de lesão
muscular e a liberação de conteúdo tóxico intracelulares. Os principais fatores
de risco são a oferta baixa de oxigênio aos tecidos, sepse, lesão cerebral
grave e grandes doses de propofol.
A explicação para a síndrome da infusão de propofol é a provável toxi-
cidade mitocondrial, defeitos na mitocôndria e deficiência de carboidratos.
Os fatores predisponentes são doenças genéticas prováveis prejudicando o
metabolismo de ácidos graxos, como acetilcoenzima A de cadeia média.
Como a lipemia aumentada foi observada, uma falha de regulação lipídica
hepática, possivelmente relacionada à má oxigenação ou a falta de glicose
pode ser a causa. Em alguns casos, o aumento da lipemia foi a primeira indi-
cação de síndrome de infusão de propofol; portanto, lipemia é um sinal.

Remifentanil
O remifentanil é um opióide µ-agonista seletivo, do grupo das fenilpi-
peridinas, o mesmo do fentanil, alfentanil e sufentanil. As características far-
macodinâmicas são similares às dos outros opióides desse grupo, mas a sua
farmacocinética é completamente diferente. Apresenta uma cadeia lateral
metiléster que permite metabolização por esterases inespecíficas do sangue
e dos tecidos (carboxiesterase). O início da ação após administração por via
venosa é rápido (1 a 2 minutos), pois o equilíbrio entre o plasma e o local de
ação no sistema nervoso central (biofase) ocorre rapidamente, de forma simi-
lar ao alfentanil. O remifentanil não libera histamina.

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A duração do efeito do remifentanil é muito curta, com meia-vida de
eliminação de 9 a 10 minutos, conseqüente à extensa metabolização extrahe-
pática, diferente dos outros opióides que dependem da redistribuição teci-
dual para o término do efeito e do metabolismo hepático para excreção. É o
opióide de ação mais rápida disponível comercialmente. A recuperação é rá-
pida mesmo após infusão prolongada, pois sua concentração plasmática se
reduz em 50% após 3 a 10 minutos, independentemente do tempo de infu-
são. Após infusão por 3 horas de doses equipotentes, houve recuperação de
50% da depressão ventilatória 5 minutos após interrupção do remifentanil
comparado a 54 minutos após alfentanil.
O remifentanil ácido é o principal metabólito, produzido pela hidrólise
da ligação éster, tem ação analgésica cerca de 4 mil vezes menor que a do
remifentanil e sua eliminação urinária representa mais de 90% do remifentanil
administrado.
Pessoas portadoras da forma atípica ou com deficiência da pseudocoli-
nesterase plasmática (butiril-colinesterase), ou mesmo após receberem anti-
colinesterásico, metabolizam normalmente o remifentanil. Já foi utilizado em
paciente com porfiria intermitente aguda sem causar problemas.
Sua rápida eliminação faz com que não sofra acúmulo e não haja au-
mento do tempo de ação mesmo após infusão prolongada, mas torna o uso
em bolus inconveniente na prática clínica, exceto para algumas indicações es-
pecíficas. Essa característica faz do remifentanil o opióide mais apropriado
para o uso em infusão venosa contínua, quando se planeja um retorno rápido
da ventilação espontânea após cirurgia ou quando há necessidade de se acor-
dar o paciente durante o procedimento cirúrgico. Por outro lado, o rápido
final da ação analgésica é uma característica negativa, pois não há, pratica-
mente, analgesia residual.
A utilização eficaz do remifentanil permite que os anestésicos inalatórios
sejam utilizados em doses apenas hipnóticas, numa concentração próxima a
50% da concentração alveolar mínima (CAM).
O remifentanil altera pouco a relação entre a concentração plasmática
do propofol e os valores correspondentes do índice bispectral, mas não só
potencializa a ação sedativa do propofol, como também causa menor res-
posta motora à estimulação cirúrgica no mesmo valor de BIS e inibe seu au-
mento em resposta a um estímulo doloroso.

