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5 DIREITO COMPARADO.
Entre as décadas de 1960 e 1990, a maior parte dos e dois países que compõem a
América Latina1 tiveram algum período de governo ditatorial militar. Além do Brasil, as Forças
Armadas mantiveram um regime de governo pela força na Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica,
El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Uruguai
e Venezuela.
A instalação desses regimes nesses países foi resultado de uma sucessão de eventos que
podem ser resumidos em dois contextos básicos. O primeiro tem como base a eleição de líderes
simpatizantes da ideologia comunista que, ao sinalizarem a adoção de medidas para modificar as
estruturas do país, foram derrubados pelas Forças Armadas, alinhadas com a política externa
americana. É o caso do Brasil e do Chile.
O segundo contexto relaciona-se com uma grave crise econômica, aliada com uma forte
atividade de grupos guerrilheiros socialistas que tinham a intenção de derrubar o governo, que
poderia ser democrático ou uma outra ditadura, de feição oligárquica. Nessa conjuntura, os
presidentes civis acabaram sendo levados a dar um maior espaço de atuação para os militares,
que, igualmente influenciados pela visão ideológica disseminada pelos Estados Unidos,
assumiram o controle definitivo do Estado quando consideraram que o governante não tinha mais
condições de lidar adequadamente com a instabilidade político-econômica. Foi o que ocorreu em
El Salvador e na Argentina.
Tais golpes militares resultaram na instalação de governos ditatoriais que tinham como
prática a repressão violenta de quem representasse perigo ao país, sendo comum a decisão pela
formação de grupos de oposição armada, que tentavam desestabilizar o Estado. Na medida em
que o aumento das reivindicações sociais por mais liberdade iam tornando a sustentação do
regime cada vez mais delicada, passaram a efetivar uma série de providências com a finalidade
de controlar o ritmo da transição para um governo democrático, tendo em vista, especialmente, a
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O termo América Latina está sendo utilizado no seu aspecto lingüístico, no sentido de países do continente
americano que possuem idiomas oficiais originários primordialmente do latim (português e espanhol) e não no
sentido vulgar puramente geográfico, mais utilizado usualmente, que engloba todos os países que estão ao sul dos
Estados Unidos. Na acepção utilizada aqui, portanto, estão excluídos a Guiana e o Suriname (que têm como idioma
oficial o holandês), Belize (que utiliza o inglês) e todos os países do Caribe (que falam francês e/ou inglês), com
exceção da República Dominicana e de Cuba (que usam o espanhol). Também está excluído Porto Rico, pois, apesar
de falar o espanhol, não pode ser considerando um país independente, já que está em regime de associação com os
Estados Unidos.
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5.1 ARGENTINA.
militar promovido em 4 de julho de 1943. O motivo principal para esse golpe foram fraudes nas
eleições que levaram Rámon Castilho (1873-1944) ao governo presidencial, além de corrupção.
Em 9 de outubro de 1945, conflitos internos entre os militares levaram a um levante e o
grupo que então governava, formado por integrantes de uma ala conhecida como Grupo de
Oficiais Unidos, cuja maior característica era a adoção da ideologia fascista, foi destituído do
poder. Perón foi levado à prisão, mas a pressão popular por sua libertação, capitaneada por
sindicatos, foi tão grande que ele foi libertado em oito dias. Meses depois, a pressão popular
também conseguiu que fossem realizadas eleições livres. Perón fundou o Movimento Nacional
Justicialista, mas tarde denominado de Partido Justicialista, e se candidatou ao cargo de
presidente. Foi eleito em 1946 e reeleito em 1951. Os seus apoiadores ficaram conhecidos como
peronistas.
O seu primeiro mandato foi marcado por uma rápida industrialização do país, aumento
dos direitos trabalhistas e estatização de empresas privadas, aliada a uma política de repressão aos
grupos de oposição e proteção a militares nazistas foragidos. O período também foi de início de
uma crise econômica, iniciada por uma política agrícola protecionista dos Estados Unidos - maior
comprador dos produtos agrícolas do país, a base da economia - que aos poucos levou a
desestabilização das finanças do governo, crescimento da inflação e estagnação do crescimento.
