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LiAT-HT

LIGA ACADÊMICA DO TRAUMA


do Hospital do Trabalhador

CURSO ANUAL DE EMERGÊNCIAS

CURITIBA – PARANÁ

2021
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 1
ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE POLITRAUMATIZADO ...................................... 3
VIAS AÉREAS E APARELHO RESPIRATÓRIO ................................................................. 9
CHOQUE ................................................................................................................................... 14
REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR ................................................................................. 20
TRAUMA TORÁCICO E DRENAGEM DE TÓRAX ........................................................... 26
TRAUMA ABDOMINAL E PÉLVICO.................................................................................... 35
TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO ......................................................................................... 41
TRAUMA RAQUIMEDULAR.................................................................................................. 45
TRAUMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO ................................................................................ 53
TRAUMA PEDIÁTRICO .......................................................................................................... 58
ATENDIMENTO AO PACIENTE QUEIMADO .................................................................... 64
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS I – DOR TORÁCICA ............................................................. 69
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS II – AVE E CRISE CONVULSIVA ....................................... 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 86
BLOCO PARA ATENDIMENTO NO SAV ........................................................................... 87
INTRODUÇÃO

A história da Liga Acadêmica do Trauma do Hospital do Trabalhador da Universidade


Federal do Paraná (LiAT HT-UFPR) começou com um sonho. Sua fundação, realizada em
29 de maio de 1999, foi realizada sob a orientação do Dr. Iwan Collaço, então professor
Coordenador da Disciplina do Trauma e chefe do serviço de Cirurgia Geral do Hospital do
Trabalhador (HT). À época, eu, como vários de vocês que abriram esta apostila, tinha menos
de um ano. Porém, desde jovem passava à frente do hospital e olhava, da janela do ônibus,
o gramado verde, as pessoas que saíam com gessos e talas, as ambulâncias entrando, as
enfermeiras descansando nos bancos, a fonte enfeitando a entrada e as luzes brilhando
quando a noite caía, iluminando o majestoso Hospital do Trabalhador. O HT já fazia parte
de um sonho, não apenas da criança que eu ainda era, mas de todos os acadêmicos do
curso de Medicina da UFPR e dos cirurgiões gerais do HT, voluntários que iniciaram as
atividades da LiAT buscando a excelência no atendimento ao paciente traumatizado.

No início da primeira liga brasileira de trauma, foram estabelecidas reuniões e


palestras sobre diversos tópicos em trauma e, em 2009, foi implantado um projeto de
Extensão, que funciona desde então paralelamente às demais atividades. A LiAT organiza
e certifica os acadêmicos dentro de dois estágios voluntários que hoje mudam a vida
anualmente de mais de 200 acadêmicos de Curitiba, além de mais de 100 acadêmicos
externos nos Estágios de Férias. O primeiro estágio engloba os de acadêmicos do Pronto
Socorro (PS), sendo voltado para atividades de urgência e emergência em cirurgia geral e
ortopedia. Para ingressar neste estágio, o acadêmico deve estar cursando ou ter cursado o
5º período do curso de medicina, além de ter realizado o curso preparatório e atingido a
meta pré-determinada na prova classificatória.

O segundo estágio do qual a LiAT dispõe é o de Voluntários do Trauma (VT). O VT


realiza atendimento do politraumatizado que chega à nossa “sala vermelha”, o SAV (Suporte
Avançado à Vida), e também desempenha procedimentos de maior complexidade no PS,
como drenos de tórax, intubações orotraqueais e suturas desafiadoras, dentre outros. Ele
também auxilia em operações da cirurgia geral e da ortopedia, além de adquirir mais
experiência neste serviço no contato com chefes e residentes. A entrada dos acadêmicos
VTs se dá através de uma prova classificatória realizada anualmente, conjunta à prova de
entrada à liga. Além disso, há pré-requisitos para o desempenho dessa função, que são
divulgados no início de cada novo ano.

As atividades desempenhadas pelos ligantes da LiAT, além dos estágios, são a


organização de cursos e congressos, realização de programas e campanhas de orientação

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junto à comunidade, confecção e publicação de trabalhos científicos em revistas, periódicos
e congressos, bem como aulas quinzenais sobre diversos assuntos relacionados ao trauma.

O sonho vivenciado nos últimos 22 anos só cresce a cada mês, a cada semana, a
cada dia. Novos acadêmicos, novas diretorias, novos rostos e ambições, novas atividades,
programações e extensões. O que se mantém a cada novo segundo, entretanto, é o objetivo
comum de aprendizado mútuo junto à relação médico-paciente e o carinho desenvolvido em
cada um de nossos projetos, buscando humanizar a traumatologia.

Em nome da Diretoria da LiAT 2019/2020 e de todas as demais que já passaram e


que ainda virão, agradeço pelo interesse em nossa liga e desejo sorte nessa nova jornada.

Com a esperança de novos sonhos,

Bárbara Vieira Sardi

Chefe dos Acadêmicos do PS - 2019/2020


Coordenadora LiAT - 2020/2021

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ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE POLITRAUMATIZADO
Kauana Gouveia

Diretora de Marketing LiAT – 2020/2021

Orientador Dr. Eduardo Lopes Martins

O tratamento de pacientes politraumatizados requer agilidade e precisão, devido a


isso adota-se uma abordagem sistemática chamada “avaliação inicial” que inclui as
seguintes etapas, as quais discutiremos a seguir:

• Preparação
• Triagem
• Levantamento primário (ABCDE) com reanimação imediata de pacientes com lesões
com risco de vida
• Medidas tomadas juntamente ao levantamento primário e reanimação
• Consideração da necessidade de transferência de pacientes
• Pesquisa secundária (avaliação da cabeça aos pés e histórico do paciente)
• Monitoramento e reavaliação
• Cuidados definitivos

As pesquisas primárias e secundárias são reavaliadas frequentemente para


identificar qualquer alteração no status do paciente que indique medida adicional.

Preparação

Ocorre em dois momentos

1. Pré-Hospitalar: Primeiramente, o sistema pré-hospitalar avisa o hospital sobre a


vítima politraumatizada, para que a equipe esteja preparada para recebê-la. O
atendimento pré-hospitalar também enfatiza a manutenção das vias aéreas, o
controle de sangramentos e choques externos, a imobilização do paciente e o
transporte imediato para a instalação apropriada mais próxima, preferencialmente
um centro de trauma verificado.
2. Hospitalar: Preparar equipe e materiais para receber a vítima, deixando área de
ressuscitação disponível, equipamentos adequados da via aérea (organizado,
testado e com fácil acesso), solicitação de solução cristaloide aquecida para uso
imediato se necessário, protocolo em vigor para acionar assistência médica e
contato com centros de referência de trauma.

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Triagem

A triagem envolve a classificação dos pacientes com base nos recursos necessários
e nos recursos disponíveis. A prioridade no tratamento inclui: gravidade da lesão,
capacidade de sobreviver e recursos disponíveis. O sistema pré-hospitalar também participa
dessa triagem, direcionando os pacientes para centros adequados de acordo com a
gravidade do trauma.

Também são categorizadas como:

• Múltiplas vítimas: quando o número de pacientes e a gravidade de seus ferimentos


não excedem a capacidade da instituição de atendimento. Prioridade de tratamento:
pacientes com risco de morte e pacientes com lesões de múltiplos sistemas.

• Vítimas em massa: quando o número de pacientes e a gravidade de seus


ferimentos excedem a capacidade da instalação e da equipe. Prioridade de
tratamento: pacientes com maior chance de sobrevivência e que necessitem de
menos tempo, equipamentos e suprimentos.

Levantamento primário (ABCDE) e reanimação imediata em pacientes com


risco de morte:

O gerenciamento consiste em uma pesquisa primária rápida com ressuscitação


simultânea de funções vitais. A pesquisa primária abrange o ABCDE de atendimento ao
trauma, a qual identifica lesões que trazem risco a vida.

A avaliação do ABCDE pode ser feita em 10 segundos (identificando-se,


perguntando o nome do paciente e o que ocorreu). Se o paciente apresentar alguma
dificuldade, sugere anormalidade em A, B, C ou D que exige avaliação e tomada de conduta
urgente. Durante a pesquisa primária, condições com risco de vida são identificadas e
tratadas em uma sequência priorizada. Como a sequência priorizada (ABCDE) é baseada
no grau de risco de vida, a anormalidade que representa a maior ameaça à vida é abordada
primeiro.

• A: Manutenção das vias aéreas com restrição do movimento da coluna cervical

• B: Respiração e ventilação

• C: Circulação com controle de hemorragia

• D: Avaliação neurológica

• E: Exposição / Controle ambiental

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A: Manutenção das vias aéreas com restrição do movimento da coluna cervical

A primeira conduta a ser tomada é a verificação de via aérea pérvia, deve-se então
fazer a inspeção de corpos estranhos, identificar fraturas faciais, mandibulares, traqueais,
laríngeas e outras lesões que podem resultar em obstrução das vias aéreas.

Se o paciente é capaz de se comunicar, é pouco provável que haja risco imediato


com relação à via aérea. Por outro lado, pacientes com Escala de Coma de Glasgow (ECG)
menor ou igual a 8 necessitam de uma via aérea definitiva.

Inicialmente, a elevação do mento e tração da mandíbula são manobras que


costumam ser eficientes nesse primeiro momento. Se o paciente estiver inconsciente e sem
reflexo de vômito, a colocação de uma via aérea orofaríngea pode ser útil, temporariamente.

Ao avaliar e gerenciar a via aérea deve-se evitar movimentos excessivos da coluna


cervical. A coluna cervical deve ser imobilizada por colar cervical e, caso seja necessário
retirá-lo durante o manejo da via aérea, um membro da equipe deve restringir os movimentos
da coluna cervical manualmente.

A reavaliação constante da via aérea é fundamental para identificar e tratar pacientes


que estão perdendo a capacidade de manter a via aérea pérvia.

*O manejo das vias aéreas em pacientes pediátricos requer conhecimento das


características anatômicas únicas, da posição e tamanho da laringe em crianças, bem como
de equipamentos especiais.

B: Respiração e Ventilação

A permeabilidade da via aérea não é garantia de ventilação adequada. É necessário


função adequada dos pulmões, diafragma e parede torácica. Para isso, é necessário que
seja feita a inspeção, palpação, ausculta e percussão do tórax. As lesões que prejudicam
significativamente a ventilação a curto prazo incluem pneumotórax hipertensivo, hemotórax
maciço, pneumotórax aberto e lesões traqueais ou brônquicas. Essas lesões devem ser
identificadas na avaliação primária e tratadas imediatamente.

Todo paciente vítima de trauma deve receber oxigênio suplementar. Se o paciente


não for intubado, o oxigênio deve ser fornecido por um dispositivo reservatório de máscara
para obter uma oxigenação ideal. Para monitorizar a saturação de oxigênio na hemoglobina,
usa-se o oxímetro.

Lesões que comprometem a ventilação em menor grau são normalmente


identificadas durante a pesquisa secundária, sendo elas: pneumotórax simples, o hemotórax
simples, as costelas fraturadas e a contusão pulmonar.

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C: Circulação com controle da hemorragia

O comprometimento circulatório em pacientes traumatizados pode resultar de uma


variedade de lesões. Volume sanguíneo, débito cardíaco e sangramento são os principais
problemas circulatórios a serem considerados.

Identificar, controlar rapidamente a hemorragia e iniciar reposição volêmica são


etapas cruciais nessa parte da avaliação. Diante de um paciente vítima de trauma hipotenso
em que você já tenha excluído pneumotórax hipertensivo como causa do choque, sua
próxima suspeita deve ser hemorragia.

Elementos a serem observados no paciente: nível de consciência, perfusão cutânea


(paciente com hipovolemia pode apresentar uma cor cinza, pele facial cinza e extremidades
pálidas) e pulso (pulso rápido é geralmente um sinal de hipovolemia).

Identificar o sangramento como externo ou interno. A hemorragia externa é


identificada e controlada na avaliação primária. As principais áreas de hemorragia interna
são tórax, abdome, retroperitônio, pelve e ossos longos, podendo ser identificadas por
exame físico associado a exames de imagem (raio-x tórax, raio-x pelve, FAST, lavado
peritoneal diagnóstico).

O tratamento imediato inclui descompressão torácicas e estabilização pélvico e/ou


talas em extremidades. O manejo definitivo pode exigir tratamento cirúrgico. O controle
definitivo do sangramento é essencial, juntamente com a reposição adequada do volume
intravascular. O choque associado à lesão é geralmente de origem hipovolêmica, sendo
necessário iniciar a infusão de solução cristaloide aquecido, sangue e plasma na proporção
(1:1:1). Para prevenir o risco de coagulopatia pode-se utilizar ácido tranexâmico até 3 horas
após o trauma. Os líquidos são administrados criteriosamente, pois foi demonstrado que a
ressuscitação agressiva antes do controle do sangramento aumenta a morbimortalidade.

D: Avaliação Neurológica

Na avaliação neurológica verificamos nível de consciência pela Escala de Coma de


Glasgow, tamanho e reação pupilar, nível de lesão medular, se presente.

Uma diminuição no nível de consciência pode indicar diminuição da oxigenação e /


ou perfusão cerebral, ou pode ser causada por lesão cerebral direta. Hipoglicemia, álcool,
narcóticos e outras drogas também podem alterar o nível de consciência do paciente. Mas
sempre presumiremos que alteração do nível de consciência é devido a lesão no sistema
nervoso central.

A prevenção de lesões cerebrais secundárias, mantendo oxigenação e perfusão


adequadas, são os principais objetivos do gerenciamento inicial.

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E: Exposição/ Controle Ambiental

Durante a avaliação primária é necessário expor totalmente o paciente tirando suas


roupas, para que o exame seja feito. Após a finalização do exame é necessário cobrir o
paciente para que se evite hipotermia. Como a hipotermia é uma complicação
potencialmente letal em pacientes vítimas de trauma, medidas agressivas para evitar a
perda de calor corporal e restaurar a temperatura corporal ao normal devem ser tomadas.
Lembrar que os fluidos cristaloides que serão administrados no paciente devem ser
aquecidos.

Medidas necessárias juntamente com a avaliação primária

• Eletrocardiografia contínua
• Oximetria de pulso
• Monitoramento de dióxido de carbono
• Avaliação da frequência ventilatória
• Medir gasometria arterial
• Cateter urinário para monitorar débito urinário e hematúria
• Cateter gástrico (se necessário descomprimir estômago)
• Exames (raio-x, FAST, e-FAST, lavado peritoneal diagnóstico)

Parâmetros fisiológicos como taxa de pulso, pressão arterial, pressão de pulso,


frequência ventilatória, níveis da gasometria arterial, temperatura corporal e débito urinário
são medidas avaliadas que refletem a adequação da ressuscitação volêmica.

Avaliação secundária (avaliação da cabeça aos pés e histórico do paciente)

A avaliação secundária só começa após a avaliação primária, ressuscitação


volêmica esteja em andamento e o paciente esteja apresentando melhora das funções vitais.
A avaliação secundária contempla uma história completa, exame físico e reavaliação dos
dados vitais.

Para a avaliação médica, usamos o mnemônico AMPLA, que consiste:

• Alergias
• Medicamentos usados atualmente
• Doenças passadas / Gravidez
• Líquidos e alimentos ingeridos
• Ambiente relacionados à lesão

A condição do paciente é grandemente influenciada pelo mecanismo de lesão. O


conhecimento do mecanismo da lesão pode melhorar a compreensão do estado fisiológico
do paciente e fornecer pistas sobre lesões previstas.

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O exame físico deve ser completo e contemplar todas as partes do corpo desde a
cabeça até os pés.

Avaliações adjuntas podem ocorrer durante a avaliação secundária, como exames


adicionais de raio-x da coluna e extremidades, tomografias computadorizadas da cabeça,
tórax, abdômen e coluna vertebral; urografia de contraste e angiografia, ultrassonografia
transesofágica, broncoscopia, esofagoscopia. Esses exames só devem ser feitos após a
estabilização hemodinâmica do paciente.

Reavaliação

Os pacientes vítimas de trauma devem ser reavaliados constantemente para garantir


que novas descobertas não sejam negligenciadas.

O monitoramento contínuo de sinais vitais, saturação de oxigênio e débito urinário é


essencial. Para pacientes adultos é desejável a manutenção do débito urinário a 0,5
mL/kg/h.

O alívio da dor intensa é uma parte importante do tratamento de paciente vítimas de


trauma, podemos usar opiáceos ou ansiolíticos por via endovenosa (injeções
intramusculares devem ser evitadas)

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VIAS AÉREAS E APARELHO RESPIRATÓRIO
Bruno Berardi Gazola

Coordenador LiAT – 2020/2019

Orientador Dr. Eduardo Lopes Martins

A oferta insuficiente de O2 para o cérebro e outros órgãos vitais é a causa mais


rápida de morte em pacientes vítimas de trauma. É preciso garantir a proteção e
desobstrução das vias aéreas, bem como ventilação adequada, a fim de prevenir a
hipoxemia. Para manejo das vias aéreas no atendimento do trauma, é fundamental
considerar as estratégias e equipamentos à disposição, bem como saber reconhecer os
sinais objetivos de obstrução, queimadura ou qualquer trauma que envolva o rosto, o
pescoço e a laringe.

Durante a avaliação inicial, deve-se estimular a resposta verbal, já que a capacidade


do paciente falar demonstra que a via aérea está pérvia, com ventilação adequada e
perfusão cerebral suficiente, mesmo que momentaneamente. Uma via aérea pérvia não é
garantia de ventilação adequada. A ventilação pode ser comprometida por obstrução das
vias aéreas, trauma de tórax, alteração do nível de consciência e lesões raquimedulares. As
lesões medulares abaixo do nível de C3 resultam em manutenção da função diafragmática,
mas com perda da contribuição da musculatura intercostal e abdominal. As lesões térmicas
causadas por queimaduras e explosões podem indicar a necessidade de uma via aérea
definitiva mais precoce.

Os traumas de face geram sangramento, aumento de secreções, comprometimento


de naso/orofaringe e avulsões dentárias. Os traumatismos na região cervical podem causar
lesões vasculares, os hematomas podem expandir e obstruir a traqueia. O trauma de laringe,
identificado pela tríade rouquidão, enfisema subcutâneo e fratura palpável, é indicação de
IOT cuidadosa. Se não for possível a intubação, essa é uma das únicas condições em que
se indica traqueostomia de emergência.

Alguns sinais objetivos podem sugerir comprometimento das vias aéreas. São eles:
agitação, torpor, cianose, tiragem ou uso de musculatura acessória para ventilação, roncos,
gorgolejos e estridores durante a respiração, rouquidão, taquipneia, presença de ruídos
adventícios, murmúrio vesicular abolido ou diminuído, desvio de traqueia e crepitações.

A prioridade do manejo das vias aéreas consiste em assegurar oxigenação contínua,


ao mesmo tempo em que se garante a proteção da coluna cervical, com a devida
estabilização e colocação do colar cervical. Se o doente estiver com capacete, a abordagem
deve ser realizada em dupla, com uma pessoa restringindo o movimento cervical, enquanto
a outra realiza a retirada cuidadosa.

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O O2 suplementar deve ser administrado a todos os pacientes com traumatismos
graves. A oferta de O2 deve ser realizada com fluxo de 10-12 L/min, por meio de máscara
facial com reservatório, bem acoplada ao rosto do paciente. A presença de secreções na
cavidade oral representa risco de broncoaspiração, sendo necessária aspiração da
orofaringe com cânula rígida. Caso os vômitos persistam e não seja excluída a hipótese de
lesão da coluna cervical, deve-se considerar a intubação, a fim de proteger a via aérea.
Pacientes inconscientes, com sensório reduzido por abuso de drogas ou álcool e portadores
de lesões torácicas que comprometam a ventilação, necessitam de via aérea definitiva.