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A associação intraoperatória com propofol, comparada à associação
com desflurano, permitiu, na sala de recuperação pós-anestésica, consumo
20% menor de analgésico e incidência três vezes menor de náusea após co-
lecistectomia laparoscópica.
Tolerância aguda tem sido observada com vários opióides. Entretanto,
na prática clínica a sua ocorrência é controversa, tendo sido observada com
remifentanil associado inalatórios ou propofol.O uso de cetamina em baixas
doses (total de 0,6 mg.kg-1) associada ao remifentanil foi proposto para reduzir
esse problema.
Diferente de todos os outros opióides, o remifentanil tem uma depura-
ção plasmática maior em crianças de 2 a 6 meses de idade comparada a dos
adultos. Estudo preliminar com crianças acima de 2 anos de idade mostrou
que as características farmacocinéticas e farmacodinâmicas foram semelhan-
tes às dos adultos; mas em estudo mais recente, a infusão média necessária
para se obter o bloqueio das respostas cardiovasculares à incisão cutânea
mostrou ser pelo menos duas vezes maior que a observada em adultos.
Nos idosos com mais de 65 anos recomenda-se a redução de 50% na
dose do remifentanil. A DE50 está reduzida à metade (alteração farmacodinâ-
mica), enquanto o volume de distribuição central e a depuração plasmática se
reduzem em 25% e 33% (alteração farmacocinética), respectivamente, com-
parados a adultos jovens.
Recomenda-se diminuir a dose de infusão em até 50% em pacientes
com insuficiência hepática. Há pouca alteração da farmacocinética nos paci-
entes com insuficiência hepática. Mesmo em pacientes estudados na fase sem
fígado durante transplante hepático, a depuração plasmática do remifentanil
foi similar a de adultos sadios. No entanto, há uma alteração farmacodinâmica
nesses pacientes com insuficiência hepática, pois uma determinada ação anal-
gésica ou depressora da respiração é obtida com uma concentração plasmá-
tica 40% menor à observada em pessoas saudáveis.
Nos pacientes com insuficiência renal não foi observada alteração na
farmacocinética ou farmacodinâmica do remifentanil. No entanto, infusões
prolongadas devem ser evitadas, pois o remifentanil ácido, cuja excreção é
renal, tem sua meia-vida de eliminação prolongada de 1,5 para 26 horas. A
importância clínica desse acúmulo ainda não foi estabelecida, mas simulação
em computador de uma infusão de remifentanil 2 µg.kg-1.min-1 por 12 horas
não conseguiu fazer com que o remifentanil ácido alcançasse concentração

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suficiente para produzir efeito opióide significativo. Cerca de 35% do remi-
fentanil ácido é eliminado após 3 a 5 horas de hemodiálise.
Associação do remifentanil com doses apenas hipnóticas de anestésico
geral inalatório ou venoso permite o retorno à consciência freqüentemente
mais rápido e certamente de forma mais previsível do que com outras técnicas
de anestesia geral. O custo dessa maior previsibilidade é representado pela
maior atenção com a analgesia pós-operatória e pelo uso de equipamentos,
como bomba de infusão e cuidados com a linha de infusão, que tornam mais
segura e precisa a sua administração. As informações contidas nessa revisão
devem servir para orientar o anestesiologista em como melhor utilizar essa
medicação na prática clínica.

Sistemas de Infusão
A anestesia venosa total engloba vários modos de infusão, desde os
bolus, passando pela infusão volumétrica até a moderna técnica de infusão
alvo controlada.
A infusão alvo controlada é uma modalidade onde existe a utilização de
dispositivos informatizados que são capazes de atingir níveis desejados de um
medicamento no plasma de acordo com o modelo farmacocinético da droga
utilizada (3). Tem várias características importantes, sendo que a capacidade
de evitar o acúmulo da droga e proporcionar um despertar mais preciso são
duas das suas maiores vantagens.
Atualmente, já estão disponíveis no Brasil, bombas de IAC de propofol
(com dois modelos disponíveis: Marsh e Schnider), sufentanil e remifentanil
que trabalham com qualquer preparação comercial desses medicamentos,
além de permitir alterações nas concentrações dos mesmos de acordo com a
diluição preferida pelo anestesiologista.