Um elemento que contribuiu para a política americana foi, além da pressão da sua
agroindústria interna, a postura de neutralidade de Perón diante do cenário da Guerra Fria, que
mantinha relações comerciais com a União Soviética, não criticava ou apoiava nenhuma das
ideologias em conflito e se recusava a participar de organizações internacionais controladas pelos
Estados Unidos, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT). Publicamente, sustentava agir dessa forma para garantir a independência
econômica da Argentina.
Nessa época, já estava sendo disseminada a doutrina da segurança nacional e os militares
do país, por força das medidas estatizantes e trabalhistas que Perón efetivou, passaram a
desconfiar que a dita busca de independência era um meio disfarçado para que se conseguisse a
implantação do comunismo. Perón e seu grupo estavam se tornando os inimigos internos a serem
combatidos.
No segundo mandato, a crise econômica se agravou, a inquietação dos militares aumentou
e se somou a uma crise política: no ano de 1954, o presidente legalizou o divórcio e a
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prostituição, o que o levou a ser excomungado pelo Papa Pio XII (1876-1958) em 15 de junho de
1955. No dia seguinte, Perón convocou uma manifestação de apoio na Praça de Maio, Buenos
Aires. Os militares, estreitamente ligados a Igreja Católica, esgotaram a sua tolerância para com o
presidente: aviões da Marinha bombardearam o local e mataram mais de trezentas pessoas.
Isso deu início a conflitos armados entre os peronistas e os militares, que, em 16 de
setembro, derrubaram definitivamente o governo. Assim, foi implantada mais uma ditadura.
Perón fugiu do país sob proteção do governo paraguaio e foi proibido de retornar. Circulou por
alguns países e se exilou definitivamente na Espanha.
A intenção dos militares, ao derrubar Perón, foi de apenas expurgar a sua figura da
política argentina, o que foi feito através da perseguição a peronistas e a comunistas, inclusive
colocando os respectivos partidos na ilegalidade. Em 1957, foram realizadas novas eleições.
O eleito foi Arturo Frondini (1908-1995), o qual trouxe o peronismo de volta à legalidade,
mas ainda manteve a proibição relativa a Perón.
Em 18 de março de 1962, o peronismo foi vitorioso nas eleições de onze das catorze
províncias, que foram colocadas sob intervenção federal. O aumento do poder dos peronistas e o
receio quanto ao efetivo controle do presidente sobre a situação fizeram com que os militares
promovessem um novo golpe, em 29 de março.
Horas depois que Frondini foi encurralado e enquanto a sua rendição estava sendo
negociada, o civil José Maria Guido (1910-1975), presidente da Câmara de Senadores e próximo
na linha sucessória, aproveitou que o Exército ainda não haviam tomado a residência oficial e se
empossou como presidente. Os militares souberam do fato no dia seguinte, pela imprensa.
Mesmo contrariados, o aceitaram no cargo, desde que se subordinasse as determinações que
impusessem, como anular as eleições vencidas pelos peronistas e tornar ilegal o Partido
Justicialista.
Estabilizada a situação, foram convocadas novas eleições em 1963. O vencedor, Arturo
Illia (1900-1983), se tornou o presidente em 12 de outubro.
O seu governo careceu de suporte popular, em função de que os peronistas, como forma
de protestar contra a sua exclusão do processo eleitoral, votaram maciçamente em branco.
Também surgiu uma forte oposição empresarial, centralizada na associação Ação Coordenada
dos Institutos Empresariais Livres (ACIEL), que iniciou uma campanha de crítica sistemática,
utilizando a imprensa para repreender as políticas econômicas.
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Como forma de amenizar a situação e conquistar maior apoio, Illia permitiu que os
peronistas voltassem a participar nas eleições legislativas de 1965. O resultado foi uma larga
vitória do Partido Justicialista, que causou nova agitação nos quartéis e levou a mais outro golpe
militar, em 28 de junho de 1966. Os líderes do movimento autodenominaram o golpe de
Revolução Argentina.
O primeiro presidente deste novo período de ditadura foi o general Juan Carlos Onganía
(1914-1995), que governava subordinado a Junta de Comandantes-em-Chefe das Forças
Armadas, composta pelos comandantes das três Forças Armadas. Editou o Estatuto da Revolução
Argentina, lei com patamar acima da Constituição Federal, promoveu reformas constitucionais e
iniciou um regime de censura à liberdade de expressão e repressão ao movimento estudantil e
sindical.
