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Análise do poema “A lavadeira no tanque”

A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta, e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.

Ora se eu alguma vez


Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perderia talvez
Os meus destinos diversos.

Há uma grande unidade


Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?

O poema “A lavadeira no tanque” de Fernando Pessoa ortónimo, é constituído por três quintilhas, todas elas
compostas por versos com 7 sílabas métricas, ou seja, redondilhas maiores. Adicionalmente, este poema apresenta
rima interpolada, emparelhada e cruzada, complemento de um esquema rimático de tipo abaab.
Consequentemente, estas características demarcam a habitual regularidade métrica, estrófica e rimática nos
poemas de Pessoa ortónimo, um dos grandes símbolos da sua linguagem e estilo.

Neste poema o autor fala-nos de uma lavadeira que bate as suas roupas cantando inconscientemente.

Análise por estrofes:

Na primeira estrofe deste poema, o autor introduzindo-nos a lavadeira, fala-nos dela referindo o seu cantar, como
um ser inconsciente. A lavadeira cantaria sem razões para o fazer sendo alegre e feliz, já que, ao ser inconsciente,
esta permitia-se escapar à dor de pensar, isto é, à dor da constante racionalização de tudo. Adicionalmente, esta
seria triste também sem razão, ou seja, seria triste devido à naturalidade da realidade, podendo, de um momento
para o outro, alterar a sua disposição e ficar feliz.

Na segunda estrofe, ao desejar lavar os seus versos, o sujeito poético quer libertar os seus versos da racionalização
que decorre na sua base de criação, podendo assim ver-se livre da tormenta e tristeza da dor de pensar. Assim, o
“eu” perderia os seus “destinos diversos”, isto é, livrar-se-ia da fragmentação frequente que se lhe ocorria, podendo
alcançar a unidade. Adicionalmente, o “eu” deseja ter, tal como a lavadeira, que se apresentava com apenas a
função de bater roupa, de forma automática e mecanica, um objetivo fixo e firme, que seria o de apenas escrever
poemas, sem influência do pensar.

Na terceira estrofe, o “eu” deseja não só a unidade pessoal, como a inconsciência que esta requere, ou seja, para
que haja a ausência de fragmentação do seu ser, este teria de agir como a lavadeira, sem pensar e racionalizar
todos os sentimentos e ações.
Recursos expressivos:

Antítese: “Canta porque canta, e é triste/Porque canta porque existe;/Por isso é alegre também”- com esta antítese
o sujeito poético pretende reforçar a felicidade obtida através da libertação da dor de pensar, uma vez que quem
racionaliza não pode ser feliz. Adicionalmente, demarca a sua antítese dizendo que a lavadeira é triste de forma a
contrastar ideias e acentuar o facto da racionalidade de ações e sentimentos leva à tristeza.

Metáfora: “Pudesse fazer nos versos/ O que a essa roupa ela fez,”- ao desejar bater os versos como a lavadeira bate
a roupa, o “eu” contrai uma metáfora, com o principio de expressar mais uma vez a sua vontade de se conseguir
libertar a si e aos seus versos, da racionalização, para que estes sejam criados na maior naturalidade e simplicidade
possível, evitando a dor de pensar.

Interrogação Retórica: “Quem me lava o coração?”- com esta interrogação retórica o sujeito poético pretende
demonstrar mais uma vez o desejo da não intelectualização das suas emoções e sentimentos e de libertação do ato
reflexivo e automático de racionalizar. Assim, ao colocar a interrogação, pretende também incutir uma reflexão ao
leitor sobre este assunto. Por fim, “eu” ao ambicionar lavar o coração, pretende também purificar os seus
pensamentos, de forma a que estes não sejam como o seu coração.

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