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Por que estamos trabalhamos tanto e até morrendo por excesso de

trabalho?

Por: Lilia Porto - 7 de janeiro de 2022

A palavra “Karoshi”, de origem japonesa, descreve a morte pelo


excesso de trabalho. O óbito acontece de forma súbita ou dentro de 24
horas após o início dos sintomas. As consequências são ataques
cardíacos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), trombose ou infarto
cerebral, infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca.
Foi o que aconteceu em 2013 com uma repórter japonesa
chamada Miwa Sado, de 31 anos, que morreu subitamente. Em apenas
um mês, ela havia acumulado 159 horas extras para cobrir duas
eleições consecutivas. Quando foi encontrada, ainda segurava o celular.
Sua morte foi diagnosticada como um caso de karoshi.
A história de Miwa e o fenômeno karoshi são abordados pelo
antropólogo James Suzman em seu livro, “Work: A History of How We
Spend Our Time“. James destaca que, na economia pós-industrial, tanto
o volume de trabalho quanto nossas ambições podem estar passando
dos limites. “O que leva pessoas como Miwa Sado a perder ou tirar suas
vidas não é privação ou pobreza, mas suas ambições refletidas nas
expectativas de seus empregadores”, escreve.
Em 2013, Miwa foi uma das 133 pessoas que, no Japão,
oficialmente morreram por karoshi. Mas um primeiro estudo global feito
pela OIT revelou que 745 mil pessoas morreram em 2016 de derrame e
doenças cardíacas relacionadas a longas horas de trabalho.
O Brasil está na faixa de países que têm até 4% da população
exposta a longas jornadas de trabalho (55 horas ou mais por semana,
ou 11h de segunda à sexta). A pesquisa da OIT descobriu que trabalhar
55 horas ou mais por semana está associado a um risco 35% maior de
AVC e 17% maior de morrer de doença cardíaca, em comparação com
uma semana de 35 a 40 horas de trabalho.
“ Oh, esquece – meu trabalho aqui já está pronto. ”   (Cartoon: Emily
Flake)

Será que deveríamos nos permitir trabalhar além da conta?


No livro “Company of One: Why Staying Small Is the Next Big
Thing for Business”, algo como “Porque continuar pequeno é a próxima
grande tendência para os negócios”, Paul Jarvis argumenta que, em vez
de querer que seu negócio cresça, e com isso faturar mais,
propositalmente é deixá-lo menor para minimizar estresses e maximizar
o tempo para o lazer. Essa ideia contrasta fortemente com os livros de
negócios que vemos nas livrarias ou com o que pregam os gurus.
Em seu artigo “Why Do We Work Too Much?” (Por que
trabalhamos tanto?), Cal Newport, professor de ciência da computação
da Universidade Georgetown, levanta uma questão interessante:
“A maioria das pessoas que têm a sorte de ter algum controle sobre sua
rotina de trabalho – como trabalhadores do conhecimento e empresários
– trabalham além do nível que poderia ser considerado já suficiente,
como por exemplo, 20% a mais do que precisariam. Esses 20% extras
são suficientes para gerar um estresse contínuo – sempre há algo
atrasado, uma mensagem que não pode esperar até o dia seguinte,
sempre há uma sensação incômoda de irresponsabilidade em qualquer
momento de inatividade. No entanto, essa sobrecarga está abaixo de
um nível que seria insustentável e que forçaria uma mudança. […] Se
quisermos que nossos ambientes de trabalho se tornem mais produtivos
e mais humanos, vamos ter que descobrir como contornar os 20%
extras que acumulamos”.
Cal adverte que a sobrecarga de trabalho nem sempre é culpa do
capitalismo – seja diretamente, por meio de demandas exaustivas e até
irracionais, salários baixos ou indiretamente, sustentando uma cultura
que valoriza a laboriosidade.
Quando se trata de trabalhadores do conhecimento, profissionais
autônomos e empresários, a questão se torna mais sutil e arriscada.
Muitos desses profissionais que se sentem sobrecarregados não têm
um gerente ali no pé medindo sua produtividade e os pressionando a
fazer mais. A pressão vem de si próprios e também em função do alto
custo de vida hoje. Muitos até gostariam de aliviar esse frenesi, mas
não conseguem.
Cal recorre a uma sátira publicada na The Economist em 1955 por
um historiador naval britânico chamado Cyril Northcote Parkinson, e que
acabou se tornando um clássico entre os estudiosos do trabalho e da
produtividade. Parkinson discute a burocracia desenfreada do
Almirantado Britânico que ocorreu entre 1914 e 1928. Durante o período
do pós-guerra, o número de navios de guerra e marinheiros que os
tripulavam diminuiu significativamente. Mas, nesse mesmo período, a
burocracia administrativa naval aumentou demasiadamente. Parkinson
argumenta que, na ausência de diretrizes estritas sobre o trabalho que
deveria ser realizado, tornou-se um sistema independente e
autorregulado que começou a crescer, sem relação com as reais
demandas organizacionais que atendia.
Uma possível verdade pode estar embutida nessa sátira segundo
Cal: sistemas de trabalho onde há total autonomia podem evoluir, de
forma independente, escapando da racionalidade. Uma vez que
consideramos essa possibilidade, o problema de estarmos tão ocupados
pode ficar mais fácil de entender. A autonomia que alguns profissionais
têm para decidir quais tarefas vão assumir (e quais vão adiar ou
recusar), também pode ser a causa desses 20% extras de trabalho.
Esses profissionais definem eles mesmos como será o dia
de trabalho. Diariamente são bombardeados com projetos, demandas,
oportunidades e convites. Como fazer a triagem? Se você recusa um
convite para uma reunião no Zoom, haverá um custo de capital social,
pois poderá estar causando algum tipo de entrave ou desconforto à
quem lhe convida ou à sua equipe e poderá estar passando a impressão
de que não se importa tanto com o assunto a ser discutido. Mas, se
você sente que está completamente esgotado e estressado pelo volume
de trabalho, esse custo pode se tornar aceitável para você e para os
outros: estar “ocupado” lhe dá um escudo psicológico para poder
escapar dessa reunião.
“Este esquema de autorregulação pelo estresse garante que
você continue sempre moderadamente em estado de sobrecarga”, Cal
sugere. “Nossa tendência de trabalhar 20% ou 30% a mais não é
arbitrária: é um efeito colateral da natureza aleatória em que permitimos
que nosso trabalho e esforços se desdobrem”, complementa.
Ao pensarmos mais intencionalmente sobre como o nosso
trabalho é priorizado, podemos evitar algumas armadilhas dessa
autorregulação. A pandemia nos mostrou que é possível emergir novas
culturas de trabalho: trabalho remoto, trabalho híbrido,  uma semana de
4 dias de trabalho, como exemplos. Mas esses novos formatos não são
garantia de que iremos trabalhar de forma moderada e a sobrecarga
pode continuar. Será que no futuro optaremos por expectativas mais
baixas de crescimento profissional (ou nos negócios) para priorizar
nossa saúde e tempo de lazer?
A questão aqui é: para redirecionar o futuro do
trabalho temos que ter algum controle no presente dele.

Fonte: https://ofuturodascoisas.com/por-que-estamos-trabalhamos-
tanto-e-ate-morrendo-por-excesso-de-trabalho/acesso em 21/09/2022

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