Nesse mesmo governo, surgiram os primeiros grupos de oposição armada: os Montoneros
e o Exército Revolucionário do Povo (ERP). A primeira ação pública dos Montoneros foi o
sequestro e assassinato do general Pedro Eugênio Aramburu (1903-1970), em 29 de maio de
1970. A sua morte levou a desmoralização de Onganía e a Junta Militar determinou a sua
substituição. O escolhido foi Roberto Marcelo Levingston (1920).
Levingston era um militar sem muito reconhecimento e poder de influência entre os
militares em geral, o que o fez ter um mandato curto, sendo substituído apenas nove meses depois
de ter assumido. O sucessor foi o general Alejandro Agustín Lanusse (1918-1996).
Diante de um quadro de crescente aumento da pressão social pela volta da democracia,
somada a atuação razoavelmente bem sucedida dos guerrilheiros, que levava ao aumento da
violência estatal, e consequentemente, ao aumento do repúdio da população, os militares
iniciaram negociações com os partidos políticos para que se chegasse a uma saída eleitoral para o
fim da ditadura. As negociações resultaram em um arranjo conhecido como Grande Acordo
Nacional, que convocou eleições, a serem realizadas em 1973. Também foi permitida a volta de
Perón. Quando retornou ao país, mais de dois milhões de pessoas lhe aguardavam no aeroporto
de Buenos Aires. Com a finalidade de impedir que concorresse, foi aumentado o tempo de
residência exigido para ser candidato a presidente na próxima eleição. Como estava a dezoito
anos no exílio, Perón não cumpria tal requisito.
No dia 25 de maio de 1973, Héctor José Cámpora (1909-1980), peronista escolhido
pessoalmente por seu mentor para representá-lo, foi eleito. A escolha desse político foi parte de
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Art. 1º. Presume-se, sem admitir prova em contrário, que aqueles que, ao
término do período de fato, atuavam como oficiais-chefes, oficiais subalternos,
suboficiais e pessoal de tropa das Forças Armadas, de segurança, polícias e
penitenciárias, não são puníveis pelos delitos a que se refere o art. 10, §1º, da
Lei 23.049, por terem agido em virtude de obediência devida.
§1º. A mesma presunção será aplicada aos oficiais superiores que não atuaram
como comandante-em-chefe, chefe de zona, chefe de subzona ou chefe de força
de segurança, policial ou penitenciária, se não ficar deliberado judicialmente,
antes de trinta dias depois da promulgação desta lei, que possuíam capacidade
decisória e participaram na elaboração das ordens.
§2º. Em tais casos, se considerará, de pleno direito, que as pessoas mencionadas
trabalharam em estado de coação sob subordinação da autoridade superior e em
cumprimento de ordens, sem que lhes tenha sido facultado ou possibilitado se
oporem ou resistirem à elas em termos de oportunidade e legitimidade 4.
A locução período de fato é usada pelos países de língua espanhola para se referir
juridicamente a governos ditatoriais, em alusão a sua falta de amparo legal. Com essa lei, a
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O texto da integral da lei consta no Anexo B.
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Tradução livre do autor. O texto integral da lei consta no Anexo C.
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O texto integral da lei consta no Anexo D.
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5.2 URUGUAI.
Com uma democracia centenária e um dos panoramas políticos mais estáveis da América
do Sul, até o início dos anos 1950, o Uruguai apresentava níveis de qualidade de vida acima da
média em relação aos outros países da região. Fruto de uma política de bem-estar social
duradoura, tal característica fez com que o país fosse conhecido como a Suíça da América.
Com uma economia baseada na agricultura, o avanço tecnológico que o setor sofreu nos
outros países fez com que o Uruguai perdesse, gradativamente, a sua competitividade no mercado
mundial. Os altos custos da mecanização comprometeram a rentabilidade da agroindústria e
tiveram impactos severos na economia.
No decorrer da década de 1960, a deterioração da agricultura desencadeou um movimento
de trabalhadores de plantações de cana-de-açúcar, que se deslocaram até Montevidéu para
reivindicar reforma agrária, encarada como a solução para a situação. A ação dos trabalhadores
rurais fez com que outras categorias profissionais também se organizassem e, a partir de 1964,
iniciassem uma série de greves e de ocupações de fábricas. Pleiteavam a implantação de reformas
profundas para a recuperação do país.