Podem ser necessárias técnicas


de manutenção preliminar das vias
aéreas. As principais opções são chin lift
(Figura 1) e jaw thrust (Figura 2), além do
uso de cânulas naso ou orofaríngeas,
como a cânula de Guedel (Figura 3).

O tamanho da cânula de Guedel


deve ser igual à distância entre a
comissura labial e o lobo da orelha
Figura 1 – Chin lift. ipsilateral. Em adultos, a colocação é
realizada com a extremidade da cânula
voltada para o palato mole e, depois,
deve-se girá-la 180°, deslizando-a sobre
a língua (Figura 3). Apesar de proteger a
queda da base da língua, pode
desencadear reflexo de vômito e não é
tolerada pelo paciente consciente. Em
crianças, deve ser evitada a manobra de
rotação da cânula de Guedel, pois há
risco de lesão de palato mole.
Figura 2 – Jaw thrust.
Em alguns casos, há presença
da chamada “via aérea difícil”, representada por alguns fatores, a citar IMC ≥30 kg/m 2,
presença de barba, classificação de Mallampati ≥ III, idosos, protrusão mandibular reduzida,
distância tireoidemento <6 cm, histórico de ronco e a própria imobilização pelo colar cervical.
Nesses casos especiais, podem ser utilizados outros dispositivos auxiliares, extraglóticos e
supraglóticos, como a máscara laríngea, o tubo traqueoesofágico (Combitube) e o tubo
laríngeo. Esses dispositivos servem como medida provisória até que se consiga uma via
aérea adequada. Quando disponível, o videolaringoscópio também pode ser utilizado para
auxiliar na intubação em casos de via aérea difícil.

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Via Aérea Definitiva

Definição: dispositivo com balonete (cuff) insuflado na traqueia, devidamente fixado,


conectado a um sistema de ventilação assistida e a uma fonte de O2 a 100%.

É indicada a todo paciente incapaz de manter a permeabilidade das vias aéreas e


nas seguintes situações:

• Apneia
• Necessidade de proteção das vias aéreas contra aspiração por vômitos ou sangue
• TCE com escala de coma de Glasgow
≤8
• Risco de obstrução por lesão de
traqueia ou laringe, hematoma cervical ou
retrofaríngeo, estridor e lesões térmicas
• Fraturas maxilofaciais graves
• Convulsão persistente
• Incapacidade de manter oxigenação
com máscara facial
• Necessidade de ventilação, como em
paralisia neuromuscular, movimentos
respiratórios inadequados e TCE grave
com necessidade de hiperventilação

Existem três tipos de vias aéreas


definitivas: sonda orotraqueal, sonda
nasotraqueal e via aérea cirúrgica
(cricotireoidostomia cirúrgica e
Figura 3 – Inserção da cânula de Guedel.
traqueostomia).

Intubação endotraqueal

Deve-se atentar para a possibilidade de lesão cervical durante a intubação,


mantendo o colar cervical enquanto se realiza o procedimento, a menos que um segundo
socorrista faça a estabilização manual da coluna cervical do paciente. A maioria das vítimas
de trauma não está em jejum, então o socorrista precisa estar familiarizado com a sequência
rápida de intubação ou, de acordo com a décima edição do ATLS, intubação assistida por
drogas.

A técnica de intubação medicamentosa inclui:

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1) Pré-oxigenação com O2 a 100%

• Manter a oxigenação passiva durante as tentativas de intubação

2) Aplicar pressão sobre a cartilagem cricoide (Manobra de Sellick)

3) Administrar medicamento de indução ou sedativo (Etomidato EV 0,3 mg/kg ou


Midazolam EV 0,1-0,2 mg/kg)

• O Etomidato não apresenta efeitos negativos sobre a pressão sanguínea ou pressão


intracraniana, mas pode deprimir a função adrenal

4) Administrar o bloqueador neuromuscular (Succinilcolina EV 1-2 mg/kg)

• A Succinilcolina tem um início de ação rápido (<1 minuto) e duração de até 5 minutos
• Devido ao risco de hipercalemia grave, a Succinilcolina deve ser utilizada com
cautela em pacientes com lesões graves por esmagamento, queimaduras graves e
ferimentos por eletricidade

5) Proceder com a intubação orotraqueal

• Se a tentativa de intubação não for bem sucedida, deve-se ventilar o paciente até o
término da paralisia

6) Insuflar o balonete e confirmar o posicionamento do tubo pela ausculta

• Auscultar os hemitórax e a região epigástrica. A intubação do esôfago resulta em


ausculta de borborigmos no epigástrio
• A melhor maneira de confirmar a intubação é por meio da dosagem de CO2 expirado
pelo capnógrafo

7) Liberar a pressão cricoide

8) Ventilar o paciente

A confirmação da posição correta do tubo pode ser feita por radiografia de tórax.
Depois de confirmado o posicionamento, a sonda de intubação deve ser adequadamente
fixada. A primeira conduta diante de pacientes que chegam intubados ao hospital ou que
retornam de análise radiológica/tomográfica é confirmar a posição correta do tubo.

Via aérea cirúrgica

Indicada em casos de impossibilidade de intubação naso ou orotraqueal, como


edema de glote, fratura de laringe e lesões graves com hemorragia orofaríngea. O
procedimento de escolha na emergência é a cricotireoidostomia cirúrgica, por estar
associada a menor risco de sangramento e requerer menos tempo para realização em
relação à traqueostomia de emergência.

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A cricotireoidostomia cirúrgica realiza-se através de uma incisão, longitudinal ou
transversa, na pele sobre a membrana cricotireoide. Em seguida, incisa-se a membrana com
uma pinça hemostática para a introdução de cânula de traqueostomia de pequeno calibre
(5 a 7 mm). Esse procedimento não é indicado para crianças menores de 12 anos de idade,
pelo risco de danos à cartilagem cricoide, que é o único suporte circunferencial para a
traqueia superior.

A cricotireoidostomia por punção é feita em situação de emergência, para fornecer


O2 a curto prazo, até que se estabeleça uma via aérea definitiva. É realizada a inserção de
um Abocath 14 na membrana cricotireoide. Deve ser conectada a uma fonte de O2 a 12-15
L/min, com insuflação intermitente – regra 1:4 para cada inspiração-expiração, ou seja,
oferecer O2 por 1 segundo e interromper por 4 segundos. No caso dos pacientes em apneia,
esse tipo de método ventilatório pode ser utilizado como ponte antes da cricotireoidostomia
cirúrgica, sendo capaz de oxigenar o paciente por até 30 a 45 minutos, em função da
retenção de CO2 que ocorre.

A traqueostomia no atendimento inicial do politraumatizado é indicada em situações


específicas, como em caso de pacientes menores de 12 anos ou em trauma de laringe.

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CHOQUE
Gabriela Caetano Lopes Martins

Diretora de Projetos Externos LiAT – 2020/2021/2022

Orientador Dr. Fábio Henrique de Carvalho

Definição

Choque é definido como uma anormalidade no sistema circulatório que resulte em


inadequada perfusão dos órgãos e oxigenação dos tecidos.

Fisiologia

A pressão arterial média (PAM) é diretamente proporcional a resistência periférica


total (RPT) e ao débito cardíaco (DC). O débito cardíaco, por sua vez, é o produto da
frequência cardíaca (FC) pelo volume sistólico (VS), que é o volume de sangue ejetado do
coração a cada sístole, ou seja, volume diastólico final (VDF) menos o volume sistólico final
(VSF) (Figura 4).

Em resumo:

• PAM = RPT x DC
• DC = FC x VS
• VS = VDF - VSF

Figura 4 - O débito cardíaco é o produto da frequência


cardíaca pelo volume sistólico.

Assim, cada tipo de choque vai agir em diferentes fatores das equações acima,
porém com o mesmo resultado de instabilidade hemodinâmica.

Tipos de Choque

Distributivo: nesse tipo de choque há uma redução da resistência periférica. Exemplo:


choques neurogênico ou séptico.

Obstrutivo: compressão extrínseca do coração e estruturas circundantes. VDF e VS


reduzidos. Exemplo: tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo.

Hipovolêmico: com a redução da volemia, o volume diastólico final estará reduzido e,


consequentemente, o volume sistólico. Exemplo: hemorragia.

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Cardiogênico: a eficiência da função de bomba do coração está reduzida. O volume
sistólico será menor. Exemplo: infarto de miocárdio.

Fisiopatologia

No contexto do atendimento a traumatizados, o choque hipovolêmico por hemorragia


é o mais frequente. O organismo apresenta alguns mecanismos compensatórios em
resposta a perda de sangue.

Entre esses mecanismos estão:

Vasoconstrição cutânea, muscular e visceral: tentativa de preservar a perfusão de rins,


coração e cérebro;

Aumento da frequência cardíaca: tentativa de manter o débito cardíaco. Costuma ser a


primeira manifestação do choque.

Liberação de catecolaminas endógenas: causam um aumento da resistência vascular


periférica, o que aumenta a pressão arterial diastólica e, consequentemente, reduz a
pressão de pulso (diferença entre a pressão arterial sistólica e a diastólica). É um mecanismo
com pouco efeito compensatório, porém a redução da pressão de pulso, indicando grande
perda sanguínea, é um importante dado de exame.

Metabolismo anaeróbio celular: surge como uma alternativa uma vez que o choque priva
as células de substratos importantes para o metabolismo aeróbio. A formação de ácido lático
resultante desse metabolismo alternativo pode levar a acidose metabólica e, posteriormente,
a Síndrome da Falência de Múltiplos Órgãos (SFMO).

Atendimento Inicial

A prioridade no atendimento é reconhecer a presença do choque. Sinais precoces


de choque são: taquicardia (no adulto, FC > 100 bpm) e vasoconstrição cutânea. Todo
paciente traumatizado que esteja taquicardíaco e frio ao toque deve ser considerado
chocado até que se prove o contrário.

Feita a identificação, o início do tratamento deve ser praticamente simultâneo. Os


principais objetivos da terapia são obter controle definitivo da hemorragia e restaurar o
volume circulante.

Como no trauma a grande maioria dos choques são hemorrágicos, é comum que
pacientes traumatizados chocados sejam inicialmente abordados como um choque
hipovolêmico. Porém, enquanto inicia o tratamento, é importante avaliar se o paciente não
se enquadra na porcentagem menor de chocados por outras causas ou por mais de uma
causa. A avaliação é feita pela história do paciente, exame físico cuidadoso e exames
complementares (raio-x de tórax e pelve, FAST), se estes não atrasarem a ressuscitação.

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Entre as causas de choque não hemorrágico no trauma estão:

Choque cardiogênico: choque secundário a disfunção miocárdica. Pode ser por trauma
torácico contuso, embolo de ar ou infarto de miocárdio.

Tamponamento cardíaco: choque obstrutivo. Mais comum em traumas penetrantes, mas


pode ser causado por traumas contusos. Caracterizado pela tríade de Beck: taquicardia,
abafamento das bulhas cardíacas e ingurgitamento das veias jugulares.

Pneumotórax hipertensivo: outra causa de choque obstrutivo. O aumento da pressão


intrapleural leva ao colapso pulmonar ipsilateral e ao desvio do mediastino para o outro lado,
com prejuízo do retorno venoso e, consequentemente, do débito cardíaco.

Choque neurogênico: traumas cranioencefálicos isolados não causam choque, a não ser
que o tronco encefálico esteja envolvido. É importante buscar outras fontes de sangramento.
Além do tronco encefálico, lesão medular a nível cervical ou torácico alto pode levar ao
choque distributivo devido à perda de tônus simpático. Há suspeita quando o paciente
apresenta hipotensão arterial sem taquicardia ou vasoconstrição periférica.

Choque séptico: choque distributivo devido a infecção. Apesar de incomum no primeiro


atendimento ao trauma, pode acontecer se houver atraso de várias horas na chegada do
paciente ao hospital.

Choque Hemorrágico

O choque hemorrágico pode ser classificado em quatro classes (Tabela 1). Essa
divisão serve para determinar a abordagem inicial do paciente. A continuidade do tratamento
será determinada pela resposta do paciente a terapia.

Tabela 1 - Classificação do choque hemorrágico.

CLASSIFICAÇÃO DO CHOQUE HEMORRÁGICO


Parâmetros Classe I Classe II Classe III Classe IV
Perda sanguínea <15% 15 – 30% 31 – 40% >40%
Frequência Normal ou
Normal Aumentada Aumentada
cardíaca aumentada
Normal Normal ou
Pressão arterial Normal Diminuída
diminuída
Pressão de pulso Normal Diminuída Diminuída Diminuída
Frequência Normal Normal ou
Normal Aumentada
respiratória aumentada
Débito urinário Normal Normal Diminuído Desprezível
ECG 15 15 <15 <15
Reposição Costuma não haver Cristaloide
Hemocomponentes Hemocomponentes
volêmica necessidade

16
O manejo inicial do choque hemorrágico deve seguir o ABCDE do trauma.

A e B: via aérea pérvia e ventilação adequada. Saturação de O2 deve ser mantida acima de
95%.

C: hemorragias externas óbvias devem ser controladas assim que percebidas, por
compressão ou, se muito extensas, com um torniquete. Deve-se garantir acesso venoso do
paciente. Preferencialmente 2 acessos venosos periféricos calibrosos (>18 gauge). Se não
for possível, acessos alternativos são o intraósseo ou o central. A experiencia do médico é
crucial para definir qual o mais adequado. Uma vez com o acesso, devem ser coletadas
amostras para tipagem, prova cruzada e exames laboratoriais. A ressuscitação volêmica
deve ser iniciada. Pode ser necessário controlar sangramentos em pelve (estabilização com
lençol) ou internos (cirurgia ou angioembolização).

D: determinar nível de consciência para avaliar a perfusão cerebral.

E: lesões de partes moles podem alterar o estado hemodinâmico do paciente. Deve-se


examinar toda a superfície corporal e é importante prevenir a hipotermia ao fazê-lo, pois esta
condição pode exacerbar a perda sanguínea ao contribuir com a coagulopatia e piorar a
acidose, levando a tríade letal do trauma: coagulopatia, hipotermia e acidose metabólica.

Quanto a ressuscitação volêmica (em C), inicialmente deve-se ofertar até 1L de


cristaloide. O seguimento da reposição é orientado pela resposta do paciente a primeira
terapia e pelo laboratorial (excesso de base e lactato são parâmetros importantes). Para
isso, é importante a monitorização da pressão arterial, pressão de pulso, frequência
cardíaca, função do SNC, coloração da pele e débito urinário (0,5 mL/kg/h é o adequado
para adultos).

O paciente pode apresentar:

Resposta rápida: retorno dos sinais vitais ao normal. A reposição pode ser desacelerada
e, de forma geral, não será necessário mais volume de fluido ou sangue. Ainda é necessária
a avaliação por um cirurgião.

Resposta transitória: há resposta a terapia inicial, mas os sinais vitais voltam a cair a
medida que a reposição é desacelerada. É necessário parar o sangramento (cirurgia ou
angioembolização).

Resposta mínima ou sem resposta: iniciar Protocolo de Transfusão Maciça (PTM) e levar
o paciente imediatamente para cirurgia ou angioembolização para controle definitivo da
hemorragia. Outras causas de choque devem ser consideradas.

17
Pacientes com resposta transitória ou sem resposta a terapia inicial são candidatos
a transfusão de hemocomponentes. A administração precoce de razões balanceadas de
hemácias, plasma e plaquetas pode prevenir a coagulopatia.

Uma pequena porcentagem dos pacientes chocados é beneficiada pela ativação do


PTM. Transfusão maciça é definida como a oferta de 10 unidades de hemácias nas primeiras
24h da admissão ou mais de 4 unidades na primeira hora. Esta terapia pode ser iniciada na
chegada de pacientes com choques graus III ou IV, a critério do cirurgião, mesmo antes de
esperar a resposta a infusão de cristaloide. O protocolo permite a liberação precoce e
organizada de hemocomponentes em razões equilibradas. Outra medida que pode estar
incluída no PTM e é capaz de melhorar a sobrevida de pacientes traumatizados graves é a
administração de ácido tranexâmico nas primeiras 3h após o trauma, uma vez que até 30%
desses pacientes estão em coagulopatia durante a admissão.

Considerações Especiais

Merecem atenção algumas populações que podem ter sua resposta fisiológica ao
choque de forma diferenciada. É o caso de idosos, atletas, grávidas, pacientes em uso de
medicações (como beta-bloqueadores), pacientes hipotérmicos e pacientes com marca-
passo ou cardioversor implantável.

Outra consideração especial é quanto ao aumento da pressão arterial. Em primeiro


lugar, aumentar a pressão arterial (PAM = RVP x DC) não significa aumentar o DC. Por
exemplo, drogas vasoativas que aumentam a PAM devido a um aumento da RVP, sem
alteração do DC, não causarão melhora na perfusão e oxigenação dos órgãos e tecidos. Em
segundo lugar, a administração de volume em excesso ao paciente chocado pode aumentar
a pressão arterial abruptamente, diluir coágulos sanguíneos e gerar hipotermia, o que
prejudica a coagulação e potencializa o sangramento. Por esse motivo, foi criado o conceito
de “hipotensão permissiva”, segundo o qual a reposição volêmica deve buscar apenas uma
pressão arterial suficiente para atingir a perfusão e oxigenação tecidual (PAM entre 50-60
mmHg ou pressão arterial sistólica acima de 70 mmHg). Essa terapia parece ser benéfica
em traumas penetrantes de tronco e é contraindicada no atendimento de gestantes, assim
como em casos de TCE, uma vez que pode levar a uma redução na perfusão cerebral.

Pontos Importantes

• Choque é uma anormalidade no sistema circulatório que resulta em inadequada


perfusão dos órgãos e oxigenação dos tecidos.
• O organismo apresenta mecanismos compensatórios ao choque.
• O choque mais comum no trauma é o hemorrágico.
• Todo paciente traumatizado taquicardíaco e frio ao toque deve ser considerado
chocado até que se prove o contrário.

18
• A intervenção deve ser quase simultânea a identificação do choque.
• A reposição inicial deve ser com até 1L de Ringer Lactato. O seguimento será orientado
pela resposta do paciente.
• Locais de sangramento importante: sangramentos externos, tórax, abdome/pelve,
retroperitônio e extremidades (“floor and four more”).
• O tratamento definitivo do choque hemorrágico é a PARADA DO SANGRAMENTO. A
reposição volêmica só será efetiva se associada ao controle da perda sanguínea.

19
REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR
Sofia Tokars Kluppel

Chefe do SIATE – LiAT – 2020/2021

Orientador Dr. Akihito Inca Atahualpa Urdiales

A parada cardiorrespiratória (PCR) é definida como a perda abrupta da consciência,


causada pela falta de um fluxo sanguíneo cerebral adequado. O treinamento em suporte
básico de vida (SBV) e em suporte avançado de vida (SAV) é essencial para a
abordagem aos pacientes em PCR no ambiente extra e intra-hospitalar, respectivamente.
No ano de 2020, a American Heart Association (AHA), como de costume, atualizou suas
diretrizes e levou em consideração alguns cuidados extras devido à pandemia do Covid-19.

É muito importante que o SBV seja iniciado imediatamente por socorristas leigos.
A Reanimação cardiopulmonar (RCP) feita por leigos deve ser iniciada na SUSPEITA de
PCR (o risco de dano é baixo se o paciente não estiver em parada). Por isso a importância
da educação e conscientização da população.

