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Nº 8 Eduardo Antonio Canda João

A constituição de sociedades comerciais em Angola tornou-se bastante mais


célere desde que, em 2003, foi criado o Guiché Único da Empresa. Nas
instalações do Guiché Único de Empresa encontramse delegações de todos os
serviços públicos acima referidos que estão envolvidos no processo de
constituição de sociedades (com excepção da Agência Nacional para o
Investimento Privado e das entidades responsáveis pela emissão de alvarás e
licenças para o exercício da actividade), o que permite a constituição de uma
sociedade comercial (com capital exclusivamente nacional) num período de
vinte e quatro horas.

Simplificação do processo de constituição de sociedades comerciais em angola

No dia 17 de Junho de 2015 foi publicada no Diário da República a Lei da


Simplificação do Processo de Constituição de Sociedades Comerciais, este
diploma, que entrou em vigor na data da sua publicação (art. 28º da Lei da
Simplificação), tem em vista a redução do formalismo inerente a diversos
aspectos relacionados com a constituição das sociedades comerciais.

Alterações mais relevantes estabelecidas por este diploma legal, tal como
listadas no art. 1º da Lei da Simplificação:

1. Eliminação da escritura pública como forma-regra que os actos inerentes à


vida das sociedades devem observar (artigo1º, al. a), da Lei da
Simplificação): a Lei da Simplificação prevê uma ampla utilização do
documento particular, com reconhecimento presencial de assinaturas (art.
3º, n.º 1, do referido diploma), para a constituição de sociedades e para as
alterações ao pacto social (aumento de capital, alteração de sede, alteração
de objecto, cisão, fusão, dissolução; cessão de quotas).

Sem prejuízo, continua a utilizar -se escritura pública em duas situações:

1. Facultativamente, sempre que os interessados assim o pretenderem (o


artigo 3º, n.º 1 da Lei da Simplificação diz claramente que "são facultativas
as escrituras públicas relativas aos actos da vida das sociedades
comerciais"), e (ii) obrigatoriamente, sempre que os negócios da sociedade
respeitem a bens imóveis ou quando houver lugar à transformação de
sociedades.

Note-se, por último, que o reconhecimento presencial das assinaturas passa a


ser feito (não pelo notário) mas pelo conservador do registo comercial (art. 5º
da Lei da Simplificação), o que permite apenas o envolvimento de um único
funcionário público em cada acto da vida da sociedade.

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2. Eliminação do capital social mínimo (art. 1º, al. b), da Lei da


Simplificação): o capital social das sociedades por quotas passa a ser
livremente fixado no contrato de sociedades pelos sócios (art. 6º, n.º 1,
da Lei da Simplificação), e corresponde à soma das respectivas
entradas. Mantém-se, porém, a exigência de capital social mínimo para
as sociedades anónimas e para as sociedades por quotas que sejam
reguladas por lei especial (designadamente, as sociedades por quotas a
que se classifiquem como instituições financeiras), de acordo com o art.
6º, n.º 2, da Lei da Simplificação.

A Lei da Simplificação vem, deste modo, acolher as críticas que há muito vinha
sendo feita à imposição legal de um capital social mínimo equivalente em Akz a
USD 1.000 (mil dólares) para as sociedades por quotas. Se um dos grandes
objectivos da economia angolana reside em trazer para o mercado formal os
empresários que desenvolvem a sua actividade no mercado informal, há toda a
pertinência em que a lei não lhes exija a realização de um capital mínimo para
que formalizem a constituição da sua empresa.

Por outro lado, a exigência de um capital social mínimo para as sociedades por
quotas fazia com que os sócios das sociedades nunca refletissem sobre qual
deveria ser o valor do capital social adequado à sua dimensão do negócio
da sua empresa,acabando a generalidade das sociedades por quotas por se
constituírem com um capital social equivalente em Akz a USD 1.000 (mil
dólares).

De acordo com o art. 9º, n.º 1, da Lei da Simplificação, o valor nominal de cada
quota não pode ser inferior a Akz 1, correspondendo 1 voto a 1 cêntimo de Akz
(art. 9º, n.º 2, da Lei da Simplificação). Passa a ser por referência a estes
valores mínimos que o capital social é determinado e que o poder dos sócios
dentro de cada sociedade é encontrado.

Diferimento da realização de entradas mais limitado e controlado (art. 1º, al.


c), da Lei da Simplificação):

A realização das entradas em dinheiro (note-se que o art. 7º, n.º 1, da Lei da
Simplificação só fala em entradas, mas deve entender-se que se reporta
exclusivamente a entradas em dinheiro, atendendo a que só a estas se refere o
art. 8º, n.ºs 1 e 2, da Lei da Simplificação) pode ser diferida na sua totalidade
(uma vez que, nos termos do art. 6º, n.º 1, da Lei da Simplificação deixou de
haver capital social mínimo), mas tais "entradas devem ser realizadas até ao
termos do primeiro exercício económico" (art. 7º, n.º 1, da Lei da
Simplificação). Não obstante, o contrato de sociedade deve indicar

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expressamente que parte das entradas cada sócio já realizou e que outra parte
este se compromete a realizar (art. 7º, n.º 2, da Lei da Simplificação).