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Em 1965, uma falência generalizada no sistema bancário fez com que o país decretasse
moratória. Nesse mesmo ano, sob influência da Revolução Cubana e do descontentamento que se
abatia, surgiu um grupo socialista de ação armada: o Movimento de Libertação Nacional (MLN),
conhecido como Tupamaros, em alusão a Tupac Amaru I, último líder inca. Inicialmente, não se
apresentaram publicamente, se restringindo a realizar pequenos roubos de armas e dinheiro. O
grupo passou a ser conhecido no ano seguinte, quando passou a distribuir dinheiro e comida em
algumas áreas do país, no intuito de conseguir apoio, e a promover assaltos à instituições
financeiras.
Em 1966, um plebiscito aprovou a ampliação dos poderes do Executivo, medida
entendida como necessária para a superação da crise, e foram realizadas eleições presidenciais. O
vencedor foi o general Oscar Diego Gestido (1901-1967).
Em 1967, a ausência de mudanças na conjuntura levou a realização de mais greves e da
disseminação de críticas dirigidas ao governo. Isto levou Gestido a fazer uso das Medidas
Prontas de Segurança (MPS): atos excepcionais e transitórios, com base constitucional, que
restringiam as liberdades individuais, como a inviolabilidade do domicílio e o habeas corpus.
Com elas, pôde deter dirigentes sindicais e censurar a imprensa.
A decretação das MPS fez com que algumas figuras abandonassem o governo e fossem
substituídas por pessoas ligadas a Confederação Sindical do Uruguai - entidade patronal, de
ideologia anticomunista, que recebia suporte do governo americano.
O falecimento de Gestido, em 6 de dezembro do mesmo ano, fez com que o vice-
presidente, Jorge Pacheco Areco (1920-1998) assumisse o cargo. Dias depois, dissolveu os
partidos de esquerda e várias associações e jornais, vistos como fomentadores dos movimentos
grevistas.
A partir de 1968, os Tupamaros passaram a agir com mais violência, realizando
seqüestros e assassinatos de autoridades e chegaram até mesmo a dominar temporariamente uma
cidade. Em 1970, sequestraram e mataram Daniel Mitrione (1920-1970), funcionário da
embaixada americana que, na verdade, era um agente secreto encarregado de ensinar técnicas de
tortura para a polícia uruguaia (esse mesmo agente circulou pelo Brasil anos antes, com o mesmo
objetivo). Um ano depois, mais de cem integrantes conseguiram fugir em massa de uma
penitenciária.
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que abriu espaço para que a sociedade se mobilizasse contra a ditadura. A nova Constituição foi
rejeitada.
O resultado surpreendeu o governo, que não havia considerado a possibilidade de derrota,
dado o grande controle que exercia sobre os meios de comunicação. Diante dessa situação de
desmoralização, perceberam que o regime era frágil e que não haviam conseguido o apoio da
sociedade, mesmo com a repressão aos opositores e a propaganda oficial. O evento fez com que
passassem a negociar um processo de abertura com os partidos políticos ainda autorizados a
funcionar.
Em julho de 1981, os militares definiram as regras para uma lenta transição rumo a
restauração da democracia. Para executá-las, o general Gregório Conrado Alvarez Armelino
(1925) foi escolhido presidente.
Em agosto de 1984, o regime e os partidos políticos chegaram a um acordo final,
denominado de Pacto do Clube Naval, pelo qual alguns presos políticos foram soltos, regras
eleitorais foram estabelecidas e os militares se comprometeram a deixar o poder. No dia 25 de
novembro foram realizadas eleições, sendo vencedor Julio Maria Sanguinetti (1936).
No dia 12 de fevereiro de 1985, Álvares renunciou ao seu mandato. O comando do país
foi assumido interinamente por Rafael Addiego Bruno (1923), presidente da Corte Suprema de
Justiça. Em 1º de março, Sanguinetti foi empossado e a ditadura se encerrava.
O número de mortos em razão da ditadura militar uruguaia não é preciso e não há
contagem oficial. Uma estimativa feita pela Universidad de la República, em Montevidéu, no
projeto Investigación Histórica sobre la Dictadura y el Terrorismo de Estado em el Uruguay,
lista 101 pessoas como “assassinadas, falecidas ou que se suicidaram no cárcere”6.
