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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL - UNIJUI
CURSO DE PSICOLOGIA

PEDRO HENRIQUE PEREIRA VIEIRA DA ROSA

A PSICOSE E SUA CONSTITUIÇÃO ESTRUTURAL

SANTA ROSA
2016
PEDRO HENRIQUE PEREIRA VIEIRA DA ROSA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


A PSICOSE E SUA CONSTITUIÇÃO ESTRUTURAL

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Psicologia à
Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI,
como requisito parcial à obtenção do titulo
de Bacharel em Psicologia.

ORIENTADOR: PROF.ª MARCELE TEIXEIRA HOMRICH RAVASIO

SANTA ROSA
2016
PEDRO HENRIQUE PEREIRA VIEIRA DA ROSA

A PSICOSE E SUA CONSTITUIÇÃO ESTRUTURAL

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Profª. Dr. Marcele Teixeira Homrich Ravasio

________________________________________
Profº. Dr. Gustavo Héctor Brun

Santa Rosa, 15 de Dezembro de 2016.


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, meus


irmãos, à Jéssica e a minha Tia Olga pelo
apoio de sempre, me incentivando,
motivando e reconhecendo o valor das
minhas forças direcionadas para a melhor
produção possível desta pesquisa.
Agradeço também a minha Profª
Orientadora Marcele Homrich Ravásio
pela confiança, atenção e generosidade
ao me orientar academicamente na
produção deste trabalho.
“Não há apreensão mais ampla da
realidade humana do que aquela que é
feita pela experiência freudiana.”

Jacques Lacan
A PSICOSE E SUA CONSTITUIÇÃO ESTRUTURAL

PEDRO HENRIQUE PEREIRA VIEIRA DA ROSA

MARCELE TEIXEIRA HOMRICH RAVASIO

RESUMO

O seguinte trabalho acadêmico ancora-se no direcionamento dos saberes


acerca do que e como se consiste a formação psicótica, bem como suas principais
raízes etiológicas no sujeito até a sua maneira de constituir-se psiquicamente. Com
o intuito de explicar e explanar acerca dos trâmites inerentes constituição da
estrutura psicótica, o texto referencia-se sobre um apanhado bibliográfico advindo de
obras clássicas e também autores contemporâneos da teoria psicanalítica.
Primeiramente, apresenta-se um esclarecimento das diferentes formas de
diagnosticar um sujeito, diferenciando o diagnóstico fenomenológico do diagnóstico
estrutural. Posto à par da estrutura do sujeito, recém referenciada, o estudo narra a
constituição do sujeito enquanto os encargos dos enlaces edípicos da constituição,
podendo, por fim, esclarecer quanto ao modelo errante da psicose no que concerne
ao estruturar-se, onde, através da falha da função paterna no processo edípico, a
foraclusão põem-se como constituinte fundamental da estruturação psicótica.
Palavras-chave: estrutura psicótica – sujeito – psicose – foraclusão.
ABSTRACT

The following scholarly work is anchored in directing the knowledge about


what and how psychotic training consists, as well as its main etiological roots in the
subject up to the psychic constitution. With the purpose of explaining the inherent
procedures of the psychotic structure, the text refers to a collection of bibliographies
from classical works and contemporary authors of psychoanalytic theory. Firstly, a
clarification of the different ways of diagnosing a subject is presented, differentiating
the phenomenological diagnosis from the structural diagnosis. In keeping with the
structure of the subject, recently referenced, the study narrates the constitution of the
subject as the burden of the Oedipal bonds of the constitution, and, finally, can clarify
the wandering model of psychosis in what concerns the structuring, where, through
the failure of the paternal function in the Oedipal process, the foraclusion becomes
as fundamental constituent of the psychotic structuration.
Keywords: psychotic structure – subject – psychosis – foraclusion .
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................8
1 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL ............................................................................. 11
1.1 DIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO ............................................................... 11
1.2 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL .......................................................................... 14
2 A ESTRUTURA DO SUJEITO PSÍQUICO............................................................. 20
2.1 O ACOLHIMENTO MATERNO E A ALIENAÇÃO AO DESEJO DO OUTRO...... 20
2.2 TRÍADE EDIPIANA: A NOMEAÇÃO DA FIGURA PATERNA ............................. 26
3 A ESTRUTURA PSICÓTICA ................................................................................. 34
3.1 FORACLUSÃO.................................................................................................... 36
3.2 A SUSTENTAÇÃO DO SUJEITO PSICÓTICO - A METÁFORA DELIRANTE.... 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 47
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50
8

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa pesquisar o entendimento do modelo de estruturação


psicótica do sujeito, dentro dos referenciais psicanalíticos freudolacanianos de
entendimento psíquico. A estrutura psicótica é posta a analise e argumentação,
fundamentada por uma pesquisa literária alicerçada por uma bibliografia quase que
essencialmente formada por autores psicanalíticos, autores e comentadores,
principalmente, guiados pelas obras angulares de Sigmund Freud e Jacques Lacan,
também referenciados neste trabalho acadêmico. Os principais temas abordados
são os conceitos fundamentais da psicanálise, mais aprofundados no que se refere
à psicose e seus principais pilares conceituais de entendimento, tais como a
foraclusão e a relação do sujeito com o significante Nome do Pai, que levam a
formação psíquica da estrutura psicótica, constituída através de um delírio central,
na busca de organizar um sujeito em falha no âmbito da castração da lei paterna.
Como se dá este modelo de estrutura psicótica do sujeito é a grande questão
levantada nesta construção acadêmica, onde, a resposta revela-se na condução da
agência paterna nos processos de formação do psiquismo, agência esta,
fundamentada pela falha, pela ausência simbólica desta função alicerce no processo
constituinte. Dentre os objetivos deste trabalho, está o esclarecimento do que de fato
é uma modelo de estrutura psíquica de um sujeito, como se dá esta formação
estrutural e, por fim, qual é a força angular de formação estrutural especificamente
psicótica, fundada na foraclusão do Nome-do-Pai.
Ante a pensar o entendimento da psicose estrutural, o primeiro capítulo trata,
basicamente do objetivo de contextualizar quanto a uma analise peculiar à que se
chama de estrutura psíquica de um sujeito. Ao decorrer de um apontamento
estrutural, posto ao diagnóstico propriamente dito, é preciso percorrer o
esclarecimento da diferença entre o diagnóstico médico fenomenológico e a visão
clínica psicanalítica de um diagnóstico de estrutura. Aqui, autores como Freud,
Alfredo Jerusalinksy, Joel Dör, Contardo Calligaris, entre outros, serviram de posse
bibliográfica para as referencias citadas na construção do texto. O estudo inicial
deste primeiro capítulo, proposto a situar quanto às competências de uma estrutura
psíquica, é, assim como todo o restante da obra, uma construção teórica,
9

fundamentada por um apanhado literário baseado em obras e autores


correspondentes à teoria psicanalítica da formação da subjetividade.
O trabalho é uma teorização acerca do modelo de estruturação psíquica do
sujeito, que, após esclarecer quanto ao diagnóstico estrutural – ora, quanto ao que é
de fato uma estrutura psíquica – esmiúça a constituição e gênese deste modelo
estrutural de leitura do sujeito. O segundo capítulo aborda a cronologia e a
particularidade da estruturação, revelando desde o acolhimento do sujeito pelo
Outro, ente materno, passando pelas posições de ser o falo, para ter o falo, de
acordo então, com a ordem da instauração paterna. É, portanto, o modelo edípico de
relações inconscientes, atribuídas às formações da construção subjetiva, que
ancoram a base teórico-literária deste capítulo.
Dividindo a gênese constitutiva entre a relação da criança com a mãe,
referência de Outro, e a conjuração da ação simbólica da figura do pai, o capítulo
fundamentou-se em obras lacanianas e referências a outros autores, como
Jerusalinsky (2002), ao trazer todo um amparo quanto a primordial ação de
acolhimento materno e a ação da relação fusional da criança com o grande Outro.
Para o segundo ponto, dentro ainda deste capítulo voltado às indulgências de um
modelo estrutural de constituição, apresenta-se a simbólica força de ação da figura
paterna, castrando e organizando o sujeito enquanto sujeito de fato, conforme uma
ordem simbólica de função fálica. Este esclarecimento, quanto à introdução da figura
paterna na ordem das relações edipianas, se constrói através de autores
fundamentais como Dör (1989, 1991), Nasio (1997), Lacan (1988) e demais
comentadores pós-lacanianos.
Posto que, aqui o trabalho é direcionado, totalmente às questões
inconscientes da elaboração psíquica, trazendo temas invariavelmente inerentes à
construção dos enlaces edipianos e suas consequências, como engrenagens
fundamentais do entendimento da subjetividade estrutural do sujeito. É desta forma,
aqui apresentada, portanto, a orientação do interesse desta produção acadêmica, de
um cunho psicanalítico quanto às questões e argumentações propostas. A leitura
estrutural que aqui se faz, é fundamentalmente relacionada à clínica estrutural do
sujeito.
Por fim, uma vez que já construído o caminho quanto ao conhecimento e ao
entendimento das constituintes fundamentais da gênese estrutural do sujeito,
aponta-se, portanto, a proposta da estrutura psicótica na formação deste sujeito. No
10

terceiro capítulo, se faz o estudo da etiologia e das fundamentais instituições que


regem a psicotização estrutural, atribuindo a esta, a máxima da foraclusão do Nome-
do-Pai, ausente enquanto agente da ação simbólica paterna e castradora. Através
do entendimento, a priori, da constituição neurótica (dada como a “normal”, de
acordo com segundo capítulo), pode-se partir à leitura do entendimento da
constituição não neurótica, mas sim a psicótica, argumentada em cima de conceitos
fundamentais como a foraclusão e a metáfora delirante.
Lacan (1988) traz a psicose aos seus Escritos, Freud (2006), anteriormente
narrara o Caso Schereber (âncora da análise dos enquadramentos referenciados a
falha da figura paterna) e Calligaris (2013) esmiúça todas as particularidades da
psicose ao elucidá-las na sua obra Introdução a uma Clínica Diferencial das
Psicoses. Tais autores, somados a Dör (1991) e Soler (2007), também
contemporâneos as obras lacanianas, embasam o estudo proposto às inerentes
constitutivas da psicose enquanto modelo estrutural. O apanhado teórico aqui
apresentado, referencia uma modelo de análise que passa da foraclusão à ação da
metáfora delirante (bem como seu delírio de sustentação e a injunção da crise no
psicótico).
A Psicose enquanto estruturação frente à alienação ao desejo do Outro, é o
que este trabalho busca, portanto, esclarecer, de acordo com os trâmites da
constituição psíquica do sujeito, estruturando-se através da ideia da foraclusão,
conceito psicanalítico fundamental no entendimento das psicoses. Aqui, o intuito é
entender o modo de se constituir do Eu psicótico, ausente do referencial paterno,
castrador.
11

1 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL

Ao falar de um sujeito, em âmbito profissional, seja no ramo da psicologia ou


da psiquiatria, é falar neste sujeito, sobretudo, dentro do que este tem a apresentar
como produtor do material que será posto em julgamento do profissional que o
ampara. Quanto ao potencial de conhecimento e o agir deste profissional, sabe-se
que, de acordo com a identidade teórica assumida dentro dos padrões de tratamento
e condução do processo terapêutico, cabe um modelo de diagnóstico específico que
se enquadre adequadamente a esta abordagem específica. A medicina e a clínica
psicanalítica diferem muito, neste modelo de balizamento quanto ao ler e entender o
sujeito ao que se atem. A prática médica assume a posição de propor o estudo e a
condução da ação médica psiquiátrica dentro de um modelo classificatório descritivo
presente em manuais, já a clínica psicanalítica propõe a analise estrutural do sujeito,
focando em seu subjetivo modelo de discurso e de relacionamento com o outro.
Propor o entendimento do sujeito psíquico requer primeiramente à distinção
entre os modelos de ler este sujeito, bem como as diferentes abordagens
classificatórias ao qual caberá entende-lo. Jerusalinsky (2011) aborda as diferentes
formas de posicionamento frente aos modelos de entendimento da psicopatologia
contemporânea, diferenciando, portanto os padrões classificatórios do positivismo
fenomenológico, proposto no campo médico pelo CID-10 e ainda pelo DSM-IV, da
leitura psicanalítica do sujeito, conduzida pela escuta, embasada nas teorizações
pós-freudianas de analise do sujeito. O debate contemporâneo acerca das diferentes
formas de analise e diagnóstico caminha concomitante ao ato terapêutico em si.

1.1 DIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO

Partindo da proposta positivista que acompanha a analise do fenômeno,


apresentamos o diagnóstico psiquiátrico, como aquele que se faz possível através
da percepção concreta de um sintoma aparente. Machado (1999) nós aponta que a
medicina, baseada na fenomenologia apresentada no corpo, requer um estudo
criterioso e de possível classificação universal, a fim de enquadrar o padrão
sintomático em um sistema organizado no qual o médico ira se ancorar ao
diagnosticar os fenômenos que lhe são apresentados.
12

A conduta do tratamento psiquiátrico, de acordo com este modelo de


diagnóstico baseia-se, no diagnóstico do sintoma revelado pelo corpo, no fenômeno
que se apresenta ao médico.