Note-se que a Lei da Simplificação atribui aos sócios a responsabilidade pela


realização das entradas a que se comprometeram, impondo-lhes que: (i)
declarem que entradas realizaram (comprovando que tal realização é efectiva)
e que entradas se comprometem a realizar até ao termo do ano económico (art.
8º, n.º 1, al. a ) e b), da Lei da Simplificação), e (ii) que declarem, na primeira
assembleia geral ordinária da sociedade, que realizaram as entradas que
tinham diferido (art. 8º, n.º 2, da Lei d Simplificação).

As inovações acima indicadas são acolhidas com grande satisfação, porquanto


as sociedades que se constituíam com um capital social superior ao valor
mínimo anteriormente exigido beneficiavam de um prazo muito alargado para
a realização das entradas (3 anos) e, na prática, as entradas diferidas
acabavam por nunca ser realizadas. Não havia nenhum controlo efectivo sobre
os sócios que haviam solicitado o diferimento nem um mecanismo de
responsabilização concreto por parte dos mesmos.

Flexibilização do modo de organização da escrituração mercantil (art. 1º, al.


d), da Lei da Simplificação): com o art. 10º da Lei da Simplificação, cada
comerciante passa a poder "escolher o respectivo modo de organização e
suporte físico" da sua escrituração mercantil.

Esta medida vem, no fundo, revogar um conjunto de disposições do Código


Comercial, que há já muitos anos eram consideradas letra morta (não sendo
observadas pelos empresários angolanos). Tal sucedia em virtude do facto de
as empresas estruturarem a sua escrituração observando apenas o disposto no
Plano Geral de Contabilidade, desconsiderando as exigências previstas no
Código Comercial da existência de livros físicos há muito caídos em desuso.
Livros de actas em suporte informático e legalizados na Conservatória do
Registo Comercial (art. 1º, al. e), da Lei da Simplificação): o art. 11º, n.º 2, da
Lei da Simplificação prevê que os livros de actas das sociedades passam a ser
organizados em suporte informático, cabendo a sua legalização (i.e., a aposição
do respectivo termo de abertura e termo de encerramento) à Conservatória do
Registo Comercial. Tais livros são constituídos por folhas soltas,
sequencialmente numeradas e rubricadas por quem represente a sociedade.

O legislador, previu a existência de livros de actas electrónicos, o que já era


prática vigente entre nós desde há sete anos. De facto, são os livros de registo
de acções que, entre nós, têm colocado maiores problemas, uma vez que apenas

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têm sido aceites para legalização livros físicos, de capa dura, devidamente
encadernados, que exigem que as inscrições respectivas sejam feitas à mão.
Facilmente se percebe que este mecanismo de registo das inscrições não se
harmoniza com o funcionamento das empresas no sec. XXI.
Novo processo de constituição de sociedades e de registosonline (art. 1º, al. f,
da Lei da Simplificação): o art. 12º, n.º 1, da Lei da Simplificação prevê a
possibilidade de constituição imediata e online de sociedades por quotas e de
sociedades anónimas. Passam também a poder efectuarse registos pertencentes
à vida das sociedades através da internet, bem como a solicitar certidões
deregisto comercial electrónicas (art. 13º, n.º 1 da Lei da Simplificação).

Note-se, em primeiro lugar, que estas medidas só se aplicam a sociedades por


quotas e a sociedades anónimas, desconsiderando os outros dois tipos de
sociedades previstos na Lei das Sociedades Comerciais (as sociedades em
comandita e as sociedades em nome colectivo). Isto revela que o legislador está
bem ciente que no pós-independência e, com particular relevância, nos últimos
doze anos, não há nota de que se tenham constituído em Angola sociedades em
nome colectivo ou sociedades em comandita, o que é demonstrativo da
particular falta de relevância destes tipos sociais para a condução de
actividades empresariais. A tendência, cremos, será para a extinção definitiva
destes tipos legais entre nós, por inutilidade.

Estas inovações são de louvar, porquanto permitem a constituição de um


veículo para o exercício da actividade comercial em Angola, de forma
imediata, sem restrições de natureza administrativa ou burocrática. Devemos
notar, porém, que será necessário ainda regulamentar a Lei da Simplificação,
implementar a plataforma onde todo este processo deverá operar, bem como
tornar mais consistente e robusto o acesso à internet tanto em Luanda como
nas demais províncias do país. Temos ainda muito a fazer, mas este é,
seguramente, o caminho.

Publicação dos actos das sociedades num site da internet (art. 1º, al. g), da Lei
da Simplificação): com a entrada em vigor da Lei da Simplificação ficam abolidas
as publicações obrigatórias de actos societários no Diário da República (o contrato
de sociedade e suas alterações eram sempre objecto de publicação neste jornal
oficial) e em jornal (as convocatórias das assembleias gerais e as notificações a
credores implicavam publicação no Jornal de Angola). E o acesso às referidas
publicações, anteriormente pago, passa agora a ser livre e gratuito.

A mais ampla divulgação, bem como a facilidade e a gratuitidade do acesso


fazem com que a solução apresentada pela Lei da Simplificação mereça o
melhor acolhimento.

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Diminuição dos encargos fiscais impostos à constituição desociedades (art. 1º,


al. h), da Lei da Simplificação): a Lei da Simplificação trouxe consigo duas
medidas fiscais de monta, a saber, a extinção do imposto de início de actividade
e do imposto de selo aplicável ao acto de constituição das sociedades (arts. 16º e
17º da Lei da Simplificação).

Tais medidas visam incentivar a entrada no mercado formal de muitos


empresários que ainda actuam no mercado informal, tornando menos onerosa
a constituição de sociedades comerciais em Angola.

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