6
RICO, Álvaro (org). Investigación Histórica sobre la Dictadura y el Terrorismo de Estado em el Uruguay,
2008. Disponível em <http://www.universidadur.edu.uy> Acesso em 02 jul. 2010.
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A finalidade desta lei foi beneficiar unicamente os guerrilheiros, já que, pelo seu art. 5º,
estavam expressamente excluídos os agentes estatais que praticaram crimes.
Como os militares e policiais apoiados pelo regime podiam ser responsabilizados, a
Câmara dos Deputados formou comissões para investigar seqüestros, homicídios e
desaparecimentos de opositores.
Ainda em 1985, no mês de outubro, Sanguinetti e o comando do Exército chegaram a um
acordo pelo qual os militares se comprometeram a permitir que a Justiça Militar julgasse aqueles
que haviam cometido violações contra os direitos humanos.
Apesar de ter conseguido construir esse consenso, Sanguinetti, em uma postura
contraditória, encaminhou um projeto de lei de anistia ao Legislativo que beneficiava os
militares. A reação da população foi grande e imediata: protestos foram realizados e o projeto foi
rejeitado em setembro de 1986.
Um mês depois, dezenove generais fizeram um pronunciamento conjunto colocando que a
ausência de anistia para as Forças Armadas iria colocar em risco a nova democracia. Receoso
quanto a um novo golpe, o Legislativo aprovou uma outra lei anistiante: a Lei da Caducidade da
Pretensão Punitiva do Estado, ou somente Lei da Caducidade (Lei nº 15.848, de 28 de dezembro
de 1986).
A Lei da Caducidade, nos seus arts. 1º a 3º, diz o seguinte:
§2º. Desde a promulgação desta lei e até que o juiz receba a comunicação do
Poder Executivo, estão suspensas todas as diligências pré-julgamento dos
procedimentos mencionados no parágrafo primeiro deste artigo. 7
A Lei da Caducidade declara extinta a punibilidade relativa aos crimes cometidos por
agentes governamentais, surtindo exatamente o mesmo efeito indireto de uma lei de anistia
propriamente dita, mas estabelece uma forma muito singular para a formalização da extinção, ao
colocar o seu reconhecimento sob a discricionariedade exclusiva do Executivo.
A Constituição uruguaia (art. 79) previa que, se houvesse requerimento de vinte e cinco
por cento dos eleitores, uma lei poderia ser submetida a referendo para que surtisse seus efeitos.
Os grupos contrários se organizaram e conseguiram a realização do referendo. No dia 16 de abril
de 1989, a anistia foi aprovada com 56,65% dos votos.
A Lei da Caducidade foi analisada pela Suprema Corte de Justiça em maio de 2009, por
provocação de Blanca Stela Maris Sabalsagaray Curutchet, irmã de Níbia Glória Sabalsagaray
Curutchet, professora assassinada dentro de um quartel em 1974.
Na 1ª instância, o magistrado expediu o requerimento ao Poder Executivo, que respondeu
que, em relação aos militares e policiais, havia operado o fim da pretensão punitiva do Estado.
Em conseqüência, a instrução da causa continuou apenas para verificar se funcionários civis
estavam envolvidos. Esgotada a instrução e na ausência do envolvimento de civis, o caso foi
arquivado.
Foram interpostos sucessivos recursos, até que o processo chegou ao tribunal
constitucional.
A decisão pela inconstitucionalidade se apoiou em três argumentos. O primeiro diz
respeito a violação a soberania da nação. Foi considerada violada porque o exercício da pretensão
punitiva é algo inerente a ideia de soberania que o Estado possui sobre o seu território e o
Legislativo não está autorizado a impedi-la ou limitá-la, como o fez.
O segundo argumento é de violação ao princípio da separação dos poderes, visto que a Lei
da Caducidade conferiu ao Executivo a competência absoluta para decidir sobre o exercício da
pretensão punitiva no bojo de processos judiciais em trâmite, competência essa que cabe apenas
ao juiz da causa, enquanto membro do Judiciário, exercer.
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Tradução livre do autor. O texto integral consta no Anexo E
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