Um diagnóstico é um ato médico mobilizado por dois objetivos.


Primeiramente, um objetivo de observação destinado a determinar a natureza
de uma afecção ou uma doença, a partir de uma semiologia. Em seguida um
objetivo (...) que permite localizar um estado patológico no quadro de uma
nosografia. (DOR, 1991, p.13).

Sendo assim, o estudo e o tratamento da patologia se fazem de modo a se


definir, a priori qual a patologia constada, para então poder conduzir o tratamento
adequado ao quadro apresentado. Contudo, este processo de diagnostico do
fenômeno deve seguir os modelos presentes nos sistemas internacionais de
classificação – a Classificação Internacional das Doenças (CID), da Organização
Mundial de Saúde, 10ª revisão (CID 10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais, 4ª edição (DSM-IV).
O modelo de diagnóstico através dos padrões estatísticos do DSM, presente
na psiquiatria, classifica o sintoma, ou o conjunto de sintomas, dentro de um quadro
sindrômico, recorrente de um quadro nosológico que compõem a patologia
observada. Dor (1991) afirma que este modelo de investigação médica põe-se em
curso, primeiramente, através de uma anamnese investigativa e direcionada, onde,
através desta entrevista inicial, busca-se perceber os sintomas apresentados pelo
paciente. Posteriormente, o médico utiliza-se de ferramentas adequadas para o
prosseguimento da busca diagnóstica, fazendo uso de exames e procedimentos
adequados que o auxiliem a fazer a leitura correta dos sintomas, tais como
mediadores técnicos, instrumentais e biológicos.
Neste sentido, Machado esclarece:

O diagnóstico em psiquiatria prevê, de modo geral, uma coleta de dados a


respeito do paciente e de sua história clínica para, a partir deles ser possível
uma classificação. Baseados nestes dados, será feita uma hipótese
diagnóstica que vai levar a um diagnóstico provisório, este, por sua vez, dará
origem ao diagnóstico definitivo. (MACHADO, 1999, p.55).

O enquadramento dos sintomas dentro de um modelo padrão tem por objetivo


o caráter emergencial de sanar com este quadro patológico aparente, onde cada
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patologia constatada adéqua-se a um padrão de tratamento a ser seguido, seja ele


farmacológico, psicoterapêutico ou ambos.
Figueiredo (2002) nos apresenta dois tipos de diagnósticos presentes neste
modelo psiquiátrico de conduta de classificação nosográfica. Segundo o DSM, o
médico pode estabelecer um Diagnóstico Sindrômico, o qual se caracteriza por não
decorrer acerca da doença em si, em sua etiologia, mas sim no conjunto de
sintomas e sinais apresentados. Dentro da psiquiatria, um quadro sindrômico
delirante-alucinatório (caracterizado por delírios e alucinações de diversas
naturezas), por exemplo, pode estar presente em uma esquizofrenia, em uma
psicose maníaco-depressiva (segundo os termos psiquiátricos atuais, um transtorno
afetivo de bipolaridade) ou ainda em uma psicose reativa breve. O Dignóstico
Sindrômico seria, portanto o levantamento do quadro sintomático apresentável,
decorrendo acerca dos sintomas (delírios e alucinações, conforme o exemplo à
cima).
Do mesmo modo em que se faz o enquadramento sintomático dissociado da
enfermidade que o produz, o médico deve buscar um modelo de classificação que o
esclareça da patologia de fundo que origina este conjunto de fenômenos. Um
modelo de diagnóstico que o oriente acerca da moléstia investigada, um padrão de
apontamento de Diagnóstico Nosológico. Neste, o objetivo é classificar a
enfermidade, diagnosticando então, conforme o DSM, a patologia apresentada pelo
sujeito, dentro dos padrões estatísticos e classificatórios cujo qual esta se compõem
no campo da medicina fenomenológica. A autora Ana Figueiredo Machado aponta
para o objetivo desta diferenciação de classificação:

O primeiro objetivo desta distinção estaria em orientar a clínica mais imediata,


no sentido de sistematizar, pelo diagnóstico sindrômico, os sintomas que
devem ser atacados, sobretudo porque as terapêuticas psiquiátricas são
sintomáticas. (...) O diagnóstico sindrômico teria ainda a função de orientar o
próprio diagnóstico nosológico, uma vez que certas síndromes não ocorrem
em certas patologias. (FIGUEIREDO, 2002, p.33).

O tratamento de caráter emergencial consequente do diagnóstico sindrômico


tem então por objetivo sanar os sintomas e sinais apresentados pelo paciente, a fim
de conter quaisquer que sejam as ações patológicas agindo. Um exemplar plano de
ação terapêutica baseada neste diagnóstico seria o uso de psicofarmacos
antipsicóticos na contenção de alucinações e delírios enquanto sintomas positivos,
14

lembrando que este tratamento não estaria curando a enfermidade causadora


destas ações no sujeito.
Uma vez que o diagnóstico nosológico busca a identificação da natureza
propriamente dita da doença, este, orienta a intervenção médica à longo prazo,
segundo Machado (1999). Esta visão mais aprofundada da patologia permite o
entendimento do quadro nosográfico em questão, a ponto de estabelecer um
prognóstico de tratamento e uma conduta médica de maior alcance, no que diz
respeito ao tratamento da etiologia da enfermidade.
O diagnóstico fenomenológico, portanto como ferramenta fundamental na
condução da ação médica, classifica e enquadra o sujeito e seus sintomas positivos
dentro dos referenciais descritivos presentes no DSM e no CID. A fim de tratar estes
sintomas, sanando as suas ações no corpo, o médico faz uso de fármacos ou não,
bem como uma terapêutica psiquiátrica adotada, independe da analise clínica
subjetiva da causalidade da enfermidade, focada no apontamento objetivo e
pragmático descrito nos manuais, adotando uma postura de controle sintomático,
sem que se busque entender a origem singular destes sintomas no contexto
particular do sujeito.
Dor (1991) nos referencia, de maneira crítica, remetendo-se ao sucesso desta
intervenção médico-terapeutica correlacionando a prática médica diretamente à
regularidade e fixidez das enfermidades agindo no corpo em contra-ação dos
objetivos nosológicos dos fármacos utilizados, ou seja, o tratamento médico, se faz
eficaz a medida em que este sana as ocorrências positivas diagnosticadas. Ora,
este modelo de diagnóstico então, assume a postura rígida de classificar e ordenar,
objetivando de fato a minúcia sintomática descritiva e objetiva, sem fazer-se
necessária a contextualização singular de cada sujeito para com estas atribuições
patológicas.

1.2 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL

O DSM, como ferramenta objetiva e estatística de classificação nosográfica,


portanto, municia o campo da clínica psiquiatrica com descrições específicas e
organizadas dentro de um padrão universal, porém, aquém de qualquer interesse de
constatação subjetiva que revele algo inerente à singularidade do sujeito. No campo
da clínica psicanalítica, por outro lado, antes mesmo de buscar o diagnóstico
15

estrutural, é de fundamental esclarecimento a noção de que a singularidade de cada


sujeito condiz com seus sintomas e discursos apresentados, baseados estes, nas
construções inconscientes determinantes unicamente a este sujeito específico.

Uma determinação assim, do diagnóstico, no campo da clínica psicanalítica,


torna-se, de antemão, impossível, pela razão da própria estrutura do sujeito.
A única técnica de investigação que analista dispõe é a sua escuta. Tanto
quanto caduca a noção de investigação armada, permanece essencialmente
verbal o material clínico fornecido pelo paciente. Será, então, de imediato na
dimensão do dizer e do dito que se delimitará o campo de investigação
clínica. (DOR, 1991, p.14)

Tendo então este trecho de Jöel Dor como referência de um ponto de partida
no esclarecimento de um diagnóstico estrutural baseado na fala e no discurso
proposto pelo paciente, é imprescindível alentar de antemão, que, de acordo com
Freud (2006) é de suma importância o esclarecimento da noção de que o
diagnóstico estrutural na clínica da escuta se faz junto ao caminhar e ao
desenvolvimento do tratamento. O diagnóstico estrutural, se confirma à medida em
que o terapeuta avança em seus encontros com o paciente, o que, para Freud e
suas orientações quanto aos métodos psicanalíticos, se apresenta de maneira
paradoxal, uma vez que o mover do tarapeuta em direção da cura se dá através do
estudo da estrutura, este sucesso se fará decorrente da confirmação que só virá
após algum tempo de tratamento e de conhecimento de caso.
A ação da clinica psicanalítica sobre tudo, não deve ancorar-se apenas na
identificação do diagnóstico da estrutura do sujeito, como seu grande e principal
objetivo, uma vez que a interpretação de um psicólogo analista deva ser ímpar
quanto ao levantamento diagnóstico. Se assim não for, as alusões aos procederes
médicos em seus derivados campos de atuação determinariam, da mesma forma, a
clínica analítica. O diagnóstico estrutural não assume, pragmaticamente, uma
posição de conclusão, vedando o manejo do tratamento ou enquadrando o sujeito
dentro de um perfil estrutural sem qualquer possibilidade de novo posicionamento
diagnóstico, pelo contrário, o proceder na clínica da escuta, se faz de maneira a
estar sempre aberto às novas significações trazidas pelo sujeito.

Na clínica analítica, o ato diagnóstico é necessariamente, de partida, um ato


deliberadamente posto em suspenso e relegado ao devir. É quase impossível
determinar, com segurança, uma avaliação diagnóstica, sem o apoio de certo
tempo de análise. Mas é preciso, no entanto, circunscrever (...) uma posição
diagnóstica para decidir quanto á orientação da cura. (DOR, 1991, p.15)
16

Na clínica, a avaliação do analista é essencialmente subjetiva, municiada


apenas pela escuta do livre associar de ideias do paciente, sendo de fato o dizer do
sujeito o verdadeiro expositor da sua determinante estrutural. A linguagem,
constituinte desta determinação inconsciente do sujeito, carrega consigo todo o
modelo de organização deste frente aos significantes de desejo e as relações de
posição frente ao Outro, cujo qual, veremos mais adiante. É através da fala, que o
discurso do paciente apresenta este, em suas instâncias intersubjetivas, ao
conhecimento daquele que lhe escuta. Propor então o diagnóstico estrutural de
acordo com o Freud (2006), parte do dizer e do dito como pontos de atenção do
analista, dotado este, portanto, de uma escuta flutuante, sem inclinadores,
preconceitos críticos ou posições de julgamento. Ao escutar, se escuta de maneira
aberta à subjetividade do discurso do paciente, aquém do seu sintoma, voltando as
atenções ao espaço intersubjetivo deste que fala.

A descontinuidade entre a observação do sintoma e a avaliação diagnóstica,


impõem que se recentre o problema diferentemente, sobre tudo à luz da
especificidade dos processos inconscientes, que não podem ser objeto de
uma observação direta sem que se exija a participação ativa do paciente,
quer dizer, uma participação de palavras. (DOR, 1991, p.20)

A linguagem revela o inconsciente, e é através dela que o sujeito se organiza


frente ao mundo externo. Todo o seu modo de relação objetal e de prazer move-se
de acordo com os determinantes inconscientes. Segundo Dor (1991), ao citar Lacan
“(...) o sintoma se resolve inteiro numa análise da linguagem, porque é ele próprio
estruturado como uma linguagem, ele é linguagem, da qual a palavra deve ser
liberta”. Portanto, deve-se pensar na clínica da escuta como a relação da dinâmica
de condução e interpretação da palavra, onde esta mesma irá revelar o que de fato
pertence a este que a fala. A clínica do diagnóstico de estrutura utiliza-se da fala do
paciente e da escuta do profissional como única e primordial ferramenta de
condução de tratamento e de elaboração de diagnóstico ao mesmo tempo,
coatuando de maneira singular à cada encontro com o paciente.
É importante pensar aqui, no que se refere a este modelo diagnóstico de
estrutura psíquica, que o sujeito posto, ainda que dentro de seu posicionamento
singular de determinantes subjetivos, como um sujeito que parte de um modo de
relação causal de ações psíquicas pré-conhecidas de funcionamento e organização,
o que permite, de fato, balizá-lo dentro destes modelos referenciáveis de posição.
17

Segundo o autor Joël Dor, entender este padrão concerne um pilar fundamental no
entendimento da psicanálise estrutural como um todo.

Não estamos num campo de interações puramente empáticas ou de


influências sugestivas. A psicanálise se definiu, precisamente em usa
especificidade, tão logo Freud conseguiu arrancar suas intervenções próprias
do domínio das sugestões. Cabe, pois pensar que em uma certa topografia
das afecções psicopatológicas pode, no entanto, se definir. Essa topografia
advém principalmente de um certo modo de balizamento que deve levar em
conta as propriedades mais fundamentais do seu objeto: a causalidade
psíquica e, mais particularmente, o caráter imprevisível dos efeitos do
inconsciente. (DOR, 1991, p.15-16)

É inerente, portanto, à prática clínica procurar, ainda que sem o mesmo cunho
investigativo da conduta da medicina fenomenológica, a relação causal dos sintomas
especificamente percebidos com a identificação de um diagnóstico que faça luz a
origem e à organização destes sintomas.