Observação: com a nova diretriz, a proteção individual da equipe e socorristas


é prioritária e indispensável:

Caso a PCR ocorra no intra-hospitalar, a equipe deve estar com todos equipamentos de
proteção individual (EPI) recomendados para procedimentos com geração de aerossol
(máscara N95, gorro, luvas, óculos ou protetor facial e avental) antes de iniciar o
atendimento a esses pacientes.
Se a PCR ocorrer no extra-hospitalar, tanto o socorrista quanto a vítima devem estar
usando máscara. Se não houver máscaras disponíveis, a via aérea deve ser bloqueada de
alguma forma - com panos, roupas, etc. O uso de luvas não é obrigatório, e as mãos devem
ser higienizadas após o término da reanimação.

A abordagem do paciente em PCR deve ser feita seguindo alguns passos:

1. Reconhecimento da segurança do local:

Se o local não for seguro, torne o local seguro ou remova a vítima para um local
seguro.

2. Reconhecimento da parada cardiorrespiratória (PCR) – ausência de respiração


e circulação:
a. Checar responsividade (chamar e tocar os ombros).
b. Designar uma pessoa para chamar ajuda (SAMU – 192) e obter um desfibrilador externo
automático (DEA).

20
c. Checar ausência de respiração (observar se não há elevação do tórax por 10 segundos)
ou respiração ofegante (gasping).
d. Checar pulso carotídeo por até 10 segundos - socorristas leigos não devem checar
pulso.
3. Iniciar ciclo de 30 compressões e duas ventilações

Compressões torácicas

• Posicione-se ao lado da vítima e mantenha seus joelhos com certa distância um do outro
para que tenha melhor estabilidade.
• Afaste ou, se uma tesoura estiver disponível, corte a roupa da vítima que está sobre o
tórax para deixá-lo desnudo.
• Coloque a região hipotenar de uma mão sobre o esterno da vítima e a outra mão sobre
a primeira, entrelaçando-a.
• Estenda os braços e posicione-os cerca de 90º acima da vítima.
• Comprima na frequência de 100 a 120 compressões/minuto.
• Comprima com força, com profundidade de pelo menos 5 cm.
• Permita o retorno completo do tórax após cada compressão, sem retirar o contato das
mãos com o mesmo.
• Minimize interrupções das compressões.
• Reveze com outro socorrista, a cada dois minutos, ou antes se for preciso, para evitar a
fadiga e compressões de má qualidade.

Figura 5 – Manobra de RCP.

Ventilação

• PCR em um paciente sem via aérea avançada (proporção de 30 compressões para 2


ventilações):
• O acesso invasivo da via aérea deve ser priorizado (no entanto, as compressões
torácicas devem ser mantidas enquanto o material é preparado);
• A hipóxia é a principal causa de PCR nos pacientes com COVID-19;

21
• Não fazer: ventilação boca a boca ou uso da máscara de bolso;
• Evite: ventilação com bolsa-válvula-máscara ou bolsa-tubo endotraqueal, devido
ao elevado risco de aerossolização e contaminação da equipe, além da efetividade
não ser superior à da ventilação mecânica, conforme evidências disponíveis atuais;
• E se existir absoluta necessidade de ventilação com bolsa-válvula-máscara?
Faça a vedação da máscara com a técnica envolvendo dois profissionais, utilize
cânula orofaríngea e instale um filtro HEPA entre a máscara e a bolsa.

Observação: A intubação traqueal deve ser feita desde a primeira tentativa,


preferencialmente com uso da videolaringoscopia.

• PCR em um paciente com via aérea avançada (1 ventilação a cada 6 segundos - 10


ventilações/min + compressões torácicas contínuas):
• Utilizar capnografia quantitativa com forma de onda - se PETCO2 baixo ou caindo,
reavaliar qualidade da RCP
• Mantenha o paciente conectado ao ventilador (circuito fechado);
• Ajuste a Fração Inspirada de Oxigênio (FiO2) para 100%;
• Ajuste o modo ventilação controlada a volume (VCV), objetivando 6 ml/kg de peso
predito;
• Coloque a sensibilidade no valor máximo permitido pelo equipamento;
• Ajuste a frequência respiratória em 10 a 12 rpm;
• PEEP zero;
• Alarme de pressão de pico em 60 cmH20

4. Desfibrilação
• Ligue o aparelho apertando o botão ON - OFF (alguns aparelhos ligam automaticamente
ao abrir a tampa).
• Conecte as pás (eletrodos) no tórax da vítima, observando o desenho contido nas
próprias pás, mostrando o posicionamento correto das mesmas:

Figura 6 – Posicionamento das placas do DEA.

22
• Encaixe o conector das pás (eletrodos) ao aparelho.
• Quando o DEA disser "analisando o ritmo cardíaco, não toque no paciente", solicite que
todos se afastem e observe se há alguém tocando na vítima, inclusive se houver outro
socorrista aplicando RCP.
• Se o choque for indicado, o DEA dirá "choque recomendado, afaste-se do paciente". O
socorrista que estiver manuseando o DEA deve solicitar que todos se afastem, observar
se realmente não há ninguém (nem ele mesmo) tocando a vítima e, então, pressionar o
botão indicado pelo aparelho para aplicar o choque.
• A RCP deve ser reiniciada pelas compressões torácicas, imediatamente após o choque.
A cada dois minutos, o DEA analisará o ritmo novamente e poderá indicar outro choque,
se necessário. Se não indicar choque, reinicie a RCP imediatamente, caso a vítima não
retome a consciência.
• Mesmo se a vítima retomar a consciência, o aparelho não deve ser desligado e as pás
não devem ser removidas ou desconectadas até que o Serviço Médico de Emergência
(SME) assuma o caso.
• Se não houver suspeita de trauma e a vítima já apresentar respiração normal e pulso, o
socorrista poderá colocá-la em posição de recuperação, porém deverá permanecer no
local até que o SME chegue.

23
ALGORITMO DE RCP PARA ADULTOS

24
Retorno da circulação espontânea (RCE)

• Pulso e pressão arterial;


• Aumento abrupto prolongado na PETCO2 (tipicamente 40mmhg ou mais);
• Ondas de pressão arterial espontânea com monitoramento intra arterial.

Causas reversíveis de PCR:

• Hipovolemia
• Hipóxia
• Hidrogênio (acidose)
• Hipo/hipercalemia
• Hipotermia
• Tensão do tórax por pnemotórax
• Tamponamento cardíaco
• Toxinas
• Trombose coronária
• Trombose pulmonar

25
TRAUMA TORÁCICO E DRENAGEM DE TÓRAX
Jaqueline Zwierzikowski

Secretária LiAT – 2020/2021 e Coordenadora da LiAT – 2021/2022

Orientador Dr. Adonis Nasr

Trauma Torácico

O trauma torácico é uma causa importante de mortalidade, porém grande


porcentagem dessas mortes pode ser prevenida mediante diagnóstico e conduta precoce.
Em todos os pacientes vítimas de trauma torácico a avaliação inicial deve começar com as
vias aéreas, seguida da ventilação e circulação. A correção dos problemas encontrados
deve ser imediata à sua identificação.

O manejo das vias aéreas já foi previamente descrito no seu respectivo capítulo.
Importante lembrar que o trauma torácico acompanha lesões em topografia alta como
traqueia e laringe, comuns em mecanismo contuso direto ao pescoço, luxação/fratura de
clavícula e ombro e desaceleração, além da laceração, ruptura e cavitação causados
ferimentos de arma de fogo.

Os pacientes com lesão de árvore traqueobrônquica podem apresentar hemoptise,


enfisema subcutâneo cervical, pneumotórax hipertensivo, cianose, e mesmo após inserção
de dreno torácico, falha de reexpansão pulmonar e/ou vazamento contínuo de ar. A garantia
de permeabilidade de vias aéreas é essencial através de uma via aérea definitiva (dificultada
pela perda de anatomia, deve-se utilizar um fibrobroncoscópio para intubação ou
traqueostomia). O diagnóstico definitivo deve ser realizado com broncoscopia.

A avaliação torácica completa inclui a avaliação de mobilidade da caixa torácica e


sua simetria, a presença (ou ausência) de sons respiratórios, palpação (identificação de
sensibilidade, crepitação, defeitos de anatomia), padrão respiratório, além dos dados vitais
de saturação de oxigênio e frequência respiratória.

Durante a avaliação primária, três condições ameaçadoras à vida têm como


imperativo seu reconhecimento e tratamento imediato: o pneumotórax hipertensivo,
pneumotórax aberto e hemotórax maciço.

O pneumotórax hipertensivo é quando se estabelece uma válvula unidirecional


através da parede torácica através da qual o ar entra na cavidade pleural. A alta pressão
intrapleural desloca contralateralmente o mediastino, diminuindo o retorno venoso e
comprimindo o pulmão oposto. O diagnóstico deve ser clínico. O quadro se caracteriza por
dispneia, dor torácica, distress respiratório, taquicardia, hipotensão, desvio contralateral da
traqueia, ausência de murmúrios vesiculares no hemitórax afetado, distensão de veias

26
jugulares, cianose. A percussão hipertimpânica, traqueia desviada, veias jugulares
distendidas e ausência de sons respiratórios são os sinais mais clássicos de pneumotórax
hipertensivo. Importante avaliar oximetria e se disponível, eFAST para auxiliar o diagnóstico.

Seu tratamento deve ser imediato com descompressão torácica por agulha calibrosa
no quinto espaço intercostal anteriormente a linha axilar média convertendo o pneumotórax
hipertensivo em pneumotórax simples. Em seguida drenagem torácica fechada em selo
d’água.

O Pneumotórax aberto é caracterizado por uma lesão aberta na parede torácica, que
se acima de ⅔ do diâmetro da traqueia, será a via de preferência de entrada aérea levando
a distúrbio ventilatório com hipóxia e hipercapnia. Seus sinais clínicos são dor torácica,
dispneia, taquipneia, ausência de murmúrio
vesicular no hemitórax afetado e movimento aéreo
através da parede torácica. O tratamento é de igual
forma mandatório e imediato, com um curativo de
três pontas para instaurar um mecanismo de valva
através da qual o ar saia durante a expiração e haja
selamento do curativo durante a inspiração.
Realizar drenagem torácica o mais precoce
possível. Figura 7 – Curativo de três pontas.

Hemotórax maciço resulta do acúmulo de mais de 1500 mL de sangue ou 1/3 da


volemia do paciente na cavidade torácica geralmente causado por laceração dos vasos
sistêmicos ou hilares. Sua suspeita deve ser imediata na presença de choque associado a
ausência de sons aéreos no hemitórax afetado e macicez a percussão. A conduta imediata
é de descompressão da cavidade e restauração da volemia: estabelecer acesso intravenoso
calibroso e iniciar a infusão de cristaloide e transfusão sanguínea seguido de drenagem
torácica com dreno (28 ou 32 Fr) no quinto espaço intercostal anterior a linha axilar média.
Indicações de toracotomia imediata são: retorno imediato de 1500mL ou mais, perda
sanguínea contínua de 200mL/h por 2-4horas e necessidade persistente de transfusão
sanguínea.

O tamponamento cardíaco caracteriza um acúmulo de fluido no saco pericárdico que


comprime o músculo cardíaco e impede o retorno venoso bem como reduz o débito. Pode
resultar de trauma contuso ou penetrante e se desenvolver sutil e progressivamente ou de
forma aguda. Sua tríade clássica: bulhas cardíacas abafadas (difícil identificar me meio ao
barulho da sala de emergência), hipotensão e distensão jugular (podem estar ausentes por
hipovolemia). O FAST pode ser utilizado para auxiliar no diagnóstico com 95% de acurácia
na identificação de fluido pericárdico nas mãos de um operador experiente. Lembrar que
pneumotórax e hemotórax podem estar associados dificultando o diagnóstico por isso é

27
necessário um alto nível de suspeição. A conduta deve ser uma toracotomia ou esternotomia
de emergência, e na ausência de um cirurgião qualificado, como último recurso, pode-se
tentar uma pericardiocentese para aspirar o sangue do saco pericárdico, porém, são comuns
e graves as complicações com a tentativa deste procedimento às cegas.

Figura 8 – Tamponamento Cardíaco. A – Coração normal; B- Tamponamento cardíaco com


preenchimento do saco pericárdio por sangue. C- Ultrassom com imagem de tamponamento cardíaco..

Excluídas as lesões supracitadas que apresentam ameaça imediata à vida


passamos para a identificação de outras lesões que são potencialmente ameaçadoras à
vida, mas que podem não ter sido propriamente avaliadas primariamente. Na avaliação
secundária devemos buscar estas condições através de um exame físico mais detalhado,
eletrocardiograma, oximetria, gasometria arterial, radiografia simples e tomografia
computadorizada.

Tabela 2 - Lesões potencialmente ameaçadoras à vida.

Lesões Potencialmente Ameaçadoras à Vida


Pneumotórax simples Hemotórax
Tórax instável Contusão pulmonar
Trauma cardíaco contusa Dissecção traumática de aorta
Lesão traumática de diafragma Ruptura esofágica

Trauma penetrante ou contuso pode resultar em acúmulo de ar na cavidade pleural,


caracterizando um pneumotórax simples. É comum que o parênquima mal oxigenado seja
causa de distúrbio de ventilação-perfusão e queda da condição clínica do paciente.
Inspecionar contusões, escoriações e hematomas que indiquem a intensidade e topografia
do trauma, ausculta diminuída no hemitórax afetado e percussão hipertimpânica que
possam sugerir pneumotórax simples. Todo pneumotórax é tratado com inserção de dreno
torácico (32 ou 28 Fr) fechado em sela d’água no quinto espaço intercostal anteriormente a
linha axilar média, exceto se a equipe do trauma definir o pneumotórax como pequeno e não
clinicamente relevante o suficiente para justificar uma drenagem torácica, decidindo pela

28
conduta conservadora. Após drenagem, sempre realizar radiografia de controle para
confirmar posicionamento e reexpansão pulmonar.

O hemotórax é o acúmulo sanguíneo de sangue em cavidade pleural (não se


enquadrando nos critérios de hemotórax maciço previamente discutidos). Pode ser causado
por laceração pulmonar, de vasos intercostais, vasos da base, ou artéria mamária interna.
O sangramento geralmente e autolimitado. Na avaliação, expor as regiões torácica e
cervical, avaliar a presença de lesões penetrantes, avaliar ausculta bilateralmente
(diminuída em lado afetado) e macicez a percussão pode ser percebida. O FAST estendido
pode ajudar na avaliação e a radiografia simples também. Um hemotórax grande o suficiente
para aparecer nos métodos de imagem deve ser devidamente avaliado e drenado com
monitoramento da quantia drenada pela equipe para necessidade de intervenção.

A popularização do uso da tomografia computadorizada resultou na identificação de


lesões antes não suspeitadas ou diagnosticadas, como pneumotóraces e hemotóraces
subclínicos. O tratamento destes quadros deve ser discutidos entre a equipe.

Tórax instável define-se por duas ou mais fraturas adjacentes em dois ou mais
regiões. Pode ocorrer também por separação costocondral de um único arco costal.
Observação de movimentação anormal da caixa torácica e crepitação por fraturas pode
indicar o diagnóstico.

Figura 9 – Tórax Instável . A – Tórax instável por fraturas múltiplas. B- Tórax instável por separação costocondral.

A contusão pulmonar é causada pelo acúmulo de sangue e outros fluídos no


parênquima interferindo na oxigenação sanguínea e resultando em insuficiência respiratória.
Ocorre com ou sem fraturas de arcos costais associadas. Um tórax instável, associado a
contusão pulmonar e atelectasia, limita a movimentação da parede torácica e dificulta o
processo ventilatório.

O tratamento do tórax instável e da contusão pulmonar é administração de oxigênio


suplementar (ou IOT se SatO2 < 90%), administração cuidadosa de fluidos e analgesia para

29
melhorar a ventilação. Manter uma avaliação cuidadosa da frequência respiratória,
saturação de oxigênio e movimentação ventilatória deste tipo de paciente.

A lesão cardíaca por mecanismo


contuso é comum em acidentes
automobilísticos, atropelamentos e quedas
de grandes alturas. Tais mecanismos de
trauma podem causar contusão cardíaca,
ruptura de câmara cardíaca, dissecção ou
trombose coronária e ruptura valvar. Seu
diagnóstico é nebuloso, visto que o paciente
pode apresentar uma dor torácica difusa,
hipotensão e arritmias que podem ter outras
etiologias. O diagnóstico definitivo só é
Figura 10 – Ruptura de aorta.
possível mediante inspeção do miocárdio
lesionado. O eletrocardiograma pode mostrar alterações de infarto agudo, contrações
ventriculares prematuras, fibrilação atrial, bloqueio de ramo, alterações de segmento ST.

O paciente vítima de trauma contuso cardíaco deve ser monitorado para


anormalidades eletrocardiográficas nas primeiras 24 horas.

Mecanismos de desaceleração como acidentes automobilísticos ou quedas de


grandes alturas são comuns causadores de dissecção traumática de aorta. Maior parte dos
pacientes evoluem a óbito na cena e os que sobrevivem, comumente tem uma laceração
incompleta no ligamento arterial, com camada adventícia preservada mantendo
continuidade e/ou hematoma tamponante prevenindo exsanguinação e morte. Uma
característica comum a todos os sobreviventes é a presença de um hematoma tamponante
e a ausência de sinais e sintomas específicos.

A história de desaceleração deve levar a uma alta suspeição e a avaliação


radiográfica simples pode ter alguns achados sugestivos: alargamento de mediastino,
obliteração do arco aórtico, desvio traqueal para a direita, depressão do brônquio principal
esquerdo, elevação do brônquio principal direito, desvio esofágico, alargamento da faixa
paratraqueal, hemotórax a esquerda e fraturas de primeiro ou secundo arcos costais e
escápula.

A tomografia computadorizada é um método de maior eficácia, com sensibilidade e


especificidade de aproximadamente 100% e se esta apresentar resultado negativo para
hematoma mediastinal e ruptura aórtica, não é necessário prosseguir com avaliação.

Caso identificada a lesão, iniciar analgesia e metas para os parâmetros


cardiovasculares de FC< 80 bpm e PAM 60-70mmHg com uso de beta bloqueador de ação

30
curta, no caso de falha ou contra indicação deste, bloqueador de canal de cálcio, e em falha
deste, nitroglicerina ou nitroprussiato. O tratamento é por intervenção da equipe cirúrgica
qualificada, via aberta ou endovascular.

Lesão traumática de diafragma são comuns no lado esquerdo já que o lado direito é
protegido pelo fígado, e são geralmente identificadas na radiografia de tórax ou tomografia
computadorizada por deslocamento de alças intestinais, estomago ou sonda nasogástrica
para a cavidade torácica. A cúpula diafragmática elevada pode ser o único achado na lesão
direita.

Se a lesão for suspeitada, porém não presente nos exames radiológicos, utilizar
estudo contrastado do trato gastrointestinal alto. Procedimentos minimamente invasivos
como laparoscopia ou toracoscopia podem fornecer o diagnóstico, assim como cirurgias
para lesões abdominais que permitam a visualização. O tratamento é o reparo direto.

A lesão esofágica é comum no trauma penetrante. No trauma fechado é rara, e


quando presente acontece pelo mecanismo de expulsão bruta do conteúdo gástrico pelo
impacto em andar superior de abdome. Deve-se ter alta suspeição em casos de paciente
com pneumotórax a esquerda, ar mediastinal, ou hemotórax sem fraturas de arcos costais
que sofreu mecanismo direto em epigástrio. A conduta deve ser drenagem de cavidade
pleural e mediastino com reparo da lesão.