Princípios de Farmacocinética
O conhecimento da farmacocinética e farmacodinâmica é fundamental
para entender a anestesia venosa total. A farmacocinética engloba todos os
processos que a droga sofre desde sua administração até sua eliminação. Ba-
sicamente é o que o corpo faz com a droga.
O processo de distribuição de um fármaco pode ser quantificado, atra-
vés do conceito de compartimento através do volume de distribuição, que

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avalia a extensão da distribuição da substância ativa, além do plasma. Assu-
mindo que o corpo consiste em um único compartimento e, conhecendo-se
a dose administrada por via endovenosa e sua concentração dosada no san-
gue, o volume do compartimento, denominado "volume aparente de distri-
buição" (VD), pode ser determinado por substituição nos termos da equação
que se segue (4):

Dose de Droga
VD =
Concentração Plasmática
Clearance é um termo inglês usado para indicar a remoção completa de
determinada substância de um volume específico de sangue na unidade de
tempo. Em português, utilizamos depuração. A depuração de um fármaco no
organismo pode ser compreendida como a taxa de eliminação por todas as
vias, normalizada para a concentração do fármaco no plasma (4).

2. Volume de distribuição 1. Clearance ou depuração: capaci-


dade de eliminar a droga

O conhecimento desses conceitos básicos de volume de distribuição e


de depuração permitem o entendimento da infusão venosa contínua, que en-
globa a administração de uma dose de ataque e uma taxa de infusão de ma-
nutenção.

Modelos Compartimentais (5)


Ele representa uma maneira simplificada, mas extremamente útil, na
abordagem dos processos de distribuição dos medicamentos no organismo.
O modelo unicompartimental é simples demais e seu uso não é ade-
quado para a maioria das drogas utilizadas em anestesia venosa total, que
utilizam modelos com dois ou três compartimentos.
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O modelo tricompartimental apresenta um compartimento central, um
compartimento representado pelos músculos e o último compartimento que
é representado pela gordura.
O compartimento central é o local onde o fármaco é depositado inicial-
mente. É responsável pela determinação da concentração plasmática, quando
uma dose ou massa de um anestésico é utilizada. Quanto maior o comparti-
mento central, menor a concentração final, desde que mantida a mesma dose.
Crianças tem compartimento central maior que adultos e maior ainda que ido-
sos. Esse é o motivo pelo qual se recomenda a utilização de doses maiores na
criança, quando comparadas com o adulto e com o idoso.
O terceiro compartimento é o responsável pela captação do anestésico,
em geral lipossolúvel, pois esse compartimento é representado pela gordura,
principal responsável por elevar a probabilidade de acúmulo de fármacos,
após infusão contínua. O propofol possui um elevado volume de distribuição
no terceiro compartimento e tem forte tendência a acumular-se durante in-
fusão contínua. Esse problema é minimizado pela alta velocidade de metabo-
lismo que o propofol apresenta. O fármaco ideal para infusão contínua, entre
outras características, deve ter um pequeno volume no terceiro comparti-
mento.
Como o fármaco é carreado pelo sangue para cada compartimento cor-
poral, o fluxo de entrada e saída para cada um desses compartimentos deter-
mina a concentração. Portanto, os locais de maior débito cardíaco recebem o
fármaco com mais rapidez e em um primeiro momento. Encéfalo, rins, fígado,
baço, coração, pulmões e glândulas endócrinas são os primeiros locais a re-
ceber os fármacos administrados e são chamados de compartimento 1 ou
central. Desses locais, os fármacos se distribuem para os músculos, represen-
tantes do compartimento 2 e, desses, para a gordura, denominada comparti-
mento 3. À medida que ocorre passagem do fármaco entre um comparti-
mento e outro, por diferença de concentração, pode-se determinar constan-
tes de trânsito entre um compartimento e outro (constante k).