De fato, a especificidade da estrutura de um sujeito se caracteriza, antes de


mais nada, por um perfil pré-determinado de economia de energia do seu
desejo, que é governada por uma trajetória esterotipada. São semelhantes
trajetórias, estabilizadas (...) por assim dizer, traços estruturais. (DOR, 1991,
p.21-22)

Esta conclusão acima, dita ao diagnóstico estrutural, deve, sobretudo, ater-se


à diferenciação do que é o sintoma, bem como do que é, de fato, um traço próprio
da estrutura.

(...) As referências diagnósticas estruturais aparecem, então, como indícios


codificados pelos traços da estrutura, que são, eles próprios, testemunha da
economia do desejo. Donde a necessidade, para analisar o caráter operatório
do diagnóstico, de se estabelecer claramente a distinção que existe entre os
“sintoma” e os “traços estruturias”. (DOR, 1991, p.22)

O sintoma, de acordo com Freud (2006), é posto como uma evidencia do eu,
é uma ação pré-determinada ligada ao processo primário, que parte, portanto do
inconsciente. É através do sintoma que o sujeito se faz ser, se revela ao outro e
transborda-se de si mesmo. É a vazão dos significantes mais primitivos do eu,
aludindo ao inconsciente que, puramente pulsional, exterioriza-se para fora do
corpo. Um sintoma, de qual natureza fenomenológica for, seja de inscrição positiva
no corpo, na fala, no sonho ou no chiste, carrega consigo uma infinitude de
significantes condensados e ressignificados. Para Freud, o sintoma revela o sujeito e
faz retornar à este, as vicissitudes de um inconsciente movido pelo princípio do
18

prazer, atemporal e aquém da palavra, um inconsciente onde a coisa, retorna ao


sujeito de maneira enigmática, a fim de poder então, de fato, vazar este eu.

(...) podemos compreender em que a natureza do sintoma sempre apenas um


valor significativo tão aleatório quanto imprevisível. Enquanto formação do
inconsciente, o sintoma se constitui, com efeito, por sucessivas
estratificações significantes. Ora, nessa estratificação, a “seleção” dos
significantes não obedece a qualquer princípio de escolha estável. (...) Os
componentes significantes constitutivos no sintoma mantêm-se, então,
diretamente tributários das “fantasias” do inconsciente. (DOR, 1991, p.22)

O modelo de organização e estratificação dos significantes operacionais do


eu, orienta a formação sintomática e é o que define, portanto, o modo de
organização das fantasias do sujeito. O sintoma apresenta-se como rico em material
próprio do sujeito, porém organiza-se de maneira tributária ao que entende-se como
estrutura. O traço genuinamente estrutural atua regendo as formações dos sintomas
e o modo como estes vão agir sobre o sujeito, modelando as relações deste com os
mecanismos de ação do eu e as forças dos significantes inconscientes.

(...) podemos compreender em que a natureza do sintoma sempre apenas um


valor significativo tão aleatório quanto imprevisível. Enquanto formação do
inconsciente, o sintoma se constitui, com efeito, por sucessivas
estratificações significantes. Ora, nessa estratificação, a “seleção” dos
significantes não obedece a qualquer princípio de escolha estável. (...) Os
componentes significantes constitutivos no sintoma mantêm-se, então,
diretamente tributários das “fantasias” do inconsciente. (DOR, 1991, p.22)

O modelo de organização psíquica do sujeito assume então uma


determinação de ordem, relacionada ao modo como este sujeito irá relacionar-se
com o Outro, com as pulsões de gozo e as escolhas objetais. Estes determinantes,
inerentes à constituição única de cada estrutura, regram a formação dos agentes do
eu e da organização da linguagem, portanto, são estes traços estruturais que
conduzem o sujeito a formar-se psiquicamente, singularmente moldando seu
discurso para com o objeto e o outro, bem como na formação dos sintomas.

Ao lado, todavia, da indeterminação relativa da escolha dos significantes que


intervêm nesta formação do inconsciente, existe uma determinação
incontrolável: trata-se de uma determinação cuja intendência do material
significante se afetua apesar do sujeito. Esta intendência é característica do
funcionamento da estrutura, ou seja, de um certo modo de gestão do desejo.
(DOR, Jöel, 1991, p.22-23)

A prática da clínica psicanalítica, bem como os estudos da constituição do


sujeito, segundo Freud (2006) atribuem à formação estrutural ao episódio das
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relações edipianas, posta ao sujeito durante a formação da sua sexualidade. É


através do Complexo de Édipo, que o sujeito, ao relacionar-se com a tríade de
papeis, propostos pela cena dinâmica das primarias relações afetivas de posição e
de posse, que o sujeito irá, de maneira única e imutável, organizar-se segundo uma
estrutura psíquica. A “escolha das neuroses”, segundo Freud (2006), é o momento
da passagem do sujeito pela cena edípica, onde este estrurar-se-á conforme se der
esta relação com o Outro e com as demais etapas de formação do sujeito psíquico.
20

2 A ESTRUTURA DO SUJEITO PSÍQUICO

A estrutura do sujeito, no que tange aos limiares teóricos da psicanálise,


apresenta um modelo de funcionamento psíquico ordenado pelas incumbências
inconscientes, advindas das relações do sujeito para com a sua forma de economia
e direcionamento da energia do desejo. Diz-se da estrutura, algo que nos revela o
modelo de relação do sujeito com o objeto, seu modo de discurso frente ao outro e
sua posição ante à castração paterna. Pensar o sujeito, organizado dentro do campo
da linguagem e das relações edipianas, exige o entendimento da etiologia desta
constituição, a priori da castração e instauração do desejo fálico. É importante ater-
se aqui à noção de referência inconsciente ao qual se direciona este modelo de
narração estrutural, uma vez que são as funções e posições fálicas as quais nos
direcionaremos, que serão, portanto, os ordenadores simbólicos do psiquismo que
determinarão o entendimento da organização dos significantes do sujeito, proposto
neste capítulo.

2.1 O ACOLHIMENTO MATERNO E A ALIENAÇÃO AO DESEJO DO OUTRO

O sujeito psíquico, ao que nos referimos, inaugura-se como significante no


discurso dos pais antes mesmo de sua existência real. Freud (2006) nos relata
acerca do valor significante objetal ao qual se atribui à imagem do filho ainda em
processo biológico de sua concepção. No discurso parental, idealizado de uma
espera dita como normal, de relações familiares, o bebê já passa pela energia do
desejo dos pais durante todo o processo de sua formação. Ainda que a priori do
acolhimento real do filho idealizado, os pais já lhe atribuem um nome, uma imagem
construída de seus significantes e um valor imensurável de extensão narcísica para
com o significante bebê. Pensar o mobiliar de um quarto, por exemplo, como ação
de deposito da energia libidinal dos pais para com o filho, evidência de fato a ação
real, advinda do desejo da idealização do bebê, a majestade suprema da extensão
do desejo narcísico dos pais.
Carregada de valor significante, a criança, ao nascer, dentro do modelo
funcional ao que propõem a psicanálise, faze-se prioridade da atenção materna,
requerendo a si o direcionamento da ação da mãe, como primeiro e grande
instaurador dos processos de relação entre o sujeito advir e o Outro. Segundo
21

Jerusalinwski (2002), o sujeito, neste primeiro momento de sua existência, ainda não
é, de fato, sujeito, mas sim um corpo orgânico vazio de forças psíquicas e
mnêmicas. Aqui a criança encontra-se como um agente biológico carente de um
acolhimento real, onde suas necessidades suprir-se-ão através de uma ação de
outrem que lhe sustente de suas carências fisiológicas.

(...) a mãe não só estabelece a demanda do bebê – colocando em cena seu


saber inconsciente para ler, para outorgar seu choro – ela produz outro
movimento fundamental: após formular uma resposta à demanda do bebê,
ela se certifica de que a significação que atribuiu a tal demanda tenha sido
acertada. (JERUSALINSKI, 2002, p.137)

Esta demanda da criança para com este segundo agente de ação, revela o
início do processo de constituição daquilo que virá a ser o eu, determinado pelas
forças das relações deste sujeito com o Outro e suas consequências. A mãe
inicialmente atribui, portanto, a sua demanda e seu investimento libidinal ao bebê,
acolhendo-o, segundo a sua própria demanda de significação.

Neste movimento, ela supõe sujeito bebê, supõe nele um desejo que não
necessariamente coincidiria com o dela. A mão sustenta uma suposição de
sujeito desde muito cedo, ainda que as reações do recém-nascido são
reflexas, carecendo de qualquer intencionalidade, ela está a super um desejo
no bebê. (JERUSALINSKI, 2002, p.137)

Antes de prosseguir no decurso da relação entre a mãe e a criança, é


extremamente necessário fazer-se aqui um esclarecimento do que pensamos para a
função materna. Aqui, segundo Jerusalinski (2002), a mãe, a que nos referimos, não
entende-se como a progenitora real, biológica ou não, de uso linguístico corriqueiro
e trivial. Não estamos tratando da mãe culturalmente conhecida e utilizada no
discurso social de função familiar real, mas sim do agente acolhedor e gerador da
assistência imaginária inconsciente. Ora, uma vez que decorremos dos processos
inconscientes de constituição do eu, adentramos no entendimento da Mãe como um
posicionamento de ação e relação puramente psíquica, ainda que ligada ao papel
real de satisfação. A função materna exerce na criança a noção de um Outro, um
onipotente e referenciado o agente acolhedor que irá prover e suprir esta criança
das incumbências que lhe serão pertinentemente demandadas a nível pulsional.

O percurso da pulsão – satisfação impossível da pulsão – não amarra o Outro


(...) Na satisfação própria da zona erógena não se necessita nenhum Outro,
22

mas no desejo e no amor sim. Aí é onde entra verdadeiramente a dimensão


do Outro, não na pura pulsão, mas no enodamento da pulsão com o desejo.
(CORIAT, 1995, p.119)

Pensar o entendimento desta relação inicial do bebê, ainda na posição de


assujeito, com a mãe, requer uma analise prévia de como se forma esta relação
entre os dois, ou seja, a relação entre o vínculo da satisfação pulsional, ligada à
zona erógena do bebê, e o circuito de demanda e desejo da mãe, autuada aqui
como o grande Outro. De acordo com Jerusalinski (2002), para o entendimento
deste laço inicial, é necessário previamente entender e conhecer a fonte das
inferências constituintes do bebê, ao qual chamamos de circuito pulsional. É preciso
pensar um sujeito que seja originário - desde os primórdios das suas relações com o
desejo e demanda do Outro – das suas próprias forças internas de busca por
satisfação e gozo real. A fonte do desejo, que parte do corpo, precisa decorrer um
percurso natural para que possa sanar a tensão pela busca por satisfação. É do
corpo que parte a demanda de satisfação, onde, portanto advém a fonte e origem da
vetorização que dará destino às vicissitudes pulsionais.

O objeto da pulsão é aquilo que ou pelo qual a pulsão pode alcançar sua
meta, a satisfação. O objeto é o mais variável na pulsão: não esta enlaçado
originalmente a ela, senão que é a ela coordenado somente como uma
consequência de sua aptidão para possibilitar a satisfação (FREUD, 2006, p.
118)

A pulsão parte do corpo e a ele retorna, mas não sem ter uma representação
psíquica que a represente, bem como, um objeto que possibilite esta busca por
satisfação. E é no movimento de busca por satisfação que caracteriza-se a sua
perpétua insatisfação, ou seja, é a noção e a marca da falta e ausência que
constituem a noção de pulsão. Satisfazer-se, baixar a tensão e marcar-se pela falta
compõem o circuito pulsional, que far-se-á de acordo com a relação do Outro ao
suprir esta demanda pulsional do bebê, marcando-o mnímica e erogenamente.

Diante dos estímulos endógenos do bebê é preciso um Outro encarnado que


atribui intenção de comunicação ao seu grito e, por meio de uma
interpretação, produza uma ação específica capaz de satisfazê-lo. Se há
interpretação é porque já há linguagem ali. Mas é evidente que a linguagem
não se inscreve por si. Não basta colocar um bebê na frente do rádio ou da
televisão. Para que o gozo do bebê se atrele ao Outro, como instância da
linguagem, é preciso um endereçamento, é preciso um Outro que, ao tomar o
bebê desde um desejo não anônimo e a partir do saber simbólico que a
linguagem lhe permitiu constituir, opere corte e costura do funcionamento
23

corporal do bebê, levando em conta o que o afeta e fazendo borda ao seu


gozo. Se isto atrela o bebê ao campo do Outro, para que ele possa chegar a
situar-se na condição de falante, e não como um mero repetidor ecolálico do
que lhe é dito, será preciso que esse desejo não anônimo opere no laço mãe-
bebê enquanto um enigma diante do qual, para a mãe, o bebê se situa como
sujeito que supostamente deteria um saber. (JERUSALINSKY, 2002, p. 68).

