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REVISTA DO CFCH• UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ISSN 2177-9325 • www.revista.cfch.ufrj.br


Edição Especial SIAC 2017

A pseudo inclusão de estudantes refugiados congoleses no município de


Duque de Caxias/RJ: Resultados da pesquisa
Maicon Salvino Nunes de Almeida
Faculdade de Educação
maiconsalvino@gmail.com

Orientadora: Mônica Pereira dos Santos


Faculdade de Educação
monicapes@gmail.com

Palavras-chave:
Educação para refugiados. Dificuldades de aprendizagem. Inclusão em Educação.

O objetivo geral desta pesquisa foi realizar um estudo exploratório sobre a


chegada das crianças refugiadas congolesas ao Estado do Rio de Janeiro e as
dificuldades vividas na escola brasileira, com cultura e idioma diferentes. Para Santos
(1999, p. 25-26)

Explorar é tipicamente fazer a primeira aproximação de um tema e


visa a criar maior familiaridade em relação a um fato, fenômeno ou
processo. Quase sempre se busca essa familiaridade pela prospecção
de materiais que possam informar ao pesquisador a real importância
do problema, o estágio em que se encontram as informações
disponíveis a respeito do assunto, e até mesmo revelar ao pesquisador
novas fontes de informação. Por isso, a pesquisa exploratória é quase
sempre feita na forma de levantamento bibliográfico, entrevistas com
profissionais que estudam/atuam na área, visitas a websites etc.

A metodologia utilizada nesta pesquisa, por ser um estudo exploratório,foi de


caráter qualitativo, entendendo que pesquisa qualitativa trata-se de uma pesquisa com
caráter interpretativo, com enfoque na ação do sujeito, enfatizando instrumentos de
coleta como entrevistas em detrimento de dados estatísticos, até porque, nesta pesquisa,
não foram encontrados.
Para o desenvolvimento da pesquisa encontramos considerável baixa de material
acadêmico sobre o assunto no levantamento de dados, o que nos levou a campo para
compreender como estava sendo trabalhada a educação para crianças refugiadas. No
Estado do Rio de Janeiro, a instituição que recebe, acolhe e provê documentação para os

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refugiados é a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro. Nesta instituição, em


dezembro de 2016, entrevistamos a Pedagoga da instituição Domenique Sendra, a
Psicóloga e a representante das mães refugiadas congolesas que chamaremos de Yola,
para resguardar sua identidade. O intuito destas entrevistas foi compreender como
estavam sendo tratadas em sala de aula as crianças refugiadas no Estado.
Em entrevista, a Pedagoga da instituição Cáritas nos revelou qual a realidade
destas crianças oriundas do Congo, que são a maioria presente nas escolas do Estado do
Rio de Janeiro, em torno de 400 crianças, principalmente no município de Duque de
Caxias, o que determinou a escolha do público alvo.

A gente sabe que algumas foram violentadas, algumas sofreram


violências físicas, algumas também foram torturadas enquanto os pais
eram torturados (no Congo). [...] E quando chegam aqui têm todo um
receio do que vão encontrar. Então é natural que elas demorem a se
adaptar, que elas tenham outras particularidades, que uma criança
brasileira, na mesma idade, na mesma sala de aula, não vai ter.
(SENDRA, 2016).

Dificuldades na compreensão do idioma e a interação entre estudantes refugiados,


professores e estudantes da escola em Duque de Caxias

A barreira linguística é primeiro fator de segregação para o estudante refugiado


em escola brasileira. Sem compreender o que está sendo falado em sala de aula, o
estudante acaba isolado, sem possibilidade de interação. Yola, a interprete oficial das
mães refugiadas congolesas narrou a realidade das crianças refugiadas em Duque de
Caxias:

[...] quando a criança vai e começa a estudar... e isso aí... ele começa
com várias dificuldades, já da língua, de localização, língua e das
pessoas, dos amigo novo. E essa vida nova que ele enfrenta não é nada
fácil, é difícil. Aceitação com os outros e dele mesmo, né? Porque as
culturas,já é diferente [...] (YOLA, 2016).

Além do isolamento, aqueles estudantes que conseguem se adaptar de forma


autônoma, encontram dificuldades na interação com outros estudantes.

A professora tava dando as notas deles e ela tinha as nota boa e ela
fez muitas nota boa e os outros aluno falou: “Ah não, professora! Não
pode! Como assim?! Ela não pode passar a gente! Ela não fala

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português e ela não entende, ela não fala direitinho, como é que ela
conseguiu?” (YOLA, 2016).

Esta dificuldade de interação com os estudantes brasileiros intensifica-se por


diversos fatores, como sotaque, roupas e cabelo.

Elas (crianças refugiadas congolesas) comentaram que, quando elas


chegaram no início do ano as crianças brasileiras receberam mal. Não
entendiam, tiravam sarro do jeito que elas falavam, que tem um
sotaque francês muito forte. E enfim, usam roupas diferentes, os
cabelos são de vez em quando diferentes. (SENDRA, 2016).

Importante ressaltar que estas barreiras linguísticas e de interação não podem ser
naturalizadas por parte da escola, que deve sempre inclinar-se de modo a superá-las.