Por fim, outras lesões que não são ameaçadoras a vida mas que podem causar
significante morbidade devem ser avaliadas.

O enfisema subcutâneo resulta por lesão de via aérea, parênquima pulmonar ou


trauma direto. Sua importância se dá por indicar a presença de lesões adjacentes. Deve-se
identificar e tratar a causa de base.

Os arcos costais são as estruturas mais comumente lesadas na caixa torácica e


fraturas destas estruturas resultam em dor intensa a movimentação torácica, prejudicando
a ventilação, oxigenação e expectoração. Fraturas de esterno, primeiro, segundo e terceiro
arcos costais devem chamar atenção pela topografia e sendo estruturas fortemente
protegidas, fraturas indicam mecanismo de grande intensidade que ter resultado em lesões
associadas em cabeça, pescoço, coluna vertebral, pulmões e grandes vasos. Fraturas de
esterno e clavícula são comuns em trauma direto, geralmente com contusão pulmonar e
cardíaca associadas.

Os arcos costais médios – de 4 a 9- são os mais afetados no trauma fechado pela


compressão anteroposterior que aumenta a pressão no sentido laterolateral e resulta em
fratura na linha média. Sempre se atentar para possíveis lesões intratorácicas causadas
pelas extremidades ósseas fraturadas. O paciente jovem tem uma estrutura óssea mais

31
resistente e flexível, portanto, presença de múltiplas fraturas em jovem indica mecanismo
de grande intensidade. Fraturas em arcos costais baixos
– de 10 a 12- aumentam a suspeição para lesão em
hepatoesplênica.

Presença de dor localizada, sensibilidade a


palpação, crepitação e deformidade visível são
indicadores de fraturas de arcos costais. A avaliação deve
ser feita por radiografia de tórax para identificação
primariamente de lesões intratorácicas associadas e em
segundo plano identificação das fraturas. A conduta Figura 11 – Sistema de drenagem com
nível líquido.
tende a ser conservadora com manejo analgésico para
propiciar ventilação adequada. Reparo por intervenção cirúrgica em fraturas de esterno e
escápula pode ser indicado após avaliação da equipe do trauma.

Drenagem de Tórax

A drenagem pleural é largamente utilizada no atendimento do trauma. Permite


reestabelecer as pressões negativas no espaço pleural. O procedimento é relativamente
simples, mas deve ser bem empregado e realizado pela possibilidade complicações.

A entrada e saída de ar é dependente do gradiente de pressão gerado pela


movimentação da caixa torácica. O gradiente presente no espaço pleural permite que os
pulmões permaneçam expandidos. A pressão pleural na expiração é de -4 cm de H2O e vai
a -8cm de H2O na inspiração. Quando há acumulo de ar ou fluidos na cavidade pleural há
um desequilíbrio desse sistema que gera colapso pulmonar e insuficiência respiratória.

O procedimento é utilizado em diversas especialidades médicas e por inúmeras


causas. Traumas, atos cirúrgicos e doenças pleurais podem provocar acúmulo de gás ou
líquido na cavidade pleural e nestas situações a drenagem está indicada.

Características do Sistema de Drenagem

O sistema de drenagem é composto por:

• Dreno de tórax
o Tubular multiperfurado: maior superfície de drenagem e menor chance de
obstrução;
o Siliconizado: dificulta aderência de coágulos
o Consistência firme: menor chance de colapsar e formar coágulos
o Calibre em adultos: segundo o ATLS 10 edição, 28 – 32 Fr.
o Calibre em crianças: de 16 – 22 Fr.
• Conexões intermediárias e extensões

32
• Frasco selo d’água

o Frasco de plástico transparente e graduado para permitir o controle do volume


drenado.
o Conexão e respiro de calibre adequado
o Nível líquido funcionando como válvula no sistema, cobrindo os 2cm distais do tubo
do frasco selo d’água.

Técnica de Drenagem Torácica Fechada em Selo D’água

Segundo o ATLS a drenagem torácica tanto para pneumotórax quanto para


hemotórax deve ser em quinto espaço intercostal anterior a linha axilar média.

• Informar paciente sobre o motivo e as etapas do procedimento


• Paciente em decúbito dorsal
• Antissepsia do hemitórax a ser drenado
• Anestesia local com lidocaína do plano da pele até o arco costal e a pleura na região
a ser incisada
• Lavagem cirúrgica das mãos e paramentação
• Colocação de campos estéreis
• Incisão da pele no lado afetado na altura do 5º espaço intercostal anterior a linha
axilar média de aproximadamente 2 cm paralela aos arcos costais na margem
superior da costela inferior. Incisa-se, posteriormente, a fáscia da musculatura.
• Divulsiona-se sempre na porção superior da costela inferior com auxilio de pinças
(pinça Kelly mais comumente usada).
• Proceder com a abertura do espaço pleural com a pinça Kelly
o Se atentar a devida abertura da cavidade pleural, verificando a topografia e
liberando a região de entrada do dreno com a inserção do dedo indicador e
exploração, verificando se há aderências e desfazendo-as.
o Se atentar para que o dreno não seja inserido em camada subcutânea ou
muscular.
o O dreno, pinçado, é inserido superior e posteriormente com posicionamento
póstero-superior
• Após a conexão do dreno ao sistema, deve haver oscilação na coluna líquida.
• Fixação do dreno de tórax a pele com ponto em U e nó em bailarina com fio
absorvível em torno do dreno sem transfixa-lo.
• Aplicar curativo sobre a ferida.
• Conferir o sistema de drenagem a oscilação do dreno.

33
• Realização de radiografia simples de tórax para controle de posicionamento do
dreno e reexpansão pulmonar.

Cuidados Pós-procedimento

• Cuidados gerais da ferida


• Troca do líquido do frasco: no mínimo, uma vez ao dia (pinçando o dreno,
desconectando a tampa e esvaziando).
• Controle da drenagem: volume drenado por unidade de tempo e aspecto do líquido.
• Monitoramento pela equipe do momento de retirado do dreno.

Complicações

• Localização incorreta do dreno (no subcutâneo ou na musculatura).


• Contaminação da cavidade pleural.
• Lesão acidental de estruturas torácicas adjacentes.
• Hemorragia significativa por lesão de vasos intercostais (inclusive por exploração
digital).
• Lesão de nervo intercostal, resultando em neurite ou nevralgia.
• Retirada incorreta (por exemplo, pedindo para o paciente inspirar na retirada).

34
TRAUMA ABDOMINAL E PÉLVICO
Gabriela Caetano Lopes Martins

Diretora de Projetos Externos LiAT – 2020/2021/2022

Orientadora Drª Silvania Klug Pimentel

Anatomia

O abdome é dividido em abdome anterior, toracoabdome, flanco e dorso (Figura 12).

Figura 12 – Anatomia do abdome. Da esquerda para a direita: abdome anterior e


toracoabdome, flanco e dorso.

As vísceras ocas são conteúdos do abdome anterior. O toracoabdome tem como


conteúdo o diafragma, fígado, baço e estômago. O flanco e dorso abrigam o espaço
retroperitoneal, onde estão aorta abdominal, veia cava inferior, maior parte do duodeno,
pâncreas, rins e ureteres, porções posteriores dos cólons ascendente e descendente e
componentes retroperitoneais da cavidade pélvica.

A pelve, por sua vez, abriga o reto, a bexiga, os vasos ilíacos e os órgãos
reprodutores femininos.

Mecanismo de Trauma

Trauma contuso: O trauma que ocorre por impacto direto sem solução de continuidade,
por exemplo pela compressão do abdome contra o volante em um acidente automobilístico.
Esse mecanismo pode levar a compressão e esmagamento de vísceras ou ossos pélvicos.
Outra forma de lesão no trauma contuso é por cisalhamento, quando ocorre uma
desaceleração. Nesse caso, a movimentação das partes fixas e móveis dos órgãos é
diferente, o que pode levar a lesões como a laceração do fígado ou do baço.

Em acidentes automobilísticos devem ser coletados dados como a velocidade do veículo no


momento da colisão, o tipo da colisão, se entrou algo dentro do veículo, o uso de aparelho
de retenção, a presença de airbag, a posição do veículo e a situação dos outros ocupantes.
Em quedas de outro nível (QON), a altura deve ser averiguada.

35
Trauma penetrante: Aqui estão incluídos os ferimentos por arma branca (FAB),
empalamento e os ferimentos por arma de fogo (FAF). As lesões serão dependentes do
trajeto e energia.

São dados importantes o tempo decorrido desde o trauma, o tipo de arma, a distância do
agressor (FAF), número de FAFs ou FABs e a quantidade de sangue na cena.

Explosão: Nesse tipo de trauma há uma soma dos mecanismos penetrante e contuso. É
importante lembrar das lesões por pressão em membranas timpânicas, pulmão e intestino.

Exame Físico Abdominal

A busca de lesões em abdome e pelve, que possam causar hemorragia, faz parte
da avaliação inicial da circulação do paciente traumatizado. Todo paciente vítima de trauma
direto, desaceleração, explosão ou ferimento penetrante em torso deve ser considerado
portador de lesão de víscera abdominal, vascular ou em pelve até que se prove o contrário.

O exame físico abdominal deve seguir a ordem inspeção, ausculta, percussão e


palpação. Entre os possíveis achados estão sinais de lesão por cinto de segurança,
lacerações, lesões penetrantes, corpos estranhos, evisceração e útero gravídico.

Uma consideração importante é que esse exame pode ser prejudicado pela
presença de abdome em defesa voluntária, devido a dor a palpação superficial (de parede).
Esta deve ser diferenciada da dor a palpação profunda (abdome em defesa involuntária)
que é um sinal de peritonite.

O tratamento conservador pode ser considerado em casos de estabilidade


hemodinâmica e ausência de peritonite e evisceração.

Atenção: O abdome deve ser constantemente reavaliado! A realização de um exame físico


normal não exclui a presença de lesões.

Exame Físico Pélvico

Fraturas pélvicas podem causar sangramentos volumosos. Hipotensão sem outras


causas identificadas pode ser o primeiro sinal dessa condição. Frente a essa suspeita, a
estabilização mecânica da pelve deve ser realizada, de forma a reduzir o volume pélvico e
controlar a perda sanguínea. Essa estabilização pode ser realizada com a colocação de um
lençol na altura dos trocânteres femorais maiores (Figura 13).

36
Figura 13 – Estabilização da pelve com lençol.

Outras lesões comumente associadas e sinais indicativos de fratura de pelve são:


sinais de ruptura da uretra (hematoma escrotal ou sangue no meato uretral), membros
inferiores com comprimentos diferentes, deformidade rotacional de membro inferior sem
outras fraturas óbvias e dor a palpação óssea. Para o diagnóstico é necessário um raio-x
antero-posterior (RX AP) de pelve.

À inspeção, a presença de laceração em períneo, vagina, reto ou nádegas em um


trauma fechado deve levantar a suspeita de uma fratura de pelve aberta.

Atenção: Evitar a manipulação da pelve! A mobilização de coágulos pode levar a


hemorragia. A dor a palpação leve pode fornecer informação suficiente para suspeitar de
fratura.

Exames Complementares

Os exames complementares não devem atrasar a transferência de um paciente se


esta for necessária.

Raio-x (RX)

• RX AP DE TÓRAX: Pacientes hemodinamicamente estáveis. Investigação de


hemotórax, pneumotórax, presença de ar intra ou retroperitoneal.
• RX AP DE PELVE: Para buscar fonte de sangramento ou se há suspeita de fratura
de pelve. Se paciente está consciente, alerta e não apresenta dor em pelve, não é
necessário.

Lavagem peritoneal diagnóstica (LPD)

• INDICAÇÕES: Vítima de trauma fechado com instabilidade hemodinâmica ou de


trauma penetrante se não há outra indicação de laparotomia imediata. Exame cada
vez menos utilizado, em locais com tomografia computadorizada (TC) ou FAST
disponíveis, por ser invasivo e depender de habilidades cirúrgicas.

37
• INTERPRETAÇÃO: Aspiração de conteúdo gastrointestinal, fibras vegetais, bile ou
10 ml ou mais de sangue são indicações de laparotomia.

FAST (“Focused Assessment with Sonography for Trauma”)

• JANELAS: 1) espaço hepatorrenal; 2) espaço esplenorrenal; 3) pelve (fundo de saco


de Douglas); 4) saco pericárdico (Figura 14A).
o eFAST (FAST estendido): inclui avaliação da cavidade torácica (pontos 2, 3,
5, 6 – Figura 14B).

Figura 14 – Pontos anatômicos de avaliação do FAST (A) e eFAST (B).

• INDICAÇÕES DO FAST: 1) instabilidade hemodinâmica em traumas fechados


(indicação de eFAST também); 2) traumas penetrantes sem outras indicações de
laparotomia imediata. A indicação clássica do FAST, é para aqueles casos de
pacientes instáveis, porém por ser um exame rápido e disponível, pode ser feito
conjuntamente com a avaliação inicial mesmo em pacientes estáveis.
• RESULTADO: presença ou ausência de fluido em cavidade e de pneumotórax
(eFAST).

Tomografia Computadorizada (TC)

• INDICAÇÕES: 1) pacientes estáveis hemodinamicamente; 2) lesão penetrante em


dorso ou flanco sem outras indicações de laparotomia imediata.
• RESULTADO: evidencia lesão de órgão específico e qual a extensão da lesão.
Possibilita o diagnóstico de lesões em pelve e retroperitônio.

Outros exames

• Laparoscopia diagnóstica: a necessidade de anestesia geral limita seu uso.


• Estudos contrastados: uretrografia, cistografia, pielograma intravenoso e estudos
contrastados do trato gastrointestinal.

38
Indicações de Laparotomia

• Trauma abdominal fechado com hipotensão associado a FAST positivo ou evidência


clínica de sangramento intraperitoneal (ou sem outra fonte de sangramento).
• Hipotensão com ferida abdominal que penetre a fáscia anterior.
• FAF que entre na cavidade abdominal (lesões exclusivas de vísceras maciças
podem ser manejadas conservadoramente em pacientes estáveis).
• Evisceração.
• Trauma penetrante seguido de sangramento do estômago, reto ou trato
genitourinário.
• Peritonite.
• Presença de ar livre, ar em retroperitônio ou ruptura de hemidiafragma.
• TC com contraste que demonstre TGI roto, lesão de bexiga intraperitoneal, lesão de
pedículo renal ou lesão grave de parênquima visceral.
• Achado em LPD.

Lesões Específicas

Rotura de diafragma: em traumas fechados são mais comuns em hemidiafragma esquerdo.


Deve ser suspeitada em toda lesão penetrante na região toracoabdominal.

Rotura de duodeno: lesão clássica em pacientes com traumas diretos em abdome, como
motoristas sem cinto de segurança que sofrem colisão com impacto frontal com o volante
ou usuários de cinto de segurança abdominal.

Pâncreas: trauma direto em epigástrio pode levar a lesão de pâncreas devido a compressão
do órgão contra a coluna vertebral. Isso pode ocorrer, por exemplo, com o uso de cinto de
segurança abdominal ou com queda sobre o guidão da bicicleta em crianças.

Trato genitourinário: contusões, hematomas e equimoses de dorso ou flanco são


indicadores de possível lesão renal subjacente. Hematúria visível é uma indicação para
realização de exame de imagem (TC ou pielografia intravenosa).

Vísceras ocas: em trauma fechados, a lesão intestinal costuma ser por desaceleração, com
uma rotura próxima a um ponto fixo da víscera. São sinais que devem levantar a suspeita
de lesão intestinal: sinal do cinto de segurança e fratura de Chance (fratura vertebral
causada pelo mecanismo de flexão-distração).

Vísceras sólidas: são fígado, baço e rim. Lesões desses órgãos que causem choque,
anormalidade hemodinâmica ou hemorragia contínua são indicações de laparotomia. Em
pacientes estáveis, muitas vezes é possível optar pelo tratamento conservador.

39
Pontos Importantes

Figura 15 – Fluxograma para utilização do FAST (CC – Centro cirúrgico).

• Trauma penetrante:
o Paciente instável tem indicação de laparotomia imediata.
o Evisceração, FAF que penetre cavidade ou sangramento de TGI ou TGU são
indicações de laparotomia imediata.
• Condições para poder considerar tratamento conservador: estabilidade
hemodinâmica, ausência de peritonite e ausência de evisceração.
• O abdome deve ser constantemente reavaliado.

40
TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
Bárbara Vieira Sardi

Chefe dos Acadêmicos do PS - 2019/2020 e Coordenadora LiAT - 2020/2021

Orientador Dr. Francisco Alves de Araujo Junior

O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) é o grande causador de aproximadamente


50% dos óbitos no trauma e sofrer um TCE é o principal fato isolado que determina
mortalidade nestes pacientes. A incidência é
Tabela 3 – Escala de coma de Glasgow (ECG).
maior em adultos jovens, especialmente do
ESCALA DE COMA DE GLASGOW sexo masculino, e condicionada a acidentes

Parâmetros Resposta observada Pontuação envolvendo veículos. Felizmente, o TCE

Espontânea 4 leve corresponde a 80% dos casos. Nesse

Ao estímulo verbal 3 grupo, apesar da história de desorientação,


Resposta
amnesia ou perda transitória da
ocular Ao estímulo doloroso 2
consciência, os pacientes se encontram
Nenhuma 1
alertas e falando normalmente na chegada
Orientada 5
ao hospital. Aproximadamente 10% dos
Confusa 4
Resposta TCEs são moderados e 10% são graves.
Palavras inapropriadas 3
verbal
Sons incompreensíveis 2 Para avaliar um paciente vítima de
Nenhuma 1 TCE, seguimos a sequência padrão do
Obedece comandos 6 ABCDE do trauma, protegendo a coluna
Localiza à dor 5 cervical, lesionada em 10% desses casos.
Movimento de retirada 4 Também devemos manter uma boa via

Resposta Flexão anormal aérea pérvia e corrigir alterações


3
motora (decorticação) hemodinâmicas diversas. Em seguida,

Extensão anormal realiza-se o exame neurológico voltado ao


2
(descerebração) trauma, contemplando a avaliação do nível

Nenhuma 1 de consciência (por meio da Escala de

TCE leve TCE moderado TCE grave Coma de Glasgow [ECG], indicando lesão
intracraniana), da função pupilar (por meio
13-15 9-12 3-8
do reflexo fotomotor e a simetria, com
alterações indicando aumento da pressão intracraniana) e déficits motores lateralizados
(observando a simetria dos movimentos).

41
Tabela 4 –Indicações de Tomografia Computadorizada de Crânio no TCE.

Indicações de Tomografia Computadorizada de Crânio no TCE


TCE moderado ou grave
ECG < 15 após duas horas do acidente
≥ 1 sinais de fratura de base de crânio
> 65 anos
> 2 episódios de vômitos
Suspeita da presença de fratura de crânio aberta ou com afundamento
Perda da consciência por > 5 minutos
Amnesia retrógrada por > 30min antes do impacto
Mecanismo perigoso de trauma, como ejeção do veículo, atropelamento, queda de uma
altura superior a cinco degraus de uma escada ou de 0,9 metros
TCE grave: Pupilas assimétricas, assimetria motora, fratura de crânio com
afundamento ou aberta com perda de líquor ou exposição cerebral, escore de Glasgow
≤8 ou queda maior que três pontos na reavaliação.

Sinais de lesão de massa cerebral (herniação de uncus) são midríase ipsilateral à


lesão, hemiplegia contralateral = herniação do uncus. Se houver hemiplegia ipsilateral à
lesão expansiva, estamos diante da síndrome de Kernohan. Essa síndrome é resultante
da compressão do pedúnculo cerebral contra o tentório do cerebelo.