O estimulo parte do corpo biológico, que precisa satisfazer-se e suprir esta


demanda existente, que, somente através do objeto de satisfação, permitirá a baixa
de tensão excitatória que causa a satisfação, porém, esta satisfação é
caracaterizada, concomitantemente, pela insatisfação. O Outro, encarnado pelas
incumbências da função materna, que marca e erogenisa o corpo do bebê, é
detentor daquilo que satisfaz e ao mesmo tempo causa a angustia da falta, aquele
que possibilita o gozo e o prazer, bem como a busca pelo mesmo.

A satisfação da pulsão não é absoluta, satisfação e insatisfação fazem uma


série contínua (...) A satisfação como tal é impossível porque não se pode
evitar que, ai ir pelo caminho que ela marca, se torne insatisfatória, já que não
há complementariedade com o objeto. O circuito pulsional se descreve como
um arco pois, como aponta Freud, a meta da pulsão é a satisfação que só
pode ser alcançada cancelando o estado de estimulação na fonte da pulsão.
Assim, a pulsão parte da zona erógena (que é sua fonte) e a ela retorna (para
nela suprimir o estado excitação), sem nunca conseguir uma satisfação
completa. (JERUSALINSKI, 2002, p. 146)

É, portanto, a relação com o Outro, bem como sua demanda e seu desejo
significante que ditará o modelo de alienação do bebê para com este, ou seja, o
acolhimento materno e a relação inicial entre a mãe e o bebê marcam as primeiras
noções de satisfação, falta, desejo e vínculo, atribuídas todas, psiquicamente, aos
traços mnêmicos oriundos desta relação. O sujeito, em sua jornada para tornar-se
tal, requer ser demandado, acolhido e posto às mãos do desejo do Outro, que
inaugura seu corpo e seu desejo por satisfação, guiado pela falta que este mesmo
Outro lhe proporciona.

(...) os diferentes circuitos pulsionais de um bebê, podem vir a inscrever-se


como mais extensos ou mais encurtados. O estiramento da corda pulsional
pode ficar achatado sobre a zona erógena ou pode armar um longo circuito a
partir dela, e isto dependerá do modo em que tal pulsão se articulo com o
circuito de desejo e de demanda do Outro. (JERUSALINSKI, 2002, p. 147)

É este vinculo descrito na busca por satisfação pulsional e todas as


vicissitudes desta vetorização, enlaçadas à articulação deste desejo aos cuidados
24

inerentes da demanda e desejo do Outro que marcam o inicio da constituição


psíquica.

Podemos pensar a constituição de um sujeito no bebê como o


estabelecimento de uma dobra em relação ao discurso do Outro encarnado.
Inicialmente, no bebê, trata-se de uma dobradiça que situa seu circuito
pulsional de forma bastante pregada e muito pouca intermediada pelo gozo
do agente materno. É por isso que, claramente, em bebês bem pequenos
(antes do estágio do espelho) os sintomas produzidos precipitam-se em seu
corpo, mas se sustentam através da representação inconsciente materna.
(JERUSALINSKI, 2002, p. 143)

Ainda sobre o modelo de relacionamento primordial do traço constitutivo,


Julieta Jerusalinski faz outra ressalva que esclarece a importância do enlace
acolhedor do agente materno para com o bebê:

Ocorre que, se num primeiro momento, não se produz a articulação que


atrela o circuito pulsional do bebê, esta superfície corporal, ao campo do
desejo e demanda do Outro – se não se produz esta operação de alienação –
este bebê não terá desde onde sustentar a sua identificação primordial – nem
para que se produza o seu reconhecimento pelo traço unário (pela
incorporação de uma constelação significante a partir do discurso do Outro),
nem para constituir o seu Eu (identificação imaginária). (JERUSALINSKI,
2002, p. 144)

Uma vez que já há encarnado no bebê o vínculo da busca por satisfação e da


erogenização do corpo advindo da relação com o Outro que lhe acolhe e lhe
sustenta - dentro da cronologia da constituição do sujeito - faz-se luz este estudo, às
características de alienação ao desejo do Outro ao qual prende-se este sujeito em
formação, neste momento do seu processo de constituição psíquica. O momento
em que nos encontramos, é a posição cujo qual Lacan nos apresenta como sendo o
primeiro momento do enlaço da tríade Edipiana, aqui, ainda representada apenas
pela dualidade mãe-bebê, progenitora da primeira noção de identificação
(incumbências inerentes dos estágios do espelho) e constituição imaginária do
sujeito advir.

A medida em que um bebê vai se constituindo psiquicamente e que vão


comparecendo as diferentes aquisições de seu desenvolvimento, o rolo que
vai sendo desdobrado, que vai sendo estendido é justamente o do
encadeamento significante. A dobradiça então já não ficará tão radicalmente
pregada sobre a mestria do gozo materno, e poderá começar a constituir-se
nesta dobradura, como uma resposta própria do sujeito – pela operação da
separação, ou do se separar, parar-se, defender-se diante disto que o Outro
encarnado lhe propõe. Mas, num momento inicial, tal movimento não tem
25

como se sustentar mais do que como uma resposta invertida à demanda


materna. (JERUSALINSKI, 2002, p. 144)

Fora do enquadramento real de agentes funcionais, tampouco ainda da


romantizada narração edípica freudina do amor entre o filho e a mãe, é na noção de
alienação ao desejo do Outro que pensaremos este movimento da articulação
simbiótica entre mãe e bebê, onde passaremos agora a analisar a vetorização
constitutiva do sujeito, bem como as posições de ser, para ter o falo, uma vez que
este movimento, de fato, articula a base estrutural de organização da demanda e
economia de desejo no sujeito.

(...) a mãe, na qualidade de mulher, coloca seu filho no lugar de falo


imaginário, e o filho, por sua vez, identifica-se com esse lugar para preencher
o desejo materno. O desejo da mãe, tal como de toda mulher, é ter o falo.
Assim a criança de identifica como sendo ela mesma, esse falo – mesmo falo
que a mãe deseja desde que entrou no Édipo. Por isso a criança se aloja na
parte faltosa do desejo insatisfeito do Outro materno, e assim se estabelece
uma relação imaginária consolidada entre uma mãe que acredita ter o falo e
um filho que acredita sê-lo. (NASIO, 1997, p. 42)

Neste primeiro momento de sua constituição, visto como a referencia inicial


do complexo edipiano, a criança encontra-se, como vimos, presa ao desejo da mãe,
encarnada a ser o falo, objeto de gozo materno, ou seja, aquela que detém o que e
aquilo que a mãe demanda. Nesta primeira relação fusional da dialética dos
enlaçamentos edípicos, Lacan (1988) nos apresenta àquele que virá a estruturar-se
psiquicamente como desejante, ainda em uma posição de assujeitamento, alienado
ao gozo materno, aquém de um discurso próprio de desejo identificatório.

(...) esta relação fusional é suscitada pela posição particular que a criança
mantém junto a mãe, buscando identificar-se com o que supõe ser o objeto
de seu desejo. Esta identificação, pela qual o desejo da criança se faz desejo
do desejo da mãe, é amplamente facilitada, e até induzida pela relação de
imediação da criança com a mãe, a começar pelos primeiros cuidados e a
satisfação das necessidades. Em outras palavras, a proximidade dessas
trocas coloca a criança em situação de se fazer objeto do que é suposto faltar
à mãe. Este objeto suscetível de preencher a falta do outro é, exatamente, o
falo. A criança depara-se, assim, com a problemática fálica em sua relação
com a mãe, ao querer constituir-se ela mesma como falo materno. (DÖR,
1989, p. 81)

Ser o falo é estar, segundo ao autor, a mercê do gozo do Outro, é pôr-se tal
qual aquilo que falta a mãe, encarnado a preenchê-la em sua demanda desejante.
Dor (1991) afirma, com ressalva, que a interação dinâmica do desejo da mãe e a
26

criança não é, entretanto coerente senão face à falta. A mãe pressentida como
faltante sempre pode imaginariamente ser preenchida pelo objeto de desejo que lhe
falta, ora, justo que, imaginariamente, também pode a criança identificar-se com
tanto ou até mais facilidade ao objeto que falta ao Outro. O autor ainda nos
apresenta em sua leitura as obras lacanianas, a eminência de não assimilar esta
relação dualística à simbiose funcional entre ambas as partes, uma vez que a
alienação do primeiro tempo, mesmo que componente angular dos processos
constituintes da estrutura, ainda é uma posição de assujeitamento e enlaçamento
prisional frente ao desejo do Outro.

O espaço desta relação não traduz, portanto, a experiência de uma pura e


simples dualidade, trata-se menos ainda de uma “simbiose”, termo tão
frequentemente evocado. A indistinção fusional só se fundamenta, porque lhe
preexiste um terceiro termo: a falta e a existência imaginária de um objeto
capaz de preenchê-la: o falo. Em consequência, é, portanto, exatamente o
objeto da falta como tal que reclama e nutre a dinâmica da relação fusional.
(DÖR, 1989, p. 11)

Posto que, mesmo este Outro atuando como uma matriz linguística
fundamental na instauração da erotização do corpo imaginário da criança -
fundamental para a constituição psíquica do sujeito advir - é aqui acentuada a
ressalva da importância de um fator de cisão nesta dualidade fusional. Um agente
deve ser nomeado que desloque este sujeito a uma posição de dono do próprio
desejo, sendo, portanto, fálico e não mais o falo.

Prosseguimos no curso da dialética edipiana até a etapa decisiva marcada


pela intrusão da figura paterna na relação de indistinção fusional mãe-criança.
Essa intrusão vão se manifestar essencialmente por uma reconsideração da
identificação fálica, subentendida por um duplo esboço de simbolização. Por
um lado, a criança mostra-se cada vez mais sensível ao interesse que a mãe
dedica ao pai, na realidade. Por outro, ela desenvolve convicção de que
jamais chegará a ser tudo para o Outro na realidade de sua existência. A
repetição destas experiências reais vai suscitar, progressivamente, na
criança, certas correlações significantes. (DÖR, 1989, p. 12)

2.2 TRÍADE EDIPIANA: A NOMEAÇÃO DA FIGURA PATERNA

A entrada de um terceiro elemento na dualidade fusional, representada pela


ligação mão-bebê, é aqui referenciada, portanto, à função paterna. Um agente de
ordem simbólica, investido de função metafórica e centralizadora das amarragens
27

significantes. O Pai, ou Nome-do-Pai, de acordo com Lacan (1988), atua na


psicanálise como ação castradora, normativa, reguladora, organizadora e
referencial, possibilitando o sujeito tornar-se de fato sujeito. É a ação paterna que
inscreve o sujeito no campo do simbólico, desvencilhando-o das amarras dualísticas
da primeira relação com o Outro, onde a criança se encontrava presa ao desejo
materno. Todavia, cabe aqui, a priori, o entendimento da figura paterna como não
referenciada à função real e comumente narrada de agente de paternagem. Não nos
referimos ao pai biológico, homem e progenitor, mas sim, à uma função simbólica
metafórica, de ação insconsciente nos processos constitutivos de organização
estrutural, ou seja, é este operador simbólico que nos instaura como sujeitos, no que
diz respeito ao ordenamento psíquico.

(...) O pai a que nos referimos permanece, sob certos aspectos, excluído da
acepção comum que dele fazemos, de saída e cotidianamente, enquanto
agenda da paternidade comum. Também não se trata de buscar apreender
sua incidência na perspectiva de uma evolução histórica que permaneceria,
ela também, estranha ao contexto no qual esta noção é operatória em
psicanálise. Contra toda expectativa, até mesmo contra toda ideia recebida, a
noção de pai intervém no campo conceitual da psicanálise como um operador
simbólico a-histórico. (DÖR, 1991, p. 13)

O mesmo autor ainda traz outra referência que serve de base para o
entendimento inicial do que decorreremos acerca da função paterna na constituição
do sujeito e do modo de ação ao qual esta mesma opera no sujeito:

(...) De fato, nada pode garantir antecipadamente que esta encarnação


coresponda seguramente à consistência de um pai investido de seu legítimo
poder de intervenção estruturante do ponto de vista inconsciente. Neste
sentido, por pouco que tenhamos, entretanto que considerá-lo como um ser,
trata-se menos de um ser encarnado do que de uma entidade essencialmente
simbólica que ordena uma função. (DÖR, 1991, p. 13-14)

Em suas obras já citadas, Introdução à Leitura de Lacan (1989) e O Pai e sua


Função na Psicanálise (1991), Jöel Dor, ao trazer seus esclarecimentos sobre as
imperativas lacanianas acerca da constituição psíquica do sujeito e seus processos
inerentes, nos fornece os devidos alicerces literários para expormos aqui a
problemática paterna na subjetivação do eu, bem como a lógica por trás das
diferentes formas de investimento que tem por objetivo a ação da figura paterna.
Toda a dialética edipiana, ao deparar-se com a nomeação deste elemento
catalisador da castração e edificador da elaboração estrutural, passa a estar a par
28

de uma função simbólica e metafórica, de ação inconsciente e normatizadora,


possibilitando um limiar único de novas possibilidades objetais e libiniais à criança
em direção ao seu “tornar-se” sujeito.
Posto isso, devemos entender qual a insurgência desta ação simbólica na
cisão dualística já narrada entre mãe-bebê. Ora, a criança que, até então, via-se
como a completude à falta do Outro, vê-se portanto como não mais capaz de suprir
neste Outro àquilo que lhe é faltante, imaginariamente, percebendo no Pai o
detentor deste catalisador de satisfação materna, ou seja, não mais a criança põem-
se à ser aquilo que falta a mãe, mas sim à também buscar ter, de acordo com a
identificação à este terceiro agente da relação, o falo que satisfaz a falta do Outro. É
o jogo do não mais ser, mas do agora ter o falo.