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Modelo tricompartimental

Biofase3
É o local onde os fármacos exercem as suas ações, sejam elas desejadas
ou não. Esses locais, em geral, são receptores com barreiras biológicas deter-
minadas por membranas protéicas. Isso faz com que os anestésicos venosos,
em sua maioria, sejam lipoprotéicos, a fim de ultrapassar essas barreiras com
mais rapidez para exercer a ação. Há, portanto, um retardo ou uma latência
entre a administração inicial de um fármaco e o aparecimento dos primeiros
efeitos. Isso ocorre porque o fármaco precisa sair do plasma, local onde é
depositado por meio de uma veia periférica, e chegar até a molécula do re-
ceptor. Esse tempo será tanto maior quanto menor for a velocidade de pas-
sagem do medicamento do plasma para o receptor. Daí o termo: Ke0.
De todas as variáveis de velocidade de passagens entre um comparti-
mento e outro, o Ke0 é o mais importante, pois ele determina a velocidade
na qual um fármaco deixa o compartimento central, onde foi administrado, e
entra no compartimento de ação.
Quanto maior o Ke0, maior a velocidade de entrada de um fármaco no
compartimento de ação. Por conseguinte, menor será o tempo gasto para
que isso ocorra. Assim, fármacos com T1/2 Ke0 curtos possuem Ke0 altos e
início de ação rápido.

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Por meio da manipulação do valor de Ke0 atribuído a um modelo far-
macocinético de um medicamento, é possível alterar o tempo de início de
ação deste.
A maioria dos modelos farmacocinéticos de fármacos venosos busca
descrever um Ke0 dentro do limite da razoabilidade, ou seja, algo que ofereça
indução rápida associada a menor incidência possível de efeitos colaterais re-
sultantes da dose de indução calculada.

Histerese
Definida como o tempo para que um fármaco atinja o equilíbrio entre a
concentração plasmática e o local efetor ou biofase. Por definição farmacoló-
gica, o equilíbrio entre os compartimentos plasmático e o local efetor, para
fármacos venosos, corresponde a 4,32 meias-vidas do fármaco. Assim, o pro-
duto T1/2Ke0 × 4,32 corresponde ao tempo de equilíbrio entre o comparti-
mento plasmático e o local efetor. O tempo de histerese do propofol pode
ser calculado de acordo com a T1/2Ke0 (meia-vida de equilíbrio) que é de 2,4
minutos. Significa que as concentrações plasmáticas e no local efetor de pro-
pofol estarão em equilíbrio, após um regime de administração contínuo, em
torno de 12 minutos.

Meia Vida Contexto Dependente


Em 1992, Hughes propôs o conceito de meia vida contexto dependente
observando que os conceitos farmacológicos de dose única eram diferentes
quando se fazia uma infusão venosa contínua (6).
Também chamada meia vida contexto sensitiva, determina o tempo
para que ocorra a diminuição da concentração plasmática de um fármaco,
para a metade do valor em que este se encontrava durante a infusão, a partir
do momento em que a administração for interrompida. Esse conceito é muito
importante em infusão alvo controlada, pois faz com que um sistema dotado
das variáveis farmacológicas, necessárias para esse cálculo, possa inferir o
tempo de despertar ou de retorno à ventilação espontânea, de acordo com o
cálculo da concentração prevista a cada momento. As limitações desse cálculo
variam diretamente com a margem de erro do modelo, uma vez que este não
mede a concentração diretamente no plasma, apenas faz uma inferência com

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base em cálculos matemáticos. Ainda, características do fármaco e do paci-
ente, bem como a associação com outros fármacos, podem alterar o resultado
clínico observado ou esperado.
Dentre os hipnóticos em uso, o propofol é o que melhor preenche as
características para infusão venosa contínua, pois apresenta a menor meia
vida contexto dependente. Os barbitúricos e o midazolam, quando utilizados
dessa forma, tendem a apresentar perfil acumulativo, conforme figura a se-
guir.