Fraturas de Crânio

O diagnóstico de uma fratura no crânio deve ter avaliação imediata em busca de


uma lesão cerebral, pois há um risco maior de hematomas intracranianos nesses casos.
Entretanto, não é necessária uma fratura craniana para que existam lesões cerebrais.

Sinais de fratura de base de crânio: sinal de Battle, hemotímpano, sinal do guaxinim,


otorreia ou rinorreia de líquor.

Lesões Cerebrais Difusas

Concussão Cerebral: perda temporária da função neurológica, com amnésia retrógrada ou


confusão, associada muitas vezes à perda temporária da consciência. As manifestações
tendem a desaparecer de forma fugaz.

Lesão Axonal Difusa (LAD): ocorre com a ruptura de axônios, especialmente de estruturas
inter-hemisféricas e do mesencéfalo, e se manifesta por coma com duração de mais de seis
horas após TCE. É classificada como grave se tem duração superior a 24 horas, com sinais
de lesão de tronco encefálico – descerebração – sem evidências de hipertensão

42
intracraniana. A mortalidade, a depender do grau da lesão, é de 15 a 50%. O diagnóstico
pode ser confirmado pela Tomografia Computadorizada (TC) de crânio em 50% dos casos.

Lesões Focais

As lesões desse tipo encontram-se em determinado hemisfério, podendo exercer


efeitos de massa e desvio da linha média ou ter efeito de hipertensão craniana, a depender
de seu volume. Diferentemente das lesões difusas, geralmente está indicado tratamento
cirúrgico.

Hematoma subdural agudo: é o mais frequentemente encontrado – em até 30% dos TCEs
graves, sendo a causa mais comum de efeito de massa no trauma. Idosos, alcoólatras e
pacientes anticoagulados estão mais propensos a esse tipo de lesão. A forma mais comum
é a unilateral, ocorrendo em 80% das vezes, e a causa do sangramento abaixo da dura-
máter são veias pontes. É um sangramento venoso, portanto, que tem uma mortalidade de
até 60%. Pode haver alteração no nível de consciência, déficits focais, anisocoria, posturas
patológicas e alterações respiratórias. Se ocorre hipertensão intracraniana, esta pode se
desenvolver sob a forma da grave Síndrome de Cushing, com hipertensão arterial,
bradicardia e bradipneia. Na TC de crânio, o hematoma subdural agudo aparece como
imagem convexa hiperdensa, descrito como uma figura de “banana”. Se há desvio maior de
5 mm da linha média, tem-se indicação cirúrgica.

Hematoma epidural: menos frequente que o subdural,


ocorre em 9% dos pacientes em coma por TCE. O acúmulo
de sangue é decorrente de lesões dos ramos da artéria
meníngea média no osso temporal, sendo então o
sangramento geralmente arterial. Esse hematoma não
costuma vir acompanhado de grande dano ao córtex
cerebral subjacente, mas o aumento da pressão
intracraniana e a herniação das estruturas são complicações
graves. A história clássica do paciente com um hematoma
epidural é uma perda inicial da consciência pela concussão
Figura 16 – Hematoma epidural à direita
cerebral e sua recobrada em menos de seis horas, o famoso do paciente e hematoma subdural à
intervalo lúcido. Pode ocorrer também no hematoma esquerda do paciente.

subdural agudo, mas é mais frequente no epidural, com a piora neurológica súbita após o
tempo de acúmulo de sangue intracraniano. O hematoma caracteriza-se por lesão
hiperdensa à TC, biconvexa, descrito como um “limão”. As regiões temporal, temporoparietal
e frontotemporoparietal são as mais acometidas.

Contusão cerebral: consiste em hemorragias petequiais, edema e destruição tecidual


cortical. É mais encontrada nos lobos frontal e temporal, gerada pelo fenômeno de

43
desaceleração que o encéfalo sofre no crânio, em um mecanismo de golpe e contragolpe.
A gravidade do déficit neurológico varia conforme o tamanho da lesão, havendo a
possibilidade de cicatrizes tardiamente, que podem gerar epilepsia pós-traumática. Todos
os pacientes com contusão cerebral devem ter sua TC de crânio repetida em 24 horas, para
que seja identificada uma possível mudança no padrão do exame.

44
TRAUMA RAQUIMEDULAR
Bárbara Vieira Sardi

Chefe dos Acadêmicos do PS - 2019/2020 e Coordenadora LiAT - 2020/2021

Orientador Dr. Francisco Alves de Araujo Junior

O trauma raquimedular (TRM) sempre deve ser considerada em pacientes


politraumatizados, principalmente se acidentes automobilísticos, queda de altura, acidentes
esportivos e violência interpessoal. Ocorre principalmente em adultos jovens e é
predominante no sexo masculino.

Quando a lesão está presente, vemos a seguinte distribuição:

• 55% em região cervical;


• 15% em região torácica;
• 15% na transição tóraco-lombar;
• 15% em região lombossacra.

Naqueles pacientes sob suspeita de TRM, excessiva manipulação ou inadequada


restrição da coluna podem gerar dano neurológico adicional e piorar o desfecho do quadro.
A proteção espinhal não requer, entretanto, que o paciente fique por horas em tábua rígida,
devendo esta ser usada apenas no transporte. O repouso em posição supina sobre
superfície firme e precauções quando movimentação faz-se necessária são estratégias
suficientes para proteção.

Em pacientes acordados sem evidência de intoxicação


ou dores que causem distração, a ausência de dor na coluna
praticamente exclui lesão significativa medular. Já a avaliação
de pacientes comatosos ou com redução do nível de consciência
é mais complexa, sendo necessário exame de imagem
conclusivo.

Anatomia

As 33 vértebras formam o esqueleto de proteção à


medula espinal. Esse esqueleto é dividido da seguinte forma:

• 7 vértebras cervicais;
• 12 vértebras torácicas;
• 5 vértebras lombares;
Figura 17 – Divisão das vértebras na
• 5 vértebras sacrais; coluna.

• 4 vértebras coccígeas.

45
As vértebras apresentam variações de tamanho e
formato, mas são compostas pela estrutura básica de corpo
vertebral (1) que sustenta a coluna e apoia os discos
intervertebrais fibrocartilaginosos; forame do processo
transverso (2) por onde passam artérias vertebrais, plexos
venosos e simpáticos nas vértebras cervicais; processo
transverso (3); processo articular superior (4), que realiza a
sustentação intervertebral junto aos processos articulares
inferiores; forame vertebral (5) em que transita a medula
espinal; arco vertebral (6) já em região posterior); e processo
espinhoso (7), bifurcado (setas) ou não. Além disso, as Figura 18 – Estruturas de uma vértebra.

vértebras se mantêm alinhadas por diferentes ligamentos. Os


mais importantes são os ligamentos longitudinais (anterior e posterior), ligamentos
interespinhais, ligamentos supraespinhais e ligamentos amarelos.

A medula se origina a partir do bulbo no forame magno. Nos adultos, termina


aproximadamente na altura da vértebra L1, dando início à cauda equina. É composta por 31
pares de nervos espinhais (8 cervicais, 12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais e 1 coccígeo). O
primeiro par emerge entre o occípito e o C1, de modo que os demais nervos emergem
cranialmente a suas vértebras correspondentes até o primeiro segmento torácico, em que o
nervo espinhal emerge de forma caudal à vértebra correspondente. Além disso, a medula
apresenta duas áreas alargadas de onde saem as fibras responsáveis pela inervação dos
membros superiores e inferiores, sendo elas as intumescências cervical (C4 a T1) e
lombossacra (T11 a L1).

Dos tratos medulares, apenas três podem ser clinicamente avaliados: trato
corticoespinal lateral, trato espinotalâmico e trato dorsal (Tabela 5). Quando um
paciente não demonstra sensibilidade ou motricidade abaixo de certo nível, tem-se uma
lesão completa da medula espinal. Quando há algum grau de sensibilidade ou motricidade
abaixo do nível da lesão, esta é dita incompleta, de melhor prognóstico.

Tabela 5 – Avaliação clínica dos tratos da medula espinhal.

AVALIAÇÃO CLÍNICA DOS TRATOS DA MEDULA ESPINHAL


Trato Localização na medula Função Métodos de testagem
Contração voluntária de
Corticoespinal Anterior e lateral Controle motor ipsilateral músculos ou involuntária
em resposta à dor
Transmite dor e Teste com agulha
Espinotalâmico Anterolateral
temperatura contralateral (pinprick)

46
Localização dos dedos e
Propriocepção, vibração,
Dorsal Póstero-medial senso de vibração com
tato fino ipsilateral
diapasão

Tabela 6 – Dermátomos e miótomos.

DERMÁTOMOS MIÓTOMOS
Áreas da pele inervadas por axônios sensoriais de Músculos que representam um segmento nervoso
certo segmento nervoso. O nível sensitivo é o espinal. Os músculos devem ser testados e graduados
dermátomo mais inferior com função sensitiva na escala de força (0-5). O nível motor é o miótomo mais
preservada e pode ser diferente nos dois lados do inferior com função motora preservada (pelo menos 3 de
corpo. 6) e pode ser diferente nos dois lados do corpo.
• C5: deltoide
• C6: polegares
• C7: dedo médio • C5: bíceps (flexão do cotovelo)
• C8: dedo mínimo • C6: extensores do carpo
• T4: mamilo • C7: tríceps (extensão do cotovelo)
• T8: processo xifoide • C8: flexores dos dedos
• T10: cicatriz umbilical • T1: abdução dos dedos
• T12: sínfise púbica • L2: flexores do quadril
• L4: região medial da panturrilha • L3: extensores do joelho
• L5: espaço entre hálux e 2º dedo • L4: dorsiflexão do tornozelo
• S1: borda lateral do pé • L5: extensores longos dos dedos
• S3: área da tuberosidade isquiática • S1: flexão plantar do tornozelo
• S4/S5: região perianal

As lesões traumáticas de medula podem ser fraturas, fraturas-luxações, lesões


medulares sem anormalidades radiológicas (SCIWORA) ou lesões penetrantes. Cada um
desses tipos pode ser classificado ainda como estável ou instável, mas pelas discordâncias
na definição de estabilidade mesmo entre especialistas, durante o atendimento inicial de
pacientes com evidências radiológicas de lesão em coluna vertebral e de pacientes com
déficits neurológicos, a lesão deve sempre ser tratada como instável e o paciente deve ser
adequadamente imobilizado até ser avaliado por um especialista.

47
Figura 19 – Dermátomos.

Choque neurogênico: perda do tônus vasomotor e da inervação simpática do coração,


resultando em hipotensão e bradicardia. Lesões acima de T6 podem causá-lo. A reversão
do quadro não é atingida apenas por infusão de volume, que pode acarretar em sobrecarga
hídrica e edema agudo de pulmão. Deve ser feita reposição moderada de volume e uso de
vasopressores e atropina se bradicardia importante. Perda do tonus simpático!!

Choque medular: flacidez e perda dos reflexos imediatamente após lesão medular. A
duração é variável, porém, na maioria das vezes, persiste por 24 a 48 horas. Fenomeno neurológico!

Nível espinal: sob qual vértebra está a lesão.

Nível neurológico: segmento mais caudal da medula espinal com função sensitivo-motora
preservada em ambos os lados do corpo.

Síndromes Medulares

Síndrome medular central: mais comum, caracterizada por perda de força predominante
em membros superiores. Tipicamente ocorre após hiperextensão, principalmente em região
cervical previamente estenosada em idosos, e apresenta bom prognóstico.

Síndrome medular anterior: paraplegia e déficit bilateral da sensibilidade dolorosa e


térmica. Ocorre após isquemia e possui o pior prognóstico dentre as síndromes.

48
Síndrome de Brown-Séquard: hemissecção da medula, geralmente por trauma
penetrante. Ocorre com perdas ipsilaterais motora (trato corticoespinal) e de propriocepção
(coluna dorsal), além de déficits contralaterais de sensibilidade dolorosa e térmica (trato
espinotalâmico).

Fraturas da Coluna Cervical

Pela alta mobilidade, a coluna cervical é a mais vulnerável. Além disso, lesões de
C3 a C5 ou na transição cérvico-torácica podem causar falência respiratória por paralisia do
diafragma ou dos músculos intercostais, respectivamente.

Luxação Atlato-Occipital: incomum, resulta de flexão e extensão severas. Geralmente


gera morte por destruição do tronco cerebral e apneia. Ocorre na síndrome do bebê-
sacudido.

Fratura de Atlas (C1): cerca de 40% se associam com fratura de axis (C2). A mais comum
é a fratura de Jefferson (explosão vertebral por sobrecarga axial), com disjunção das partes
anterior e posterior de C1. É uma fratura instável, mas geralmente não está associada à
lesão medular.

Subluxação por rotação em C1: mais comum em crianças por trauma de pequeno ou
grande porte, infecções de vias aéreas superiores ou artrite reumatoide. Apresentação
clínica de torcicolo persistente.

Fratura de Axis (C2): maior e mais suscetível vértebra cervical. A fratura do processo
odontoide ocorre em 60% dos casos de fraturas em C2. As fraturas de elementos posteriores
(do “enforacado”) geralmente é causada por extensão e causa instabilidade.

Fraturas e luxações de C3 a C7: em adultos, o local mais frequente de fraturas de coluna


cervical é C5 e o nível mais comum de subluxação é entre C5 e C6 pela grande mobilidade
da região.

Fraturas da Coluna Torácica (T1 - T10)

Essas fraturas podem ser divididas em quatro categorias: as lesões em cunha por
compressão anterior, as lesões por explosão do corpo vertebral, as fraturas de Chance e as
fraturas luxações.

Compressão axial e flexão produzem lesão em cunha por compressão anterior,


geralmente estável. Lesões do corpo vertebral frequentemente são causadas por
compressão vertical axial. A fratura de Chance é uma lesão transversa do corpo vertebral
causada por flexão, relacionada a acidentes automobilísticos em que o paciente é contido
apenas pelo cinto de segurança abdominal e associando-se muitas vezes com lesão visceral

49
abdominal ou retroperitoneal. Luxações são incomuns, mas quando ocorrem geram déficits
neurológicos completos, uma vez que o canal medular de vértebras torácicas é mais estreito.

Excluindo as lesões em cunha, as outras fraturas de vértebras torácicas são


extremamente instáveis e geralmente necessitam de fixação interna.

Fraturas da Junção Tóraco-Lombar (T11-L1)

Geralmente decorrentes de hiperflexão e rotação agudas, sendo instáveis.


Acontecem particularmente em pacientes que sofrem quedas de altura e em pacientes
vítimas de acidentes automobilísticos com o uso de cinto de segurança. A medula espinhal
termina a nível de L1 e lesões dessa região podem causar disfunções intestinais e vesicais.

Fraturas Lombares

Dificilmente envolvem déficit neurológico completo, uma vez que apenas a cauda
equina está presente nessa região.

Lesões Penetrantes

As lesões penetrantes em coluna vertebral são ferimentos por arma branca ou por
arma de fogo. Nestes casos é importante determinar o trajeto do projétil ou da arma branca
e, quando estes passam pelo canal vertebral, geralmente a lesão neurológica é completa. É
importante lembrar que, no caso da arma de fogo, lesões completas podem ocorrer mesmo
quando o projétil não passa pelo canal vertebral por transferência de energia.

Avaliação da Coluna Cervical

A CCR (Canadian C-spine Rule) é uma ferramenta que pode ser usada para a
decisão de retirada do colar cervical. Para pacientes com Escala de Coma Glasgow igual a
15 pontos, a radiografia será necessária se existirem fatores de risco maiores (>65 anos,
parestesia de extremidades e mecanismos de trauma perigosos, como quedas maiores que
um metro ou cinco degraus, caga axial sobre a cabeça, colisão a >100 km/h, ejeção de
veículo ou capotamento, colisão de bicicleta). Se o paciente for vítima de simples colisão
automobilística, conseguir manter posição sentada na sala de emergência, conseguir
deambular, não possuir cervicalgia ou apresentar início atrasado desta, na ausência de dor
à palpação da coluna, deve-se tentar a rotação ativa da cabeça para a direita e para a
esquerda. Se esta for realizada em 45º para ambos os lados, não é necessário fazer
radiografia.

Outra forma de análise é feita seguindo o National Emergency X-Radiography


Utilization Study (NEXUS). Se dor à palpação de coluna posterior, evidência de intoxicação,
nível de consciência alterado, déficit neurológico focal ou lesões dolorosas que dificultem a
avaliação clínica confiável, radiografia deve ser solicitada.

50
Para pacientes cuja avaliação radiológica é necessária, pode ser realizada uma
tomografia computadorizada da região occipital do crânio até T1. Se não disponível, deve
ser realizada radiografia em incidência anteroposterior, perfil e transoral com visualização
do processo odontoide. Caso não se consiga ver todas as vértebras cervicais, faz-se
necessário a realização da radiografia em posição de nadador para melhor visualização.
Lesões instáveis em coluna cervical conseguem ser reconhecidas com sensibilidade de
97%.

Em casos de pacientes com déficits neurológicos, a realização de uma ressonância


magnética pode evidenciar lesões por compressão da medula espinhal, como hematomas,
hérnia traumática de disco, contusões ou rupturas medulares, entre outros achados.

Avaliação da Coluna Torácica e Lombar

As indicações para radiografias da coluna torácica e lombar são basicamente as


mesmas que de coluna cervical. Porém a utilização da tomografia é particularmente útil para
detectar fraturas dos elementos posteriores e a reconstrução sagital das imagens de
tomografia podem ser necessárias para diagnosticar fraturas adequadamente.

Em pacientes traumatizados, deve-se realizar inspeção e palpação da coluna do


paciente. Caso não haja sensibilidade à palpação ou equimoses sobre os processos
espinhosos e se o paciente se encontrar alerta, sóbrio, com nível de consciência preservado
e sem dor ou sensibilidade em região de coluna torácica e lombar, os exames radiológicos
podem ser dispensados.

Manejo

O paciente sob suspeita de lesão vertebral deve ser colocado em tábua rígida e colar
cervical no ambiente pré-hospitalar. Tentativas de alinhamento de uma coluna visivelmente
deformada não devem ser feitas, especialmente se produzem dor.

No hospital, o paciente deve ser rolado em bloco por quatro profissionais de forma
adequada para limitação do movimento espinal ao exame físico e para retirada da tábua
rígida.

Pacientes sob choque neurológico geralmente apresentam bradicardia ao invés da


taquicardia esperada no choque hemorrágico. Se a pressão do paciente não se elevar após
administração de volume, vasopressores podem ser indicados (Dopamina, Norepinefrina),
evitando sobrecarga hídrica e edema pulmonar. Nestes pacientes, uma sonda vesical deve
ser passada para monitorar o débito urinário e evitar distensão vesical.

O tratamento do trauma raquimedular deve ser de urgência. Até o momento, não há


evidência suficiente para apoiar o uso rotineiro de esteroides em lesão da medula espinhal.

51
O prognóstico do paciente com lesão medular é variável e depende de vários fatores,
mas alguns achados no exame físico podem sem indicação: a presença de movimento
voluntário ou sensibilidade perianal consistem em sinais de bom prognóstico. Um pior
prognóstico está relacionado com a presença de priapismo e Sinal de Babinski, ausência de
motricidade distal e presença dos reflexos bulbocavernoso e superficial anal.

52
TRAUMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO
Thiago Picussa de Campos Mello

Chefe dos Acadêmicos do PS - 2020/2021

Orientador Dr. José Marcos Lavrador

Quando vamos avaliar um trauma músculo-esquelético, devemos identificar e


separar nosso raciocínio em três modalidades desse trauma: Fraturas, Luxações e
Entorses (além de contusões musculares sem maiores repercussões).