Se a criança não é tudo para a mãe – como prova se interesse pelo pai – não
poderia, consequentemente, ser o objeto que preenche a sua falta. Assim, a
mãe revela-se tanto mais desprovida do falo no espaço imaginário da relação
de indistinção fusional, porque o pai se mostra como um polo de atração que
mobiliza seu desejo. Essas duas ocorrências significantes bastam, por um
tempo, para sustentar a encarnação do pai imaginário, falo rival da criança
junto ao Outro. Somente esta figura do pai pode vetorizar uma série de
deslocamentos decisivos na lógica desejante da criança, doravante presa à
questão, “ser ou não ser” o falo. (DÖR, 1989, p. 13)

O pai, neste segundo tempo da constituição edipiana, passa a rivalizar o


desejo materno com a criança que, imaginariamente, passa por diversos
deslocamentos significantes e redirecionamentos de posições quanto ao Outro e
suas referências, porém, e justamente no discurso deste Outro que se deve fazer
presente a nomeação deste agente ordenador. O pai deve ser posto à função
através do discurso materno, ou seja, deve-se fazer presente na relação outrora
dualística por meio da intervenção do próprio Outro. Dor (1989) nos afirma que a
mediação significante do agente paterno, só é operada mediante o posicionamento
da mãe em emergir em seu discurso este terceiro representante funcional, castrador
e organizador. A mãe passa a nomear o pai como aquele que lhe completa e lhe
satisfaz falicamente, referenciando a criança à esta condição de não mais
possuidora daquilo que é desejado por ela, mas sim o pai.

Tanto em seu modo de ser quanto no discurso que adota com ela, é
importante que a mãe se dedique a fazer a criança entender o papel
desempenhado pela mãe acerca de seu próprio desejo. O que esta em jogo é
uma prescrição simbólica que consiste em lhe garantir, sem equívoco ou
ambiguidade, que é dele, seu homem, que ela espera obter o objeto que lhe
29

falta. A criança recebe assim, do discurso materno a garantia de que nada


tem a esperar da sua identificação imaginária com o falo, à medida que a
mãe sabe simbolicamente significar-se dependente do pai e não dela, quanto
ao objeto de seu desejo. (DÖR, 1989, p. 14)

É de acordo com esta invasão imaginária de um falo rival, que possibilitar-se-


á a criança não mais ser o objeto de completude da mãe, mas sim perceber
encarnada ao pai esta posição de ser aquilo que completa a mãe. É neste engodo
de posições e funções discursivas que se fará o joguete inicial do deslocamento de
posições e de possibilidade á novas formas de investimento e de manejo das
atribuições libidinais da criança, agora posta a conduzir sua constituição
elementarmente psíquica de acordo com os posteriores enlaces advindos deste falo
rival, pai privador, interditor e frustrador.

(...) Por mais desconfortável que seja, esta descoberta só pode mobilizar a
criança para pressentir o Pai real ao uma luz cada vez mais imaginária, é,
pois essencialmente na qualidade de Pai imaginário que a criança vai
perceber daí por diante este intruso que detêm o direito, que priva, interdita e
frustra: ou seja, a três formas de investimento que contribuem para mediatizar
a relação fusional da criança com a mãe. (DÖR, 1991, p. 48)

Este agente da função, Nome-do-Pai, representa a ordem imperativa da lei,


romanticamente é aquele que impede o incestuoso amor materno ao qual encontra-
se depositada a vetorização imaginária da criança. É este Pai que irá romper com as
amarras imaginárias que posicionam a criança alienada ao desejo do Outro,
instaurando o campo simbólico e deslocando o sujeito da posição de ser o falo
desejado para, portanto, identificar-se com aquele que possui o falo, capaz de
satisfazer a mãe.

A ultima etapa da constituição (...) remete diretamente ao ponto de conclusão


da dinâmica edipiana dialetizada pela intercessão da metáfora Nome-do-Pai.
Todos os deslocamentos iniciados desde o espaço imaginário foram, de fato,
induzidos ao alcance estruturante da função simbólica do pai, inauguralmente
introduzida pela mediação do discurso materno. A sinergia das diferentes
figuras paternas – pai frustrador, privador, castrador, doador – não pode
garantir a passagem estruturante do ser para o ter, a não ser à medida em
que o pai é investido, ao extremo, da atribuição fálica. Como tal, isto é,
enquanto pai simbólico, supostamente ele dá à mãe o objeto que lhe falta.
(DÖR, 1989, p. 16)

Em outra passagem, o autor volta a esclarecer este movimento advindo da


intervenção paterna frente à relação da mãe com a criança:
30

Por ser suposto opor a mãe a possibilidade de ser satisfeita pelo único objeto
de desejo que é seu filho, o pai sobrevêm, inevitavelmente, como um intruso
privador no investimento psíquico da criança. Além disso, impedindo-a de tê-
la toda para si, o pai, descoberto como um que tem direito a mãe, manifesta-
se então à criança como interditor. A privação punida ao interdito só pode,
enfim, suscitar na criança a representação de um pai frustrador que lhe
impõem ser confrontado com a falta imaginária desse objeto real que é a mãe
e da qual ela necessita. (DOR, 1991, pg. 48)

O Nome-do-pai, para ter êxito, enquanto agente normativo da constituição, é


preciso fazer função, afirma Dor (1989). A mediação induzida por esta mesma
mediação simbólica não é estruturante, a não ser à medida em que a existência
intrusiva do Pai aí se faz, ela mesma, simbolicamente eco. Tanto a mãe deve
significar à criança sua dependência desejante face ao pai, quanto este não deve
deixar de confirmar sua incidência, colocando-se como àquele que dita a lei a mãe,
afirma o autor.
A ação paterna recai sobre o sujeito de modo a fazê-lo sujeito. É muito
possível que grande parte da referência teórica psicanalítica conceba a ideia de que
a função paterna seja a chave catalisadora do ser para o ter. É a função simbólica
Nome-do-Pai, traz Lacan, que realiza a cisão da alienação ao desejo do Outro, é o
terceiro elemento que corta e castra, desloca e faz função.

Não seria necessária outra prova mais convincente do que lembrar que a
edificação do Pai simbólico a partir do Pai real constitui a próprio dinâmica
que regula o curso da dialética edipiana e, com ela, todas as consequências
psíquicas que dela dependem. (DÖR, 1991, p. 43)

O Pai, segundo os fundamentos elementares da psicanálise: é metáfora,


função alicerce da constituição psíquica, o significante central, é o que substitui, o
organizador, que centraliza toda a linguagem, o significante dos significantes, o que
filia, que tem o saber, o que tem, o que detêm, o que pode e o que diz se pode ou
não pode. É aquele que castra, interrompe, barra e corta, é o rival encarnado no
imaginário, é a função e o agente da ação simbólica, é o que possui o falo, o filiador,
o que diz que não, inaugurando o recalque, fazendo de fato função, normatizando e
impondo a lei, a regra, a organização e a identificação. O que sustenta e fia o sujeito
numa posição privilegiado do saber, que o detêm e o faz querer tê-lo. O Nome-do-
pai nada mais é do que a barracão do gozo, o que gera o recalque primordial e
orientador máximo da sexualidade, da condução da vetorização do investimento da
libido sobre o objeto desejado, o que orienta o modelo de inclinação do discurso
31

frente ao outro e a forma com que se organiza toda a construção linguística do


sujeito, centralizada e regrada conforme uma lei normativa, um saber onipotente
sobre a condução da palavra.
Ainda acerca das amarras fundamentais que se fazem necessárias à busca
pelo mais pleno esclarecimento da função do Pai no processo de estruturação,
Lacan (1988) em seu seminário no qual aborda as formações inconscientes afirma:

O pai não é um objeto real, então o que é ele? (...) O pai é uma metáfora.
Uma metáfora? O que é isso?... É um significante que vem no lugar de outro
significante. (...) O pai é um significante que substitui outro significante. E é
este o motor, e o único motor essencial do pai enquanto interventor no
complexo de Edípo. (LACAN, 1988, p.359)

A substituição do significante, até então, encarnado pelo desempenho


materno na dualística edípica primordial, pelo novo significante normativo e
frustrador, representado pelo Nome-do-Pai, reposiciona o sujeito no enlace edipiano,
direcionando toda a construção desta matriz instauradora da subjetividade e da
linguagem nos tramites psíquicos cujos quais nos referimos. Lacan (1988) atribui ao
pai o papel de ancoragem nos processos edípicos da formação do sujeito, pondo
que a função do pai no Complexo é de ser um significante que substitui outro, como
já citado, onde o primeiro significante introduzido na simbolização é, de fato, aquele
representado ao Outro primordial, o significante materno, que aqui, se faz recalcado
pela ação metafórica imposta pelo novo significante jazido no terceiro tempo da
constituição, àquele que diz respeito ao pai.
Dor (1991), ao elucidar a importância dos lampejos lacanianos acerca da
formulação psíquica, ordena quatro linhas fundamentais que formam a elaboração
angular da analise da figura paterna, segundo os tramites inconscientes a ela
engajados funcionalmente:

1. A noção de função paterna institui e regula dimensão do complexo de


Édipo (dimensão conflitual);
2. O desenvolvimento da dialética edipiana requer certamente a instância
simbólica da função paterna sem, no entanto exigir a presença
necessária da um Pai real;
3. A carência do Pai simbólico, isto é, a inconsistência de sua função no
decorrer da dialética edipiana não é absolutamente coextensiva à
carência do Pai real em sua dimensão realista.
4. A instância paterna inerente ao complexo de Édipo é exclusivamente
simbólica, posto que é metáfora. (DOR, 1991, pg. 46)
32

Ante a narrativa decorrente dos processos pertinentes às constituintes


edipianas e suas consequências nos processos de formação e estruturação psíquica
do sujeito, podemos pensar o modelo de organização de discurso e linguagem, a
posteriori, desta cisão operada pela função paterna. O recalque primordial e a
posição de ser desejante, inerente a instauração de um sujeito psíquico de fato,
organizam o modelo de discurso e investimento da libido objetal do eu, ordenando
toda a forma de relação dos significantes com a linguagem, ou seja, é através deste
agente operador da lei, normatizador e proventor do recalque que se estrutura e se
organiza psiquicamente o sujeito. A ordem simbólica da função paterna possibilita a
centralização das amarragens significantes, organizando as cadeias linguísticas de
acordo com uma matriz centralizadora, operando conforme as identificações e
atribuições de um suposto saber paterno, detentor, portanto daquilo que é, de fato, o
saber primordial e de merecimento identificatório.
Uma vez que tenhamos observado com veemência minúcia os agentes de
função da figura paterna, podemos, por fim, entender o que este de fato contribui
para a estrutura do sujeito em formação. É, portanto, após este complexo
enlaçamento posto em ação e reação frente aos elementos da dialética edipiana que
por ventura decorremos ao que, de fato, é a pedra angular do modelo organizador
da constituição psíquica e demais direcionamentos possíveis à ação de economia e
investimento da libido objetal do sujeito, o recalcamento originário que irá conduzir
toda a formação inconsciente. O processo de acesso ao registro simbólico, segundo
Lacan (1988), residente na aposteriori conjuração da ação da metáfora paterna,
advêm da operação inaugural do mecanismo fundamental da patogênese neurótica,
o recalque originário.
Posto que tal mecanismo de substituição é também o próprio mecanismo de
condução da simbolização normativa do direcionamento da sexualidade e da
linguagem, o recalque, operado pela castração paterna, vem de encontro ao sujeito
para redirecioná-lo e conduzi-lo, em seu discurso ante à centralização das amarras
significantes. Pois assim, quanto o que diz respeito à este discurso estruturado após
a ação do recalque, Calligaris (2013) atribui à este sujeito castrado a referencia de
um mundo linguístico habitado e orientado por um ponto organizador central, que
orienta e centraliza através de um único significante, todas as outras.
33

Na ordem do discurso, realiza-se uma construção metafórica pela


substituição de um símbolo de linguagem por um outro símbolo de linguagem.
Na medida em que a operação consiste em designar uma coisa pelo nome de
outra coisa, a metáfora se desenvolve com base numa substituição
significante no decorrer da qual um significante (o significante de origem) é
provisoriamente recalcado em benefício do surgimento de um outro (o
significante substituto). (DOR, 1991, pg. 51)

A ordem de orientar a linguagem e a condução desejante do sujeito é


marcada neste movimento final da conflitiva edipíca pela ação originária da primeira
experiência de formação inconsciente, subsequente do recalque original, fundador
do determinismo operante das ações do tornar inconsciente aquilo que antes era
ordenador fundamental do movimento da libido, ou seja, a indução da cisão
castradora paterna reage no sujeito de modo a conduzi-lo à um novo
posicionamento linguístico e objetal, de acordo com seu desejo e suas identificações
fálicas.