Dentre os opioides, o remifentanil surgiu como a droga de escolha para


infusão contínua pois apresenta como característica uma meia vida contexto
independente, ou seja, mesmo com longos períodos de infusão ocorre queda
rápida dos seus níveis plasmáticos. Veja abaixo o perfil vantajoso do remifen-
tanil (7).

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Tipos de infusão das drogas venosas
Quando um fármaco é administrado em bolus, cria-se, em curto espaço
de tempo, uma concentração acima da necessária para gerar o efeito dese-
jado. Após, segue-se um período em que a concentração declina com rapi-
dez, até alcançar concentrações plasmáticas abaixo das quais não há mais
efeito clínico. Um fármaco administrado em bolus tem o início e o término de
ação igualmente rápidos. Isso ocorre, sobretudo, pela redistribuição do fár-
maco para compartimentos corporais onde não exercem o efeito desejado.
Por exemplo, o propofol administrado em bolus, na dose de 2,5 mg.kg-1,
atinge uma concentração plasmática quatro a cinco vezes maior que a neces-
sária para induzir hipnose em paciente adulto. Da mesma forma que a hipnose
ocorre com rapidez, os efeitos colaterais também aparecem como conse-
quência da sobredose inicial a que o paciente foi submetido. Assim, dentre
as desvantagens da administração de fármacos venosos em bolus, pode-se
citar o aumento da incidência de efeitos colaterais gerados pela elevada con-
centração.
Quando o fármaco é administrado em infusão contínua, obtém-se con-
centração plasmática constante, pois à medida que o fármaco sofre redistri-
buição e metabolização, nova oferta de fármaco está sendo realizada, man-
tendo-se, assim, a concentração plasmática desejada ou próxima dela.
A infusão contínua de fármacos venosos pode ser realizada de duas for-
mas. A primeira, com auxílio de bomba de infusão manual e a outra através
de bomba de infusão com sistema de infusão alvo controlado.
Na infusão manual por bomba volumétrica, as doses a serem utilizadas
são calculadas pelo anestesiologista que regula a bomba de acordo com a
necessidade. As limitações dessa técnica são as variações geradas nas con-
centrações plasmáticas dos fármacos e a tendência, caso a infusão não seja
alterada, ao acúmulo de fármacos, podendo levar a resultados menos previ-
síveis.
A outra forma ocorre com o auxílio de bomba de infusão dotada de um
sistema de infusão alvo controlado (3). Nesse caso, apenas a concentração-
alvo desejada é informada à bomba que, por meio de sistema computadori-
zado contendo o modelo farmacocinético do fármaco, controla a dose a ser
administrada de acordo com as mudanças de alvo informadas pelo anestesi-
ologista. Um modelo farmacocinético é a descrição da identidade do fármaco,

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pois é ele quem descreve quais as velocidades de passagem entre os com-
partimentos corporais, metabolismo e Ke0, entre outras informações. A
grande vantagem dessa forma de infusão é que o sistema calcula todos os
parâmetros farmacocinéticos e, assim, pode adequar a velocidade de infusão
e evitar o acúmulo da droga (8).

Infusão Manual (bolus) x Infusão Contínua. Perceba que na infusão contínua, dife-
rentemente do que ocorre com a infusão manual, os níveis séricos do fármaco per-
manecem dentro da janela terapêutica durante todo o período de infusão.