Em todas essas modalidades, uma correta anamnese para conhecer o mecanismo


de trauma é de suma importância. Já no exame físico devemos procurar dor ao toque e a
movimentos, sendo esses ativos (quando o paciente realiza o movimento) e passivos
(quando nós realizamos os movimentos no membro do paciente). Outro dado é a presença
de lesão nervosa, vista pela perda de sensibilidade e/ou força, e lesão vascular, através da
palpação dos pulsos periféricos ou alterações cutâneas como palidez e extremidades frias.

Fraturas

A fratura é definida pela perda da continuidade óssea. Por


mais que a população em geral coloque a fratura num grau de
gravidade maior que as luxações, na maioria dos casos isso não é
verdade. Muitas vezes o tratamento da fratura se limita a apenas
controle da dor e imobilização.

Antes de partimos para os tipos de fraturas e as condutas


vamos relembrar rapidamente a anatomia dos ossos longos.

As porções mais distais são denominadas epífise (verde), a


porção central de diáfise (azul) e a porção intermediária de metáfise
(vermelho). Para gravar, a metáfise está marcada de vermelho por
ser a porção mais vascularizada e então tem melhor prognóstico nas
fraturas desse local. Nas crianças, ainda existe a placa fisária (de
crescimento), que será abordado mais adiante.

Fraturas de ossos longos também são fontes de hemorragia e


devem ser consideradas em paciente politraumatizado. Ossos longos
como a tíbia e o úmero podem sangrar até 750 ml, enquanto o fêmur,
Figura 20 – Osso longo.
até 1,5 L. Por isso, uma adequada imobilização e avaliação dessas
fraturas é extremamente relevante para o prognóstico do paciente.

53
Na avaliação inicial da fratura, além das preocupações já anunciadas, devemos
considerar a existência de lesão de partes moles. Uma forma de classificar isso pode ser
por fraturas fechadas ou abertas (expostas).

O principal exame complementar das fraturas é o Raio-x. Para uma correta


visualização da lesão, devemos definir e conhecer as incidências desse exame, sendo as
mais comuns ântero-posterior (AP) e perfil (P).

Fraturas fechadas

Para as fraturas fechadas, o tratamento pode ser resumido em redução


(realinhamento) e estabilização.

Redução

Processo em que, caso haja necessidade, são unidas as extremidades fraturadas


dos ossos. Essa redução pode ser feita de maneira incruenta (não cirúrgica) ou cruenta
(cirúrgica). Fraturas em articulações sempre necessitam de redução cruenta, pois é
necessário garantir um bom realinhamento ósseo para evitar perda de função articular.

Estabilização

Pode ser realizada de diversas formas, sendo a mais comum a imobilização


gessada, discutida nessa apostila. Sempre devemos nos preocupar com o mal
posicionamento do membro e proeminências que podem lesar o paciente.

A malha gessada é composta de sulfato de cálcio desidratada. Após adicionar água


há uma reação de hidrólise que a solidifica. Nunca deve ser aplicada diretamente na pele
do paciente para evitar lesão. Utilizamos o gesso em duas situações: gesso circular e tala
gessada.

Gesso circular: tratamento definitivo para fraturas alinhadas simples. Para sua aplicação,
deve-se utilizar uma malha tubular, cobrir essa malha com algodão ortopédico (de forma
circular sobre 50% da porção anterior, sem deixar sobras) e em seguida, utilizando a mesma
técnica do algodão, colocar o gesso no membro a ser imobilizado.
Tala: tratamento geralmente provisório. A aplicação de malha tubular e algodão ortopédico
é igual à do gesso circular, porém a tala não circunda o membro. Ela deve ser moldada a
parte e depois fixada no membro com o auxílio de atadura.

Síndrome compartimental

Membros fraturados podem edemaciar e quando o gesso (ou até mesmo a atadura)
comprime demasiadamente o membro, pode haver comprometimento tanto do retorno
venoso quanto do suprimento arterial para a porção mais distal. Esse é um caso de

54
emergência e o paciente deve ser orientado quanto aos sinais de alarme representados
pelos 5 “Ps”: Pain, Palidez, Pulso ausente, Parestesia e Paralisia. A parestesia (perda de
sensibilidade) é o sinal mais precoce. Em casos extremos, o tratamento deve ser a
fasciotomia para se evitar a perda do membro.

Fraturas expostas

A fratura exposta é uma urgência e pode ser definida como “qualquer fratura em que
o osso tem OU teve contato com o meio externo”. O sistema de classificação mais utilizado
é a classificação de Gustillo-Anderson:

Tipo I: Exposição <1cm

Tipo II: Exposição >1cm e <10cm.

Tipo IIIa: >10cm. Consegue cobrertura óssea com tecido mole

Tipo IIIb: >10cm. Não consegue cobertura óssea com tecido mole (exige retalho)

Tipo IIIc: presença de lesão arterial que necessita reparo

*Fratura em meio rural ou por arma de fogo: sempre tipo III

Nas fraturas expostas, devemos também ter cuidados com a contaminação. Por ser
uma fratura exposta, já é considerada contaminada, então não é “necessário” contaminar
ainda mais. Para isso, evitar abrir o curativo excessivamente na sala de trauma é algo
adequado. Além disso, profilaxia antitetânica e antibioticoterapia devem ser utilizadas.

Antibioticoterapia

“Deve ser realizada em até 3h”

Gustillo-Andreson Tipo I e II:

Cefalosporina de 1ª geração (Cefazolina) ou Penicilina. Caso alérgico à penicilina,


pode-se utilizar Clindamicina.

Gustillo-Andreson Tipo III.

Esquema supracitado + aminoglicoísedeo (Gentamicina) ou cefalosporia de 3ª geração.

A cefalosporina de primeira geração, os betalactâmicos (penicilinas) e a clindamicina


atuam contra as bactérias gram-positivas presentes na nossa pele. Os aminoglicosídeos e
a cefalosporina de terceira geração cobrem as bactérias gram-negativas presentes no
ambiente.

Caso o trauma tenha ocorrido em ambiente rural ou em áreas muito contaminadas


(ex: esgoto), devemos usar Piperacilina-Tazobactam. A Piperacilina (betalactâmico)

55
associado ao Tazobactam (inibidor da beta lactamase) possuem ação contra gram-positivos,
gram-negativos aeróbios e anaeróbios. Em alguns serviços é possível que não esteja
disponível esse antibiótico e, nesses casos, pode-se associar cefalosporina de 1ª geração
+ aminoglicosídeo + penicilina cristalina.

Fraturas em populações especiais

Crianças: deve-se lembrar sempre que as crianças possuem ossos ainda não totalmente
calcificados. Por isso, fraturas podem passar despercebidas ao raio-x, por se apresentarem
como em “galho verde”. Nesse caso, o osso não perde sua continuidade por completo,
porém deve ser tratado como uma fratura normalmente. Outra preocupação é a fratura
fisária,

Idosos: essa população é muito suscetível a fraturas por causa da desmineralização óssea.
Pequenas quedas podem gerar fraturas significativas e são causa importante de mortalidade
para esses pacientes.

Luxações

São definidas pela perda da congruência articular e consideradas urgências


ortopédicas, principalmente pela maior chance de lesão vásculo-nervosa. Como exemplo,
temos luxação de cotovelo e lesão do nervo ulnar, luxação do joelho e lesão da artéria
poplítea e nervo fibular e luxação de quadril e lesão no nervo ciático.

Subluxação da cabeça do rádio (Síndrome da pronação dolorosa)

Crianças menores de 6 anos possuem maior chance de sofrer essa lesão após
serem puxadas ou carregadas pelos braços. A criança fica com o braço na posição pronada,
flexionada e próxima ao corpo. Uma forma de reduzir essa luxação e realizar o tratamento
definitivo é realizar uma supinação com extensão do braço e, em seguida, uma flexão do
cotovelo.

Luxação posterior do quadril

Essa luxação é muito comum em acidentes de carros (principalmente em


motoristas). A perna do paciente se apresenta em adução e rotação interna. Deve-se
procurar por sinais de lesão do nervo ciático devido à alta incidência dessas lesões nesse
tipo de luxação.

56
Entorses

As entorses já são lesões definidas pela perda da congruência articular, porém que
retornam espontaneamente e imediatamente à posição original.

Entorse de tornozelo

Inversão: principal causa de entorse de tornozelo. A planta do pé volta medialmente. O


ligamento que geralmente é lesionado é o talofibular anterior

Eversão: a planta do pé é voltada lateralmente. Não é muito comum devido a exigir uma
energia maior no trauma. Por esse motivo, deve-se procurar lesões fibulares, tibiais e na
articulação do joelho quando é visto um caso assim.

Tratamento RICE para entorse de tornozelo: Repouso, Ice (gelo), Compressão,


Elevação do membro.

Entorse de joelho e Ligamento Cruzado Anterior

Para terminar, vamos comentar sobre a lesão ligamentar associada a instabilidade


do joelho: lesão do ligamento cruzado anterior (LCA). Essa lesão é muito associada à
entorse de joelho quando o pé está fixo no chão e ocorre uma rotação externa excessiva da
perna (mudança de direção). No momento da lesão, geralmente é possível escutar um
estralo. No exame físico, devemos realizar manobras que façam um anteriorização da tíbia
em relação ao fêmur, como o teste da gaveta.

O tratamento pode ser cirúrgico ou conservador de acordo com o grau da lesão e o


perfil do paciente.

57
TRAUMA PEDIÁTRICO
Adelyne M. Tavares da Silva Sequinel

Chefe dos Voluntários do Trauma - 2020/2021

Orientadora Drª Camila Fachin

O trauma é a principal causa de morte na infância. Falha em garantir boa via aérea
e suporte ventilatório, assim como não reconhecer e intervir corretamente nos casos de
lesão intra-abdominal e hemorragia intracraniana, são os principais motivos de fracasso no
atendimento da criança ou adolescente vítima de trauma grave.

A maioria das crianças não apresentam anormalidades hemodinâmicas ao serem


atendidas, mas o quadro clínico pode se deteriorar rapidamente se houver lesão
multissistêmica. Por isso, é de grande importância conhecer o mecanismo do trauma para
através dele buscar possíveis complicações. A Tabela 7 (traduzida e adaptada do ATLS 10ª
edição) expõe os principais mecanismos de trauma e possíveis lesões associadas.

Tabela 7 – Mecanismos de trauma e as lesões associadas.

Mecanismo de trauma Lesões comuns


Baixa velocidade: fratura de membros
inferiores.
Atropelamento por carro
Alta velocidade: TCE, lesão cervical, fratura
de membros inferiores.
Sem cinto de segurança: TCE, lesão
cervical, laceração escalpe e face.
Colisão automóvel
Com cinto de segurança: Lesão torácica e
abdominal, fratura coluna vertebral baixa.
Baixo: Fratura de membros superiores.
Queda de outro nível Médio/Alto: TCE, lesão cervical, fratura de
membros superiores e inferiores.
Sem capacete: Laceração cabeça,
pescoço, escalpe e face, fratura de
membros superiores.
Queda de bicicleta Com capacete: Fratura de membros
superiores.
Colisão contra guidão: Lesão intra-
abdominal.
As diferenças fisiológicas da população pediátrica fazem com que existam
particularidades relacionadas ao trauma. Por exemplo, quanto menor a massa corporal

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maior será a energia transmitida por objetos. A energia concentrada em um corpo pequeno,
com maior proximidade entre órgãos, aumenta a chance de lesão múltiplas. Também o
esqueleto pediátrico não está ainda completamente calcificado, sendo menos sujeito a
fraturas. Assim, mesmo na ausência de fraturas deve haver a suspeição de lesão interna,
como por exemplo contusão pulmonar mesmo que não haja fratura de arcos costais.

Em diversas situações do atendimento da criança o peso dela é fator importante,


seja para cálculo de doses de medicações ou reposição volêmica. Para facilitar no momento
da emergência é possível utilizar a seguinte estimativa em quilos: (2 x idade em anos) +
10.

Atendimento inicial

Figura 21 –Posição da criança no atendimento ao trauma.

Via aérea

Duas particularidades anatômicas são de grande relevância ao analisar o manejo da


via aérea: (1) existe uma desproporção entre o tamanho da cabeça e da face da criança –
mais desproporcional quanto menor for a criança – e (2), pelo tamanho do occipital, há flexão
passiva da coluna cervical tracionando a faringe numa dobra anterior (posição do
“cheirador”). Para minimizar a flexão o plano da face deve estar paralelo à maca, isso pode
ser feito colocando sob todo o dorso da criança um coxim de aproximadamente 2,5 cm de
altura (Figura 21).

Modalidades

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• Oral: Só deve ser utilizada se a criança estiver inconsciente – caso contrário pode
estimular vômito. A cânula não deve ser com rodada a 180º dentro da cavidade oral
como no adulto pelo risco de trauma e sangramento. O material deve ser inserido
suavemente na cavidade oral, se necessário, com o auxílio de abaixador de língua.
• Orotraqueal:
o Indicações: Lesão SNC grave que necessite de ventilação controlada;
incapacidade de manter via aérea; sinais de falência ventilatória;
hipovolemia importante com depressão do sensório ou que necessite de
intervenção cirúrgica.
o Cuff ou balonete: O menor diâmetro da via aérea da criança está no anel
cricóide, que funciona como uma vedação no tubo sem cuff (usado para
bebês). Pelo aprimoramento do material de intubação, a preocupação que
antes existia com o risco de necrose de traqueia devido ao balonete deixou
de ser relevante. Inclusive o uso do tubo com cuff traz benefício à ventilação,
sendo indicada pressão de enchimento menor que 30 mmHg.
o Tamanho do tubo: O diâmetro ideal do tubo pode ser estimado comparando
ao diâmetro de uma das narinas da criança ou do seu menor dedo.
o Intubação assistida por drogas ou Sequência rápida de intubação:

Fluxograma 1 – Sequência rápida de intubação em crianças.

Pré - oxigenação
Para reduzir a resposta vagal em crianças
Atropina (0,1 a 0,5 mg)
menores de 1 ano:

Sedação
Se hipovolemia: Etomidato (0,1 mg/kg) ou Se normovolemia: Etomidato (0,3 mg/kg) ou
Midazolam HCl (0,1 mg/kg) Midazolam (0,1 mg/kg)

Bloqueio neuromuscular
Succinilcolina (<10 kg: 2 OU Vecurônio (0,1 mg/kg) OU Rocurônio (0,6 mg/kg)
mg/kg; >10 kg: 1 mg/kg)

• Cricotireoidostomia: Pode ser indicada quando não é possível manutenção da via


aérea com dispositivo bolsa-máscara (recomendada para menores de 30 kg) ou
intubação orotraqueal. A cricotireoidostomia cirúrgica só está indicada para maiores

60
de 12 anos. Outras alternativas incluem máscara laríngea e cricotireoidostomia por
punção.

Aparelho respiratório

A falha da ventilação no primeiro momento leva a acidose respiratória, que não deve
ser corrigida por bicarbonato uma vez que sua administração leva a piora da acidose. A
manutenção da ventilação é de extrema importância pois a persistência da hipoventilação é
a principal causa de parada cardíaca na população pediátrica.

O diagnóstico e manejo de hemo, pneumo e hemopneumotórax na criança é


bastante semelhante ao adulto. Com atenção apenas para o tamanho dos materiais e para
drenagem por punção (nos casos de pneumotórax hipertensivo) no segundo espaço
intercostal na linha hemiclavicular.

Circulação e choque

Crianças começam a apresentar alterações de pressão arterial que indicam choque


tardiamente, em geral apenas com perda de volume maior que 30%. Os sinais mais
precoces são taquicardia (que é bastante inespecífico no trauma pois pode acontecer em
decorrência da dor ou estresse psicológico) e redução da perfusão periférica.

Estimativa valor normal PA em crianças


PAS média = 90 + (2 x idade em anos)
PAS limite inferior = 70 + (2 x idade em anos)
PAD = 2/3 PAS

Figura 22 – Estimativa de PA em crianças.

O acesso venoso faz parte do atendimento inicial do trauma, porém na criança


(especialmente em hipovolemia) o procedimento pode ser desafiador. Para isso existe uma
sequência pré-estabelecida conforme disponibilidade, eficiência e facilidade técnica. A
primeira opção é o acesso venoso periférico em fossa cubital ou tornozelo. Porém na
inviabilidade deste, a alternativa é o acesso intraósseo, seguido do acesso femoral, jugular,
subclávia e por último a dissecção da veia safena na região do tornozelo.

A ressuscitação volêmica quando necessária deve ser realizada com 20 ml/kg de


solução isotônica em bolus seguida de 10 a 20 ml/kg de concentrado de hemácias e 10 a
20 ml/kg de plasma fresco congelado e plaquetas conforme resposta clínica (caracterizando
o protocolo de transfusão maciça na criança).

61
Durante a proposta de reposição volêmica a criança deve ser constantemente
monitorizada e alguns parâmetros indicam boa resposta ao volume:

• Redução da frequência cardíaca


• Melhora do sensório
• Retorno de pulso periférico, coloração e temperatura das extremidades
• Retorno a valores normais de pressão arterial para a idade
• Diurese de 1 a 2 ml/kg/hora (0,5 ml/kg/hora para adolescentes)

Trauma cranioencefálico

A desproporção entre cabeça e corpo, assim como menor espaço subaracnóide,


aumentam a susceptibilidade a danos ao parênquima cerebral. Desse modo o
reconhecimento de sinais de alarme é fundamental para guiar o manejo com exame de
imagem (tomografia computadorizada) ou observação clínica, conforme demonstrado nos
fluxogramas a seguir:

Fluxograma 2 – Indicação de TC de crânio em crianças.

Menores de 2 anos:

62
Maiores de 2 anos:

Estas são as principais características específicas do atendimento pediátrico no


trauma. No entanto, ao atender uma criança vítima de trauma sempre deve haver atenção
aos sinais de maus tratos, que podem ser:

• Discrepância entre a história e o grau de lesão física;


• Grande intervalo entre o acontecimento do trauma e a busca por ajuda médica;
• História de traumas semelhantes;
• Pais que não respondem adequadamente ou que não fazem questão de
acompanhar a criança na emergência;
• Mecanismo de trauma desproporcional a idade e desenvolvimento neuropsicomotor
da criança;
• Múltiplos hematomas (principalmente se com coloração em diferentes estágios de
melhora);
• Cicatrizes antigas ou sinais de fraturas antigas semelhante ao quadro atual;
• Lesão perioral ou perineal;
• Fratura de ossos longos em crianças menores de 3 anos de idade;
• Lesão de víscera oca sem história de trauma contuso de alta energia;
• Múltiplos hematomas subdurais sem sinais de fratura de crânio recente
• Hemorragia de retina;
• Fratura de crânio ou arcos costais em menores de 24 meses;
• Lesões bizarras como mordidas, queimaduras de cigarro e marcas de corda;
• Queimaduras de segundo e terceiro graus bem delimitadas.

63
ATENDIMENTO AO PACIENTE QUEIMADO
Sofia Tokars Kluppel

Chefe do SIATE – LiAT – 2020/2021

Orientador Dr. Eduardo Lopes Martins

1. Avaliação primária do paciente queimado


o Afastar o paciente da fonte de calor: remover as roupas do paciente –
exceto as roupas aderidas- retirar jóias, anéis, piercing, próteses.
o Resfriar a lesão: pode-se jogar água em temperatura ambiente na
queimadura, desde que até 15-30 min após o trauma.
o Prevenir hipotermia: Cobrir as lesões e o paciente com tecido limpo e seco
(cobertores e lençóis).
o Decidir se há necessidade de mandar o paciente para centro
especializado de tratamento de queimados os grandes queimados devem
ser encaminhados.
o Investigar comorbidades, alergias e estado de imunização do doente contra
o tétano.