A renuncia da criança ao objeto fundamental de seu desejo, se é, antes de


mais nada, uma renúncia simbólica, não é no entanto derrisória. Abrindo para
ela, propriamente falando, o acesso ao simbólico, essa renuncia lhe assegura
a possibilidade de poder se manifestar ai, ela mesma, como sujeito, a partir
do momento em que é ela que designa. A primeira designação, inaugural,
que testemunha o seu estatuto de sujeito, é a do Nome-do-Pai, seguindo-se
daí que o sujeito se produz nesta designação como sujeito desejante, já que
só fará, sempre, continuar a significar, na linguagem, o objeto primordial de
seu desejo. (DOR, 1991, pg. 54)

Podemos, por fim, atribuir o peso estrutural da formação do sujeito à este


movimento de posições e ordenamento de posses fálicas advindo das relações
edípicas, bem como, por consequência, suas invariantes formas de investimento
psíquico. Ora, uma vez que, narrada aqui a cronologia das concepções subjetivas,
é, portanto, através do modelo de leitura estrutural que se sublinha o entendimento
da gênese psíquica do sujeito em questão, banhado pela cultura significante que o
orienta inconscientemente rumo ao subjetivar-se e tornar-se de fato, desejante, dono
de seu conjunto faltante. O fator orientador do direcionamento libidinal e das
conduções de investimento da energia objetal, regra-se conforme as amarragens de
seu discurso, inaugurado pelo recalcamento do significante originário substituído por
aquele inerente à demanda funcional da ação simbólica da lei paterna.
34

3 A ESTRUTURA PSICÓTICA

Visto que, o pai, enquanto agente funcional da ação simbólica e promotor do


processo de constituição do sujeito se faz figura essencial e central do complexo de
Édipo, promovendo a castração e a marca fálica no sujeito, atribuindo à este a
condição de desejante, estruturado numa matriz linguística normatizada e regrada
conforme tal lei fundamental, é, intransponível e indiscriminavelmente inerente à
este pai, portanto, a posição de ser o catalisador do recalque, logo, o
desencadeador da neurose, organização constituinte do sujeito conforme a narrativa
proposta no capítulo anterior.
Calligaris lê esta função simbólica de maneira primordial, a qual, aqui,
fazemos uso ao elucidar a ação da figura paterna na constituição do sujeito no que
diz respeito às relações de demanda quanto ao outro e como se da a construção do
saber nesta constituição:

(...) é o próprio da metáfora – que a significação possa prevalecer, que possa


dar ao pedaço de carne uma significação subjetiva. Como a metáfora permite
isso? Precisa que algo prevaleça sobre a Demanda imaginária da qual
seríamos objeto e de preferência um saber sobre esta Demanda mesma.
Assim, referidos à Demanda, somos objetos de gozo; referidos ao saber
sobre a Demanda, temos uma significação que nos mantém definidos como
sujeito. (CALLIGARIS, 2013, pg. 18)

É esta estrutura de subjetivação provida pelo agente de ação simbólica que


permite o sujeito tornar-se de fato sujeito, dentro de uma linguagem organizada,
normatizada e centralizada, conforme o modelo do ordenamento psíquico
constituído através da ação de um saber posto ao outro. A leitura neurótica é
construída sobre a ação do recalque, onde a lei paterna centraliza os significantes,
organizando-os e pondo à palavra ao ordenamento da subjetivação e construção
dos modelos de linguagem. Calligaris esclarece esta estruturação neurótica do
sujeito:

(...) A aposta neurótica é que haja “ao menos um” que saiba lidar com a
Demanda do Outro, então o saber vai ter um sujeito suposto, e a
problemática de defesa vai ser se jogar na relação (dívida, geralmente) de
cada sujeito com o “ao menos um” que sabe. É nesta relação que o sujeito se
constitui e obtém uma significação. (CALLIGARIS, 2013, pg. 18)
35

Entendamos, portanto, que para saber o que é inerente à errância da função,


partimos do esclarecimento do que de fato é esta função simbólica posto ao discurso
edípico, elementar ao advento do sujeito. Na neurose, ação da figura paterna, ao
desvencilhar a criança do enlace dualístico das relações imaginárias como a mãe,
põe este sujeito recém-inaugurado no campo do simbólico, um sujeito desejante,
identificado a este saber sobre o que demanda o Outro. O saber do neurótico se
constitui sobre o prevalecer das ações de recalque e castração, o saber do neurótico
constitui-se sobre a prevalência de um suposto saber, ou seja, advém de um
detentor (aqui, refere-se também ao modo de relação do pai imaginário ante ao falo)
do suposto saber, dono de uma posição de identificação e de normatização.
Propor o discurso neurótico é promover o entendimento de uma constituição
psíquica fundada através da ação de um suposto saber, que detém aquilo que o
Outro quer, aquilo que é faltante no Outro e aquilo que identifica o sujeito ao filiar-se
e fundar-se ante a este suposto saber. O “ao menos um” que sabe o quer o Outro,
detentor do saber neurótico, é aquele que, ao mesmo tempo em que desvencilha o
sujeito da demanda do Outro, põe este a uma condição de filiação, organizado,
normatizado e constituído frente a este agente do saber, dono da lei e significante
centralizador e designador das amarragens simbólicas e linguísticas.

O sujeito neurótico, que resolveu confiar na função paterna, está referido a


um saber e, mais geralmente, habita um mundo orientado, organizado ao
redor de um polo central ao qual se devem e se medem todas as
significações. (CALLIGARIS, 2013, pg. 19)

Visto a autoridade constitutiva da neurotização do sujeito, posta à ação da


norma, qual é, portanto, a essência da diferenciação estrutural do neurótico para o
psicótico, advindo de um modelo falho de estruturação simbólica? Ora, e o que
orienta este fazer-se sujeito então, dado à condição de faltante à ação simbólica
que, ao não fazer função, desampara frente ao alienamento ao desejo do Outro?
A estrutura psicótica, constituída pela ausência da ação simbólica do
significante Nome-do-Pai, funda-se por meio da foraclusão deste agente de função,
ou seja, é a foraclusão da figura paterna, oriunda a falha da instauração normativa,
que provém ao sujeito um estuturar-se unicamente conjurado àquilo que dele lhe é
próprio. A psicose relata a estrutura onde o discurso é falho quanto a um significante
centralizador e ordenador, aqui, o modelo de relações se da por meio da um plano
36

descentralizado do saber, onde a foraclusão da ação paterna subsidia uma metáfora


delirante, à fim de sustentar este sujeito em seu discurso singular de defesa à
alienação.

(...) pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no


lugar da significação fálica. (...) É num acidente desse registro simbólico e do
que ali se consuma, a saber, a foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro,
e no fracasso da metáfora paterna, que designamos a falha que dá à psicose
sua condição essencial. (LACAN, 1988, pg. 575)

3.1 FORACLUSÃO

O autor Nasio (1997) nos contextualiza o termo Foraclusão ao elucidar sua


terminologia oriunda a um terno do vocabulário jurídico, proposto por Jacques Lacan
a fim de traduzir o vocábulo alemão Verwefung, habitualmente utilizado nas
publicações francesas das obras e produções freudianas pela palavra rejet (rejeição,
repúdio). Freud utilizava esta referência linguística ao teorizar os aspectos
recorrentes do repúdio à ação castradora, pondo o sujeito a temer e rejeitar a ação
de corte junto à mãe, ou seja, a não filiação e passividade diante da falha na cisão
paterna, correspondem adequadamente a perspectiva freudiana da posição de
relutante à castração, base alicerce da, posteriormente apresentada, releitura de
Lacan à obra freudiana, atribuindo, portanto, a Foraclusão como essencialmente
inerente às constituintes da estruturação psicótica.
Pensar na estrutura psicótica é entender que este modelo constitutivo de
formação psíquica elabora-se de acordo com uma falha, uma ausência no campo
das ações simbólicas, onde a função paterna é forcluída, não acionando a
identificação faltante no sujeito. Esta falha simbólica representa o estuturar-se de
acordo com a alienação frente ao Outro.

Quando o significante Nome-do-Pai não consegue se inscrever no lugar do


Outro, toda a estrutura da faixa do real sofre uma modificação significativa,
traduzindo assim as alterações que resultarão dessa falta de inscrição ao
nível da organização subjetiva. É essa ocorrência específica, designada por
Lacan de foraclusão do Nome-do-Pai. (DOR, 1989, pg. 19)

Uma vez que não haja a ação fundamental do corte fusional, a alienação
frente ao desejo materno, eminente à falha simbólica, organiza um modelo de
construção subjetiva singular, onde toda a construção e organização dos registros
37

psíquicos funda-se tal qual a esta ausência do significante central, posto que, deste
modo, a relação com o Outro é de total dependência, vetorizando as construções
simbólicas a um saber universalmente próprio do sujeito, que configura-se cativo às
demandas imaginárias do desejo do Outro. O constituir-se do psicótico, ausente do
referencial paterno, se dá através desta falha, desta negativa funcional que não
desloca-o para a posição de faltante, falicamente desejante.

Partamos do caso típico em que o advento do Pai Simbólico é falho, isto é, da


situação em que o significante Nome-do-Pai, que inaugura a cadeia
significante para um sujeito faltante, não consegue substituir o significante de
desejo da mãe. Além da falta essencial que isso resulta no acesso ao
Simbólico, essa ausência de inscrição atesta a impossibilidade em que se
encontra a criança de poder se orientar em relação ao falo imaginário. Em
tais condições, ela não tem outra saída a não ser permanecer cativa de uma
relação de imediatismo com a mãe, relação que sofre por não se referir à
instância paterna. (DOR, 1989, pg. 19)

O conceito de Foraclusão refere-se justamente a esta ordem especificamente


advinda do sujeito psicótico, uma ordem do próprio sujeito, singular e totalitária,
onde o pai foracluído orienta, pela ausência simbólica, uma estruturação falha frente
ao Outro. Ora, é de minúcia atenção atribuir a este conceito, que, por consequência
de sua própria incumbência, refere-se a um conceito negativo, inerente a noção de
falta de função, ou seja, a foraclusão, é a não ação da figura do Pai, é o que
acontece quando algo que é da ordem não se valida enquanto função. É a psicose,
portanto, uma “não neurose”.
A autora Soler (2007) trata da foraclusão como fator pertencente á gênese
constitutiva da psicose, porém, ressalva para o caráter não fenomenológico da
ausência da função. Pois sendo assim, o que quer se dizer é que a foraclusão é, de
fato, uma ausência, uma falha primordial de ação simbólica, que não pode ser
classificada nem representada por qualquer referência positivista de apresentação
fenomenológica. A foraclusão, ao postar-se como a não neurose, traz consigo aquilo
que à característica de não ser o fenômeno em si, mas sim o conceito que atribui-se
à gênese da estrutura em falta quanto o agente simbólico.

Lacan definiu a foraclusão como uma falha, uma ausência no nível do Outro:
a ausência de um significante, o Nome-do-Pai, e de seu efeito metafórico.
Esse acidente, diz ele, confere a psicose “sua condição essencial como
estrutura que separa a neurose”. (...) É a hipótese pela qual Lacan designa a
causalidade significante da psicose. Esse ponto tem importância no que
tange à questão do diagnóstico. Se a foraclusão não faz parte do fenômeno,
38

não é pela foraclusão que se diagnostica a psicose. Não identificamos a


foraclusão, mas seus efeitos. Essa foraclusão é uma espécie de axioma que
explica os fenômenos. (SOLER, 2007, pg. 12)

A foraclusão do Nome-do-Pai ao representar, portanto, a falha da ação


simbólica, promove, enquanto falha, no sujeito, uma estruturação velada ao desejo
do Outro, onde a regra e a norma da metáfora paterna não fazem função,
impossibilitando este sujeito o manejo homogêneo dos três registros, de acordo com
os ordenamentos psíquicos advindos das ações do recalque e do deslocamento de
significantes. O ordenamento das incumbências inconscientes, no sujeito psicótico,
pode ser melhor elucidado ao comparado com a ordem neurótica das posições do
saber, onde, na estrutura do foracluído, o discurso faz-se posto ao saber advindo do
próprio sujeito em sua totalidade, ao lidar com a demanda imaginaria do Outro, e,
portanto, não à um “ao menos um” que sabe e é possuidor de um suposto saber,
detentor do saber fálico da mãe, ou seja, o psicótico atrela seu discurso à um
investimento não regrado, muito menos ainda à um investimento centralizado e
oriundo à um único saber suposto, pelo contrário, se constitui de fato pelo poder à
ele mesmo investido de um advento psíquico das próprias interferências imaginárias.