Infusão alvo controlada pelo local efetor e pelo plasma


Plasma: quando uma bomba de infusão é utilizada com o controle da
infusão do fármaco no modo plasma, o sistema administra o fármaco de modo
a alcançar uma concentração plasmática acima da concentração do local efe-
tor. Instantes após este primeiro bolus, a bomba interrompe a infusão até que
a concentração no local efetor aumente. Momentos após uma nova taxa de
infusão é iniciada de forma a estabelecer um equilíbrio entre as concentrações
plasmáticas e no local efetor. Neste modo de administração, a concentração
plasmática é mantida sempre acima da concentração no local efetor. Quando
há necessidade de diminuir a concentração plasmática, a bomba interrompe
a infusão para que a concentração plasmática diminua e isto faça com que a
concentração do local efetor também decline. Neste momento a concentra-
ção do local efetor poderá ficar maior que a do plasma.

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Local efetor: a bomba administra e controla de forma autônoma qual a
concentração plasmática deverá ser gerada para alcançar o local efetor que o
anestesiologista regulou. A diferença maior entre os modelos farmacológicos
para infusão alvo controlada com controle pelo local efetor é a forma como o
modelo administra a magnitude de aumento da concentração plasmática para
encontrar a concentração desejada no local efetor.

Modelos farmacocinéticos para o Propofol


Existem dois modelos de importância para infusão alvo controlada de
propofol: Marsh (9) e Schnider (10). Quando são utilizadas modalidades de
infusão alvo controlada na forma local efetor para uso de propofol, as taxas
de infusões de ambos serão completamente diferentes.
O modelo inicial de Marsh utiliza somente o peso para cálculo das infu-
sões e apresenta Ke0 de 0,26 minutos.
O Modelo de Marsh modificado surgiu após estudos que demonstravam
que um Ke0 de 1,2 minutos teria correlação mais próxima com os achados no
BIS. Isto dá a este sistema de infusão uma possibilidade de alterar as concen-
trações plasmáticas de forma mais suave quando o modo local efetor é utili-
zado.
O modelo Schnider utiliza variáveis tais como peso corporal total, idade,
altura e massa magra no cálculo da infusão. Assim, o sistema altera parâme-
tros do modelo à medida que os dados são informados à bomba de infusão.
Após um bolus inicial, que será igual para qualquer idade, peso ou altura de
pacientes distintos, as taxas de infusão subsequentes e de manutenção serão
dependentes da idade do paciente. Neste modelo, a taxa de eliminação é
influenciada pelo cálculo do índice de massa corporal (IMC) e não pela idade.
Incorpora um Ke0 de 0,456 minutos e foi desenvolvido a partir de uma com-
binação de modelos de farmacocinética e farmacodinâmica, a fim de melhorar
a correlação clinica entre uma infusão e o seu efeito. Ou seja, esse modelo
determina a mesma dose em bolus inicial para todos os pacientes, indepen-
dentemente da idade, peso e altura. Mas a taxa de declínio da infusão de
manutenção será determinada pela idade do paciente e será menor quanto
maior a idade do paciente, uma vez que o volume de distribuição no segundo
compartimento é alterado de acordo com a informação que o sistema recebe
da idade do paciente.
Diferenças entre os modelos (3);

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• Marsh muda a dose do bolus inicial de acordo com o peso, ou seja,
quanto maior o peso, maior a dose em bolus inicial e isso não ocorre
com o modelo de Schnider;
• O modelo de Schnider pode compensar a infusão de manutenção de
acordo com a taxa de eliminação dos pacientes;
• Doses iniciais geradas e administradas pelo modelo de Marsh serão
sempre superiores às administradas pelo modelo de Schnider;
• Modo de infusão pelo local efetor, ao invés do plasma, é melhor utili-
zado no modelo Schnider, enquanto o modo plasma controlado é me-
lhor utilizado no modelo Marsh.

Futuro
Usando derivativos do eletroencefalograma (EEG) como medida do
efeito hipnótico e um modelo de distribuição, pode-se chegar a um equipa-
mento com retroalimentação para controlar e alterar a taxa da infusão do pro-
pofol, para manter o nível de sedação e de anestesia constantes. Vários estu-
dos usando a alça fechada (11) têm sido descritos no homem.

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Bibliografia Recomendada
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