Definição da Superfície Corporal Queimada


(SCQ) – Regra dos nove:

Palma da mão do doente: a palma da mão do


paciente, incluindo os dedos, representa
aproximadamente 1% da sua superfície corporal
queimada, sendo uma estimativa útil para
queimaduras com distribuição irregular.

• Pequeno Queimado: aquele que contém <


25% SCQ por lesão de primeiro grau e/ou ≤ 15%
SCQ por lesão de segundo grau e/ou ≤ 5% SCQ
por lesão de terceiro grau, desde que não
acometidas áreas nobres (face, olhos, ouvidos,
mãos, pés, genitália, períneo, pele sobre
articulações);
• Médio queimado: quando há > 25% SCQ por
lesão de primeiro grau e/ou 15-25% de SCQ por
lesão de segundo grau e/ou 5-10% de SCQ por
lesão de terceiro grau;
Figura 23 – Regra dos 9.

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• Grande queimado: se > 25% de SCQ por lesão de segundo grau e/ou > 10% de SCQ
por lesão de terceiro grau e/ou em queimadura que envolva áreas nobres, lesão por
inalação, queimadura química ou elétrica graves e paciente com comorbidades.

2. ABCDE do trauma

A – Coluna vertebral e Via Aérea: A via aérea pode ser obstruída pela lesão direta (ex:
lesão inalatória) ou pelo edema como resultado da queimadura – a avaliação precoce para
determinar a necessidade de intubação orotraqueal é essencial.

Indicações da American Burn Life Suport (ABLS) para intubação precoce:

• Sinais de obstrução de via aérea (estridor, uso da musculatura respiratória acessória,


retração esternal).
• Extensão da queimadura (>40-50% da área de superfície corporal total).
• Queimadura facial profunda e extensa.
• Queimadura dentro da boca.
• Edema significativo ou risco de edema de partes moles.
• Dificuldade para engolir.
• Sinais de comprometimento respiratório, como fadiga respiratória, má oxigenação ou
ventilação.
• Rebaixamento do nível de consciência – reflexos de proteção de via aérea são
prejudicados.
• Se não houver equipe qualificada para intubação – transferir antecipadamente paciente
com grandes queimaduras e/ou com obstrução das vias aéreas.

B – Garantir ventilação adequada: problemas na ventilação podem ocorrer devido à:

• Lesão térmica da via aérea (pela inalação de fumaça quente) – se queimadura em face
e pescoço.
o Tratamento: suporte ventilatório; intubação orotraqueal precoce.
• Lesão pulmonar por inalação (pela inalação de fumaça suja) - queimadura em face e
pescoço.
o Tratamento: nebulização com broncodilatador
• intoxicação por monóxido de carbono: causa dor de cabeça e náusea, confusão, coma
e morte – se incêndio em ambiente fechado.
o Tratamento: oxigênio em alto fluxo por máscara unidirecional.

Observação: Não se pode confiar na oximetria de pulso para descartar a intoxicação por
CO, pois a maioria dos oxímetros não consegue distinguir oxihemoglobina de
carboxihemoglobina → fazer gasometria arterial.

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• intoxicação por cianeto - se incêndio em ambiente fechado.
o Tratamento: Hidroxicobalamina.

OBS: Não se pode confiar na oximetria de pulso para descartar a intoxicação por CO, pois
a maioria dos oxímetros não consegue distinguir oxihemoglobina de carboxihemoglobina →
fazer gasometria arterial.

C – Obter acesso venoso e reposição volêmica: O grande queimado apresenta uma


resposta inflamatória sistêmica e perda hídrica pela pele queimada. A vasodilatação e a
hipovolemia levam então à hipotensão e má perfusão.
A reposição volêmica é feita, preferencialmente, com ringer lactato:

Tabela 8 – Reposição volêmica em queimados.

• Metade desse volume é feito nas primeiras 8 horas e a outra metade nas 16 horas
seguinte. Depois disso, a recomendação é analisar a diurese e usar uma infusão de
volume que mantenha débito urinário > 0,5 ml/kg/h.
o Exemplo: Adulto de 80kg, com 40% de SCQ, vitima de queimadura há 4
horas → 2 x 80 x 40 = 6400 ml devem ser repostos → 3200 ml nas primeiras
4 horas (já se passaram 4h do acidente) e 3200 ml nas 16h seguintes.
• Nas lesões de extremidade, ficar atento à síndrome compartimental e seus sinais. São
pistas:
o Pulso reduzido no Doppler
o Enchimento capilar lento
o Parestesias
o Dor refratária e/ou desproporcional

66
o Dor muscular que piora a extensão do membro
• CONDUTA: a analgesia deve ser feita com opióide endovenoso e deve ser feita
profilaxia para tétano e trombose venosa profunda.

D - Disfunção neurológica

E - Exposição

3. Classificação das queimaduras


• Primeiro grau:
o Profundidade → epiderme
o Eritema e dor
o Não formam bolhas
o Não necessita de reposição de fluidos endovenosos
o Ex: queimadura solar
• Segundo grau (ou de espessura parcial):
o Superficial: atinge as papilas dérmicas; eritema, bolhas e hipersensível à
dor.
o Profunda: atinge a parte reticular da derme, cor rósea, com bolhas e menos
sensível à dor.
• Terceiro grau (ou de espessura total):
o Atinge a gordura subcutânea
o É indolor ao toque e de cor amarronzada/aspecto de couro
o O tratamento necessita de enxertia precoce e, em caso de retração da pele
ou escara → ESCAROTOMIA.

4. Queimadura elétrica
• As queimaduras elétricas ocorrem quando uma fonte de energia elétrica entra em
contato com o paciente e a corrente é transmitida pelo corpo.
• Diferentes taxas de perda de calor de tecidos superficiais e profundos permitem que
a pele sobrejacente relativamente normal coexista com necrose muscular profunda.
Portanto, queimaduras elétricas freqüentemente são mais graves do que aparentam
na superfície do corpo, e as extremidades, principalmente os dígitos, estão
especialmente em risco. Além disso, a corrente viaja dentro dos vasos sanguíneos
e nervos e pode causar trombose local e lesão nervosa. Ferimentos elétricos graves
geralmente resultam em contratura da extremidade afetada.
• A eletricidade pode causar arritmias cardíacas que pode produzir parada cardíaca.
• Queimadura dos músculos pela eletricidade pode causar rabdomiólise e resulta na
liberação de mioglobina, que pode causar insuficiência renal aguda. A lesão

67
muscular também pode causar Síndrome compartimental e, caso confirmada, a
conduta pode ser uma fasciotomia.

5. Queimadura química
• Lesões químicas podem resultar da exposição a ácidos, álcalis e produtos
petrolíferos.
• Queimaduras ácidas causam necrose de coagulação do tecido circundante, o que
impede a penetração do ácido até certo ponto.
• Queimaduras alcalinas são geralmente mais graves que as queimadas ácidas, pois
o alcali penetra mais profundamente por necrose de liquefação do tecido.
• Lavar imediatamente o produto químico com grandes quantidades de água
aquecida, por pelo menos 20 a 30 minutos, usando um chuveiro ou mangueira.
Queimaduras alcalinas requerem maior irrigação. Os agentes neutralizantes não
oferecem vantagem sobre a lavagem com água, porque a reação com o
neutralizante pode produzir calor e causar mais dano ao tecido.

68
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS I – DOR TORÁCICA
Thiago Picussa de Campos Mello

Chefe dos Acadêmicos do PS - 2020/2021

Orientadora Drª Raquel Guedes Sobreira

A dor torácica no departamento de emergência é um sintoma que sempre preocupa


devido a possibilidade de ter uma causa grave. Uma pequena parcela das procuras médicas
devido a esse a dor torácica representa de fato uma causa grave, porém essa minoria possui
alto risco de mortalidade tempo-dependente e, devido a isso, toda dor torácica deve ser
investigada e tratada de forma rápida. Neste capítulo, mostraremos um passo a passo da
conduta frente a uma dor torácica.

Ao chegar um paciente queixando-se de dor torácica devemos caracterizar essa dor


e descartar causas graves logo de início:

Anamnese: caracterizar a dor + horário de piora + fatores de risco (aumentam a


suspeita de síndrome coronariana aguda): Idade avançada, diabetes mellitus,
hipertensão arterial, histórico familiar de IAM precoce.

Tabela 9 – Tipos de dor torácica.

Pacientes idosos, mulheres e portadores de diabetes com doença renal crônica


podem se apresentar apenas com os equivalentes anginosos. São eles: dor epigástrica,
dispepsia, dispneia, náusea e vômitos, sudorese, hipotensão e síncope.

Exame físico

• Pressão arterial dos quatro membros


• Palpação do pulso radial de ambos os membros superiores
• Ausculta pulmonar e cardíaca
• Palpação de arcos costais em busca de dor

69
Eletrocardiograma

Deverá ser solicitado em até dois minutos da chegada do paciente com seu laudo pronto
em até 10 minutos.

• Parede inferior (ventrículo direito): DII, DIII e Avf


• Parede lateral alta: DI e Avl
• Parede anterior: V1 – V6

Figura 24 – Modelo sistematizado de atendimento do paciente com dor torácica do Hospital de Clínicas da
UFPR.

Tratamento imediato geral (assim que descartar dissecção de aorta):

Prescrição imediata: “MONABICHE” + Acesso venoso periférico + dieta zero

• MORFINA 3-4mg IV (caso dor não melhore com 3 doses de nitrato, podendo ser
repetida a cada 10 min na ausência de contraindicações);
• Oxigênio 3L/min (Se SatO2 < 90% ou desconforto respiratório);

70
• ISORDIL* 5mg SL - Nitrato (até 3 doses com intervalos de 5-10min caso não haja
melhorada dor);
• AAS 300mg mastigados;
• BETABLOQUEADOR**: titular a dose para uma FC de 60bpm – Metoprolol 25-50mg
VO;
• CLOPIDOGREL 600mg VO se dor <6h e 300mg VO se dor >6h;
• ENOXAPARINA: <75 anos 30mg EV + 1mg/Kg SC 12/12h; >75 anos 0,75mg/Kg SC
12/12h)
• ESTATINA EM ALTA DOSE: Sinvastatina 80mg ou Atorvastatina 40-80mg.

*O uso de nitrato está contraindicado em caso de uso de sidenafil ou similar nas últimas 24h
e quando há suspeita de infarto de ventrículo direito (DII, DIII e aVF), devendo-se ser
solicitado as derivações V3R e V4R nesse momento. Atenção para as contraindicações absolutas de uso de
fibrinolíticos (sangramento intracraniano, AVCi ou TCE
**Contraindicado no caso de intoxicação por cocaína. grave <3 meses, neoplasia de SNC, hemorragia ativa,
Tabela 10 – Rotas de atendimento à dor torácica. malformação AV no SNC, dúvida quando ao diagnóstico
de dissecção aórtica).
ROTA 1

- Tempo porta-balão será >90-120min? Não: não realizar fibrinolítico. Sim: na ausência de
contra indicações, utilizar Tenecteplase (TNK-Tpa) dose única em bôlus de 5-10 seg.
- <60Kg: 30mg; 60-70Kg: 35mg; 70-80Kg: 40 mg; 80-90Kg: 45mg; >90Kg: 50mg.
- >75 anos usar metade da dose
- Encaminhar para serviço de hemodinâmica

ROTA 2 (9h)
ECG 0h - 3h - 9h
TROPONINA 0h - 9h
CK-MB (Atividade ou Massa) 0h - 3h - 9h
EXAMES ALTERADOS: UTI CARDIOLÓGICA
EXAMES NORMAIS: PROVA FUNCIONAL* (TE, ECO STRESS ou CINTILO)

PROVA FUNCIONAL ALTERADA: INICIAR PROTOCOLO IAMSST/ANGINA INSTÁVEL


ROTA 3 (6h)
PROVA FUNCIONAL NORMAL: ALTA COM RECOMENDAÇÕES
ECG 0h - 6h
*Em ambiente hospitalar com paciente não complicado: ver recomendações.
TROPONINA 0h - 6h
CK-MB (Atividade ou Massa) 0h - 6h
EXAMES ALTERADOS: UTI CARDIOLÓGICA
EXAMES NORMAIS: PROVA FUNCIONAL* (TE, ECO STRESS ou CINTILO)
PROVA FUNCIONAL ALTERADA: INICIAR PROTOCOLO IAMSST/ANGINA INSTÁVEL
PROVA FUNCIONAL NORMAL: ALTA COM RECOMENDAÇÕES
*Em ambiente hospitalar com paciente não complicado: ver recomendações.

71
Após as medidas iniciais, devemos classificar o risco desse paciente para termos
uma visão mais objetiva da gravidade do caso e assim direcionar as próximas condutas na
unidade coronariana. Para esse fim são utilizados os escores TIMI e GRACE. Apresar da
precisão do GRACE ser superior ao TIMI, este último é mais simples de ser utilizado na
emergência.
Tabela 11 – Classificação de risco no IAMCCST e no IAMSSST.

Escore TIMI para IAMCSST Pt


65-74 anos +2
>74 anos +3
Pressão Sistólica +3
Frequência cardíaca +2
Killip II – IV +2
DM, HAS ou ANGINA +1
<67Kg +1
SupraST em parede anterior ou BRE +1
Tempo porta-balão >4 horas +1
0-1: Baixo risco, 2-3: risco intermediário; >3: Alto risco.

Escore TIMI para IAMSSST Pt


>65 anos +1
Marcadores de necrose positivos +1
InfraST >5mm +1
Uso de AAS nos últimos 7 dias +1
3 ou mais fatores de risco para DAC +1
DAC conhecida +1
Angina importante recente (<24h) +1
0-2: Baixo risco; 3-4: risco intermediário; 5-7: alto risco.
Tabela 12 – Classificação Killip.
Classificação Killip Parâmetros
I Sem sinais de insuficiência cardíaca
II Estertores em base/presença de B3
III Edema agudo de pulmão
IV Choque cardiogênico

Quando o paciente entra na ROTA 4, devemos pensar em diagnósticos diferenciais


para a dor torácica. Os principais são:

72
Síndrome Aórtica Aguda (SAA)

“Dor lancinante com irradiação para dorso”

Figura 25 – SAA.

Para SAA pensamos em dissecção de aorta, definida pelo rompimento da camada


interna da parede vascular com extravasamento do sangue para o interior da camada média.

Tabela 13 – Escore de ADD-RS.

Antecedentes História Exame físico


Síndrome de Marfan História abrupta de dor Pulso ou PAS assimétrica
O
HxF de doença aórtica torácica, dorsal ou Déficit neurológico agudo
abdominal
Cx ou manipulação aórtica Dor lancinante ou rasgante Novo sopro aórtico
Aneurisma de ao torácica Hipotensão
Doença aórtica valvar Choque
1 ponto cada 1 ponto cada 1 ponto cada
0 – 1pt: solicitar D-dímero (se >500ng/mL solicitar angioTC); 2 – 3pt: solicitar diretamente
angioTC

O tratamento da dissecção de aorta consiste em redução da pressão arterial e


frequência cardíaca com betabloqueadores, além da correção cirúrgica.

Tromboembolismo Pulmonar

“Dor Pleurítica”

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é definido pelo deslocamento de um êmbolo


(geralmente um coágulo) para o interior de ramos da artéria pulmonar o que gera (1)
aumento da pressão arterial pulmonar e (2) diminuição da área de trocas gasosas.

73
No ECG pode-se observar o clássico strain do ventrículo direito pelo padrão de
S1Q3T3 - Onda S em DI, Onda Q em DIII e Onda T invertida em DIII (não é patognomônico
de TEP).

Para orientar as próximas condutas, utilizamos os critérios de Wells:

Tabela 14 – Critérios de Wells.

O História Pt
Antecedente de TEP ou TVP 1,5
FC > 100bpm 1,5
Cirurgia/imobilização nas últimas 4 1,5
semanas
Hemoptise 1
Neoplasia ativa 1
Sinais de TVP 3
TEP como principal diagnóstico 3
Probabilidade: 0-1: baixa; 2- 6: intermediária; >6: alta.

Positivo AngioTC
Baixa D-dímero
WELLS Negativo Alta
Inter/Alta Angio TC

Figura 26 – Fluxograma TEP.

O tratamento do tromboembolismo pulmonar é resumido pela anticoagulação com


heparina, terapia trombolítica e embolectomia por cateter ou cirúrgica.

74
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS II – AVE E CRISE CONVULSIVA
Jaqueline Alves Zwierzikowski

Secretária LiAT – 2020/2021 e Coordenadora LiAT 2021/2022

Orientadora Drª Raquel Guedes Sobreira

Acidente Vascular Encefálico

O acidente vascular encefálico (AVE) é definido classicamente como um déficit


neurológico focal de instalação súbita ou rápida instalação, com duração maior que 24
horas (ou menor, mas levando a morte). Os tipos de AVE são divididos com base no aspecto
patológico: isquêmico (AVEi) ou hemorrágico (AVEh), com prevalência de
aproximadamente 88% dos casos para o primeiro e 12% para o segundo. O ataque
isquêmico transitório (AIT) é um quadro no qual os sinais e sintomas regridem em
menos de 24 horas, entretanto, a maioria dos casos regride em até uma hora.

O AVEi e o AIT apresentam mecanismos fisiopatológicos variados, os mais comuns


são: trombose de grandes vasos (principalmente relacionado a doença aterosclerótica,
que se apresenta como um evento trombótico local ou um tromboembólico arterial),
cardioembolismo (embolia derivada de miocardiopatias, valvopatias e arritmias) e
trombose de pequenas artérias. Após a isquemia surge uma área de infarto cerebral com
dano funcional e estrutural irreversível e uma zona de penumbra isquêmica, funcionalmente
comprometida, mas estruturalmente viável, com fluxo sanguíneo reduzido.

O AIT deve ser diferenciado do AVEi por neuroimagem e pela clínica, sendo que
no AIT, os sinais e sintomas devem regredir em 24 horas, porém geralmente os quadros
desaparecem em uma hora. Seu diagnóstico é sempre retrospectivo, a partir da
regressão completa de sintomas e sinais associada a uma neuroimagem normal.

O AVEh pode se apresentar como hemorragia intraparenquimatosa (HIP)


geralmente relacionada às alterações microvasculares resultantes da hipertensão arterial.
As topografias de mais comuns são: núcleos da base, ponte, cerebelo, substância branca
dos lobos cerebrais. Quando próxima dos ventrículos, pode resultar em hemoventrículo, se
mais próxima do córtex, aflora no espaço subaracnóide. Importante lembrar que outras
causas são: malformações vasculares, aneurismas saculares e micóticos rotos, distúrbios
de coagulação, sangramentos de tumores cerebrais, arterites e drogas.

Outra apresentação do AVEh é como hemorragia subaracnóidea (HSA),


geralmente por ruptura de aneurismas saculares intracranianos (32-67% de
mortalidade), comuns em bifurcações arteriais do polígono de Willis.

75
Um quadro de AVE deve ser suspeitado em casos de déficit neurológico focal de
instalação súbita ou rápida progressão com clínica variável dependendo da região
acometida. Deve-se indagar o tempo de evolução do déficit de forma mais precisa e
confiável possível, visto que essa informação altera a conduta. O exame físico deve
contemplar o estado de hidratação, oxigenação, frequência, ritmo, ausculta cardíaca e
frequência cardíaca. O nível de consciência e a pressão arterial devem ser avaliados
serialmente e com atenção. Um nível de consciência rebaixado pode indicar uma
hemorragia extensa ou infartos hemisféricos intensos.