(...) Outra diferença significativa esta no lugar onde se situa o saber de


defesa. Para o neurótico é um saber suposto ao pai; para o psicótico não
pode ser suposto (pois a quem?) e deve ser produzido (pelo menos pelas
trilhas da sua errância), mas também só pode ser produzido na superfície da
coisa mesma, como um casulo ao redor da coisa mesma. (...) Trata-se da um
pensamento que tem um horizonte de totalidade, que não se autoriza a partir
de uma filiação, ou seja, de uma transmissão, mas se sustenta nos seus
próprios percursos, e por isso, só pode emanar da coisa mesma, como se
aflorasse na superfície dela. (CALLIGARIS, 2013, pg. 23)

Quando falamos da amarragem centralizadora do saber neurótico, posto à


diferença ante a falha de função psicotizante, referimo-nos à condução da
estruturação através de um significante único e primordial, referenciado ao pai,
enquanto idealizador da ordem e da organização simbólica, logo, à esta função
fálica, se atribui o saber do que refere-se o desejo do Outro, e daí, partem-se às
demais significações. Ora, posto à falta, é esta ação foracluída que rege a
organização peculiar do discurso psicótico, onde a falta de um ponto central constitui
um modelo plano e unicamente singularizado de organização discursiva da
linguagem. Por mais que, pareça de fato, desorganizado e desconexo, o saber
psicótico é um advento das suas organizações próprias, onde nenhum ponto
39

específico define ou regula o valor do outro, ou seja, os valores e atribuições das


significações frente a demanda objetal, dão-se de maneira heterogênea,
independentes de um saber de função central.

(...) Na neurose, existe algo universal, esta amarragem fixa que chamamos
de função paterna, sendo do ponto de vista da significação que esta
amarragem central distribui o universo fálico. Na psicose não há isto. Um
universal positivo próprio da psicose é extremamente problemático, porque,
se não existe uma amarragem central para todos, seguramente nem
podemos imaginar que exista uma significação que seja a mesma para todo o
sujeito psicótico. Quando falamos que o psicótico tem que ter uma
significação, apesar de parecer circular numa metonímia e não ter uma
amarragem metafótica do mesmo tipo que o neurótico, o certo é que não
existirá uma significação que seja a mesma – por exemplo, a fálica – para
todos os psicóticos. Nem outra que não a fálica porque se houvesse uma
significação que fosse a mesma para todo sujeito psicótico, não haveria
psicóticos, pois seriam neuróticos. Se houvesse uma significação para todos,
isto implicaria uma amarragem que, por ser comum, seria central.
(CALLIGARIS, 2013, pg. 38)

O não cumprir função – manejo insatisfatório da ação do Nome-do-Pai – das


atribuições simbólicas normatizadoras, orienta um modelo de estruturação onde o
deslocamento das posições fálicas imaginárias é conjurado pelo discurso
descentralizado do sujeito a constituir-se. É, portanto, do traço constitutivo deste
sujeito psicótico a falha na lei e a ausência da referencia normativa da regra. A lei do
pai, ao não se instaurar na criança, através da errância da função fálica, promove
um advento do sujeito sem a marca da castração e da privação, onde a lei do desejo
do Outro e a posição de ser o detentor daquilo que supre este desejo, constituem os
processos de formação do eu, bem como, dizem daquilo que irá orientar os modelos
de manejo objetal deste sujeito psicótico. Joel Dör nos fala deste modo de entender
o modelo de relacionamento com a questão ligada à lei paterna e sua não função no
sujeito:

Na falta de poder se referir ao significante Nome-do-Pai, o Eu da


criança permanece tributário de uma relação singular com a mãe,
instituída como Outro, e junto a qual ela se esforça para buscar
autenticação simbólica. Dizer, como enuncia Lacan, que a mãe
psicotizante está “fora da lei”, ou ainda, que “faz a lei”, é salientar a
incidência de uma mãe depositária de uma lei que não é sua; lei de
pura conveniência pessoal, de modo algum relacionada à lei
simbólica paterna. Em tais condições, a mãe garante então, no lugar
do Outro, uma função simbólica que em nada pode autenticar alguma
coisa, como faria a lei do pai. É esta falta de autenticação simbólica
que subentende fundamentalmente a relação da criança com a mãe.
(DOR, 1989, pg. 21)
40

O pai deve ser posto a ação de pai, no que tange a função simbólica já
referenciada, tal qual se faz presente este agente no discurso materno, quer dizer,
segundo Dor (1989), é através da nomeação discursiva da mãe, imaginariamente
orientada a criança como o Outro, que se dará, ou não, a presença do terceiro
elemento na relação fusional. O pai deve ser devidamente nomeado pelo
ordenamento das referencias do Outro para a criança, possibilitando assim, o
advento desta função paterna, que irá constituir o sujeito enquanto sujeito de fato. A
foraclusão passa, a priori, pela falha, então, no próprio discurso materno, que, ao
enunciar-se como mãe psicotizante, prende a criança ao seu desejo, e não
possibilitando a primordial ação instauradora da subjetividade simbólica.
Posto que, pensar o discurso do sujeito psicótico e todo o seu modo de
posicionar-se frente a um saber não suposto, mas sim totalitário, requer, dos modos
de investimento da libido, uma conduta unicamente vetada à falta que compete à
formação simbólica das ordens normativas de relação com o Outro. Ou seja, a
injunção da foraclusão, posiciona este sujeito a um saber que é dele próprio, um
saber que não passa pela significação central do pai, dono de um suposto saber. O
saber do foracluído é sustentado pelas próprias significações do sujeito,
descentralizadas e universais quanto aos seus valores, é um saber no todo, advindo
do próprio sujeito.

Se pensarmos que o saber do sujeito não tem função organizadora


reprimida, então quem vai poder sustentar este saber? Como o
psicótico poderá sustentar e se sustentar neste saber? Na relação do
neurótico, no final das contas, o que sustenta o saber e o sujeito é
sempre a referência a pai. Sempre há, para o neurótico, um sujeito
suposto cujo domínio da situação permite descansar. O pai,
referência central do saber do sujeito, é suposto saber. Daí uma
significação é garantida ao sujeito sem que um esforço no campo do
saber seja necessário: referir-se ao pai é suficiente, visto que ele é
suposto se encarregar do saber. Mas para o psicótico, relacionado a
um saber sem sujeito suposto, é certo que a tarefa de sustentar este
saber cabe ao sujeito mesmo. Ele só pode sustentá-lo assim, com a
sua pessoa, então com a sua certeza egóica . (CALLIGARIS, 2013,
pg. 29)

A foraclusão do Nome-doPai, pedra angular da constituição psicótica, ainda


que um conceito de negatividade de ação, referencia, portanto, à falta da ação
simbólica de instauração da lei paterna, nos apresentando um modelo de
estruturação psíquica ordenado por um sujeito que busca sustentar-se diante desta
falha da metáfora, e é aí, então, que o faz através de um delírio metafórico. O eu
41

psicótico é alicerçado pelas incumbências de sustentação de uma metáfora


delirante, agindo em suplência àquela da neurose, a metáfora paterna.

3.2 A SUSTENTAÇÃO DO SUJEITO PSICÓTICO – A METÁFORA DELIRANTE

O sujeito estruturado psiquicamente dentro das conjurações psicóticas é


posto à ordem negativa da foraclusão, sendo assim, reage à não ação da figura
paterna de modo a se sustentar estruturalmente através de uma metáfora de
substituição, uma organização metafórica delirante onde atua uma ação de
suplência à falta da amarragem central do Nome-do-Pai. Na psicose, Soler (2007)
nos traz que, quando falamos de metáfora e suplência, devemos orientar-nos pela
organização lacaniana deste conceito, onde ambos os termos buscam,
precisamente, conduzir ao entendimento de algo que é da ordem da “estabilização”.

Essa ideia de metáfora delirante está na linha da tese freudina de que


o delírio não é doença, mas uma tentativa de cura. Dito de outra
maneira, o delírio ocupa na psicose um lugar homólogo ao do
trabalho da transferência na neurose, que é também um
remanejamento significante. Aqui, a solução é trazida por uma
metáfora de substituição, uma metáfora de suplência. (SOLER, 2007,
pg. 201)

A metáfora delirante é o que subsidia a estrutura dos significantes de um


psicótico, possibilitando a este, um acesso às suas significações próprias. Ao
substituir uma metáfora por outra, ou seja, a paterna pela da ordem do delírio, o
efeito é à busca pela estabilização dos significantes e pelo sustentamento do eu
psicótico. A metáfora de suplência vem dar luz às catexias inconscientes referentes
ao saber totalitário do foracluído, agindo de maneira estabilizadora, criando uma
espécie de ponto de fixamento, onde há o deslizamento do significante sob o
significando, segundo Soler (2007). Ora, a metáfora é justamente o que permite fixar
e reter a significação, explica a autora, elucidando as incumbências desta ação
metafórica, oriunda à estruturação psicótica.
Podemos entender melhor a força de sustentação desta metáfora, ao
relembrar a ação na qual ela está fazendo suplência, a ação da figura paterna
foracluída:
42

Lacan distinguiu uma metáfora que não é qualquer uma, a metáfora


paterna, que é justamente a que dá significação ao ser de vivente do
sujeito. Colocando o Nome-do-Pai, o significante do pai, em
substituição ao significante do desejo da mãe – é essa a substituição
metafórica -, ela faz surgir uma significação: a significação fálica, que
dá sentido ao ser sujeito, ao ser do vivente. Podemos escrever isso
de forma muito simples e abreviada: o Nome-do-Pai que substitui o
Desejo da Mãe faz surgir no lugar do significado a significação do
falo. (SOLER, 2007, pg. 197)

É, portanto, da característica plena desta metáfora paterna, a organização da


constituição desejante do tornar-se sujeito. Ora, devemos pensar, a respeito da
metáfora delirante do psicótico, que esta, tem função de substituir, na errância, a
falta desta marca paterna da gênese fálica. A metáfora delirante rege o psicótico
segundo uma tentativa de fazer-se tal qual a função da metáfora paterna de fato,
porém, uma vez que a organização simbólica do sujeito encontra-se faltante da
referência do pai, é através das relações entre os efeitos advindos da significação
própria do sujeito que se dará a conjuração da metáfora do delírio, que é uma
produção do próprio saber totalitário do sujeito, que de nada tem de referência a
qualquer função fálica instaurada.

O que podemos ao menos imaginar do saber “inconsciente” de um


sujeito psicótico fora de crise. Na medida em que este saber – ao qual
se refere, circulando nele com uma tarefa de totalidade – é algo do
qual o sujeito tira uma certa significação, deve produzir um efeito
metafórico, embora numa errância que parece pura metonímia. Este
efeito metafórico não e uma metáfora paterna, nem uma caricatura de
metáfora paterna como a metáfora delirante, e certamente não atribui
ao sujeito uma significação fálica. Mas produz um efeito de
significação, porque este tipo de sujeito não parece jogado somente
entre o Imaginário e o Real. (CALLIGARIS, 2013, pg. 34)

De um modo singular, a construção desta busca por sustentar-se, de acordo


com Calligaris (2013), é a ação do imaginário sobre o real, na busca de fundar-se ai
a figura paterna que não fizera função. De um modo geral, o delírio metafórico que
age sobre o sujeito psicótico, é uma manifestação deste próprio sujeito em direção a
sua autossustentabilidade enquanto portador de significações constitutivas. Este
delírio central, alicerce da suplência metafórica, retorna no real com todas as
atribuições referenciadas ao campo do imaginário, que se organiza sem a menor
intervenção de qualquer vetorização simbólica que pudesse ser ancorada à filiação
paterna.
43

Uma metáfora delirante responde à necessidade para o sujeito


psicótico de estruturar-se como o neurótico. Portanto, responde à
injunção. O que seria uma metáfora não paterna seria a metáfora
aquém da injunção. Seria um tipo de metáfora (porque certamente
tem que existir; se o psicótico fora de crise estivesse só na
metonímia, ele não seria sujeito) que faz com que um sujeito psicótico
fora de crise tenha uma significação, apesar de não depender de uma
metáfora propriamente paterna. (CALLIGARIS, 2013, pg. 51)

A função de sustentação psíquica atribuída à metáfora delirante é justamente


a tentativa de referenciar à função central que se encontra em falta. É a busca pela
sustentação do sujeito, alienado à falta desta metáfora efetivamente paterna, posta
em ação pelo seu próprio agente de ação da metáfora, o delírio de sustentação, que
a metáfora delirante se constitui sobre. É deste delírio de filiação que se possibilita
metaforizar a construção de um pseudo significante que vem a cumprir
(imperfeitamente) a função de outro. O delírio, na constituição psicótica da metáfora
que atua sobre a falha daquela que deveria supor uma centralização simbólica dos
significantes, é uma formação acionada no Real, produzindo no sujeito um meio de
organizar-se em uma significação que tentará suprir a falta da ação normatizante e
regradora da função paterna, suposta à estruturar a metáfora do Nome-do-Pai nas
conjunturas da formação do psiquismo do sujeito.