A avalição na perspectiva da inclusão deve considerar o contexto de


aprendizagem e participação do aluno, buscando ver, no processo,
seus avanços e também suas dificuldades. A intenção deve ser
identificar barreiras que estejam impedindo a aprendizagem e a
participação do aluno, de modo a superá-las. (SANTOS, 2013,p. 78).

Do contexto analisado na sala de aula, a única relação positiva foi com os


professores, que, apesar das dificuldades apontadas, as entrevistas sinalizam para uma
boa relação com o profissional.

Nunca é uma fala contra a professora. É sempre da criança, de


crianças pra criança.[...] no Congo [...] o professor tem um prestígio.
Você ir para a aula é uma coisa muito importante, então o respeito
pelo professor é muito maior. Você não responde um professor, você
não levanta a voz, você fica mais submisso. Então elas veem aqui no
Brasil as crianças sendo desaforadas, tocando o terror em sala de aula,
não respeitando, falando alto e eles se chocam com aquilo. (SENDRA,
2016).

É necessário compreender que, segundo Santos (2012), a educação é um


processo em direção à garantia de um direito humano básico e que este direito não pode
ser cumprido por meio da separação de pessoas. Deste modo, a escola não pode
trabalhar de forma a ignorar as dificuldades apresentadas pelos estudantes refugiados.
Ignorando, a instituição escolar estará colaborando para a segregação.

[...] inclusão não é um estado final ao qual se chegar, mas um


processo que não tem receita nem fim. Inclusão está ligada a

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superar barreiras e promover a participação de todos, é um


planejamento que considera o contexto, o tempo e o espaço dos
alunos. (SANTOS, 2013,p.78).

A escola deve trabalhar de forma a incluí-los cultural e socialmente, através de


um processo inclusivo que não terá fim. A utopia é que não haja espaços de exclusão e é
através desta busca por esta utopia que exercitaremos o processo inclusivo fundamental
para o desenvolvimento pleno de cada indivíduo.

Dificuldades estruturais da instituição escolar e a ausência de amparo legal

Além do estudante que adentra a escola nas séries iniciais, os estudantes que
passam do ensino fundamental e vão para o ensino médio possuem a dificuldade de
transferência entre escolas, visto que seu único documento é um protocolo de refugiado
com numero de série. Segundo Sendra (2016) A instituição escolar, por não
compreender o que é um refugiado acaba dificultando a sua transferência entre
estudantes que vão do ensino fundamental para o ensino médio e precisam mudar de
escolas municipais para estaduais.
Segundo Sendra (2016) outro fator ainda mais alarmante são os trabalhos que
alguns professores da instituição escolar passam aos seus estudantes para que eles façam
em casa, em seus computadores.
No Plano Nacional de Educação de 1996, na Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação de 2014 e no Plano Municipal de Educação de Duque de Caxias (2015)
nenhuma citação direta ou indireta foi encontrada sobre educação para refugiados. A
Lei 10.639, que aborda a obrigatoriedade do ensino da cultura africana em sala de aula,
dando ao professor a possibilidade de integrar a cultura da criança refugiada congolesa
de forma plena, podendo até permitir que a mesma fale sobre sua história e seu país.
Apesar disto, segundo SENDRA (2016) a cultura africana acaba trabalhada de forma
rasa e engessada em Duque de Caxias.

Considerações
Como apontamentos para futuras pesquisas pontuamos a necessidade de
entrevistarmos os profissionais da instituição escolar, principalmente os professores,
com o intuito de percebemos as dificuldades enfrentadas diariamente pela instituição

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escolar e quais alternativas a escola vem utilizando para trabalhar com esse estudante
são passos imprescindíveis para o avanço deste trabalho.
Estes aprofundamentos fazem-se necessários com urgência, pois os estudantes
refugiados não estão em um tempo histórico distante, eles estão em salas de aula
brasileira em 2017. Sua permanência e desenvolvimento tornam-se profundamente
prejudicados caso sua invisibilidade não seja percebida, discutida e corrigida.

Referências

BRASIL.Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003.Diário Oficial da União, Brasília, DF,


10 jan. 2003. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>.
Acesso em: 05 dez. 2017.

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional.Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23dez. 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 09 dez. 2017.

BRASIL. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
26 jun. 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato20112014/
2014/Lei/L13005.htm> Acesso em: 09 dez. 2017.

DUQUE DE CAXIAS (RJ). Plano Municipal de Educação. 2015. Disponível em:


<http://www.smeduquedecaxias.rj.gov.br/portal/index.php?option=com_content&
view=article&id=717> Acesso em: 08 dez. 2017.

SANTOS, Antônio Raimundo dos. Metodologia científica: a construção do


conhecimento. São Paulo: DP&A, 1999.

SANTOS, Mônica Pereira dos. Políticas públicas de inclusão de pessoas com


deficiência: uma análise omnilética. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E
PRÁTICAS DE ENSINO, 16. Junqueira&Marin Editores – Livro 1 – p.001224.
Campinas:UNICAMP, 2012.

SANTOS, Mônica Pereira dos; SANTIAGO MyleneCristina; MELO, Sandra Cordeiro


de.Formação de professores para o atendimento educacional especializado: políticas e
práticas instituintes de inclusão.In:ENCONTRO DO OBSERVATÓRIO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 3.ISSN 1807-6211. São Paulo, 2013.

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