O reconhecimento dos fatores de risco para AVEi é importante para a


determinação da sua etiologia. Questiona-se a presença de hipertensão arterial, diabetes
mellitus, dislipidemias, cardiopatias, tabagismo, uso de anticoncepcionais ou drogas e
outras informações de história médica pregressa que alteram conduta: outro AVE
recente, trauma craniano ou cirurgias recentes, sangramentos, doenças hepáticas e renais,
uso de anticoagulantes e ocorrência de neoplasias.

Os déficits neurológicos no AVEh e no AVEi variam de acordo com o território


vascular acometido, variando também sua forma de instalação. Os dois grandes territórios
são o território carotídeo relacionado às artérias carótida interna, cerebral média e cerebral
anterior e o território vertebrobasilar, relacionado às artérias vertebral, basilar, cerebelares
e cerebrais posteriores. Os sintomas sugestivos de infarto variam de acordo com a o
território vascularizado pela artéria comprometida:

• Artéria cerebral média: fraqueza em face e membro superior contralateral; perda de


sensibilidade em face e membro superior contralateral; disfunção de linguagem;
dislexia, disgrafia, discalculia.
• Artéria oftálmica: alteração visual monocular.
• Artéria cerebral anterior: fraqueza ou perda de sensibilidade do membro inferior
contralateral.
• Artéria cerebral posterior: hemianopsia homônima contralateral.
• Artéria carótida interna: fraqueza e perda de sensibilidade afetando a face, membros
superiores e inferiores contralaterais, com ou sem hemianopsia homônima e
associada a distúrbio de linguagem nas lesões do hemisfério dominante ou
negligência/anosognosia nas lesões do hemisfério não dominante.
• Território vertebrobasilar: diferentes combinações de alterações em nervos
cranianos.
• Artérias perfurantes: ocorrem principalmente na região dos núcleos da base.
Apresentam perda isolada de sensibilidade, fraqueza ou paralisia isolada em
membros superior e inferior contralaterais.

76
A escala de avaliação hospitalar – NIHSS – é um instrumento para avaliação dos déficits
neurológicos como guia terapêutico e previsão do prognóstico. É composto por 11
categorias com 15 itens do exame neurológico (Tabela 15).
Tabela 15 – Escala de NIHSS.

O ESCALA DE NIHSS

77
Deve-se verificar a ventilação, garantir permeabilidade de vias aéreas e oferecer
oxigênio suplementar se necessário. Exames bioquímicos, hematológicos e coagulação
devem ser coletados de imediato. É fundamental a dosagem de eletrólitos, creatinina,
ureia, glicemia e realização de ECG. Avaliar a necessidade de hidratação, correção de
hipertermia e de distúrbios hidroeletrolíticos e iniciar a profilaxia de complicações não
neurológicas (infecções, úlceras de decúbito, trombose venosa profunda, tromboembolismo
pulmonar).

É essencial um exame de neuroimagem, podendo ser a tomografia


computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM). A TC de crânio sem contraste
é recomendada como método diagnóstico inicial pela sua ampla disponibilidade, rapidez e
informações fornecidas. Sinais precoces de isquemia na tomografia são: indefinição da
transição corticossubcortical, apagamento dos sulcos corticais, hipodensidade do
parênquima, hiperdensidade do interior de uma artéria cerebral. A tomografia em AVEi
é negativa em 30% dos casos. No AVEh há uma imagem hiperdensa em parênquima (HIP)
ou ocupando cisternas e sulcos (HSA). Achados de TC de crânio que contraindicam a terapia
trombolítica endovenosa são hemorragias intracranianas e causas não vasculares de
sintomas neurológicos.

Os diagnósticos diferenciais incluem: crises epilépticas, alterações metabólicas


(hipoglicemia ou hiperglicemia, hiponatremia, hipóxia), infecções sistêmicas
(principalmente em idosos afetam a condição neurológica), neoplasias ou infecções do SNC.

O foco da avaliação do paciente vítima de AVE na emergência é a classifica-lo


como candidato ou não à terapia trombolítica para recanalização da artéria com
reperfusão cerebral ou, se não aptos à trombólise, terapia de suporte clínico. Para estar apto
ao tratamento o paciente deve respeitar os critérios abaixo. Sempre avaliar os prós e contras
e consultar um neurologista experiente em trombólise.

Critérios de inclusão para terapia trombolítica:

• Idade acima de 18 anos


• Diagnóstico clínico de AVEi

78
• Déficit neurológico significativo (NIHSS≥4) ou afasia pura
• Tempo de evolução do quadro inferior à 4,5 horas
• TC de crânio sem hemorragia, causas não vasculares de déficit neurológico e
hipodensidade > 1/3 do território da A. cerebral média.

Critérios de exclusão para terapia trombolítica:

• Paciente sem tempo definido do início dos sintomas


• Uso de heparina nas últimas 48 horas com TTPA elevado
• AVC isquêmico ou traumatismo cranioencefálico grave nos últimos 3 meses
• História de neoplasia intracraniana ou hemorragia intracraniana.
• TC de crânio com hipodensidade precoce > 1/3 do território da artéria cerebral
média
• PA sistólica> 185 mmHg ou PA diastólica >110 mmHg (em três ocasiões, com 10
minutos de intervalo) refratária a tratamento anti-hipertensivo.
• Melhora rápida e completa dos sinais e sintomas no período anterior ao início da
trombólise
• Déficits neurológicos leves (NIHSS≤4)
• Cirurgia de grande porte, TCE grave ou procedimento invasivo nos últimos 14 dias
• Hemorragia genitourinária ou gastrointestinal nos últimos 21 dias ou história de
varizes esofágicas
• Punção arterial em local não compressível na última semana
• Coagulopatia com TP prolongado (INR > 1,7), alterações de TTPA ou plaquetas <
100.000/mm³
• Glicemia < 50 mg/dL com reversão dos sintomas neurológicos após a correção
• Evidência de endocardite ou êmbolo séptico, pericardite
• Hepatite aguda, doença hepática severa, pancreatite
• Massagem cardíaca traumática nos últimos 10 dias
• Contraindicações relativas
• Idade superior a 80 anos
• IAM nos últimos 3 meses
• Gravidez
• Glicemia > 400 mg/dL
• Malformação vascular cerebral ou aneurisma cerebral
• NIHSS > 25
• Crise epiléptica no início do déficit neurológico

79
O manejo do AVE em fase aguda objetiva minimizar a extensão do tecido cerebral
com lesão irreversível, reduzir a incapacidade e prevenir a recorrência do evento. Há um
tempo desejável para cada etapa da abordagem hospitalar do paciente vítima de AVE
(Tabela 16).
Tabela 16 – Tempo desejável para abordagem hospitalar inicial do paciente com suspeita de AVEi.

Ação
O Tempo desejável
Porta – avaliação médica inicial ≤ 10 minutos
Porta – avaliação por equipe de AVC ≤ 15 minutos
Porta – Tomografia de Crânio ≤ 25 minutos
Porta – Interpretação de TC de crânio ≤ 45 minutos
Porta – Início do trombolítico ≤ 60 minutos
Porta – Unidade de AVE ≤ 3 horas

A pressão arterial, glicemia capilar, frequência cardíaca, SatO2 e temperatura são


fatores de neuroproteção a serem controlados, necessitando de acompanhamento seriado.

Se o paciente for elegível para o tratamento com trombolítico:

• Punção de dois acessos venosos calibrosos


• Coleta de sangue para exames gerais
• Realizar neuroimagem
• Certificar-se da ausência de contraindicações
• Admissão em unidade de suporte intensivo ou unidade de AVE.
• Não passar sonda vesical e manter o paciente em jejum.
• Realizar nova avaliação pelo NIHSS antes do início da trombólise.

Nos pacientes elegíveis à trombólise intravenosa, a administração intravenosa do


alteplaste (rt-PA) é feita na dose de 0,9mg/kg (dose máxima de 90mg) em 60minutos com
10% da dose em bolus por 60 segundos e o restante por bomba de infusão. Durante e após
a infusão do trombolítico a PA deve ser mantida <180/110 mmHg com PAM >90mmHg
com aferição a cada 15 minutos na primeira hora, a cada 30 minutos da 3ª a 8ª hora e até
36horas depois a cada hora. Se a PAS 180-220 mmHg ou PAD entre 110-140, controlar
com metoprolol IV, 5 mg em 5 minutos, podendo repetir dose a cada 10 minutos com
dose máxima de 20 mg. Se PAS > 220 mmHg ou PAD > 140 mmHg, iniciar nitroprussiato
de sódio em bomba de infusão na dose de 0,5-10,0 mcg/kg/min.

A glicemia deve ser mantida entre 140-180 mg/dL com monitorização a cada 15
minutos durante a trombólise, se necessário correção, utilizar insulina. Deve-se realizar o
controle neurológico rigoroso durante e após a infusão com o escore NIHSS a cada 15

80
minutos durante a infusão, a cada 30 minutos nas próximas 6 horas e a cada 1hora
até que se completem 24 horas. Encaminhar o paciente para unidade de AVE.
A conduta nos pacientes não candidatos à terapia trombolítica deve ser suporte
clínico. Distúrbios de deglutição devem ser descartados e se presentes, recomenda-se
passagem de sonda nasogástrica/enteral. Alguns estudos trazem benefícios na
administração de AAS em fase aguda de AVEi na dose de 325 mg. Manter PA < 220/120
mmHg nas primeiras 24 horas, e se necessário, controlar com metoprolol ou
nitroprussiato de sódio. Prescrever profilaxia de TVP e coletar os exames laboratoriais
gerais: hemograma, coagulograma, sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, perfil lipídico,
eletrocardiograma e encaminhar para unidade de AVE.

Em relação à abordagem do AVEh, sempre consultar o neurocirurgião. O


tratamento da HIP tende a ser de suporte, com abordagem inicial semelhante ao AVEi,
com os mesmos cuidados quanto a pressão arterial e adiciona-se um cuidado com os
pacientes previamente hipertensos mantendo a pressão arterial média desses abaixo 130
mmHg. Para todos evitam-se as medidas medicamentosas de profilaxia para TVP e TEP.

Em pacientes com monitorização de pressão intracraniana (PIC) a pressão de


perfusão cerebral (PPC) deve ser mantida acima de 70 mmHg e após a drenagem cirúrgica
a PAM não deve passar de 110 mmHg. A Hipertensão craniana é definida a partir de
20mmHg por mais de 5 minutos. Usam-se algumas medidas de eficácia discutível, e que
perdem seu efeito em horas/dias: manitol, hiperventilação, sedação ou bloqueio
neuromuscular.

A indicação de tratamento cirúrgico ainda é muito controversa. Alguns autores


recomendam em casos de hemorragia cerebelar acima de 3 cm de diâmetro ou em
hemorragia lobar com deterioração neurológica em pacientes jovens. Cabe ao
neurocirurgião a conduta.

Em relação à abordagem do AVEh, sempre consultar o neurocirurgião. Porém,


o tratamento da HSA costuma ser dividido em suporte clínico, tratamento das
complicações neurológicas (ressangramento, vasoespasmo, hidrocefalia, convulsões) e
tratamento do aneurisma propriamente direto (neurocirúrgico ou vascular sob escolha do
neurocirurgião.

Crise Convulsiva na Emergência

A crise é uma ocorrência transitória de sinais/sintomas decorrentes de


atividade neuronal anormal excessiva ou síncrona no cérebro. A crise provocada é
decorrente de uma causa imediata identificada (intoxicação, distúrbio metabólico,
abstinência de drogas, trauma neurológico) enquanto a crise não provocada é a crise sem
causa conhecida. A epilepsia é uma desordem cerebral com predisposição permanente

81
a gerar crises convulsivas com consequências neurobiológicas, cognitivas,
psicológicas e sociais.

Uma convulsão generalizada consiste em atividade anormal que se inicia em


algum ponto do SNC e envolvem redes neuronais bilateralmente, ela pode ser tônico-
clônica, clônica, tônica, atônica, mioclônica ou de ausência. Uma convulsão focal ou
parcial consiste de ativação neurológica anormal limitada a um hemisfério ou área
cerebral, que pode ser discretamente localizada ou distribuída de forma mais ampla. A crise
focal pode ser com prejuízo da consciência ou atenção, sem prejuízo da consciência
ou atenção ou evoluir para crise convulsiva bilateral.

Um quadro de 30 minutos de atividade convulsiva contínua ou seriada sem


retorno ao estado de consciência completo é chamada de estado epiléptico (“estado de
mal”) convulsivo ou clássico. É uma emergência médica que requer tratamento imediato
com mortalidade de até 20%.

Para o paciente com uma doença convulsiva conhecida, a causa mais comum de
convulsão na emergência é por níveis subterapêuticos das medicações antiepilépticas,
seja por falta de aderência ou alteração sistema que interfira na biodisponibilidade. Para o
paciente com um primeiro episódio de crise convulsiva algumas causas são mais
prevalentes: lesões neurológicas (AVE, neoplasias, trauma, hipóxia, anormalidades
vasculares), anormalidades metabólicas (hipo ou hiperglicemia, hipo ou hipernatremia,
hipercalcemia, encefalopatia hepática), etiologias toxicológicas (abstinência, cocaína,
teofilina), etiologias infecciosas (meningite, encefalite, abscessos cerebrais,
neurocisticercose, malária), causas genéticas (defeito genético em que as convulsões são
os achados principais da desordem como na epilepsia mioclônica juvenil) ou ainda causa
não conhecida.

Frequentemente as crises iniciais/únicas são decorrentes de lesões estruturais


de SNC ou complicações clínico metabólicas, e com as correções do fator causal e
ausência de lesão, a chance do paciente se tornar epiléptico é mínimo.

O estado epilético (“estado de mal”) tem como etiologia mais frquentes: infecções
do SNC, trauma cranioencefálico, sangramento do SNC, complicação de lesões
estruturais de SNC (neoplasias primárias ou metastáticas), intoxicações agudas,
hipóxia/anóxia do SNC, graves distúrbios metabólicos e soma de vários fatores (p. ex.,
idade avançada, distúrbios eletrolíticos, infecção, lesão prévia de SNC).

Parte importante do atendimento nestes casos é a anamnese. É papel do


profissional na emergência investigar detalhadamente a presença de fatores que
desencadeadores de crise. Questionar ingestão de grandes quantidades de tóxicos,
drogas recentes que abaixam o limiar convulsivo, doença ou lesão neurológica prévia

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(AVEi, AVEh, neurocisticercose, neurocirurgia), lesões agudas concomitantes à crise (HSA,
HIP, metástases ou tumores primários de SNC).

Em pacientes com epilepsia investigar a aderência medicamentosa, se houve


suspensão abrupta ou mudança de esquema terapêutico. Investigar também uso de
drogas que reduzem limiar convulsivo e não esquecer de outros possíveis fatores
desencadeantes da crise além da epilepsia. O paciente que suspendeu o seu
anticonvulsivante por conta própria há alguns dias não precisa de exames, apenas
prescrição da medicação com seu início na emergência. Pacientes com uma ou mais
medicações anticonvulsivantes que chegam à emergência com nova crise, sem outras
manifestações, podem ter sua dose de medicação aumentada apenas.

Em resumo, para o paciente que já tem epilepsia: avaliar a adesão, a necessidade


de coleta de exames, avaliar trauma secundário à crise (TC crânio se dúvida) e otimizar
da medicação.

As manifestações clínicas do estado de mal epiléptico variam de quadros


autolimitados a manifestações de perda abrupta de nível de consciência e abalos
convulsivos nos quatro membros. Deve-se investigar sialorreia, cianose, liberações de
esfíncter e sinais e sintomas antes do quadro (podem indicar lesões focais). O paciente pode
não apresentar outros sintomas, porém a crise pode estar indicando uma patologia
subjacente.

Os princípios gerais do tratamento são: garantir normalidade de vias aéreas,


ventilação e circulação, mensuração da glicemia capilar (busca de hipoglicemia), avaliação
de sinais vitais e estado hemodinâmico (PA, pulso, perfusão, saturação de oxigênio).
Estabiliza-se o paciente clinicamente, e procedemos com monitoramento e acessos venosos
periféricos. Investigar a história clínica completa.

No exame físico buscar pistas etiológicas, alterações neurológicas focais, sinais


de irritação meníngea, realizar fundo de olho, coletar exames laboratoriais se necessário,
solicitar neuroimagem para avaliação de alterações estruturas e coletar líquor na suspeita
de meningite/encefalite ou outras infecções do SNC.

Para avaliação das causas clínicas pode-se fazer uso dos exames: hemograma,
plaquetas, coagulograma, função hepática e renal, glicemia, sódio, potássio, cálcio,
magnésio, gasometria arterial, parcial de urina, urocultura, hemoculturas.

Para avaliação de intoxicações agudas, o screening toxicológico com dosagem


sérica. Em pacientes em uso de medicações antiepilépticas, dosagem sérica de
antiepilépticos. O eletroencefalograma pode ser usado para definir a presença de estado

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epiléptico não convulsivo em paciente confuso ou rebaixado. Se a crise for única, com
todos os exames normais, a introdução de agentes antiepilépticos não está indicada.

Em pacientes com epilepsia, se houve irregularidade do uso de medicação,


administrar as doses perdidas. Se necessário, realizar aumento das doses, de preferência
em conjunto com o médico que já acompanha o paciente. Sempre buscar tratamento em
monoterapia ajustando até a dose máxima.

Em crises provocadas o melhor tratamento é a correção da causa de base. Se as


crises forem secundárias a lesões neurológicas agudas, pode-se usar agentes
antiepilépticos para evitar recorrência de crises, mas com eficiência limitada.
Benzodiazepinicos não estão indicados se a crise já tiver passado. Se necessário, o
agente mais usado é a fenitoína em dose de ataque durante toda a fase aguda e retirada
a partir da12ª semana.

Em pacientes em estado epiléptico, recomenda-se o uso de benzodiazepínicos,


capazes de abortar as crises em 80% dos casos. Em pacientes sem acesso venoso
administrar 10mg de Midazolam IM, se com acesso venoso, Diazepam IV 2g/minuto até
controle da crise ou dose total de 20 mg (duração de ação até 30 minutos). Após a
administração de benzodiazepínicos, há a necessidade de agentes antiepilépticos com
duração mais prolongada como fenitoína ou fosfenitoína endovenosa, ambas a
20mg/kg, e se houver persistência da crise, administrar mais 5 a 10 mg/kg (total de 25-30
mg/kg). A fenitoína deve ser diluída em 250 – 500 de soro fisiológico 0,9% e infundida em
acesso calibroso (não em extremidades) a velocidade de 50 mg/minuto (hipotensão e
arritmias podem acontecer durante infusão) enquanto a fosfenitoína pode ser infundida a
150 mg/min.

Se o paciente ainda persistir com crises, iniciar midazolam ou propofol com


intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Midazolam é usado na dose inicial de 0,2
mg/kg, IV, lento, e para manutenção 0,2 a 0,6 mg/kg/h até o efeito desejado (doses de até
2 mg/kg/h). E o propofol é usado na dose inicial de 0,2 mg/kg, IV, lento, e para manutenção
2 a 5 mg/kg/h até o efeito desejado (doses de até 15 mg/kg/h).

O fenobarbital é a droga de escolha no estado epiléptico relacionado estado


epiléptico relacionado a intoxicações agudas, grave abstinência alcoólica e estado
epiléptico desencadeado pela abstinência ao fenobarbital. Dose de 20 mg/kg, IV,
infundido a 50 – 75 mg/min (apresenta longa meia vida e deprime o nível de consciência).

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Fluxograma 3 – Tratamento do estado epiléptico.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BLOCO PARA ATENDIMENTO NO SAV

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