O sujeito psicótico (...) não dispõem desta referência. Ele erra num
saber metonímico, embora nessa errância tenha q se produzir algum
efeito metafórico, se é que o psicótico tem alguma significação. Mas,
de qualquer forma, quando um sujeito psicótico encontra a
necessidade ou, mais propriamente, um injunção a referir-se a uma
metáfora paterna que não esta simbolizada por ele, que então é uma
referência impossível, o que acontece é que um tal lugar organizador
volta para ele, mas não volta no Simbólico, porque nesse simbólico
não há essa função, então volta no Real. (...) Um delírio é isso: o
trabalho de constituir uma metáfora paterna, então, uma filiação e a
sua relativa significação, lidando com uma função paterna não
simbolizada, mas sim no Real. (CALLIGARIS, 2013, pg. 26)

Calligaris no esclarece mais, acerca do delírio, pondo que este é, portanto, a


forma do sujeito tentar psiquicamente amarrar-se através de uma significação, tal
qual uma organização suplente àquela foracluída:

(...) é disto que se trata na constituição de um delírio: de uma função


paterna que volta no Real e com a qual o sujeito tem que organizar
uma metáfora, assim como qualquer neurótico organiza uma metáfora
com uma função paterna simbolizada. Em outras palavras, é com o
delírio que um sujeito psicótico tentar armar uma significação para ele
44

mesmo que não lhe seria garantida por uma filiação simbólica.
(CALLIGARIS, 2013, pg. 27)

A metáfora delirante, constituída ante a foraclusão do Nome-do-Pai


apresenta-se como uma forma de manejo estrutural de ação própria do sujeito que
visa estabilizar-se diante da posição de faltante quanto à ação da constituição
simbólica. Porém a tarefa de elucidar a cerca dos principais aspectos constituintes
da estrutura psicótica é de fato, extensivamente especifica quanto àquilo que se
quer falar. Do sujeito psicótico, pode-se por a analise seu modo de discurso, seus
sintomas - e aqui, diz-se daqueles sintomas fenomenológicos positivos, da ordem do
retorno ao Real no sujeito -, suas catexias libidinais, sua relação com o Outro,
enquanto sujeito estruturado alienado a este desejo da mãe, enfim, inúmeras
eferências de saber advindas do modelo psicotizado de organização psíquica.
Deste modo, a fim de ater-se aos principais e essenciais fatores inerentes à
este modelo estrutural e, após conceitualizar as especificidades da foraclusão e da
metáfora delirante, não teríamos a possibilidade de desconsiderar aqui neste
trabalho, a vertente que compete a um crise psicótica no sujeito.
Uma vez que a metáfora delirante que busca dar suplência à falta da metáfora
simbólica, dita paterna, o sustentar-se do sujeito é atribuído a um delírio de
formação através de uma significação que age no campo do Real, advindo das
incumbências imaginarias, sem a ação organizadora das funções simbólicas, ou
seja, esta metáfora não é, como já foi dito, uma metáfora paterna propriamente dita,
mas sim uma tentativa de substituição desta metáfora, por uma outra que sustente
esta falta desta função primordial. Tal explicação vem à elucidar a fraqueza do peso
simbólico que falta a esta metáfora delirante, que fragiliza-se diante de uma injunção
significante que venha a requer de fato uma simbolização fálica neste sujeito. A ação
de injunção compete à invasão de um significante adjacente na cadeia delirante. O
requerimento demandado por este injuntor, quebra, por assim dizer, a estrutura de
sustentação desta metáfora, trazendo ao sujeito uma invasão de significantes,
agindo no real, desencadeando assim o surto psicótico.

(...) Aí se produz alguma coisa que tem esse efeito de injunção


absolutamente inevitável. Injunção a referir-se a uma amarragem fixa,
a uma função paterna. Uma injunção a se sustentar numa saber
organizado como o saber neurótico. (...) a partir do momento no qual
a injunção chega, o que era o saber do sujeito entra num estado
crepuscular, fica sem nenhum tipo de significação. Neste estado
45

crepuscular (a sucessão não é necessariamente temporal), os


significantes que foram evocados pela injunção mesma de referir-se a
função paterna, os significantes dessa função paterna vão falar no
Real. Quer dizer, produzindo alguma coisa que o sujeito vai no Real,
que não quer dizer aqui “na realidade”. Ele vai ouvir isso na forma de
alucinação auditiva, “no Real”. (CALLIGARIS, 2013, pg. 41)

A crise, desencadeia-se, deste modo, pela injunção de um significante que


refira-se a função paterna foracluída, requerendo neste sujeito algo que lhe é
necessariamente não inscrito, não simbolizado. O desencadear deste
desmoronamento psíquico vai se dar pela perda do fiador de sustentação. O sujeito
desestrutura-se, perde a fiação e sucumbe diante do requerimento à figura paterna,
instauradora da organização simbólica. Ora, sem este manejador da referida
instância, o sujeito, já no estado crepuscular de seu saber próprio, lança no Real,
todas as formações advindas das demais instâncias, apresentando ai, portanto a
fenomenologia da psicose. Se antes falávamos da negatividade inerente a
foraclusão, como algo que não é do fenômeno, algo que é da errância e da falta,
aqui, percebemos na força da injunção de um significante, o poder de formação
sintomática da crise psicótica, cuja qual recai sobre sujeito de modo a fazê-lo falar
no real, daquilo que compete às demais determinates imaginárias.

Retornamos aos momentos relativos ao desencadeamento de uma


crise. A questão da injunção é um assunto do qual Lacan fala. Fala
que esta injunção produz a necessidade de um chamado ao Nome-
do-Pai e este nome não responde. O sujeito está num saber no qual
há um tipo de amarragem errante (...) de repente produz uma
injunção a referir-se a alguma coisa que seja uma função paterna.
Verifica-se então um crepúsculo do saber e uma chamada a esta
função, que não podendo responder no Simbólico, responde no Real.
(CALLIGARIS, 2013, pg. 47)

O sujeito da linguagem fragmentada, da arrância quanta a função fálica e da


posição de alienação, preso ao desejo materno e posto a falo desta demanda de
ordenamento desejante, sintomatiza, portanto, através da injunção de algo que lhe
refira a esta castração paterna que não lhe ocorreu, á nível simbólico. A
fenomenologia da clínica psicótica estrutura-se naquilo que advém no real,
produzindo os devidos efeitos no sujeito afetado pelas conjurações invadidas neste
real.

(...) O significante está no real quando é rompida a cadeia


significante, que conecta os significantes para produzir significação.
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Observa-se que essa definição de fenômeno psicótico como


significante no real já implica que o significante não basta para definir
o simbólico. O simbólico é definido pela cadeia significante da qual a
metáfora é uma das formas. (SOLER, 2007, pg. 198)

Ao propor a alusão do esclarecimento da estrutura psicótica, entende-se que


esta, evidencia uma construção própria do sujeito que busca defender-se de uma
alienação ao desejo do Outro. O sujeito psicótico detém uma construção
fragmentada da sua linguagem, sem uma valorização significante, sem uma
centralização das significações, onde não há uma amarragem organizadora e
instauradora de uma lei de organização e constituição funcionalmente metafórica,
simbólica, de ordenamento fálico. O sujeito psicótico, portanto, passa a elucidar-se
diante da própria e totalitária noção do saber, o constituir-se enquanto sujeito requer
um manejamento ímpar da organização errante dos três registros propostos por
Lacan. O psicótico, é, então, um sujeito errante, um não neurótico, que absteve-se
da castração originária, proveniente do advento do sujeito. O saber psicótico,
enquanto estrutural, é aquele que se da frente à falha da função primordial da
construção da organização psíquica, sendo assim, é um saber singular e de
determinantes relações intrinsecamente ligadas à foraclusão do Nome-do-Pai.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez aqui elaborada a problemática acerca das construções da


estruturação psicótica, bem como suas forças causadoras, considerar o sujeito
psicótico, dentro de um modelo estrutural de funcionamento psíquico, requer o
entendimento deste de acordo com as referências inconscientes de formação
subjetiva. Lacan mesmo já nos ampara quanto a esta questão do sujeito a nos dizer
que não há apreensão mais ampla da realidade humana do que aquela que é feita
pela experiência freudiana. Ora, posto que, tal experiência nos subsidia ao
direcionamento das contingências psicanalíticas de estruturação do eu, é ai então
que se faz ouvir o sujeito estruturado de acordo com as relações edipianas e suas
posições quanto ao posicionamento fálico.
É através do modelo estrutural dito neurótico que se pode elucidar acerca
daquele não neurótico, ou seja, daquele que é psicótico. Se o modelo de
relacionamento edipiano funcional, amarrado pelas ações simbólicas do Nome-do-
Pai, castrador e normatizador, situa, através do recalque originário do desejo do
Outro, a constituição neurotizadora do sujeito, é a errância quanto a esta função
simbólica foracluída que se faz a negatividade da gênese psicótica de estruturação,
fundamentalmente alicerçada na busca por defender-se psiquicamente diante da
alienação ao desejo do Outro.
A leitura estrutural da psicose se faz ao referenciar este sujeito errante em
uma constituição de linguagem única, singular e totalitária. O sujeito da foraclusão é
um sujeito errante, fragmentado e universalmente dissociado, ao que compete aos
seus significantes. Neste, não há uma amarragem central dos significantes, não há
uma ação simbólica normatizante à regra e a lei, a castração se faz falha, pondo o
sujeito à alienação frente ao desejo de ser o falo do Outro, ser apenas um objeto de
gozo deste Outro, sem qualquer tipo de vetorização desejante e organizadora, ao
que compete às contingencias simbólicas.
A metáfora na psicose consiste em uma falsa metáfora, não paterna, mas sim
delirante. Cabe aqui, aludir a este ação do delírio como uma constituinte própria da
busca por estabilização estrutural diante da falha da primordial metáfora paterna,
instauradora do corte fusional entre a criança e a mãe, entre o sujeito à ser sujeito e
o Outro. O corte, aqui referido, diz da ação da frustração e da cisão ordenada pela
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ação paterna, ausente no psicótico. Pensar, portanto, a elaboração subjetiva


estrutural do psicótico, é pensar na falha da significação central, onde a busca
constante em se defender da alienação ante ao desejo do Outro se faz estruturar-se
um sujeito próprio deste mesmo sujeito, totalitário em seu saber, sem qualquer tipo
de referência simbólica de um saber paterno, suposto saber de ordenamento fálico.
O sujeito psicótico se faz próprio de si, de suas incumbências e de suas
ordens frente à colagem ao Outro. O sujeito aqui referido funda-se em uma
linguagem própria, desarmada quanto às amarragens organizadoras, sem um
significante central, de caráter fundamentalmente primordial e normatizante. A
linguagem deste sujeito estruturado na psicose compete à linguagem totalitária,
onde cada significante tem valor único e singular, sem um ponto fixo de referência
de saber que possa ordenar todas as outras significações, a não ser àquelas que
são postas às ações pseudo funcionais da metáfora delirante, que, mesmo da ordem
do delírio, busca a inalcançável ação simbólica de função fálica, inerente à faltante e
ausente função paterna.
O modelo estrutural de economia da libido do sujeito psicótico se faz,
portanto, conforme suas próprias determinantes, onde a falha da ação do pai requer
suas consequências na forma de constituir um sujeito discursivamente falho, errante
e singular, dono de um saber total, pronto a invadir-se pelas forças que retornam no
real, sintomatizando esta ação no real de acordo com as ordens de seus traços
estruturais.

(...) A psicose (...) apresenta-nos desencadeamentos repentinos,


inesperados, desencadeamentos surpresa, assim como remissões às
vezes enigmáticas. A questão, portanto, é aprender qual é o móbil
das peripécias descontínuas da psicose, se quisermos ter alguma
chance de saber onde e como podemos dirigir o tratamento, talvez.
Trata-se de um grande desafio. (SOLER, 2007, pg. 194)

Deste modo, podemos, por fim, requerer à este trabalho, a posição de


intermédio das questões inerentes à uma modelo estrutural que funda-se na
errância, na falta de uma ordem normativa. A estrutura psicótica se faz singular na
medida em que concerne a uma não ação neurótica de organização, ou seja, a um
modelo não castrado de formação psíquica, onde o sujeito é, de fato, um produto de
suas próprias forças constitutivas.
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O conjunto de informações apresentadas, bem como a busca pelo


esclarecimento dos temas aqui abordados, alem de nos amparar quanto às
questões teóricas e conceituais sobre a estruturação da psicose, permite-nos,
portanto, abrir um leque enorme de possibilidades futuras para novos processos
acadêmicos de busca por conhecimento, orientados estes, às questões do manejo
clínico, por exemplo, no que concerne ao trabalho com a psicose. O discurso
psicótico, no âmbito das ações analítico-terapêuticas funda-se sobre uma
transferência impar, onde toda a condução da análise e do ato da escuta requer uma
bagagem conceitual, essencialmente, muito bem estruturada por tais conceitos
aprioristicos ao manejo da clínica estrutural. O direcionamento de uma nova
pesquisa, pondo, deste modo, o presente trabalho como ponto de partida para a
vetorização de um novo estudo sobre as incumbências da psicose, faz-se aqui,
possível e pertinentemente adequado.
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REFERÊNCIAS

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ed. São Paulo. Zagodoni, 2013.

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1991.

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JERUSALINSKY, Alfredo. O livro negro da psicopatologia contemporânea. 2. ed.


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Rio de Janeiro, 1999.
51

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Foraclusão, Narcisismo, Falo, Supereu, Identificação, Sublimação. 1. ed. Rio de
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